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Identidades em movimento:

pensando a cultura nacional


pot meio do cinema

Identitieg ia movement: thinking the twtion.91


eultute by me.gns of the cinema

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A questão da formação das identidades The question of the formation of
é muito relevante para os chamados estudos identities is very important for the so-called
culturais em nossos dias. Em especial as cultural studies. In particular national
identidades nacionais, vinculadas identities, linked automatically to the varied
automaticamente às diversas manifestações manifestations of popular and media
da cultura popular e midiática, têm ganhado culture, have gained increasing space in
cada vez mais espaço em diversos campos various research fields. An identity is no
de pesquisa. Entende-se uma identidade longer understood as Cartesian, closed and
não mais como uma instância cartesiana, univocal, but as something plural that
fechada e unívoca, mas, sim, plural e embodies paradoxes and oppositions. This
portadora de paradoxos e mesmo oposições. study is based on contemporary authors
Para fundamentar este estudo, buscou-se including Stuart Hall, Nestor Canclini,
autores contemporâneos, como Stuart Hall, Naomi K. Bhabha and Tzvetan Todorov.
Nestor Canclini, Naomi K. Bhabha e Tzvetan The article discurses some contemporary
Todorov. Neste artigo, discute-se alguns concepts of identity and the formation of
conceitos contemporâneos de identidade e a sense of cultural identity. Cinema is used
da formação de nosso sentido identitário as the basis of the analysis of the identities
cultural. Para isso, escolheu-se o cinema in transition that are present in the complex
como uma área que serve de ponto de apoio Brazilian society, which is reflected in its
para se discorrer sobre as identidades em various problematics in many current films.
trânsito que se fazem presentes na complexa
sociedade brasileira, a qual se vê refletida
com suas variadas problemáticas em muitos
filmes atuais.
Palavras-chave: identidade, contempo- Key words: identity, contemporary,
raneidade, cultura, cinema brasileiro. culture, Brazilian cinema. Adriano Messias de Oliveira

Mestre em Comunicação pela Univ.


Federal de Minas Gerais-UFMG.
Professor no Centro Universitário de Belo
Horizonte —UNI-BH.

KATÁLYSIS v. 7 n. 2 jul./dez. 2004 Florianópolis SC 158-169


Identidades em movimento: pensando a cultura nacional por meio do cinema

1 O campo das identidades trói a identidade coletiva, e zer parte de agentes huma-
para que essa identidade é nos específicos num dado
a contemporaneidade, construída, são em grande local ou momento. Os seus

ig diversos campos do medida os determinantes do significados são sempre de-


saber, como a comu- conteúdo simbólico dessa feridos num dado texto/local
nicação social, a antropologia, a psico- identidade, bem como de seu a outros focos possíveis da
logia, a história, a filosofia, têm se preo- significado para aqueles que sua produção, por meio das
cupado com as questões ligadas à iden- com ela se identificam ou diversas associações mentais
tidade, sobretudo a cultural. Fica difícil dela se excluem. e referências com as quais
pensar o mundo de hoje sem levarmos um ator humano pode ope-
em consideração as questões identitárias Marcus (1991) é um estudioso que rar de forma criativa através,
que alimentam e forjamos diversos do- salienta a necessidade de enxergarmos
literalmente, das contingên-
mínios da vida social. Ao olharmos para além das simples demarcações entre
cias, dos eventos e, às vezes,
a cultura brasileira, verificamos que a a semelhança e a diferença, entre o
global e o local. Paralelamente ao que através de uma política ex-
questão da identidade cultural faz-se
ele denomina de "processos de plícita a favor ou contra o
cada vez mais evidente.
sincretismo global" — a idéia de que estabelecimento de identida-
Temos percebido que já não é pos- des em lugares específicos
vivemos em um mundo transcultural
sível compreender uma identidade (MARCUS, 1991, p. 207).
no qual, paradoxalmente, emergem di-
qualquer como algo constituído isola-
versidades no âmbito local e no âmbi-
damente; pelo contrário, as múltiplas O estudioso ainda chama a aten-
to global e cabe ao estudioso, nessa
identidades que consolidam uma de- ção para a limitação e os riscos de
miscelânea, a "habilidade de ver 'tudo
terminada imagem de povo e nação, certos modelos de análise, em se tra-
em toda parte' como condição para
por exemplo, antes de serem entida- tando da identidade:
perceber a diversidade" (MARCUS,
des essencializadas, cruzam-se e in-
1991, p. 198), encontramos um apelo
terpõem-se, todo o tempo, em um pro- Controlar o contexto e regis-
à etnicidade e à identidade, seja ela
cesso contínuo de construção, de tal trar empiricamente a compo-
racial, nacional ou cultural. A vanta-
maneira que, para se pensar alguma
gem de se operar uma análise cultural sição atual de fluxos e asso-
delas, é preciso recorrer às demais.
nestes parâmetros é a possibilidade de ciações presentes nos dados
As identidades são práticas discur- se fugir de "qualquer lógica que inclua relativos ao discurso signifi-
sivas; necessitam de elementos vári- contradições duradouras" (MARCUS, cou questionar a adequação
os para serem configuradas. Isso nos 1991, p. 203). Assim sendo, não trata- dos modelos estruturais ou
permite colocar de lado a idéia de que mos jamais das questões culturais como semióticos para dar conta
as identidades seriam preconcebidas imutáveis e permanentes. das associações que não se
ou já estabelecidas. Antes, é preciso
Outra questão que vai se somar a deixam assimilar por mode-
compreendê-las como estando sem-
esta discussão é a do tempo: uma iden- los de dimensões limitadas
pre em formação.
tidade, como afirma Marcus, se auto- (MARCUS, 1991, p. 207).
Para Castells (2000, p. 23-24), au- reconhece mediante a memória cole-
tor contemporâneo que pesquisa as tiva ou individual, que atravessa o tem- Hall (1999) ressalta que a identi-
questões identitárias, uma pluralidade po cronológico. Assim, uma identida- dade, em vez de algo que seja inato a
de elementos conformam o que se de ganha "vida própria" e ultrapassa nós, acabado e definitivo, é, antes, um
pode chamar de identidade: as barreiras do tempo e de qualquer processo que vem do exterior preen-
outro controle: cher aquilo que nos falta.
A construção de identidades
vale-se da matéria-prima Construída e sempre se des- [...] a identidade é realmente
fornecida pela história, geo- locando dentro de uma rede algo formado, ao longo do
grafia, biologia, instituições de locais que constituem tempo, através de processos
produtivas e reprodutivas, fragmentos mais do que inconscientes, e não algo ina-
pela memória coletiva e por qualquer tipo de comunida- to, existente na consciência no
fantasias pessoais, pelos de, a identidade é um fenô- momento do nascimento. Exis-
aparatos de poder e revela- meno disseminador que pos- te sempre algo 'imaginário' ou
ções de cunho religioso. [...] sui uma vida própria que vai fantasiado sobre sua unidade.
em linhas gerais, quem cons- além do sentido literal de fa- Ela permanece sempre incom-

