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06/07/2023, 17:55 A CRÍTICA TEXTUAL E A AUTENTICIDADE DAS INFORMAÇÕES PRESERVADAS NOS TEXTOS

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A CRÍTICA TEXTUAL
E A AUTENTICIDADE DAS INFORMAÇÕES
PRESERVADAS NOS TEXTOS

José Pereira da Silva (UERJ)

A necessidade de construir textos autênticos se faz sentir quando um povo de alta civilização
toma consciência dessa civilização e deseja preservar dos estragos do tempo as obras que lhe
constituem o patrimônio espiritual.

(AUERBACH, [1972]: 11)

Conforme nos ensinam os filólogos italianos Barbara Spaggiari e Maurizio Perugi em seus Fundamentos da crítica textual (SPAGGIARI &
PERUGI, 2004: 19-20),

Antes da invenção da imprensa[1], um texto muito divulgado e muito lido é, necessariamente, um texto que foi copiado
muitas e muitas vezes. E, a cada cópia, o texto é sujeito ao risco de ser alterado, de maneira mais ou menos grave, no que
diz respeito à sua versão original. Transcrever um texto qualquer sem cometer erros, ou sem introduzir alterações, é tarefa
quase impossível. Uma cópia representa a versão necessariamente alterada do original que intende[2] [que tem a intenção
de] transmitir.

Por isso, foi especialmente criada uma disciplina, a crítica textual (ou ecdótica)[3], que tem por fim o exame exaustivo de
toda a tradição manuscrita, para verificação do seu grau de autenticidade, e no intento de estabelecer o texto original
perdido.

Num trabalho que escrevi para o III ENCONTRO NACIONAL COM A FILOLOGIA, que ocorreu em maio de 2004 na Academia Brasileira de
Letras, tratei da importância da filologia nos estudos literários em geral.

Aproveito para relembrar dois tópicos, em que tratei dos trabalhos relativos à bibliografia e à história literária:

A bibliografia de um autor deve conter primeiramente a lista de suas obras autênticas, com todas as edições que delas se
fizeram; a seguir, as obras duvidosas que se lhe atribuem; por fim, os estudos que outros autores lhe consagraram, se a lista
assim compilada contiver manuscritos, será mister assinalar o local onde se encontra o manuscrito e dar uma descrição
exata de sua forma; para os livros impressos, é preciso indicar, ao lado do título exato, o local e o ano da publicação, o
número da edição (p. ex. 5ª ed. revista e corrigida), o nome de quem fez a edição crítica ou comentada ou a tradução, o
nome do impressor ou da editora, o número de volumes e de páginas de cada volume, o formato; algumas bibliografias dão
outras indicações suplementares, que variam segundo as necessidades do caso. (SILVA, 2004a: 90)

Naquela oportunidade, foi lembrado também o papel da Lingüística como importante ciência auxiliar da Filologia para se chegar à prova
de autenticidade de uma obra. Ou seja:

Não é preciso dizer que a história literária se serve freqüentemente, nas suas pesquisas, de noções lingüísticas. Delas
necessita em todas as investigações concernentes ao estilo de um autor ou de uma época. Em relação aos estilos
característicos das diversas épocas ou períodos da literatura, é bom que se veja livro de Domício Proença Filho, inicialmente
destinado ao ensino básico, mas bastante útil nos cursos de Letras (PROENÇA FILHO, 1973). As questões lingüísticas são
particularmente importantes nas discussões a respeito da autenticidade das obras de atribuição duvidosa, como é o caso das
Cartas Chilenas, cuja atribuição de autoria só foi resolvida graças aos estudos estilísticos. Quando escasseiam as provas
documentais, tais discussões podem decidir-se amiúde por considerações de ordem lingüística: será que o vocabulário, a
sintaxe, o estilo da obra duvidosa se assemelham mais ou menos aos das obras autênticas do escritor em questão? Mas a
importância da Lingüística em história literária não se limita a essa espécie de problemas. As obras de arte literária são obras
compostas em linguagem humana; o desejo de se aproximar delas o mais possível, de alcançar-lhes a própria essência, deu, nestes
últimos tempos, novo impulso à análise dos textos literários, análise cuja base é lingüística; não é mais unicamente para
compreender-lhes o conteúdo material, mas para apreender-lhes as bases psicológicas, sociológicas, históricas e sobretudo
estéticas, que se pratica atualmente a análise ou explicação de textos. (SILVA, 2004b: 99-100)

