Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
de identidade nacional
Jean Carlos Moreno1
ordem. “Os sólidos podem ser derretidos, mas o são para moldar
novos sólidos” (Bauman, 2008, p.182). Embora não coadune
sempre com os padrões de racionalidade e lógica ideados pela
modernidade, o discurso da nacionalidade foi capaz de dar conta
de uma perspectiva de futuro e de transformação e, ao mesmo
tempo, eliminar, ao menos no nível simbólico ou imaginário, o
caos e a desordem. Assim, a nação torna-se um projeto de esta-
bilidade diante do que se desmancha no ar. Através dela as trans-
formações podem ser explicadas e adquirir sentido.
A ideia de nação, de identidade nacional, e seu desenvolvi-
mento como força política, tem sido debatida há muito tempo
pelas ciências sociais. Nem todos os autores endossariam inte-
gralmente o diagnóstico apontado acima. Vale a pena exami-
narmos alguns destes posicionamentos, suas aproximações e
divergências para daí extrairmos mais algumas possibilidades
interpretativas que nos ajudarão nesta abordagem sobre os dile-
mas da identidade nacional.
Ainda no século XIX, é do historiador francês Ernest Renan
um dos mais célebres textos sobre a existência da nação e seus
fundamentos. Em sua conferência proferida na Sorbonne, em
1882, intitulada “Que é uma nação?”, desenvolveu um raciocí-
nio em defesa do princípio nacional, mas, surpreendentemente,
se levarmos em conta a época, contrariando os principais argu-
mentos utilizados neste período com relação à base formadora
das nações. Para ele, a nação não seria fruto da raça, da religião,
da língua, da geografia, nem das necessidades militares.7 Ela
seria procedente, isto sim, de uma vontade comum no presente,
7 Angela Alonso e Samuel Titan Jr. alertam para não nos empolgarmos com o
“sabor antropológico” dos argumentos de Renan construídos já em tempos de
oposição entre França e Alemanha. Em outros escritos, o historiador francês
utiliza com veemência o conceito de raça para explicar a situação das colônias
europeias. Sua concepção de nação valia, portanto, apenas para o seu conti-
nente (Alonso; Titan Jr., 1997).
14 CRISTINA C. RODRIGUES – TANIA R. DE LUCA – VALÉRIA GUIMARÃES (ORGS.)
13 Tomo o termo emprestado de Euclides Marchi que, por sua vez, o utiliza para
explicar o projeto de mundo presente na Rerum Novarum, base da doutrina
social católica.
14 Além de certa nostalgia pelo passado, no qual se encontraria a origem e a
essência do espírito nacional, boa parte da historiografia do século XIX vai
compartilhar com o Romantismo da forma do romance moderno, compondo
um bildungsroman da nação. “E é o romance, um gênero literário tão jovem
quanto a ideia de nação, que servirá, ao mesmo tempo, de modelo narrativo
para as primeiras elaborações eruditas de escrita nacional e de vetor de difusão
de uma nova visão do passado” (Thiesse, 2002, p.12).
24 CRISTINA C. RODRIGUES – TANIA R. DE LUCA – VALÉRIA GUIMARÃES (ORGS.)
À guisa de epílogo
também uma história que se tornou habitus, incorporada, inscrita nos corpos,
noção que se aproxima à ideia de segunda natureza de Norbert Elias. Essa per-
manência (o passado continua vivo) restringe o universo dos possíveis. “Pode-
mos compreender que o ser social é aquilo que foi; mas também que aquilo que
uma vez foi ficou para sempre inscrito não só na história, o que é óbvio, mas
também no ser social, nas coisas e nos corpos” (Bourdieu, 1989, p.100).
IDENTIDADES BRASILEIRAS 29
1 Este artigo contou com o apoio em pesquisa dos seguintes alunos de gradua-
ção: Daniel Dalla Zen e Victor Wolfgang Kegel Amal (Pibic/CNPq); Poliana
Santana, Carolina Bayer e Fernanda Emanuella Maccari (Bolsa Permanência).
2 Doutora em História, professora titular em História Cultural (UFSC), pes-
quisadora do CNPq (PQ-1B) e autora do livro Tecnologia e estética do racismo:
ciência e arte na política da beleza (2007). E-mail: mbernaramos@gmail.com.
3 Doutoranda em História pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), com a tese: Imagens coloniais em tempos modernistas: a propósito de
Robert C. Smith e sua metodologia como historiador da arte.
32 CRISTINA C. RODRIGUES – TANIA R. DE LUCA – VALÉRIA GUIMARÃES (ORGS.)
O culturalismo
Estatísticas racializadoras
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 %
(%)
100
Pa
80 Pardos
Amarelos
60 Pretos
Brancos B Pr
40
20
A
0
1940 1960 1980 1990
A cor autodeclarada
O movimento negro
10 A União dos Homens de Cor foi fundada em Porto Alegre em 1943. Cinco
anos mais tarde ramificou-se por mais dez estados da Federação (Silva, 2003,
p.215).
62 CRISTINA C. RODRIGUES – TANIA R. DE LUCA – VALÉRIA GUIMARÃES (ORGS.)
A afirmação da negritude
A criminalização do racismo
A discriminação positiva
14 Esta data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), em
memória do Massacre de Sharperville. Em 21 de março de 1960, 20 mil negros
protestavam na cidade de Joanesburgo, África do Sul, contra a lei do passe,
que os obrigava a andar com cartões de identificação especificando os locais
em que podiam transitar. Mesmo sendo uma manifestação pacífica, o exército
atirou sobre os manifestantes. Foram contabilizados 69 mortos e 186 feridos
(Brasil, 2013).
15 Pela lei provisória n.111 de 21 de março de 2003, convertida na Lei 10978.
16 Utilizada pela primeira vez pelo então presidente dos Estados Unidos J. F.
Kennedy, em 1963, a expressão política afirmativa significa: “um conjunto de
políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário,
concebidas com vistas ao combate da discriminação de raça, gênero etc., bem
como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado”
(Domingues, 2005, p. 166).
70 CRISTINA C. RODRIGUES – TANIA R. DE LUCA – VALÉRIA GUIMARÃES (ORGS.)
As terras quilombolas
As cotas universitárias
21 A lista completa das 107 universidades que já aderiram ao sistema de cotas está
disponível em Fundação Cultural Palmares (2013).
22 Já havia 28 projetos na Câmara e 4 no Senado, versando sobre cotas em insti-
tuições federais de educação superior, para candidatos advindos das minorias
étnicas e para grupos das camadas pobres da população (Pacheco; Silva,
2007, p.47).
78 CRISTINA C. RODRIGUES – TANIA R. DE LUCA – VALÉRIA GUIMARÃES (ORGS.)
O desafio
Epílogo
26 Confira a íntegra dos manifestos contra e a favor das cotas. Folha de S.Paulo,
São Paulo, 4 jul. 2006. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
folha/educacao/ult305u18773.shtml>. Acesso em: ago. 2013.
84 CRISTINA C. RODRIGUES – TANIA R. DE LUCA – VALÉRIA GUIMARÃES (ORGS.)
27 O autor informa que utilizou apenas indivíduos que se declaram brancos por-
que a população negra já havia sido objeto de estudo, na década de 1970, para
aferição da proporção de genes europeus em negros brasileiros.
IDENTIDADES BRASILEIRAS 85