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Adriano Messias cie Oliveira

pleta, está sempre 'em proces- além da sociedade. Ela não apenas as culturas são sempre entida-
so', sempre 'sendo formada'. cristaliza e consolida práticas e tradi- des complexas, diferenciadas
As partes 'femininas' do eu ções sociais, mas mantém valores e e dinamizadas por intensos
masculino, por exemplo, que liames que ajudam a configurar uma processos de traumatização.
são negadas, permanecem determinada comunidade. DaMatta
(2000, p. 50) explica: Ribeiro ainda propõe que, no caso
com ele e encontram expres-
são inconsciente em muitas
particular da cultura brasileira, ela pos-
Podemos assim dizer que so- sui um caráter espúrio, devido à nature-
formas não reconhecidas, na ciedades sem cultura apenas za exógena e mercantil da metrópole
vida adulta. Assim, em vez de acontecem no caso dos 'ani- portuguesa, que participou de sua for-
falar da identidade como uma mais sociais' (uma expressão, mação. Por isso, a questão da alteridade
coisa acabada, deveríamos sem dúvida, contraditória). está arraigada em nossa cultura e nas
falar de identificação, e vê-la No caso do homem, a cada discussões de nosso sentido de cultura
como um processo em anda- sociedade corresponde uma desde a época colonial.
mento. A identidade surge não tradição cultural que se as- Ainda no âmbito da "cultura bra-
tanto da plenitude da identi- senta no tempo e se projeta sileira", transcrevemos um comentá-
dade que já está dentro de nós no espaço. Daí o seguinte rio de Bosi (1996, p. 308), a fim de
como indivíduos, mas de uma postulado básico: dado o discorrermos um pouco mais sobre
falta de inteireza que é 'pre- fato de que a cultura pode ser esta terminologia:
enchida' a partir de nosso ex- reificada no tempo e no espa-
terior, pelas formas através ço (através de sua projeção Estamos acostumados a falar
das quais nós imaginamos ser materialização em objetos), em cultura brasileira, assim,
vistos por outros (HALL, 1999, ela pode sobreviver à socie- no singular, como se existisse
p. 38-39). dade que a atualiza num con- uma unidade prévia que
junto de práticas concretas e aglutinasse todas as manifes-
visíveis. Assim, pode haver tações materiais e espirituais
2 Identidades e "Brasis" cultura sem sociedade, embo- do povo brasileiro. Mas é cla-
ra não possa existir uma so- ro que uma tal unidade ou
ciedade sem cultura. uniformidade parece não exis-
Ao pensarmos em "identidade cul-
tir em sociedade moderna al-
tural brasileira", temos aí um desafio
Nessa mesma linha de pensamen- guma e, menos ainda, em uma
sobre o qual iremos apenas brevemen-
to, Ribeiro (1995, p. 138) afirma que sociedade de classes. Talvez se
te discorrer. Pelo fato de se tratar de
uma cultura nunca é homogênea: possa falar em cultura bororo
uma terminologia tão amplamente em-
pregada, sabemos que seu uso excessi- ou cultura nhamnbiquara ten-
A cultura reflete a experiência
vo ocasiona perda de seu sentido e de prévia da sociedade e reflete,
do por referente a vida mate-
força. Sabemos o quão arriscado seria rial e simbólica desses grupos
por igual, suas características
ensaiar uma definição de cultura brasi- antes de sofrerem a invasão e
estruturais. Assim, a
leira, por isso, valemo-nos, inicialmente, aculturação do branco. Mas
estratificação de classes, a
da concepção de Thompson (1999) so- depois, e na medida em que há
bre cultura, que ele denominou de "con- condição de dependência, a
frações no interior do grupo,
cepção estrutural", na qual é enfatizado heterogeneidade do desenvol-
a cultura tende também a ra-
o caráter simbólico dos fenômenos cul- vimento social ou regional
char-se, a criar tensões, a per-
turais e, ao mesmo tempo, são valoriza- comparecem no quadro da
der a sua primitiva fisionomia
dos os contextos sócio-historicamente cultura como variantes dife-
que, ao menos para nós, pa-
estruturados. Uma cultura não pode ser renciadas desta. Só no caso de
recia homogênea.
compreendida apenas em seus aspec- uma sociedade idealmente ho-
tos simbólicos; é preciso relacionar tais mogênea, e, portanto, simples De acordo com o autor, é preciso
aspectos com a vida social na qual os rudimentar, a cultura pode abandonar o pensamento de que a cultu-
sujeitos estão engendrados, reproduzin- configurar-se como urna enti- ra brasileira é algo estagnado e pronto,
do e produzindo saberes. dade coerente e uniforme. Em que sempre nos remete ao singular, para
Todas as sociedades possuem suas todos os demais casos — e so- imaginarmos um entrelaçamento de cul-
culturas, porém, uma cultura está para bretudo no das civilizações — turas várias e híbridas. O sociólogo Ri-

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beiro também adota um ponto de vista e por seus habitantes. O termo "na- Em um aspecto, falamos a mes-
semelhante ao falar de "Brasis", desta- ção" passava, portanto, a se referir a ma língua, dividimos o mesmo territó-
cando algumas paisagens humanas que grandes grupos fechados, estando vin- rio e partilhamos de uma memória ou
formam nossa cultura, como o Brasil cri- culado ao seu território mediante a tradição, possuímos costumes seme-
oulo, o Brasil caboclo, o Brasil sertanejo, associação nação = Estado = povo lhantes. Isso, antropologicamente, con-
o Brasil caipira e os Brasis sulinos. Não (por influência da acepção de Stuart fere um sentido de "cultura" e "etnia";
se pode, portanto, ao se referir à "cultura Mill, a partir do século XVIII). em outro aspecto, existem as comuni-
brasileira", querer abarcar toda a diver- dades que garantem a ordem social me-
Às vésperas da Revolução France-
sidade cultural de um povo dentro da diante leis e regras, impondo deveres, o
sa e nos primeiros anos após, a nação
vastidão semântica dessas duas palavras. que nos toma cidadãos. "D'un côté les
passa a ser um espaço de legitimação e
cultures, de l'autre, les États", como
Ribeiro (1995, p. 447), ao comen- se opõe ao poder estabelecido, seja ele
resume Todorov (1989, p. 199). Partin-
tar o que seria o brasileiro, escreveu: real ou divino (110DOROV, 1989). É
do desta abordagem fundamental, ten-
quando o "Vive la nation!" suplanta o
taremos ver a nação como um "entre-
Nós, brasileiros, nesse qua- "Vive le roi!", e a nação toma-se o es-
lugar deslizante", tomando emprestado
dro, somos um povo em ser, paço de igualdade entre os cidadãos (ex-
um termo de Bhabha (2000). Uma na-
impedido de sê-lo. Um povo cluem-se as mulheres e os pobres), e
ção está repleta de hibridismos e jamais
mestiço na carne e no espíri- combate privilégios sociais e particularis-
permanece cristalizada ou estagnada.
to, já que aqui a mestiçagem mos regionais. Este é o que se pode cha-
jamais foi crime ou pecado. mar de "sentido interior" de nação. Toda- Em nossa época, pensamos que há
Nela fomos feitos e ainda con- via, uma nação se opõe a outra para se algo maior que une as pessoas em tor-
tinuamos nos fazendo. Essa auto-afirmar e se diferenciar: nação bra- no do sentido de nação, algo que ultra-
massa de nativos oriundos da sileira, nação francesa, nação inglesa... passa a necessidade de uniformidade
mestiçagem viveu por séculos Este é o "sentido exterior" de nação. lingüística, posto que, como exemplo,
sem consciência de si, afun- gascões, bretões e alsacianos nunca
dada na ninguendade. Assim deixaram de se sentir pertencentes à
foi até se definir como uma
Em um aspecto, falamos a nação e ao povo francês, apesar de
seus idiomas particulares e de suas
nova identidade étnico-naci- mesma língua, dividimos peculiaridades regionais. Mais do que
onal, a de brasileiros. Um
povo, até hoje, em ser, na dura o mesmo território e a etnia ou do que a língua comum a
unir os homens em uma nação, o vín-
busca de seu destino. Olhan- partilhamos de uma culo coletivo mais relevante vem a ser
do-os, ouvindo-os, é fácil per-
memória ou tradição, aquele que une os homens em torno
ceber que são, de fato, uma de uma comunidade imaginada, de
nova romanidade, uma possuímos costumes acordo com terminologia de Andersen
romanidade tardia, mas me- (apud HOBSBAWN, 1990, p. 76).
lhor, porque lavada em san- semelhantes.
gue índio e em sangue negro. Hobsbawn, por sua vez, mencio-
na os laços protonacionais, que são
Quando pensamos em cultura bra- O significado de "nação", porém, os que já existem em determinada
sileira, não podemos deixar de discu- muito caminhou do início do século XIX coletividade, antes mesmo que esta se
tir um pouco o termo nação, que qua- aos nossos dias. Para além de um es- configure em uma nação politicamen-
se sempre a acompanha. Faremos paço geográfico coabitado por homens te organizada (1990, p. 63). Uma das
uma breve recapitulação histórica so- e mulheres unilíngües e que partilham formas de protonacionalismo seria,
bre os sentidos que a palavra nação costumes e crenças, entende-se, hoje, por exemplo, as formas supralocais de
assumiu desde a sua origem, basean- que a nação é um organismo amplo e identificação popular, que ultrapassam
do-nos em Hobsbawn (1990) e rico. Todorov (1989, p. 199)) afirma: os locais delimitados territorialmente.
Todorov (1989). Até 1884, na Euro- Assim, teríamos no Brasil, por exem-
"La nation, elle, est une entité plo, a figura do cangaceiro Lampião
pa, empregava-se o termo nation para
referir-se ao conjunto de habitantes à la fois politique et culturelle. que, circunscrita, inicialmente, ao
de uma província, país ou reino. Após Alors que les entités culturelles Polígono das Secas nordestino, ultra-
esta data, a palavra passou a assumir et politiques ont toujours passou as fronteiras da caatinga e
o significado de Estado e corpo políti- existé, les nations sont une chegou praticamente a todo o país e
co, dotado de um governo comum, e innovation, introduite en mesmo ao exterior. Difícil descrever
o território ocupado por esse Estado Europe à l'époque".1 este protonacionalismo popular, pois

