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A Essência da

Vida Espiritual
A Essência da
Vida Espiritual

Raul Branco

Editora Teosófica
Brasília - DF
Direitos Reservados à
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70.610-460 – Brasília-DF – Brasil
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Site: www.editorateosofica.com.br

Branco, Raul
B 816
A essência da vida espiritual / Raul Branco – Brasília:
Editora Teosófica, 2018.
256 p.

ISBN 978-85-7922-138-5
1. Espiritualidade. 2. Autoconhecimento.
II. Título
CDD 141

Revisão: Walter Barbosa e Zeneida Cereja da Silva


Diagramação: Reginaldo Mesquita - Fone (61) 3341-3272
Capa: Ana Paula Cichelero
Impressão: Grafika Papel e Cores - Fone (61) 3344-3101
E-mail: comercial@papelecores.com.br
Sumário
Apresentação......................................................................... 7
Prefácio............................................................................... 13

Parte I – Estabelecendo a base........................................ 19


1. A oportunidade.................................................. 21
2. O alfa e o ômega – a unidade............................. 27
2.1 Interdependência: corolário da unidade........31
3. Os fundamentos da manifestação....................... 39

P arte II – Os instrumentos operacionais....................... 49


4. A regra de ouro................................................... 51
5. O verdadeiro amor............................................. 57
5.1 A amorosidade de um “não”......................... 74
5.2 Amar as pessoas difíceis................................ 79
5.3 O valor do perdão........................................ 83
5.4 A alegria do serviço...................................... 89
6. A entrega a Deus................................................ 99
6.1 O ego - o oponente.................................... 103
6.2 O medo da entrega..................................... 111
6.3 A chave da entrega...................................... 115
7. O estudo.......................................................... 127
8. A purificação.................................................... 135
8.1 O bem que eu quero.................................. 143

Parte III – A vida espiritual.......................................... 153


9. “Vida espiritual” na prática............................... 155
9.1 Verdade, engano, manipulação................... 173
10. A meditação..................................................... 181
10.1 A meditação vipassana: estágios................ 188
10.2 A meditação no Cristianismo................... 192 
11. Práticas espirituais............................................ 197
11.1 Orientação para as práticas....................... 197
11.2 Preces, afirmações e invocações................. 201
11.3 A auto-observação.................................... 209
11.4 Promovendo a paz interior....................... 214
12. O ponto de inflexão ........................................ 221
12.1 A espiritualização da vida......................... 221
12.2 Nosso papel no plano divino.................... 236
12.3 Existe algum atalho?................................. 245
Lista de livros para facilitar o estudo sistemático
dos principais temas relacionados
com a vida espiritual.............................................................249
Apresentação

H
á vários tipos de escritores, dos mais eruditos e acadê-
micos, até os movidos por pura inspiração, o que tor-
na a arte da escrita na “magia” de converter ideias em
signos gráficos de maneira inteligível para o público. Cada um
manifestará suas qualidades desenvolvidas, para que sua obra
seja o “fruto mais suculento” de cada autor, na qual procura
expressar o melhor de si, numa síntese de suas ideias e, no caso
de temas espirituais, de seu aprendizado. Conceitos puramente
espirituais não podem ser expressos perfeitamente em palavras,
dizia Blavatsky. Por se tratar de pura abstração, qualquer defi-
nição mais objetiva dos conceitos espirituais torna-se também
um limitador, “rebaixando” a fonte da inspiração original para
o intelecto. Portanto, entendo que toda “verdade” espiritual tra-
duzida em palavras, a nossa linguagem humana, trata-se de fato
de “meias-verdades”, lembrando que a “descrição da coisa não é a
coisa em si”, como alertou Krishnamurti. Sendo assim, a teoria
nunca será suficiente para substituir a vivência prática, o contato
direto do experimento individual.
É neste sentido que o querido irmão Raul Branco nos traz
alguns importantes diferenciais. Primeiro, que sua abordagem
não se refere somente a teorias e erudição acadêmica, embora
este fator também esteja presente com precisão surpreenden-

