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MEMORIAL

Luiz Cláudio de Almeida Barbosa

Ph. D., MRSC, CChem

Viçosa, MG
Março de 2012
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A meus pais, Paulo e Célia, e a minhas filhas, Victória e Carolina.


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"Todos tienen tres vidas:


una vida pública,
una vida privada
y una vida secreta."

(Gabriel García Márquez)


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Sumário
LUIZ CLÁUDIO DE ALMEIDA BARBOSA.................................................................... 9
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................11
CAPÍTULO 1 – A FORMAÇÃO EM QUÍMICA ...........................................................14
1.1 Os anos da formação básica (1964-1977) ............................................................14
1.2 Formação universitária e a primeira experiência como docente (1978-1981) .......16
O método de Winkler.........................................................................................18
1.3 O mestrado no Departamento de Química da UFMG e o início da carreira
acadêmica na UFV (1982-1987)................................................................................18
A pesquisa durante o mestrado .............................................................................. 22
As aulas de físico-química ...............................................................................22
1.4 A pós-graduação na Inglaterra (1987-1991) ........................................................23
O ingresso na Royal Society of Chemistry (RSC)............................................27
1.5 O preparo para retornar ao Brasil ........................................................................28
CAPÍTULO 2 - OS DESAFIOS INICIAIS.....................................................................35
2.1 O retorno a Viçosa (1991)...................................................................................35
2.2 Os primeiros passos para a montagem do laboratório de síntese e
algumas reflexões ................................................................................................36
CAPÍTULO 3 - O ENSINO DE GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO...................... 39
3.1 Aulas de graduação e pós-graduação...................................................................39
3.2 O Projeto PADCT...............................................................................................41
3.3 Projeto PROIN: entre os 20 melhores do Brasil...................................................42
3.4 Material didático para graduação e pós-graduação...............................................45
3.5 O livro-texto de Química Orgânica .....................................................................47
3.6 Outros livros.......................................................................................................48
Praticas de Química Orgânica ...................................................................................... 48
Pesticidas ....................................................................................................................... 49
Espectroscopia no infravermelho ................................................................................ 49
3.7 Comentários ainda em tempo ..............................................................................50
CAPÍTULO 4 - ADMINISTRAÇÃO E EXTENSÃO .....................................................51
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4.1 Introdução .......................................................................................................... 51


4.2 Atuação no Programa de Pós-Graduação em Agroquímica.................................. 52
4.3 A elaboração da proposta de criação do curso de doutorado em Agroquímica, sua
implantação e expansão ............................................................................................ 53
4.4 O Simpósio em Agroquímica.............................................................................. 56
4.5 O Ciclo de Seminários DEQ-SBQ (Regional Viçosa) e outros eventos................ 57
4.6 A Criação da Diretoria de Relações Internacionais na UFV................................. 58
4.7 A Experiência na FAPEMIG .............................................................................. 60
4.7 A Rede Mineira de Química ............................................................................... 62
CAPÍTULO 5 - A PESQUISA EM QUÍMICA ORGÂNICA NA UFV.......................... 64
5.1 Introdução .......................................................................................................... 64
5.2 O cenário no Brasil e na UFV nos anos 1990 ..................................................... 65
5.3 Os estabelecimento das linhas de pesquisa e cooperações.................................... 67
5.4 Alguns resultados das pesquisas realizadas no LASA.......................................... 71
5.4.1 Papel e celulose.................................................................................................... 71
5.4.2 Óleos essenciais ................................................................................................... 76
5.4.3 Algumas investigações na área de produtos naturais ........................................ 84
5.4.4 Algumas contribuições na área de síntese orgânica na UFV ............................ 93
5.4.4.1 Síntese de substâncias com atividade inseticida........................................... 94
i.Compostos análogos à piperina ....................................................................... 94
ii.Compostos organofosfatos .............................................................................. 98
5.4.4.2 Síntese de substâncias com atividade herbicida ou reguladora do
crescimento de plantas ......................................................................................... 101
i. Transformações químicas de lactonas sesquiterpênicas naturais ............... 102
ii. Novos compostos da classe de butenolídeos com atividade herbicida. ....... 126
5.5 Mais alguns resultados das pesquisas realizadas no LASA ................................ 130
5.5.1 Uso do metabólito alternariol como modelo para o desenvolvimento de
novos herbicidas ...................................................................................................... 131
5.5.2 Uso de rubrolídeos como modelo para o desenvolvimento de novos
herbicidas ................................................................................................................. 132
CAPÍTULO 6 – O PÓS-DOUTORAMENTO EM OXFORD ...................................... 134
CAPÍTULO 7 – CENÁRIO ATUAL E PERSPECTIVAS FUTURAS ........................ 141
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Agradecimento

Todo trabalho descrito nesse memorial teve a colaboração e participação de um grande


número de pessoas. Ao longo de todos esses anos de atuação no Departamento de Química, foram
dezenas de colegas professores da UFV com quem trabalhei e que me auxiliaram em vários
aspectos dos trabalhos aqui relatados. Colegas de muitas instituições no Brasil e no exterior
também tiveram participação central em muitos dos projetos que desenvolvemos. Impossível
também aqui enumerar todos os estudantes de graduação, pós-graduação e estagiários de pós-
doutorado que realizaram pesquisas no Laboratório de Análise e Síntese de Agroquímicos
(LASA) sob minha orientação ou coorientação. Todos esses colaboradores são citados no texto ou
nos artigos listados. A todos eles, meu mais sincero agradecimento por tudo que fizeram
contribuindo para a consolidação de pesquisas na área de Química Orgânica na UFV.

Como não posso nominar as centenas de colaboradores, gostaria aqui de


mencionar algumas pessoas que tiveram uma participação marcante na minha trajetória
acadêmica e na trajetória de criação e consolidação do LASA. São eles: Efraim Lázaros Reis,
meu primeiro orientador de pesquisa na UFV; Per Christian Braathen, orientador durante o curso
de graduação; Tânus Jorge Nagen, orientador durante o mestrado na UFMG; José Domingos
Fabris, orientador no mestrado em Agroquímica; John Mann, orientador durante o doutoramento
em Reading; Timothy J Donohoe, colaborador durante a realização de estágio de pós-
doutoramento na Universidade de Oxford; Oliver Howarth, colaborador da Universidade de
Warwick, que deu todo o suporte na área de RMN logo após meu retorno da Inglaterra; Dorila
Piló Veloso, colaboradora de muitos anos, que me incentivou e deu todo suporte necessário
durante o início de minha carreira como pesquisador independente na UFV; Antônio Jacinto
Demuner, colega desde os anos do curso de graduação na UFV e que desde sempre tem sido um
parceiro e amigo de todas as horas; Célia Regina Álvares Maltha, colega de mais de 15 anos com
quem dividimos a árdua tarefa de administrar o LASA e que sempre esteve disponível para ajudar
no que fosse preciso. A cada um desses colegas, meu mais sincero agradecimento.
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Cronologia
1960 Nasce em 6 de outubro em Além Paraíba, MG, filho de Paulo Antônio
Barbosa e Célia de Almeida Barbosa.
1966 Inicia os estudos primários na Escola Municipal de Jamapará, no município
de Sapucaia, RJ.
1970 É aprovado no Exame de Admissão e inicia os estudos no Ginásio Estadual
São José, em sua cidade natal.
1975 É aprovado no exame de seleção para o SENAI e inicia os estudos
secundários na Escola da Comunidade Professor Sérgio Ferreira.
1977 Conclui o curso secundário e gradua-se como torneiro mecânico pelo
SENAI.
1978 É aprovado no vestibular para Ciências na Universidade Federal de Viçosa
(UFV).
1979 Inicia a carreira docente como professor de Química do Colégio de Viçosa.
1981 Em 15 de dezembro, conclui o curso de Licenciatura Curta em Ciências e a
Licenciatura Plena em Química. Ainda em dezembro, é aprovado em
primeiro lugar no exame de seleção para o curso de mestrado em Química
na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte.
1983 É aprovado em primeiro lugar no concurso público para o cargo de
Auxiliar de Ensino na área de Química Geral na UFV. Em 26 de julho,
inicia suas atividades como docente universitário.
1984 Após interromper o mestrado na UFMG, inicia novo curso de mestrado na
UFV, na área de Físico-Química de Sistemas Naturais.
1986 Sob a orientação do professor José Domingos Fabris, em 15 de abril
defende a dissertação de mestrado intitulada Caracterização de um perfil
de solo desenvolvido de rochas pelíticas do grupo Bambuí pela análise
química, difratometria de raios X e espectroscopia Mossbauer. A banca
examinadora contou com a presença do físico Irlandês John Michael David
Coey.
1987 Em setembro viaja para a Inglaterra e inicia o doutoramento na
Universidade de Reading sob a orientação do renomado professor John
Mann.
1988 Viaja à França para participar do Congresso de Química, organizado pela
IUPAC, em Nancy. Na viagem encontra-se com grandes químicos
orgânicos brasileiros, com alguns do quais manterá contato por muitos
anos.
1989 Publica seu primeiro artigo científico sobre os resultados parciais de suas
pesquisas.
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1990 Em 3 de abril nasce no Brasil Carolina, a primeira filha. Em julho, a esposa


e a filha viajam para a Inglaterra para encontrá-lo. Em setembro conclui a
redação da tese de doutoramento e inicia trabalhos independentes que
viriam a ser continuados no Brasil.
1991 Em abril defende sua tese, tendo como examinador o professor Lawrence
Harwood, da Universidade de Oxford. Em outubro retorna ao Brasil e
inicia imediatamente a montagem de um laboratório de pesquisa em
Química Orgânica na UFV.
1992 Inicia a atuação como orientador no curso de mestrado em Agroquímica,
recebendo os dois primeiros alunos: Gelson A Conceição e Vanderlúcia F
Paula.
1996 Nasce Victória, a segunda filha.
1998 Publica o livro “Química Orgânica – uma introdução para as ciências
agrárias e biológicas”. Esse livro foi reeditado pela Editora Pearson
Education do Brasil em 2004 sob o título “Introdução à Química
Orgânica”. Nova edição foi publicada em 2011. Nesse ano é aprovado em
concurso para o cargo de professor Titular de Química na UFV.
2004 Publica pela Editora UFV o livro “Os pesticidas, o homem e o meio
ambiente”.
2005 É nomeado membro da Câmara de Ciências Exatas e dos Materiais da
FAPEMIG. Dois anos depois é nomeado coordenador dessa câmara.
2006 Coordena a implantação do doutorado em Agroquímica e a expansão do
programa de pós-graduação em Agroquímica.
2007 Publica pela Editora UFV o livro “Espectroscopia no infravermelho na
caracterização de compostos orgânicos”.
2009 Viaja à Inglaterra para realizar treinamento em nível de pós-doutoramento
na Universidade de Oxford.
2010 É nomeado Assessor de Relações Internacionais e de Parceria da UFV.
Cria a Diretoria de Relações Internacionais na UFV. Viaja aos Estados
Unidos e China acompanhado do Reitor da UFV na assinatura de
convênios de cooperação bilaterais.
2011 Convida e coordena a visita do professor Sir Harold Kroto ao Brasil. Na
UFV, o Laureado com o Prêmio Nobel apresenta duas palestras para mais
de mil pessoas.
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Luiz Cláudio de Almeida Barbosa,


natural de Além Paraíba, MG, é graduado
em Química pela Universidade Federal de
Viçosa (UFV, 1981); mestre em
Agroquímica na área de Físico-Química
(UFV, 1986) – com aperfeiçoamento em
Química de Produtos Naturais (UFMG,
1993); e Ph.D. pela Universidade de
Reading (Inglaterra, 1991) na área de
Síntese Orgânica, sob orientação do
professor John Mann. Realizou estágio de pós-doutoramento na Universidade de Oxford
(Inglaterra, 2009), no laboratório do professor Timothy Jonathan Donohoe. Iniciou sua
carreira acadêmica como docente do Departamento de Química da UFV em 1983 e,
desde 1998, é Professor Titular de Química Orgânica.

Na UFV, participou em diversos Conselhos e Câmaras, com destaque para:


Conselho Editorial da Editora UFV, Conselho de Pós-Graduação, Conselho
Departamental do Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas. É membro da Comissão
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Agroquímica desde 1992, tendo sido
coordenador do Programa por dois mandatos. Em 2006, coordenou a elaboração do
projeto para a implantação do doutorado em Agroquímica, aprovado pela CAPES com
Conceito 5. No período de 2006 a 2008, coordenou a expansão do Programa de
Agroquímica, que passou de 27 alunos (média dos últimos 15 anos) para
aproximadamente 70 quando deixou a coordenação. Foi Assessor Internacional e de
Parceria da UFV e criou a Diretoria de Relações Internacionais (DRI) nessa instituição
(2010-2011). Fora da UFV, participou como membro da Câmara de Ciências Exatas e dos
Materiais (CEX) da FAPEMIG (2004-2008), da qual foi Coordenador por um mandato. É
revisor de diversas revistas científicas nacionais e estrangeiras. Atua como consultor Ad
Hoc de agências de fomento à pesquisa, destacando-se: CNPq, CAPES, FAPEMIG,
FAPESB, FAPEMT, entre outras.

Como coordenador do Laboratório de Análise e Síntese de Agroquímicos (LASA),


estabelecido em 1992, tem desenvolvido projetos de pesquisa financiados por agências
governamentais e empresas privadas. Implantou na UFV a linha de pesquisa de síntese
orgânica, que conta hoje com vários professores e é referência nacional e internacional.
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Pesquisador do CNPq desde 1992, publicou mais de 170 artigos científicos nas áreas de
síntese orgânica, química de produtos naturais, óleos essenciais, química de papel e
celulose, em revistas nacionais e estrangeiras. Orientou e coorientou mais de 100
estudantes de mestrado e doutorado e foi pesquisador visitante nas Universidades de
Reading e Warwick, na Inglaterra. É sócio da Sociedade Brasileira de Química desde
1978, membro da Royal Society of Chemistry (Inglaterra) desde 1989 e também membro
afiliado da International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC) desde essa data.

Dentre as principais contribuições na Química, destacam-se: síntese de dezenas de


novas substâncias bioativas; publicação do primeiro trabalho sobre a atividade
antimalarial de ozonídeos; descoberta de uma nova metodologia para a reação de
cicloadição [3+4]; e descoberta de vários produtos naturais novos.

É autor do livro “Introdução à química orgânica”, publicado inicialmente pela


Editora UFV (1998) e, posteriormente, pela Pearson Education do Brasil (2004, 1ª edição;
2011, 2ª edição). Esse livro é amplamente utilizado por universidades brasileiras, tendo
em 2011 alcançado o mercado africano. Publicou também “Os pesticidas, o homem e o
meio ambiente” (Editora UFV, 2004, www.livraria.ufv.br) e “Espectroscopia no
infravermelho na caracterização de compostos orgânicos” (Editora UFV, 2007,
www.livraria.ufv.br).

Nas horas vagas, é clarinetista do Conjunto de Sopros da Universidade Federal de


Viçosa.

CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/0234920940703210
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APRESENTAÇÃO

A vida universitária demanda de nós uma contínua reflexão sobre nossas ações.
Essa reflexão deve contemplar diversos aspectos de nossa atuação como docente, como
pesquisador, gestor e formador de opinião. Somos responsáveis pela formação da futura
geração de intelectuais, pesquisadores e administradores que levarão adiante, e ampliarão
ainda mais, o trabalho que hoje fazemos. Essa nova geração será responsável por
continuar alavancando o desenvolvimento científico, econômico, social e cultural do
Brasil. Apesar da importância de estarmos continuamente avaliando, de forma crítica, o
que se passa na universidade e na sociedade, nosso cotidiano de professor-pesquisador
demanda de nós um esforço contínuo em muitas áreas, fazendo com que muitas vezes o
tempo que dedicamos a esse processo reflexivo seja comprometido. A cada dia, as
cobranças impostas pela sociedade e pelas mais diversas instituições organizadas sobre o
trabalho do professor aumentam, exigindo cada vez mais que tenhamos envolvimento nas
mais diversas áreas, como ensino, pesquisa, extensão e administração. Esse é um dos
grandes erros do sistema atual, que confunde as áreas de atuação da instituição
universitária (historicamente estabelecida sobre as bases da trilogia ensino-pesquisa-
extensão) com aquelas que deveriam ser atribuições de indivíduos que compõem seu
quadro.

O professor, pela natureza de sua profissão, deve sempre se dedicar ao ensino.


Além disso, é da natureza da universidade moderna o desenvolvimento de novos
conhecimentos. Para isso, a pesquisa no seio das universidades tem um papel central.
Assim, esperamos que os docentes também devam apresentar uma contribuição nessa
área.

A extensão universitária corresponde também a uma importante faceta da atuação


da universidade. Nesse aspecto se espera que as instituições universitárias socializem com
o maior número possível de membros da sociedade parte do conhecimento por ela
desenvolvido. Devemos ainda considerar que, além dessas três áreas de atuação do
acadêmico moderno (ensino-pesquisa-extensão), boa parte dos docentes deve estar
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diretamente envolvida com questões administrativas. São pessoas responsáveis por


estabelecer e fazer cumprir as questões regimentais do cotidiano, assim como pensar a
universidade do futuro. Nesse pensar, o planejamento institucional de longo prazo é
fundamental, pois devemos estar sempre na vanguarda, apontando para onde as políticas,
tanto institucionais quanto as mais amplas em nível de governo, devam ser direcionadas.

Com toda essa demanda, muitas vezes nós não paramos para refletir criticamente
sobre nossa própria atuação, tanto institucional quanto em nível mais amplo. Portanto,
nesse momento em que o Departamento de Química da UFMG torna público o edital para
o provimento de vaga para o cargo de Professor Titular de Química, não pude deixar de
me seduzir pela oportunidade de me candidatar a esse honroso posto. A sedução vem não
apenas da posição de destaque que a UFMG ocupa entre as instituições de ensino superior
do Brasil, mas também pela chance (forçada, eu diria!) de parar com as atividades
atribuladas do dia a dia e refletir sobre minha vida acadêmica nos últimos 30 anos. Tenho
certeza de que, independentemente do resultado da avaliação ao final desse processo, em
que estarei disputando uma vaga com os mais conceituados cientistas do País, o ganho
para minha vida será grande, pois me permitirá analisar de forma crítica a minha jornada
até o momento e, a partir daí, organizar meus planos pelo menos para a próxima década.

Desnecessário dizer que a organização de um memorial como esse não é tarefa


fácil, uma vez que sua estrutura pode tomar formas diversas, nem sempre refletindo a
ordem cronológica dos eventos.

Assim, a organização que dei a este documento se estrutura em sete capítulos. No


capítulo 1, faço uma apresentação de minha formação acadêmica desde os primeiros anos
na escola básica até a formação em nível de doutorado na Inglaterra. Faço ainda uma
descrição do processo de preparo para o retorno ao Brasil após a conclusão de minha tese
de doutoramento. No capítulo 2, é feita uma análise da situação do Departamento de
Química no início da década de 1990 e dos desafios que encontrei ao retornar da
Inglaterra. No capítulo 3, discuto em linhas gerais minha atuação da área de ensino,
enfatizando que por ensino não me limitei a ministrar aulas, mas também a elaborar
projetos para a aquisição de equipamentos para melhorar a qualidade das aulas práticas.
Também descrevo minha atuação como autor de livros-textos para graduação. No capítulo
4, são apresentadas as principais atividades de extensão e de administração. Atenção
especial é dada à criação do doutoramento em Agroquímica e à grande expansão
conduzida no Programa de Pós-Graduação em Agroquímica. A participação em uma
reunião de um grupo de pesquisadores que criou a Rede Mineira de Química é também
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destacada. Outro ponto importante que é citado foi o convite feito ao professor Harrold
Kroto e a coordenação de sua vinda ao Brasil. A visita do professor Kroto constitui-se em
um marco na história da UFV, pois ele foi o primeiro laureado com um Prêmio Nobel a
visitar a instituição em seus 85 anos. No capítulo 6, é feita uma apresentação das
principais linhas de pesquisa desenvolvidas na UFV após a conclusão de meu
doutoramento. Alguns trabalhos foram discutidos em mais detalhes, enquanto outros não
foram mencionados, uma vez que corresponderam a participações esporádicas em
colaborações diversas. No capítulo 6, é discutido o trabalho realizado durante estágio de
pós-doutoramento na Universidade de Oxford, na Inglaterra. Esse trabalho se constituiu
em um marco para minha carreira, uma vez que durante o estágio estabeleci novos
contatos e tive a chance de trabalhar com novas metodologias de síntese. A vivência em
Oxford trouxe novo fôlego para a minha vida acadêmica. No capítulo 7, faço uma breve
análise do cenário atual das pesquisas em Química Orgânica no Departamento de Química
da UFV e no Brasil e concluo de forma bem geral sobre as perspectivas para o futuro de
minha carreira acadêmica.

Viçosa, março de 2012

L. C. A. B.

(lacb@ufv.br)
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Capítulo 1

A formação em Química

1.1 Os anos da formação básica (1964-1977)

Mesmo antes de iniciar a formação escolar formal, ainda aos quatro de idade,
recordo-me de aulas particulares com a professora Alda, que era também orientadora
durante minha catequese. Houve outra professora antes de eu atingir os seis anos, cujo
nome agora me falha. Essa formação inicial foi muito importante, pois estabeleceu em
mim a paixão pelo estudo e a disciplina necessária para levar isso a cabo.
Minha educação formal iniciou-se então na Escola Estadual de Jamapará, no
Estado do Rio de Janeiro. Naquela época, em meados dos anos 1960, havia naquele
estabelecimento de ensino duas turmas de primeira série: uma denominada “atrasada” e
a outra, “adiantada”. Os alunos que ainda não tinham atingido sete anos de idade para
iniciar os estudos formais eram matriculados no primeiro ano atrasado. Como meus pais
resolveram me matricular um ano antes de atingir a idade mínima, cursei esse ano
preparatório, mas, devido ao meu desempenho, fui matriculado no ano seguinte
diretamente na segunda série.
Durante os anos do ensino primário participei de diversos eventos na escola,
tendo sido inclusive apresentador durante uma das festas juninas. Após a conclusão da
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4ª série do então curso primário, era comum a realização de um ano de estudos


denominado Admissão, antes do ingresso no Ginásio. Outra opção de entrada era a
realização do chamado Exame de Admissão. Fui aprovado nesse exame e em 1970
ingressei no Ginásio Estadual São José, em Além Paraíba-MG. Naquela época a escola
pública ainda era de boa qualidade, e o Ginásio São José oferecia um ensino de nível
razoável.
Em 1975, fui aprovado no exame de seleção para o SENAI, em Além Paraíba,
MG. A formação educacional oferecida por essa instituição era do nível ginasial,
complementada com a formação profissional. Assim, de 1975 ao final de 1977, durante
o período diurno eu frequentei o SENAI: aulas teóricas pela manhã e trabalho na oficina
mecânica na parte da tarde. Após um ano de instruções básicas em mecânica, participei
de novo processo seletivo para ocupar uma das poucas vagas para o setor de tornearia
mecânica. Esse setor tinha maior status na escola, talvez pelo fato de os alunos terem
oportunidade de trabalhar com equipamentos mais sofisticados à época. Fui aprovado e,
no segundo ano, aprendi os fundamentos da tornearia mecânica, que envolvia, no caso
dos tornos mais antigos, alguns cálculos para a determinação da combinação de
engrenagens para a feitura de parafusos com determinado número de roscas por
polegada.
No terceiro ano, como parte da formação, todos eram transferidos para a oficina
mecânica da Rede Ferroviária Federal, onde trabalhavam sob a supervisão de um oficial
experiente. A jornada de trabalho iniciava às 7 horas e terminava às 17 horas.
Relato esses fatos neste memorial, pois a relevância que tiveram para minha
formação está relacionada mais com a disciplina rigorosa do SENAI e a cobrança pela
perfeição na confecção de peças diversas do que com a formação intelectual
propriamente dita. Após esses três anos eu já tinha uma profissão e um emprego
garantido. Muitos de meus colegas, nessa época com 18 anos, aceitaram a oferta de
emprego na RFSA.
Toda essa jornada de estudo/trabalho era complementada com os estudos
secundários na Escola da Comunidade Sérgio Ferreira (CENEC), na mesma cidade. As
aulas iniciavam às 18h20 e terminavam às 20h30. Foram três anos de muito estudo.
Eram três turnos, e quase sempre eu cochilava de cansado nas aulas noturnas.
Nesse período tive as primeiras aulas de química. Um dos professores era um
estudante de Medicina da UFJF, e o livro adotado era de autoria de Feltre-Setsuo.
Apaixonei-me logo pelo assunto e, após concluir o segundo grau, ainda em dúvida se
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prestaria vestibular para Medicina Veterinária, escrevi carta para o professor Ricardo
Feltre. A inesperada resposta veio, e me lembro de suas palavras: “existem excelentes
cursos de Química em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo”... “no exterior as
referências são Estados Unidos, Inglaterra França e Alemanha”.1
A partir do meu gosto pela química e das palavras do professor Feltre, eu decidi
que iria prestar vestibular para Química.
Com duas cartas de apresentação de meu professor de Geografia, Clinton Motta,
visitei a Universidade Federal de Viçosa em julho de 1977. Uma das cartas era
endereçada ao professor Cid Martins Batista, então Chefe do Departamento de Química
da UFV. A outra foi endereçada ao professor Gui Capdeville, que eu nunca cheguei a
conhecer, uma vez que o professor Cid colocou um funcionário à minha disposição para
me apresentar e mostrar as diversas unidades e laboratórios do Campus.

1.2 Formação universitária e a primeira experiência como docente (1978-1981)

Em 1978, prestei vestibular para Licenciatura em Ciências na Universidade


Federal de Viçosa. Na época este era um curso de curta duração, com a possibilidade de
realização da Licenciatura Plena em várias áreas. Fui aprovado no vestibular e em 1978
iniciei o curso, já decidido que iria optar pela Licenciatura Plena em Química. Nesse
momento de minha vida, aos 17 anos de idade, decidi que me dedicaria ao magistério.
Eu ainda estava cursando o segundo ano na universidade, quando fui indicado
pelo professor Maurício Barbosa2 a lecionar Química Orgânica no Colégio de Viçosa,
um estabelecimento educacional tradicional na cidade. Apresentei-me à secretaria do
colégio e, após uma entrevista, fui contratado. Portanto, antes de completar 19 anos de
idade ministrei minha primeira aula em julho de 1979, sendo responsável por três
turmas da 3a série do segundo grau. A maioria dos alunos das turmas diurnas era da
minha idade, e os da turma noturna, em sua maioria, eram mais velhos que eu. Essa foi
uma experiência marcante em minha vida. Mais marcante ainda foi a entrevista feita
pela secretária Odette, que vim depois a conhecer. Ao me questionar se eu já tinha
experiência como professor, respondi positivamente, embora isso fosse uma pequena
“inflação” dos fatos reais. Eu não tinha dúvidas de que deveria demonstrar minha
confiança para a sisuda secretária. Ela então não teve dúvidas: “Já que você tem

1
Essas citações são livres, pois foi o que sempre ficou na minha memória desde essa época.
2
Então professor do Departamento de Química da UFV.
17

experiência, ótimo! Você começa agora mesmo, pois as turmas estão há quase um mês
sem aulas. Daqui a uma hora você pode começar: uma turma às 10 e a outra às 11
horas!”.
Eu não poderia deixar essa oportunidade passar, uma vez que se tratava do mais
conceituado colégio de Viçosa e eu havia sido muito bem recomendado. Sentei-me por
uma hora e organizei uma aula de revisão sobre a classificação de compostos orgânicos.
Esse foi o meu batismo como professor!
Em março de 1980, após nove meses como docente do Colégio de Viçosa, fui
aprovado em primeiro lugar3 em concurso para monitor de Química Geral no
Departamento de Química da UFV. Apesar de passar a receber menos da metade do
meu salário como professor, decidi optar pela monitoria. Teria sido muito difícil
acumular os dois cargos, pois isso demandaria muito tempo e poderia prejudicar meu
desempenho nas disciplinas na Universidade. Entendi que a experiência no ensino de
nível superior, mesmo na qualidade de monitor, seria muito importante para o futuro
que eu já havia traçado para mim, que seria realizar concurso para ingressar como
docente em alguma universidade. Portanto, até a conclusão de meu curso universitário,
atuei como monitor das disciplinas Química Geral, Química Analítica e Química
Orgânica. Para complementar minha formação pedagógica, atuei voluntariamente como
professor no Colégio Universitário (Coluni), durante o primeiro semestre de 1981.
Durante todo o curso de graduação participei, como estagiário, de atividades de
pesquisa. A princípio trabalhei brevemente com o professor Efraim Lázaro Reis, na
separação cromatográfíca de metais. Mais tarde, trabalhei com os professores Per
Christian Braathen e Benjamim Gonçalves Milagres no estudo da concentração de
oxigênio dissolvido em águas naturais. Esse projeto envolveu a calibração de um
potenciômetro com um eletrodo seletivo para oxigênio. Fiquei responsável pela
calibração do equipamento e, juntamente com o professor Benjamin Milagres, pelas
medidas da variação do teor de oxigênio dissolvido em um tanque de criação de peixes
do setor de piscicultura da UFV. A calibração foi feita pelo método de Winkler, que se
baseia em uma titulação de oxidorredução.

3
Eram vinte e dois candidatos para uma vaga.
18

O método de Winkler

De forma resumida, o método consiste em adicionar MnSO4 juntamente com


NaOH à amostra. Ocorre a formação de Mn(OH)2, que reage com o oxigênio dissolvido,
formando MnO(OH)2, que precipita. Em seguida, a essa amostra é adicionada uma
solução de KI seguido de ácido sulfúrico. O ácido converte o precipitado em Mn(SO4)2,
que reage com o iodeto, produzindo I2. O iodo é então titulado com uma solução de
Na2S2 O3. As equações das reações envolvidas no método são mostradas a seguir:

2 Mn(OH)2(s) + O2(aq) → 2 MnO(OH)2(s) (1)


4 Mn(OH)2(s) + O2(aq) + 2 H2O → 4 Mn(OH)3(s) (2)
- 2+
1 Mn(SO4)2 + 2 I (aq) → Mn (aq) + I2(aq) + 2 SO42-(aq) (3)
2 S2O32-(aq) 2-
+ I2 → S4O6 (aq) + 2 I (aq)-
(4)

Pela estequiometria das reações, tem-se que: 1 mol O2 → 2 mol MnO(OH)2 → 2


mol I2 → 4 mol S2O32–. Assim, a quantidade de oxigênio dissolvida pode ser calculada
de forma indireta e o resultado, expresso em mg de O2/dm3.
Essa pesquisa foi feita de forma voluntária, em uma época em que não existia
bolsa de iniciação científica, e, como estudante, eu estava mais interessado na
oportunidade de aprender do que em publicar trabalhos. Hoje, a situação é totalmente
diferente: há grande número de bolsas disponíveis e muitas outras oportunidades.
Em dezembro de 1981, conclui a Licenciatura em Ciências e a Licenciatura
plena em Química.4 Nessa época já havia me decidido a iniciar o curso de mestrado em
Química.

1.3 O mestrado no Departamento de Química da UFMG e o início da carreira


acadêmica na UFV (1982-1987)

Em dezembro de 1981, considerei a possibilidade de me inscrever para o curso


de mestrado na UNICAMP; no então NPPN, no Rio de Janeiro; e na UFMG. Em

4
Concluí o curso com os seguintes conceitos: A (40), B (5) e C (1).
19

meados desse mesmo mês, prestei concurso no Departamento de Química da UFMG


para ingressar no mestrado em Química, tendo sido aprovado em primeiro lugar. 5 As
provas ocorreram nos dias em que eu deveria estar participando dos eventos de minha
formatura na UFV. A última prova foi aplicada em 15/12, exatamente no dia de minha
colação de grau. Cheguei apenas a tempo de participar dessa colação.
Uma vez aprovado na seleção para o mestrado, a comissão de seleção me
concedeu o prazo de dois períodos letivos para concluir o chamado "laudo básico",
formado pelas disciplinas Química Orgânica Avançada I, Química Inorgânica Avançada
I e Físico-Química Avançada I. Aos estudantes classificados com notas menores foi
concedido o prazo de três períodos. Contrariando a sugestão de alguns colegas,
matriculei-me nas três disciplinas em um mesmo período, logrando aprovação em todas
elas, obtendo dois conceitos A e um B.6
Concluída essa etapa, no segundo semestre de 1982, fui convidado pelo
professor Tanus Jorge Nagem para realizar o trabalho de dissertação sob sua orientação.
Fiquei orgulhoso com o convite, que aceitei imediatamente mesmo sem conhecer muito
esse professor, que acabou se relevando um excelente amigo e conselheiro. Assim, em
julho de 1982, ao mesmo tempo que cursava as disciplinas Métodos Físicos de
Identificação de Compostos Orgânicos e Química Orgânica Avançada II, iniciei o
estudo fitoquímico da planta Kielmeyera variabilis. Após seis meses de trabalho com os
extratos benzênico e metanólico do caule dessa planta, isolei aproximadamente nove
compostos, entre os quais conseguimos identificar os seguintes: β-sitosterol, lupeol,
triacontan-1-ol e um flavonoide, cuja estrutura não foi totalmente elucidada.
Naquela época, o Departamento de Química da UFMG contava apenas com um
espectrômetro de ressonância magnética nuclear de 60 MHz, o que dificultava o
trabalho de elucidação estrutural de produtos naturais complexos. Portanto, os outros
compostos isolados não tiveram suas estruturas elucidadas. Por sugestão do orientador,
abandonei esse trabalho em vez de enviarmos as amostras para outros centros a fim de
obtermos os dados espectrocópicos necessários à elucidação estrutural dessas amostras.
Em seguida iniciei o estudo químico de outra planta. Assim, no início de 1983 fui a
Ouro Preto coletar amostras de Laplacea tomentosa, planta pertence à família
Guttiferae, com o objetivo de isolar compostos da classe das xantonas.

5
Havia 15 candidatos de diversas partes do País.
6
O conceito B foi em Química Inogânica, com 84 pontos. Dos 13 alunos matriculados, apenas dois foram aprovados.
20

Com pouco tempo de trabalho, consegui isolar do caule dessa planta uma
substância aromática de cor amarela, assim como outros compostos alifáticos de pouco
interesse. O espectro no UV-Vis do composto amarelo indicava que se tratava de uma
xantona; entretanto, a falta de dados espectroscópicos novamente tornava muito difícil a
determinação da estrutura dos compostos isolados.
No período de verão de 1982 cursei a disciplina Química Bio-orgânica,
concluindo dessa forma, no prazo de um ano, os 24 créditos exigidos para o curso de
mestrado.
O ano de 1982 e o primeiro semestre de 1983 foram de muito estudo e trabalho.
Eu passava horas no laboratório fracionando amostras e interpretando espectros no
infravermelho. O ambiente no Departamento de Química da UFMG era diferente do que
eu havia experimentado na UFV. O grande número de alunos e a convivência com
pesquisadores renomados eram algo motivador.
No início dos anos 1980, o Brasil ainda se encontrava sob a ditadura militar.
Havia muitos anos que as universidades não abriam vagas para professor. No final de
1982, o Departamento de Química da UFV publicou um edital para uma vaga para
Professor Auxiliar de Química Geral. Naquela época o salário de docente da UFV era o
maior do Brasil. Não havia isonomia salarial entre as IFES, tema esse que foi inclusive
um dos pontos centrais da greve geral dos docentes em 1985. Assim, diante dessa
excelente oportunidade de iniciar minha carreira acadêmica, para a qual eu vinha me
preparando desde meus primeiros anos como estudante universitário, inscrevi-me no
concurso.
Desde a publicação do edital até a realização do concurso passaram-se muitos
meses. Durante todo o final de 1982 e o primeiro semestre de 1983, estudei
exaustivamente os pontos listados nesse edital.
Depois de uma longa espera e muito estudo, em junho o concurso foi realizado,
no qual logrei aprovação em primeiro lugar. 7 O concurso foi para Auxiliar de Ensino, na
área de Química Geral. Mesmo aprovado, ainda tinha dúvidas se interromperia o
mestrado para trabalhar. Mas, conforme já mencionado, naquela época havia
dificuldades de se conseguir emprego; portanto, como outros colegas da pós-graduação
na UFMG, optei por trabalhar em detrimento do curso de mestrado que vinha

7
Foram 22 os candidatos inscritos no concurso; desses 12 foram aprovados na prova de títulos e nove compareceram para
o concurso. Entre os inscritos encontravam-se tres ex-professores do DEQ. O segundo colocado havia sido minha ex-
professora de Química Geral, que, após sair da UFV para realizar o doutorado em SP, resolvera retornar para a vaga que
havia deixado.
21

realizando. Tanto a decisão de realizar o concurso quanto a de assumir a vaga foi difícil.
Tive o apoio de meu então orientador, professor Tanus, e, no dia 26 de julho de 1983,
assumi minhas funções no DEQ-UFV, ministrando inicialmente 18 horas semanais de
práticas de Química Analítica.
Neste período tentei continuar realizando os trabalhos experimentais em Belo
Horizonte e, para isso, viajava aos finais de semana. A dificuldade era enorme, uma vez
que o departamento se encontrava fechado e não era possível realizar análises de rotina,
como obter espectros no infravermelho, entre outros. Na sexta-feira eu ministrava aulas
das 8 às 18 horas e viajava para Belo Horizonte no ônibus da meia-noite, chegando de
madrugada. Às 7 horas eu já estava no laboratório trabalhando. Foi um período muito
difícil e cansativo, mas, ainda com 23 anos, tinha energia e vontade para superar esses
problemas.
Fiz algumas tentativas de continuar a pesquisa de minha dissertação na UFV,
porém naquela época não havia a menor condição de se realizar qualquer trabalho na
área de Fitoquímica. Apesar de algumas tentativas, não conseguia espaço adequado nem
material para realizar o trabalho. Além do mais, a falta de orientação era fator limitante,
pois eu ainda não tinha maturidade para realizar pesquisa de forma independente.
No ano de 1984, além das aulas práticas de Química Analítica, assumi aulas
teóricas dessa disciplina e, no segundo semestre, comecei a ministrar também aulas
práticas de Físico-Química I. Devo esclarecer que, apesar de ter sido aprovado em
concurso para a área de Química Geral e do compromisso da chefia do DEQ de que em
breve eu seria transferido para o setor de Química Orgânica, comecei a trabalhar em
áreas distintas, por força das circunstâncias.
Considerando as dificuldades reais em continuar o trabalho na UFMG,8 e
objetivando concluir o mestrado o mais rápido possível, inscrevi-me no curso de
mestrado em Agroquímica da UFV. Assim, em março de 1985 iniciei o curso sob a
orientação do professor José Domingos Fabris, na área de concentração de físico-
química de sistemas naturais. Mais uma vez, estava me afastando da Química Orgânica.
Mudar de área foi uma decisão difícil; entretanto, eu considerava o mestrado apenas

8
Nesse período, ainda fiz uma tentativa de iniciar outro trabalho contando com a supervisão do professor Reginaldo da
Silva Romeiro, do Departamento de Fitopatologia (UFV). O professor Romeiro era especialista em bactérias
fitopatogências e estava interessado em fitoalexinas. Cheguei a realizar um estágio em seu laboratório, aprendendo
técnicas de cultivos de fungos e bactérias. Uma das bactérias (não me lembro dos detalhes) que ele estava estudando
produzia fitoalexinas que causavam lesões graves em plantas de maracujá. Meu projeto envolveria o isolamento e
caracterização dessa(s) substância(s) a fim de entender o seu mecanismo de patogenicidade para a planta. Ficou acertado
que o professor Tanus viria a Viçosa para conversar com o professor Romeiro como o trabalho seria conduzido. Como
ele não veio, tomei outra decisão quanto ao mestrado.
22

parte do treinamento que eu iria realizar. Além disso, um mestrado nessa área me daria
mais condições de atuar como professor de Química Analítica e Físico-Química. Tive
que cursar mais 13 créditos,9 e estudar espectroscopia Mössbauer por conta própria, já
que esta seria a técnica central a ser empregada no meu trabalho.10

A pesquisa durante o mestrado

O título de minha dissertação foi "Caracterização de um perfil de solo


desenvolvido de rochas pelíticas do grupo Bambuí pela análise química, difratometria
de raios X e espectroscopia Mossbauer”.
O trabalho teve como objetivo compreender melhor os fenômenos envolvidos
na evolução dos minerais, particularmente os óxidos e hidróxidos de ferro, em um solo
desenvolvido de rocha pelítica do grupo Bambuí. Com esse trabalho, tive a
oportunidade de utilizar várias técnicas analíticas, como volumetria de oxidorredução,
volumetria de complexacão, fotometria de chama, espectroscopia de absorção atômica,
difratometria de raios-X e espectroscopia Mössbauer.
Os resultados obtidos nos permitiram, pela primeira vez, propor o modelo de
conversão de goethita em hematita na natureza,11 o que veio comprovar a hipótese do
professor Mauro Rezende (à época Professor Titular do Departamento de Solos da
UFV), então meu conselheiro. O desenvolvimento desse trabalho contou com a
participação do professor John Michael David Coey, chefe do Departamento de Física
Pura e Aplicada da Universidade de Dublin, Irlanda, que participou da banca
examinadora em 15 abril de 1986.