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ele carece de que se visite os senti- estão presentes em nossa sociedade. tient de l'une et de l'autre n'est
mentos das numerosas comunidades Ele é uma instância que faz parte do ni la magie, ni la subjectivité
que geralmente estão envolvidas em imaginário de nossa cultura, ao mes- proprement dites. C'est le
torno de uma nação e, mesmo assim, mo tempo em que colabora para royaume des projections-
seria apenas um esforço parcial. enriquecê-la, reproduzindo e criando identifications ou partici-
Hobsbawn (1990, p. 64) explica que novas formulações culturais. Como pations affectives".4
o critério fundamental para uma na- afirma Canevacci (1990, p. 25):
ção seria uma "relação necessária
com a unidade da organização políti- Entre outras coisas, o cine-
2.2 Encontro com a alteri-
ca territorial". ma é — por sua 'natureza' —
antropológico, na medida em dade
Assim, mesmo não nos reportan-
que não lhe é estranha a pos-
do profundamente a questões de am- Isso nos mostra como o cinema é
plitude nacional para este artigo, não sibilidade de representar
um campo proveitoso para compre-
podemos deixar de ter em mente que, qualquer momento cultural
endermos a relação dos sujeitos en-
ao mencionarmos identidade cultural, da história do homem no es-
tre si, suas projeções, identificações
estamos, implicitamente, falando de paço e no tempo, com um e a maneira como eles constroem o
traços culturais que se circunscre- envolvimento da percepção mundo
vem também geográfica e politica- bem superior às anteriores
mente no Brasil. formas de narração. A história brasileira está marcada
pela presença do outro, pelo encontro
O cinema nos situa no mundo e e pelo confronto com a alteridade (no
2.1 Cinema nacional — refle- para além dele, porque nos permite caso específico de nossa história, a
tor e criador dos laços iden- reelaborar uma outra visão desse alteridade está impressa na confron-
mundo. Também, devido à sua pró- tação do elemento europeu com a fi-
titários
pria economia, técnica e apropriação gura do negro, do indígena e, posteri-
da linguagem, ele busca uma outra ormente, do estrangeiro que aqui che-
Entendemos que o cinema é ins-
coisa, inventa um mundo somente seu gou, seja ele o próprio colono ou o
trumento precioso para um estudo
metonímico dos "sentidos" de identi- e que nos permite fazer uma ponte imigrante, mesmo ocupando posições
dade cultural nacional. Os traços entre o verossímil e o verídico, entre- diferenciadas). Porém, buscamos
identitários que vamos encontrar em laçando o real e o imaginário, o fato e convergir nosso olhar para o local,
muitos filmes brasileiros contemporâ- a invenção. para o "mestiço", para aquilo que
neos refletem também traços pode, de acordo com o nosso imagi-
O cinema não é jamais um meio
identitários de nossa nação, posto que nário, fazer ou explicar o sentido de
de comunicação deslocado do mundo
tais traços estão presentes no imagi- termos como "brasilidade"5 e identi-
social, das buscas identitárias e das
nário dos brasileiros. dade cultural (mesmo levando em
interações coletivas; pelo contrário:
consideração que a alteridade tem sido
O cinema é um campo em que as entendemos que a construção social
recalcada por esse elemento "branco
identidades presentes em uma dada da realidade é também forjada pelo
descendente de portugueses", ao qual
cultura se expressam e se fazem no- imaginário, pelo simbólico e pelo
se agregam historicamente nossas eli-
tar. Ele desempenha o papel de espe- afetivo,' instâncias presentes nas pro-
tes intelectuais). Ou seja: a alteridade
lho ou duplo, no qual se refletem as duções cinematográficas. Sobre o
passou a ser sinônimo de não-branco,
mudanças e as interações identitárias. afetivo, que neste caso está relacio-
não-reconhecido, de excluído.
Para além de problematizar as ques- nado ao campo das identificações do
tões das diferentes identidades, ele espectador com o filme, Morim (1958, O movimento antagônico de retor-
também propicia novas identificações. p.76) afirma: no ao local e de abertura para o mun-
Juntamente com a televisão e com as do tem sido percebido, de modo mais
"vias de comunicação", 2 o cinema "Entre la magie et la subjectivité amplo, na América Latina, na
colabora para que as identidades na- s'étend une nébuleuse incer- reorientação dos cinemas nacionais
cionais, na América Latina, por exem- taine, qui déborde l'homme em relação às suas culturas e igual-
plo, assumam uma redefinição nos sans pourtant s'en détacher, mente à cultura transnacional, desta-
tempos atuais. dont nous repérons ou cando-se, em um plano geral, todos
désignons les manifestations os meios de comunicação de massa
O cinema vem a ser instrumento
avec les mots d'âme, de coeur, como contribuintes para a formação
útil para entendermos como as identi-
de sentiment. Ce magma qui do que Canclini denomina "cidadania
dades, sua legitimação e suas lutas

