2º Poéticas Do Inanimado

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MULHERES NO TEATRO DE ANIMAÇÃO

Breve relato sobre a Rede de Bonequeiras Brasileiras - RBB

WOMEN IN THE ANIMATION THEATER


Brief report of the Rede de Bonequeiras Brasileiras - RBB

Joana Vieira Viana1


joanavieiraviana@hotmail.com

Resumo
Esta pesquisa tem como temas principais, mulheres e teatro de animação. Propõe entender de que
forma as realidades vivenciadas pelas mulheres aparecem no teatro de animação, atualmente no Brasil. O
artigo apresenta breve relato da formação da Rede de Bonequeiras Brasileiras e o percurso para a realização
do mapeamento das mulheres que trabalham com teatro de animação no Brasil.

Palavras-chave
feminismo, mapeamento, mulher

Abstract
This research has as main themes, women and animation theater. It proposes to understand how
the realities experienced by women appear in the animation theater performed by women, currently in
Brazil. The article presents a brief account of the formation of the Rede de Bonequeiras Brasileiras and the
path to mapping women who work with animation theater in Brazil.

Keywords
feminism, mapping, woman

Esta pesquisa tem como temas principais, mulheres e teatro de animação.


Proponho-me a entender de que forma as realidades vivenciadas pelas mulheres no Brasil,
aparecem no teatro de animação realizado por nós, mulheres, hoje. Por meio de revisão
bibliográfica, proponho-me a entender melhor os percursos históricos vivenciados pelas
mulheres no Brasil e como as lutas feministas vêm ganhando espaço ao longo do tempo.
Para isso, é importante perceber, não só o que está explícito na construção
narrativa histórica, mas também realizar um exercício de escuta, buscando os vestígios
do que ainda não foi contado, por ser fruto de construções narrativas falocêntricas. Trata-
se de observar, nas ausências, nos silêncios, no que ficou fora de cena, nas narrativas
pessoais, nas escritas de si (RAGO, 2013), o potencial de reconstrução histórica.
Pretendo me aprofundar em questões relacionadas a gênero, sexualidade e
maternidade e de que formas estes conceitos estão imbricados, de forma subjetiva no que
constitui o “ser mulher”. A partir de mapeamento por meio de questionário on-line, das

1
Bacharel e Mestra em Artes Cênicas, pela Universidade de Brasília (UnB) e Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), respectivamente. Doutoranda em Teatro pela Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC).

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bonequeiras brasileiras (atrizes, diretoras, produtoras, dramaturgas, do teatro de
animação) e análise de dados, pretendo traçar os perfis quantitativos, relativos a
marcadores sociais como idade, cor, classe, gênero, localidade onde atuam levantando
um panorama de quem são estas mulheres.
Por fim, selecionarei cinco mulheres com quem entrarei em diálogo, buscando
identificar, na análise dos seus espetáculos, como os temas relativos às mulheres se
relacionam com as poéticas próprias do teatro de animação.
Um dos primeiros passos é o de me reconhecer como integrante deste grande
grupo: sou uma mulher que atua no teatro de animação; sou atriz, pesquisadora,
educadora, confecciono bonecos e eventualmente sou produtora. Como segundo passo,
reconheço a necessidade de mapear quem são e onde estão as mulheres que se dedicam
ao desenvolvimento de atividades relacionadas ao teatro de animação, hoje.
Cada vez mais as mulheres vêm se organizando em grupos restritos para tratar de
temas que lhe são próprios, formando redes de afeto e de atuação política na luta por seus
direitos e no combate ao machismo e à misoginia. Recentemente, mulheres que atuam no
teatro de animação, no Brasil, organizaram-se em um movimento sem liderança fixa para
troca de saberes e afetos, com ênfase no fortalecimento de políticas públicas e formas de
viabilizar projetos pessoais e coletivos que as impulsionem na lida com suas produções
artísticas.
O primeiro impulso do movimento hoje intitulado Rede de Bonequeiras
Brasileiras (RBB) foi dado por Catarina Araújo de Medeiros, a Catarina Calungueira,
quando, com o intuito de reunir participantes para um evento de brincantes2 mulheres, a
se realizar em Ipueira, no Rio Grande do Norte, criou um grupo por meio do aplicativo
Whatsapp, em dezembro de 2019; com o advento da pandemia e a impossibilidade de
realizar o evento de forma presencial, foram convidadas outras participantes para o grupo
e em questão de horas, estava formada uma grande rede de conexão entre mulheres do
Brasil inteiro.
Hoje o grupo do Whatsapp, intitulado Bonequeiras, conta com 257 mulheres que
se dedicam ao teatro de animação. Por ser esta a quantidade máxima de participantes no
aplicativo, parte do grupo migrou para o Telegram com o intuito de agregar mais