7
te, já que ele é um excelente pesquisador. Na verdade, ele fala
principalmente da vivência, de conceitos práticos de aplicação
na vida do buscador. Para ele, espiritualidade não é algo even-
tual ou para rituais de fim de semana, pois tudo indica que
ele busca vivenciá-la diariamente em sua própria vida, em to-
dos os momentos, grupos ou situações em que esteja inserido.
Raul realizou e continua tentando realizar os experimentos que
propõe; não é um daqueles que simplesmente “aprendeu para
ensinar”, tornando-se um repetidor do que está nos livros, es-
quecendo-se de aplicar o ensinamento em sua vida. O “faça
o que eu digo, mas não faça o que eu faço” não faz parte de
seu vocabulário, já que manifesta o espírito que vivifica a letra
morta, dando sentido e vitalidade aos ensinamentos.
É possível observar e constatar os motivos que o levaram a
“escolher” atuar na linha de pesquisa e revitalização do Cristia-
nismo primitivo (ou teria sido escolhido?), o Gnosticismo ou
Cristianismo original do grande Mestre Nazareno, tão deturpa-
do e mal compreendido pelas instituições e grande público nos
dias de hoje. Eu ousaria dizer, justificando sua “escolha”, que
a causa é sua verdadeira essência, pois assim como seu Mestre
Jesus, Raul é filho ou “fruto” da compaixão, e aqui se encontra
outro diferencial importante que certamente se reflete em sua
obra, um “tempero adicional”, que faz toda a diferença.
Antes de ter a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente
nesta vida, várias pessoas haviam me comentado sobre como
ele era diferente dos outros palestrantes. Claro que é comum
cada um ter preferência por este ou aquele apresentador, con-
forme suas particularidades e afinidades, mas o que me cha-

8
mou atenção, com o tempo, é que quando se tratava do Raul
havia unanimidade, simplesmente todos que o conheciam ti-
nham profunda admiração e diziam ser especial estar em sua
presença. Quando finalmente tive a oportunidade de ouvi-lo
pessoalmente, logo percebi o elemento “extra” que tanto en-
cantava o público: Raul Branco fala com amor.
Amor e compaixão são elementos geralmente difíceis para
desenvolvermos em um nível perceptível e, mais ainda, de ma-
nifestar em nossas tarefas diárias. Não saberia dizer se é um
talento nato, ou fruto de anos de dedicação e estudo, provavel-
mente uma combinação de ambos, mas o fato é que este autor
manifesta estas qualidades em um nível muito mais intenso
e abrangente que a grande maioria. É assim também que ele
escreve, e os leitores mais sensíveis certamente serão capazes
de identificar este fato, provavelmente sendo cativados e ins-
pirados por esta grande alma que temos a oportunidade de
conhecer.
Por amor altruísta e como doação de si mesmo é que o au-
tor produz e disponibiliza esta obra, fruto de anos de pesquisa
e dedicação, aprendizado não somente teórico como prático.
O leitor pode ter certeza, de que tudo que é apresentado aqui,
todos os conceitos, foram testados em sua aplicação. Mais que
um livro, julgo que este seja mais um grande presente que re-
cebemos deste querido irmão na busca espiritual. Sua certeza
de que esta é uma ferramenta que poderá vir a auxiliar muitos
é tanta, que logo buscou auxílio para que a mesma pudesse
chegar ao máximo de buscadores, publicando a mesma em di-
versos formatos, PDF disponibilizado gratuitamente, e-book a