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Identidades em movimento: pensando a cultura nacional por meio do cinema

cultural" (1997, p. 179). O conceito atemporal, mesmo que tenha se ma- hibridismos socioculturais e étnicos
de identidade passa, assim, a não ser nifestado, basicamente, em quatro que forjam a nação. Isso não deixa
o antônimo absoluto de alteridade, ou décadas. Ele é capaz, por exemplo, de ser uma postura anacrônica e re-
seja, uma identidade passa a ser en- de ser rememorado por muitos, que gressiva, o que mostra que as cultu-
tendida não mais como o extremo de narram os feitos dos cangaceiros ras nacionais não são assim tão mo-
uma alteridade, desprovida de elemen- como se estivessem estado pessoal- dernas quanto pretendem sê-lo, e es-
tos que configurem o outro; esta últi- mente com eles. Hall (1999) salienta tão sempre vinculadas a um movimen-
ma, pelo contrário, passa a ser perce- que existe ainda, em qualquer nação, to que busca restaurar identidades
bida também como elemento perten- a idéia de um mito fundante, repleto passadas. Ao se discutir a particulari-
cente, intrínseco às identidades. de histórias duvidosas que o circun- dade de qualquer fenômeno cultural,
dam, perdido nas eras e capaz de ex- podemos adotar o mesmo ponto de
Os conceitos em torno do que Hall
(1999) chamou de "narrativa da cul- plicar e exaltar a história de um povo. vista de Hall (1999, p. 59):
tura nacional", podem ser atribuídos Um exemplo é o mito de que o
ao cinema brasileiro, o que vem a ser cangaço teria surgido imbuído de [...] não importa quão dife-
uma ação benfeitora, como se o can- rentes seus membros [os mem-
fundamental para prosseguirmos as
articulações de nossas idéias. Primei- gaceiro fosse um tipo de Robin Hood bros de uma mesma cultura]
ramente, o autor reforça a relevância que teria nascido para fazer justiça possam ser em termos de clas-
que as histórias e as literaturas de um no sertão, local sempre povoado por se, gênero ou raça, uma cul-
país, revividas pela cultura popular e lendas antigas, como as medievais.6 tura nacional busca unificá-
pela mídia, têm na construção da idéia É como se pudéssemos dizer: na
los numa identidade cultural,
de nação. Assim sendo, menciona- "época de Lampião" é que se fazia
para representá-los todos
mos, como exemplo, o sertão, os can- justiça nesse país, é que alguém de-
fendia os oprimidos. como pertencendo à mesma
gaceiros e a figura de Lampião como e grande família nacional.
elementos que alinhavam muitas des-
sas narrativas no Brasil. São elemen- Mesmo levando-se em Mesmo levando-se em considera-
tos como estes que dão ção que o Brasil é português, africa-
consideração que o Brasil no, indígena, holandês, árabe, judaico,
[...] significado e importância italiano, espanhol, alemão, polonês,
à nossa monótona existência, é português, africano, francês, oriental, etc, em seus múlti-
conectando nossas vidas co- plos arranjos étnicos, ainda assim uma
tidianas com um destino na- indígena, holandês, árabe, idéia de nação pode ser construída,
cional que preexiste a nós e malgrado essas diferenciações.
continua existindo após a nos- judaico, italiano, Se olharmos para nosso país, re-
sa morte (HALL, 1999, p. 52). cordaremos o quanto a questão da
espanhol, alemão, identidade cultural sempre foi uma in-
Em segundo lugar, o autor menci-
quietação histórica entre nós. Pre-
ona a impossibilidade de se encontrar polonês, francês, oriental,
sentificada nos movimentos artísticos,
uma essência de nação; em nosso
etc, em seus múltiplos mencionamos aqui o Romantismo, com
caso, é a tão buscada "brasilidade",
a ênfase indianista que muitos autores
tida como algo que sempre existiu,
arranjos étnicos, ainda deram aos seus romances (José de
gerada por si mesma; algo que sem-
Alencar, um dos mais exponenciais
pre esteve "lá", em seu lugar, mesmo
assim uma idéia de nação dentre eles, com O Guarani, Ubira-
sem se poder delineá-lo.
jara e Iracema). O realismo macha-
Uma outra estratégia da narrati- pode ser construída, diano procurou retratar a fundo a alma
va da cultura nacional seria a "inven- identitária do brasileiro do Rio de Ja-
ção da tradição", com o objetivo de malgrado essas neiro da segunda metade do século XIX,
criar normas e procedimentos que mostrando seus costumes, hábitos e in-
pareçam vinculados a um passado, diferenciações. teresses, de maneira bastante crítica
muitas vezes heróico, forjado pelos (Memórias póstumas de Brás Cubas,
mitos já existentes, como ocorre com Dom Casmurro, Quincas Borba). A
o cangaço e com o heroísmo que se Também é marcante a idéia de que preocupação com a identidade cultu-
atribui a ele. O cangaço permanece a identidade nacional alicerça um povo ral foi retomada a partir do movimento
no imaginário nacional de forma originalmente puro, sem olhar para os pré-Modernista e Modernista nas vá-

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rias artes. Mencionamos, no campo da social e de interação do homem com parte, ao processo do sonho para o
literatura, Monteiro Lobato (Jeca a técnica. Antropologicamente estu- espectador. Essa realidade fictícia que
Tatu), Graça Aranha (Canaã, obra que dado, de acordo com Morin (1958),9 as pessoas contemplam em uma sala
discute o destino histórico do Brasil), podemos afirmar que o cinema nas- escura, possuidora de diversas
Euclides da Cunha (Os sertões), Má- ceu no seio da civilização burguesa, gradações — desde a ficção mais ligei-
rio de Andrade (Paulicéia desvaira- em uma época em que o fantástico já ra e próxima do que poderíamos cha-
da, Macunaíma), a revista Klaxon, era relegado apenas ao universo in- mar realidade da vida quotidiana até
mensário de arte moderna pós-Sema- fantil, e não fazia parte do universo as mais escabrosas e articuladas ima-
na de 1922, o movimento Pau-Brasil e das pessoas "importantes", cheias de gens de mundos e criações hiperfan-
a Revista de Antropofagia, de responsabilidades. Hoje, entendemos tásticas —, não é outra senão a
Oswald de Andrade, os movimentos a grande tela como o duplo de nosso "irrealidade imaginária" de que nos fala
Verde-Amarelismo e Escola da Anta, imaginário cultural, posto que, assen- Morin !" As necessidades afetivas e
liderados por Plínio Salgado; Gilberto tados no escuro, identificamo-nos com racionais de uma dada sociedade se
Freire, com o ciclo regional nordestino as histórias mostradas pelos filmes. O imbricam na constituição dos acervos
(Casa grande e senzala, Sobrados cinema fala o que sabemos, o que não ficcionais de um filme. Assim, inúme-
e mocambos), José Américo de sabemos ainda e o que não imaginá- ras possibilidades se fixam e se crista-
Almeida (A bagaceira), Lima Barreto vamos que pudesse "existir": um uni- lizam em sistemas de ficção que, como
(Triste fim de Policarpo Quaresma, verso de possibilidades e de caminhos foi dito, variam e evoluem desde os
uma crítica à cultura nacional), Jorge a serem decodificados. Como já dis- primórdios do cinema, multiplicando-se
Amado com suas diversas obras que semos, ele cristaliza o mundo ao exi- de acordo com os desejos colocados
retratam a cultura do Nordeste, Gui- bi-lo, mas, ao mesmo tempo, recria-o, em questão ao se concretizar uma obra
marães Rosa (Grande sertão: vere- inventando um outro mundo. Por sua ffimica. Eis aqui a especificidade do
das, Sagarana, Primeiras estórias). natureza reflexiva, ele é capaz de exi- cinema: a capacidade de existir e se
Na música, tivemos o destaque de bir a realidade social de seu tempo e operar a partir do movimento dialético
Villa-Lobos; nas artes plásticas, Tarsila de um dado momento histórico, agin- real-irreal. Neste oceano de vida mer-
do Amaral e Cândido Portinari; no te- do, assim, como um palimpsesto so- gulham os elementos do imaginário de
atro, o teatro da República Velha, que bre o qual vão-se inscrevendo as ima- uma sociedade, de uma cultura, pre-
retratou temas nacionais em diversas gens e as narrativas de uma época. servados no arcabouço do imaginário
peças (Onde canta o sabiá, de Gastão do cinema. Como reforça Morin (1958,
Tojeiro) e o Teatro de Arena, de O cinema, mais do que mostruário p. 141), "[...] tout sistème de fiction
Augusto Boal, nos anos 60. ou mausoléu de uma época, também est, par lui-même, un produit
cristaliza o mundo por ser capaz de historique et social déterminé"."
Nesta caminhada, a busca por um condensar um certo modo de ver, de
conceito adequado de imaginário cul- agir e de conceber a própria vida. Ele Fator de coesão social, o cinema faz
tural não se prende a "símbolos assegura, para gerações posteriores, parte de um momento de mudanças
pátrios", a elementos que foram forja- um "congelamento" de valores, com- paradigmáticas que o mundo viveu, es-
dos pelas instâncias estatais, de acor- portamentos e pontos de vista de um pecialmente no século XX, resultante de
do com Hobsbawn (ou seja, os seto- mundo que está em constante muta- uma crise geral que atingiu o campo das
res governamentais, políticos, educa- ção e que é apreendido pelas lentes artes, "résultante à la fois d'une
cionais de um país),' mas, sim, a for- das câmeras. Assim, ao inventar um conjoncture historique et d'une
mações espontâneas do imaginário de outro mundo, forja sua própria reali- attitude spirituelle qui s'influencent
uma cultura, formações estas nascidas dade e mantém seu caráter inovador, d' ailleurs réciproquement" , 2 de acor-
da sociabilidade,' que perduram atra- dotado de uma força propriamente do com Leirens (1960, p.7). Autor que,
vés das gerações, e que se expressam estética. Em suma: ele exibe o mun- já no início dos anos 60, questionava a
na memória, na oralidade, nas artes, do, ao mesmo tempo em que é capaz crise do humanismo refletida no cine-
nos veículos de comunicação. de circunscrever esse mundo nas pe- ma e mostrava que nenhuma época mul-
lículas, inovando-o ao retratá-lo de tiplicou tanto os meios de entretenimento
uma maneira ficcional, fabulada, mo- como a nossa.2
2.2 Cinema e imaginário
dulada pela técnica e pelo olhar da-
cultural queles que participam da criação de
2.4- Um cinema que se retoma
um filme.
O cinema está muito arraigado na
vida de todos nós; tanto é que, ao Por tudo isso é que as sessões de Podemos entender o cinema bra-
emergir, no final do século XIX, fun- cinema são dotadas de um caráter sileiro dos anos 90, sobretudo de 1994
da novas formas de relacionamento para-hipnótico, o que corresponde, em até hoje, período que marca o fim da