As aulas de físico-química

Com o afastamento do professor Germam Henriques Cares Cuevas, no início de


1985, para realizar doutoramento em Físico-Química na UNICAMP, o chefe do
Departamento de Química me informou que, a partir daquela data, eu seria responsável
pelas disciplinas Físico-Química I e II. Mesmo tendo sido aprovado com conceitos

9
Obtive conceito A em todas as disciplinas, concluindo o curso com coeficiente de rendimento máximo (3,0).
10
Após tantos anos da defesa, não tenho mais o conhecimento teórico sobre essa metodologia.
11
BARBOSA, L. C. A.; FABRIS, J. D.; RESENDE, M.; COEY, J. M. D.; GOULART, A. T.; CADOGAN, J. M.;
SILVA, E. G. Mineralogia a química de um solo desenvolvido de rocha pelítica do grupo Bambuí. Revista Brasileira de
Ciência do Solo, v.15, n.3, p.259-266, 1991.
23

máximos nas disciplinas dessa área, tanto na graduação quanto na pós-graduação, eu


sabia que teria muito trabalho pela frente.
Embora eu tenha dispendido muita energia e tempo para preparar os cursos, foi
uma excelente experiência. Hoje lamento que, após mais de 20 anos dedicados ao
trabalho em projetos e cursos relacionados à química orgânica, perdi muito do domínio
que tinha sobre termodinâmica química e equilíbrio, entre outros assuntos.
Como coordenador das disciplinas Físico-Química I e II, elaborei, em
colaboração com mais dois colegas, duas apostilas de aulas práticas. 12 Apesar de o
material não ter sido submetido para publicação pela Imprensa Universitária, ele foi
utilizado, por um período de sete anos, por outros professores que me sucederam nessas
disciplinas.
Além das atividades didáticas, após a defesa de minha dissertação de mestrado,
até o segundo semestre de 1987 me dediquei a estudar inglês e síntese orgânica, pois já
havia decidido retomar meus estudos na área de Química Orgânica.

1.4 A pós-graduação na Inglaterra (1987-1991)

Na década de 1980 havia na UFV um grupo de pesquisadores, liderado pelos


professores Evaldo Ferreira Vilela (Departamento de Biologia) e João Sabino de
Oliveira (Departamento de Química), que estava trabalhando com a identificação e
avaliação da atividade biológica de feromônios produzidos por insetos. No
Departamento de Química, o professor Nilton Carnieri, que acabara de concluir seu
doutoramento na Inglaterra, estava iniciando trabalhos na área de síntese de feromônios
de insetos-praga na agricultura. Nessa época, entendi que, realizando o doutoramento
em síntese orgânica, poderia associar-me ao grupo, que já era um dos mais importantes
no País em sua área de atuação. 13 Desse modo, em 1986, escrevi para várias
universidades inglesas e, finalmente, decidi ir para Reading, trabalhar com o professor
John Mann. Este, apesar de trabalhar com síntese de moléculas biologicamente ativas,
era mais conhecido pelo seu livro-texto "Secondary metabolites", utilizado no Brasil e
em vários países.

12
ALMEIDA, P. G. V.; BARBOSA, L. C. A.; BARCELLOS, E. S. Roteiro de aulas práticas de Físico-Química I.
Universidade Federal de Viçosa, 70p. 1986 (mimeografado); BARBOSA, L. C. A.; ALMEIDA, P. G. V.;
BARCELOS, E. S. Roteiro de aulas práticas de Físico-Química II. Universidade Federal de Viçosa, 64p. 1986
(mimeografado).
13
O principal líder do grupo, professor Evaldo Vilela, foi posteriormente reitor da UFV e, em 2011, nomeado membro da
Academia Brasileira de Ciências, em função de sua contribuição nessa área.
24

Em abril de 1987, o professor Mann ministrou um curso sobre Biossíntese de


Terpenos, no Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
USP de Ribeirão Preto. Participei do curso e tive oportunidade de discutir com ele o
projeto a ser desenvolvido durante meu doutoramento. Embora nenhum de seus
trabalhos estivesse relacionado aos feromônios, meu entendimento era de que um
treinamento em síntese, qualquer que fosse o projeto, me capacitaria a integrar a equipe
do professor Vilela após o retorno a Viçosa.
Após a conversa com o professor Mann sobre os possíveis projetos a serem
desenvolvidos, decidi trabalhar no desenvolvimento de uma rota sintética para o preparo
de lactonas sesquiterpênicas do tipo pseudoguaianolídeo.
Essa classe de compostos possui ampla gama de atividades biológicas, sendo
particularmente de interesse a atividade antitumoral. Todos os trabalhos de síntese
desses compostos, até então publicados, envolviam rotas muito longas e resultavam na
obtenção do produto final em quantidades muito pequenas e insuficientes para a
realização de ensaios biológicos. A proposta de trabalho baseava-se na análise
retrossintética do composto de fórmula geral [1], mostrada na Figura1.1.

O OH O O R
R2 R1 R1 1
R2 R2
O O O
O O
O OCH3
[1] [2] [3]

cicloadição O
O [3+4] R2 R1
O
R2 R1
O

[5] cátion oxialílico [4]

Figura 1.1 – Análise retrossintética para o composto [1].

O composto [1] possui uma estrutura tricíclica, com um anel central de sete
membros. Uma revisão sobre as possibilidades sintéticas existentes à época para esse
tipo de composto encontra-se na tese de doutoramento.14 Esse assunto ainda continua
sendo de grande importância, tanto que e uma excelente revisão sobre diversas

14
BARBOSA, L. C. A. A. New Approach to the Pseudoguaianolide Skeleton via Oxyallyl Cation Chemistry, PhD thesis,
1991. Reading, UK.
25

abordagens sintéticas de sesquiterpenos contendo o esqueleto biciclo[5.3.0]decano foi


recentemente feita por Foley e Maguire. 15
De acordo com a Figura 1.1, a cicloadição [3 + 4] entre um cátion oxialílico e
furano seria a etapa-chave na síntese, uma vez que resultaria a construção do anel
central de sete membros, o qual, em razão de sua rigidez, deveria permitir algum
controle na estereoquímica dos centros quirais do produto final [1]. A segunda etapa
seria a construção do anel γ-butirolactona partir do composto [4]. Isso envolveria a
conversão de [4] em [3] pela introdução de uma unidade de dois carbonos no carbono
alfa à carbonila, seguido da clivagem da ligação éter e simultânea transesterificação
intramolecular. Obtida a lactona [2], a última etapa seria a construção do anel
ciclopentenona.
A ideia global do trabalho me foi apresentada pelo professor Mann, e coube a
mim desenvolvê-la. Iniciei os trabalhos de pesquisa e, após um ano, não havia
conseguido preparar a lactona [2]. Durante exaustivo trabalho de tentativa de clivagem
da ligação éter do oxabiciclo [3], quando R1 = R2 = H, descobri um meio de converter
tais compostos em troponas substituídas. Uma metodologia para o preparo de troponas
foi então desenvolvida.16 Esses resultados mostraram-se extremamente interessantes,
uma vez que permitiriam a utilização da metodologia de cicloadição [3 + 4] para
preparar compostos análogos à colchicina, uma ariltropona, utilizada no tratamento de
processos inflamatórios como a gota.
H3 CO H
CH 3
N
H 3CO
O
H3 CO
O
OCH 3
[6] Colchicina

Comecei então a trabalhar com o 2,4-dimetil-8-oxabiciclo[3.2.1]oct-6-en-3-ona


(composto [4], com R1 = R2 = Me), e os resultados referentes à clivagem da ligação éter
do composto [7] foram excelentes, permitindo a produção de grande quantidade da
lactona [8] (R = Me ou H) (Figura 1.2).
Investiguei diversas metodologias de ciclopentanelação para a introdução do
último anel no composto [8]. Utilizando uma reação de cicloadição [2 + 2] entre 2-

15
FOLEY, D. A.; MAGUIRE, A. R. Synthetic approaches to bicycle[5.3.0]decanesesquiterpenes. Tetrahedron, v.66,
p.1131-1175, 2010.
16
BARBOSA, L. C. A.; MANN, J.; WILDE, P. D. New Routes to Substituted Tropones.Tetrahedron, v.45, n.14, p.4619-
4626, 1989.
26

trimetilsilil- oxibuta-l,3-dieno e [8] (R1 = R 2 = H), seguida de um rearranjo do cicloaduto


formado, consegui preparar a lactona tricíclica [9]. Esse resultado foi muitíssimo
interessante, sendo imediatamente publicado.17
Durante esse estudo, investiguei detalhadamente o comportamento fotoquímico
da lactona [8] e de outras cicloeptenonas. Verifiquei que, quando R = Me (no caso de
[8]), o produto rearranjado [10] era formado em grande quantidade, dependendo das
condições experimentais. Em alguns casos, as cicloeptenonas se dimerizavam. O estudo
completo sobre a fotoquímica dessa classe de compostos foi publicado em 1990.18
O O R O R
R2 R1 H3 C
O O
O O O
OCH 3

[4] R1 =R2 = CH3 [7] R=H ou CH 3 [8]

O
O
O
O O
O
O
[10] [9 ]

Figura 1.2 – Alguns produtos derivados do oxabiciclo [4].

Continuei o estudo e, em poucos meses, desenvolvi outra metodologia para


introduzir o terceiro anel no composto [8], desta vez via adição de um organocuprato,
com captura do enolato formado com N,O-bis-(trimetilsilil)acetamida (BSA). O enol
formado foi tratado com tetracloreto de titânio (TiCl4 ), resultando na formação do álcool
[11].
Após diversos estudos, consegui também transformar, por meio de uma
sequência de seis etapas, a lactona [9] no composto [12] (Figura 1.3).
HO O O O R O O

O O O O
O O O

[11] [9] R = H [12]

Figura 1.3 – Derivados com o esqueleto tricíclico dos pseudoguaianolídeos.

17
BARBOSA, L. C. A.; MANN, J. A concise Synthesis of the Pseudoguaianolide Skeleton. J. Chem. Soc., Perkin Trans, v.1,
p.177-178, 1990.
18
BARBOSA, L. C. A.; MANN, J.; CUMMINGS, J. The Photochemical Behaviour of 2-Methylcyclohept-2-enones. J. Chem.
Soc., Perkin Trans.v.1, n.11, p.3081-3083, 1990.
27

O preparo desse composto [12] consistiu em um enorme avanço nesta linha de


pesquisa, que vinha sendo perseguida, sem o sucesso esperado, pelo meu orientador. Dois
outros estudantes de doutorado (Philip Wilde e Andrew Markson) antecederam-me nesse
projeto, e até então estruturas tricíclicas, como [11] e [12], não tinham sido preparadas.
Esses resultados eram inéditos e demonstravam a viabilidade da estratégia sintética
proposta na Figura 1.1. Os resultados obtidos abriram grandes perspectivas dentro da
estratégia sintética que eu estava investigando. Apesar disso, redigi minha tese de
doutoramento e publiquei os resultados em seguida. 19
Em 1990, recebi um prêmio (10 libras) pelo melhor seminário departamental, no
Departamento de Química da Universidade de Reading.
Ainda, em 1990, a companhia farmacêutica americana Wyeth organizou, em
Maidenhead-UK, o primeiro Wyeth Postgraduate Symposium. Oito universidades
inglesas, entre as quais Reading, Cambridge, Exeter, Sussex e London, foram convidadas.
Eu fui representando Reading e recebi o prêmio de 110 libras pelo melhor trabalho e
melhor apresentação. Uma semana após o simpósio, recebi um convite para trabalhar no
laboratório da empresa em Maidenhead. Como já tinha vínculo empregatício com a UFV,
não considerei a proposta.

O ingresso na Royal Society of Chemistry (RSC)

Em 1989, tive interesse em me tornar membro da Royal Society of Chemistry


(RSC). Para isso, fui submetido a uma prova oral, em Londres, perante uma banca de
cinco membros.
Antes de viajar para a capital inglesa, estava ansioso e meu então orientador disse
para não me preocupar: “Relaxe, Cláudio, eles vão te perguntar sobre Pelé, samba e talvez
sobre tua tese”.
Essa atitude de fato revela como as pessoas no exterior viam o Brasil. Essa
imagem está aos poucos mudando, mas ainda somos vistos como o país do futebol e do
samba. Ultimamente, essa imagem está mudando, e cada vez mais os estrangeiros vem
tendo mais respeito pelos acadêmicos brasileiros. Com isso, tem aumentado o número de
estudantes estrangeiros no Brasil, mesmo de países do hemisfério norte. Isso está

19
BARBOSA, L. C. A.;MANN, J. A Concise Synthesis of the Pseudoguaianolide Skeleton.J. Chem. Soc., PerkinTrans, v. 1,
p.337-342, 1992.
28

fortemente associado à posição estratégica que o País vem ocupando no cenário


internacional, particularmente em termos econômicos.
Retornando à entrevista, o exame constou de uma arguição sobre os seguintes
assuntos: físico-química, química analítica instrumental e ambiental e química inorgânica.
Meu desempenho nas duas primeiras foi bom. Segundo um dos examinadores, eu havia
sido um dos poucos candidatos examinados por aquela banca que sabia a equação que
relaciona a variação de energia livre de um processo com a constante de equilíbrio da
reação (∆G = -RTlnK), entre outros aspectos de termoquímica. Isso era reflexo de minha
experiência como professor de Físico-Química. Meu desempenho em química inorgânica
foi, na minha avaliação, muito ruim. Isso também era reflexo da fraca formação que tive
enquanto estudante de graduação. Apesar de ciente disso, mesmo ao longo desses anos,
com tanta coisa para fazer e estudar, não tive chance de me aprofundar mais nessa área.
Para minha surpresa, a entrevista estava chegando ao fim, quando o presidente me
perguntou se havia alguma coisa que eu achava que deveria ainda ser questionada. Eu
estava surpreso que não havia sido questionado sobre química orgânica; minha tese etc. O
presidente da banca então disse que sobre este assunto eles não iriam me interrogar, pois
tinham certeza de que eu deveria saber, não sendo necessária qualquer arguição.
Fui aprovado e admitido na RSC na categoria profissional denominada GRSC
(Graduate of the Royal Society of Chemistry) com o status de CChem (Chartered
Chemist). Em maio de 1995, submeti meu curriculum à RSC e fui promovido à categoria
profissional MRSC (Member of the Royal Society of Chemistry), mantendo o direito de
utilizar a designação CChem.

1.5 O preparo para retornar ao Brasil

Durante os primeiros anos na Inglaterra, minha preocupação principal era concluir,


com sucesso, o meu trabalho de tese e aprender o máximo possível sobre diversos aspectos
de síntese orgânica. Nos últimos dois anos, eu estava extremamente preocupado com o
retorno ao Brasil, pois sabia das condições que iria encontrar no Departamento de Química
da UFV.
Como mencionei, após terminar minha tese de Ph.D., iniciei vários trabalhos antes
de meu retorno. O ano de 1991 foi mais intenso dos quatro que passei na Universidade de
Reading, uma vez que eu estava plenamente livre para testar várias ideias e iniciar projetos
que viriam a ser continuados na UFV. Claramente, tinha consciência de que as
29

características dos trabalhos a serem realizados em Viçosa não poderiam ser as mesmas
daquele que eu havia desenvolvido durante o doutoramento. Deveriam ser trabalhos mais
simples do ponto de vista químico, mas de alta qualidade científica. A minha ideia era
iniciar alguns projetos ainda em Reading e, uma vez constatado que eram viáveis,
pretendia adquirir reagentes necessários ainda na Inglaterra.
Como havia me familiarizado com a metodologia de cicloadição [3+4],20
envolvendo cátions oxialílicos, decidi desenvolver essa metodologia e aplicá-la no preparo
de moléculas estruturalmente simples.
Embora muitas metodologias já tivessem sido descritas para o preparo de cátions
oxialílicos, desenvolvi um método novo a partir do tratamento de polibromocetonas com
dietilzinco (Et2Zn). Os cátions gerados foram então capturados com furanos e pirróis,
resultando, com sucesso, em reações de cicloadição [3+4]. Inicialmente, demonstrei a
utilidade do método no preparo de alcaloides tropânicos, como a escopolina [13], bem
como de compostos do tipo 2-alquil-8-oxabiciclo[3.2.1]oct-6-en-3-ona [14], difíceis de
serem preparados pelas metodologias então existentes.21
H 3C
O
N
R
O
HO O

[13] Escopolina [14]

Posteriormente, meu colega Antônio J. Demuner estava realizando o seu


treinamento em nível de doutorado, sob a orientação da professora Dorila Piló Veloso
(UFMG), dentro de um acordo assinado entre UFV e UFMG. Pelo acordo, o estudante de
doutorado deveria ter um orientador na UFV, e, no caso do professor Demuner, eu fui
indicado. Assim, o professor Demuner foi o primeiro aluno de doutorado que orientei, e
sua tese envolveu duas partes: uma diretamente relacionada à linha de pesquisa
desenvolvida pela professora Dorila Piló Veloso e que tratava do preparo de derivados do
ácido vouacapanoico; e outra diretamente ligada à linha de pesquisa sobre o uso de cátions
oxialílicos na síntese de novos compostos com potencial herbicida que eu estava iniciando
na UFV. Sobre esses trabalhos vou tratar mais adiante, mas a pesquisa que iniciei em

20
Esta metodologia foi utilizada em uma das etapas do meu trabalho. Alguns anos atrás eu e outros colegas escrevemos uma
revisão sobre este assunto: DEMUNER, A.; BARBOSA, L.C.A.; VELOSO, D.P. Cicloadições [3+4] via cátions
oxialílicos: aplicações em síntese orgânica. Química Nova, v.20, n.l, p.18-29. 1997.
21
BARBOSA, L. C. A.;MANN, J. An efficient route to tropane alkaloids. J. Chem. Soc., Perkin Trans, v.1, p.787-790, 1992.
30

Reading foi continuada na UFV e logo resultou no preparo do monoterpeno 3-


hidroxifelandral por meio de um rearranjo inesperado. 22
Com esses trabalhos demonstrei, pela primeira vez, que o método desenvolvido
podia ser utilizado para gerar cátions oxialílicos e que estes podiam reagir diretamente com
dienos com grupos hidroxilas livres.23 Essa é uma grande vantagem sobre os métodos até
então conhecidos, uma vez que torna os procedimentos sintéticos mais curtos, evitando
etapas de proteção e desproteção de grupos OH. O trabalho completo foi publicado em
1996 e, poucos meses depois, essa metodologia foi utilizada e expandida por Lautens e
colaboradores (J. Am. Chem. Soc., v.118, p.10930-10931, 1996,) para realizar cicloadições
[3+4] intramoleculares diastereosseletivas.

Ainda na Inglaterra, havia me interessado pelo composto denominado artemisinina


[15] (Figura 1.4). Esse interesse surgiu devido à beleza estética da molécula e pelos
diversos trabalhos que estavam sendo publicados na época, motivados pela intensa
atividade antimalarial apresentada por ela. Naquela época não havia a menor chance de
qualquer trabalho de síntese dessa molécula ser realizado em Viçosa, devido à sua
complexidade estrutural; mesmo assim, planejava em algum momento realizar algum
trabalho nessa área.
CH3
O O
OCH 3
O
H3C
O O O O
R
H O
O O
CH 3
O O O O O
[15] Artemisinina [16] [17]

Figura 1.4 – Estruturas da artemisina [15] e de alguns ozonídeos estáveis.

Na tarde de 12 de outubro de 1990, conversando com meu orientador sobre


projetos que eu estava pensando em desenvolver e meu interesse pela artemisinina, ele
comentou sobre um artigo, que já era de meu conhecimento, publicado vários anos antes
por ele e Jonathan Cummins, seu ex-orientado de doutorado. Naquele trabalho foi feita

22
BARBOSA, L. C. A.; MANN, J.; DEMUNER, A. J.; VELOSO, D. P. Novel rearrangements of 2α-isopropyl-8-oxa-
bicyclo[3.2.1]oct-6-ene producing the monoterpene 3-hydroxyphelandral. J. Chem. Soc., Perkin Trans, v.1, n.1, p.585- 587,
1993.
23
BARBOSA L.C.A.; MANN J. The use of diethylzinc for the generation of oxyallylcations from polibromoketones and
its reactions with dienes. Synthesis, p.31-33, 1996.
31

uma tentativa frustrada de clivar a ligação dupla do oxabiciclo [4], por meio de ozonólise, e
o único produto isolado por Jonathan foi o ozonídeo [16] (R = H).24 Naquele momento, a
semelhança estrutural entre o composto [16] (R = H) e a artemisinina nos pareceu óbvia.
Eu disse ao professor Mann que iria tentar repetir a síntese de [16] e submeter o composto
para avaliação de sua atividade antimalarial. Ele concordou, dizendo que, assim que eu
tivesse um tempo, seria interessante testar essa ideia. Eram 16 horas de uma tarde de
outono, e eu, que já estava saindo para o "chá das cinco", decidi realizar a reação antes. Foi
um intervalo para café mais curto que o usual naquele dia. A ansiedade por ver o resultado
da reação era grande. Quinze minutos depois, voltei e a reação havia se completado. Filtrei
o sólido formado [16] (R = H), e o professor Mann, ao ver meu interesse pelo assunto,
ficou de encontrar alguém que pudesse fazer os testes biológicos. No dia seguinte, ele
telefonou para o Hospital de Medicina Tropical, em Londres, e conversou com o Dr. David
Warhurst, o maior especialista, na Inglaterra, sobre estudos com Plasmodium. Acertados os
detalhes da cooperação, alguns dias mais tarde fui à London School of Hygiene and
Tropical Medicine, e conversei longamente com o Dr. Warhurst e seu assistente, o Dr.
Geoffrey Kirby, e deixei a amostra para teste. Ele pareceu uma pessoa muito agradável e,
durante toda a manhã, mostrou-me as instalações de seu laboratório e falou sobre diversos
projetos que vinha desenvolvendo. Em poucos dias o resultado estava pronto, e o Dr.
Warhurst telefonou entusiasmado para a casa do professor Mann para dar a notícia
diretamente. O composto havia sido extremamente ativo contra uma linhagem de
Plasmodium falciparum, da Tailândia, resistente a várias drogas.

Esse resultado era muito interessante, pois tratava-se do primeiro ozonídeo com tal
atividade. Por sugestão do Dr. Warhurst, preparei diversos outros compostos do tipo [16],
variando apenas a natureza do grupo R de modo a obter compostos mais lipofílicos, o que
deveria a princípio facilitar o transporte do composto pela camada lipídica da membrana do
parasita. O professor Mann conseguiu um auxílio de uma companhia inglesa e contratou o
químico recém-formado David Cuttler para trabalhar no projeto, uma vez que eu
continuava investigando outras possibilidades, preparando para a minha volta.

24
CUMMINS, J. W.; DREW, M. G.B.; MANN, J.; WALSH, E. B. J. Chem. Soc. Perkin Trans, v.1, p.167, 1983.
32

O David, que se tornou meu amigo, trabalhou sob minha supervisão direta no
preparo de moléculas mais complexas, como [17], durante os seis meses que ainda
permaneci na Inglaterra. 25
Esses ozonídeos foram testados para avaliação da atividade antimalárica,
utilizando-se uma linhagem de Plasmodiumfalciparum resistente à cloroquina; alguns dos
resultados dos testes biológicos são apresentados na Tabela 1.1. Publicamos os resultados
iniciais26 o mais rápido possível para garantir a autoria dessa descoberta inédita.

Em 1993, estive na Inglaterra por um período de dois meses, com financiamento


do Conselho Britânico e da FAPEMIG. Durante esse período trabalhava ininterruptamente
o dia todo, parando apenas para descansar no período noturno. Foram dois meses de muito
trabalho, pois precisava aproveitar ao máximo as condições do laboratório, reagentes e
equipamentos para obter o maior número de dados possíveis e avançar com o projeto de
ozonídeos que eu havia interrompido em função da falta de condições na UFV. Nesse
período preparei uma série nova e mais ampla de ozonídeos, e os resultados completos
desse estudo foram então publicados.27

Tabela 1.1 - Atividade antimalarial de alguns ozonídeos


Substância IC50 (µg cm-3)
artemisinina 10-3
14a(R = H) 18
14b(R = Et) 12
14c(R = C7H15) 26
14d(R = CH2OAc) inativo (>500)
14e(R = CH(OMe)Ph) inativo (>500)
14f(R = CH2CH2CH2OAc 3

Esse trabalho apresentou dois aspectos inéditos: correspondeu ao primeiro relato


na literatura de um grande número de ozonídeos estáveis; e consistiu no primeiro estudo da
atividade antimalarial dessa classe de compostos. Apesar da repercussão do trabalho, sendo

25
David Cutler tinha o sonho de se tornar aviador da RAF, mas nunca conseguiu ser aprovado nos exames. Acabou se
tornando guarda de trânsito em Londres, logo após concluir o Ph.D. com a síntese de vários ozonídeos. Durante algum
tempo ainda mantivemos contato.
26
BARBOSA, L. C. A.; CUTLER, D.,; MANN, J.; KIRBY, G.C.; WARHURST, D.C. Synthesis of some stable ozonides
with anti-malarial activity. J. Chem. Soc., Perkin Trans, v.1, p.3251-3253, 1992.
27
BARBOSA, L. C. A.;CUTLER, D.; MANN, J.; CRABBE, J.; KIRBY, G. C.; WARHURST, D.C.The design, synthesis and
biological evaluation of stable ozonides with anti-malarial activity. J. Chem. Soc., Perkin Trans, v.1, p 1101-1105, 1996.
33

inclusive uma das citações principais do artigo publicado pelo renomado professor
americano Gary Posner e seus colaboradores (Tetrahedron, v.55, p.37-50, 1997), optei por
não continuar esse trabalho em Viçosa, devido ao variado número de projetos, mais ligados
à agricultura, que comecei a desenvolver. 28
Eu deveria ainda mencionar que, além do David Cutler, orientei nigeriana
Olufunmilayo Adewumi Soremekuny, estudante de Química, no seu projeto do último ano,
também na síntese de ozonídeos. Minha outra experiência de orientação na Inglaterra foi
com o estudante Abid Massod,29 que trabalhou com reações fotoquímicas de α-santonina,
visando ao preparo de novas lactonas sesquiterpênicas. Esse era um dos projetos que eu
estava iniciando; somente uns 15 anos após meu retorno para a UFV, é que tive condições
de recomeçá-lo. Sobre esse assunto devo tratar mais adiante.
As coisas estavam caminhando bem, com muitos resultados promissores. Para
garantir algum recurso quando estivesse no Brasil, submeti um projeto à Royal Society of
Chemistry (RSC), que tratava da síntese de novos compostos potencialmente herbicidas,
com estrutura geral [18]. Meu projeto foi aprovado, e, por isso, recebi o auxílio no valor de
500 libras. Com esses recursos adquiri reagentes e despachei-os para o Brasil pouco antes
de meu retorno. Pouco tempo depois submeti outro projeto e consegui um novo auxílio da
RSC, agora no valor de 1.000 libras. Esses auxílios internacionais, embora de pequeno
montante, foram muito importantes, pois me permitiam adquirir reagentes aos preços
praticados na Inglaterra, uma vez que a RSC realizava a compra e despachava os produtos
para o Brasil. Naquela época, os valores cobrados por reagentes importados giravam em
torno de 10 vezes o preço de catálogo.
Continuando o planejamento para a minha volta, além de investigar possíveis
projetos, eu teria também que garantir recursos financeiros para iniciar a instalação de um
laboratório de síntese orgânica na UFV. Os recursos, já aprovados pela RSC, eram
importantes, mas suficientes apenas para a aquisição de alguns reagentes. Assim, antes de
meu retorno, submeti um projeto ao CNPq, que tratava da síntese de compostos, com
potencial atividade reguladora do crescimento de plantas, análogos ao ácido
helmintospórico [19]. O projeto incluía também a síntese de compostos do tipo [18], alguns

28
Posteriormente retomei essa linha de pesquisa em função de um artigo publicado na revista Nature, que irei mencionar
posteriormente.
29
Abid se tornou um grande amigo. Posteriormente, quando solicitei uma vaga para realizar pós-doutoramento na
Universidade de Oxford, ele foi um dos nomes que indiquei para apresentar uma carta de referência. Ele se tornou um
importante pesquisador na Pfizer, em Sandwich (Inglaterra).
34

dos quais eu também já havia preparado e mostrado que eles possuíam atividade
reguladora do crescimento de plantas (Figura 1.5).
O
O R3 H
R2
O HO2 C
O R1
H3C
H3C
[18] [19] Ácido helmintospórico

Figura 1.5 – Estruturas de compostos com potencial atividade reguladora do crescimento


de plantas.

Nesse ponto devo destacar que, embora tenha concluído o Ph.D., eu estava ansioso
quanto à submissão de projeto ao CNPq. Isso porque, após quatro anos fora do Brasil, não
sabia exatamente como as coisas andavam por aqui em termos de financiamento das
pesquisas e quanto eu poderia solicitar.
O início da década de 1990 foi um período muito conturbado na economia
brasileira, com uma inflação galopante e uma total desvalorização da moeda. Mesmo
assim, baseei-me no valor da taxa de bancada que o CNPq pagava para a Universidade de
Reading para estabelecer o valor do orçamento.
No final do ano de 1991, apesar de ter a aprovação da UFV para continuar na
Inglaterra por um período de mais um ano, por questões pessoais e familiares decidi voltar
para o Brasil e iniciar meu trabalho na UFV. Assim, no dia 18 de outubro de 1991
desembarquei no Rio de Janeiro com minha esposa e minha filha Carolina, que havia
nascido durante o período de doutorado.
35

Capítulo 2

Os desafios iniciais

2.1 O retorno a Viçosa (1991)

No dia 18 de outubro de 1991 cheguei a Viçosa, após um período de quatro


anos de afastamento. Na bagagem eu trazia vidraria especial e diversos reagentes. Tudo isso
fora doado pelo meu orientador, o professor John Mann.
Imediatamente me apresentei ao Departamento de Química e iniciei meu trabalho.
Naquela época nenhum trabalho de síntese orgânica era realizado na UFV. Apesar de ter me
preparado para desenvolver projetos nessa área, especificamente com projeto iniciados sobre novos
agroquímicos, eu sabia da dificuldade em conseguir reagentes, obter dados espectroscópicos etc.
O final do ano de 1991 e o início de 1992 foram um período de grande importância na
minha carreira. Esse era o momento em que eu deveria definir o que fazer nos próximos anos.
Ao longo de minha permanência na UFV vi muitos colegas que realizaram o doutoramento com
grande distinção; publicaram muitos artigos de alta qualidade, mas nunca conseguiram se
estabelecer como pesquisadores independentes. Uma coisa é estar trabalhando sob a orientação
de um pesquisador sênior; outra totalmente diferente é ser o responsável por estabelecer todas as
36

condições necessárias para a realização de pesquisa, especialmente quando se trata de estabelecer


uma nova linha de pesquisa, sem que haja nada relacionado por perto que possa servir de base e
suporte.
Em função disso, decidi que iria trabalhar também com isolamento de produtos
naturais de plantas. Esse tipo de trabalho demanda menos reagentes especiais e não necessita
do uso diário de equipamentos sofisticados. Eu havia tido um bom treinamento na UFMG
durante o período do início do mestrado quando trabalhei sob a orientação do professor
Tanus Nagem. Nesse momento eu não tinha nenhum projeto específico na área de produtos
naturais. Posteriormente vou relatar os detalhes de alguns projetos e como eles foram
surgindo.

2.2 Os primeiros passos para a montagem do laboratório de síntese e algumas


reflexões

Iniciei minhas atividades em um pequeno laboratório que estava vazio e tinha


sido ocupado anteriormente pelo professor Nilton Carnieri. Fazia parte do projeto de
feromônio, coordenado pelo professor João Sabino de Oliveira, mas estava desativado
desde a saída do professor Carnieri da UFV. Esse laboratório possuía uma capela, uma
bancada central e alguns equipamentos básicos.
No DEQ existia ainda um espectrofotômetro de infravermelho em condições
razoáveis de funcionamento. Esse equipamento havia sido adquirido por projeto
coordenado pelo professor José Domingos Fabris, meu orientador no mestrado em
Agroquímica. Eu havia inclusive participado da instalação desse equipamento à época de
sua aquisição. Não possuíamos espectrômetro de massas nem equipamento de ressonância
magnética nuclear. Sem este último seria muito difícil realizar trabalhos de síntese orgânica.
Mesmo para trabalhos com produtos naturais existia o problema da falta de solventes
orgânicos. Nesse ponto, eu aguardava resposta do projeto que havia submetido ao CNPq.
Para iniciar os trabalhos, eu precisava ter uma estratégia de ação, pois todas as
deficiências em termos de equipamentos deveriam ser supridas por meio de colaborações
com pesquisadores da UFV e de outras instituições. Eu contava com o apoio do
professor John Mann, que se prontificou a obter espectros de massas e de RMN, bem
como a realização de análises elementares. Apesar desse suporte, o problema seria o
tempo gasto no envio das amostras para a Inglaterra, bem como no seu recebimento.
37

Fui então ao Departamento de Química da UFMG e conversei longamente com a


professora Dorila Piló Veloso sobre a situação. Ela se prontificou a dar-me todo o apoio
necessário, pois julgava importante que jovens doutores implantassem novos grupos de
pesquisa em suas universidades de origem. Conversamos sobre vários projetos que
poderíamos desenvolver em colaboração. A professora Dorila havia ministrado o curso de
Métodos Físicos de Identificação de Compostos Orgânicos quando eu realizava o mestrado
na UFMG. A partir desse encontro, ocorrido no início de 1992, nós estabelecemos uma
parceria que tem sido muito profícua.
Minhas atividades na UFV antes do afastamento para o doutoramento
consistiam basicamente no ensino de graduação. Sempre entendi que a universidade não
fosse apenas um local de ensino, mas também um local onde o conhecimento fosse
gerado e repassado para a comunidade. Imbuído desse espírito, e com minha
formação acadêmica completa, encontrava-me em condições e com a
responsabilidade de desenvolver todos esses tipos de atividades, bem como de
participar de alguns aspectos da administração,30
Seria oportuno esclarecer que, conforme bem apresentado pelo professor Richard
Felder, 31 o "professor super-humano", aquele que é capaz de desenvolver todas estas
atividades com igual desempenho, não existe. Nas palavras de Felder, “a fantasia
acadêmica clássica do professor, que corresponde à combinação de Leonardo da Vinci,
Sócrates e Madre Tereza de Calcutá, não condiz com a realidade.”32
Compartilho do pensamento do professor Felder, e meu entendimento é que o
ensino, de todas essas atividades, é o que mais caracteriza a nossa profissão, devendo,
dessa forma, ser desempenhado com toda dedicação e afinco. Quanto à pesquisa, extensão
e administração, considero que todos deveriam também dar uma parcela de contribuição
em alguma dessas áreas, isso de acordo com as aptidões individuais, sem querer ser um
“professor super-humano”.
Portanto, ao concluir o doutoramento e iniciar minha carreira como pesquisador
independente, eu deveria, inicialmente, estabelecer bem as fronteiras do meu trabalho. Era
preciso ter claros os objetivos estabelecidos e bem delineadas as metas a serem alcançadas.

30
Sobre esse aspecto comentei brevemente na introdução.
31
Richard Felder é professor de engenharia química da Universidade do Estado da Carolina do Norte (USA). Esteve na UFV
por duas vezes, quando apresentou um workshop sobre Ensino Efetivo
32
Felder, R. The myth of the superhuman professor, J. Eng. Edu., v.83, n. 2, p.105-110, 1994.
38

Assim, rememorando aquela época, minhas aspirações estavam centradas no


ensino e na pesquisa. Naquele momento minhas metas de curto, médio e longo prazos,
tanto para o ensino quanto para a pesquisa, poderiam assim ser resumidas:

i. No ensino, eu pretendia criar uma disciplina na área de síntese orgânica, para dar
oportunidade aos alunos de terem contato com essa nova área da Química. Pretendia ainda
escrever um livro-texto de química orgânica. No longo prazo minha meta era escrever um
livro sobre métodos espectroscópicos de identificação de compostos orgânicos. Para isso, já
vinha colecionando uma série de espectros desde o início de meu doutoramento. Pretendia,
ainda, reorganizar as práticas de química orgânica e preparar um material didático adequado.
ii. Na pesquisa, minha meta era estabelecer um laboratório com condições de realizar
trabalhos de síntese orgânica. Associado a isso, pretendia criar um grupo de pesquisa que
fosse atuante e pudesse agregar outros professores do Departamento de Química.