2
Brincantes é o nome que se dá às e aos artistas da cultura popular. Neste caso específico, a intensão era
produzir um evento em homenagem à Mestra Dadi, contando com a participação de brincantes de Calunga,
Mamulengo, João Redondo, Casimiro Coco e Babau.

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participantes, onde foi criado o grupo Rede de Bonequeiras Brasileiras, atualmente com
52 mulheres.
Os dois grupos, tanto no Whatsapp como no Telegram, têm se mostrado um
importante instrumento de conexão entre suas participantes, onde o conteúdo
compartilhado varia bastante, tendo como foco principal, a troca de saberes, a divulgação
dos trabalhos realizados e o apoio mútuo. Nota-se um potencial impulsionador, no que se
refere aos saberes de produção executiva, técnicas de confecção de bonecos e valoração
dos produtos e serviços, bem como um meio de atuação política.
Em 05 de junho de 2020, foi realizada a primeira reunião de amplitude nacional,
contando com 22 participantes. Entre os assuntos pautados, (depois da apresentação
pessoal de cada uma, já que muitas participantes ainda não se conheciam pessoalmente)
destaca-se a discussão sobre representatividade e liderança e a necessidade de formar
comissões por Estados para que as ações pudessem ser viabilizadas, conforme descrito
em Ata:
Entendemos que para que todas se sintam representadas, não pode haver uma
voz única de liderança e sim todas as vozes em consonância construindo juntas
o movimento. Muitas vezes precisaremos de comissões e delegadas para
otimizar nossa organização, mas é da responsabilidade de todas respeitar as
diversas vozes. (Ata de reunião Bonequeiras Brasileiras, de 05.06.2020, acervo
RBB)

Uma das primeiras demandas do grupo foi a de realizar um mapeamento, em nível


nacional, onde pudéssemos nos reconhecer e nos organizar melhor, como coletivo.
Formou-se uma comissão com dez participantes para a formatação do questionário de
mapeamento em 27 de junho de 2020.
Por meio de reuniões virtuais e trabalho assíncrono, as questões que seriam
enviadas para cada bonequeira foram elaboradas e discutidas, uma a uma, levando-se em
consideração o posicionamento de cada participante. O questionário ficou então
disponível para análise e aprovação do grande grupo das bonequeiras3, para finalmente,
em 30 de agosto de 2020, ser disponibilizado para preenchimento.
O lançamento do mapeamento da Rede de Bonequeiras Brasileiras foi realizado
oficialmente no encerramento do evento 2° Seminário de Teatro de Animação de

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A aprovação do questionário de mapeamento das bonequeiras brasileiras foi realizada em reunião on-line
e registrado em Ata, que depois foi disponibilizada para todas as participantes da RBB, por meio do
aplicativo Whatsapp.