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Identidades em movimento: pensando a cultura nacional por meio cio cinema

Era Collor'4 e a entrada no chamado ge, um brasileiro (1988, Paulo sem o povo ou a identidade do que se-
Cinema da Retomada, como um ci- Thiago), Doida demais (1989, Sér- ria o brasileiro, mesmo com uma visão
nema plurivocal, sem unidade e com gio Rezende) e Faca de dois gumes desiludida e parva. Temos como exem-
diversas tendências esboçadas. A se- (1989, Murillo Salles), tentativas de plo a personagem Macabéa, de A hora
guir, trataremos brevemente de algu- dublar as imagens do cinema feito pela da estrela (1985, dirigido por Suzana
mas dessas tendências, que muito re- indústria norte-americana. Amaral), uma nordestina semi-analfa-
fletem os olhares que foram emitidos beta que chega a São Paulo e apreen-
A vontade de sair do país também
sobre nossas identidades.° de o mundo por meio das informações
se expressa em Gaijin (1980, de
Falar de um país ausente (Terra do rádio e das pessoas que conhece.
Tizuka Yamazaki), em que o especta-
estrangeira, 1995-1996, de Walter dor é projetado na condição de estran- A configuração de tendências e ver-
Salles Jr. e Daniela Thomas; Central geiro do imigrante japonês, italiano ou tentes do cinema brasileiro contempo-
do Brasil, 1998, de Walter Salles Jr.), nordestino na fazenda de café da São râneo só pode se dar mediante o olhar
voltar para questões da alteridade (For Paulo, na primeira metade do século sobre os filmes, retirando deles os pon-
All, o trampolim da vitória, 1997-1998, XX; Nunca fomos tão felizes (1984, tos que se sobressaem. É problemático
de Luís Carlos Lacerda e Buza Ferraz; de Murilo Salles), em que um filho é apresentar generalizações, na ânsia de
Baile perfumado, 1997, de Lírio tirado do colégio interno pelo pai, vislumbrar um prospecto do recente ci-
Ferreira e Paulo Caldas); Carlota trancafiado em um apartamento, nema brasileiro. Entretanto, ao lado des-
Joaquina, princesa do Brasil, 1995, aguardando o momento de viajar para se cinema de violência, sexo, imagens-
de Carla Camurati; Jenipapo, 1995- fora do país. A construção de uma clichê e modelos importados, enfim, um
1996, de Monique Gardenberg), filmar utópica terra brasileira longe daqui e cinema do simulacro, quase sempre so-
no estrangeiro (O judeu, 1990-1996, aqui mesmo pode ser vista em breviveu um cinema de invenção,
de Jom Tob Azulay; Terra estrangei- Quilombo (1984, de Cacá Diegues), desvinculado de ciclos e que, se não
ra) e buscar a língua do outro (O mon- e o jogo de filmagem que situa a his- podia mais capturar o real, ao menos
ge e a filha do carrasco, 1996, de tória em um espaço e tempo irreais buscava, no real banalizado e insosso,
Walter Lima Jr.; Carlota Joaquina; está em Anjos da noite (1987). O so- uma força espiritual, ainda que violenta
For All, o trampolim da vitória; O nho de ir embora esbarrando nas difi- e bárbara (A hora da estrela).
Baile perfumado; Jenipapo) iriam culdades impostas pela realidade é A década de 90 vai se iniciar sob
configurar, em parte, a desestímulo de percebido em Um trem para as es- o signo da incerteza quanto ao desti-
nossa cinematografia que, cada vez trelas (1987). Todavia, José Carlos no das produções fílmicas. Os fato-
mais, procurava um cinema de mer- Avellar (1994, p. 79) alerta: res econômicos colaboram, como é
cado, estetizado e estrangeiro.
comum em nossa história cinemato-
Não devemos, no entanto, ver
Esse desejo de buscar outro país gráfica, para direcionar o cinema na-
já se fazia presente em filmes dos anos este movimento de partir
cional. A Era Collor praticamente ex-
80: O beijo da Mulher Aranha, para longe daqui aqui mes- tinguiu o cinema com o fechamento
1984, dirigido por Hector Babenco, mo como uma simples imita- das fontes de recursos para a sobre-
traz o personagem Molina como o pri- ção das formas de constru- vivência da Embrafilme, Empresa
sioneiro que vive a vida dos persona- ção norte-americanas (tal Brasileira de Filmes, do Concine, Con-
gens que guarda na memória, ou, ain- como já ocorreu entre nós selho Nacional de Cinema, da Funda-
da, os dubladores de Dias melhores mais nitidamente no começo ção do Cinema Brasileiro e da
virão (1989, de Cacá Diegues), que dos anos 30 e no começo dos Cinemateca Brasileira.
homenageiam a ficção norte-ameri- anos 50). A Constituinte de 1988, por sua
cana, ou mesmo Bye bye Brasil
vez, havia deixado de lado as relações
(1981, de Cacá Diegues), em que a O desejo de deixar o país, nos anos
entre cinema e tevê. A ausência de
Caravana Rolidei, em uma cidadezi- 80, encarna-se na desesperança e na
inserção do cinema em uma política
nha sertaneja, faz nevar na caatinga ausência de identidades que nos bas-
do audiovisual, o que poderia garantir
— neve como a do "mundo civilizado". tem.
sua subsistência, impediu que o cine-
Surgem os filmes que olham para Segundo ressalta Avellar (1994), ma nacional ganhasse novos fôlegos.
o cinema, em vez de fazer do cinema houve ainda um movimento de filmes Apenas retomavam os antigos cine-
um modo de ver, de acordo com José e diretores que tentaram encontrar um astas que monopolizavam nossas pro-
Carlos Avellar (1994). É o caso de A diálogo com a cultura nacional, ainda duções. O Ministério da Cultura tor-
dama do cine Shangai (1988, Gui- que de forma regionalista e metonímica nou-se depósito de acetato (o chama-
lherme de Almeida Prado), Ópera do como, por exemplo, filmes que abor- do Ciclo Rouanet 16 / Houaiss, ou Ci-
malandro (1986, de Ruy Guerra), Jor- davam personagens que representas- clo da Prateleira), pois muitos proje-