Segundo o historiador José Honório Rodrigues ([1957]: 491) “A autenticidade deve ser empregada para expressar somente a idéia de
genuinidade, não importando absolutamente se a fonte é digna de fé ou não”, apesar de ser freqüentemente confundida com a idéia de
credibilidade.

De fato, o problema da credibilidade não está, necessariamente, ligado à questão de autenticidade, pois, embora se possa admitir que
uma fonte espúria seja indigna de fé, a veracidade ou falsidade do conteúdo dela não é critério decisivo para decidir sobre sua
autenticidade.

O certo é que “a genuinidade ou falsidade dos documentos é um dos problemas mais importantes da crítica”, não somente da crítica
histórica, como ressalta o autor citado, e da crítica textual, mas também da crítica literária, da filosófica etc.

“A condição prévia de valorização de uma fonte é a segurança de que ela seja realmente o que parece ser, isto é, uma fonte autêntica”
(RODRIGUES, [1957]: 491), o que leva os historiadores e os filólogos ao maior esforço possível para produzirem edições confiáveis, que
representem, de fato, o que seus autores escreveram. Por isto, a crítica de autoria (ou de atribuição) toma um peso tão grande na
introdução aos textos editados criticamente.

Mas não basta isto. Remetendo-se ao Pe. Charles de Smedt, José Honório Rodrigues lembra, no capítulo sobre a “Crítica Histórica”, certo
de que não basta que o documento histórico seja reproduzido, mas que ele seja publicado de forma inteligível:

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Lido o documento, verificada a sua autenticidade, precisamos, para a boa inteligência do texto, recorrer à filologia, que
vai nos facilitar a compreensão do sentido exato do testemunho. É sabido que muitos documentos, pela incorreção da
linguagem, pela profusão de termos desconhecidos e empregados em sentido novo, pela ignorância da parte do autor de
regras elementares de flexão e sintaxe, ou pela confusão das disposições, de detalhes ou da própria frase exigem estudos
filológicos para a própria compreensão do texto. (Cf. SMEDT, 1883, 100).

Depois de parafrasear Dilthey (1944: 288-287), afirmando que “a ciência fundamental da história é a filologia em seu sentido formal,
como estudo científico das linguagens em que se propala a tradição, recopilação dos testemunhos humanos”, reforça seu apreço pela
filologia, lembrando que ela “investiga a genuinidade dos documentos e a autenticidade dos testemunhos, fornecendo-nos os elementos
de convicção sobre a legitimidade da nossa interpretação...” (Op. cit., p. 475).

Do ponto de vista jurídico, autêntico é aquilo a que se pode dar fé ou que está dentro das formalidades legais e é tido como legítimo e
verdadeiro, o que leva grande parte de pessoas a confundir este conceito com o de genuíno, que é o que mais interessa ao filólogo, ao
historiador etc.

Interpretando Carraghan, José Honório Rodrigues apresenta o seguinte exemplo daquele autor, demonstrando com simplicidade que
uma obra espúria, isto é, não genuína, não autêntica, e que pode ser fidedigna:

A, escrevendo de primeira mão sobre acontecimentos correntes, pode produzir uma relação acurada dos mesmos e digna
de fé, embora seja ela publicada sob o nome de B, a fim de assegurar-lhe caráter de maior autoridade.[4] Atribui-se
geralmente, embora erroneamente, o livro a B, e essa autoria pode ser descrita como espúria e não autêntica, visto que o
autor a quem se atribui a obra não é o verdadeiro autor (CARRAGHAN, 1946: 170, apud RODRIGUES, 1957: 491-492).