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Joinville, que fez parte do 3° ANIMANECO Joinville4, na mesa Reflexões, experiências e
pesquisas da atuação da mulher no Teatro de Animação, contando com a participação
das convidadas Clorys Daly (RJ), Verônica Gehrmann (SP) e Catarina Calungueira (RN);
teve a mediação da Prof. Dra. Sassá Moretti (UFSC) e a apresentação da mesa foi
realizada pela Prof. Dra. Fabiana Lazzari (UnB), uma das fundadoras e atuante em
diversas frentes junto à RBB.
Durante o processo de elaboração do questionário, foram disponibilizados dois
desenhos, cedidos por Mariana Acioli e Tadica Veiga, que formam a identidade visual da
Rede e os textos poéticos que iniciam e encerram o questionário são de autoria de Catarina
Calungueira. Para que o questionário do mapeamento pudesse ser acessível ao maior
número de mulheres, foram produzidos três vídeos com imagens de várias bonequeiras,
a partir de fotos disponibilizadas pelas mesmas, com texto, narração e produção do vídeo
feitos por integrantes da RBB.
Desta forma, pode-se notar o empenho maior de algumas integrantes da Rede, em
um esforço coletivo para que as ações aconteçam. Por não existir uma liderança
formalizada, mas agentes que atuam de acordo com as suas possibilidades e habilidades,
são firmados acordos onde as artistas se voluntariam para exercer as funções necessárias.
Muitas vezes acontece de alguma participante não possuir os fundamentos técnicos para
exercer determinada função, mas ter vontade de aprender e tempo disponível, sendo
auxiliada por outra bonequeira que possua mais experiência na área, formando uma rede
de saberes, de forma prática e efetiva.
Foram formadas outras comissões para viabilizar novas ações: além da comissão
de mapeamento, a comissão de análise de dados, de comunicação, de pesquisa e memória,
de formação e de eventos internos (confraternização). A Rede de Bonequeiras Brasileiras
(RBB) passa então a povoar o meio digital, em diversas mídias: é criado o canal no
Youtube5, as páginas nas redes sociais Facebook6e Instagram7e ainda, um blog8.

4
O evento foi realizado de 22 a 30 de agosto, pela Essaé Produção e Casting, Secretaria Especial da Cultura,
Ministério do Turismo com apoio das empresas Celesc, Unisocies e, Ett teatro e das Universidades Udesc,
Ufsc e UnB, promoção Rádio Atlântida e NSC TV.
5
https://www.youtube.com/channel/UC13EGG9aFP3Mn5NxDWcKZuA
6
https://www.facebook.com/bonequeirasbrasileiras/
7
https://www.instagram.com/bonequeirasbrasileiras
8
https://bonequeirasbrasileiras.wordpress.com/

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O grupo vem se tornando um espaço de confiança onde algumas questões relativas
às realidades vivenciadas pelas mulheres podem ser tratadas, como a violência contra a
mulher, o assédio e questões relacionadas à maternidade, por exemplo. Naturalmente por
se tratar de um espaço de convivência múltipla, muitas diferenças são percebidas e
questões podem ser problematizadas. Algumas situações já ocorreram neste sentido, e
houve um esforço de boa parte do coletivo para que os conflitos fossem solucionados da
melhor forma, sanando os eventuais mal-entendidos, para que ninguém se sinta excluída
ou ofendida.
É interessante perceber a abrangência dos temas abordados, que passa por
situações do cotidiano, da vida prática de mulheres que se dedicam ao teatro de animação
e também de questões mais subjetivas e conceituais. Um dos questionamentos levantado
diz respeito ao uso da nomenclatura “bonequeira”, que foi utilizada no contexto do
questionário de mapeamento de forma genérica para a mulher que atua em alguma função
no teatro de animação, mas que representa uma grande diversidade de entendimentos, nas
diversas regiões do país, bem como nos contextos restritos de grupos de teatro e meios
acadêmicos.
Para que fosse possível o uso de um termo que representasse de forma genérica, a
diversidade das práticas e técnicas no vasto universo do teatro de animação, foi necessário
um esforço de unificação, no sentido de abarcar diversos campos, não só a atuação e
confecção de bonecos, o que seria a leitura mais imediata do termo, mas abrangendo áreas
como o teatro de sombras, máscaras, objetos e o próprio teatro de bonecos, bem como
funções de produção, direção, dramaturgia, cenografia, iluminação, entre outras.
O compartilhamento de saberes acontece também de forma constante por meio
dos grupos no Whatsapp e Instagram, onde algumas questões já vieram à tona, como por
exemplo, a dificuldade em se monetizar os produtos comercializados pelas bonequeiras
artesãs. Este assunto gerou uma série de comentários, onde as participantes colocavam
suas dificuldades e formas de solucionar as questões, sendo inclusive disponibilizada uma
tabela que facilitava esta ação. Da mesma forma, são compartilhadas, constantemente,
dicas de técnicas para a confecção de bonecos.
Após um longo processo coletivo de elaboração e divulgação do questionário de
mapeamento das artistas que atuam no teatro de formas animadas atualmente no Brasil,
divulgado on-line por meio de redes sociais, iniciam-se as análises dos dados, também de
forma coletiva, por meio de uma comissão formada por dez participantes.