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Adriano Messias de Oliveira

tos eram aprovados, porém, pela au- ção exterior. Por outro lado, as mite, assim, caracterizar este como
sência de verbas para prosseguimen- temáticas do local, do regional, do his- sendo um cinema de "individualidades",
to, permaneciam empilhados. Resul- tórico perfaziam, também, um movi- mais do que de um estilo ou corrente
tado de uma crise em que, em primei- mento de se tentar uma forma de olhar preponderante, como ocorreu no Ci-
ra instância, é de ordem política, o ci- para dentro, de buscar uma identidade nema Novo), a variedade de olhares
nema ficou fadado a esperar por dias de nação. Mesmo a tentativa do res- permitiu, em contrapartida, uma diver-
melhores. Sabe-se, por exemplo, que gate histórico e literário vinha sidade estética que buscou contemplar
90% do público de um filme o assiste permeada de uma estética popular in- as tendências globalizantes do mundo,
mediante redes de tevê comum e a ternacional (Carlota Joaquina, O ao tomar recursos emprestados de
cabo ou por meio de videocassetes quatrilho, Guerra de Canudos, 1997, outras mídias para se tentar um cine-
(home-videos), daí a necessidade de Sérgio Rezende). Este primeiro é con- ma que falasse também ao estrangei-
colocar nosso cinema dentro do mer- siderado o marco inaugurador do cha- ro e que agradasse, ao mesmo tempo,
cado do audiovisual (1/3 do filme é mado "renascimento", simbolizando ao público brasileiro a partir de uma
pago em salas de cinema; 1/3 por dis- igualmente a onda de novos cineastas linguagem visual "importada", com a
tribuição de home-videos e 1/3 na que formariam o chamado "cinema de qual ele manteve afinidade nos árduos
tevê; sozinho, o cinema brasileiro não autor", marcado por individualidades e, tempos que enfrentou na década de 80
assegura nenhum desses mercados). por isso mesmo, oferecendo uma difi- até a chamada Era Collor.
Quando se pensa em cinema bra- culdade maior em se precisar um esti- Como se sabe, foi após o governo
sileiro da década de 90, tende-se a lo mais unívoco. de Collor, conturbado período para o
associá-lo quase que imediatamente ao Um autor que indica alguns dos cinema brasileiro, que as produções
chamado "renascimento" que as pro- traços do cinema dos anos 90 é Xavier cinematográficas ressurgiram, levan-
duções fílmicas tiveram em nosso país, (1998). Ele descreve um cinema que tando, em suas temáticas, questões ine-
nesse período. Inicialmente com cer- trata de questões da sociabilidade e rentes à identidade nacional, embala-
ca de seis produções anuais (1993), a da experiência social, de um realismo das pelo otimismo inicial da nova fase
década terminou com aproximadamen- convencional e de um diálogo com as econômica (com a instauração do Pla-
te 30 filmes sendo produzidos anual- vertentes globalizantes. A questão da no Real), e tendo o respaldo das leis
mente, o que pode ser considerado, no alteridade ganha peso: por exemplo, de apoio às produções audiovisuais.
Brasil, um boom cinematográfico. a figura de Benjamin Abrahão, sírio- Nesse contexto, despontaram questões
libanês, recebe projeção em O baile paralelas e periféricas a respeito das
Tem-se a tendência de apreciar al- identidades que comporiam nossa iden-
guns dos filmes dessa época pela be- perfumado; dois dos seqüestrados de
Como nascem os anjos (1996, Murilo tidade cultural. Como afirma Mattos
leza da fotografia e por um certo ufa- (1998, p. 46),
nismo nascente (Carlota Joaquina: Salles), filme que retrata a violência
princesa do Brasil; O quatrilho, nas favelas do Rio, são um pai e uma
A questão da identidade naci-
1995, Fábio Barreto; Policarpo Qua- filha americanos; em Carlota
Joaquina, há um narrador escocês onal vai deixando de ser um
resma — herói do Brasil, 1996, Paulo discurso extrafílmico para
Thiago). Mas por que houve essa aber- falando inglês, e Terra estrangeira é
filmado no exterior, assim como Du ganhar forma dramatúrgica
tura para o cinema brasileiro e para
Bocage, o triunfo do amor (Djalma concreta em filmes como For
filmes cujas temáticas retratassem
Limonge Baptista, 1995). A diversi- All — o trampolim da vitória,
nossos valores? Vários são os fatores
que temos de levar em consideração. dade das produções do período não de Luiz Carlos Lacerda, que
deve ser mencionada somente como satiriza amorosamente a inva-
A partir do momento em que surgi- um valor, mas, também, como resul- são do Brasil pela cultura ame-
ram a Lei do Audiovisual e as demais tado de um cinema vinculado a um ricana; 'Policarpo Quaresma
leis culturais," o cinema brasileiro ten- rarefeito fomentador econômico. Ade- — herói do Brasil, de Paulo
tou retomar um lugar na produção cul- mais, a diversidade sempre esteve pre- Thiago, que retoma acritica-
tural nacional. Foi o chamado "renas- sente em nossa cinematografia. mente um clássico personagem
cimento do cinema brasileiro", termo
que hoje deve ser encarado com cui- Apesar das dificuldades em se pon- nacionalista da literatura bra-
dado. Tal renascimento se deu em um tuar este renascimento, e das críticas sileira; e 'Yndio do Brasil,
vazio estético, presente no fazer cine- a ele feitas, podemos discutir algumas documentário de Sylvio Back
matográfico do Brasil dos anos 80: a características norteadoras de nosso que compila as formas como
estética de mercado, a fotografia "bem cinema contemporâneo. Surgido sem o indígena brasileiro foi tra-
feita" indicavam um movimento para uma unidade estética que permeasse tado na mídia através do sé-
fora, em busca do olhar e da aprecia- os diversos produtores (o que nos per- culo. A relação com a idéia de