9
baixo custo e livro impresso, abrindo mão de qualquer retorno
financeiro que pudesse vir a ter.
Aqui é possível encontrar muito mais do que simples jogos
de palavras ou raciocínio lógico, embora a erudição do autor
seja inquestionável. Este manual, ou guia de vivência espiritu-
al focado na essência, traduz antigos ensinamentos para uma
linguagem atual visando facilitar o neófito do nosso tempo. O
livro, possuindo os elementos adicionais já citados, “magica-
mente” faz o conjunto se tornar algo maior que a simples soma
de suas partes, o que certamente fará toda a diferença em nosso
aprendizado.
Apresentando didaticamente conceitos de diversas fontes,
seu intento não é o de convencer e muito menos de “converter”
ninguém, para qualquer ordem ou crença específica, mas sim
de aliviar o sofrimento humano atacando sua “raiz”, a igno-
rância humana sobre sua própria natureza, origem e propósito
evolutivo. Tenho certeza de que esta é uma valorosa ferramen-
ta, que auxiliará cada leitor a dar um passo adiante ao “fazer
florescer” sua quinta-essência espiritual, possibilitando que
gere “frutos”. Sabemos que, uma vez a caminho do despertar,
podemos nos tornar multiplicadores desta realidade, auxiliares
da evolução, manifestando esta harmonia e amorosidade para
com todos os reinos, seja o humano, o animal, vegetal e até
mesmo o mineral.
De minha parte, fico profundamente honrado e sinto-me
privilegiado em participar da edição e auxiliar na divulgação
deste valoroso instrumento, vindo de uma pessoa tão querida
quanto o Raul, um Vacariano e, portanto conterrâneo de mi-

10
nha família paterna, que tive a oportunidade de conhecer nesta
vida. É aqui que me despeço, e desejo a todos uma excelente
leitura.

Charles A. Boeira

11
Prefácio

E
xistem inúmeras obras a respeito da Vida Espiritual, a
maior parte escritas por Grandes Iniciados ou pratican-
tes avançados de diferentes tradições.
Sendo assim, a preparação deste texto pode parecer uma
ousadia ou presunção, já que o autor não é um Iniciado, mas
somente um dedicado buscador que tenta, nem sempre com
sucesso, colocar em prática aquilo que aprende da extensa lite-
ratura sobre a vida espiritual e de praticantes mais experientes.
Porém, minha temeridade em escrever esse texto foi encorajada
por minha experiência ao longo dos anos.
Apesar de não ter nenhum dom psíquico, tenho verificado
que, quando peço ajuda ao Alto antes de fazer uma palestra ou
escrever sobre assuntos espirituais, essa ajuda me é dada na for-
ma de ideias-chaves que vão surgindo em minha mente como
se fossem meus próprios pensamentos. A ajuda não vem como
um “prato feito”, mas sim como os ingredientes que faltam
para realizar a tarefa. Verifiquei que isso era possível, poucos
anos após começar a “busca”, ao empreender o trabalho espi-
ritual mais difícil até hoje: a tradução do texto Pistis Sophia,
do inglês antigo, e sua interpretação. Esse texto é considerado
o mais esotérico e velado da tradição gnóstica. Creio que a in-
dicação de Jesus: “Pedi e vos será dado”, é especialmente válida

13
quando o pedido não é para proveito pessoal, mas para a capa-
citação de um trabalhador na seara do Senhor.
Minha motivação de levar adiante esse projeto arroja-
do foi a crença de que as experiências e frustrações de um
iniciante poderiam ser úteis a outros iniciantes na Senda.
Além disso, fui encorajado pelo ensinamento de Blavatsky
de que “O conhecimento aumenta na proporção de seu uso –
isto é, quanto mais ensinamos mais aprendemos”. Esse mesmo
ensinamento foi imortalizado no ditado de Cora Coralina:
“Feliz aquele que passa o que sabe e aprende o que ensina”.
Aspiro ardentemente aprender melhor, na prática, o que
compartilho na teoria.
Apresento aos leitores os ensinamentos que mais me toca-
ram daquela parte que conheço da literatura mundial sobre a
vida espiritual. Compartilho também as perplexidades que nós
iniciantes enfrentamos ao longo do Caminho. Talvez a mais
frustrante tenha sido que, após encontrar a Porta Estreita e,
com muita dificuldade, ter conseguido coragem e determina-
ção para abri-la, ver-me surpreendido pelo fato de que o “Ca-
minho” é muito mais apertado do que eu imaginava. Lembra-
-me do caminho do fio da navalha, mencionado pela tradição
hindu. Seguidamente, não consigo avançar por levar uma
“bagagem por demais volumosa”. Outra frustração tem sido a
constatação de que os itens mais volumosos da “bagagem” são
os apegos aos conceitos, às crenças e atitudes, mais do que o
apego às coisas materiais.
Procurei tornar a leitura do livro o mais light possível, di-
minuindo ao máximo as citações formais e o linguajar técnico