Em termos gerais, a principal e mais ambiciosa meta de longo prazo era contribuir
para o fortalecimento das pesquisas no DEQ. Naquela época, o curso de mestrado em
Agroquímica era ainda novo e contava principalmente com professores da área de
Bioquímica com ligações fortes e diretas com a área de Ciências Agrárias. O Departamento
de Química não tinha tradição em pesquisa e ainda era visto como prestador de serviços
para a Universidade, tendo como principal função ministrar disciplinas para vários cursos.
A partir deste momento, para fins de organização, a apresentação será dividida nos
seguintes tópicos: Ensino; Administração e Extensão; e Pesquisa. Em cada tema será feita
uma tentativa de apresentar os fatos em ordem aproximadamente cronológica, partindo de
outubro de 1991. Deve também ficar claro que essa divisão é arbitrária, pois ações em
qualquer dessas áreas estão diretamente relacionadas com as outras.
39

Capítulo 3

O Ensino de Graduação e Pós-Graduação

3.1 Aulas de graduação e pós-graduação

As atividades relacionadas diretamente ao ensino são muitas e às vezes se


sobrepõem às atividades de pesquisa e administração. Orientar estudantes de pós-
graduação e de iniciação científica constitui atividade central no ensino. Todavia, essa
atividade tem sido frequentemente associada à pesquisa. O preparo de material didático,
como livros, apostilas e vídeos, é, também, importante componente relativo ao ensino.
Nessa área existe ainda a possibilidade de elaboração de projetos diversos para
participação em editais publicados pela CAPES, CNPq e outros organismos.
Assim, após a conclusão do doutoramento, minha participação em atividades de
ensino continuou tão ou mais intensa quanto no período em que eu era Auxiliar de Ensino e
Professor Assistente. Dessa forma, conforme já mencionado, antes de me licenciar para
realizar o doutoramento, ministrei, em nível de graduação, aulas de Química Analítica
Aplicada (teoria e prática) e Físico-Química I e II (teoria e prática). Naquele período
reformulei as práticas de Físico-Química I e II e elaborei duas apostilas, que foram
utilizadas por muitos anos.
A partir de 1991, fui transferido para o setor de Química Orgânica, onde fui muito
bem recebido pelos colegas Antônio Jacinto Demuner, Gulab N. Jham, Maria Goreti
40

Oliveira, Valdir Peres e João Sabino de Oliveira. O professor Maurício Antônio Barbosa,
integrante do mesmo setor, encontrava-se realizando doutoramento na UNICAMP;
entretanto, não chegou a retornar a Viçosa, uma vez que se aposentara. Desses docentes, o
único com doutorado era o professor Gulab Jham.
Ainda, no segundo semestre de 1991, imediatamente após meu retorno, ministrei a
disciplina Métodos Físicos de Identificação de Compostos Orgânicos, em nível de
graduação (QUI 330) e pós-graduação (QUI 633). A partir de então tenho ministrado as
seguintes disciplinas em nível de graduação: Métodos Físicos de Identificação de
Compostos Orgânicos (QUI 330, atualmente QUI 235), Análise Orgânica (QUI 332),
Química Orgânica I (QUI 133), Química Orgânica II (QUI 134), Fundamentos de Química
Orgânica (QUI 138) e Laboratório de Química Orgânica (QUI 139). Já, em nível de pós-
graduação, tenho ministrado e coordenado as seguintes: Métodos Físicos de Identificação
de Compostos Orgânicos (QUI 633), Síntese Orgânica (QUI 630), Seminário (QUI 797) e
Problemas Especiais (QUI 795).
Como era meu objetivo, criei, em 1995, uma disciplina com foco em sínteses
orgânicas. Essa disciplina era codificada como QUI 531 (Sínteses Orgânicas) e foi
elaborada com vistas a atender estudantes de pós-graduação e alunos de graduação que
estivessem concluindo o curso. As disciplinas de nível misto tinham código 500 (graduação
e pós-graduação) e existiram na UFV até o final da década de 1990. Como eram poucos os
alunos de pós-graduação em Agroquímica, especialmente na área de Química Orgânica, a
criação inicial de uma disciplina de nível misto visava atrair alunos de graduação para o
tema.
Posteriormente, as disciplinas de nível misto foram extintas, e o programa de
sínteses orgânicas foi alterado, sendo recodificado como QUI 630. Atualmente, essa
disciplina tem tido uma demanda semestral de seis a oito alunos.
Em 2006, com a implantação do programa de doutoramento em Agroquímica,
criamos a disciplina QUI 730 – Síntese de Agroquímicos. O objetivo dessa disciplina é dar
aos estudantes uma formação específica em métodos utilizados no preparo de compostos na
indústria. Nunca cheguei a ministrá-la, devido ao fato de já ser responsável por duas outras
em nível de pós-graduação e ter uma elevada carga didática na graduação.
Na pós-graduação, contribuí com a organização sistemática dos seminários. Até
então, os alunos limitavam-se a apresentar um seminário no dia da defesa da dissertação.
Como eram poucos os alunos de pós-graduação, não teria como preencher o semestre com
pelo menos 14 seminários. Com isso, passamos a fazer um planejamento e convidar
41

inicialmente professores da UFV de áreas de interface com a Química. Posteriormente,


professores de outras instituições foram também convidados para participar dos “Ciclos de
Seminários do DEQ-SBQ”, que passamos a organizar, eu e o professor Demuner. Muitas
dessas palestras eram obrigatórias para os estudantes de mestrado. Desde essa iniciativa
inicial, a coordenação dos seminários passou a estar associada diretamente à Coordenação
do curso.33
Minha carga didática nos últimos anos gira em torno de 9 a 12 horas aulas/semana.
Desde meu ingresso na UFV, ministrei aproximadamente 6.480 horas aulas para quase
6.000 alunos dos mais diversos cursos da UFV.
Além da atividade docente, tenho atuado como coordenador de pelo menos uma
disciplina por semestre.

3.2 O Projeto PADCT

No final do ano de 1991, poucas semanas após meu retorno, o professor Maurílio
Alves Moreira, então Presidente do Conselho de Pesquisa da UFV, reuniu vários
professores do DEQ e apresentou um edital da CAPES referente ao programa PADCT. Ele
sugeriu, veementemente, que nós deveríamos apresentar uma proposta dentro de contexto
que tratava da melhoria do ensino de química.
Em seguida, eu e os professores Paulo Gontijo Veloso de Almeida e Per Christian
Braathen elaboramos, com o auxílio de mais alguns colegas, o projeto intitulado
"Desenvolvimento Instrucional Experimental e Reequipamento de Laboratórios de
Disciplinas Experimentais do Curso de Química da Universidade Federal de Viçosa (U$
124.190,00). Como eu era recém-doutor e o professor Per Christian possuía doutoramento
na área de ensino de Ciências, concordamos que ele seria indicado coordenador do projeto.
O projeto tratava basicamente da aquisição de vários equipamentos, bem como da
elaboração de apostilas e introdução de novas práticas, em função dos equipamentos
adquiridos. Os recursos foram liberados em 1993, e o projeto se estendeu até 1995.
Foram adquiridos, dentre outros equipamentos, um espectrofotômetro UV-Vis,
balança analítica e semianalítica, placas aquecedoras, banho termostatizado,
fotocolorímetros, medidores de pH, computadores e impressoras, sistema completo de

33
Implantei os seminários de forma organizada e sistemática quando passei a integrar a Comissão Coordenadora da PG em
Agroquímica.
42

cromatografia líquida de alto desempenho (HPLC)34 e lâmpadas ultravioleta. Esses


equipamentos foram espalhados por diversos laboratórios de aula prática; pelo menos os de
maior porte ainda se encontram em pleno funcionamento. O equipamento de HPLC foi
instalado no Laboratório de Análise e Síntese de Agroquímicos (LASA)35 e até hoje atende
tanto alunos de graduação (aulas e iniciação científica) quanto estudantes de pós-graduação.
Foi também adquirida grande quantidade de livros de várias áreas da Química.
Como o Departamento de Química não possuía biblioteca setorial, encaminhei
pessoalmente todos os livros para a Biblioteca Central da UFV.
Nesta oportunidade orientei os estudantes de iniciação científica Joaquim S. Teles,
Remilson Figueiredo, Larissa de Souza Lima e Jeferson Nascimento, que trabalharam no
desenvolvimento de diversas novas práticas, algumas das quais foram incorporadas aos
programas das disciplinas do setor de química orgânica.
Minha avaliação global é que o projeto foi de extrema importância para o curso de
Química, pois possibilitou aos estudantes melhores condições de aprendizagem,
especialmente no aspecto prático.

3.3 Projeto PROIN: entre os 20 melhores do Brasil

Em 1996, a CAPES lançou, pela segunda vez, um edital dentro do programa


denominado PROIN – Programa de Apoio à Integração Graduação-Pós-Graduação. Esse
programa visava apoiar projetos que contribuíssem para melhoria do ensino de disciplinas
básicas de graduação,e, principalmente, promover a integração entre os cursos de graduação
e pós-graduação.
Após diversas discussões no Colegiado do DEQ, com a presença do Diretor do
Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas, era consenso que o Departamento de Química
deveria participar da chamada com um projeto, entretanto nenhum dos colegas aceitou
coordenar a elaboração da proposta.
Nessa época eu me encontrava extremamente atarefado com diversos outros
projetos, além de estar passando por problemas pessoais e não tinha condições de me
envolver em mais essa atividade. Na ocasião eu atuava como Coordenador do Curso de
Pós-Graduação em Agroquímica e estava realizando uma reformulação geral na estrutura

34
A sigla em português utilizada é CLAE (cromatografia líquida de alta eficiência), todavia o uso corrente na maioria das
vezes é HPLC (do inglês: high performance liquid chromatography).
35
Sobre o LASA, comentarei mais adiante.
43

do curso. Apesar de todo esse cenário, depois de muita insistência de diversos colegas,
aceitei o desafio. A partir desse momento constituímos uma equipe formada pelos seguintes
professores: Mayura M. M. Rubinger (representante do setor de Química Geral), Célia A
Maltha (Química Orgânica), Maria Eliana Lopes Ribeiro de Queiroz (Química Analítica) e
Cremilda Rosa da Silva (Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular), 36 para
elaborar a proposta. Contamos também com a participação de outros colegas, que não
mencionarei no momento.
Minha estratégia para a elaboração do projeto foi escolher um colega de cada uma
das subáreas que estariam contempladas na proposta. Cada um desses colegas ficou
responsável pela montagem e coordenação das respectivas equipes.
No prazo de duas semanas, o projeto, intitulado "Melhoria do Ensino de
Disciplinas Básicas de Química e de Bioquímica através da Integração Graduação-Pós-
Graduação", ficou pronto para ser submetido. Solicitamos o valor máximo permitido
correspondente a R$120.000,00.
O tema central do projeto tratava de uma série de ações que deveriam ser tomadas
para melhorar a qualidade do ensino de disciplinas básicas de grande demanda e que
atendessem a diversos cursos. Foram incluídas as seguintes disciplinas (teoria e prática):
Fundamentos de Química Orgânica, Química Analítica Aplicada, Química Geral e
Bioquímica Fundamental.
O projeto foi aprovado na íntegra, e, com os recursos obtidos, adquirimos alguns
equipamentos, como um cromatógrafo a gás e aparelhos para determinação de ponto de
fusão, equipamentos de projeção, computadores etc. Também foi adquirida uma estação
gráfica para o preparo de vídeos didáticos.
Não vou detalhar o desenvolvimento do projeto, apenas apresento um resumo dos
produtos preparados:

i. Livro “Química Orgânica: uma introdução para ciências agrárias e biológicas”. , Viçosa:
Editora UFV, 1998. 354 p.
ii. Conjunto de 140 transparências coloridas para acompanhar o livro de química orgânica. Esse
conjunto foi impresso em várias vias e entregue a todos os professores da disciplina QUI 138
(Fundamentos de Química Orgânica).
iii. Vídeo “Segurança em Laboratório”.
iv. Apostila “Práticas de Química Orgânica”, para uso na disciplina QUI 139 (Laboratório de
Química Orgânica).

36
O DBB havia sido recentemente criado com a saída do grupo de professores de Bioquímica do Departamento de Química.
44

v. Apostila “Práticas de Química Analítica Aplicada”, utilizada na disciplina QUI 119, Química
Analítica Aplicada.
vi. Conjunto de transparências referente ao curso de química analítica aplicada.
vii. Criação de um sistema de tutoria.

Os itens de i a iv, relacionados à área de Química Orgânica, ficaram sob meu


encargo, principalmente. O vídeo de segurança é utilizado até hoje em todas as disciplinas
práticas da química. A apostila de práticas foi recentemente transformada em livro e
continua sendo utilizada.
O professor Per Christian tinha realizado o doutoramento na Universidade de
Wisconsin (USA). Embora tivesse terminado seu treinamento no final da década de 1980,
ele não havia implantado todas as metodologias de ensino resultantes de sua tese na UFV.
Per Christian havia trabalhado com um sistema de Tutoria, e, pelas conversas que tivemos,
esse sistema poderia resultar em alguma melhoria na qualidade da aprendizagem de
química. Assim, o PROIN se constituiu em uma oportunidade para inovar no ensino de
graduação, e, sob sua coordenação, implantamos o sistema de tutoria.
À época começamos com meus orientados de mestrado, aos quais ao final era
fornecida uma declaração como reconhecimento pelo trabalho desenvolvido. Vários alunos
trabalharam apenas com o propósito de adquirir experiência no ensino, sem qualquer
remuneração.
O programa funcionou tão bem que na chamada do PROIN do ano seguinte outro
programa de pós-graduação da UFV implantou com mesmo sucesso o programa de tutoria.
Posterirormente, em função dessas duas experiências bem-sucedidas, a Pró-Reitoria de
Ensino estabeleceu formalmente o sistema de tutoria na UFV com um local específico e
recursos para a contratação dos tutores. Estabeleceu também regras para a inscrição
automática de candidatos aprovados no vestibular e que tivessem obtido conceito muito
baixo em determinadas disciplinas. O programa continua em pleno funcionamento,
abrangendo as áreas de Química, Biologia, Física e Matemática.
Ainda, durante a vigência do projeto, a coordenação do PROIN enviou a Viçosa uma
equipe para avaliar o seu desenvolvimento. Essa comissão elogiou nosso trabalho, e
posteriormente, em 2001, a CAPES publicou um relatório intitulado “PROIN: 20 Melhores
Projetos”. O nosso projeto está nessa lista, e um resumo dos resultados foi apresentado nas
páginas 64-70 do relatório da CAPES.
45

Na minha avaliação, os esforços dispendidos no início do projeto foram compensados


pelos resultados altamente positivos sobre o ensino de graduação. Esse projeto ainda hoje
tem repercussão sobre o ensino de disciplinas básicas de química.

3.4 Material didático para graduação e pós-graduação

Desde o início de minha carreira acadêmica, sempre tive a inquietude para preparar
material didático. Como já mencionado, nos primeiros anos como docente da UFV eu havia
preparado duas apostilas sobre práticas de físico-química. Embora o material tenha sido
utilizado por muitos anos, nunca foi devidamente publicado e divulgado além das “Quatro
Pilastras”.37 Durante o período em que me encontrava em Reading, eu havia planejado que,
após meu retorno, iria escrever um livro-texto na área de espectroscopia. Para isso, eu
comecei a colecionar os melhores espectros no infravermelho, de massas e de ressonância
magnética nuclear que vinha obtendo durante meu doutoramento.

Mesmo antes de me afiliar à IUPAC em 1989, eu sempre considerei as


recomendações dessa entidade extremamente importantes para que houvesse um
vocabulário uniforme, que permitisse a correta comunicação entre os químicos. Assim,
ainda na Inglaterra, tive contato com um artigo publicado na revista Pure and Applied
Chemistry (da IUPAC) sobre a representação simbólica de mecanismos de reações. No meu
entendimento, esse seria um importante material didático para estudantes de química.
Imediatamente após meu retorno, e com a colaboração da professora Dorila Piló Veloso
(UFMG), traduzi o material, que foi submetido ao Comitê da IUPAC no Brasil. À época,
meu contato direto foi a professora Carmen Lucia da Silveira Branquinho, responsável
pelos assuntos da IUPAC no Brasil. Após aprovada a tradução, o material foi publicado na
revista Química Nova.38

O artigo trata de uma nova proposta de representação simbólica para mecanismos


de reação, em substituição ao sistema proposto, nos anos 1930, por Ingold. As simbologias
SN1, SN2 etc. deveriam ser substituídas por outras mais informativas e criadas de forma

37
O campus da UFV é ligado à cidade e um marco divisor entre as duas são quatro pilastras. Cada pilastra tem uma inscrição,
de modo que as primeiras letras de cada palavra (Estudar, Saber, Agir, Vencer) inscrita forma a sigla ESAV. Esta sigla
designava a Escola Superior de Agricultura e Veterinária, primeiro nome da instituição.
38
BARBOSA, L. C. A., VELOSO, D. P. Sistema para representação simbólica de mecanismos de reação. Química Nova,
v.17, p.68-87, 1994.
46

sistemática. Esse assunto causou muita polêmica no cenário internacional à época. No


Brasil, eu trabalhei um pouco com a divulgação e ministrei algumas palestras dentro e fora
da UFV. No início da década de 1990, quando ministrava Química Orgânica I e II para
estudantes de química, eu sempre discutia os mecanismos de reação com base nessa nova
proposta. Na realidade é difícil mudar os costumes já arraigados por décadas de uso. Hoje
vejo que nenhum dos livros de química populares adotou o novo sistema proposto pela
IUPAC.

Considero que temos que continuar trabalhando para que haja uma sistematização
no vocabulário químico. Não há como retornar aos tempos anteriores à reforma/revolução
causada por Lavoisier. Apesar disso, muitos ainda se recusam a utilizar o sistema
internacional de unidades, 39 insistentemente reportando dados em calorias etc.

Dentro do espírito de divulgar as recomendações da IUPAC e contribuir para a


formação de uma nova geração de químicos e professores de química que falassem uma
mesma linguagem, uniforme e atualizada, preparei um Guia de Nomenclatura de
Compostos Orgânicos, que foi publicado pela Imprensa Universitária da UFV.40

Comecei o trabalho e posteriormente convidei os colegas professores Antônio


Demuner e Valdir Peres para colaborarem como coautores. Como esses colegas também
ministravam disciplinas de química orgânica, a contribuição deles seria importante para que
o material não contivesse apenas a minha visão.

A edição de 1.000 exemplares esgotou-se em menos de um ano de sua publicação.


A partir desse momento comecei a fazer uma campanha com alunos e professores da região
com vistas à utilização das regras atualizadas da IUPAC. As regras de nomenclatura mais
atuais haviam sido publicadas em 197941, e todos os livros de química do ensino médio e de
nível superior ainda ensinavam as regras recomendadas pela IUPAC em 1963. Passados 20
anos desde essa publicação inicial, alguns livros de ensino médio já apresentam as regras
conforme as recomendações mais recentes.

39
MILLS, I.; CVITAS, T.; HOMANN, K.; KALLAY, N.; KUCHITSU, K. Quantities, units and symbols in physical
chemistry. 2.ed. Oxford: Blackwell, 1995. 169p.
40
BARBOSA L.C.A.; DEMUNER, A. J.; PERES. V. Guia para a Nomenclatura de compostos orgânicos. Viçosa:
Editora UFV, 1992. 63 p.
41
RIGAUDY, J.; KLESNEY, S. P. Nomenclature of organic chemistry sections A, B, C, D, E, F, H. Oxford: Pergamon
Press, 1979. 559p.
47

Em março de 1993, a IUPAC publicou um novo livro,42 com algumas alterações


nas regras de nomenclatura, o que fez com que nosso trabalho ficasse ligeiramente
desatualizado. Quando essa publicação apareceu, eu já me encontrava preparando um livro-
texto que contemplaria o conteúdo do Guia de Nomenclatura. Em função disso, achei que
não seria oportuno reeditá-lo naquele momento.

3.5 O livro-texto de Química Orgânica

O Departamento de Química sempre ofereceu a disciplina Fundamentos de


Química Orgânica (QUI 138),43 para atender à formação básica em química de um grande
número de estudantes (aproximadamente 800 por ano), de diversos cursos das áreas agrárias
e biológicas. Em 1993 comecei e lecionar para algumas turmas de QUI 138, e até então não
havia um livro adequado para o conteúdo ministrado. À época existiam poucos livros
traduzidos para o português e que eram recomendados aos alunos. 44 Estes eram
demasiadamente extensos, e na realidade os alunos estudavam por notas feitas durante as
aulas. Decidi então preparar um livro que atendesse aos interesses específicos da disciplina.
Inicialmente, o texto preliminar foi utilizado ao longo de três anos e melhorado
neste período. Finalmente, depois de várias revisões por colegas do DEQ e de outras
instituições, o livro foi publicado pela Editora da UFV em maio de 1998.45
Os professores Antônio Jacinto Demuner e Célia Regina Maltha colaboraram no
preparo de um conjunto de 130 transparências coloridas, contendo os principais diagramas e
esquemas do livro. Com essas transparências, o aluno não precisaria copiar muita matéria
do quadro e, consequentemente, teria mais tempo para prestar atenção nas explicações
dadas pelo professor.
O livro logo se mostrou popular não só na UFV, como também passou a ser
utilizado em diversas universidades e outras instituições de ensino superior no Brasil.
Encaminhei os arquivos com o conjunto de transparências para dezenas de professores de
todos os estados da federação. Esse era o primeiro livro de química orgânica com as regras
de nomenclatura atualizadas de acordo com as recomendações da IUPAC.

42
PANICO, R.; POWELL, W. H.; RICHER, J. C. A IUPAC guide to nomenclature of organic compounds. Oxford:
Pergamon Press, 1993. 190p.
43
O código dessa disciplina já foi QUI 130.
44
A referência utilizada por muitos anos foi o livro de Morrison e Boyd. A partir da década de 1990, o livro adotado era a
edição da época de: SOLOMONS, T.W.G.; FRYHLE, C. B. Química orgânica. Rio de Janeiro: LTC. v. 1 e 2.
45
BARBOSA L.C.A. Química orgânica: uma introdução para ciências agrárias e biológicas. 1. ed. Viçosa: Editora UFV,
1998. 354 p.
48

O livro foi reimpresso várias vezes, e, em 2002, fui procurado pelo representante da
Editora Pearson Education do Brasil, que propôs publicá-lo. Depois de muita insistência da
editora e negociação dos termos, preparei uma nova edição, ampliada e revisada, que foi
publicada em 2004. Mantive a mesma estrutura, mas, por questões comerciais, a nova
editora exigiu que o título fosse mudado e que não fosse publicado como 2ª edição, mas
como um novo livro.46
Após o lançamento, a nova edição passou a ter uma distribuição muito mais efetiva,
e a vendagem desde então sobe a cada ano, comprovando que o material se tornou
referência em muitas universidades e faculdades.
Durante o ano de 2009 e início de 2010, trabalhei na revisão desse livro, que na
minha avaliação, ficou muito mais robusta que as anteriores. Em 2011, a 2ª edição foi
publicada e oficialmente lançada na Reunião Anual da SBQ, em Florianópolis.47
Além de atender ao mercado brasileiro, o livro começou a ser exportado para a
África no início de 2011.

3.6 Outros livros

Praticas de Química Orgânica

No ano de 1998, ministrei a disciplina QUI 139 – Práticas de Química Orgânica. Há


décadas, o curso era ministrado com a distribuição de roteiros de práticas. Durante minha
atuação na disciplina, decidi elaborar um manual de práticas. Inicialmente, eu e a professora
Célia Maltha revisamos os roteiros, quantidades de reagentes em cada prática e o próprio
conteúdo das práticas. Tivemos a colaboração dos professores Valdir Peres e Antônio
Demuner no preparo da versão final do texto, que foi publicado pela Editora UFV como
parte da série Cadernos Didáticos. 48
Em 2011, o material foi reeditado e publicado na forma de livro para a nova “Série
Didática”, criada pela Editora UFV. 49

46
BARBOSA L. C. A. Introdução à química orgânica. 1. ed. São Paulo: Pearson, 2004. 311 p.
47
BARBOSA L. C. A. Introdução à química orgânica. 2. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011. 331 p.
48
DEMUNER, A. J.; MALTHA, C. R.; BARBOSA L. C. A.; PERES, V. Experimentos de química orgânica. 1. ed.
Viçosa: Editora UFV, 2000. 69 p.
49
DEMUNER, A. J.; MALTHA, C. R. A.; BARBOSA L. C. A; PERES, V. Experimentos de química orgânica. 1. ed.
Viçosa: Editora UFV, 2011. 82 p.
49

Pesticidas

Em função de várias palestras que eu vinha apresentando sobre temas relacionados a


pesticidas ou agroquímicos, decidi escrever um livro sobre o assunto. A ideia era que o
livro tivesse um caráter de divulgação para o público em geral, visando esclarecer questões
associadas à real periculosidade dos pesticidas.
Para escrever o livro, fiz uma extensa pesquisa sobre os mais diversos aspectos
relacionados à história do desenvolvimento dos pesticidas; as classes mais utilizadas; os
aspectos relacionados ao desenvolvimento e mercados desses compostos; a poluição
ambiental; a toxicidade aguda e crônica; e os métodos alternativos de controle de pragas na
agricultura.
Após dois anos de trabalho, o livro ficou pronto50 e foi publicado em 2004 pela
Editora UFV. 51 Embora seja uma das obras que escrevi e que mais me agrada pela rica
fonte de informações e curiosidades, somente após sete anos é que a edição de 1.500
exemplares está praticamente esgotada. Pretendo rever seu conteúdo e talvez alterar o foco
do texto, transformando-o em um livro com caráter didático. É apenas uma ideia que venho
amadurecendo.

Espectroscopia no infravermelho

Como já comentado, desde os tempos em que realizava o doutoramento em Reading


(UK), eu colecionava dados espectroscópicos e tencionava escrever um livro sobre o
assunto. Praticamente todos os anos eu tenho ministrado as disciplinas de Métodos
Espectrométricos de Identificação de Compostos Orgânicos para estudantes de graduação e
de pós-graduação. Assim, em 2005, comecei a trabalhar em um texto. Comecei pelo
capítulo sobre espectroscopia no infravermelho. A revisão que fiz sobre o tema foi extensa,
e o texto se encontrava já muito amplo para constituir apenas um capítulo. Dessa forma, em
função da inexistência de um texto dessa natureza em português, resolvi transformá-lo em
um livro.
O livro é repleto de tabelas, contemplando as principais funções orgânicas. Apresenta
também um capítulo com exercícios e a resolução detalhada de todos eles.

50
O livro havia sido aprovado pelo Conselho Editorial da Editora da UNESP; mas, devido à grande demora na publicação,
resolvi submetê-lo à Editora UFV.
51
BARBOSA L. C. A. Os pesticidas o homem e o meio ambiente. 1. ed. Viçosa: Editora UFV, 2004. 215 p.
50

Para minha honra, a apresentação foi feita pelo professor Victor Francisco Ferreira,
da Universidade Federal Fluminense. Depois de comentar com detalhe vários aspectos
técnicos do livro, ele conclui:

Parafraseando Mário Quintana, que diz “Há duas espécies de livros: uns que os leitores esgotam,
outros que esgotam os leitores”. Tenho a certeza de que esta obra será esgotada pelos leitores, pois
é um livro de referência que deverá estar presente em todos os laboratórios de ensino e pesquisa em
Química Orgânica no Brasil.

O livro foi finalmente publicado pela Editora UFV em 200752, e seu lançamento
oficial também ocorreu em uma reunião anual da SQB. Nesses quatro anos foi reimpresso
duas vezes e está praticamente esgotado. Em breve devo elaborar uma nova edição, com
alterações, de modo a atender e contemplar alguns comentários que recebi até o momento.

3.7 Comentários ainda em tempo

Ao longo de toda a minha carreira sempre me preocupei com a minha formação


pedagógica. Como licenciado em Ciências, cursei nove disciplinas da área de Ciências
Humanas, incluindo didática, psicologia educacional e estrutura e funcionamento do
ensino. Após a conclusão do doutorado, sempre estive em contato com a Unidade de Apoio
Educacional da UFV, participando de cursos de capacitação docente, especialmente em
aspectos voltados para a avaliação acadêmica.

Frequentei por duas vezes, como já mencionado, o workshop sobre Ensino Efetivo,
ministrado pelo professor Richard Felder. Foi uma experiência fantástica, e até hoje releio
com alguma periodicidade o material que ele nos ofereceu. Esse material, na minha
avaliação, é uma fonte rica para professores novatos e – por que não? – para os já não tão
novos assim. Afinal, aprender com os mais experientes sempre foi o pensamento que me
tem guiado desde meus primeiros anos na escola.

A cada dia posso encontrar um novo mestre e, ao reconhecê-lo, aproveito a


oportunidade de aprender algo que não sabia.

52
BARBOSA L. C. A. Espectroscopia no infravermelho na caracterização de compostos orgânicos. Viçosa: Editora UFV,
2007. 189 p.
51

Capítulo 4

Administração e Extensão

4.1 Introdução

Para não estender demais este memorial, farei apenas breve relato da minha
participação em atividades de extensão e administração.
Desde que iniciei minha carreira na UFV, nunca tive a intensão de me dedicar a
atividades administrativas e fazer carreira nesta área. Apesar disso, ainda como Auxiliar de
Ensino eu já participava da Câmara Curricular do curso de Bacharelado em Física. Durante
os 29 anos na UFV, atuei em pelo menos uma comissão ou conselho. Não era incomum
minha participação simultânea em três a cinco comissões administrativas simultaneamente.
Entre os cargos que já exerci e são associados à administração, cito como exemplo:
Presidente da Comissão de Extensão do DEQ; Presidente da Comissão de Pesquisa do
DEQ; Presidente da Comissão de Reagentes de Vidrarias da UFV por muitos anos;
Membro do 1º Conselho Consultivo da Biblioteca Central (BC) da UFV, responsável pela
elaboração de normas e regimento de funcionamento da BC; Representante da UFV no
“Conselho Diretor do Consórcio para a Aquisição e Administração de Espectrômetro de
RMN” com sede na UFMG; Membro da Comissão de Avaliação de Disciplinas da
Graduação, nomeado pela Pró-Reitoria de Ensino; Membro da Comissão de Avaliação
52

Docente do DEQ; Membro do Conselho Departamental do Centro de Ciências Exatas e


Tecnológicas (CCE); Membro da Câmara de Ensino do CCE; Membro da Câmara
Curricular do curso de Física; Membro da Câmara Curricular do curso de Engenharia Civil;
e Membro do Conselho da Editora UFV por dois mandatos.
Fora da UFV, atuei ou tenho atuado como consultor das seguintes agências: CNPq;
CAPES; FAPESP; Fundação Araucária no Paraná; Fundação para o Amparo à Pesquisa do
Estado da Bahia (FAPESB); Fundação para o Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas;
e Fundação para o Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso.
Fui Membro do Conselho Editorial da Revista Química Nova; Secretário Regional
da Sociedade Brasileira de Química (SBQ) de 1992 a 1994; e Vice-Secretário de 1994 a
1996. Nesse período, reativamos a secretaria regional Viçosa, criada desde a fundação da
SBQ, em um das mais ativas do Brasil. Essa secretaria chegou a ter mais de 80 sócios em
uma época em que o curso de Química na UFV ainda era pequeno, comparado ao que é
hoje. Fui, ainda, Tesoureiro da Divisão de Química Orgânica da SBQ, sob a presidência do
professor Silvio do Desterro; etc.
Tenho atuado, ou atuei, como consultor Ad Hoc de várias revistas científicas, entre
elas: Química Nova; Journal of the Brazilian Chemical Society; Journal of Agricultural and
Food Chemistry; Medicinal Chemistry; Structural Chemistry; Bioresources; Flavour and
Fragrance Journal; Journal of Food Biochemistry; Tetrahedron; Molecules; The Open
Toxicology Journal; Revista Brasileira de Farmacognosia; Green Chemistry Journal;
Bioresources Technologies; Journal of Herbs, Spices & Medicinal Plants; Tetrahedron
Asymmetry; e Tetrahedron Letters.
Não é minha intenção de detalhar todas as atuações na UFV e fora dela.
Aproveitarei este espaço para discutir um pouco sobre minha experiência administrativa no
Programa de Pós-Graduação em Agroquímica e como membro da Câmara CEX da
FAPEMIG. Uma breve descrição sobre minha participação na criação da Rede Mineira de
Química também será apresentada ao final.

4.2 Atuação no Programa de Pós-Graduação em Agroquímica

Sou membro da Comissão Coordenadora do curso de mestrado em Agroquímica


desde 1992 e fui coordenador desse curso no período de 1995 a 1996.
Durante o período em que fui coordenador, foram realizadas várias transformações
do curso de mestrado. Inicialmente fizemos um levantamento da situação do curso, em que
53

se constatou que mais de 30% dos alunos sempre estavam atrasados em relação ao prazo o
máximo recomendado pela CAPES, além do que os orientados de alguns professores
gastavam em média mais de 48 meses para concluir o curso. Realizamos uma alteração
profunda na composição do corpo de orientadores e na maneira de administrar as taxas de
bancada concedidas pelo CNPq, bem como implantamos, de forma sistemática, os
seminários de pós-graduação. Houve um aumento no número de estudantes e bolsas,
passando de 22 para 27; vários professores foram descredenciados; etc.
Ao concluir meu mandato, somente um estudante estava atrasado com a defesa!!!
Vencido o meu mandato, continuei como membro da Comissão Coordenadora. Portanto,
durante os últimos 20 anos somente não atuei como membro da Comissão Coordenadora
do Programa de Pós-Graduação em Agroquímica53 por dois períodos curtos de um ou dois
anos.
De 2005 a 2008, ocupei novamente a Coordenação do então Programa de Mestrado
em Agroquímica. A pós-graduação em Agroquímica, com conceito máximo nos últimos 14
anos, estava estagnada com o mesmo número de alunos (em torno de 27) desde 1996. O
desafio posto por alguns colegas era a implantação do programa de Doutorado, que já
vinha sendo demandado há muitos anos.

4.3 A elaboração da proposta de criação do curso de doutorado em Agroquímica,


sua implantação e expansão

A proposta de criação do doutorado foi enviada para a CAPES no primeiro


semestre de 2006, sendo o curso autorizado no segundo semestre do mesmo ano. Portanto,
são apenas cincos anos de sua implantação, e os números a serem apresentados mostrarão
os avanços conseguidos.

Antes de iniciar, é necessário contextualizar a situação do curso de mestrado em


Agroquímica em 2005. O curso54 apresentava conceito máximo pela CAPES (5)55 há mais
de 10 anos. Como ocorre em muitos programas de pós-graduação, existe uma assimetria
em termos de publicações, projetos aprovados e outras participações. Isso não era diferente

53
De acordo com o Regimento da Pós-Graduação na UFV, os membros das comissões coordenadoras são eleitos para
mandatos de quatro anos. Os coordenadores são nomeados pelo Diretor de Centro de Ciências a que o programa está
ligado, conforme indicação do chefe do departamento responsável pelo curso. A escolha é feita a partir de uma lista tríplice
organizada pelos docentes permanentes do programa. O mandado do coordenador cessa com o do chefe do departamento
que o houver indicado.
54
Anteriormente se denominavam cursos de mestrado e doutorado. Posteriormente, a CAPES passou a denominá-los de
Programas. Neste memorial, uso os dois termos de forma indistinta por não precisar quando a mudança ocorreu.
55
Antes os conceitos eram dados por meio de letras, e a Agroquímica era classificada como A.
54

com a Agroquímica. Alguns professores eram responsáveis pela maior parte da produção
científica qualificada do curso. 56 Todos ministravam pelo menos uma disciplina em nível
de pós-graduação. Esse talvez seja o único aspecto do curso em que não havia muitos
problemas. Vários docentes eram muito bons para atrair alunos, mas as dissertações
orientadas não se transformavam em artigos.

Para que a proposta viesse a ser aprovada, era necessário rever muita coisa:
disciplinas, docentes permanentes, áreas de concentração, linhas de pesquisa etc..

Na UFV, o processo de elaboração de proposta de um novo curso de pós-graduação


sempre se inicia com discussões no Colegiado do Departamento. Em dado momento, esse colegiado
nomeia uma comissão para trabalhar na proposta. Esse é o caminho “normal”, que em grande parte
das vezes leva anos e não alcança o resultado esperado.

Como coordenador do Programa de Mestrado, organizei uma equipe para trabalhar


na elaboração do documento a ser enviado para a CAPES. Os professores Antônio Jacinto
Demuner, Antônio Augusto Neves, Cláudio Ferreira Lima, Carlos Roberto Bellato e Maria
Eliana Lopes Ribeiro de Queiroz formaram o núcleo central dessa equipe.
Fiquei responsável pela coordenação geral e pela parte estrutural da proposta no
que se refere aos principais aspectos listados anteriormente. O professor Demuner esteve
sempre muito próximo durante todo o processo, inclusive na viagem que fizemos a Lavras
para uma conversa com o então coordenador de área da CAPES.
Antes de encaminhar o processo ao Conselho Departamental do CCE, que o
encaminharia ao Conselho de Pós-Graduação, solicitamos um parecer aos professores
Liovando Marciano da Costa, do Departamento de Solos da UFV, e outro do professor José
Domingos Fabris, do Departamento de Química da UFMG. O professor Liovando havia
participado por muitos anos em comitês na CAPES e também foi coordenador do curso de
pós-graduação em solos e Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFV. Ele apresentou
valiosas sugestões, que foram incorporadas ao texto final.
O outro avaliador, professor Fabris, fez parte da equipe que implantou o curso de
mestrado em Agroquímica e foi o seu primeiro coordenador. Ele fez uma análise minuciosa
de vários aspectos relativos à evolução do curso no que diz respeito à produção docente e
discente, demanda pelo curso etc. Este também apresentou importantes sugestões, que
foram analisadas e incorporadas ao texto.

56
Tudo a que eu me referir ao passado recente (2005) ainda vale para hoje!
55

O projeto então seguiu os trâmites burocráticos internos, sendo aprovado em todas


as instâncias administrativas e, finalmente, encaminhado para a CAPES pela PPG.
Eu me encontrava na cidade de Mérida, no México, participando de um congresso
de síntese orgânica organizado pela IUPAC, quando recebi a notícia da aprovação da
proposta com a recomendação de que o conceito fosse 5.
A data desses eventos era julho de 2006. Ao retornar a Viçosa, já não havia mais
tempo para a seleção dos alunos para início do doutorado ainda no segundo semestre do
mesmo ano, uma vez que o limite para a inscrição no Conselho de Pós-Graduação era 15
de maio. Solicitamos então ao Conselho uma autorização especial para lançar um edital
para a seleção de candidatos ao curso de doutorado. A solicitação foi aprovada e
realizamos todos os procedimentos legais. Selecionamos os quatro candidatos: Patrícia
Fontes Pinheiro, Vânia Maria Moreira Valente, Ricardo Natalino e Rita Aparecida Dutra
Fonseca. O curso teve início ainda em outubro de 2006, sendo a aula inaugural ministrada
pelo professor José Domingos Fabris, orientador da primeira dissertação de mestrado em
Agroquímica.
O maior desafio estava por vir: consolidar e ampliar o Programa de Pós-Graduação
em Agroquímica, criando bases sólidas para que este mantivesse uma boa avaliação.
Estabelecemos a meta de em quatro anos passar para 80 o número de alunos de
mestrado, que ,nos últimos 10 anos era de 27.
No segundo semestre de 2008, eu deixei a coordenação do programa para realizar
estágio de pós-doutoramento na Universidade de Oxford (Inglaterra). Nesse ano, o
programa contava com quase 70 alunos matriculados. Na Figura 4.1 pode-se observar a
evolução do número de alunos desde 2005.