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Identidades em movimento: pensando a cultura nacional por meio do cinema

estrangeiro é explorada, ain- presentificou em diversos filmes: Como cinema "intertextual" no que concerne
da, em 'Como nascem os an- nascem os anjos e Um céu de estre- às discussões sobre a nossa identida-
jos, de Murillo Salles, thriller las possuem a presença da tevê, ele- de cultural, o que
cheio de observações psicoló- mento que serve de vetor da tragédia e
gicas sobre raça, classes e na- simplifica a realidade, a partir do mo- [...] promoveu inclusive um re-
. mento em que a pasteuriza. É um tele-
cionalidade torno de figuras e espaços so-
visor que atrai a cobiça de Dora (Cen- ciais típicos do Cinema Novo.
Porém, menos do que um cinema tral do Brasil, 1998), a ponto de ela Daí a permanência de temas
preocupado em politizar ou polemizar vender o garoto Josué para "os estran- nacionais que, por um momen-
os temas nacionais, como faziam al- geiros", para adquirir um novo televi-
to, pareciam estar se dissolven-
guns filmes do Cinema Novo, nos sor, ou o glamour desconstruído da fil-
magem de uma propaganda de tevê no do (PRAGA, 2000, 104).
anos 60, alguns do Cinema Marginal,
nos anos 60 e 70 e uma parte dos fil- elevador de um edifício (Sábado, 1995,
Esse chamado "entre-lugar" é um
mes da década de 90, provocam uma de Ugo Giorgetti). É ainda a tevê que
termo-chave para compreendermos o
reflexão, uma contemplação, um olhar fisga os personagens, como Japa e Bran-
sentido de cultura e de identidade que
mais estático e menos crítico sobre a quinha (Como nascem os anjos, 1997),
estamos investigando Impossibilitado
cultura, como em busca do país que, que querem ser vistos e respeitados pela
mídia eletrônica. de começar tudo de novo em nossa ci-
naquele momento, se apresentava. nematografia, o cinema brasileiro ten-
Assim o fizeram obras como O Ismail Xavier, em entrevista à re- tou trabalhar uma nova maneira de tra-
quatrilho, Aleijadinho (de Renato vista Praga (2000, p.100), discute esta tar do nosso passado, buscando dialo-
Santos Pereira, 1995), O Guarani (de crise da representação verificada no gar com diferentes gêneros ao mesmo
Norma Bengell, 1996), Kenoma (de cinema brasileiro da última década do tempo (O judeu, 1990-1996, O mon-
Eliana Caffe, 1996) e Anahy de las século XX. Guerra de Canudos, por ge e a filha do carrasco, 1996). Como
Missiones (de Sérgio Silva, 1996). exemplo, esteve enquadrado em um propõe Ismail Xavier, esse esforço veio
Ismail Xavier salienta que o ser- estilo próximo ao da ficção televisiva, dotado de um olhar mais paciente, mais
tão e o cangaço, os dramas domésti- tanto é que, logo após sua exibição complacente para com nossa cultura,
cos e a feudalização e desterritoria- nas salas de cinema, foi transforma- sem, por exemplo, as exigências
lização do espaço — e mais o tema da do em minissérie pela Rede Globo, sociopolíticas que o cinema engajado
violência urbana — vão estar presen- adaptando-se perfeitamente aos re- dos anos 60 propunha. Contudo, men-
tes em alguns filmes representativos cursos da tevê. Ismail reforça (PRA- cionamos que uma parte dos filmes
da produção da década. Um mesmo GA, 2000, p. 100): produzidos na década de 90 pretendeu
tipo de estrutura de relações perma- manter um diálogo com o período com-
necerá nos enredos: jogos de poder, A ausência de experiências preendido entre os anos 60 e 70, de
relações anômicas, "coronelismo" e promissoras nas personagens indagações políticas. Como exemplo,
embate corpo-a-corpo, pessoa-a-pes- que tipificavam uma condição temos Alma corsária (1994, Carlos
soa. O crítico destaca Como nascem nacional foi um dado que aca- Reichenbach), Lamarca (1994, Sérgio
os anjos, Um céu de estrelas (1995/ bou por perdurar até um ci- Resende), O que é isso companhei-
1997, de Tata Amaral), e Os mata- nema mais recente, com as ex- ro, (1996, Bruno Barreto), e A causa
dores (1996/1997, de Beto Brant), ceções de sempre, como Cen- secreta (1995, Sérgio Bianchi).
como representantes de boas inten- tral do Brasil (Walter Salles,
Ismail Xavier chama a atenção para
ções de fabulação, fugindo das ima- 98), que funcionam como a riqueza da variedade de produções
gens-clichê. O sertão como um espa- contraponto a fracassos recor- cinematográficas que a década de 90
ço específico do imaginário brasileiro rentes que terminam por defi- exibiu. As tentativas de diálogos com
também retorna em filmes como Cen- nir certo perfil temático e de o passado, como vimos, também inclu-
tral do Brasil (1998, de Walter Salles), postura, apesar das proclama- íram diálogos com o cinema de outro-
Crede mi (1996, de Bia Lessa e Danny ções de diversidade que mar- ra. For All trabalha com clichês pró-
Roland), Corisco e Dadá, O canga- cam a produção atual em fun- prios da chanchada, enquanto que
ceiro e O baile perfumado. Neste úl- ção da política de produção Guerra de Canudos possui uma es-
timo, surge um sertão pop, no qual pe-
implantada a partir da cria- trutura parecida com a dos romances
netram as maravilhas do mundo mo-
ção da lei do audiovisual. históricos de Hollywood (como ...E o
derno, entre elas, o próprio cinema.
vento levou). Assim como o clássico
Falar do cinema, da mídia e, especi- Para o crítico, tivemos, nos anos americano, este filme brasileiro tam-
almente, da tevê, foi um traço que se 90, um "cinema do entre-lugar", um bém mostra uma família comum que