Isto não é tão raro como parece. As traduções, por exemplo, só muito recentemente passaram a ser divulgadas com as informações de
crédito a seus executores e, mesmo assim, nunca [ou quase nunca] trazem informações sobre as consultorias realizadas para se chegar
à forma alcançada.[5]

Na verdade, isto ocorre muito mais vezes do que se imagina. Por exemplo: Ninguém, em são juízo, imagina que o presidente da
república, qualquer que seja o grau de sua capacidade e sapiência, seja capaz de redigir todos os discursos que faz sobre os mais
variados campos do saber e do interesse nacional e internacional. No entanto, ninguém diz, por exemplo, que acabou de ouvir o
discurso do Assessor do Presidente.

Exemplifico com o caso do regimento intitulado Diretório que se deve observar nas povoações dos índios do Pará e Maranhão, enquanto
Sua Majestade não mandar o contrário, dado por Francisco Xavier de Mendonça Furtado em 3 de maio de 1757 e confirmado por Sua
Majestade em 17 de agosto de 1758, com a assinatura do Marquês de Pombal.

Esse documento, da maior importância para a história da imposição da língua portuguesa aos índios brasileiros, não foi escrito pelo
Governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado porque, como está comprovado em nossa dissertação de mestrado (SILVA, 1987) e
em outras publicações, quem estava no comando do governo da Capitania naquela época e que, de fato, redigiu esse documento, foi o
Bispo D. Miguel de Bulhões, que assumiu o governo interinamente, enquanto o governador estava ocupado com a comissão da
demarcação dos domínios portugueses.

Segundo o Professor Leodegário, é a Diplomática que se preocupa com a parte gráfica de um documento (público ou privado), pois
examina também os seus caracteres externos, como a matéria escriptória ; os instrumentos utilizados no ato a escrita; as tintas e o tipo
de letra; e os padrões de linguagem e a própria forma do documento, para determinar a autenticidade da documentação analisada.
Portanto, a ciência diplomática fornece à crítica textual subsídios preciosos, sobretudo no que se refere à determinação da autenticidade
de um texto. (Cf. AZEVEDO FILHO, 2004: 26)

Diante de um manuscrito a ser editado, portanto, é básico o recurso à Paleografia, à Diplomática e à Codicologia, para a
sua exata descrição e completo estudo de todos os seus aspectos materiais. Ou seja: deve-se analisar, num manuscrito,
quando e como foi feito, a matéria escriptória usada, o tipo de letra e a autenticidade do códice, como elementos de
investigação preliminar. (Idem,p. 27)[6]

Numa evidência indisfarçável do entendimento de Filologia como Crítica Textual, Maria Luísa Fernández Miazzi esclarece que a tarefa do
editor crítico se destina a chegar à máxima autenticidade do texto publicado.[7]

O Professor Leodegário lembra que, na edição crítica, nem sempre é fácil o estabelecimento seguro do texto autêntico.

Realmente, quando há variantes alternativas, ressalvada a hipótese de qualquer variante do autor, é lógico que apenas
uma delas deve ser autêntica, ficando a escolha por conta do juízo crítico do editor, que deverá recorrer ao usus scribendi do
escritor e da época e ao critério da lectio difficilior para proceder a uma adequada seleção. No caso, fala-se de variantes
adiáforas ou igualmente admissíveis, abrindo-se a recensio, já que a escolha de uma determinada variante não pode
obedecer ao critério externo ou automático. E isso se estende, naturalmente, aos casos de três ou mais variantes
[8]
adiáforas , sendo a tradição[9] ternária ou múltipla. (AZEVEDO FILHO, 2004: 55)

Segundo o Professor Ruy Magalhães de Araujo, que define a crítica textual como a “ciência e a arte de reconstrução de um texto”, cujo
“ponto culminante é a publicação da edição crítica”, o seu primeiro objetivo, relacionado numa lista de vários outros, é “investigar a
autenticidade dos textos” (ARAUJO, 1999: 342).