Figura 4.1 - Evolução do número de estudantes do Programa de Pós-Graduação em


Agroquímica desde a implantação do curso de doutorado. No primeiro semestre de 2012, o
programa registra 103 alunos matriculados.
56

O Programa de PG em Agroquímica é o que mais tem crescido na UFV, não apenas


em número de estudantes, mas também em termos de quantidade e qualidade da produção
científica, quantidade de bolsas de mestrado e doutorado, aumento na participação discente
nas publicações e quantidade de projetos aprovados.
Outro aspecto muito relevante na pós-graduação em Agroquímica é o fato de que
todos os doutores já formados estão empregados, a exemplo do que acontece com a maioria
dos mestres que formamos.
Quando retornei do pós-doutoramento, em 2009, a Comissão Coordenadora estava
incompleta. Um dos membros havia se demitido, e nenhum docente permanente se
dispunha a assumir a vaga. Depois de conversas com alguns colegas assumi mais uma vez a
posição de Membro da Comissão Coordenadora. Desde então tenho sido ativo nas
principais decisões relativas ao programa. Com isso, já são quase 20 anos de participação
na Agroquímica da UFV.

4.4 O Simpósio em Agroquímica

Em 2000 realizei um estágio de 45 dias na University of Warwick, em Coventry,


Inglaterra. Esse estágio foi financiado pela Royal Society of Chemistry (RSC) por meio da
J. W. T. Jones Travelling Fellowship que me foi concedida. Além do trabalho na área de
Ressonância Magnética Nuclear, que realizei com a colaboração do professor Oliver
Howarth, assisti a uma série de palestras apresentadas pelos estudantes de pós-graduação
que estavam prestes a defender suas teses. A partir daquele momento imaginei implantar
algo parecido na UFV. Assim, ao assumir a coordenação do programa em 2005 e passado
todo o processo de criação do doutorado, eu e o professor Demuner planejamos a
organização do "I Simpósio em Agroquímica", que foi realizado no dia 14/12/2006. A
finalidade era divulgar entre os estudantes de graduação da UFV as pesquisas
desenvolvidas no âmbito do Programa de Pós-Graduação e, com isso, aumentar a
integração graduação-pós-graduação, bem como despertar o interesse dos estudantes pelo
nosso programa. Foram nove apresentações de 30 minutos cada uma, sendo cinco pela parte
da manhã e quatro na parte da tarde. O início de cada sessão teve a apresentação de um
professor recém-contratado. A ideia era que esse professor pudesse apresentar a linha de
pesquisa que pretendia desenvolver no âmbito da Agroquímica e, portanto, ficar conhecido
entre os potenciais candidatos.
57

O Simpósio, ocorrido nos moldes dos muitos que vi na Inglaterra, foi um sucesso.
Tanto que faz parte do calendário do DEQ, ressaltando-se que o último ocorreu no dia 1º de
dezembro de 2011 e contou com a participação de aproximadamente 90 estudantes.

4.5 O Ciclo de Seminários DEQ-SBQ (Regional Viçosa) e outros eventos

No primeiro semestre de 1992, implantamos o "Ciclo de Seminários do DEQ-


SBQ", do qual fui coordenador por três anos. A organização desse evento sempre contou
com a participação ativa de meu colega, o professor Demuner, parceiro assíduo nessa
empreitada. Convidamos dezenas de
pesquisadores para apresentar
palestras sobre os mais variados
temas associados à Química. Com
isso, nossos estudantes passaram a
ter oportunidade de contato com
renomados pesquisadores do Brasil.
Em novembro de 2011,
recebemos na UFV o professor Sir
Harold Kroto, um dos ganhadores
do Prêmio Nobel de Química em
1996. Essa visita foi um marco na
história da UFV, especialmente no
ano em que a Instituição completou
85 anos de fundação.

Figura 4.2 - Matéria sobre a visita


do Prêmio Nobel de Química à UFV
publicada no Jornal da UFV em
dezembro de 2011.
58

Fiz o convite ao professor Kroto ainda no dia 11 de fevereiro de 2010. Depois de


uma resposta positiva quanto à ideia, a sua secretária57 solicitou-me que aguardasse até o
final de 2010, pois a agenda daquele ano já estava completa. Depois de um longo período
de negociação, organizamos a vinda ao Brasil desse renomado professor, que apresentou
palestras na UFV, UFMG e UFBA.
Na UFV, foram duas palestras e um encontro com um número menor de
professores para discutir trabalhos específicos. Foram mais de 1.000 participantes nas duas
palestras, que serviram de estímulo a jovens professores e estudantes de todos os níveis.
Entre os estudantes, tivemos a participação de um grupo da Universidade Federal do
Espírito Santo e de alunos de vários colégios de Viçosa, que fizemos questão de convidar
(Figura 4.2).

4.6 A Criação da Diretoria de Relações Internacionais na UFV

No final do ano de 2009, logo após meu retorno de Oxford, fui convidado pelo
então Reitor da UFV, professor Luiz Cláudio Costa para assumir a Assessoria Internacional
e de Parcerias (AIP).
Para aceitar o cargo, coloquei para o Reitor as minhas condições: liberdade para
escolher o pessoal com o qual iria trabalhar e apoio total da administração. Ele, por sua vez,
solicitou-me que reestruturasse o órgão e que trabalhasse para colocar a UFV nos caminhos
da internacionalização. Uma vez que estávamos de acordo com as condições, aceitei o
convite e, em fevereiro de 2010, fui nomeado Assessor Internacional e de Parcerias da
UFV.
Novamente não poderei relatar aqui todos os detalhes e resultados do meu trabalho
à frente da AIP. Ao sair do cargo, elaborei um relatório detalhado contendo tais
informações. Farei apenas um pequeno relato dos 16 meses de minha atuação.
Inicialmente devo dizer que o órgão não era conhecido na UFV. Nem mesmo eu,
tendo vários intercâmbios internacionais, tinha conhecimento de sua existência.
Logo após minha nomeação, fiz uma reunião com os funcionários lotados na AIP.
Apresentei-me e ouvi de cada um deles suas atribuições e funções. A partir daí propusemos
a criação de uma Diretoria de Relações Internacionais (DRI). Com o auxílio de uma

57
A sua esposa Lady Margaret Kroto trabalha como secretária do marido, sendo responsável pela sua agenda de viagens.
59

comissão escolhida por mim e nomeada pelo Reitor, preparamos o estatuto e o


organograma do novo órgão, que foi aprovado pelo Conselho Universitário da UFV.
Reestruturamos toda a equipe, com a incorporação de funcionários e estagiários ao
grupo. Dessa forma, o órgão passou a ter atribuições claras e específicas e a atender a
comunidade universitária de maneira intensa e atuante.

Um pequeno resumo de algumas ações:

1. Criamos o Conselho Consultivo da DRI com a função de estabelecer metas de


internacionalização e outras relevantes para a UFV.
2. Criamos a Comissão de Seleção da DRI para auxiliar na seleção de estudantes para realizarem
intercâmbio no exterior.
3. Fizemos uma redistribuição do serviço interno.
4. Criamos uma página na Web, que, em determinados períodos de lançamentos de editais sobre
oportunidades no exterior, chegou a ter mais de 1.000 acessos por dia. Uma funcionária ficou
responsável por manter a página atualizada diariamente.
5. Estabelecemos novo sistema de tramitação de processos para a assinatura de convênios de
cooperação internacional. O procedimento foi agilizado, ficando todo encargo burocrático a ser
de atribuição da DRI.
6. Negociamos um acordo com a Vale para o desenvolvimento de um projeto em cooperação com
o governo de Omã. Para isso, montamos uma equipe que foi a Omã fazer os primeiros contatos,
visita foi proveitosa e muito bem-sucedida. Sobre isso foi publicada uma matéria no jornal de
Omã com circulação nacional. Durante o processo de negociação da proposta, fizemos uma
visita à sede da Vale, no Rio de Janeiro, juntamente com o Reitor e a Vice-reitora da UFV.
Finalmente foi celebrado um acordo de cooperação UFV-Vale no valor de quase 10 milhões de
reais.
7. Elaboramos um documento sobre a estratégia de atuação da UFV em programas visando o
combate a fonte e redução da pobreza. As ações deveriam resultar na implantação de um
instituto internacional para tratar desse assunto – isso tudo por solicitação do Reitor. Um
documento foi então enviado à Fundação Bill Clinton, sendo escolhido como a melhor proposta
durante o evento Clinton Global Initiative University (CGI-U), realizado na Universidade de
Miami, em 2010, Flórida. O texto preparado por nós foi lido na abertura da sessão plenária
sobre The Future of Water, no dia 17 de abril daquele ano.
8. Juntamente com o Reitor da UFV, visitamos as universidades de Illinois e Purdue, onde
apresentamos a UFV e participamos de várias reuniões, discutindo cooperações mútuas. Dessas
discussões resultou a organização dos seguintes eventos:
i. Workshop sobre segurança alimentar na UFV em agosto de 2010.
60

ii. Simpósio sobre energias alternativas na Universidade de Purdue, com uma sessão exclusiva
sobre a cooperação UFV-Purdue.
iii. International Symposium on Food Security, ocorrido na UFV em novembro de 2011.
9. Aumentamos significativamente o número de vagas para alunos da UFV realizarem estágios no
exterior; abrimos oportunidades para estudantes estrangeiros virem para a UFV.
10. Preparamos um portfólio em três línguas sobre a UFV, que foi enviado para as embaixadas de
todos os países com os quais a UFV tem acordos. O material foi também enviado a diversas
universidades da América Latina, América Central. América do Norte, Europa e África.

Em fevereiro de 2011, o Reitor Luiz Cláudio Costa aceitou o convite feito pelo
Ministro da Educação para ocupar o cargo de Secretário da SESU. Com sua saída,
declinei do convite do próximo reitor para continuar exercendo o cargo de Diretor de
Relações Internacionais, tendo em vista poder me dedicar mais aos trabalhos que vinha
desenvolvendo nas áreas de pesquisa e ensino.

4.7 A Experiência na FAPEMIG

No dia 28 de maio de 2004, no final da tarde de uma sexta-feira, recebi um


telefonema do professor Aba Persiano Cohen, coordenador da Câmara CEX da FAPEMIG,
informando da indicação de meu nome para atuar como membro da referida Câmara.
Ao retornar do congresso, tomei conhecimento de que minha nomeação havia sido
publicada. Assim, fui nomeado para um primeiro mandato de dois anos a partir de
01/06/2004 e depois reconduzido para outro mandato. Em fevereiro de 2007, fui indicado
pelos colegas para assumir a coordenação da Câmara. Foi um privilégio e uma honra,
particularmente por se tratar de uma câmara composta pelos expoentes da ciência em
Minas Gerais (Figura 4.3).
61

Figura 4.3 - Certificado de participação na FAPEMIG e flagrante de uma reunião da


Câmara CEX em 2006, vendo-se, ao fundo, o professor Américo Tristão, coordenador à
época.

Durante todo o período na FAPMIG, tive a oportunidade de aprender muito sobre


a situação da ciência em Minas Gerais. Entre os membros da câmara se encontravam
professores com as mais diversas experiências em suas áreas específicas, bem como nas
administrativas. As intermináveis sessões, em que analisávamos centenas de projetos, eram
verdadeiras aulas de ciências do mais alto nível. Os debates eram profundos e algumas
vezes calorosos. Todos nós estávamos imbuídos do mesmo desejo: contribuir para que os
recursos da FAPEMIG fossem utilizados da melhor forma possível visando alavancar as
diversas áreas de pesquisa em todos os cantos de Minas Gerais.
Vivemos um período áureo para a ciência em Minas. Sob a direção do professor
Mário Neto Borges, homem de incansável vigor físico e determinação ferrenha para
transformar a FAPEMIG na maior agência de fomento à pesquisa dentre as FAPS, em
quatro anos o orçamento foi multiplicado muitas vezes – em 2004, a dotação do governo de
Minas era pouco mais de 20 milhões; em 2008, a dotação orçamentária total da FAPEMIG
ultrapassava os 200 milhões.
Com o incremento dos recursos, aumentou também o trabalho da Câmara e muito
mais a motivação dos pesquisadores mineiros.
Com recursos disponíveis, poderíamos avançar com propostas inovadoras. Assim,
em mais de uma reunião, sugerimos que fosse criado um fundo de emergência para a
manutenção de equipamentos. A manutenção de equipamentos de médio e grande portes
sempre foi um problema para pesquisadores das áreas de Química e Física. Tivemos o
apoio de vários colegas e, ao longo de várias reuniões, o assunto sempre vinha à tona. O
coordenador sugeriu-a então ao diretor científico, professor Mário Neto, que acatou a ideia.
Todavia, não foi criado um fundo nos moldes que imaginávamos, mas sim um edital anual
62

de manutenção de equipamentos de grande porte. Este edital continua sendo lançado


anualmente pela FAPEMIG e tem contribuído muito para que equipamentos caros não
fiquem parados.
Em maio de 2008, meu mandato venceu, e eu já estava prestes a partir para o pós-
doutoramento na Universidade de Oxford na Inglaterra.

4.7 A Rede Mineira de Química

Em 2009, juntamente com representantes de várias universidades federais de


Minas, participei da reunião presidida pelo professor Wagner Batista da UFMG para a
criação da Rede Mineira de Química.

A reunião ocorreu no campus da Universidade Federal de São João del-Rei. Por


dois dias debatemos vários aspectos relativos ao desenvolvimento e à situação atual da
Química em Minas Gerais. Cada participante fez uma preleção detalhando a situação da
pesquisa e do ensino em sua instituição.

Figura 4.4 – Reunião ocorrida em 29/11/2009 na Universidade Federal de São João del-Rei
quando foi assinada a ata de criação da Rede Mineira de Química.
63

No dia 20 de novembro de 2009, lavramos a ata de criação da Rede Mineira de


Química. Desde então, o grupo tem trabalhado na consolidação dessa rede, que tem por
objetivo ajudar na consolidação da Química em Minas Gerais. O estatuto da Rede foi
aprovado, e seu registro na FAPEMIG foi aprovado, tendo sido inclusive já liberados
recursos para o primeiro projeto que visa à realização de um levantamento detalhado dos
trabalhos e laboratórios de química no Estado e aumento da integração dos pesquisadores
da área.
Esperamos que essa rede se consolide e contribua para que a Química se
desenvolva em todas as regiões mineiras e avance a novos patamares.
64

Capítulo 5

A Pesquisa em Química Orgânica na UFV

5.1 Introdução

A pesquisa está associada ao ensino universitário desde os seus primórdios. A


pesquisa desenvolvida nas universidades não é apenas um meio de desenvolvimento de
novas tecnologias e produtos que poderão vir a ser utilizados pela sociedade, mas também
uma forma de estimular o estudante de graduação, por meio de sua participação em
projetos de iniciação científica, melhorando o nível de formação dos graduandos. Uma
pesquisa realizada já há algum tempo pela Folha de São Paulo (13/05/98) mostrou que a
evasão entre os estudantes de diversos cursos da USP diminuiu em função da participação
dos estudantes em projetos de pesquisa. Diversos alunos declararam que se tornaram mais
interessados pelos cursos que frequentavam depois que começaram a desenvolver alguma
pesquisa. Quanto à pós-graduação, a pesquisa sempre se constituiu em uma etapa
fundamental na formação de novos pesquisadores e cientistas em nível de doutorado.
Na minha visão particular, encaro a pesquisa como uma atividade fundamental no
meio universitário, sem a qual corremos o risco de nos tornarmos meros repetidores de
livros, muitas vezes desatualizados. Ao desenvolvermos qualquer atividade de pesquisa,
estaremos em contato com a literatura recente em nosso campo de atuação e poderemos,
dessa forma, transmitir aos alunos nossa própria experiência. Além de desenvolver a
habilidade para resolver problemas associados à nossa área de atuação, a realização de
65

pesquisa também nos proporciona uma visão mais crítica a respeito de vários temas que
ensinamos.
Durante minha carreira, toda pesquisa que realizei até concluir o doutoramento foi
na condição de estudante. Todas as condições necessárias para a realização dos trabalhos
me foram dadas pelos orientadores que tive. A mim cabia apenas a tarefa de solucionar os
problemas propostos.
Durante minha formação acadêmica, conforme ficou registrado, tive oportunidade
de trabalhar com química de produtos naturais, vários métodos de análise inorgânica,
difratometria de raios-X, espectroscopia Mössbauer e finalmente síntese orgânica. Durante
o início de minha carreira como docente na UFV, quando, em função das circunstâncias,
atuei em áreas diversas da química orgânica, muitas vezes fiquei receoso se estava ou não
trilhando o caminho certo. Agora, decorridos já vários anos desde meu ingresso na UFV,
reconheço e agradeço as palavras e conselhos da professora Dra. Marília Ottoni Pereira
(professora do Departamento de Química da UFMG nos anos 1980), que sempre me
encorajava dizendo que toda aquela experiência seria muito importante para minha
formação como docente e pesquisador.
Concluído o doutoramento, já em Viçosa, eu deveria ter uma atuação diferente no
que se refere ao desenvolvimento de pesquisas. Caberia a mim propor os problemas aos
estudantes que viesse orientar, montar um laboratório adequado ao desenvolvimento dos
trabalhos, adquirir todo o material necessário etc. Para isso, seria fundamental a elaboração
de propostas para conseguir os recursos necessários, bem como o estabelecimento de
parcerias que permitissem o desenvolvimento de um trabalho multidisciplinar.

5.2 O cenário no Brasil e na UFV nos anos 1990

No início dos anos 1990, o Brasil vivia uma situação de crise financeira e
econômica sem precedentes. Com a inflação galopante, os governos experimentavam novos
planos econômicos que não surtiam efeito. A consequência desse caos financeiro foi direta
sobre o financiamento para a educação e para a pesquisa. A situação era tão grave que, ao
retornar ao Brasil em outubro de 1991, encontrei as universidades federais saindo de uma
greve de quase 100 dias.
Os recursos dos órgãos de financiamento de pesquisa no Brasil eram mínimos. A
FAPEMIG era ainda muito nova, e com o esforço dos pesquisadores lutava para sobreviver.
66

Os projetos que eu havia enviado para a FAPEMIG e para o CNPq somente seriam
implementados bem mais tarde, e mesmo assim parcialmente.
Em função desse cenário, logo nos primeiros anos de minha carreira como
pesquisador procurei recursos no exterior. Assim, consegui a aprovação de dois auxílios
Royal Society of Chemistry (RSC, Inglaterra), um pela International Foundation for
Science (IFS, Suécia), um pelo Bristish Council, e, posteriormente, diversos pela
FAPEMIG, CNPq, Capes-PADCT. O CNPq sempre apoiou de forma contínua minhas
pesquisas, desde o início, mas os recursos na primeira metade da década de 1990 eram
muito reduzidos.
Em 1992, o CNPq me concedeu uma bolsa de pesquisa, que tem sido desde então
renovada. A implementação de uma taxa de bancada (“grant”) associada à bolsa de nível 1
foi uma inovação excelente do CNPq e que tem contribuído muito para a dinamização das
pesquisas, uma vez que atende a situações emergenciais sem muita burocracia.
Como mencionei anteriormente, ainda na Inglaterra eu antevia os problemas que
iria encontrar para estabelecer um laboratório de pesquisa em síntese orgânica. Apesar das
dificuldades encontradas, o início da implantação do laboratório foi imediato em função
dos seguintes fatores:

i. A doação de vidrarias especializadas e alguns reagentes pelo meu orientador John Mann.
Muitas dessas vidrarias pequenas ainda são utilizadas pelos meus estudantes.
ii. O auxílio financeiro conseguido da RSC, que possibilitou a aquisição de reagentes da Aldrich
para síntese.
iii. A disponibilização de um pequeno laboratório por parte da Chefia do Departamento. Sem esse
espaço inicial teria sido praticamente impossível começar.
iv. Meu credenciamento imediato como orientador do curso de mestrado em Agroquímica.
v. O Presidente do Conselho de Pesquisa da UFV, professor Maurílio Alves Moreira, concedeu-
nos um auxílio no valor aproximado de U$2.000,00. Com esse auxílio adquirimos grande
quantidade de solventes e sílica para cromatografia.
vi. Apoio incondicional da professora Dorila Piló Veloso, que nos auxiliou em todos os aspectos.
vii. A investigação que iniciei no meu último ano na Inglaterra em diversas áreas foi fundamental
para a continuidade da pesquisa na UFV. Muitos dos projetos que iniciei foram retomados na
UFV alguns anos mais tarde. Além disso, a quantidade de dados que obtive nesse último ano
me permitiu continuar publicando de forma ininterrupta.

Outro aspecto que considero importante para a consolidação de uma carreira de


pesquisador é estabelecer o foco. Ou seja, não é viável que alguém com pouca experiência
67

despenda grande parte de sua energia em cargos administrativos, como chefia de


departamento, diretoria de institutos etc., sem prejudicar a consolidação de sua carreira
como pesquisador.
Uma vez com o foco centrado no ensino e na pesquisa, além das condições citadas,
o cenário estava montado para que eu pudesse iniciar minha jornada para o estabelecimento
do que viria a ser o Laboratório de Análise e Síntese de Agroquímicos (LASA).

5.3 Os estabelecimento das linhas de pesquisa e cooperações

Como mencionado no início, meu plano era participar do grupo de pesquisa de


feromônios de insetos. Eu tencionava contribuir com a equipe na parte relativa ao
desenvolvimento de projetos de síntese de feromônios de insetos-praga de interesse
comercial, agregando ao grupo da UFV uma área de atuação importante. Todavia, passados
os quatro anos na Inglaterra, e particularmente durante o último ano, eu havia planejado o
desenvolvimento de alguns projetos de síntese baseado na modificação estrutural de alguns
produtos naturais.
Dei então início a um projeto na área de síntese de compostos com atividade
herbicida ou reguladores do crescimento de plantas. Paralelamente iniciei também uma
linha de pesquisa em química de produtos naturais. Essas foram as duas linhas de pesquisas
iniciais.
Nessa época eu conhecia vários pesquisadores da UFV e aproveitei para
estabelecer novos contatos para o desenvolvimento de cooperações. Essas cooperações
tinham como propósito buscar auxílio em áreas complementares aos trabalhos que eu já
estava iniciando. De particular importância foram os contatos com professores das áreas de
controle de plantas daninhas, de fitopatologia e entomologia. Os professores que contatei
tinham laboratórios bem montados e possuíam muita experiência com a realização de
ensaios biológicos com herbicidas, nematicidas e inseticidas.
Assim, com esses contatos foi possível avaliar a atividade biológica de várias
substâncias sintéticas e que haviam sido isoladas de plantas.
Com o tempo, passamos a ser procurados por vários colegas solicitando suporte na
área de química para o desenvolvimento de projetos os mais diversos. Como já
mencionado, um dos desafios que eu havia colocado era “mostrar que a química é
importante e que poderíamos dar respostas para muitas questões apresentadas”.
68

De um modo geral, as cooperações que desenvolvemos podem ser classificadas


como sendo de curto prazo e abrangência restrita ou de longo prazo. Também, essas
cooperações envolveram duas direções e áreas distintas, como ilustrado na Figura 5.1.
Diversos pesquisadores de outras áreas nos procuravam, e ainda procuram, para
cooperar em projetos que necessitam de auxílio nas mais diversas análises químicas, bem
como na obtenção de extratos de plantas e fungos; fracionamento de extratos; e isolamento
e identificação de produtos naturais biologicamente ativos. Essa cooperação solicitada
envolve também o desenvolvimento de métodos analíticos para a determinação de resíduos
de pesticidas ou outras substâncias de interesses mais específicos. Em alguns poucos casos
fomos procurados para auxiliar na realização de ensaios biológicos sobre atividade
herbicida.

Figura 5.1 – Principais relações e áreas de cooperação envolvendo o LASA.

De nossa parte procuramos cooperação particularmente para a realização de


ensaios biológicos diversos. Dentre os ensaios que realizamos com as substâncias naturais e
sintéticas, citamos aqueles para a avaliação das seguintes atividades: herbicida; inibição de
síntese de ATP em cloroplastos isolados de espinafre; inseticida; fungicida e bactericida; e
atividade citotóxica. Nos primeiros anos, tivemos cooperação e auxílio também na
obtenção de dados de infravermelho, RMN e espectros de massas. Mais recentemente
nossas cooperações estenderam-se e incluem as seguintes áreas: determinação de estrutura
cristalográfica por raios X; cálculos computacionais de parâmetros e propriedades
moleculares; cálculos de QSAR; e quimiometria.
69

Com o tempo, passamos então a estabelecer uma grande rede de cooperações, cujas
áreas principais dos trabalhos realizados no LASA podem ser sumarizadas na Figura 5.2.

Figura 5.2 – Principais áreas de pesquisa desenvolvidas no LASA.

Como ilustrado na Figura 5.2, as quatro principais áreas de trabalhos realizados no


LASA podem ser assim classificadas:

i. Síntese orgânica, com foco na síntese de substâncias com atividade herbicida e inseticida.
ii. Química de produtos naturais, cujo objetivo é o estudo de plantas e fungos que tenham
alguma atividade inseticida, alelopática ou nematicida.
iii. Óleos essenciais de plantas aromáticas e condimentares.
iv. Química de papel e celulose.

Desde o retorno de meu doutoramento, a área de síntese orgânica correspondeu à


principal linha de pesquisa, seguida ainda no início pela de produtos naturais. Depois
iniciamos trabalhos com óleos essenciais em função de demandas externas e,
posteriormente, começamos a ter nossos próprios projetos.
Os trabalhos na área de papel e celulose surgiram de uma grande demanda do
Laboratório de Celulose e Papel da UFV, o melhor do Brasil e com enorme envolvimento
com todas as empresas do setor. Nosso envolvimento nessa área se deu também pelo fato
70

de ela ser muito procurada por alunos de química e que demandavam uma orientação dos
projetos para os aspectos mais químicos que tecnológicos.
As cooperações e interações realizadas podem ser dividas em: cooperações na
UFV; cooperações em diversos estados no Brasil; e cooperações no exterior.
Na Tabela 5.1 são listados os principais departamentos da UFV e instituições
nacionais e estrangeiras com os quais estabelecemos algum tipo de interação ao longo dos
anos.

Tabela 5.1 – Instituições com as quais o LASA manteve ou mantém alguma interação
Local Instituição
Departamentos na UFV Bioquímica e Biologia Molecular
Botânica
Ciência de Alimentos
Engenharia Agrícola
Engenharia Florestal
Entomologia
Fitopatologia
Fitotecnia
Laboratório de Celulose e Papel
Nutrição
No Brasil UFMG - MG
UFLA - MG
UNIFENAS - MG
UFU - MG
UESB – BA
UFVJM - MG
UFC - CE
UFF - RJ
UFT - TO
No exterior Universiyt of Reading - UK
John Moores University – Liverpool - UK
University of Warwick - Coventry - UK
University of Oxford - UK
Universidade de Aveiro - Portugal
Universidade Nacional Autônoma do México – UNAM -
México
Universidade de Ferrara - Itália
Sri Venkateswara University - India
Lab. of Environmental Toxicology- IMBECU. CCT-
Mendoza - Argentina
71

5.4 Alguns resultados das pesquisas realizadas no LASA

Nesse tópico será feita uma apresentação breve sobre cada uma das áreas listadas da
Figura 5.2. O foco central será na área de síntese, que se constitui na base da pesquisa
realizada no LASA. A sequência de apresentação não corresponde à ordem cronológica em
que os trabalhos foram desenvolvidos.

5.4.1 Papel e celulose

A indústria de papel e celulose representa importante setor da economia brasileira.


As fibras vegetais se constituem na principal fonte de obtenção das pastas celulósicas. Elas
são retiradas dos troncos das árvores (95% de toda a produção mundial) e também de
folhas (sisal), frutos (algodão), rejeitos industriais (bagaço de cana, palha de arroz) e, para
fins especiais, podem vir acompanhadas de fibras de origem animal (lã), mineral (asbestos)
ou sintéticas (poliéster, poliamida). As madeiras representam mais de 90% da matéria-
prima para a obtenção de fibras virgens requeridas mundialmente. No Brasil, a madeira
utilizada como matéria-prima para a produção de celulose provém, principalmente, de
espécies arbóreas de eucalipto (folhosas) seguido em menor escala de pínus (coníferas).
Embora a indústria de celulose e papel esteja bem desenvolvida no Brasil,
acompanhando os desenvolvimentos tecnológicos de vários países, existem problemas
associados à produção que ainda requerem investigação. Muitas das pesquisas necessárias
para esse tipo de indústria estão relacionadas a aspectos analíticos e tecnológicos. A UFV é
uma referência mundial nessa área, uma vez que conta com o Laboratório de Celulose e
Papel (LCP),58 um dos melhores laboratórios do mundo em termos de desenvolvimento de
tecnologias para a produção de celulose a partir de madeira de eucalipto.
Apesar de nunca ter trabalhado na área de produção de celulose e papel, ao longo
dos anos fui solicitado pelos colegas José Lívio Gomide e Jorge Luiz Colodette para
auxiliar em análises químicas diversas.
Associado ao chamado dos colegas e também à grande importância do setor, no
início da década de 2000, muitos dos alunos formados em Química estavam procurando o
LCP para realizar o mestrado, e a demanda pela área de síntese orgânica estava limitada.
Assim, em 2004, propus à minha orientada de mestrado Mariluze Peixoto Cruz um projeto

58
Informações sobre o LCP podem ser obtidas no endereço: http://www.lcp.ufv.br/
72

na área celulose e papel que não se sobrepusesse ao que era feito no LCP. Uma dessas
áreas se constituía no estudo de “picth”, que são depósitos pegajosos formados durante o
processo de produção da fibra de celulose e que contaminam o produto final, causando
muitos prejuízos.
A partir desse momento passei então a orientar e coorientar alguns estudantes de
mestrado em Agroquímica nessa nova área. Posteriormente participei do grupo de
orientadores na criação do curso de Mestrado Profissionalizante em Celulose e Papel.
O foco do trabalho que temos desenvolvido pode ser dividido em duas áreas
principais: (i) análise de pitch e de pintas em papel; e (ii) desenvolvimento de um método
analítico para a determinação da relação siringil/guaiacil em madeira.

i. Análise de pitch

A formação de pitch está associada diretamente à composição de extrativos


lipofílicos presentes na madeira. A quantidade e a composição desses extrativos variam
com a espécie e o clone utilizado.59 A formação de pitch depende também da dosagem de
vários aditivos utilizados durante o processo de produção das polpas de celulose. Assim,
conhecer a composição exata do pitch é importante para se determinar a origem dos
constituintes que resultaram na sua formação e a partir daí, encontrar uma solução para o
problema.
O trabalho de dissertação da estudante Mariluze Cruz foi então realizado com
amostras de pitch e de madeira cedidas pela empresa Suzano (Suzano, SP).
Desenvolvemos procedimentos para o fracionamento do pitch e posterior análise por
espectroscopia no infravermelho e cromatografia gasosa associada à espectrometria de
massas (CG-EM).60,61,62 A análise de extrativos lipofílicos e polares foi também realizada
de forma sistemática pela primeira vez no Brasil em amostras industriais. 63

59
SILVERIO, F.O.; BARBOSA L.C.A.; MALTHA, C.RA.; SILVESTRE, A.J.D.; PILÓ-VELOSO, D.; GOMIDE, J.L.
Characterization of lipophilic wood extractives from clones of Eucalyptus urograndis cultivate in Brazil. Bioresources, v.2,
p.157-168, 2007.
60
BARBOSA L.C.A.; MALTHA, C.R.A.; CRUZ, M.P.; BELINELO, V.J.; MILANEZ, A.F. O uso da espectroscopia no
infravermelho na caracterização de depóstios de pitch e outros resíduos na indústria de celulose e papel. O Papel, v.66,
p.72-82, 2005.
61
CRUZ, M.P.; BARBOSA, L.C.A.; MALTHA, C R.A.; GOMIDE, J.L.; MILANEZ, A.F. Caracterização química do Pitch
em indústria de celulose e papel de Eucaliptus. Química Nova, v.29, p.459-466, 2006.
62
BARBOSA, L.C.A.; DEMUNER, A. J.; MALTHA, C.R.A.; CRUZ, M.P.; VENTORIN, G. Análise da composição
química de pintas no papel. O Papel, v.66, p.68-73, 2005.
63
BARBOSA LCA.; MALTHA, C.R A; CRUZ, M.P. Composição química de extrativos apolares e polares de madeira de
Eucaliptus grandis. Ciência e Eng. , v.14, p.13-19, 2005.
73

Posteriormente, o estudante de doutorado Flaviano Oliveira Silvério64 deu


continuidade aos estudos, avaliando inicialmente a influência do tempo de estocagem das
madeiras sobre o teor e a composição dos extrativos lipofílicos. 65,66
Também, em sua tese de doutoramento, Flaviano estabeleceu condições
experimentais para a determinação da composição de pintas (specks) encontradas em polpa
de celulose e papel. Para isso, foram realizados estudos por meio de espectroscopia no
infravermelho e por pirólise analítica. 67,68
Como ainda não tínhamos experiência nessa área, entrei em contato com o
professor Armando J. D. Silvestre, da Universidade de Aveiro, para estabelecer uma
cooperação. O grupo de Aveiro é um dos mais atuantes na área, e, logo, o professor
Silvestre passou a nos dar o suporte necessário de que necessitávamos.

ii. Determinação da relação siringil/guaiacil

Posteriormente, a estudante de mestrado em Agroquímica Vanessa Lopes Silva


começou a trabalhar no desenvolvimento de um método analítico para a determinação da
razão siringil/guaiacil (S/G) em madeira de eucalipto.
A lignina representa cerca de 20-35% da biomassa vegetal, sendo o segundo mais
importante componente da parede celular de todas as plantas vascularizadas. Em geral, ela
é classificada de acordo com a quantidade relativa dos monômeros guaiacila (G), siringila
(S) e p-hidroxifenila (H), derivados dos álcoois coniferílico, sinapílico e p-cumarílico,
respectivamente (Figura 5.3).

64
Flaviano realizou o doutorado na UFMG sob a orientação da professora Dorila Piló Veloso e sob minha coorientação. Todo
o trabalho experimental de sua tese foi realizado no LASA, em continuidade ao projeto iniciado pela mestranda Mariluze
Peixoto Cruz.
65
BARBOSA, L.C.A.; SILVERIO, F.O.; MALTHA, C.R.A.; FIDÊNCIO, P.H.; CRUZ, M.P.; PILÓ-VELOSO, D.;
MILANEZ, A. F. Effect of storage time on the composition and content of wood extractives in eucalyptus cultivated in
Brazil. Bioresource Technology, v.99, p. 4878-4886, 2008.
66
SILVERIO, F.O.; BARBOSA, L.C.A.; FIDENCIO, P.; CRUZ, M.P.; MALTHA, C.R.A.; PILÓ-VELOSO, D. Evaluation
of chemical composition of eucalyptus wood extracts after different storage times using principal component analysis.
Journal of Wood Chemistry and Technology, v.31, p. 26-41, 2011.
67
SILVERIO, F. O.; BARBOSA L.C.A.; MALTHA, C. R A.; PINHO, G.P.; FIDÊNCIO, P. H.; PILÓ-VELOSO, D.;
SOUZA, L.C. Characterization of speck impurities sources in cellulose pulp by analytical pyrolysis. Appita Journal , v.62,
p.285-289, 2009.
68
SILVÉRIO, F.O.; BARBOSA, L.C.A.; MALTHA, C.R.A.; PILÓ-VELOSO, D. Characterization of synthetic polymers
and speck impurities in cellulose pulp: A comparison between pyrolysis-gas chromatography-mass spectrometry and
Fourier Transform Infrared Spectroscopy. Analytica Chimica Acta, v.643, p.108-116, 2009.
74

OH OH OH

OCH3 H3CO OCH3


OH OH OH
Álcool Álcool Álcool
coniferílico sinapílico p-cumarílico
(G) (S) (H)

Figura 5.3 - Álcoois precursores das unidades fenilpropanoides guaiacila (G), siringila
(S) e p-hidroxifenila (H).

A velocidade de deslignificação varia de acordo com a estrutura química da lignina


e é diretamente proporcional à relação S/G, que pode afetar significativamente as
características da madeira e o rendimento da polpação. 69
Muitos métodos de degradação química têm sido utilizados para a determinação da
relação S/G nas madeiras, a exemplo da tioacidólise e da oxidação com permanganato de
potássio e com nitrobenzeno (oxidação alcalina). 70
Esses métodos são muito trabalhosos e demorados, portanto não adequados para a
realização de muitas amostras no caso de processos de seleção de clones.
Considerando a diversidade de aplicações da pirólise analítica,71 realizamos uma
investigação detalhada das condições analíticas necessárias para a pirólise e determinamos
um conjunto de compostos a serem utilizados como marcadores para determinação da
relação S/G.
No trabalho de mestrado da estudante Vanessa Silva, foi avaliada a influência dos
extrativos e da temperatura sobre os produtos da pirólise. Os resultados foram comparados
com os obtidos pelo método de oxidação com nitrobenzeno. Também foi feita a análise dos
produtos da pirólise da lignina extraída da madeira. Um esquema do trabalho realizado é
apresentado na Figura 5.4.

69
(a) DEL-RÍO, J. C.; GUTIÉRREZ, A.; HERNANDO, M.; LANDÍN, P.; ROMERO, J.; MARTÍNEZ, A. T.J. Anal. Appl.
Pyrolysis, v.74, p.110, 2005; (b) RODRIGUEs, J.; MEIER, D.; FAIX, O.; PEREIRA, H. J. Anal. Appl. Pyrolysis, 1999,
48, 121. (c) COLLINS, D. J.; PILOTTI, C. A.; WALLIS, A. F. A. Appita Journal, v.43, p.193. 1990
70
(a) TANAHASHI, M.; HIGUCHI, T. Methods in Enzimology, 1988, v.161, p.101; (b) XIE, Y.; YASHUDA, S. Nordic
Pulp and Paper Res. J., v.19, p.18, 2004.
71
SILVERIO, F. O.; BARBOSA L.C.A.; PILÓ-VELOSO, D. A pirólise como técnica analítica. Química Nova, v.31, p.1543
- 1552, 2008.
75

Cavacos

Moagem em
moinho Wiley

Serragem

Extração em Lignina (MWL)


Pirólise-CG/EM
acetona

Relação S/G Extrativo Serragem livre de Pirólise-CG/EM


extrativo

Pirólise-CG/EM Relação S/G por Relação S/G


nitrobenzeno

Relação S/G Lignina Total

Pirólise-CG/EM

Relação S/G

Figura 5.4 - Sequência dos procedimentos realizados para determinação da relação S/G
em madeiras de E. grandis e “E. urograndis”.