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Manuel Jesús Sabariego GO=

luta para sobreviver em meio a fatos e zado do sertão nordestino reinventa Recebido em 29.04.2004. Aprova-
personagens verídicos. sua identidade, não se consumindo, do em 16.08.2004.
E quando o cinema trata do assim, em meio às agruras de sua
banditismo nos anos 90, afirma Xavier, vida, podemos dizer que o especta-
dor vai reconstruindo também sua Referências
tomando como ilustração O baile per-
fumado, não há, grosso modo, aquele identidade cultural à medida que con-
templa um filme de cangaço ou de AVELLAR, J. C. O cego às avessas.
banditismo dentro da visão hobsba-
violência urbana. De uma maneira In: Cinema. Associação de Críticos
wniana (o vilão vingador revolucioná-
mais ou menos significativa, consi- de Cinema do Rio de Janeiro. Rio de
rio e agente transformador da histó-
deramos que os filmes brasileiros re- Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.
ria), como em Deus e o diabo na ter-
ra do sol, o clássico de Glauber Ro- alizam este papel. Seja o espelho mais BHABHA, N. K. O local da
cha. Percebemos um cinema que anun- claro ou mais opaco, algum reflexo cultura. Belo Horizonte: Editora da
cia o fim da teleologia histórica do de si mesmo o sujeito percebe a par- UFMG, 2000.
banditismo para encontrar um sertão tir da grande tela. E o fato de que
BERGER, P. L.; LUCKMANN, T.
como lugar de circulação, de troca, desde a década de 90 até hoje não
A construção social da realidade.
mantendo conexões com o litoral (seja terem existido filmes apenas com a
Petrópolis: Vozes, 1999.
pelo comércio, seja pelo cinema). "estética empobrecida" e nem
tampouco olhares "glauberianizados" BOSI, A. Dialética da colonização.
não desvaloriza as obras em questão São Paulo: Cia. das Letras, 1996.
no que elas oferecem: um certo olhar CANCLINI, N. G. Consumidores e
2 Considerações finais sobre a nossa identidade cultural, cidadãos. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ,
reconfigurada, mal ou bem. Perce- 1997.
Devido à multiplicidade de olha- be-se um Brasil que ainda se ensaia,
res que podem ser dirigidos a um fil- CANEVACCI, M. Antropologia do
se pergunta, se forma, se conforma,
me, e à influência que um filme pode cinema. São Paulo: Brasiliense, 1990.
se re-forma. O tema da identidade
ter em seu público, o cinema vem a cultural torna-se difícil de lidar se não CASTELLS, M. O Poder da
constituir um campo de construção houver respiradouros, aberturas. identidade. São Paulo: Paz e Terra,
identitária muito particular. Este cam- Esta é uma questão ainda aberta e 2000, v. 2.
po emerge como depositário de nos- nossa mais significativa conclusão é DaMATTA, R. Relativizando — uma
sas indagações: quem somos nós? que se pode olhar para qualquer lado, introdução à Antropologia Social. Rio
como nos vemos? No caso do cine- pois há vários caminhos. Encontra- de Janeiro: Rocco, 2000.
ma nacional, produções que tratam mos, por conseguinte, identidades
do povo brasileiro, de nosso modo de culturais cruzadas, que se rearranjam GOMES, P. E. S. Cinema: trajetória
vida e de nossas concepções identi- o tempo todo. no subdesenvolvimento. São Paulo:
tárias, têm percorrido a história de Paz e Terra, 1996.
nossa cinematografia com maior ou HALL, S. A identidade cultural na
menor fôlego e vigor. Personagens, No caso do cinema pós-modernidade. Rio de Janeiro:
figuras, caracterizações de nosso DPA Editora, 1999.
povo, recriações de modus vivendi nacional, produções que HOBSBAWN, E. J. Nações e
integram conjuntos de filmes que for- nacionalismo desde 1780. São
mam temáticas distintas (o sertão, a tratam do povo brasileiro, Paulo: Paz e Terra, 1990.
violência urbana), ciclos (o cangaço,
no Cinema Novo) ou mesmo perma- LEIRENS, J. Le Cinéma et la crise
de nosso modo de vida e de notre temps. Paris: Les Éditions
necem avulsos, sem outras ligações
cinematográficas muito semelhantes, du Cerf, 1960.
de nossas concepções
guardando, todavia, sua importância. MARCUS, G. Identidades passadas,
Não podemos negar a existência identitárias, têm percorrido presentes e emergentes: requisistos
de um processo pelo qual percebe- para etnografias sobre a modernidade
mos nos filmes nacionais traços de a história de nossa no final do século XX ao nível mundial.
nossa identidade cultural, ainda que Revista de Antropologia. São Paulo:
de uma forma pouco elaborada e li- cinematografia com maior USP, n. 34, p. 197-221, 1991.
mitada, conseqüência da própria na- MATTOS, C. A. Sinais de vida.
tureza de muitos filmes. Da mesma ou menor fôlego e vigor. Cinemais. Rio de Janeiro: Aeroplano
forma como o camponês marginali- Editora, n. 11, p. 47-55, maio/jun. 1998.

KATÁLYSIS v. 7 n. 1 jan./jun. 2004 Florianópolis SC 31-44


Identidades em movimento: pensando a cultura nacional por meio cio cinema

MORIN, E. Le Cinema ou l'homme circunda o homem sem, contudo, ou, antes, sua realidade fictícia não
imaginaire. Paris: Gonthier, 1958. dele se soltar, a qual nós indicamos é outra que a irrealidade imaginária"
ou designamos de manifestações (MORIN, 1958, p.137).
PRAGA. Estudos Marxistas. O
com as palavras da alma, do coração,
Cinema brasileiro dos anos 90 — 11 "[...] todo sistema de ficção é, por
dos sentimentos. Este magma que
Entrevista com Ismail Xavier. São si mesmo, um produto histórico e
sustenta a uma e a outra não é nem
Paulo: Hucitec, n. 9, p.60, jun. 2000. social determinado."
a magia, nem a subjetividade
REIS, J. C. As identidades do propriamente ditas. É o reino das 12 "Esta crise é resultante, por sua
Brasil, de Varnhagen a FHC. Rio projeções-identificações ou vez, de uma conjuntura histórica e
de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas participações afetivas." de uma atitude espiritual que se
Editora, 1999. influenciam aliás reciprocamente."
5 O termo "brasilidade" assume uma
RIBEIRO, D. O povo brasileiro. A definição difusa, enfraquecida e 13 No original: "Aucune époque n'a
formação e o sentido do Brasil. São pouco clara; por isso, ele está multiplié, comme la nôtre, les
Paulo: Cia. das Letras, 1995. inserido aqui de maneira cuidadosa. sources et les moyens de diver-
Lembramo-nos de que a preocu- tissement" (LEIRENS, 1960,
SIMMEL, G. Sociabilidade — um
pação com a terminologia e sua p.10).
exemplo de sociologia pura ou formal.
definição já estava explicitada em 14 A chamada Era Collor foi o período
In : MORAES FILHO, E. de (Org.).
textos do início do século, escritos marcado pelo governo de
Simmel. São Paulo : Ática, 1983.
pelo historiador Capistrano de Fernando Collor de Mello, que vai
p.165-181.
Abreu. Malgrado a dominação
de 1989 até o afastamento do
THOMPSON, J. B. Ideologia e portuguesa, este autor buscava,
Presidente, em 1992, mediante um
cultura moderna. Petrópolis: Vozes, desde o remoto período da coloni-
impeachment.
1999. zação, um sentido de brasilidade
para o nosso povo (REIS, 1999, p. 15 Quando tratamos de identidade
TODOROV, T. Nous et les autres.
111). cultural, na verdade estamos
La réfléxion française sur la
falando de uma instância polívoca
diversité humaine. Paris: Seuil, 1989. 6 Lendas medievais sempre estive-
e híbrida, na qual transitam
ram presentes no imaginário do
XAVIER, I. Dramaturgias do cinema "identidades".
sertão, como herança ibérica:
brasileiro: inventar narrativas (para
Amadis de Gaula, a Princesa 16 A Lei Rouanet ou Lei n. 8.313 data
tentar dar conta das experiências) de 23 de dezembro de 1991.
Magalona, Roberto do Diabo, a
contemporâneas. Cinemais. Rio de
Imperatriz Porcina. As proezas do 17 A Lei do Audiovisual ou Lei n.
Janeiro: Aeroplano Editora, n. 11, p.
Imperador Carlos Magno e seus 8.685 data de 20 de julho de 1993.
81 maio/jun. 1998.
Doze Pares também sempre
foram cantadas pelos sertanejos e
lidas por Lampião. Este também Adriano Messias de Oliveira
Notas tinha predileção especial por A adrianojornalista@yahoo.com.br
vida do Imperador Napoleão. Rua Pouso Alegre, 2615 — Ap. 503 —
1 "A nação é uma entidade ao 7 Hobsbawn (1990), sobretudo o BI. 1 — Santa Tereza
mesmo tempo política e cultural. último capítulo: "O nacionalismo no Belo Horizonte — Minas Gerais
Enquanto que as entidades cul- final do século XX". CEP: 31015-030
turais e políticas sempre existiram,
8 Sobre a sociabilidade, na concepção
as nações são uma inovação,
de Georges Simmel, consultar
introduzida na Europa na época
Moraes Filho (1983), Capítulo 11:
moderna." (Todas as traduções do
Sociabilidade — um exemplo de
francês são do autor do artigo).
sociologia pura ou formal.
2 Ver CANCLINI, N. G. Consumi-
9 Capítulo primeiro: "Le cinéma,
dores e cidadãos. Rio de Janeiro:
l'avion".
Ed. UFRJ, 1997, p. 160.
10 "La fiction, le nom Vindique, n'est
3 Conforme Berger e Luckmann
pas la réalité, oft plutôt sa réalité
(1999).
fictive n'est autre que l'irréalité
4 "Entre a magia e a subjetividade se imaginaire". "A ficção, o próprio
estende uma nebulosa incerta, que nome já indica, não é a realidade,

KAT ÁLY515 v. 7 n. 2 jul./dez. 2004 Florianópolis SC 158-169

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