14
que tanta frustração causa aos neófitos. Na medida do possível,
coloquei as frases de impacto que aprendi em meus estudos e
vivências entre aspas, ainda que sem fazer citações completas
em notas de rodapé, fazendo o mesmo com os versículos bíbli-
cos citados.
Esse texto visa a oferecer os elementos essenciais para a
vida espiritual, em particular para os cristãos, mas que podem
ser úteis aos buscadores de outras tradições. Seu objetivo não
é abarcar todas as questões relacionadas com o tema, mas sim
identificar os elementos essenciais da teoria e, principalmente,
da prática, que assegurem o progresso do buscador na vida es-
piritual. Ainda que os elementos a serem apresentados possam
parecer simples – a verdade é simples – sua prática vai mostrar
sua profundidade.
Apesar das diferentes partes do livro formarem um conjunto
integrado, acredito que as considerações nos capítulos iniciais
sobre a regra de ouro, o verdadeiro amor e a entrega a Deus
sejam especialmente úteis, bem como os capítulos finais sobre a
prática da vida espiritual, o nosso papel no plano Divino e um
possível atalho para acelerar nosso progresso. Porém, considero a
parte relacionada com a espiritualização de todos os aspectos de
nossa vida diária como a questão menos conhecida dos neófitos
e com o potencial de ter o maior impacto na vida do praticante,
tanto dos iniciantes como dos buscadores mais avançados.
Desejo que todos os leitores, ao lerem e experimentarem
as sugestões práticas oferecidas, sintam a mesma alegria que eu
tive de escrever e desenvolver a disciplina para tentar manter as
práticas indicadas.

15
A seleção dos temas vem sendo feita ao longo dos anos
de meus estudos e, principalmente, de minhas palestras sobre
essas questões. A sua apresentação demandou várias revisões.
Felizmente tenho encontrado apoio em meus irmãos do Cami-
nho com os quais tenho compartilhado experiências valiosas.
Minha maior gratidão é para com minha principal ins-
trutora, minha esposa Marly Ponce Branco que, além de seus
muitos dons, é uma avançada praticante de Karma Yoga. Ela
tem sido um exemplo prático de vivência das lições mais pro-
fundas que ainda estou aprendendo. Sempre age como “mãezo-
na amorosa, eficiente e determinada” com todos seus familiares
que, conhecendo sua amorosidade e habilidade para resolver
problemas, sempre buscam sua ajuda e apoio. Seus colegas de
trabalho faziam o mesmo, tanto os mais humildes, como os
mais graduados do serviço público federal, assim como muitas
outras pessoas que a conhecem. Algumas qualificações e atitu-
des de praticantes avançados apresentadas no texto são descri-
ções de suas atitudes e (muitas) atividades na vida diária.
Outros companheiros de jornada contribuíram direta-
mente com importantes sugestões sobre a forma, o estilo e con-
teúdo do texto, como meus amigos Walter da Silva Barbosa,
experiente e dedicado jornalista, escritor e conferencista sobre
a Tradição-Sabedoria que, além de revisar todo o texto ofereceu
várias sugestões importantes sobre seu conteúdo, especialmen-
te nos temas referentes à tradição budista e à Prática da Auto-
-Observação; Fernando Antônio Mansur Barbosa, conhecido
radialista, palestrante, escritor e membro da Sociedade Teosó-
fica, que ofereceu muitas contribuições sobre o conteúdo e a

16
apresentação do texto; e Simone Pitta, dedicada e amorosa pes-
quisadora e conferencista sobre a vida espiritual, que procura
vivenciar o que ensina, ofereceu várias sugestões, em particular
os exemplos práticos sobre a espiritualização da vida. As contri-
buições destes três irmãos generosos enriqueceram a tal ponto
a obra que podem ser considerados como coautores, porém,
sem nenhuma responsabilidade pelos erros que porventura o
texto contenha. Agradeço também o apoio e encorajamento
dos queridos irmãos Régis Alves de Souza e Sérgio Fernandes,
que leram a primeira versão do texto.