Os melhores resultados para a relação S/G foram obtidos com as seguintes


condições experimentais: pirólise da madeira a 550 ºC por 10 segundos e uso dos
compostos siringol, 4-metilsiringol, 4-vinilsiringol e trans-4-propenilsiringol, guaiacol, 4-
metilguaiacol, 4-vinilguaiacol e trans-isoeugenol como marcadores de unidades siringila e
guaiacila. Os valores obtidos nessas condições foram comparáveis aos encontrados pelo
método de referência utilizado, que envolve a oxidação da madeira livre de extrativo com
nitrobenzeno, seguido de análise por cromatografia líquida de alta eficiência.
Foi também verificado que os carboidratos e os extrativos presentes na madeira
não interferem nos resultados da relação S/G, indicando que as análises podem ser
realizadas com o pó da madeira sem qualquer tratamento prévio, o que simplifica o
procedimento experimental, reduzindo assim o tempo de análise.72
O estudo foi posteriormente ampliado pelos estudantes Cristiana R. Marcelo e
Cleiton A. Nunes. No trabalho de Nunes, um total de 72 amostras foi avaliado e os
resultados se correlacionaram bem com os dados obtidos pelo método de oxidação por

72
BARBOSA L.C.A.; MALTHA, C.R.A.; SILVA, V.L.; COLODETTE, J.L. Determinação da relação siringila/guaiacila da
lignina em madeiras de eucalipto por pirólise acoplada à cromatografia gasosa e espectrometria de massas (Pi-CG/EM).
Química Nova , v.31, p.2035-2041, 2008.
76

nitrobenzeno. 73,74,75
Embora promissores, os resultados obtidos necessitam ainda de uma avaliação mais
ampla, incluindo ligninas modificadas e recuperadas. Em um trabalho recente para uma
empresa de polpa de celulose, verificamos que os valores de S/G que obtivemos para seis
amostras de ligninas recuperadas após o cozimento da madeira, apresentou resultados muito
inferiores aos obtidos pelo método do nitrobenzeno.
Vários desses trabalhos foram desenvolvidos inicialmente como pesquisa básica,
visando entender e conhecer melhor alguns aspectos relacionados à formação de pitch, bem
como desenvolver um método rápido para a estimativa da relação S/G. Paralelamente às
pesquisa que realizamos, tivemos muitos contatos com empresas diversas do ramo de papel
e celulose e também com empresas fabricantes de aditivos e cola para a indústria de papel e
celulose.

5.4.2 Óleos essenciais

Vários metabólitos secundários isolados de plantas e outros organismos,


conhecidos genericamente como produtos naturais, são utilizados pela humanidade desde
os tempos remotos. Seus usos estavam mais associados à busca por alívio e cura de
doenças pela ingestão de ervas e folhas. Com o decorrer do tempo, passaram a ser
utilizados também na conservação de alimentos e no controle de pragas. Atualmente,
muitas espécies e preparados vegetais medicinais são estudados na busca pelo
entendimento de seu mecanismo de ação e no isolamento dos princípios ativos.76 Além
disso, os produtos naturais têm sido largamente utilizados como compostos-modelo (“lead
structures”) para a obtenção de novos fármacos e para o desenvolvimento de novos
agroquímicos.77

73
LIMA, C.F.; BARBOSA L.C.A.; MARCELO, C.R.; SILVERIO, F.O.; COLODETTE, J.L. Comparison between
analytical pyrolysis and nitrobenzene oxidation for determination of syringyl/guaiacyl ratio in Eucalyptus spp. lignin.
Bioresources, v.3, p.701-712, 2008.
74
NUNES, C.A.; LIMA, C.F.; BARBOSA L.C.A.; COLODETTE, J.L.; SILVERIO, F. O. Determination of Eucalyptus spp.
ligin S/G ratio: A comparison between methods. Bioresource Technology, v.101, p.4056-4061, 2010.
75
NUNES, C.A.; LIMA, C.F.; BARBOSA L.C.A.; COLODETTE, J.L.; FIDÊNCIO, P. H. Determinação de constituintes
químicos em madeira de eucalipto por PI-CG/EM e calibração multivariada: comparação entre redes neurais artificiais e
máquinas de vetor suporte. Química Nova, v.34, p.279-283, 2011.
76
VIEGAS JR, C.; BOLZANI, V. S.; BARREIRO, E. J. Os produtos naturais e a química medicinal moderna. Quím. Nova,
v. 29, p.326-337, 2006.
77
COPPING, L. G.; DUKE, S. O. Natural products that have been used commercially as crop protection agents. Pest Man.
Sci., v. 63, p. 524-554, 2007.
77

Dentre os diversos metabólitos secundários produzidos pelas plantas, destacam-se os


óleos essenciais, que são misturas de diversos compostos voláteis, odoríficos, insolúveis
em água e solúveis em solventes orgânicos. Apresentam grande importância terapêutica e
econômica. Geralmente são obtidos como misturas por destilação de arraste a vapor, que é
um dos métodos mais utilizados para sua extração. Sua constituição química é formada,
principalmente, por terpenos e/ou fenilpropanoides. 78

A síntese e o armazenamento de produtos naturais em plantas são um processo


dinâmico. Variações temporais e espaciais no conteúdo total, bem como as proporções
relativas de metabólitos secundários, ocorrem em diferentes níveis (sazonais e diários,
intraplanta, inter e intraespecífico); apesar da existência de um controle genético, a
expressão dos metabólitos pode sofrer modificações resultantes da interação de processos
bioquímicos, fisiológicos, evolutivos e ecológicos. Dessa forma, sua síntese é
frequentemente afetada por condições ambientais.79 A limitação da quantidade de água é
uma restrição ambiental importante para a produtividade das plantas. Deficiências de
umidade não somente limitam o crescimento e a sobrevivência das plantas, como também
induzem várias respostas metabólicas e fisiológicas. As quantidades de óleos voláteis
produzidas em condições de estresse hídrico podem ser alteradas ou não, dependendo da
espécie e do estresse.

As espécies produtoras de óleos essenciais não são restritas a grupos taxonômicos


específicos, ocorrendo amplamente no reino vegetal.80

Apesar dos muitos estudos já realizados nessa área, ainda existem espécies que
foram pouco investigadas. Nesse contexto, nosso interesse por essa área de pesquisa
iniciou-se com o estudo da espécie Gallesia gorazema, seguido logo pela investigação de
Ocimum selloi e de várias outras espécies de plantas.

Vários dos trabalhos que realizamos tiveram parceria com pesquisadores do


Departamento de Biologia Vegetal, que estavam interessados no estudo da anatomia dos
tricomas das espécies produtores de óleos.

78
SILVA, S. R. S.; DEMUNER, A. J.; BARBOSA, L. C. A.; ANDRADE, N. J.; NASCIMENTO, E. A.; PINHEIRO, A. L.
Análise dos constituintes químicos e da atividade antimicrobiana do óleo essencial e deficiência hídrica de Melaleuca
alternifolia Cheel. Rev. Bras. Pl. Med., v. 6, p.63-70, 2003.
79
GOBBO-NETO, L.; LOPES, N. P. Plantas medicinais: fatores de influência no conteúdo de metabólitos secundários. Quím.
Nova, v.30, p. 374-381, 2007.
80
SANGWAN, N. S.; FAROOQI, A. H. A.; SHABIH, F.; SANGWAN, R. S. Regulation of essential oil production in plants.
Plant Growth Regul., v.34, p.3-21, 2001.
78

i. Gallesia gorazema

Em 1993, o professor Agostinho Lopes de Souza, do Departamento de Engenharia


Florestal da UFV, procurou-nos para discutir a possibilidade de realizarmos um projeto
com Gallesia gorazema, então utilizada no reflorestamento de grandes áreas no Estado do
Espírito Santo. Nessa conversa, tomei conhecimento do uso popular das cascas dessa
espécie para repelir e matar baratas, especialmente no meio rural. Nessa época, eu estava
orientando o estudante Robson Ricardo Teixeira e propus a ele que sua dissertação de
mestrado poderia versar sobre a investigação da composição química da referida planta,
visando comprovar ou não as informações populares.
O estudo químico das folhas dessa planta resultou na identificação de vitamina E e
de vários outros constituintes.81
O estudo do óleo essencial das cascas de G. gorazema resultou na identificação de
19 compostos sulfurados e seis não sulfurados. Os bioensaios realizados mostraram que o
óleo possui forte atividade repelente para baratas. 82

ii. Ocimum selloi

A investigação da espécie O. selloi se deu em função da observação, feita pelo


estudante de mestrado em Fitotecnia Ernane Rony Martins, de que no banco de
germoplasma da UFV existiam dois acessos dessa espécie que possuíam características
morfológicas distintas. O acesso denominado A possuía plantas mais vigorosas, com
corolas cor-de-rosa e folhas com odor de anis. Já o acesso B apresentava plantas menores,
com corolas mais escuras e as folhas não possuíam odor de anis.
Fui então procurado pelo orientador do estudante, professor Vicente Wagner Dias
Casali, do Departamento de Fitotecnia, para colaborar na caracterização da composição
química dos constituintes que causavam o odor das folhas.

81
BARBOSA L.C.A.; DEMUNER, A.J.; TEIXEIRA, R.R.; MADRUGA, M.S. Vitamin E and others chemical constituents
from the leaves of Gallesia gorazema. Fitoterapia, p.515-519, 1999.
82
BARBOSA L.C.A.; DEMUNER, J.A.; TEIXEIRA, R. R.; MADRUGA, M. S. Chemical constituents of essential oil from
Gallesia gorazema. Fitoterapia, v.70, p.152-156, 1999.
79

O professor Casali sempre trabalhou na área de horticultura e estava implantando


na UFV um grupo de pesquisa na área de plantas medicinais e aromáticas. Nesse momento,
eu já havia orientado o estudante Robson R. Teixeira em uma dissertação com óleos
voláteis e tinha alguma experiência nessa área. Como nós não tínhamos na UFV um
equipamento de cromatografia gasosa com detector de massas, realizei as análises no
Departamento de Química da UFMG em colaboração com o professor Fernando Carazza,
que eu conhecia desde a época em que havia prestado exame para o mestrado.
Realizamos, então, as extrações dos óleos das folhas e das flores, cujos
cromatogramas são apresentados na Figura 5.5.

A B

Figura 5.5 – Cromatogramas dos óleos essenciais das folhas (A) e flores (B) de dois
acessos (a, b) de Ocimum selloi.

Ficou evidente a grande diferença na composição química dos óleos dos dois
acessos. Por meio da análise dos espectros de massas, foi possível identificar 11
compostos. O composto 3 foi identificado como sendo o estragol (1-alil-3-metoxibenzeno)
e o composto 5, o metil eugenol (4-alil-1,2-dimetoxibenzeno). As estruturas desses
compostos foram confirmadas pelas análises dos espectros no infravermelho e de RMN de
H de amostras purificadas a partir do óleo bruto.
Como as plantas dos dois acessos foram cultivadas nas mesmas condições, as
diferenças morfológicas e químicas observadas não poderiam ser atribuídas a fatores
80

ambientais, mas deveriam ser consequência de diferenças genéticas, devendo os dois


acessos, portanto, constituir duas variedades da mesma espécie. 83
A dissertação de mestrado do Ernane contou ainda com um capítulo sobre o estudo
anatômico das estruturas secretoras dos óleos essenciais. Essa parte do trabalho teve a
colaboração do professor Eldo Antônio Monteiro da Silva, do Departamento de Biologia
Vegetal da UFV, que também atuou como coorientador do estudante. A partir de então,
fiquei conhecendo o professor Eldo e estabelecemos uma longa parceria, orientando vários
estudantes nessa linha de pesquisa. Minha participação sempre esteve associada à parte
química, e a do professor Eldo se concentrava nos estudos anatômicos por microscopia
eletrônica e de varredura.
Com esse contato, passei também a conhecer outros professores do Departamento
de Biologia Vegetal, com os quais viria a colaborar por vários anos.

Ainda no início da década de 1990, em função dos trabalhos na área de química de


produtos naturais que vinha orientando, fui convidado pelo Departamento de Biologia
Vegetal para integrar o grupo de orientadores para criar um curso de mestrado em
Botânica. Aceitei o convite, e o curso de mestrado foi aprovado pela Capes, tendo início
em março de 1995 e o de doutorado, em março de 2003.

Tive uma participação intensa no Programa de Pós-Graduação em Botânica até


2010, quando solicitei meu descredenciamento em função das restrições impostas pela
Capes quanto à participação de docentes permanentes em mais de dois programas.

iii. Outros estudos

Em função dos dois estudos brevemente relatados anteriormente e de minha


participação como professor permanente no curso de Botânica, passei a ser procurado por
vários colegas dos mais diversos departamentos interessados em óleos essenciais.
Essas cooperações envolveram vários trabalhos em que foram avaliadas a
influência das condições de cultivo, estresse hídrico, luminosidade etc. sobre a composição

83
MARTINS, E.R.; CASALI, V. W. D., BARBOSA L.C.A.; CARAZZA, F. Essential oil in the taxonomy of Ocimum selloi
BENTH. Journal of the Brazilian Chemical Society, v.8, p.29-32, 1997.
81

química e quantidade de óleos voláteis produzidos por diversas espécies de plantas


medicinais e aromáticas.
Uma cooperação duradoura tem sido com o professor Evandro Castro Melo, do
Departamento de Engenharia Agrícola. Ele é especialista em secagem de grãos e passou a
investigar processos de secagens de plantas produtoras de óleos voláteis. Nesse projeto
nossa participação foi fundamental, uma vez que poucos ou quase nenhum estudo nesse
sentido vinham sendo então realizados no Brasil.
Essa cooperação se estendeu para além da UFV, e passei então a receber em meu
laboratório estudantes de outras instituições do Brasil.
Um caso que gostaria de destacar é do então estudante de Ciências Biológicas da
UNIFENAS Felipe Terra Martins. Seu orientador de iniciação científica Marcelo Polo
entrou em contato comigo no início de 2005 solicitando um estágio para o Felipe.
O estudante então fez vários estágios no LASA, sempre realizando um grande
número de análises. Embora nunca tivesse tido contato com a técnica de CG-EM e com
laboratório de química, se mostrou altamente eficiente, competente e compromissado com
a pesquisa. Percebi logo que sua capacidade para aprender era acima da média. Em pouco
tempo redigimos juntos o trabalho referente aos seus primeiros estudos sobre a variação da
composição química do óleo essencial de Hyptis suaveolens, sob condições variadas de
adubação. O trabalho foi então publicado na revista Química Nova.84
A cada estágio no LASA o Felipe aprendia mais e mostrava sua independência
para pesquisa. Diversos trabalhos foram então realizados e publicados85,86,87 ao longo de
sua graduação e até concluir o doutorado em Física na USP.
Comentei esse caso em particular, pois embora eu nunca tenha sido o orientador do
estudante Felipe, essa cooperação com o grupo de Alfenas se mostrou muito efetiva e foi
ampliada com a participação dos professores Marcelo Henrique dos Santos (especialista
em produtos naturais) e Antônio Carlos Dorigueto (especialista em difratometria de raios

84
MARTINS, F.T.; SANTOS, M. H.; POLO, M.; BARBOSA L.C.A. Variação química do óleo essencial de Hyptis
suaveolens (L.) Poit, sob condições de cultivo. Química Nova, v.29, p.1203-1209, 2006.
85
MARTINS, F.T.; SANTOS, M.H.; POLO, M.; BARBOSA L.C.A. Effect of the interaction among macronutrients, plant
age and photoperiod in the composition of Hyptis suaveolens (L.) Poit essential oil from Alfenas (MG), Brazil. Flavour
and Fragrance Journal, v.22, p.123-129, 2007.
86
PEREIRA, F.J.; MARTINS, F.T.; CORREA, R.S.; MOREIRA, M.E.C.; COSTA, A.M.D.D.; SANTOS, M.H.; POLO, M.;
BARBOSA, L.C.A. Isolamento, composição química e atividade anti-inflamatória do óleo essencial do pericarpo de
Copaifera langsdorffii Desf de acordo com hidrodestilações sucessivas. Acta Farmaceutica Bonaerense, v.27, p.369-374,
2008.
87
MARTINS, F.T.; DORIGUETTO, A.C.; SOUZA, T.C.; SOUZA, K.R.D.; SANTOS, M.H.; MOREIRA, M.E. C.;
BARBOSA L.C.A. Composition, and anti-inflammatory and antioxidant activities of the volatile oil from the fruit peel of
Garcinia brasiliensis. Chemistry & Biodiversity, v.5, p.251-258, 2008.
82

X). Esses dois professores foram meus alunos durante o período em que realizaram o curso
de graduação na UFV.
Para mim a participação do Felipe nesses trabalhos ilustra bem a importância da
cooperação entre grupos de instituições diferentes e mostra claramente como é
recompensador a nossa profissão quando temos a oportunidade de convivermos e trocar
experiência com pessoas de alto nível intelectual.
Como não considero oportuno detalhar cada um dos trabalhos que realizamos,
apresento a seguir uma lista de alguns artigos que ainda não foram citados:

1. MONTANARI, R.M.; BARBOSA, L.C.A.; DEMUNER, A.J., SILVA, C.J.; CARVALHO,


L.A.; ANDRADE, N.J. Chemical composition and antibacterial activity of essential oils from
Verbenaceae species: alternative sources of (E)-caryophyllene and germacrene-D. Química
Nova, v.34, p.1550-1555, 2011.
2. NASCIMENTO, J.C.; BARBOSA, L.C.A.; PAULA, V.F.; DAVID, J.M.; FONTANA, R.;
SILVA, L.A.M.; FRANÇA, R.S. Composition and antimicrobial activity of essential oils of
Ocimum canum Sims. and Ocimum selloi Benth. Anais da Academia Brasileira de Ciências,
v.83, p.1-13, 2011.
3. ROCHA, R.P.; MELO, E.C.; BARBOSA, L.C.A.; RADUNZ, L.L. Effect of drying air
temperature upon the essential oil content of Mikania glometa. African Journal of Food and
Technology, v.2, p.184-188, 2011.
4. DEMUNER, A.J.; BARBOSA, L.C.A.; MAGALHÃES, C.G.; SILVA, C.J.; MALTHA,
C.R.A.; PINHEIRO, A.L.P. A. Seasonal variation in the chemical composition and
antimicrobial activity of volatil oils of three species of Leptospermum (Myrtaceae) grown in
Brazil. Molecules, v.16, p.1181-1191, 2011.
5. SILVA, C.J.; BARBOSA, L.C.A.; DEMUNER, A.J.; MONTANARI, R.M.; PINHEIRO,
A.L.; DIAS, I.; ANDRADE, N.J. Chemical composition and antibacterial activities from the
essential oils of Myrtaceae species planted in Brazil. Química Nova, v.33, p.104-108, 2010.
6. MARTINAZZO, A.P.; MELO, E.C.; BARBOSA, L.C.A.; SOARES, N.F.F.; ROCHA, R.P.;
RADUNZ, L.; BERBERT, P. A. Quality parameters for Cymbopogon citratus leaves during
ambient storage. Applied Engineering in Agriculture , v.25, p.543-547, 2009.
7. BARBOSA, L.C.A.; PEREIRA, U.A.; MARTINAZZO, A.P.; MALTHA, C.R.A.;
TEIXEIRA, R.R.; MELO, E.C. Evaluation of the chemical composition of brazilian
commercial Cymbopogon citratus (D.C.) Stapf Samples. Molecules (Basel), v.13, p.1864-
1874, 2008.
8. CASTRO, H.G.; BARBOSA, L.C.A.; LUI, J.J.; OLIVEIRA, W. F.; SANTOS, G.R.;
CARVALHO, A.R.S. Growth, content and composition of the essential oil accessions of
mentrasto (Argeratum conyzoides) collected in the state of Tocantins, Brazil. Revista
Brasileira de Plantas Medicinais , v.10, p.36-43, 2008.
9. SILVA, C.J.; BARBOSA, L.C.A.; MALTHA, C.R.A; PINHEIRO, A.L.; ISMAIL, F.M.D.
Comparative study of the essential oils of seven Melaleuca (Myrtaceae) species grown in
Brazil. Flavour and Fragrance Journal, v.22, p.474-478, 2007.
10. CASTRO, H.G.; BARBOSA, L.C.A.; LEAL, T.C.A.B; SOUZA, C.M; NAZARENO, A.C.
Crescimento, teor e composição do óleo essencial de Cymbopogon nardus (L.). Revista
Brasileira de Plantas Medicinais, v.9, p.55-61, 2007.
11. BARBOSA, L.C.A.; DEMUNER, A. J.; DUMONT, A.C.; PAULA, V.F.; ISMAIL, F.M.D.
Seasonal variation in the composition of volatile oils from Schinus terebinthifolius Raddi.
83

Química Nova, v.30, p.1959-1965, 2007.


12. MAIA, J.T.L.S.; MARTINS, E.R.; CASALI, V.W.D.; BARBOSA, L.C.A.Variação na
composição do óleo essencial de acessos de Ocimum selloi Benth. Revista Brasileira de
Biociências (Online), v.5, p.1089-1091, 2007.
13. FONSECA, M.C.M.; BARBOSA, L.C.A; NASCIMENTO, E.A.; CASALI, V.W.D. Essential
oil from leaves and flowers of Porophyllum ruderale (Jacq.) Cassini (Asteraceae). The Journal
of Essential Oil Research, v.18, p.345-347, 2006.
14. BARBOSA, F.F.; BARBOSA, L.C.A.; MELO, E.C.; BOTELHO, F.M.; SANTOS, R. H. S.
Influência da temperatura do ar de secagem sobre o teor e a composição química do óleo
essencial de Lippia alba (Mill) N. E. Brown. Química Nova, v.29, p.1221-1225, 2006.
15. BARBOSA, L.C.A.; PAULA, V.F.; AZEVEDO, A.S.; SILVA, E.A.M.; NASCIMENTO,
E.A. Essential oil composition from some plant parts of Conyza bonariensis (L.) Cronquist.
Flavour and Fragrance Journal, v.20, p.39-41, 2005.
16. CASTRO, H.G.; OLIVEIRA, L.O.; BARBOSA, L.C.A.; FERREIRA, F.A.; SILVA, D.J.H.;
MOSQUIN, P.R.; NASCIMENTO, E.A. Teor e composição do óleo essencial de cinco
acessos de mentrasto. Química Nova, v.27, p.55-57, 2004.
17. MOREIRA, M.D.; PICANÇO, M.C.; BARBOSA, L.C.A.; GUEDES, R.N.C.; SILVA, L.M.
Toxicity of leaf extracts of Ageratum conyzoides to lepidoptera pests of horticultural crops.
Biological Agriculture & Horticulture, v.22, p.251-260, 2004.
18. BARBOSA, L.C.A.; SILVA, S.R.S.; DEMUNER, A.J.; ANDRADE, N.J.; NASCIMENTO,
E.A.; PINHEIRO, A.L. Análise dos constituintes químicos e da atividade antimicrobiana do
óleo essencial de Melaleuca alternifólia Cheel. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, v.6,
p.63-70, 2003.
19. SILVA, A.F.; BARBOSA, L.C.A.; SILVA, E.A. M.;CASALI, V.W.D.; NASCIMENTO, E.A.
Composição química do óleo essencial de Hyptis suaveolens ( L.) Poit. ( Lamiaceae). Revista
Brasileira de Plantas Medicinais, v.6, p.1-7, 2003.
20. RADUNZ, L.L.; MELO, E.C.; BERBERT, P.A.; BARBOSA, L.C.A.; SANTOS, R.H.S.;
ROCHA, R.P. Influência da temperatura do ar de secagem na quantidade do óleo essencial
extraído de guaco (Mikania glomerata Sprengel). Revista Brasileira de Armazenamento, v.28,
p.41-45, 2003.
21. BARBOSA, L.C.A.; GONÇALVES, L.L.A.; AZEVEDO, A.A.; CASALI, V.W.D.;
NASCIMENTO, E.A. Produção e composição do óleo essencial de alfavaquinha (Ocimum
selloi Benth.) em resposta a dois níveis de radiação solar. Revista Brasileira de Plantas
Medicinais, v.6, p.8-14, 2003.
22. SILVA, F.F.; SANTOS, R.H.S.; DINIZ, E.R.; BARBOSA, L.C.A.; CASALI, V.W.D.; LIMA,
R.R. Teor e composição do óleo essencial de manjericão (Ocimum basilicum L.) em dois
horários e duas épocas de colheita. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, v.6, p.33-38,
2003.
23. SILVA, S.R.S.; DEMUNER, A.J.; BARBOSA, L.C.A.; CASALI, V.W.D.; NASCIMENTO,
E.A.; PINHEIRO, A.L. Efeito do estresse hídrico sobre características de crescimento e a
produção de óleo essencial de Melaleuca alternifolia Cheel. Acta Scientiarum (UEM), v.24,
p.1363-1368, 2002.
24. RADUZ, L.L.; MELO, E.C.; BERBERT, P.A.; BARBOSA, L.C.A.; ROCHA, R.P.;
GRANDI, A.M. Efeitos da temperatura do ar de secagem sobre a qualidade do óleo essencial
de alecrim-pimenta (Lippia sidoides, Cham). R. Bras. Armaz., v.27, n.2, p.9-13, 2002. Revista
Brasileira de Plantas Medicinais, v.27, p.9-13, 2002.
25. BARBOSA, L.C.A.; MARTINS, P.M.; MELO, E.C.; SANTOS, R.H.; MACHADO, M.C.
Influência da temperatura e velocidade do ar de secagem no teor e composição química do
óleo essencial de capim-limão. Acta Horticulturae, v.569, p.155-160, 2002.
84

26. CASALI, V.W.D.; BARBOSA, L.C.A.; LOPES, R.C.; CECON, P.R. Influência de três
regimes hidricos na produção de óleo essencial em sete acessos de Plygonum punctatum Ell.
Revista Brasileira de Plantas Medicinais, v.3, p.7-10, 2001.
27. SILVA, A.F.; SILVA, A.F.; NASCIMENTO, E. Chemical composition of the essential oil of
Hyptis glomerata Mart. ex Schrank (Lamiaceae). Journal of Essential Oil Research, v.12,
p.725-727, 2000.
28. BARBOSA, L.C.A.; KAMADA, T.; CASALI, V.W.D.; FORTES, I.C.P.; FINGER, F.
Plasticidade fenotípica do óleo essencial em dois acessos de manjericão (Ocimum basilicum
L.). Revista Brasileira de Plantas Medicinais, v.1, p.13-22, 1999.

5.4.3 Algumas investigações na área de produtos naturais

Desde o início da implantação do Laboratório de Análise e Síntese de


Agroquímicos (LASA), a área de química de produtos naturais esteve entre os nossos
interesses como explicado anteriormente. Conforme ilustrarei com alguns exemplos dos
primeiros trabalhos realizados nessa área, focalizamos nosso interesse em plantas ou
fungos com algum tipo de atividade alelopática, inseticida ou nematicida. O objetivo
central dessa linha de pesquisa sempre foi o isolamento de substâncias biologicamente
ativas e que tivesse algum potencial uso como agroquímicos.
Mesmo antes de iniciar a orientação do primeiro estudante de mestrado iniciei um
estudo com a espécie Vitex poligama. Embora essa planta não apresentasse nenhuma
atividade descrita como agroquímico, esse estudo serviu de base para o estabelecimento
das condições e parcerias necessárias para as pesquisas que viemos a realizar nessa área.

i. Estudo químico das folhas Vitex polígama

O primeiro estudo na área de química de produtos naturais realizado no LASA foi o


isolamento e identificação dos constituintes químicos das folhas de Vitex poligama. Essa é
uma planta medicinal utilizada tradicionalmente no tratamento de artrite reumatoide, dores
de estômago, como anti-inflamatório etc. Esse trabalho estava interrompido e havia sido
iniciado pelos professores Nelson S. Pereira e Dorila Piló Veloso, da UFMG. Em conversa
com esses colegas sobre o desenvolvimento de projetos em colaboração, eles fizeram uma
menção sobre essa planta. Na época eu ainda não tinha orientados e resolvi continuar o
referido estudo, visando avaliar a viabilidade da realização de trabalhos de fítoquímica em
Viçosa, para onde trouxe então várias frações, já obtidas na UFMG. Com a colaboração do
técnico Antônio Carlos da Silva, que passou a trabalhar conosco desde o início da
85

implantação do LASA, começamos o processo de isolamento, purificação e identificação


dos constituintes químicos de Vitex poligama. O trabalho foi lento, e no final conseguimos
isolar e identificar os seguintes constituintes químicos: hentriacontano, nonacosano,
hexacosanoato de tetracosanoila, 3-(3,4-diidroxifenil)prop-2-enoato de etila, e o
sesquiterpeno (+)-espatulenol [1].

H 3C
HO
H H
H 3C CH 3

[1] Espatulenol

Como nem mesmo na UFMG tínhamos aparelho de ressonância magnética nuclear


de alta resolução, escrevi uma longa carta ao professor Oliver Howarth, da Universidade de
Warwick na Inglaterra, descrevendo os meus planos de trabalho e as condições existentes
em Viçosa. Nessa carta propus a realização de trabalhos em colaboração, o que foi aceito
por ele, com algumas observações.
Trabalhamos, portanto, em conjunto na elucidação dos constituintes de Vitex
poligama. Esse trabalho foi concluído no final de 1993 e publicado em 1995. 88
O trabalho, apesar de simples, foi extremamente importante, pois nos mostrou que
era possível desenvolver pesquisas na área de química de produtos naturais na UFV,
mesmo com a falta de equipamentos de RMN. Outro aspecto importante desse estudo foi o
estabelecimento das colaborações que se mostraram profícuas por muitos anos.

ii. Estudo químico de Ochroma lagopus Swartz

No final de 1992, visitei o setor de Dendrologia da Universidade Federal de Viçosa,


acompanhado de meu amigo professor Antônio Lelis Pinheiro, especialista em anatomia de
madeiras. Durante a visita pela mata, que durou umas duas horas, o professor Lelis fez
vários comentários sobre as origens e características de diversas árvores ali plantadas. Uma
que me chamou especial atenção foi Ochroma lagopus, planta da família Bombacaceae.89

88
BARBOSA, L.C.A.; DEMUNER, A.J.; HOWARTH, O.W.; PEREIRA, N.S.; VELOSO, D.P. Chemical study of the
leaves of Vitex poligama. Fitoterapia, Milão, v.66, n. 3, p. 2798-280, 1995.
89
Bombacaceae foi reclassificada e é agora considerada uma subfamília (denominada Bombacoideae) de Malvaceae.
86

Segundo ele, diversas espécies de insetos e abelhas eram atraídas pelas flores dessa planta
e, ao se alimentarem do néctar, eram mortas.
Eu entendia que seria interessante investigar a causa da mortalidade dos insetos,
uma vez que poderia ser devida a algum composto natural com propriedades inseticidas.
Via ali um interessante tema a ser investigado no contexto do curso de mestrado em
Agroquímica, uma vez que me encontrava direcionando minhas pesquisas para o
desenvolvimento de agroquímicos naturais e sintéticos.
Em setembro de 1992, comecei a orientar Vanderlúcia Fonseca de Paula e Gelson
José Andrade da Conceição, meus primeiros estudantes de mestrado em Agroquímica.
Propus então para Vanderlúcia a investigação da composição química do pólen e do néctar
das flores de O. lagopus,
O estudo químico do néctar levou à determinação dos carboidratos glicose, frutose,
sacarose e de 16 aminoácidos proteicos. Do pólen foram identificados 19 aminoácidos
proteicos. Diversos ensaios biológicos foram realizados sob a supervisão do professor
Lúcio Antônio de Oliveira Campos, do Departamento de Biologia Geral da UFV. Esses
ensaios demonstraram a toxicidade do néctar para abelhas. Embora não tenha sido possível
identificar a substância responsável pela toxicidade do néctar, ficou evidente o não
envolvimento de açúcares e aminoácidos não proteicos. O trabalho completo foi
posteriormente publicado.90
Enquanto essas análises estavam sendo realizadas, uma revisão de literatura revelou
que nenhum estudo químico havia sido realizado com O. lagopus. Assim, Vanderlúcia
iniciou também uma investigação da composição química do tronco dessa planta. O
trabalho resultou na identificação de uma mistura de ácidos e ésteres de ácidos graxos, das
cumarinas escopoletina [2] e cleomiscosina A [3], da lignana boehmenan [5], além de β-
sistosterol, estigmasterol e seus derivados glicolisados.91
Vanderlúcia defendeu sua dissertação de mestrado em dezembro de 1994, após dois
anos e quatro meses do início de seu curso.
Em março de 1995, ela iniciou o curso de doutorado em Química na UFMG, sob a
orientação da professora Dorila Piló Veloso e minha coorientação. Sua tese foi defendida
até fevereiro de 1999. Seu trabalho consistiu na continuação do estudo químico de O.
lagopus e uma parte sobre síntese de amidas potencialmente inseticidas.

90
PAULA, V.F.; BARBOSA, L.C.A.; DEMUNER, A.J.; CAMPOS, L.A.O.; PINHEIRO, A.L. Entomotoxicity of the nectar
from Ochroma lagopus Swartz. Ciência e Cultura, v. 49, n.4, p. 274-277,1997.
91
PAULA, V. F.; BARBOSA L.C.A.; DEMUNER, A.J.; HOWARTH, O.W.; PILÓ-VELOSO, D. Constituintes
Químicos de Ochroma lagopus Swartz. Química Nova, v.9. n.3, p.225-229, 1996.
87

OH
H3CO H3CO H3 CO
O
HO O O OCH3
O O O O
O
OH
[2]
HO OH OH
OCH 3 O
OCH3
O
H3CO
[3]
OH
HO
7 [4]
O
H3CO
8
O CH 2OH
R O 7'''
OCH3 HO H
O HO H
8'''
HO
O OH H OH
H OH
H3CO OCH3
CH 2OH
[5] ∆7,8 (E); ∆ 7''',8''' (E); R = H
[6] ∆7,8 (E); ∆ 7''',8''' (Z); R = H
[15] Manitol
[7] ∆7,8 (Z); ∆ 7''',8''' (E); R = H
HO [8] ∆7,8 (E); ∆ 7''',8''' (E); R = OMe

7
H3 CO
8 O O
7'''
OCH 3
HO O O 8'''

OH
H3CO O
OH
HO OCH3

[9] ∆7,8 (E); ∆7''',8''' (E); R = H; 7'α-OH


[10] ∆7,8 (E); ∆7''',8''' (E); R = H; 7'β-OH
[11] ∆7,8 (E); ∆7''',8''' (Z); R = H; 7'β-OH
[12] ∆7,8 (Z); ∆7''',8''' (E ); R = H; 7'β-OH
[13] ∆7,8 (E); ∆7''',8''' (E); R = OMe; 7'α-OH
[14] ∆7,8 (E); ∆7''',8''' (E); R = OMe; 7'β-OH

Figura 5.6 – Fórmulas estruturais de alguns compostos isolados de O. lagopus.

Quanto ao estudo de O. lagopus, a continuação do fracionamento cromatográfico


do extrato etanólico obtido a partir do caule resultou no isolamento de nove lignanas
inéditas e do diferulato secoisolariciresinoila [4]. Três delas são estruturalmente
88

semelhantes à lignana boehmenan [5] e foram denominadas boehmenan B-D [6-8]. As


outras seis lignanas foram denominadas Carolignanas A-F [9-14] (Figura 5.6), em
homenagem a minha filha Carolina Albuquerque Barbosa. Publicamos todos esses
resultados na revista Tetrahedron.92
Das cascas de O. lagopus foram isolados uma mistura de ácidos graxos e
triacilglicerídeos, β-sitosterol, estigmasterol, daucosterol, estigmasterol-3-O-β-D-glicosídeo
e manitol [15].93
Durante o desenvolvimento desse trabalho, um levantamento bibliográfico completo
sobre os estudos realizados a respeito da composição química das plantas da família
Bombacacea foi realizado.94
Embora tenhamos conseguido identificar uma série de substâncias inéditas em O.
lagopus, não voltamos a nos concentrar na proposta inicial no projeto, que era a
identificação das substâncias tóxicas para abelhas. Pelos testes realizados, essas substâncias
pareciam ser voláteis ou pouco estáveis, uma vez que, com o tempo, o néctar perdia sua
atividade. Em função da falta de equipamentos necessários para esse tipo de trabalho, a
Vanderlúcia acabou estudando uma classe de amidas naturais com atividade inseticida e
com isso complementou sua tese de doutoramento. Esse trabalho será abordado no tópico
sobre síntese.

iii. Estudo químico de Mucuna spp. e a busca por compostos com atividade nematicida

Nematicidas químicos são amplamente utilizados para controlar nematoides, mas


devido aos custos elevados, são integradas com outras práticas de controle. No Brasil,
existem várias espécies de plantas usadas pelos agricultores como adubos verdes, e também
para reduzir a densidade populacional de nematoides em áreas cultivadas. 95 A planta mais
utilizada para esta finalidade é a mucuna ou Mucuna spp.96 Apesar de várias investigações
sobre a química deste gênero terem sido realizadas,97 os únicos estudos até então

92
PAULA, V.F.; BARBOSA L.C.A.; HOWARTH; O.W.; DEMUNER; A.J.; CASS; Q.B.; VIEIRA U. New lignans from
Ochroma lagopus Swartz. Tetrahedron, n.51, v.45, p.12453-12462, 1995.
93
BARBOSA, L.C.A.; PAULA, V.F.; PILÓ-VELOSO, D.; DEMUNER, A.J. Constituintes químicos da casca de Ochroma
lagopus (Swartz Bombacaceae). Eclética Química, v.23, p.45-57, 1998.
94
PAULA, V.F.; BARBOSA, L.C.A.; DEMUNER, A.J.; PILÓ-VELOSO, D. A química da família Bombacaceae. Química
Nova, v.20, n.6, p.627-630, 1997.
95
SANTOS, M.A.; RUANO, O. 1987. Reação de plantas usadas como adubos verdes a Meloidogyne incognita raça 3 e M.
javanica. Nematologia Brasileira, v.11, p.184-197.
96
BUCKLES, D. Velvetbean: a “new” plant with a history. Economyc Botany, v.49, p.13-25, 1995.
97
BELL, E.A.; NULU, J.R.; CONE, C. L-dopa and L-3-carboxy-6,7-dihydroxy-1,2,3,4-tetrahydroisoquinoline, a new imino
acid, from seeds of Mucuna mutisiana. Phytochemistry, v.10, p.2191-2194, 1971.; DING, Y.; KINJO, J.; YANG, C.R.;
NOHARA, T.Triterpenes from Mucuna birdwoodiana. Phytochemistry, v.30, p.3703-3707, 1991.; GODA, Y.; SHIBUYA,
89

direcionados para o isolamento dos constituintes químicos responsáveis pela atividade


nematicida descrevem a identificação do álcool alifático triacontan-1-ol e do éster
tetracosanoato de triacontila.98
Ainda em 1993, eu estava coorientando a estudante de mestrado em Agroquímica
Marisa Alves Nogueira, que teve como tema de sua tese o estudo da composição química e
da atividade nematicida de mucuna-preta. Considerando que poucos compostos haviam
sido isolados pela estudante e que existem diversos tipos de mucuna, em 1994 escrevi e
submeti à International Foundation for Science (IFS, Suécia) um projeto intitulado "Search
for new compounds with nematicidal activity from Brazilian plants", no valor de U$10.000.
Com a aprovação do projeto passamos então a investigar com mais detalhes a
química dessas espécies. O trabalho que desenvolvemos a partir de então consistiu no
estudo químico e avaliação a atividade nematicida dos constituintes isolados das partes
aéreas e raízes de mucuna-preta, mucuna-rajada e mucuna-cinza.
Todos os ensaios biológicos foram realizados sob a supervisão da professora Maria
Amélia dos Santos, do Departamento de Agronomia da Universidade Federal de
Uberlândia, com quem mantivemos uma longa colaboração.
O estudo de mucuna-preta foi realizado pelo meu orientado de mestrado Fernando
Fontes Barcelos. A estudante de iniciação científica Andreia Varmes também teve uma
participação nesse projeto. Foram isolados e identificados os seguintes compostos:
KNO3+NaNO3, uma mistura de ácidos graxos, uma mistura de triacilglicerídeos, β-
sitosterol [16], estigmasterol [17], daucosterol [18], estigmasterol-3-O-β-D-glicosídeo [19]
e alantoina [20]. Como o aminoácido não-essencial L-dopa [21] é encontrado em grande
quantidade em diversas partes da planta, a avaliação da atividade nematicida deste
composto, bem como de todos os outros isolados, foi avaliada contra os fitonematoides
Meloidogyne incognita e Heterodera glycines (Figura 5.8).