Mais adiante, no mesmo artigo, o Professor Ruy ainda ensina que, entre as tarefas da crítica textual cabe

...examinar e provar a fidedignidade e a autenticidade dos textos: autor, época, fatores de ordem histórico-social, jurídica,
política, econômica, ideológica, religiosa, econômica etc. Os textos podem ser: autógrafos ou autênticos – de autoria
comprovada; apócrifos: de falsa procedência ou de fonte duvidosa; apógrafos: copiados e não assinados (Idem, p. 345).

Referindo-me à crítica textual no passado (SILVA, 2004: 44), transcrevo o que ensina Antônio Houaiss, em que fica clara a preocupação
com a autenticidade desde os primeiros editores críticos:

As mais antigas edições críticas, ao menos no âmbito da cultura européia, são as dos poetas gregos pré-helenísticos,
feitas pelos críticos alexandrinos, Zenóddoto, Aristófanes de Bizâncio, Aristarco. Seus trabalhos incidiram
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preferentemente sobre os poemas homéricos, com textos não anotados, mas acompanhados de signos que exprimiam
dúvida quanto à autenticidade da tradição ou que remetiam ao comentário, comentário que encerrava indicações sobre os
manuscritos de que os críticos se haviam servido e sobre as lições que haviam adotado. A recensio se fazia segundo critérios
internos, as emendas não eram acolhidas no texto, a tendência era puramente conservadora; entretanto, os versos
reconhecidos como não autênticos eram transcritos no texto, embora com signos indicativos de não autenticidade.
(HOUAISS, 1983: I, 205),

Transcrevo, a seguir, o tópico 6.2 dos Elementos de Bibliologia, do Professor Antônio Houaiss, que trata de “edições críticas e edições
fiéis”, que, para os objetivos de nossa proposta, têm o mesmo valor, pois o que nos interessa, em princípio, é que o professor de
português e de literaturas de língua portuguesa tenham em mão textos que representem a vontade de seus autores.

Eis o que diz Antônio Houaiss, nas páginas 273 e 274 do primeiro volume da obra citada, sobre edições críticas e edições fiéis e sobre
textos fiéis e textos fidedignos:

EDIÇÕES CRÍTICAS E EDIÇÕES FIÉIS

Nas condições das obras escritas depois do século XVI, é costume procurar-se uma distinção entre aquelas que devam
ser editadas com fins extralingüísticos daquelas que o devam com fins lingüísticos - compreendendo-se neste conceito (o que
oponencialmente esclarece aquele) as obras que, além de sua mensagem conceitual e significativa, estética ou estritamente
cognitiva, são editadas com rigor tal, que seus elementos constitutivos possam servir de fundamentação, exemplificação,
abonação e sustentação de fatos lingüísticos e de hipóteses, teorias e doutrinas filológicas. Com relação às obras anteriores
ao século XVI, a distinção parece modernamente ser ociosa: as dificuldades críticas que encerram são de tal natureza que,
em sendo o seu editor-crítico um filólogo, seu texto deverá ser seguramente bom para fins extralingüísticos; em sendo o seu
editor-crítico não filólogo, será ele possuído de espírito científico bastante para apelar para o concurso de um filólogo. Como,
porém, a partir do século em causa, o acervo do material publicável aumenta progressivamente de monta, bem pode ocorrer
ou que as vantagens comerciais ou que as urgências da documentação exijam sua publicação sem a prévia constituição do
texto crítico.

Textos fiéis e textos fidedignos

Ora, o texto crítico, o texto fiel, se caracteriza pelo processo de seu estabelecimento e de sua motivação: além da
recensão, do estema, da colação, da interpretação, encerra o aparato crítico, sem falar da introdução, em que se fixam os
critérios gerais e especiais, em havendo-os. Isso, além do rigor científico com que é de presumir seja feito, é trabalhoso,
moroso e, pois, dispendioso. Economia e urgência podem, por conseguinte, determinar edições de textos posteriores ao
século XVI em que a totalidade das normas ecdóticas não seja observada. Quais são aquelas que podem ser legitimamente
dispensadas, sem que, contudo, cesse a validade científica, a fidedignidade da publicação? A resposta é alternativa:

a) ou bem se reproduz, ipsis litteris, o texto, segundo a estampação fac-similar (modernamente ainda – e por muito
tempo – justificável) ou a composição diplomática (com os riscos e as contra-indicações já vistas para este último critério),

b) ou bem se estabelece um texto idôneo, fidedigno, porém sem a totalidade do rigor ecdótico.

