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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO DE MESQUITA FILHO” (UNESP)

FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS, DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA – câmpus


de Assis
CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA (LICENCIATURA)

Disciplina: Métodos para a Pesquisa Histórica


Professor Responsável: Wilton Carlos Lima da Silva

ALUNO: Thiago Pereira Camargo Comelli

PROST, Antoine. “A História se Escreve”, “Verdade e Função Social da História” In. Doze
Lições Sobre a História, p. 235-273. Trad. Guilherme João de Freitas Teixeira. Ed.
Autêntica, Belo Horizonte, 1996

Antoine Prost é historiador, professor da Université Paris I e pesquisador na área de


história da sociedade francesa no século XX nos seus múltiplos aspectos: grupos sociais, institui-
ções, mentalidades. Iniciou sua carreira como professor de ensino médio no Liceu Pothier, em
Orléans, ingressando posteriormente na cátedra pela Universidade de Orléans (1969-1979) e na
Universidade de Paris-I, Panthéon-Sorbonne (1979-1998). Presidiu a associação Le Mouvement
Social e a Association des Amis du Maitron (2005-2012). Especialista em questões da educação,
colaborou em diversos momentos na definição de políticas educacionais após 1964. Dentre suas
principais obras, destacam-se: Histoire de la Vie Privée, tome 5 (1987); Éducation, Société et
Politiques. Une Histoire de l’enseignement em France, de 1945 à nos jours (1992); La
Résistance, une histoire sociale (1997);

Numa obra de 12 capítulos de em média de 20 páginas, Prost empreende um itinerário