M.; SANKAWA, U. Inhibitors of prostaglandin biosynthesis from Mucuna birdwoodiana. Chemistry and Pharmaceutical
Bulletin, v.35, p.2675-2677, 1987.; HASAN, S.Q.; SHERWANI, M.R.K.; AHMAD, F.A.; OSMAN, S. M. Epoxy acids of
Mucuna prurita seed oil. Journal Indian Chemistry Society, v.57, p.920-922, 1980.; ISHIKURA, N.; YOSHITAMA, K.
C-glycosylflavones of Mucuna sempervirens. Phytochemistry, v.27, p.1555-1556, 1988.
98
NOGUEIRA, M.A.; OLIVEIRA, J.S.; FERRAZ, S. Nematicidal hydrocarbons from Mucuna aterrima. Phytochemistry,
v.42, p.997-998, 1996a.; NOGUEIRA, M.A.; OLIVEIRA, J.S.; FERRAZ, S.; SANTOS, M.A. Nematicidal constituents in
Mucuna aterrima and its activity on Meloidogyne incognita race 3. Nematologia Mediterranea, v.24, p.249-252, 1996b.
90

22

23

O H
HO CO 2H O N
NH 2 H 2N N N O .
5 HO
. RO H H
[16] β-sitosterol: R=H; 22,23-diidro [21] L -Dopa [20] alantoina
22
[17] estigmasterol: R=H; ∆
[18] daucosterol: R=glicose;22,23-diidro
22
[19] estigmasterol D-glicosidio: R=glicose;∆

Figura 5.8 – Estruturas de alguns constituintes orgânicos isolados de M. aterrima.

Vários dos compostos, na concentração de 50 µg mL-1, causaram até 100% de


mortalidade em ambos os fitonematoides. De particular interesse foi o fato de a L-Dopa
causar grande mortalidade em M. incognita, bem como em H. glycines (Figura 5.9). Esse
foi o primeiro relato desse tipo de atividade biológica para a L-Dopa. Considerando que a
quantidade desse composto produzida por ucuna é muito grande, isso explica em parte a
eficácia do uso dessa planta pelos agricultores.

100
H. glycines

80
Mortality / %

60

40
M. incognita

20

0 1 2 3 4 5
-1
L-Dopa / µg ml

Figura 5.9 – Curva de mortalidade dos nematoides H. glycines e M. incógnita com


várias doses de L-dopa.
91

Fernando defendeu sua dissertação de mestrado em 1997, e o trabalho completo foi


publicado na revista Nematropica.99
O estudo de mucuna-rajada foi realizado pelos estudantes de iniciação científica
Patrícia Silvana Silva, Leonardo Francisco de Souza e Gessy James. Além dos mesmos
constituintes isolados de mucuna-preta, eles isolaram as isoflavonas daidzeína [21] e 7-O-1
-β-glicosildaidzeína [22]. Diversos ensaios biológicos foram realizados.

RO O

O
OH

[21] R = H Daizeina
[22] R = β-D-glicopiranosídio

O estudo de mucuna-cinza foi posteriormente realizado no LASA pelo estudante de


mestrado Jeferson Nascimento, orientado do professor Antônio Demuner. Dessa espécie
foram isolados vários compostos aromáticos [23-28], sendo alguns apresentados na Figura
5.10.100
O
R1O O H
HO O H O Ha
H N Hb
N
R2 O H O
OH O O
OCH3
[23] R1= CH3, R2= OH [27] [28]
[24] R1= H, R2 = OH
[25] R1= H, R2= H
[26] R1= gli, R2= H

Figura 5.10 – Estruturas de alguns constituintes orgânicos isolados de M. cinerea.

Todos os compostos foram submetidos a ensaios biológicos nas concentrações de 5


µg mL-1 e 50 µg mL-1, contra os fitonematoides M. incognita e H. glycines. Embora todos
tenham apresentado alguma atividade biológica, o mais ativo foi o composto [23], que
causou 70% de mortalidade em M. incognita na concentração de 50 µg mL-1.

99
BARBOSA, L.C.A.; BARCELOS, F.F.; SANTOS, M.A.; DEMUNER, J.A. Nematicidal constituents from Mucuma
aterrima. Nematropica, v.29, p.81-89, 1999.
100
DEMUNER, A.J.; BARBOSA, L.C.A.; NASCIMENTO, J.C.; VIEIRA, J.J.; SANTOS, M.A. Isolamento e avaliação da
atividade nematicida de constituintes químicos de Mucuna Cinerea contra Meloidogyne Incognita e Heterodera Glycines.
Química Nova, v.26, p.335-339, 2003.
92

iv. A busca por inseticidas naturais de Argeratum conyzoides e outros estudos

A existência na UFV de um grupo de pesquisa bem estabelecido na área de


entomologia nos levou a uma forte cooperação na área de inseticidas tanto naturais quanto
sintéticos.
Uma dessas cooperações, iniciada há muitos anos e ainda em andamento, é com o
grupo liderado pelo professor Marcelo Picanço, do Departamento de Entomologia.
Em um estudo realizado pelo então estudante de pós-graduação em Entomologia
Márcio Dionízio Moreira, diversas plantas com algum registro de resistência a insetos
foram submetidas à extração com solventes. As atividades inseticidas desses extratos foram
avaliadas para diferentes tipos de insetos das ordens Lepidoptera101 e Coleoptera de grãos
armazenados.102
Das plantas testadas, verificou-se que a amostra mais ativa correspondia ao extrato
hexânico de Argeratum conyzoides. O extrato foi então obtido em maior quantidade e
submetido a fracionamentos sucessivos por cromatografia em coluna de sílica-gel. Esse
fracionamento resultou no isolamento dos compostos [29-31]. As estruturas desses
compostos foram determinadas por análises dos espectros no infravermelho, de massas e de
RMN 1D e 2D (Figura 5.11).
OCH3 O
OCH3 O
OCH3 OCH3
H3 CO O H3 CO O
OCH3 OCH3
O O
H3CO H3 CO
OCH3O OCH3O
[29] [30] [31]

Figura 5.11 – Fórmulas estruturais de alguns constituintes isolados de Argeratum


conyzoides.

Dos três compostos isolados de A. conyzoides, apenas a cumarina [29] e a


5,6,7,8,3',4',5'-heptametoxiflavona [30] mostraram possuir atividade inseticida. O composto
[30] foi menos ativo, apresentando moderada atividade inseticida apenas em Diaphania
hyalinata e Rhyzopertha dominica. Em contraste, a cumarina [29] foi ativa contra todas as

101
MOREIRA, M.D.; PICANÇO, M.C.; BARBOSA, L.C.A.; GUEDES, R.N.; SILVA, E.M. Toxicity of leaf extracts of
Ageratum conyzoides to lepidoptera pests of horticultural crops. Biological Agriculture & Horticulture, v.22, p.251 - 260,
2004.
102
MOREIRA, M.D.; PICANÇO, M.C.; BARBOSA L.C.A.; GUEDES, R.N.; CAMPOS, M.R.; SILVA, G.A.; MARTINS,
J.C. Plant compounds insecticide activity against Coleoptera pests of stored products. Pesquisa Agropecuária Brasileira,
v.42, p.909-915, 2007.
93

quatro espécies de insetos pragas estudadas. A ordem crescente de suscetibilidade à


cumarina foi R. dominica <D. hyalinata <Periplaneta americana <Musca domestica.
Considerando que a cumarina estava presente em grande quantidde na planta, esses
resultados explicam a resistência dessa espécie ao ataque por insetos. Além disso, esse
composto é um promissor modelo para o preparo de novas substâncias com atividade
inseticida.103
Em um trabalho com o fungo Aspergillus versicolor, realizado pela estudante de
mestrado Márcia Rodrigues de Carvalho, foram isoladas duas lactonas inéditas [33-34] e o
peróxido de ergosterol [35]104 (Figura 5.12).

H 3C H3C HO
O O HO O O
OH
OH HO

O O O
O
O O
HO
[33] [34] [35]

Figura 5.12 – Compostos isolados de Aspergillus versicolor.

Por sugestão de um dos revisores quando o artigo foi submetido, 105 as latonas [33] e
[34] foram submetidas a uma série de ensaios biológicos, e verificamos que [34] apresentou
toxicidade acentuada para algumas espécies de Coleoptera.
Devido à seletividade encontrada nos ensaios biológicos, antevemos que essas
lactonas podem servir de modelo para o preparo de novos inseticidas.
Além desses trabalhos citados, realizamos diversos outros envolvendo produtos
naturais, conforme pode ser encontrado na lista de publicações no currículo Lattes.

5.4.4 Algumas contribuições na área de síntese orgânica na UFV

Desde o início dos trabalhos no LASA-UFV, uma das principais linhas de pesquisa
envolve a síntese de novas moléculas com potencial atividade herbicida ou reguladora do
crescimento de plantas. A grande maioria dos trabalhos tem sido baseada na estratégia de

103
MOREIRA, M.D.; COUTINHO, M. P.; BARBOSA L.C.A.; GUEDES, R.N.; BARROS, E.C.; CAMPOS, M.R.
Compounds from Ageratum conyzoides: isolation, structural elucidation and insectide activity. Pest Management Science,
v.63, p.615-621, 2007.
104
QUEIROZ, J.H.; BARBOSA, L.C.A.; CARVALHO, M.R.; HOWARTH, O. Complete H and 13C-NMR signal
assignements of ergosterol peroxide isolated from Aspergillus versicolor. Ciência & Engenharia, v.10, p.14 - 17, 2001.
105
CARVALHO, M.R.; BARBOSA, L.C.A.; QUEIROZ, J.H.; HOWARTH, O. Novel Lactones from Aspergillus versicolor.
Tetrahedron Letters, v.42, p.809 - 811, 2001.
94

utilização de produtos naturais como modelos para o preparo de novos compostos análogos
a esses.
Uma segunda área em que temos desenvolvido alguns projetos se refere à síntese de
novos compostos com potencial atividade inseticida.
Nas indústrias agroquímica e farmacêutica, a realização de “screenings aleatórios” é
uma estratégia muito utilizada no processo de descoberta de novas moléculas
biologicamente ativas. Nessa mesma linha também temos empregado essa estratégia em
nossas pesquisas. Portanto, alguns compostos, inicialmente sintetizados com vistas à
realização de determinado tipo de bioensaio, foram submetidos a testes biológicos diversos.
Isso tem resultado na descoberta de novas moléculas com atividade citotóxica, por
exemplo.
Farei, pois, um resumo de alguns dos projetos que temos desenvolvido nos últimos
anos, sem a pretensão de ser exaustivo. Para fins de sistematização, a apresentação a seguir
será divida nas seguintes áreas: inseticidas e herbicidas.

5.4.4.1 Síntese de substâncias com atividade inseticida

Como apresentado anteriormente, realizamos alguns trabalhos na área de produtos


naturais com atividade inseticida. Em termos de síntese de compostos com atividade
inseticida, poucos trabalhos foram realizados, sendo essa uma área minoritária de nossas
atividades. Uma das linhas de investigação corresponde à síntese de novos compostos
análogos ao produto natural conhecido como piperina. Outro trabalho que vamos relatar
está relacionado à síntese de fosforamidatos. Esse projeto teve início pela abordagem de
“screening” aleatório.

i. Compostos análogos à piperina

As propriedades inseticidas de extratos de frutos da pimenta-do-reino (Piper nigrum


L., Piperaceae) são conhecidas desde 1924.106 Esses extratos são tóxicos à mosca-doméstica
(Musca domestica L. (Diptera, Muscidae)), ao mosquito Culex pipiens pallens (Diptera,
Culicidae), ao gorgulho-do-feijão-de-corda (Callosobruchus chinensis L. (Coleoptera,

106
SCOTT, W.P.; MCKIBBEN, G.H. Toxicity of black pepper extract to boll weevils. Journal of Economic Entomology,
College Park, v.71, n.2, p.343-344, 1978.
95

Bruchidae)) e a várias outras espécies de insetos.


Até 2009, mais de 250 amidas já haviam sido isoladas de plantas da família
Piperaceae, 107,108 Essas amidas possuem estruturas em que o grupo R pode ser metil ou fenil
substituído por grupos hidroxi, metoxi ou metilenodioxi, estendido geralmente por dois
grupos CH=CH (E ou Z) e/ou grupos C≡C, algumas vezes com intervenção de grupos
metileno. No entanto, considerando a fórmula geral, n pode variar de 0 a 14 e m de 0 a 3. A
geometria E da ligação dupla é mais frequente do que a Z. Os grupos R1 e R2 mais
frequentes são H e isobutil ou, ainda, heterociclos nitrogenados de cinco e seis membros
(pirrolidina e piperidina, respectivamente) (Figura 5.13).

O O O
R R1 O N O
N N
n m
R2 O O

[36] [37] Piperina [38] Piperilina

Figura 5.13 – Fórmula geral de amidas naturais [36] e das amidas piperina [37] e
piperilina [38].

A atividade inseticida foi relatada para mais 28 dessas amidas, a maioria N-


isobutilamidas, sendo, porém, algumas derivadas das piperidilamidas, como a piperina,
contendo sistemas 2-eno ou 2,4-dieno, podendo apresentar, ou não, insaturações
adicionais.109 A atividade inseticida da piperina já é conhecida há várias décadas,
mostrando-se mais tóxica do que o piretro à moscas domésticas.110
O potencial dessa classe de compostos como modelo para o desenvolvimento de
novos inseticidas tem sido investigado por vários pesquisadores. Embora muitas novas
amidas tenham sido preparadas, suas atividades inseticidas foram avaliadas contra poucos
insentos. 111

107
PARMAR, V.S.; JAIN, S.C.; BISHT, K.S.; JAIN, P.; TANEJA, P.; JHA, A.; TYAGI, O.D.; PRASAD, A.K.; WENGEL,
J.; OLSEN, C.E.; BOLL, P.M. Phytochemistry of the genus Piper. Phytochemistry, Oxford, V.46, n.4, p.597-673, 1997.
108
Os dados atualizados correspondem a uma revisão feita e ainda não publicada pelo professor Jeferson Chagas do
Nascimento, da UESB.
109
ELLIOTT, M.; FARNHAM, A.W.; JANES, N.F.; JOHNSON, D.M.; PULMAN,.D.A. Synthesis and insecticidal activity
of lipophilic amides. Part 1: Introductory survey, and discovery of an active synthetic compound. Pesticide Science,
Oxford, v.18, p.191-201, 1987.
110
MIYAKADO, M.; NAKAYAMA, I.; OHNO, N. Insecticidal unsaturated isobutylamides, p. 173-187. In: ARNASON,
J.T.; PHILOGÉNE, B.J.R; MORAD, P. (Ed.). Insecticides of plant origin. ACS Symposium Series; 387. New York:
Maple, 1989.
111
(a) SYNERHOLM, M.E.; HARTZELL, A.; ARTHUR, J.M. Derivatives of piperic acid and their toxicities toward
houseflies. Contributions from Boyce Thompson Institute, v.13, p. 433-42, 1945.; (b) MIYAKADO, M.; NAKAYAMA, I.;
96

Em função do potencial dessas amidas, nós trabalhamos na síntese de diversos novos


derivativos da piperina [37], uma vez que esse composto é disponível em grande
quantidade a partir de pimenta-do-reino. Os compostos sintetizados foram então avaliados
contra cinco espécies de insetos de interesse econômico de cinco ordens diferentes, que não
tinham sido avaliadas. Os ensaios biológicos foram realizados em parceria com o professor
Marcelo Coutinho Picanço, do Departamento de Biologia Animal da UFV.
A síntese fez parte da tese de doutoramento de Vanderlúcia Fonseca de Paula e foi
realizada no LASA.
O material de partida consistiu na piperina [37], isolada de pimenta-do-reino por
meio de extração com etanol, seguido da cristalização a partir do extrato bruto em
geladeira. A piperina foi então hidrolisada com LiOH, sob refluxo por vários dias. Posterior
neutralização do sal formado resultou na obtenção do ácido [39]. Esse ácido foi tratado com
cloreto de oxalila e convertido no cloreto de acila correspondente [40]. A reação de [40]
com várias aminas resultou nas amidas de fórmula [41] (Figura 5.14).

O O
i) LiOH, EtOH, H2O
O N O
ii) HCl OH
O O
[37] [39] (COCl)2, THF
25 ºC, 6h

O R'R''NH, THF O
60 ºC, 1,5 h
O R' O Cl
N
O R" O

[41] [40]

Figura 5.14 – Esquema de síntese de amidas derivadas da piperina [37].

As fórmulas e os rendimentos das amidas obtidas são apresentados na Tabela 5.1.

OHNO, N., Insecticidal unsaturated isobutylamides. In: ARNASON, J. T.; PHILOGÉNE, B. J. R.; MORAD, P. (Ed.);
ACS Insecticidas of plant origin Symposium Series, 387, New York: Maple Press, 1989. p. 173-87.
97

Tabela 5.1 – Amidas derivadas da piperina


Amida [41] R R' Rendimento (%)
A H H Etil 60
B Et Etil 87
C H i-Propil 40

D i-Pr i-Propil 85

E H Butil 69

F H i-Butil 83

G H Pentil 45
H H i-Pentil 78

I H Hexil 80

J H Decil 56

K H Cicloexil 89

L H 68

M H 28
N

N H O 73
N

O H N
35

P H 80
N

No caso das aminas mais caras e disponíveis em menor quantidade, foi utilizado
apenas 1 equivalente na reação com o cloreto [40], na presença de uma amina terciária como
trietil amina par neutralizar o ácido formado112.
Ensaios biológicos preliminares, em placas de Petri, foram realizados com insetos
das espécies Sitophilus zeamais (caruncho-do-milho), Acanthoscelides obtectus (besouro-
do-feijão), Rhizopertha dominica (caruncho-do-trigo), Brevicoryne brassicae (pulgão) e
Cornitermes cumulam (cupim). Em cada placa, contendo 2 mg de cada amida, foram
colocados 10 insetos. Após o período de incubação adequado para cada espécie, a avaliação

112
BARBOSA, L.C.A.; PAULA, V.F.; DEMUNER, A. J.; PILÓ-VELOSO, D.; PICANÇO, M.C. Synthesis and inseticidal
activity of new amides derivates of piperine. Pest Management Science , v.56, p.168-174, 2000.
98

feita mostrou que nenhum dos compostos foi tóxico, por contato, aos insetos (0% de
mortalidade). Foi então realizado outro teste, que consistiu na aplicação tópica de 10 µg de
piperina por inseto (larva de 1º instar de Ascia monuste orseis Latr., lagarta da couve), em
que se observou 100 % de mortalidade. Em vista desses resultados, novos ensaios foram
realizados com os compostos mais ativos para larvas de Ascia monuste orseis.113

ii. Compostos organofosfatos

Os inseticidas organofosfatos são uma classe de grande interesse comercial e


toxicológico, sendo ainda sua aplicação a mais efetiva e aceita no que diz respeito à
proteção de plantas contra pragas.114,115 São ésteres ou tióis derivados dos ácidos fosfórico,
fosfônico, fosfínico ou fosforamídico. A classificação dos compostos organofosfatos é
bastante complexa devido à diversidade de grupos e substituintes que podem estar ligados
ao átomo de fósforo. Sendo assim, nenhum sistema de classificação universal para esse
tipo de composto foi ainda aceito. 116 Uma estrutura geral pode ser descrita conforme Figura
5.15.117

O(S) O(S)
R
R2 P X Acyl P N 2
R1 OR 3 R 1
R1 = R 2= R3 = alkyl, aryl
(a) (b)
Figura 5.15 - Estruturas químicas gerais representativas de organofosfatos (a) e subclasse
dos fosforamidatos (b).

O intenso uso de compostos organofosfatos (OFs) se deve à forte atividade


biológica, menor preço, sua relativa instabilidade na biosfera, facilidade de síntese de

113
BARBOSA, L.C.A.; PAULA, V.F.; PICANÇO, M.C.; VELOSO, D.P. Toxicidade de amidas derivadas da piperina A
Ascia Monuste Orseis (Godart, 1819) (Lepdoptera: Pieridae). Revista Brasileira de Entomologia, v.45, p.7 - 10, 2001.
114
SINGH, B.K.; WALKER, A. Microbial degradation of organophosphorus compounds. FEMS Microbiological Reviews, v.
30, p. 428-471, 2006.
115
KUMAR, S.V.; FAREEDULLAH, M.; SUDHAKAR, Y.; VENKATESWARLU, B; KUMAR, E.A. Current review on
organophosphorus poisoning. Archives of Applied Science Research, v. 2, p. 199-215, 2010.
116
DELFINO, R.T.; RIBEIRO, T.S.; FIGUEROA-VILLAR, J.D.; organophosphorus compounds as chemical warfare agents:
a review. Journal of the Brazilian Chemical Society, v. 20, p. 407-428, 2009.
117
SANTOS, V.M.R.; DONNICI, C.L.; DACOSTA, J.B.N.; CAIXEIRO, J.M.R. Compostos organofosforados pentavalentes:
histórico, métodos sintéticos de preparação e aplicações como inseticidas e agentes antitumorais. Química Nova, v. 30, p.
159-170, 2007.
99

novos derivados, possibilidade de síntese de pró-inseticidas, que sofrem ativação


preferencial em insetos e não em mamíferos, e maior biodegradabilidade em comparação
com os organoclorados. Graças a essas características, os organofosfatos são a classe de
pesticidas mais amplamente usada no mundo.118
Embora menos agressivos ao ambiente que os inseticidas organoclorados, a
toxicidade dos OFs tem sido bastante discutida, principalmente no que diz respeito à
capacidade de provocarem redução da fertilidade humana. 119 Seus principais efeitos tóxicos
são causados pela inibição da acetilcolinesterase (AChE), enzima que hidrolisa o
neurotransmissor acetilcolina (ACh) a ácido acético e colina. Dessa forma, há uma
interrupção da transmissão dos impulsos nervosos nas sinapses dos neurônios colinérgicos
dos sistemas nervoso central e periférico. A acetilcolina é um mediador químico,
necessário para transmissão dos impulsos nervosos, presente nos mamíferos e insetos;
quando a AChE é inibida, ocorre paralisia e morte dos insetos (SANTOS et al., 2007;
NARDI, 2006; DELFINO et al., 2009).
Durante a síntese de compostos análogos aos nostoclídeos, conforme veremos a
seguir, compostos do tipo [42-48] foram preparados como intermediários sintéticos (Figura
5.16). Em vista dos muitos estudos sobre a atividade inseticida de compostos
organofosfatos, os compostos [42-48] foram submetidos a um “screening aleatório”
preliminar. Vários deles apresentaram elevada atividade inseticida contra quatro espécies
de insetos.

118
NARDI, F.; CARAPELLI, A.; VONTAS, J.G.; DALLAI, R.; RODERICK, G.K.; FRATI, F. Geographical distribution
and evolutionary history of organophosphate-resistant Ace alleles in the olive fly (Bactrocera oleae). Insect Biochemistry
and Molecular Biology, v. 36, p. 593–602, 2006.
119
JOSHI, S.C; SHARMA, P. Male reproductive toxicity of organophosphorous compounds: a review. Toxicological &
Environmental Chemistry, v. 93, p. 1486-1507, 2011.
100

O O
O P NR2 O P N(CH 3)2
O O
NR2 N(CH 3)2

[42 ] R = Met il [44]


[43 ] R = E til

O
O O P Cl
O O
Cl
[45] [46]

O O
O P Cl O P O
O O O
N(C2H5)2 N(C2H5) 2
[4 7] [48]

Figura 5.16 – Estruturas de alguns compostos derivdos da furanona [45] que foram
avaliados quanto à suas atividades inseticidas.

A partir desses resultados, realizamos a síntese de vários compostos com estrutura


geral [44], conforme esquema apresentado na Figura 5.17.

R3 R2

R4 R1

Li R5 6

O O ArCH2Br 4 3 O
n-BuLi,
O P N(C 2 H5 )2 O P N(C 2H 5) 2 5 2
O P N(C 2H 5) 2
O O -78 oC r.t. O
N(C 2H 5) 2 THF, HMPA N(C 2H 5) 2
N(C 2H 5) 2
-78 oC
[43] [44a-m]

a R 1=R 2 =R 3=R4=R 5=H (39%)


b R 1=R 3=R 4 =R 5 =H; R 2=Me (47%)
c R 2=R 3 =R 4=R5=H; R 1=Me (53%)
d R 1=R 3=R 4 =R 5 =H; R 2=Br (18%)
e R 1=R 2 =R 4=R5=H; R 3=Br (47%)
f R 2 =R 3=R4 =R 5=H; R 1 =F (33%)
g R 1=R 3=R 4 =R 5 =H; R 2=F (37%)
h R 1=R 3=R 4 =R 5 =H; R 2=Cl (39%)
i R 2=R 3 =R 4=R5=H; R 1=Cl (30%)
j R1 =R 2=R 4=R 5 =H; R3 =Me (53%)
k R 2=R 3 =R 4=H; R 1=R 5=Cl (0%)
l R 1=R 2 =R 3=R4=R 5=F (0%)
m R 1=R 3=R 5 =H; R2=R 4=OMe (0%)

Figura 5.17 – Síntese de alguns fosforamidatos derivados do furano [43].


101

Conforme mostrado nesse esquema, o composto [43], obtido a partir da lactona [45],
foi submetido à reação com BuLi; e o intermediário formado, capturado com vários
brometos de benzila resultando na série de compostos [44a-m].
A toxicidade de contato de todos os derivados, na dose de 10 µg por mg de inseto,
foi avaliada contra quatro espécies de insetos: Ascia monuste orseis Latr. (Lepidoptera:
Pyralidae), Diaphania hyalinata (L.) (Lepidoptera: Pyralidae), Sitophilus zeamais
(Coleoptera: Bruchidae) e Solenopsis saevissima (Hymenoptera: Formicidae). A faixa de
mortalidade observada em alguns derivados, como 3-(3-methylbenzyl) furano-2-il
N,N,N',N'-tetraetildiamidofosfato (82,5% de mortalidade contra D. hyalinata; 100% de
mortalidade contra S. saevissima), foi comparável ao inseticida comercial metil clorpirifos.
A atividade biológica dos derivados depende do padrão de substituição do anel benzílico.
Os resultados promissores dessa classe de compostos nos motivou a submeter uma
solicitação de depósito de patente, ja efetivada.
Alguns resultados nessa linha também já foram publicados, 120,121 mas o projeto
continua ainda em andamento. Temos preparado vários outros compostos inéditos
realizando alterações estruturais na porção nitrogenada e no anel heteroaromático.

5.4.4.2 Síntese de substâncias com atividade herbicida ou reguladora do crescimento de


plantas

Na linha de pesquisa de novos herbicidas ou reguladores do crescimento de plantas,


temos desenvolvido vários projetos, em sua maioria utilizando metabólitos naturais como
modelos para o planejamento e síntese de novas moléculas biologicamente ativas. Assim
como nos casos anteriores, não seria oportuna uma discussão detalhada de cada um dos
projetos que vêm sendo desenvolvidos no LASA. Dessa forma, para fins de organização,
dividirei a apresentação em quatro grupos de compostos, que correspondem a linhas de
pesquisas mais amplas. Estes quarto grupos são:

120
PAULA, V.F.; BARBOSA, L.C.A.; TEIXEIRA, R.R.; COUTINHO, M.P.; SILVA, G.A. Synthesis and insecticidal
activity of new 3-benzylfuran-2-yl N,N,N’,N’-tetraethyldiamidophosphate derivatives. Pest Management Science, v.64,
p.863-872, 2008.
121
OLIVEIRA, F.M.; BARBOSA L.C.A.; TEIXEIRA, R.R.; DEMUNER, A.J.; MALTHA, C.RA.; PICANÇO, M.C.;
SILVA, G.A.; PAULA, V.F. Synthesis and insecticidal activity of new phosphoramidates. J. Pest. Sci., v.37, n.1, p.1-4,
2012.
102

a) Síntese e transformações de lactonas sesquiterpênicas naturais;


b) Uso da sorgoleona como modelo para o planejamento de novas quinonas com atividade
herbicida;
c) Compostos heterocíclicos preparados por meio da reação de cátions oxialílicos e dienos;
d) Uso de nostoclídeos como modelos para o planejamento e síntese de novos butenolídeos com
atividade herbicida.

Novamente, a sequência com que os projetos serão apresentados não corresponde à


ordem cronológica com que foram iniciados. Em cada caso, será feita uma apresentação
global de cada área, com a indicação de alguns dos resultados até então obtidos. A lista
completa de publicações nessa área se encontra também no currículo Lattes.

i. Transformações químicas de lactonas sesquiterpênicas naturais

As lactonas sesquiterpênicas representam uma classe de produtos naturais


encontrados em plantas da família Asteraceae. Mais de 7.000 estruturas já foram descritas,
incluindo germacranolídeos, eudesmanolídeos, pseudoguainolídeos e guaianolídeos. Essas
lactonas apresentam amplo espectro de atividades biológicas, incluindo atividades
fitotóxica, inseticida e fungicida. 122 Como exemplos de lactonas sesquiterpênicas que
apresentam atividade fitotóxica podem-se citar os guaianolídeos 45-47 provenientes de
folhas de girassol. Os compostos 45 e 46 mostraram alta atividade inibitória sobre a
germinação das sementes de alface (Lactuca sativa) e pouco ou nenhum efeito sobre o
desenvolvimento das raízes e das partes aéreas dessa planta. Por outro lado, o composto 47,
que possui três carbonilas α,β-insaturadas, estimulou a germinação da alface e inibiu o
crescimento de suas raízes e de sua parte aérea.123

122
PICMAN, A. K. Biochem. Syst. Ecol. v.14, p. 255, 1986.
123
(a) MACÍAS, F. A.; FERNÁNDEZ, A.; VARELA, R. M.; MOLINILLO, J. M. G.; TORRES, A.; ALVES, P. L. C. A. J. Nat. Prod.,
v.69, p.795, 2006.; (b) MACÍAS, F. A.; TORRES, A.; MOLINILLO, J. M. G.; VARELA, R. M.; CASTELLANO, D.;
Phytochemistry, v.43, p.1205, 1996,
103

14
O OH OH
H H O H
2
O
10 9
1
3 8
5
7 HO O
6
4 13
H 11 H
15 O O H
HO O
12
O O
O
[45] [46] [47]
O
C CH3
O O
O
O C CH3

H
H O
OH CH3
OH O
O
O O

[48] Glaucolideo B [49] α−santonina

Figura 5.18 – Algunas lactonas sesquiterpênicas biologicamente ativas.

Em função da ampla gama de atividades biológicas apresentadas por essa classe de


compostos, ainda na Inglaterra eu havia iniciado um projeto de transformação da α-
santonina [49], um produto natural disponível comercialmente.

Outro composto disponível em grande quantidade, isolado da planta Vernonia


fruticulosa (Asteraceae), é o glaucolídeo B [48]. Esse composto também nos serviu de
material de partida para o preparo de diversos novos compostos.

Derivados do glaucolídeo B

Em um projeto inicial, realizamos a caracterização completa do glaucolídeo B [48]


por ressonância magnética nuclear, uma vez que os dados até então publicados para esse
composto eram apenas parciais.

Verificamos inicialmente que os espectros de RMN de H e de 13C eram dependentes


da temperatura (Figura 5.19).
104

Figura 5.19 – Regiões expandidas do espectro de RMN de H do glaucolídeo-B em CDCl3 a


várias temperaturas.

Com o auxílio de técnicas bidimensionais de RMN, foi então possível realizar a


atribuição completa dos espectros de RMN de H e de 13C do glaucolídeo B.
Posteriormente, o glaucolídeo B foi transformado em seis lactonas [50-55], cujas
estruturas foram elucidadas por análises espectroscópicas e são apresentadas na Figura
5.20.
105

O
O O
C CH3
C CH3 O O C CH3
O O O O O
O O C CH3 O
O C CH3 O C CH3
H
H
CH3 O
O CH3 O
O O OH
O OH O CH3
O
O O

[50] [51] [52]

O O O
C CH3 C CH3 C CH3
O O O O O O
O O O
O C CH3 O C CH3 O C CH3
H
H
CH3 CH3
OH OH CH3
OH O OH O CH3 O
O O O

[53] [54] [55]

Figura 5.20 – Lactonas derivadas do glaucolídeo-B.

Os efeitos de uma série de soluções de compostos [48], [50-55] na concentração de


200 µM foram avaliados sobre a germinação e o desenvolvimento de raízes na partes
aéreas das dicotiledôneas Physalis ixocarpa e Trifolium alexandrinum e das
monocotiledoneas Lolium multiflorum e Amaranthus hypochodriacus. Na concentração de
200 µM, a lactona [53] exibiu seletividade para espécies dicotiledôneas, com média de
inibição de 90% na germinação de Physalis ixocarpa. As lactonas [48], [51] e [52]
causaram maior efeito inibitório no comprimento da raiz de espécies monocotiledôneas,
reduzindo em cerca de 70% o crescimento de L. multiflorum. Embora nenhuma relação
estrutura-atividade biológica possa ser deduzida dos resultados obtidos até então, parece
que a função diol presente nas lactonas 52-54 é importante para aumentar a atividade.
Esse trabalho de caracterização e obtenção de derivados do glaucolídeo B teve a
colaboração do professor João Luiz Calegari Lopes, da USP de Ribeirão Preto, e foi
desenvolvido em parte pelo estudante de doutorado da UFMG Adilson Vidal Costa,
orientado pela professora Dorila Piló Veloso. O trabalho de síntese foi realizado no LASA,
sob minha coorientação.
Os ensaios biológicos foram realizados em colaboração com o professor Blas Lotina
Henssen, da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM). Esse foi um dos
primeiros trabalhos realizados em colaboração com o referido professor.
106

Essa colaboração teve início com a vinda ao LASA do professor Blas Lotina, que
havia se interessado por alguns de nossos trabalhos na área de herbicidas. Posteriormente,
em 2000, visitei a UNAM por um período de 14 dias quando pude estabelecer um maior
contato com o grupo do professor Blas e apresentar algumas palestras no México.
A partir do segundo semestre de 2003, o professor Blas trabalhou no LASA por um
período de um ano, como pesquisador visitante patrocinado pela FAPEMIG. Desde então,
temos realizado vários trabalhos em colaboração – alguns ainda estão para ser publicados.

Derivados da α-santonina

A α-santonina é uma lactona sesquiterpênica isolada de Artemisia santonica, sendo


disponível comercialmente. Ainda na década de 1960, foi demonstrado que a α-santonina
sofre um rearranjo ao ser irradiada com luz ultravioleta e se transforma em um composto
com esqueleto guaiano. Em 1991, ainda antes de retornar ao Brasil, eu havia feito alguns
estudos na área de fotoquímica para avaliar a viabilidade de desenvolver na UFV um
projeto com vistas à transformação da α-santonina em outras lactonas.

O objetivo inicial desse projeto era a obtenção de novas substâncias com atividade
herbicida. Embora a ideia do projeto e as condições de trabalho no LASA permitissem o
seu desenvolvimento, até o ano de 2004, já passada uma década de meu retorno ao Brasil,
eu não tinha nenhum aluno para trabalhar nessa proposta.

Nessa época, o professor Elson Santiago Alvarenga, que já estava integrando à


equipe do LASA como responsável pelo laboratório de RMN, estava orientando o
estudante William Argolo Saliba, que tinha concluído as disciplinas do mestrado e estava
pronto para iniciar seu projeto de dissertação. Propus então que o estudante trabalhasse
nesse projeto.

Inicialmente foi feito um estudo das condições de reação para a transformação


fotoquímica da α−santonina [49] em diversos compostos, conforme ilustrado na Figura
5.21.
107

12 11
O
O 5
5a
f 7 6 4

9b 3a 10
8
9a
[56] O 9 3
O 2
O 1
e g O
[57]

13
H5 H5 '
H4
14 11 6
b H9 H9 ' H4'
HO
7a 3a
O 7 12
10 8 3
O O O 2
[49] α-santonina O [58]
1 O

a +

OAc OH

O O

O O

[60] O
[59] O

c d

OAc 9'
14 OH
H2' H
H2 H9
10 9
2 1 H8' HO
HO 8
3
4
5
6
H8
7
11 13
O
15 O
12
O
[61] O [62]

Figura 5.21 – Transformações químicas da α-santonina: a) Hg-AP/RB*, AcOH , 25 oC, 36 h, 26%;


b) Hg-AP/RB, H2O/AcOH 1:1 v/v, 25 oC, 36 h, (9) 44%, (10) 32%; c) NaBH4 , MeOH, 2 h, 87%; d)
NaBH4, MeOH, 2 h, 75%; e) Hg-BP/RQ# , MeCN, 70 o C, 2 h, 76%; f) Hg-BP/RQ, Et2 O, 15 o C, 12 h,
100%; g) Hg-BP/RQ, MeCN, 70 oC, 24 h, 100%;1 Hg-AP/RB – lâmpada de mercúrio de alta
pressão/reator de borossilicato; # Hg-BP/RQ – lâmpada de mercúrio de baixa pressão/reator de
quartzo.

Os resultados desses estudos fotoquímicos são apresentados na Tabela 5.1. Observa-


se, pelos dados apresentados nesta tabela, que a composição dos produtos varia muito com
as condições reacionais.
108

Tabela 5.1 - Condições e rendimentos das reações fotoquímicas da α-santonina e da


lumissantonina

Lâmpada de Material de Reator Solvente Temp. h Rendimento


mercúrio partida (oC) (Produto)

Alta Pressão α-santonina Borossilicato AcOH anidro 25 36 26%(59)


Alta Pressão α-santonina Borossilicato H2 O/MeCN 25 36 37%(60) e 12%(57)
(9:7)
Alta Pressão α-santonina Borossilicato AcOH/H2 O 25 36 32% (60) e 44%
(1:1) (57)
Alta Pressão α-santonina Borossilicato MeCN anidra 25 36 39% (57)
Baixa Pressão α-santonina Quartzo MeCN anidra 15 6 76%(56)
Baixa Pressão α-santonina Quartzo MeCN anidra 70 2 76%(56)
Baixa Pressão α-santonina Quartzo MeCN anidra 70 24 100% (57)
Baixa Pressão Lumissantonina Quartzo Et 2O anidro 15 12 100% (57)

Foram preparados sete derivados da α-santonina, cinco dos quais pela reação
fotoquímica da α-santonina variando o solvente, o reator (quartzo ou borossilicato) e a
fonte de radiação (lâmpada de mercúrio de alta ou baixa pressão). Os álcoois 61 e 62 foram
preparados, respectivamente, pela redução dos compostos 59 e 60 com boroidreto de sódio.