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Atualmente temos 256 mulheres mapeadas e o questionário ainda está disponível
para outras inscrições.
É possível ter um vislumbre do perfil da maioria das mulheres mapeadas, em uma
primeira análise de dados, apesar de estarmos ainda em fase de construção de uma análise
mais sólida, de forma coletiva e com dados qualitativos e quantitativos, que será
divulgada oficialmente pela RBB assim que for possível. Traçando um perfil majoritário,
temos mulheres cis, heterossexuais, brancas, de classe média, sem deficiência, que
possuem formação acadêmica e renda mensal, mas sem que o teatro de animação seja sua
principal fonte de renda.
Como parte integrante da metodologia da minha pesquisa, estarei analisando de
forma mais aprofundada os dados obtidos com este mapeamento, fazendo o cruzamento
de marcadores sociais como gênero, classe social, etnia, idade, região brasileira que reside
e que nasceu, entre outros, buscando entender melhor os perfis encontrados, e de que
forma estes dados influenciam na produção artística destas mulheres.
A partir desta análise, poderei fazer um recorte mais preciso, de quais mulheres e
obras irei entrar em diálogo. A princípio buscarei mulheres com idade entre 30 e 50 anos,
que exerçam mais de uma função e que tenham desenvolvido trabalho solo nos últimos
cinco anos, podendo utilizar qualquer linguagem do teatro de animação. Selecionarei
cinco mulheres e seus respectivos espetáculos.
Farei entrevistas semiabertas para conhecer melhor suas trajetórias e os processos
de criação destes espetáculos. A partir destas entrevistas e da análise dos espetáculos,
buscarei estabelecer relações entre procedimentos de animação teatral e as temáticas
relativas às mulheres na contemporaneidade, friccionando o universo simbólico abordado
no teatro de animação contemporâneo e o cotidiano das mulheres que se dedicam à arte,
com suas demandas e especificidades.
Faz parte também do percurso da pesquisa, o acompanhamento das ações da RBB,
elencando os principais encaminhamentos. Além dos instrumentos formais e coletivos de
registro, que são as atas das reuniões, faço uso também de diário de bordo, onde anoto as
minhas impressões pessoais destas reuniões e dos conteúdos artísticos que as bonequeiras
divulgam em diversas plataformas on-line, como Facebook, Instagram e Youtube. Receio
que não será possível acompanhar toda a movimentação do grupo, mas proponho-me a
ser atravessada por diversos conteúdos, registrando o que fizer mais sentido para mim, de
modo que o diário de bordo evidencie um olhar pessoal.

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Ainda não é possível chegar a conclusões, por se tratar de uma pesquisa em
andamento, porém parto de três hipóteses principais: a primeira, de que os avanços
relacionados aos pensamentos feministas no Brasil apareçam no teatro de animação feito
por mulheres; a segunda, a de que haja um aumento na visibilidade das mulheres que
atuam no teatro de animação. E a terceira, a de que há algo de feminino no ato de animar,
de dar vida, fazendo com que a forma animada pareça ter vontade própria e personalidade.
A partir do conceito de ânima (JUNG), como essência do feminino, no composto
ânima/ânimus presente em homens e mulheres, faço uma ponte interessante entre as
mulheres e teatro de animação.
Por fim, trago a esperança de que o teatro de animação feito por mulheres busque
desconstruir o modus operandi forjado no capitalismo, que gera a opressão sexista, o
machismo e a misoginia; e que busque construir um sentido de filoginia. (RAGO,2001).

Referências

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2013.

RAGO, Margareth. A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções da


subjetividade. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013.

RAGO, Margareth. Feminizar é preciso: Por uma cultura filógina. São Paulo:
Perspectiva, vol.15 no.3, 2001. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/spp/v15n3/a09v15n3.pdf, acesso em 20/06/2020

REDE DE BONEQUEIRAS BRASILEIRAS. Atas de reuniões e dados obtidos por meio


de formulários Google. Documentos de uso pessoal, não publicados.

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