Tal texto idôneo, fidedigno – não propriamente crítico –, deve basear-se nos seguintes princípios:

1°) deve ser calcado sobre um único exemplar-fonte – que a história externa do texto determinará pura e simplesmente
como base;

2°) deve ter uma indicação prévia do critério que presidiu ao seu estabelecimento, critério em que se porão de manifesto
quais as regras ecdóticas que foram observadas e quais deixaram de o ser;

3°) dispensará o aparato crítico indicador de variantes e discrepâncias, mas poderá encerrar um sucedâneo desse
aparato, para o fim informativo fundamental que orientar sua publicação, com a indicação, se for o caso, das variantes de
formulação que possam dar margem a interpretação diferente do texto estabelecido, do ponto de vista conceitual e nocional.

Em nossa atividade editorial, o que fazemos em relação à obra de Gregório de Matos, com a edição digitalizada do códice Acensio-Cunha
(da Coleção Professor Celso Ferreira da Cunha, que se encontra na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro) em
reprodução escaneada seguida da edição diplomática no mesmo CD-ROM, corresponde ao primeiro tipo de edição.

A edição da obra de Alexandre Rodrigues Ferreira que estamos fazendo pela Kapa Editorial, com uma leitura diplomático-interpretativa,
corresponde ao segundo tipo edições fiéis e textos fidedignos descrito acima (FERREIRA, 2002, 2003 e 2004).

Concluindo, poderíamos dizer com o Padre Antônio Vieira (1686: 141): “Não basta que as coisas que se dizem sejam grandes, se quem
as diz não é grande. Por isso os ditos que alegamos se chamam autoridades, porque o autor é o que lhe dá o crédito e lhe concilia o
respeito”.

Ora, se não há autenticidade em relação a um texto divulgado, pouco importa o que nele se informa, porque não se costuma dar crédito
a informações espúrias ou falsas.

Um lamentável, mas por isto importante exemplo, foi a ênfase com que o Professor Castelar de Carvalho demonstrou a beleza de estilo
do verso de Camões, utilizando a seguinte versão da primeira estrofe de um dos seus mais conhecidos sonetos, cujo primeiro quarteto
se transcreve abaixo.

O brilhante estilicista, numa sessão presidida pelo Professor Leodegário A. de Azevedo Filho, que já demonstrou de maneira dificilmente
contestável que a versão autêntica do texto é outra, explica:

Na prosódia, por exemplo, os acentos de altura e intensidade podem apresentar valor afetivo, como se percebe na
valorização prosódica do vocábulo só no célebre soneto Sete anos de pastor, de Luís de Camões:

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Sete anos de pastor Jacó servia

Labão, pai de Raquel, serrana bela;

Mas não servia ao pai, servia a ela,

E a ela só / por prêmio pretendia.

Lido com a pausa prosódico-semântica acima sugerida, o referido vocábulo enfatiza que somente ela, Raquel, a
insubstituível, era o prêmio pretendido por Jacó, e não Lia, sua irmã, que Labão, “usando de cautela”, tentara impingir ao
apaixonado pastor. (CARVALHO, 2004: 60-61).

Como o verso “E a ela só por prêmio pretendia” não é a versão autêntica do soneto, mas a leitura em que se lê “E a ela por soldada
pretendia”[10], como consta na edição dos Sonetos de Luís de Camões (AZEVEDO FILHO, [2004]: 145), o esforço do Prezado Professor
de nada valeu para provar o valor estilístico da obra de Camões e nem foi Camões o autor citado por ele, pois o verso é uma alteração
de seu texto.