Quanto à atividade biológica dos compostos sintetizados, a lactona 59 apresentou a


maior atividade fitotóxica, tanto para pepino (48,1% de inibição das raízes) quanto para
sorgo (84,0% de inibição das raízes). A diferença deste composto para os demais é a
presença simultânea do grupo acetil no carbono 10 e do grupo carbonila α,β-insaturado.
Nenhum dos outros compostos avaliados apresentou a mesma combinação de grupos
funcionais. Tais grupos podem reagir com os tióis das enzimas presentes nas plantas,
resultando na atividade fitotóxica.

Esses resultados preliminares foram publicados,124 e posteriormente o estudante de


mestrado Francisco Frederico Pelinson Arantes deu continuidade preparando uma nova
série de derivados da α-santonina.

Como muitas lactonas sesquiterpênicas possuem atividade citotóxica, estabelecemos


uma colaboração com o grupo da professora Cláudia Pessoa, da Universidade Federal do
Ceará, para a realização de ensaios biológicos nessa área. Embora nosso objetivo principal
fosse o preparo de compostos com atividade fitotóxica, dentro da estratégia de “screening
aleatório”, submetemos inicialmente algumas substâncias a testes com várias linhagens de

124
ALVARENGA, E.S.; BARBOSA, L.C.A.; SALIBA, W.A.; ARANTES, F.F.P.; DEMUNER, A.J.; SILVA, A.A. Síntese e
avaliação da atividade fitotóxica de derivados da a-santonina. Química Nova, v.32, p.401 - 406, 2009.
109

células cancerígenas. Os resultados iniciais apresentaram-se muito satisfatórios, o que nos


levou a concentrar alguns esforços nessa área.

Posteriormente, o estudante Frederico Arantes concluiu o mestrado e continuou o


trabalho de síntese durante seu doutoramento em Agroquímica, também sob minha
orientação.

Os resultados completos desses trabalhos foram posteriormente publicados,125,126


mas, de modo geral, encontramos substâncias que apresentaram valores de IC 50% na faixa
de 0,36-14,5 µM para algumas linhagens de células. Os compostos mais ativos
apresentaram em suas estruturas a unidade α-metileno- γ−butirolactona.127

Esses dois projetos de transformação de lactonas naturais resultaram na descoberta de


algumas substâncias novas com alta atividade citotóxica e também herbicidas. Existe ainda
a possibilidade de avanços nessas áreas por meio do planejamento e a síntese de novos
compostos.

ii. Uso da sorgoleona como modelo para o preparo de novas quinonas com atividade herbicida

O efeito alelopático causado por espécies de sorgo tem sido relatado na literatura.128
Vários compostos biologicamente ativos, tendo atividade inibitória do crescimento de
plantas, como p-hidroxibenzaldeído, ácido vanílico, ácido p-cumárico e ácido siríngico,
foram encontrados em exsudatos aquosos de sorgo.129
Estudos realizados por Netzly e Butler (1986), 130 sobre a composição química de
exsudatos radiculares hidrofóbicos de sorgo, levaram ao isolamento e identificação de
sorgoleona [63] e di-hidrosorgoleona [64] como os principais constituintes (Figura 5.22).

125
ARANTES, F.F.P.; BARBOSA, L.C.A.; ALAVARENGA, E.S., DEMUNER, A.J.; BEZERRA, D.P.; FERREIRA,
J.R.O.; Costa-Lotufo, L.V.; PESSOA, C.; MORAES, M.O. Synthesis and cytotoxic activity of alpha-santonin derivatives.
European Journal of Medicinal Chemistry, v.44, p.3739 - 3745, 2009.
126
ARANTES, F.F.P.; BARBOSA, L.C.A.; MALTHA, C.R.A.; DEMUNER, A.J.; COSTA, P.M.; FERREIRA, J.R.O.;
COSTA-LOTUFO, L.V.; MORAES, M.O.; PESSOA, C. Synthesis of novel a-santonin derivatives as potential cytotoxic
agents. European Journal of Medicinal Chemistry, v.45, p.6045 - 6051, 2010.
127
ARANTES, F. F. P., BARBOSA, L.C.A.; MALTHA, C.RA.; DEMUNER, A.J.; FIDÊNCIO, P.H.; CARNEIRO, J.W.M.
A quantum chemical and chemometric study of sesquiterpene lactones with cytotoxicity against tumor cells. Journal of
Chemometrics, v.25, p.401 - 407, 2011.
128
(a) OVERLAND, L. Am. J. Bot., v. 53, p.441, 1966.; (b) PUTNAM, A.R.; DEFRANK, J.; BARNES, J.P. J. Chem. Ecol.,
v.8, p.1001, 1983.; (c) BEN-HAMMOUDA, M.; KREMER, R.J.; MINOR, H.C. Crop Science, v.35, p.1652, 1995.; (d)
BEN-HAMMOUDA, M.; KREMER, R.J.; MINOR, H.C.; SARWAR M. J. Chem. Ecol., v.21, p.775. 1995.
129
(a)ABDUL-WAHAB, A.S.; RICE, E.L. Bull. Torrey Bot. Club, v.94, p.486, 1967.; (b) GUENZI, W.D.; MCCALLA T.M.
Soil Sci. Soc. Amer. Proc., v. 26, p.456, 1962.
130
NETZLY, D.H.; BUTLER, L.G. Crop Science, v.26, p.775. 1986.
110

Em um trabalho posterior, Netzly et al. (1988)131 identificaram outras três para-


benzoquinonas, estruturalmente semelhantes à sorgoleona. Posteriormente foi demonstrado
que o exsudato das raízes do sorgo, na concentração de 10 µg/mL, causou 85% de inibição
do alongamento de raízes de alface.
A di-hidrosorgoleona [64] estimula a germinação de erva-de-bruxa (Striga asiatica
L. Kuntz STRLU). Também foi amplamente demonstado que a sorgoleona é muito ativa na
inibição do crescimento de diversas plantas daninhas, na concentração de 10 µM.132 Seu
mecanismo de ação envolve a inibição da fotossíntese.
O
OH

H3 CO
O
[63] Sorgoleona

OH
OH

H3 CO
OH
[64] Diidrosorgoleona
Figura 5.22 – Foto expandida (64 x) de uma raiz de sorgo exsudando sorgoleona; e
fórmulas estruturais da sorgoleona [63] e da di-hidrosorgoleona [64].

Apesar de todas as informações disponíveis sobre a atividade sorgoleona, o uso


potencial desse composto como modelo para a preparação de novos herbicidas não havia
sido explorado até o final da década de 1990.
Assim, iniciamos alguns trabalhos nessa área com o objetivo de desenvolver uma
rota sintética para o preparo de várias quinonas análogas à sorgoleona com vistas à
avaliação da relação estrutura-atividade biológica. Para isso, investigamos também a
influência da unidade trieno na cadeia lateral da sorgoleona sobre a atividade fitotóxica.
Os primeiros trabalhos desenvolvidos no LASA no contexto desse projeto foram
realizados pela estudante de doutorado em Fitotecnia Tânia Maria Leal Barbosa, minha
coorientada e orientada do professor Francisco Affonso Ferreira. Sua pesquisa consistiu no
desenvolvimento e montagem de um aparelho (circulador de solução nutritiva) que
permitisse estudar o potencial alelopático de uma planta sobre outra. Nesse trabalho foi
confirmada a produção de sorgoleona por plantas intactas de sorgo. 133,134

131
NETZLY, D. H.; RIOPEL, J. L.; EJETA, G.; BUTLER, L.G. Weed Science, v.36, p.441, 1988.
132
EINHELLIG, F.A.; SOUZA, I. F. J. Chem. Ecol., v. 18, n.1, 1992.
133
BARBOSA, T.M.L.; FERREIRA, F.A.; SOUZA, I.F.; BARBOSA, L.C.A.; CASALI, V.W.D. Caracterização química e
efeitos alelopáticos de exsudatos radiculares de sorgo sobre a alface. Planta Daninha, v.22, p.153-162, 1998.
134
BARBOSA, T.M.L.; FERREIRA, F.A.; BARBOSA, L.C A.; SOUZA, I.F. Método químico de análise de exsudatos
111

Posteriormente, minha orientada de mestrado Maria Lúcia Ferreira deu continuidade


ao projeto, investigando três áreas distintas.
Inicialmente, seis genótipos de sorgo (BR 007B, BR 700, CMSXS 210B, CMSXS
211B, CMSXS 225R e CMSXS 376) foram avaliados quanto à produção de exsudato
radicular, bem como pelo teor de sorgoleona nele presente. A análise do teor de
sorgoleona nos exsudatos foi realizada por cromatografia líquida de alto desempenho
(CLAD), utilizando-se como padrão uma amostra de sorgoleona previamente purificada
por cromatografia em coluna de sílica-gel e identificada por métodos espectroscópicos
(infravermelho e ressonância magnética nuclear). Os genótipos de sorgo foram avaliados
quanto à produção de sorgoleona (SGL) nas raízes e ao conteúdo médio de sorgoleona (mg
SGL/g de matéria seca de raízes). Observou-se maior produção de SGL pelo genótipo
CMSXS 376 e menor produção pelo CMSXS 225R. Verificou-se, ainda, que a maior
pureza da SGL (98,8%) foi encontrada no genótipo CMSXS 225R e a menor (90,8%), no
CMSXS 211B.135
Posteriormente seis quinonas comerciais (2,5-dihidroxi-1,4-benzoquinona [65],
canforquinona [66], fenantrequinona [67], antrarrufina [68], antraquinona sulfonato de
sódio [69] e lapachol [70]) foram avaliadas quanto ao seu potencial fitotóxico (Figura
5.23).
O O
OH O

O
HO
O
O

[65] [66] [67]


O OH O O
- +
SO3 Na OH

OH O O O
[68 [69] [70]
Figura 5.23 – Estrutura de algumas quinonas submetidas a avaliação da atividade
herbicida.
Os compostos foram avaliados sobre o controle de plantas de Sorghum bicolor,
Cucumis sativus e Desmodium tortuosum, cultivados em areia lavada, em placas de Petri, e

radiculares coletados de plantas intactas de sorgo BR001A. Ciência e Agrotecnologia, v.22, p.490-498, 1998.
135
BARBOSA, L.C.A.; FERREIRA, M.L.; DEMUNER, A.J.; SILVA, A.A.; WALKIL, J. Análise e quantificação de
sorgoleona em diferentes cultivares de sorgo (Acta Scientiarum). Agronomy, v.21, p.565- 570, 1999.
112

de Lactuca sativa, Cucumis sativus, Desmodium tortuosum, Hyptis suaveolens e


Euphorbia heterophylla, cultivadas, por 20 dias, em vasos contendo areia lavada. Nos
testes em placa de Petri, a quinona [66] causou pequena inibição (25,6%) sobre plantas de
S. bicolor. Sobre plantas de C. sativus, as quinonas [65-67] e [69] causaram pequena
inibição. Nenhuma das quinonas testadas causou inibição significativa no desenvolvimento
de D. tortuosum. Nos bioensaios em vasos, as quinonas [66-68] e [70] causaram inibição
significativa (9,5 a 71,4%) no sistema radicular de H. suaveolens.
Em uma terceira parte de sua dissertação de mestrado, Maria Lúcia realizou a síntese
de alguns compostos análogos à sorgoleona, conforme apresentado na Figura 5.24.
Como observado nessa figura, o álcool 3,5-dimetoxibenzílico [71] foi convertido em
2-acetoxi-5-metoxi-3-(pent-1-il)-1,4-benzoquinona [79], em sete etapas, com um
rendimento global de 14,6%. Várias tentativas de conversão do álcool [73] no alqueno [75]
resultaram na formação do cloreto [74] e no composto [80]. O melhor rendimento de [75]
foi conseguido pelo uso de ácido p-toluenossulfônico em benzeno.
Além do composto [79], a sorgoleona foi isolada e convertida no seu análogo com a
cadeia lateral saturada [81].

Posteriormente, os efeitos dos compostos [63], [79] e [81], na dose de 5,6 µg de ia/g
de substrato, sobre o crescimento de Cucumis sativus, Lactuca sativa, Desmodium
tortuosum, Hyptis suaveolens e Euphorbia heterophylla foram avaliados. Todos os três
compostos causaram alguma inibição no crescimento radicular das plantas-teste (0,0-
69,19%), sendo a parte aérea menos afetada de modo geral. Os resultados mostraram que a
unidade trieno na cadeia lateral da sorgoleona não é essencial para a fitotoxicidade e que a
quinona sintética [79] foi tão ativa quanto o produto natural [63].136

136
BARBOSA, L.C.A.; FERREIRA, M.L.; DEMUNER, J.A.; SILVA, A.A.; PEREIRA, R.C. Preparation and phytotoxicity
of sorgoleone analogues. Química Nova, v.24, p.751-755, 2001.
113

OCH 3
H 3CO

OCH 3
OCH3
[80]
iii

OCH3 OCH 3 OCH 3

i ii
OH O
H3 CO H 3CO H 3CO
H X
[71] [72] [73] X = OH
[74] X = Cl
iv

O OCH3 OCH 3

vi v

H3CO H 3CO H 3CO


O [77] [75]
[76]
vii

OAc O
OAc OAc
viii
H3 CO H 3CO
OAc O

[78] [79]

Figura 5.24 – Reagentes e condições: (i) (CClO)2, dichloromethane, 30 min., 30 oC;


DMSO, -78 oC, 1.5h; Triethylamine, 25 oC, 5h, 87,8%; (ii) BuLi, THF, -78 oC, 1h; 25 oC,
5h, 94% of (5); (iii) BF3.Et2O/dichloromethane, 25 oC, 2.5h; (iv) p-toluenesulphonic acid,
benzene, reflux, 4h, 54%; (v) H2, AcOEt, 10% Pd-C, 40 oC, 2h, 100%; (vi) CrO3/HOAc, 25
o
C, 30h, 70%; (vii) Ac2O/H2SO4, 25 oC, 22h, 77%; (viii) LiAlH4, THF, reflux, 12 h; FeCl3,
benzene, 3h, 25 ºC, 47%.

Com a defesa da dissertação de Maria Lúcia, o projeto foi continuado pelos


estudantes Larissa de Souza Lima, Luciano Sindra Virtuoso e Roqueline Silva.
Cada um deles preparou novos compostos análogos à sorgoleona. Uma vez
estabelecido que a unidade trieno na cadeira lateral da sorgoleona não é essencial para a
atividade herbicida, coube à Larissa o preparo de compostos com diferentes cadeias ligadas
ao núcleo benzoquinona (Figura 5.25).
114

O
O
OAc

H 3CO
H3CO
O
O
[80] [81]

O O
OH OH

O CH3
H3CO H3CO
n
O O
[82] [83] n = 1
[84] n = 3
[85] n = 5

Figura 5.25 – Quinonas sintéticas análogas à sorgoleona.

Todas essas quinonas, juntamente com a sorgoleona [63], foram testadas na


concentração de 5,5 µg g-1 sobre o desenvolvimento das raízes e partes aéreas de Cucumis
sativus, Brachiaria decumbens, Hyptis lophanta e Euphorbia heterophylla. O composto
[80] se mostrou muito mais ativo que o produto natural na inibição do crescimento das
raízes da planta daninha B. decumbens.137
Visando ao preparo de quinonas com o grupo metoxila em posição “para” a cadeia
lateral, bem como ao preparo de quinonas sem o grupo metoxila, Luciano utilizou como
material de partida os álcoois 3,4-dimetoxibenzílico e 2,5-dimetoxibenzílico.
Após converter o álcool 3,4-dimetoxibenzílico em 4-tridecil-1,2-dimetoxibenzeno,
esse composto foi oxidado na tentativa de obtenção da quinona correspondente. Todavia, o
único produto formado foi a cetona resultante da oxidação benzílica.
Posteriormente, o álcool 2,5-dimetoxibenzílico foi convertido em uma série de
quinonas com estrutura geral [86], em que R corresponde aos grupos: butil, hexil, decil,
tridecil, tetradecil, hexadecil e octadecil (Figura 5.26).

137
LIMA, L.S.; BARBOSA, L.C.A.; ALVARENGA, E.S.; DEMUNER, A.J.; SILVA, A.A. Synthesis and phytotoxicity
evaluation of substituted para-benzoquinones. Australian Journal of Chemistry , v.36, p.625-630, 2003.
115

O
O R
OCH 3 O
R
O

H O
O
O OCH 3
[86] [87]
.
Figura 5.26 – Quinonas preparadas a partir do álcool 2,5-dimetoxibenzílico.

Inesperadamente, as quinonas [86] foram obtidas em baixíssimo rendimento pela


oxidação do dimetoxibenzeno precursor. Os produtos principais dessas reações de
oxidação foram as quinonas do tipo [87].
Uma proposta mecanística para a formação dos compostos do tipo [87] é apresentada
na Figura 5.27.
Os ensaios biológicos realizados com culturas e plantas daninhas mostraram que
vários dos produtos sintéticos apresentaram maior atividade herbicida que a sorgoleona. 138
Paralelamente a esses estudos de síntese, o estudante Luiz Silvino Chinelato,
trabalhando no LASA sob a orientação do professor Demuner e minha coorientação,
realizou o primeiro estudo sobre a sorção e a persistência da sorgoleona em solos
brasileiros. Esse tipo de investigação é importante, pois a influência da plantação de sorgo
sobre outras espécies em um sistema de plantio por rotação de culturas depende do tempo
necessário para que esse aleloquímico seja degradado ou lixiviado.

138
BARBOSA, L.C.A.; ALVARENGA, E.S.; DEMUNER, A.J.; VIRTUOSO, L.S.; SILVA, A.A. Synthesis of new
phytogrowth-inhibitory substituted aryl-p-benzoquinones. Chemistry & Biodiversity, v.3, p.553-567, 2006.
116

OMe
OMe OMe OR
OMe
OR OR
MeO
RO MeO
4+ 3+
Ce Ce
OMe MeO
RO 14
OMe
10 OMe
13 R1 H2O

- H+

O OMe
MeO
- MeOH OR
OR H2O OR
- MeOH R1
H R1 3+ 4+
R1 O Ce Ce MeO O
O H
4+
2 Ce
- H+
3+
2 Ce

O OMe
OMe OR + R2 +
-H -H
RO
3+ 4+ 3+
RO O Ce
4+
Ce Ce Ce
OMe

H H OMe R2

O OMe
R2
OMe OR
H2O
RO

O - ROH2+
O OMe

H OMe

Figura 5.27 – Proposta mecanística para a formação dos compostos do tipo [87].

O estudo foi realizado com um latossolo vermelho-amarelo e foi encontrado um


tempo de meia-vida de 10 dias. Nesse trabalho, nenhum produto de degradação da
sorgoleona pode ser identificado. 139
Uma investigação na direção da síntese de aminos quinonas foi feita pelo então
estudante de iniciação científica Ulisses Alves Pereira. Partindo da 1,4-benzoquinona, ele
preparou uma série de 2,5-bis(N,N-dialquilamino)-1,4-benzoquinonas. Esses compostos
apresentaram ampla gama de atividades biológicas, tanto herbicidas quanto citotóxicas.140

139
DEMUNER, A.J.; BARBOSA, L.C.A.; CHINELATTO JUNIOR, L.S.; REIS, C.; SILVA, A.A. Sorção e persistência da
sorgoleona em um latossolo vermelho- amarelo. Química Nova, v.28, p.451-455, 2005.
140
BARBOSA, L.C.A.; PEREIRA, U.A.; MALTHA, C.R.A.; TEIXEIRA, R.R.; VALENTE, V.M.; FERREIRA, J.R.O.;
Costa-LOTUFO, L.V.; MORAES, O.M.; PESSOA, C. Synthesis and biological evaluation of 2,5-bis(alkylamino)-1,4-
benzoquinones. Molecules, v.15, p.5629-5643, 2010.
117

Os resultados que encontramos dessas pesquisas, iniciadas com o uso do produto


natural sorgoleona como modelo, têm-se mostrado promissores na produção de moléculas
com potencial uso como agroquímicos.
Assim como em qualquer projeto, seu desenvolvimento depende de uma série de
condições, como financiamento, reagentes e, mais importante, estudantes interessados e
capazes de trabalhar e contribuir para o desenvolvimento da pesquisa. Na minha avaliação,
temos muito ainda a realizar nesse projeto com quinonas, focando a atenção nos compostos
que se mostraram mais ativos.

iii. Síntese de novos herbicidas derivados do 8-oxabiciclo[3.2.1]oct-6-en-3-ona

Compostos do tipo [88] (Figura 5.28) podem ser obtidos por meio da reação de
cicloadição entre um cátion oxialílico e furano ou outros dienos. Essa reação, conhecida
como cicloadição [3+4], é muito útil para o preparo de compostos com anéis de sete
membros, conforme discutido brevemente no Capítulo 1. Uma revisão sobre as diversas
metodologias para a realização dessa reação foi feita por nós há algum tempo.141 Durante
os últimos anos, diversas novas metodologias têm sido desenvolvidas para a geração e
captura de cátions oxialílicos. 142
Uma das grandes utilidades dessa reação é que compostos do tipo [88] são muito
versáteis do ponto de vista químico, podendo ser transformados em uma gama variada de
compostos naturais e sintéticos.
Nesse contexto, compostos do tipo [89] foram preparados como intermediários
sintéticos durante o desenvolvimento de uma rota sintética para a colchicina. Durante a
realização de um “screening aleatório” com esses compostos, descobrimos que eles
apresentam atividade fitotóxica.
Em vista desses resultados, iniciamos uma linha de pesquisa visando obter novos
compostos análogos a [89] que tivessem atividade herbicida acentuada.

141
DEMUNER, A.J.; BARBOSA, L.C.A.; VELOSO, D. P. Cicloadições [3+4] via cátions oxalílicos: aplicações em sínteses
orgânicas. Química Nova, v.20, p.18-29, 1997.
142
HARMATA, M. The [3+4]-cycloaddition reaction: heteroatom-substituted allylic cations as dienophiles.
118

O
R' O O CH3 O
R O H3C
R
O CH3 O
O
R'
R

[88] R, R' = H ou Me [89] R = H, alquil, [90]


halogênio, etc

Figura 5.28 – Compostos heterocíclicos preparados por meio de cicloadição [3+4].

Apenas para fins de ilustração, um esquema de síntese para esse tipo de composto
é ilustrado na Figura 5.29. Esse trabalho foi realizado pela estudante de mestrado Flávia
Reis Ganen.
O
Br Br O
+
O Br Br
R [91]
O i
O ii

[104] R = o - C6H5F (48%) O O O


[105] R = m- C6H5F (80%)
O H + O Cl
vii [106] R = m- C6H5Cl (31%)
O O O
7 Cl H
(92%) (32%)
[92] [93] [94] (2%)
iii , iv
vii vii
O O O
O

R vi O v O H
O O OH +
O O O
O O OH
OH H
[95] (83%) [96] (62%) [97] (20%)
[98] R = o - C6H5F (72%)
[99] R = m- C6H5F (17%)
[100] R = m- C6H5Cl (30%)
[101] R = p-C6H5OCH3 (36%)
[102] R = -CH2[CH2]2CH3 (56%)
[103] R = 2,4- C6H5(OMe)2 (20%)

Figura 5.29 – Reagentes e condições: i) Zn/Ag, THF, 17 h, 25 oC; ii) Zn/Cu, NH4Cl, MeOH, 3 h,
25 oC, iii) OsO4 , H2O2, acetona, Et2O, 3 dias, 25 oC; iv) acetona, PTSA, CuSO4, 7 dias, 25 o C; v)
NaBH4, MeOH, 5 h, 25 o C → 40 oC, 2 h; vi) BuLi, THF, -78 oC, 5,5 h (11), 26 h (14 e 16), H3O+;
12, 13 e 15: a) ArMgBr, THF, 24 h, b) NH4Cl (aq.); vii) SOCl2, Piridina, 25 oC, 3 h.

Nesse exemplo, o cátion oxialílico é gerado a partir da tetrabromopropanona [91],


preparada a partir da acetona. O tratamento com Zn/Ag gera o cátion, que é capturado com
furano. O produto dibromado é então reduzido para gerar o oxabiciclo [92]. Esse composto
pode então ser transformado em uma série de álcoois do tipo [98-103], que podem então
ser desidratados para gerar alquenos do tipo [104-106]. Outras transformações simples
também podem resultar em compostos, como mostrado na Figura 5.29.
119

A alteração na cetona de partida e no dieno resulta em compostos análogos ao oxabiciclo


[92]. Outra alteração é na introdução do grupo R na etapa (vi). Com essas possibilidades de
alterações estruturais, dezenas de compostos foram preparados e submetidos à avaliação da
atividade herbicida.143 Os estudantes de mestrado Almir Andreão e Adilson Vidal Costa
trabalharam na síntese de oxabiciclos, utilizando a pentan-3-ona como material de partida.
Apenas para ilustrar, dentre os muitos compostos preparados, o álcool [107] se
mostrou muito ativo contra uma série de espécies de plantas daninhas e algumas culturas.
A Figura 5.30 ilustra o efeito desse composto sobre sorgo.

F O CH3
H3C O

O CH3
HO
CH3
[107]

Figura 5.30 – Comparação do crescimento das partes aéreas e raízes de Sorghum


bicolor. Na parte superior, da esquerda para a direita: água, controle e composto
[107] na dose de 6,6 mg g-1 de areia, após 14 dias a 25 ºC. Na parte inferior
observa-se o efeito do composto em que o átomo de flúor foi substituído por cloro.144

Lactonas do tipo [90], bem como um derivado análogo ao oxabiciclo [104] com um
grupo fenil no carbono 2, foram preparadas e avaliadas.145,146,147
Nesse projeto, além dos estudantes já citados nas referências listadas, trabalharam
os estudantes de mestrado Gelson da Conceição148 e Remilson Figueiredo.149 Os estudantes

143
BARBOSA, L.C.A.; MALTHA, C.R.A.; DEMUNER, A.J.; FILOMENO, C.; SILVA, A.A. Síntese de novos herbicidas
derivados do 1,2α,4 α,5-tetrametil-8-oxabiciclo[3.2.1]oct-6-en-3-ona. Química Nova, v.27, p.241-246, 2004.
144
BARBOSA, L.C.A.; COSTA, A.V.; DEMUNER, A.J.; SILVA, A.A. Synthesis and herbicidal activity of 2a,4a -dimethyl-
8-oxabiciclo[3.2.1]oct-6-en-3-one derivatives. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v.47, p.4807-4814, 2000.
145
BARBOSA, L.C.A.; DEMUNER, A.J.; MANN, J. Syntesis and evaluation of the plant growth regulatory activity of 8-
oxabicyclo[3.2.1]- oct-6-en-3-one derivatives. Journal of the Brazilian Chemical Society, v.8, p.19-27, 1997.
146
BARBOSA, L.C.A.; DEMUNER, A.J.; COSTA, A.V.; LIMA, E.E.B. Atividade fitotóxica de 2-fenil-6,7-exo-
isopropilidenodioxi-8-oxabiociclo[3.2.1]oct-2-eno. Química Nova, v.23, p.461-465, 2000.
147
BARBOSA, L.C.A.; MALTHA, C.R.A.; BORGES, E.E.L. Síntese e avaliação da atividade fitotóxica de lactonas
derivadas do 2,4-dimetil-8-oxabiciclo[3.2.1]-oct-6-en-3-ona. Química Nova, v.25, p.203-208, 2002.
120

de iniciação científica Vanessa Lopes Silva e Fabrício de Oliveira também tiveram uma
participação nessa linha de trabalho.150
Embora os oxabiciclos do tipo [96] e [97] sejam relativamente rígidos, no caso dos
compostos análogos a estes, mas contendo dois grupos metila nas posições 2 e 4,
verificamos algumas feições inesperadas nos espectros de RMN. Para explicar os
espectros, realizamos cálculos teóricos em colaboração com o professor Antônio Flávio
Alcântara. 151
Vários ensaios biológicos mostraram que alguns compostos são seletivos para
determinadas plantas daninhas, como Desmodium tortuosun. Na Tabela 5.2 apresentamos
uma lista de plantas resistentes e suscetíveis ao composto [108]. Na Figura 5.31 é ilustrado
o efeito seletivo do composto [108] sobre milho e Desmodium.

O CH 3
O

O CH3

[108]
Figura 5.31 – Comparação do efeito do composto [108] sobre milho e Desmodium. À
esquerda, o controle; à direita, o composto [108], aplicado na concentração de 6,6
mg g-1 de areia, após 14 dias a 25 ºC.

148
BARBOSA, L.C.A.; CONCEIÇÃO, G.A.; DEMUNER, A.J.; SILVA, A. A.; VELOSO, D.P.; MANN, J. A new class of
herbicides derived from 8-oxabiciclo[3.2.1]oct-6-en-3-one. Australian Journal of Chemistry, v.52, p.929-936, 1999.
149
BARBOSA, L.C.A.; ALVARENGA, E.S.; DEMUNER, A.J.; FIGUEIREDO, R.; SILVA, A.A. Synthesis of new aliphatic
and aromatic phytotoxic derivatives of 2alfa,4alfa-dimethyl-8-oxabicyclo[3.2.1]oct-6-en-3-one. Pest Management
Science, v.59, p.1043-1051, 2003.
150
BARBOSA, L.C.A.; MALTHA, C.R.A; DEMUNER, A.J.; SILVA, V.L.; OLIVEIRA, F.M.; BORGES, E.E.L.
Fitotoxicidade de novos álcoois e alquenos derivados do 2a,4a-dimetil-8-oxabiciclo[3.2.1]oct-6-en-3-ona. Eclética
Química, v.30, p.33-41, 2005.
151
ALCÂNTARA, A.F.; VELOSO, D.P.; ALMEIDA, W.B.; MALTHA, C.R.A.; BARBOSA, L.C.A.; Conformational
analysis of 8-oxabicyclo[3.2.1]oct-6-en-3-one derivatives by NMR and theoretical calculations. Journal of Molecular
Structure, v.791, p.180-185, 2006.
121

Tabela 5.2 – Plantas suscetíveis e resistentes ao composto [108]


Plantas suscetíveis Plantas resistentes
Daninhas Culturas Daninhas Culturas
Desmodium Pepino Physalis angulata Feijão
Sorgo Cenchrus echinatus Girassol
Emilia sp. Milho
Plantagiea Tomate
Bidens pilosa Soja
Ipomea sp

Embora tenhamos demonstrado que os substituintes presentes no anel aromático


possuem influência sobre a atividade e a seletividade, não realizamos nenhum estudo
quantitativo de estrutura/atividade biológica.
Alguns compostos que causaram 100% de mortalidade em várias plantas na dose de
6,6 mg g-1 de areia têm potencial para posterior desenvolvimento, uma vez que essa dose
corresponde a aproximadamente 13 kg/hectare. É uma dose elevada, mas vale lembrar que
alguns herbicidas comerciais ainda utilizados são aplicados na dose de vários quilogramas
por hectare.

iv. Síntese de novos herbicidas análogos ao ácido helmintospórico

Helmintosporol [109], helmintosporal [110] e ácido helmintospórico [111] (Figura


5.32) são toxinas sesquiterpênicas naturais isoladas em culturas do fungo
Helminthosporium sativum, um ascomiceto patogênico, responsável pela ferrugem e
apodrecimento da raiz de cereais. 152

1 O H
2
[109] R1 = CH2OH , R2 = CHO
CO OH
[110] R1 = CHO , R2 = CHO 3
5 1 HO
8 [111] R1 = CH2OH , R2 = CO2H
[112] R1 = OH , R2 = CO2H CO2H
R2 [113] R1 = OH , R2 = CO2CH3
R1 [114]Ácido giberélico

Figura 5.32 – Fórmulas estruturais do ácido helmintospórico e derivados


[109-113] e do ácido giberélico [114].

152
(a) Briquet, M.; Vilret, D.; Goblet, P.; Mesa, M.; Eloy, M. C.; J. Bioenerg. and Biomemb. 1978, 30, 285; (b) Corey, E. J.;
Nozoe, S.; J. Am. Chem. Soc. 1965, 87, 5728.
122

Testes biológicos realizados com o helmintosporol [109] incentivaram a investigação


do potencial regulador do crescimento de plantas dessa classe de compostos, pois se
observou rápido crescimento de brotos em plântulas de arroz e efeito inibitório sobre o
crescimento de plântulas de trigo.

O efeito regulador sobre o crescimento de plantas foi também constatado em


derivados do ácido helmintospórico, com diferentes substituintes, R1 e R2, sendo
observadas, para estes, respostas bastante distintas nos ensaios realizados com arroz e
alface. 153 Há evidências de que a atividade biológica do helmintosporol [109], bem como
do ácido helmintospórico [111], resulte da similaridade estrutural com dois dos anéis do
ácido giberélico [114], um regulador do crescimento de plantas.
Em função da estrutura bicíclica do ácido helmintospórico, estabelecemos uma
linha de pesquisa com vistas à obtenção de compostos oxa-análogos a esse ácido. Para isso,
a estratégia de síntese envolveria a reação entre furanos substituídos e cátions oxialílicos.
Inicialmente, o trabalho nessa área foi realizado pelo professor Antônio Demuner,
durante seu doutoramento sob minha coorientação na UFV. Relatamos então a atividade
biológica de vários derivados do 8-oxabiciclo[3.2.1]oct-6-en-3-ona, análogos oxigenados
do ácido helmintospórico. Os resultados dos ensaios biológicos evidenciaram a
potencialidade fitotóxica dessa classe de compostos. A presença do grupo isopropil parece
ser um dos fatores determinantes da atividade biológica, pois no ensaio realizado com o
biciclo [88] (R = H) não se observou efeito sobre a germinação e desenvolvimento em
sorgo. Alguns dos compostos testados, na concentração de 100 µg mL-1, promoveram
estímulo ao crescimento radicular em pepino e inibição radicular em sorgo, evidenciando a
atividade reguladora do crescimento de plantas, à semelhança das helmintosporinas. 154,155
Apenas para fins de ilustração, alguns dos compostos análogos ao ácido
helmintospórico são apresentados na Figura 5.33.
Nesse caso, o oxabiciclo de partida [115] foi obtido pela reação do 3-
hidroximetilfurano e da 2,4-dibromo-5-metilexan-3-ona. Os demais derivados [116-119]
foram obtidos por meio de transformações comuns de grupos funcionais, utilizando os
reagentes e condições indicadas no esquema.156

153
Kim, B. T.; Soh, C. H.; Murofushi, N.; Yoshida, S; Bioorg. Med. Chem. Lett. V.4, p.18-47,1994.
154
DEMUNER, J. A.; BARBOSA, L.C.A.; VELOSO, D. P. Synthesis of new 8-oxabicyclo3.2.1oct-6-en-3-one derivatives
with plant growth regulatory activity. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v.463, p.1173-1176, 1998.
155
BARBOSA, L.C.A.; DEMUNER, A. J.; MALTHA, C. R. A.; SILVA, P. S. Síntese e avaliação da atividade fitotóxica de
novos análogos oxigenados do ácido helmintospórico. Química Nova, v.26, p.655-660, 2003.
156
CHAVES, F.C.; BARBOSA, L.C.A.; DEMUNER, A.J.; SILVA, A.A. New helminthosporal analogues with plant-growth
regulatory properties synthesized via oxyallyl cation. Zeitschrift für Naturforschung. B, A journal of Chemical Sciences,
123

Os compostos [115-119] foram avaliados sobre sorgo e pepino, sendo observada alta
seletividade entre mono e dicotiledôneas. Todos os compostos, na concentração de 10-3
mol/L, inibiram o crescimento radicular de sorgo (22-82%) e estimularam o crescimento de
raízes de pepino (até 127%).
Essa seletividade é importante no desenvolvimento de novos herbicidas, uma vez
que na maioria dos casos o que se deseja é a eliminação ou controle de determinada
espécie de planta.
Esse projeto teve a participação de meu orientado de mestrado Leonardo Brandão
Nogueira, que preparou e avaliou a atividade de análogos oxabicíclicos do ácido
helmintospórico, que não possuíam o grupo isopropil. Foi observado que os compostos
com grupo carbolina foram os mais ativos, e a mesma seletividade para mono e
dicotiledôneas foi observada. 157
O O

O
OH
HO OH
[117] [119]

iii iv

O O

i
O O
HO O
[115] [116]
H
ii

O
RO
[117] R = CH 3
[118] R = PhCH 2

Figura 5.33 – Reagentes e condições: i) (COCl)2, CH2Cl2, DMSO, -78 °C, 45


min; TEA, -78 °C, 0.5 h, RT, 16 h, 90 %; ii) NaH, imidazol, THF, 70 °C, 2 h;
CH3I or PhCH2Br, 70 °C, 4 h, 86% for 14 e 94 % for 15; iii) NaBH4, EtOH, 55
°C, 4 h, 65 %; iv) H2 (1 atm), 10% Pd-C, AcOEt, 40 °C, 8 h, 98%.

Os resultados nessa área mostraram-se bastante promissores, considerando que a


síntese de análogos oxabicíclicos por meio da reação de cicloadição [3+4] é bastante

v.61, p.1287-1294, 2006.


157
BARBOSA, L.C.A.; NOGUEIRA, L.B.; MALTHA, C.R. A.; TEIXEIRA, R.R.; SILVA, A.A. Synthesis and phytogrowth
properties of oxabicyclic analogues related to helminthosporin. Molecules , v.14, p.160-173, 2009.
124

eficiente e simples. Todavia, desde a participação do estudante Leonardo Nogueira, o


projeto está parado em função da falta de alguém para dar continuidade.

v. Síntese de ozonídios com atividade fitotóxica


Como mencionado no Capítulo 1, nós relatamos o primeiro exemplo de ozonídios
com atividade antimalarial. Após a publicação de nossos estudos iniciais, ficamos sem
trabalhar com ozonídios por bastante tempo. Ao tomar conhecimento de que alguns
ozonídios estavam em teste na fase clínica 3, retomamos o projeto. Nosso novo foco foi
centrado na avaliação da atividade herbicida dessa classe de compostos. A motivação para
esse estudo veio de um relato do grupo do Dr. Stephen O Duke, do Departamento de
Agricultura dos Estados Unidos, que mostrou que a artemisinina apresenta alta atividade
fitotóxica. 158
Assim, o estudante de mestrado Ulisses Alves Pereira iniciou os estudos com
vistas à produção de novos ozonídios, conforme ilustrado na Figura 5.34.
8

R1 O R3 10 R3 O
Me 4 5 6
O O
2
7
NaI, Cu, MeCN R2 O 3 1

oC
+ Me R 1 R 2
Br Br 0 0 oC r.t., 16h 9
Oxyallyl
Cátion
(14) Carbocation (15-24)
oxialílico (121-130)
(20)
11

13 R3 O 8

Me 5
6 7 O
4 3
O3, CH 2 Cl2 1 O9
2
O
-78 o C O
Me R 1 R 2 10
12

(131-139)
(25-33)

R1 R2 R3 Oxabicycle Ozonide
compound yield (%) compound yield (%)
CH3 H CH3 121 55 131 100
CH3 H H 122 56 132 100
CH3 CH3 H 123 48 133 7
COCH3 H H 124 23 134 98
CH2CH3 H H 125 56 135 100
H H H 126 54 136 99
CH3 (CO)OCH3 H 127 28 137 50
CH3 CH2 OH H 128 26 138 75
CH3 CH2 OCH3 H 129 46 139 100
CH3 (CO)OCH3 CH3 130 9 -

Figura 5.34 – Síntese de oxabiciclos e os ozonídios correspondentes.