didático para estudantes universitário do primeiro ciclo, que mais do que uma tomada de posição
teórica, busca a modesta tarefa de reencontrar a postura do artesão que explica seu ofício,
demonstrando como o métier da produção historiográfica foi se configurando até a
contemporaneidade A História dependeria então da posição social e institucional daquele que a
escreve, sem olvidar o contexto no qual as reflexões são elaboradas, bem como da importância da
formação dos discentes no ensino da historiografia e da epistemologia para o desenvolvimento do
olhar crítico, tradução secular inaugurado em 1896-1897 por Charles-Victor Seignobos e Charles
Seignobos, na Sorbonne (PROST, p.07);
Para o autor, seria uma tradição frágil e ameaçada, especialmente no que toca o solo
francês, visto que até o final da década de 80 a reflexão metodológica foi considera inútil, com
historiadores deixando a tarefa da reflexão epistemológica para filósofos (como R. Aron e P.
Ricoeur), atitude que considera como um deliberado e vaidoso “dar de ombros” dos historiadores
franceses a um suposto falatório teórico dos colegas sociólogos (PROST, p.07-09)
Assim, indo na contramão dos colegas alemães ao se eximirem das definições conceituais
e esquemas interpretativos, vestem uma armadura de falsa modéstia ao tomar a reflexão
sistemática como algo pretensioso. Segundo Prost, eximir-se da epistemologia seria tanto uma
forma de evitar perdas de tempo como de expor-se as críticas dos pares, verdadeiro complexo de
superioridade que não surpreendentemente (e felizmente) fragmenta a historiografia francesa de
outrora. De modo que três questões surgem para trincar a fundação da velha cátedra francesa: As
micro-histórias e monografias, cujo inventário temático permanece ilimitadamente aberto; o
subjetivismo do giro literário, tributário de autores como P. Veyne e Hayden White; e a crise
identitária histórica, que do empreendimento unificador de F. Braudel, se “esmigalha” em
reflexões, como bem constata F. Dosse (PROST, p.09-10).
Ponto importante coloca o autor ao debater sobre o caráter verificável da produção
historiográfica, o sinal essencial e tangível da argumentação que separa tal forma narrativa de
outras. Apenas pode ser comprovado como verídico àquilo cuja verificação seja possível, que por
sua vez não exige uma confiança incondicional na autoridade do historiador, mas a possibilidade
de deslocamento do leitor para fora do texto por meio das marcas de historicidade, revelando de
qual árvore retirou os frutos de sua colheita. Sacrificar as notas de rodapé, por mais enfadonhas
que possam parecer ao navegador de primeira viagem no profuso mar histórico, seria sacrificar
todo um aparato crítico e a verificação do processo cognitivo impetrado pelo autor (PROST,
p.235-236).
Assim, característica latente do texto histórico é sua suposta plenitude, esboço de uma
narração e de uma argumentação, ainda que o métier do pesquisador seja recheado de
imperfeições inevitáveis, das quais pode escolher ocultar ou assumir, sublinhando-as como
lacunas superáveis por meio de pesquisas ulteriores, remorso que se apresenta quase sempre nos
finais de prefácio. É preciso que o historiador seja um eterno vigilante de suas carências,
insatisfeito e consciente de sua ignorância e dos numerosos artifícios adotados para colmatar
deficiências da pesquisa, na melhor das hipóteses assinalando-as com notas de rodapé e sempre
com o pé no porvir das futuras investigações e retificações. (PROST, p.236-237).
Para Prost, a continuidade linear entre a pesquisa e a escrita deve ser descartada, ainda que
a segunda comporte vestígios da primeira. No processo de recorte temático da pesquisa e no
encerramento do texto histórico produzido, existem linhas difusas, problemáticas e balizadoras,
pois o processo de investigação levará sempre a novas veredas e itinerários, que precisaram ser
deixados de fora ou aprofundados em menor medida, sob risco de perder o fio de Ariadne e topar
com o Minotauro dos prazos. De modo que o caráter narrativo e cronológico da obra pronta é o
movimento impositivo do pesquisador de ordenar o tecido de incoerências e dar especificidade ao
caos encontrado inicialmente e no decorrer do processo de pesquisa histórico (VEYNE, 1978).
Elemento importante que merece ser destacado é a impessoalidade do autor, a escrita pelo
ponto de vista da História (na qual se impõe o H maiúsculo), de modo que a obra acabada forneça
enunciados objetivados. Não que os enunciados deixem de ser assumidos pelo historiador, mas
num progressivo ofuscamento desse por meio das frequentes dedicatórias a outros historiadores e
referências, transfigurando o autor numa “espécie de compagnon pertencente a um hipertexto
coletivo, em atividade na imensa oficina da História”. Com a obra completa, o autor se torna um
elemento integrado num conjunto que o supera e o engloba (PROST, p.239)
Na mesma toada da impessoalidade, ao situar-se no próprio lugar do saber objetivo
constituído pela profissão, o historiador deve dispensar a opinião de seu hipotético leitor,
devendo evitar relações polêmicas na oposição do eu autor ao vocês leitores, atitude que
desvalorizaria a obra pronta. De modo que a reivindicação de competência deve se fazer presente
logo nas folhas de guarda ou quarta capa, sublinhando a legitimidade. Segundo Prost:

Para ser revestido de autoridade, o texto do historiador deverá ser qualificado


não só pelo saber que ele reivindica, mas pela inscrição desse saber na grande obra da
corporação erudita. Eis o que fundamenta uma relação didática do autor com os leitores,
inclusive, na própria estrutura do texto: quem possui o saber, explica; por sua vez, quem
não sabe, deve instruir-se! Por outras palavras, qualquer historiador é, em maior ou
menor grau, um professor: ele trata sempre seus leitores de maneira mais ou menos
agressiva, como se fossem alunos (PROST, 1996, p.240)

Mais uma vez, as tão temidas notas de rodapé se fazem presentes, evidenciando um duplo
papel representativo: verificação das afirmações do texto que escapem ao argumento de
autoridade, e indício visível da cientificidade e erudição do autor. Assim, ao usar do discurso
histórico didático, busca-se ofuscar o autor e apresenta-se numa linguagem referencial e narrativa
que se serve da linguagem do próprio leitor, ainda que usando de modos mais corretos de
expressão, garantidores de uma sensação de “totalidade orientada” (CERTEAU, 1975, p.133).
Outra característica do texto histórico é seu desdobramento em dois níveis
interrelacionáveis, um correspondente discurso do historiador e outro das notas e citações,
fragmentos de um ou vários interlocutores que é reconstruída e desmembrada pelo historiador em
função da necessidade narrativa, apropriada à sua maneira. Nessa dinâmica, Prost parafraseia
Certeau ao considerar que o duplo efeito da citação produz:

Em primeiro lugar, um efeito de verdade que serve de certificação ou


confirmação: as afirmações do historiador não são extraídas de seu próprio acervo, mas
já haviam sido proferidas, anteriormente, por suas testemunhas. As citações servem-lhe
de escudo contra eventuais contestações e cumprem, também, uma função de
representação: com as palavras de outro introduz a realidade do tempo situado à
distância. A citação, afirma M. de Certeau, produz um efeito de realidade (PROST, 1996,
p.241)

Ao citar, é decodificado pelo historiador os subentendidos e os não-ditos, de modo que o


saber do outro confirmado pela citação seria um saber da verdade de outra autoridade, um saber
historiográfico estratificado que não pode assumir a forma de diálogo ou mera colagem, mas a
efetiva conjugação do saber no singular, citando o plural dos documentos citados, credenciando o
discurso e dando-lhe credibilidade (CERTEAU, 1975, p.111).
Porém, mesmo no processo de desconstrução e reconstrução, a citação sempre será a
palavra do outro, preço a se pagar pelo efeito de realidade e da credibilidade que se espera obter.
Partindo de uma crítica foucaultiana, Certeau considera que a palavra “estrangeira” pode
irromper no texto fórmulas que não seriam próprias ao autor, exprimindo-se em seu lugar,
ambivalência que levaria ao risco de alterações de sentido em traduções ou comentaristas, ao
mesmo tempo “suspense e lapso” fantasmagórico da alteridade supostamente dominada e
manifestação de amizade e cumplicidade, vantagem e probabilidade de confirmação (CERTEAU,
1975, p.256).
Nesse duplo efeito de realidade que se intenta concretizar na citação, Prost ressalta a
existência de uma tensão entre o pensado e a experiência vivida, de modo que se pode pensar o
texto do historiador como um saber que se desdobra e se expõe, no qual o processo de abstração é
indispensável e pressuposto de qualquer pretensão de cientificidade, que se tentará atingir pela
reflexão e atividade intelectual. Ao fazer apelos à imaginação do leitor, o historiador busca fazer
com que este represente o objeto de seu estudo, justificando a importância de se “representar,
pela imaginação, coisas que correriam ao risco de permanecer em estado de palavras por não
serem diretamente representáveis (SEIGNOBOS, 1906, p.15-18).
A dinâmica de fornecer representações aos leitor consiste numa necessidade pedagógica
da qual Prost compartilha da opinião de Seignobos, ainda que separados por mais de meio século.
Mesmo nessa distância significativa, a produção historiográfica não pode olvidar de conceitos
empíricos e generalizações, num movimento de se pensar a experiência vivida em seu plano
epistemológico e no qual as palavras expressem a realidade. Segundo J. Rancière, consistiria
numa escrita narrativa em forma de discurso, na qual os tempos verbais (presente e futuro)
concorreriam aos do passado trabalhado (RANCIÈRE, 1992, p.32-33)
Como conclusão, Prost ressalta o desafio imposto aos historiadores do presente:
transformar a demanda de memória de seus contemporâneos em história. Mais do que recordar
determinado acontecimento, este deve ser explicado em suas motivações e complexidades numa
argumentação tributária de razões e provas, tomando cuidado com a emotividade exacerbada e
aceitando que a história não deve estar a serviço da memória. Ainda que aceite a demanda da
mesma, é apenas como condição de transformá-la em História (PROST, 1996, p.272)

Referências Bibliográficas

CERTEAU, Michel. L’Écriture de l’histoire. Paris: Gallimard, 1975

PROST, Antoine. Doze Lições Sobre a História. Trad. Guilherme João de Freitas Teixeira. Ed.
Autêntica, Belo Horizonte, 1996

RANCIÈRE, Jacques. Les Mots de l’histoire. Essai de poétique du savoir. Paris: Éd. Du Seuil,
1992

SEIGNOBOS, Charles. L’enseignement de l’histoire comme instrument d’education politique. In:


Confferences du Musée Pédagogique. Paris: Imprimerie nationale, 1907

VEYNE, Paul Marie. Como se escreve a história: Foucault revoluciona a história. 4ª ed. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 2008

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