BIBLIOGRAFIA

ARAUJO, Ruy Magalhães de. Os fundamentos teóricos da crítica textual. In: Congresso nacional de lingüística e filologia, II (Anais do).
Rio de Janeiro: CiFEFiL, 1999, p. 342-346.

AUERBACH, Erich. Introdução aos estudos literários. Tradução de José Paulo Paes. [2ª ed.]. São Paulo: Cultrix, [1972].

AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. Base teórica de crítica textual. 2ª ed. Rio de Janeiro: H. P. Comunicação, 2004.

––––––. Lírica de Camões. I. História, metodologia, corpus. Texto estabelecido à luz da tradição manuscrita, em confronto com a
tradição impressa. Apresentação de Antônio Houaiss. Revisão editorial e colaboração na adaptação ortográfica de Sebastião Tavares de
Pinho. [Lisboa]: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, [1985].

––––––. Sonetos [de Luís de Camões. Texto estabelecido por Leodegário A de Azevedo Filho a partir de manuscritos quinhentistas. Rio
de Janeiro: Francisco Alves, 2004].

CARRAGHAN, G. J. A guide to historical method. New York: Fordham University Press, 1946.

CARVALHO, Castelar de. A estilística e o ensino de português. Cadernos da ABF, Vol. V, Nº 01. [Atas do] I Seminário Superior de
Lingüística Aplicada ao Ensino do Português, realizado no Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, de 29 de
novembro a 03 de dezembro de 2004. Rio de Janeiro: 2004, p. 58-65.

CONTINI, Gianfranco. Breviario di ecdotica. Milano-Napoli: Ricciardi, 1986.

DILTHEY, Wilhelm. El mundo histórico. México: Fondo de Cultura Económica, 1944.

FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues Ferreira. Introdução de Carlos Almaça. Notícia sobre
Alexandre Rodrigues Ferreira e sua obra por José Pereira da Silva. Transcrição e comentário da iconografia da “Viagem Philosophica” por
Dante Martins Teixeira e Nelson Papavero. [Lisboa]: Kapa Editorial, 2002, 2 vol.

––––––. Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues Ferreira II. Com a participação de Miguel Telles Antunes e Ausenda C. Balbino no 1°
vol., Jaques Cuisin e Rémy Bruckert no 2° vol. e José Pereira da Silva no 3° vol. [Lisboa]: Kapa Editorial, 2003, 3 vol.

––––––. Viagem ao Brasil de Alexandre Rodrigues Ferreira III. [A edição já está pronta, mas ainda não recebi nenhum exemplar para
que possa fazer a sua referência bibliográfica exata]. [Lisboa]: Kapa Editorial, 2004, 3 vol.

HOUAISS, Antônio. Elementos de bibliologia. Reimp. fac-similar. São Paulo: Hucitec; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1983, 2 vol.
em um único tomo.

MIAZZI, Maria Luisa Fernandez. Introdução à Lingüística Românica: Histórico e métodos. Apresentação de Isaac Nicolau Salum. São
Paulo: Cultrix; Edusp, 1972.

PROENÇA FILHO, Domício. Estilos de época na literatura (através de textos comentados). 4ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro; São Paulo:
Liceu, 1973. [Há edições mais recentes].

RODRIGUES, José Honório. Teoria da História do Brasil. Introdução metodológica. 2ª ed. rev., aum. e ilustr. São Paulo: Cia. Ed.
Nacional, [1957], 2 tomos [o segundo vai da pág. 369 à 684].

ROSÁRIO, Manuel da Penha, Pe. Língua e inquisição no Brasil de Pombal. "Prefácio" de Ruy Magalhães de Araujo. "Introdução" e notas
do Professor José Pereira da Silva. Rio de Janeiro: Eduerj, 1995. XXIII + 95 p. il.

SEGRE, Cesare. Avviamento all’analisi del testo letterario. Torino: Einaudi, 1985.