158
DUKE, S.O.; VAUGHN, K.C.; CROOM, E.M.; ELSOHLY, H.N. Artemisinin, a constituent of annual wormwood
(Artemisia annua), is a selective phytotoxin. Weed Sci., v.35, p.499-505, 1987.
125

Os ensaios biológicos foram realizados com os oxabiclos e com os ozonídios


correspondentes. Foram utilizadas as culturas sorgo e pepino e as plantas daninhas
Ipomoea grandifolia e Brachiaria decumbens. Vários compostos apresentaram elevada
atividade, ressaltando-se que os que apresentam a unidade carbonílica α,β-insaturadas
foram mais ativos. Na Figura 5.35 é ilustrado o efeito do composto [124] sobre sorgo e
pepino.
Os ozonídios mais estáveis foram testados contra as plantas daninhas e alguns se
mostraram tão ativos quanto à artemisinina. 159

Figura 5.35 – Efeito do composto [124] sobre o desenvolvimento de Sorghum


bicolor (esquerda) e Cucumis sativus (pepino) comparado ao controle, após 72
horas.

Posteriormente, o estudante de mestrado Rafael Cusati deu continuidade ao projeto e


preparou ozonídios mais complexos. Por sugestão do professor Fyaz Ismail, da John
Moores University, em Liverpol, foi preparado um ozonídio a partir do mentofurano.

159
BARBOSA, L.C.A.; MALTHA, C.R.A.; CUSATI, R.C.; TEIXEIRA, R.R.; RODRIGUES, F.F.; SILVA, A.A.; DREW,
M.G.B.; ISMAIL, F.M. D. Synthesis and biological evaluation of new ozonides with improved plant growth regulatory
activity. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v.57, p.10107-10115, 2009.
126

Segundo cálculos efetuados pelo professor Ismail, esse ozonídio deveria ter grande
semelhança estrutural com a artemisinina. Os compostos obtidos nessa segunda etapa se
mostraram mais ativos que os primeiros. 160

vi. Novos compostos da classe de butenolídeos com atividade herbicida.

Os compostos [140] e [141], conhecidos como nostoclídeos I e II, respectivamente,


são γ-alquilidenobutenolídeos bioativos (Figura 5.36), foram isolados da alga verde-azul
Nostoc sp., encontrada no líquen Peltigera canina.161 No artigo em que o isolamento desses
compostos é relatado existe uma proposição de que eles podem eventualmente apresentar
propriedades alelopáticas. Embora a síntese dos nostoclídeos tenha sido reportada,162
nenhum trabalho descrevendo estudos de atividade fitotóxica desses compostos foi
realizado até meados da década de 2000, quando iniciamos nossa pesquisa nessa área. Em
função dos registros da atividade fitotóxica da cianobacterina [143], um composto parecido
estruturalmente com os nostoclídeos, resolvemos investigar a hipótese de que esses
compostos também tivessem alguma atividade inibitória sobre o crescimento de plantas.
III
II
Cl

OH
O

O O O
O O

R
I
Cl
OH CH3O

[141] Nostoclídeo I R = Cl [143] Cianobacterina


[142] Nostoclídeo II R = H

Figura 5.36 – Fórmulas estruturais dos nostoclídeos I e II e da cianobacterina.

Planejamos realizar a síntese de diversos compostos análogos aos nostoclídeos com


variação de substituintes em diferentes posições nos anéis aromáticos e do grupo isopropila
(regiões I, II, III) presentes na molécula, conforme a estratégia apresentada na Figura 5.37.

160
BARBOSA, L.C.A.; PEREIRA, U.A.; TEIXEIRA, R.R.; MALTHA, C.R.A.; FERNANDES, S.A.; FORLANI, G.
Synthesis and phytotoxic activity of ozonides. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v.56, p.9434-9440, 2008.
161
XUEMIN, Y.; YUZURU, S.; STEINER, J.R.; CLARDY,J. Tetrahedron Lett., v.34, p.761, 1993.
162
BOUKOUVALAS, J.; MALTAIS, F.; LACHANCE, N. Tetrahedron Lett., v.35, p.7897, 1994.
127

O O H
O
O OTBDMS
O O

[146] [147]

R R
[144] [145]

O CH3
H O P N
O
O O O
N CH3
O
CH3 CH3
[150] [149] [148]

Figura 5.37 – Análise retrossintética para os compostos análogos aos nostoclídeos [144],
sem o grupo isopropila.

A estratégia geral se baseia na reação de condensação entre aldeídos [145] com os


nucleófilos equivalentes à sintona [146]. O reagente [147], que corresponde à sintona
[146], pode ser preparado pela litiação seletiva do furano [148] com BuLi, seguido da
reação com brometo de benzila ou outros eletrófilos equivalentes.
Quando iniciamos esse projeto, o composto [148] era disponível comercialmente.
Mais tarde, sua produção foi descontinuada e passamos a trabalhar com o análogo derivado
da dietilamina. Para isso, o furfural [150] foi utilizado como material de partida e a síntese
realizada, conforme ilustrado na Figura 5.38.

H 2O 2, HCOOH O O
POCl3, Et3N Et2NH/Et2O
O O P Cl O P NEt2
O CHO N,N-dietiletanolamina O CH2Cl2, t.a. O O
CH 2Cl2, t.a. Cl NEt2
[150] [149] 46% [151]
[152] 26-45%
(não isolado)
Figura 5.38 – Síntese da fosforamida [152].

Embora o rendimento do produto [152] seja bastante variável e sua produção,


laboriosa e demorada, a disponibilidade de grande quantidade desse material permitiu levar
adiante o planejamento sintético inicial.
O primeiro estudante a trabalhar nesse projeto foi Alberto de Oliveira, que na sua
dissertação de mestrado descreveu a síntese de seis compostos análogos aos nostoclídeos a
partir da lactona [155] obtida, conforme indicado na Figura 5.39.
128

Li Ph Ph
O O O
n-BuLi PhCH2Br HCOOH
O P NMe2 O P NMe2 O P NMe2
O THF, -78 oC O O O O
NMe2 NMe2 NMe2

[148] [153] (não isolado) [154] [155]

Figura 5.39 – Síntese da benzil lactona [155], precursora de análogos aos nostoclídeos.

Posteriormente, o composto [155] foi convertido em vários análogos aos


nostoclídeos do tipo [157], conforme Figura 5.40.

Ph

O iv) ArCHO, TBDMSOTf (1.2 eq),


O TBDMSO O
Et3N (2.9 eq), DCM, rt 1 h; O
DBU (2 eq.), rt 3h.
R5 R1 [156a] 51%
Ph [156b] 5%
[156c] 6%
[155] R4 R2
R3

DBU

Ph

[157a] R1= R2= R4= R5= H; R3= NMe2 (71%, Z:E 4:1) H O
O
[157b] R2= R4= H; R1= R3= R5= OCH3 (23%, E )
[157c] R2= R3= R5= H; R1= R4= OCH3 (26%, Z ) R5 R1
[157d] R1=R2= R 3= R4= R5=H (42%, Z )
[157e] R1= R4= R5= H; R2= R3= OCH3 (10%, Z ) R4 R2
[157f] R1= R3= R4= R5= H; R2= Br (31%, Z ) R3
[157g]R 2= R3= R4= H; R1= R5= Cl (0%)

Figura 5.40 – Síntese de análogos aos nostoclídeos.

Em alguns casos, os intermediários da reação de condensação [156] foram isolados e


caracterizados, tendo sido necessário acrescentar mais DBU ao meio reacional e aquecer
por mais um período até a completa formação dos alquilidenos desejados.
Verificou-se que na maioria dos casos os isômeros Z foram obtidos exclusivamente
ou como produto majoritário.
129

Embora as reações tenham resultado nos produtos com baixo rendimento, nesse
ponto do projeto o objetivo principal era a produção de alguns análogos ao produto natural
para avaliação de seu potencial fitotóxico.
Com os compostos em mãos, foram realizados vários tipos de ensaios biológicos em
colaboração com o professor Blas Lotina, da UNAM.
As lactonas 157d e 157e foram as mais ativas, agindo como inibidores do crescimento
radicular da planta daninha Lolium multiflorum. Por outro lado, essas substâncias estimularam
o crescimento das raízes de Physalis ixocarpa. Ambos os compostos inibiram o fluxo de
elétrons (basal, fosforilar e desacoplados) de água para methylviologen (MV), em cloroplastos
isolados de espinafre. Os estudos mostraram que esses compostos atuam como inibidores da
reação de Hill, uma vez que inibem a síntese de ATP no processo de fotossíntese. De modo
geral, o padrão de substituição do anel benzilideno influenciou na atividade dos compostos,
cuja fitotoxicidade está associada à inibição do processo fotossintético.163
Em vista desses resultados promissores, o trabalho foi então continuado pelo meu
orientado de doutorado Robson Ricardo Teixeira, da UFMG.
Posteriormente, a estudante de mestrado Kamila A. P. Souza e a estudante de
iniciação científica Keyla U. Bicalho prepararam um nova série de compostos com o grupo
benzila ligado ao carbono 3 do anel lactônico substituído pelo grupo 3-clorobenzila. 164 Na
sequência, o estudante de mestrado Marcelo Eça Rocha preparou análogos contendo o
grupo 4-bromobenzila no carbono 3 do anel lactônico.
A partir do trabalho do estudante Marcelo, estabelecemos uma parceria com o
professor Giuseppe Forlani, da Universidade de Ferrara na Itália. Forlani realiou vários
estudos bioquímicos com essa nova série de compostos e mostrou que a presença de grupo
Br no anel benzila reduzia a atividade. Também ficou demonstrado que compostos mais
polares possuíam maior atividade. 165
Em vista desses resultados promissores, o trabalho foi então continuado pelo meu
orientado de doutorado Robson Ricardo Teixeira, da UFMG. Durante seu doutoramento

163
BARBOSA, L.C.A.; DEMUNER, A.J.; ALVARENGA, E.S.; OLIVEIRA, A.; KING-DIAZ, B.; LOTINA-HENNSEN, B.
Phytogrowth and photosynthesis-inhibiting properties of nostoclide analogues. Pest Management Science, v.62, p.214-
222, 2006.
164
BARBOSA, L.C.A.; DEMUNER, A.A.; MALTHA, C.R.A,; TEIXEIRA, R.R.; SOUZA, K.A.; BICALHO, K.U.
Phytogrowth activity of 3-(3-chlorobenzyl)-5-arylidenofuran-2(5H)-ones. Zeitschrift für Naturforschung. B, A journal of
Chemical Sciences , v.64, p.245-251, 2009.
165
BARBOSA, L.C.A.; ROCHA, M.E.; TEIXEIRA, R.R.; MALTHA, C.R.A.; FORLANI, G. Synthesis of 3-(4-
bromobenzyl)-5-(aryl methylene)-5H-furan-2-ones and their activity as inhibitors of the photosynthetic electron transport
chain. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v.55, p.8562-8569, 2007.
130

Robson preparou uma série maior de compostos análogos aos nostoclídeos com vistas à
realização de um estudo quantitativo estrutura-atividade biológica.
Nesse trabalho foram feitos estudos detalhados para tentar entender a seletidade da
reação de alquilidenação. Verificou-se que o favorecimento do isômero Z está em parte
asociado ao padrão de substituição da unidade derivada do aldeido. Aspectos estruturais e
teóricos foram então reportados.166,167 Esse trabalhou passou a contar com a colaboração do
professor Antônio Carlos Dorigueto da Universidade Federal de Alfenas na parte de
determinação estrutural por raios X. Estabelecemos também a partir desse momento uma
colaboração com o professor José Walkimar Carneiro, da Universidade Federal
Fluminense. Essa nova cooperação teve como objetivo nos dar suporte na parte de cálculos
computacionais com vistas ao desenvolvimento de estudos de QSAR.168,169
O trabalho de tese do estudante Robson resultou em várias publicações e resultou
na indicação de sua tese como sendo a melhor do Departamento de Química da UFMG no
ano de 2010.
Posteriormente, a estudante de mestrado Jodieh Santana Varejão preparou alguns
compostos incluindo unidades heterocíclicas na porção alquilideno, na tentativa e obter
compostos mais polares.170
A estudante de doutorado Patrícia Fontes Pinheiro trabalhou com o objetivo de
desenvolver um método para a introdução do grupo isopropila no carbono 4 do anel
lactônico e, assim, avaliar a influência dessa unidade estrutural sobre a atividade
biológica.171

5.5 Mais alguns resultados das pesquisas realizadas no LASA

Além dos projetos descritos até aqui, outros trabalhos ainda não publicados vêm
sendo desenvolvidos no LASA. Descreveremos de forma resumida dois desses projetos.

166
TEIXEIRA, R.R.; BARBOSA, L.C.A.; VAREIJÃO, J.O.S.; PILÓ-VELOSO, D.; DORIGUETTO, A.C.; DREW, M.G.B;
ISMAIL, F.M.D. Synthesis and structural characterizationof two nostoclide analogues. Journal of Molecular Structure,
v.837, p.197-205, 2007.
167
TEIXEIRA, R.R.; BARBOSA, L.C.A.; CARNEIRO, J.W.M.; RODRIGO, S.C.; ELLENA, J.; DORIGUETTO, A.C.
Synthesis, structural characterization and conformational aspects of nostoclide analogues. Journal of Molecular Structure,
v.927, p.1- 9, 2009.
168
BARBOSA, L.C.A.; TEIXEIRA, R.R.; GIUSEPPE, F.; VELOSO, D.P.; CARNEIRO, J.W.M. Synthesis of photosynthesis-
inhibiting nostoclide analogues. Journal of Agricultural and Food Chemistry , v.56, p.2321- 2329, 2008.
169
TEIXEIRA, R.R.; PEREIRA, P.F.; BARBOSA, L.C.A.; CARNEIRO, J.W.M.; FORLANI, G. QSAR modeling of
photosynthesis-inhibiting nostoclide derivatives. Pest Management Science, v.66, p.196-202, 2010.
170
BARBOSA, L.C.A.; VAREJÃO. O. S.J.; PETROLINO, D.; PINHEIRO, P.F.; DEMUNER, A.J.; MALTHA, C.R.A.;
FORLANI, G. Tailoring nostoclide structure to target the chloroplastic electron transport chain. ARKIVOC, p.15- 32, 2012.
171
BARBOSA, L.C.A.; MALTHA, C.R.A.; DEMUNER, A.J.; PINHEIRO, F.P.; VAREJÃO, J.O.S.; MONTANARI, R.M.;
ANDRADE, N.J. Síntese e avaliação da atividade antimicrobiana de furanonas halogenadas e de compostos análogos aos
nostoclídeo. Química Nova, v.33, p.2020-2026, 2010.
131

5.5.1 Uso do metabólito alternariol como modelo para o desenvolvimento de novos


herbicidas

O alternariol (Figura 5.41) é um metabólito isolado do fungo Alternaria alternata e


um dos compostos responsáveis pela necrose observada em plantas infectadas por esse
fungo (Figura 5.42).172

OH O

HO

H3C OH

[158] Alternariol

Figura 5.41 – Fórmula estrutural do alternariol.

A alta fitotoxidade apresentada pelo alternariol e por outros metabólitos secundários


semelhantes sugere possível utilização desses compostos como modelo para o
desenvolvimento de novos herbicidas.

Figura 5.42 – Necrose foliar conhecida como mancha-marron-de-alternaria (A e B); e


conídios do Alternaria alternata (C) (HUBBALLI et al., 2010).

Os estudantes de mestrado Guilherme Carvalho Geraldo, Cleiton Moreira da Silva


e Ana Cristina Mendes trabalharam na síntese de compostos análogos ao alternariol. Em

172
HUBBALLI, M.; NAKKEERAN, S.; RAGUCHANDER, T.; RAJENDRAN, L.; RENUKADEVI, P.; SAMIYAPPAN, R.
First report of leaf blight of noni caused by Alternaria alternate (Fr.) Keissler. J. Gen. Plant. Pathol., v.76, p.284-286,
2010.
132

todos os casos, a rota sintética mostrada na Figura 5.43 foi utilizada e várias dezenas de
compostos novos foram preparados.

R O R O
OMe
2(HO)B H OH
Pd(PPh3)4 OCH3 NaClO2 OCH3
R R
R1 R3 K2CO3, DMF, 80 ºC
R R1 R1
R3 R3
CHO
+
BBr 3
R Br
R=OMe, H

R O

R1 R3

Figura 5.43 – Estratégia geral para o preparo de compostos análogos ao alternariol [158].

Alguns dos compostos foram submetidos a ensaios biológicos para avaliar seu
potencial como inibidor da fotossíntese. Os resultados preliminares mostraram que alguns
são muito mais ativos que os nostoclídeos que descrevemos.
Esse projeto se encontra em andamento, e em breve alguns dos resultados serão
publicados.

5.5.2 Uso de rubrolídeos como modelo para o desenvolvimento de novos herbicidas

Os rubrolídeos, outros γ-alquilidenobutenolídeos descritos na literatura, são


estruturalmente semelhantes à cianobacterina. Muitos compostos análogos eles foram
isolados das espécies Synoicum blochmanni e Ritterella rubra. A Figura 5.44 apresenta
uma série de rubrolídeos de ocorrência natural.173

173
ORTEGA, M.J.; ZUBÍA, E.; OCAÑA, J.M.; NARANJO, S.; SALVÁ. J. New rubrolides from the Ascidian Synoicum
blochmanni. Tetrahedron, v.56, p.3963-3967, 2000.
133

HO
R Rubrolídeo A R4 = R2 = H; R1 = R3 = R5 = R = Br
Rubrolídeo B R4 = H; R1 = R3 = R5 = R = Br; R2 = Cl
R1
R2
Rubrolídeo C R4 = R1 = R = R2 = H; R3 = R5 = Br
Rubrolídeo D R4 = R3 = R5 = R2 = H; R1 = R = Br
H
O Rubrolídeo E R4 = R3 = R1 = R5 = R = R2 = H
O Rubrolídeo F R4 = Me; R3 = R1 = R5 = R = R2 = H
Rubrolídeo I R4 = R1 = H; R3 = R5 = R = Br; R2 = Cl
R3 Rubrolídeo J R4 = R1 = R2 = H; R3 = R5 = R = Br
R5 Rubrolídeo K R4 = R1 = R3 = H; R5 = R = Br; R2 = Cl
O
R4 Rubrolídeo L R4 = R1 = R = H; R3 = R5 = Br; R2 = Cl

Figura 5.44 – Alguns rubrolídeos de ocorrência natural.

Esse projeto, que corresponde a uma extensão dos trabalhos com os nostoclídeos, foi
iniciado pela estudante de mestrado Rosimeire Coura Barcelos, que utilizou a estratégia de
síntese ilustrada na Figura 5.45.
X
Br Br
Br 1) NaBH 4, MeOH, 0ºC Br PdCl 2 (MeCN) 2, AsPh 3
2) H 2SO 4, MeOH, 0ºC Ag 2O THF, 65ºC
O O Br
HO O 3) - MeOH X H3 C O
O
4) Recristalização
O O
X = H ou F

H3 C O B(OH) 2

X
CHO

Br
H3 C O 1) , TBDMSOTf, DIPEA, DCM

R
O O
2) DBU, refluxo

[159] Análogos aosR rubrolídeos


Análogos aos rubrolídeos

Figura 5.45 – Estratégia geral para o preparo de compostos análogos aos rubrolídeos
[159].

Os compostos inicialmente preparados pela Rosimeire foram avaliados pelo


professor Forlani e se mostraram potentes inibidores de fotosssíntese.
Os estudantes de doutorado Jodieh S. Varejão e Ulisses Alves estão atualmente
preparando novos compostos. O objetivo é a obtenção de uma diversidade de compostos,
visando à realização de estudos de correlação estrutura-atividade biológica.
Assim como no caso do alternariol, nesse projeto ainda não publicamos nenhum
resultado.
134

Capítulo 6

O pós-doutoramento em Oxford

No período de setembro de 2009 a agosto de 2010, realizei um estágio de pós-


doutoramento no Departamento de Química da Universidade de Oxford, Inglaterra. A
estadia foi financiada por uma bolsa do CNPq, que desde o período em que realizei o
doutoramento na Universidade de Reading tem financiado as pesquisas que tenho
coordenado.
Essa nova oportunidade de passar um ano no exterior foi muito produtiva em todos
os sentidos.
Depois de tantos anos após meu retorno do doutoramento, eu vinha me dedicando a
muitas áreas de atuação, conforme mencionado até aqui. Todos os trabalhos realizados
foram consequência das condições que encontrei na UFV no início da década de 1990 e
das oportunidades que fui aproveitando e criando. Nesse contexto, o LASA foi implantado
e consolidado com a colaboração de vários colegas. Assim, senti a necessidade de, um
pouco mais, redirecionar a pesquisa que vinha realizando e me atualizar em um centro de
excelência no exterior. Além disso, em 2008 eu estava envolvido com várias comissões,
incluindo: coordenador do Programa de Pós-Graduação em Agroquímica; presidente da
Câmara CEX da FAPEMIG; membro do Conselho Editorial da Editora UFV; e membro do
Conselho Técnico de Pós-Graduação da UFV. A viagem de um ano ao exterior me
permitiria concentrar exclusivamente no desenvolvimento de uma pesquisa, bem como
estabelecer novos contatos.
135

A escolha da instituição foi demorada e para isso avaliei possibilidades em muitos


países. Em 2007, realizei uma viagem em que visitei algumas instituições para avaliar e
decidi a opção que atenderia melhor a meus interesses.
Escolhi a Universidade de Oxford, na Inglaterra, e decidi trabalhar com o professor
Timothy J Donohoe, então Chefe do Subdepartamento de Química Orgânica. Indiquei o
professor John Mann meu ex-orientador e o pesquisado da Pfizer Abid Massod como
referências. Somente após receber as cartas de indicação é que o professor Donohoe me
aceitou no seu grupo.
Meu interesse era trabalhar em um projeto envolvendo a reação de metátese de
olefina, assunto que havia sido desenvolvido pelos pesquisadores Grubbs, Schrook e
Chauvin, contemplados com o Prêmio Nobel de 2005. Eu não possuía experiência nessa
área e estava interessado em desenvolver esse tipo de pesquisa na UFV. Essa seria também
uma oportunidade para que eu pudesse repensar as pesquisas que vinha realizando e
redirecionar meus projetos.
Como o CNPq não paga taxa de bancada para bolsistas de pós-doutorado, era
necessário que o projeto que eu viesse a desenvolver fosse também de interesse do
professor Donohoe, que arcaria com todas as despesas com reagentes.
Na área de metátese de olefinas, o professor Donohoe estava trabalhando no
desenvolvimento de novos métodos para o preparo de compostos heteroaromáticos. Ele
havia desenvolvido um procedimento para a síntese de piridinas polissubstituídas,
conforme ilustrado para a síntese de [6]
Embora os resultados publicados por Donohoe fossem inéditos e potencialmente
muito úteis para o preparo de piridinas, a substituição na posição 4 desse heterociclo não
havia sido conseguida.
Minha proposta de trabalho consistiu então em aplicar essa metodologia para a
síntese de um produto natural e, assim, comprovar a aplicabilidade da metodologia
desenvolvida por Donohoe.
136

O O
BnO Br OBn OBn
N HN Cl N
OMe OMe OMe
H Zn, THF Et3N, CH 2Cl2
O NH4Cl (aq) CH3 O 86% CH 3 O [3]
100%
[1] [2]
GH-II (5 mol %)
98% CH2Cl2, reflux

OTf O
O
ArNTf2, KHMDS DBU, THF OBn
N N
NH
OMe THF, -78 oC 94% OMe
OMe
70%
CH 3 O CH 3 O
CH3 O
[4]
[6] [5]

Mes N N Mes
Cl

Cl Ru
Cl N NTf 2
O
GH-II ArNTf 2

Figura 6.1 – Síntese de piridinas substituídas por meio de reação de metátese por
fechamento de anel (RCM – do inglês).

Como molécula-alvo, escolhi a estreptonigrina [7], uma substância isolada na década


de 1960, cuja estrutura foi elucidada por Robert Woodward.
A estratégia de síntese baseou-se na análise retrossintética mostrada na Figura 6.2.
Por essa estratégia, a síntese convergente estaria dependente do acoplamento entre as
unidades [11] e [10] para produzir [9]. Posterior acoplamento de [9] com [8] seguido de
desproteção da hidroxila fenólica e hidrólise do éster metílico deveria resultar no produto
desejado [7].
137

O
H3CO O O
O
A B H 3CO X N
N OCH 3
H2N N OH
C CH3
O H 2N N M AcHN
H2N CH3
O OP
[7] OH
D [8] [9]
OMe
OMe
OMe
OMe

O
H O M X N OCH3
O N OCH3 OP
AcHN CH 3
AcHN CH 3 OMe Y
OMe [10]
[12]
[11]
X, Y = Cl, Br, OTf

Figura 6.2 – Análise retrossintética da estreptonigrina [7].

A unidade [12], precursora de [10] deveria ser preparada utilizando-se a metodologia


desenvolvida por Donohoe.
O fragmento [8] poderia ser preparado de diversas maneiras, e uma das propostas
que fizemos é apresentada na Figura 6.3. O fragmento [11] deveria ser obtido a partir do
2,3-dimetoxifenol.
Ao iniciar o projeto, o professor Donohoe me questionou se eu poderia orientar a
estudante de mestrado Louise Walport, que havia se interessado pelo meu projeto. Assim,
concordamos que, enquanto eu trabalhasse na síntese dos anéis C-D, a Louise trabalharia
sob minha orientação para avaliar a proposta que eu havia feito, conforme apresentado na
Figura 6.3. Na realidade, eu havia feito outra proposta sintética que ela iniciou; todavia,
não apresentou sucesso.
138

O O
OCH 3
H 3CO H 3CO
H3 CO

H 2N N Cl N Cl
N Cl
O O
OCH 3
[8] [13]
[14]

OCH 3 OCH3 OCH3


H 3CO H 3CO

NH2 Cl O N O
H
OCH 3 OCH3

[17] [16] [15]

Figura 6.3 – Análise retrossintética para o fragmento [8] correspondente aos anéis A-B
da estreptonigrina.

Durante 10 meses trabalhei uma média de 12 horas por dia no laboratório. Na


maioria dos sábados e domingos também trabalhei. Ao final, consegui realizar a síntese
total formal da estreptonigrina, conforme mostrado na Figura 6.4. A fórmula do produto foi
confirmada por difração de raios X.
139

O
O i)crotyl bromide, Zn, HN
O MeOH, Py N
NH4Cl(aq), MeOH OCH3
OCH3 reflux, 5 h
O OCH3 r.t., 6 h
H H
ClH3N CH3 O
O O
90 mmol scale, LC3 (94.3%), 1g scale
excess aldehyde (69%, 5 g scale)
(99%)

O O H OCH3
DCM, TEA GI, 4 mol%, DCM O O DBU (1.4 eq),
r.t., 2 h O N
O N 55 oC, 87 h O N MeOH, 3h, r.t. O
OCH3 OCH 3
CH3 HG, 3 mol% CH3
5 mmol scale CH3
98% LC42.3 (99%)
LC13 (96.2%) LC13B (91.3%)
(5 mmol scale) (8 mmol scale)

HNO 3, 70%
H OCH 3 OCH3
H2SO4, conc. OCH 3
O N POCl3, Py, DMF Cl N Fe, HCl, MeOH
50 oC, 7 h O O 1.5 h, reflux Cl N
PhCl, O
O 2N CH3 120 oC, 6 h O 2N CH 3
H2N CH3
LC43 (82%) LC46 (79.8%)
LC49
(60%) - R173
100% - R177 (reflux 5 h)
OCH3
OCH3 Pd[Ph3P]4 (10 mol%), H3CO
CuI (20 mol%), OR
Br 2, CH 3CN Cl N
O Toluene, 110 oC, 13h. N
4.5h, r.t. N O
H2N CH3 OCH3
H2N CH3
Br
LC50 R174 (94% ) Br
R178 - LC 50 was formed
in 93% over 2 step s LC172 48% (0.1 mmol)
f rom LC46,

O
OCH3
H3CO
Pd(AcO)2 (25 mol%), H 3CO O
O
Lig (50 mol%), N
N N OCH3
Dioxane, Na2CO 3 N OCH 3
130 oC, 4.5 h. OCH3
O
CH3
CH3 H2N
H2N
O AgO, DCPNO O R
MeO B O R
O MeCH, H 2O
MeO O
R OMe 0 oC, 20 min OMe
LC99, R = MOM OMe
OMe
LC199.2, R = CH2Ph
LC187, R = MOM 58% LC192, R = MOM (48%)
LC206, R = CH2Ph 75% LC211.1, R = CH2Ph (40%)

Figura 6.4 – Esquema geral da síntese total formal da estreptonigrina (a numeração dos
compostos corresponde àquela apresentada em meu relatório final).

A experiência de voltar para a bancada foi excelente, pois nos últimos anos eu não
tinha essa oportunidade em função de tantos outros compromissos. No início, foi o desafio
de provar que eu seria capaz de desenvolver o projeto de forma satisfatória. O ambiente em
Oxford é extremamente competitivo, com alguns querendo chamar a atenção do chefe e
140

outros querendo se mostrar superiores. Toda semana participávamos de duas reuniões com
o grupo, e a cada quatro semanas apresentávamos para todo o grupo os resultados obtidos.
Diariamente, pouco antes das 18 horas, o professor Donohoe passava em cada capela e
perguntava individualmente sobre os resultados do dia.
Embora eu tenha começado esse projeto de síntese total do início, consegui em 11
meses de trabalho realizar a síntese com um menor número de etapas e maior rendimento
global que as sínteses descritas na literatura.
Tive que retornar ao Brasil sem completar a síntese total. Muitas das etapas que eu
havia realizado também poderiam ser otimizadas. A conversão do produto que obtive na
estreptonigrina envolveria apenas a inclusão do grupo amino no anel A e desproteção do
ácido e do fenol.
Em função dos excelentes resultados, o professor Donohoe resolveu não publicar os
resultados que eu obtive e passou o projeto para o doutor Christopher R. Jones, que havia
iniciado o pós-doutoramento no grupo. Christopher Jones tinha concluído o doutoramento
na Universidade de Cambridge.
Ao retornar, deixei uma lista de reações a serem realizadas com vistas à otimização
de algumas etapas. Após mais um ano de trabalho, o Dr. Jones conseguiu concluir a etapa
final e fez uma alteração na rota inicial que descrevi.
Finalmente, parte dos resultados obtidos por mim e por Cris Jones foi publicada no
JACS.174

174
DONOHOE, J.T.; JONES, C.R.; BARBOSA, L.C.A. Total synthesis of (±)-streptonigrin: de novo construction of a
pentasubstituted pyridine using ring-closing metathesis. Journal of the American Chemical Society, v.133, p.16418-
16421, 2011.
141

Capítulo 7

Cenário atual e perspectivas futuras


Tudo tem a sua ocasião própria, e há tempo para todo propósito debaixo do céu.
Há tempo de nascer, e tempo de morrer;
tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;
tempo de matar, e tempo de curar;
tempo de derrubar, e tempo de edificar;
tempo de chorar, e tempo de rir;
tempo de prantear, e tempo de dançar;
tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras;
tempo de abraçar, e tempo de abster-se de abraçar;
tempo de buscar, e tempo de perder;
tempo de guardar, e tempo de deitar fora;
tempo de rasgar, e tempo de coser;
tempo de estar calado, e tempo de falar;
tempo de amar, e tempo de odiar;
tempo de guerra, e tempo de paz.

(Eclesiastes 3)

Considerando o tempo disponível para redação e o objetivo a que este memorial se


destina, fiz uma apresentação focada em alguns aspectos principais de minha carreira
acadêmica, sem me deter, na maioria das vezes, em detalhes e projetos muitos específicos
e que não constituíam parte central de minhas ações.
Nesse sentido, relatei fatos referentes à minha própria formação, seguidos de minha
participação nas esferas de administração, extensão, no ensino de graduação e de pós-
graduação. De um modo geral, as informações foram apresentadas em uma linguagem que
varia do informal em alguns casos ao texto científico em outros pontos.
142

Depois de toda a apresentação, entendo ser imperioso fazer uma rápida avaliação
de minha trajetória e as consequências dos trabalhos realizados.
Fiz uma breve menção sobre a situação do Brasil e da UFV na década de 1990.
Naquela época, o Departamento de Química da UFV ainda não se destacava em termos de
pesquisas, exceto na área de bioquímica, que era a mais pujante. Isso inclusive resultou na
saída do DEQ do grupo de professores de bioquímica para constituir o Departamento de
Bioquímica e Biologia Molecular (DBB) no ano de 1995.
Com o crescimento ocorrido nas duas últimas décadas no Departamento de
Química, a área de química orgânica vem se consolidando, sendo hoje formada por um
grupo de oito professores. Desses, um trabalha exclusivamente com química de produtos
naturais e todos os demais, com síntese orgânica. Ou seja, a área de pesquisa que
implantamos no início da década de 1990 se consolidou e ainda se encontra em franca
expansão. O setor de Química Orgânica do DEQ-UFV é o único em que todos os docentes
estão envolvidos com pesquisa, sendo todos orientadores do programa de pós-graduação.
O grupo é coeso, e a grande maioria trabalha no LASA ou é associada a este. Dos
41 docentes do DEQ-UFV, apenas seis são bolsistas de pesquisa do CNPq, três dos quais
são associados à equipe do LASA.
Até o momento, dezenas de estudantes realizaram trabalhos de IC, monografia de
conclusão de curso, mestrado, doutorado ou pós-doutorado no LASA. Não temos uma lista
completa, mas os egressos de nosso grupo de pesquisa têm se destacado em diversas
atividades após sair desse laboratório. Muitos ex-alunos de IC realizaram mestrado em
outras instituições, enquanto egressos no mestrado continuaram sua formação em nível de
doutorado nas mais importantes universidades do Brasil. Com a implantação do doutorado
em Agroquímica, vários egressos do mestrado têm continuado sua formação na própria
UFV.
Diversos alunos que passaram pelo LASA tornaram-se docentes e pesquisadores
em outras instituições, implantando seus próprios grupos de pesquisa. Apenas para ilustrar,
cito, entre outros, os seguintes nomes: Gelson Conceição, professor livre-docente da USP;
Vanderlúcia F Paula, professora titular da UESB-BA; Patrícia Fontes, professora da UFES;
Vânia Valente, professora da UFV – Campus Rio Paranaíba; Maria Lúcia Ferreira,
pesquisadora da EMBRAPA; Cleber José da Silva, professor da UFSJ – Campus Sete
Lagoas; Juliana de Lana Passos, professora da UFES; Adilson Vidal Costa, professor da
UFES; Flaviano Silvério, professor da UFMG; e Robson Ricardo Teixeira, professor da
UFV.
143

Além da contribuição na formação de pessoal qualificado, a implantação de uma


linha de pesquisa que conta com grande número de professores significa que, mesmo após
o meu afastamento da UFV, essa semente que foi plantada deverá continuar dando frutos.
Isso tudo foi acompanhado de uma melhoria nas condições laboratoriais, aumento
do número de alunos de pós-graduação em Agroquímica, bem como do número de bolsas e
recursos para pesquisa.
A situação do Departamento de Química hoje na UFV é bastante diferente da de 20
anos atrás. Atualmente, o DEQ tem uma importante contribuição na área de ensino de
graduação, como também um papel central em muitas pesquisas realizadas na Instituição.
Do ponto de vista econômico, o Brasil avançou nessas duas últimas décadas,
ocupando hoje posição de destaque no cenário internacional. Isso tem afetado diretamente
as políticas de financiamento do ensino superior e de desenvolvimento de pesquisas. O
governo tem investido em novos projetos visando à internacionalização das universidades,
dando oportunidades aos jovens de complementarem suas formações acadêmicas no
exterior. No mundo em que vivemos, com as fronteiras cada vez mais estreitas em função,
em parte, do poderoso sistema de comunicação via internet, é essencial que esses jovens
pesquisadores aproveitem essas oportunidades para fazerem as pesquisas desenvolvidas no
País avançar a patamares ainda mais elevados.
O “Portal Periódicos” constitui-se em uma das grandes conquistas da comunidade
acadêmica brasileira. Por meio dele temos acesso a uma fonte inesgotável de informações
recentes. Isso nos coloca em situação de igualdade com qualquer pesquisador do
hemisfério norte.
Apesar desse cenário fascinante e promissor, ainda temos muito que avançar em
termos de financiamento da pesquisa. Por financiamento não me refiro ao aporte de
recursos, mas ao estabelecimento de novas políticas que venham facilitar um maior
desenvolvimento do País. Para isso é fundamental que sejam dadas oportunidades e criadas
condições para que os verdadeiros talentos de cada uma das diversas áreas do
conhecimento tenham o necessário apoio para se revelarem.
Acredito que estamos no caminho certo e que os jovens de hoje encontram
condições melhores que as de décadas atrás, o que lhes possibilita de colocar o Brasil em
posição de destaque na ciência mundial. Mas, para isso, é fundamental que todo o
desenvolvimento que venha ocorrer tenha como ponto focal a melhoria das condições de
vida do ser humano e do planeta Terra.
144

Nesse sentido, minha candidatura a uma nova posição acadêmica tem como meta o
estabelecimento de uma nova carreira, em que devo dar continuidade aos trabalhos que
venho desenvolvendo nas várias esferas de atuação docente. Como o Departamento de
Química da UFMG se constitui em um ambiente novo, com uma enorme possibilidade de
cooperações e com especialistas em muitas áreas da Química, antevejo que meu trabalho
deve extrapolar ao proposto no projeto de pesquisa apresentado no processo de inscrição.

Terminando, inspirado no Eclesiastes, eu diria que:

houve um tempo para começar;


agora é tempo de recomeçar em patamares mais elevados.
houve um tempo de fazer;
agora é tempo de refazer ainda melhor.
houve um tempo de produzir;
agora é tempo de repartir o que foi produzido.
houve um tempo de aprender com os mais sábios;
agora é tempo de repartir o pouco que sabemos.
houve um tempo de enxergar e aproveitar as oportunidades;
agora é tempo de agradecer por tudo que recebemos.

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