SILVA, José Pereira da. Crítica textual e edição de textos. Livro da VII SENEFIL: VII Semana Nacional de Estudos Filológicos e
Lingüísticos (12 a 16 de janeiro de 2004). Em homenagem a Jairo Dias de Carvalho (Suplemento da Revista Philologus). [Rio de
Janeiro]: CiFEFiL, 2004, p. 36-53.

––––––. Filologia e pesquisas literárias. Revista Philologus, ano 10, n° 29, maio/ago. 2004a. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2004, p. 89-107.

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––––––. Questoens apologeticas: edição crítica. (Dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Letras da UERJ), 1987.

––––––. A imposição da língua portuguesa aos índios e as "Questoens apologeticas" do Pe. Manuel da Penha do Rosário. (Introdução
crítico-filológica e edição do texto). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, IHGB, 148(355):164-177 e
230-281, abr./jun. 1987.

––––––. Língua portuguesa versus língua vulgar. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1993(tomo I):5-50. Rio de Janeiro:
Biblioteca Nacional, 1995.

SMEDT, Pe. Charles de. Principes de la critique historique. Paris, 1883.

SPAGGIARI, Barbara; PERUGI, Maurizio. Fundamentos da crítica textual. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.

[1] No caso especial do Brasil, a imprensa existe há menos de dois séculos, pois foi proibida em todo o período colonial.

[2] Italianismo que só se explica [mas não se justifica] pelo fato de terem os seus autores produzido o texto em nossa língua, na
suposição de que a dominam bem.

[3] O termo ecdótica, de origem grega, foi utilizado pelo filólogo francês Dom Henri Quentin como sinônimo de crítica textual. Esta
definição, mesmo não sendo de compreensão imediata, permite evitar a confusão entre a ‘crítica textual’ enquanto disciplina filológica, e
a chamada ‘lingüística textual’, que é uma das muitas formas de análise do texto pós-estruturalistas (SEGRE, 1985). O termo ‘crítica
textual’, por sua vez, é tradução do alemão Textkritik, que substituiu a mais antiga expressão ‘crítica verbal’, do francês critique verbale
(CONTINI, 1986: 6).

[4] Dispensamo-nos de citar relatos em que foi um aluno, um estagiário ou um auxiliar tecnicamente desqualificado que descobriu um
fato ou um documento de extrema importância, mas que, para se dar publicidade e credibilidade à nova descoberta, é divulgada em
nome do pesquisador-orientador, chefe da equipe ou, seja quem for que detenha autoridade no assunto.

[5] É fato bem sabido que os bons tradutores profissionais utilizam uma ampla bibliografia de referência e consultam a seus pares nas
situações embaraçosas.

[6] Apesar de tratar da autenticidade de um texto, nesse livro, apenas no capítulo referente às ciências auxiliares da crítica textual, esta
é a sua maior preocupação quando cuida da edição crítica da lírica de Camões, que está em vias de ser concluída, através da Imprensa
Nacional – Casa da Moeda.

[7] “Ampla é a tarefa do filólogo. Cumpre-lhe, localizado o texto, classificar as cópias existentes com base nas variantes ou lacunas,
para fazer o levantamento dos dados de ordem externa e interna, com vistas à sua exegese [ou interpretação] ...

......................................................................................................................................................

Tendo em vista conferir ao texto sua máxima autenticidade, (grifo nosso) eliminará o filólogo criteriosamente as falhas, servindo-se de
toda sorte de ciências auxiliares da filologia, quais a história, geografia, arqueologia, mitologia, epigrafia, etc.” (MIAZZI, 1972: 16-17).

[8] Adiáforo é não essencial; acessório, secundário, dispensável, igualmente admissível.

[9] Tradição é o conjunto dos testemunhos [formas de um texto em determinado suporte], conservados ou desaparecidos, em que se
materializou um texto ao longo do tempo.

[10] Leodegário argumenta suficientemente a favor da versão que defende na sua Lírica de Camões (AZEVEDO FILHO, 1985: 48-50),

www.filologia.org.br/viiisenefil/01.html 5/5

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