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Parte I

Estabelecendo
a base
1. A oportunidade

A
s pessoas mais sensíveis e observadoras sentem, há
algum tempo, que o mundo está passando por uma
mudança. Mas até o homem comum está perceben-
do que o PLANETA está mudando, não só no clima, mas na
vibração, nas expectativas e atitudes das pessoas. Um número
crescente de homens e mulheres, em meio à “luta pela sobrevi-
vência”, sente que o mundo exterior, que tanto nos atrai, não
mais satisfaz inteiramente os anseios mais íntimos do coração.
Mais cedo ou mais tarde, descobrem que o elemento que falta
é a dimensão espiritual. Para muitos esse é o começo da grande
virada, o início da busca espiritual.
Essas pessoas, abençoadas com diferentes intensidades de
insatisfação espiritual, começam então a buscar o que sentem
estar faltando para alcançar seu senso de realização, plenitude,
paz e felicidade. Para muitos, a busca inicial pode não ser es-
tritamente por um propósito espiritual. O sofrimento devido
a problemas com a saúde própria ou de um ente querido pode
ser o motivo de muitos. Outros podem estar abalados com a
perda de uma pessoa amada, seja pela morte ou por uma sepa-
ração. Nesses casos o “buscador” tende a procurar alívio para
a sua dor. Geralmente passam a buscar ajuda em instrumentos
externos, como curadores, instrutores, profissionais de coa-
ching ou grupos de autoajuda.

21
Essa primeira etapa será útil para mostrar ao sofredor que
dispomos de maneiras, ao nosso alcance, para superar o so-
frimento. Essa pode ser a primeira oportunidade que tiveram
para se dar conta de que existem diferentes dimensões e pla-
nos da natureza com seus respectivos “habitantes” dotados de
energias que lhes são próprias, mas que podem ser direcionadas
para o nosso benefício. Chegará o momento em que entende-
rão que o auxílio exterior foi muito útil na etapa de dor intensa
pela qual passaram. Porém, que a verdadeira busca espiritual
demanda um processo de autotransformação. Nele os auxilia-
res externos são importantes “atores coadjuvantes”, mas que ele
mesmo, o buscador, deve ser o ator principal do drama de sua
“busca espiritual”.
Porém, quando a pessoa realmente começa a “busca”, soa
o alarme instalado pelo “oponente” da alma. O ego é avesso às
mudanças, especialmente as que estão relacionadas com a busca
espiritual. Esse “inimigo da alma” sabe que a melhor maneira
de anular o interesse espiritual não é combatê-lo diretamente,
mas diluí-lo ou redirecioná-lo para objetivos secundários de tal
forma que o interesse inicial venha morrer de inanição.
A mente do buscador começa então a investigar tudo o que
encontra na literatura de seu grupo ou instituição e também das
grandes tradições. E essa literatura é vasta. Depois de algum tem-
po de muita leitura, o entusiasmo do neófito começa a arrefecer.
Ele sente que nunca vai dar conta de ler e realmente entender Os
Vedas e os Puranas, a Bhagavad-Gitā, os Yoga-Sūtras de Patañjali,
a literatura sobre a Cabala, as obras dos místicos, os textos gnós-
ticos e A Doutrina Secreta, para mencionar algumas obras mais

22
conhecidas, sem contar com as obras de sua própria linha ou
tradição. Enfim, a lista é longa e o tempo é curto. Quando não
encontram um verdadeiro instrutor espiritual, ou uma institui-
ção de apoio séria, acabam desistindo.
Os buscadores mais determinados e maduros, com um in-
teresse natural pela leitura e os estudos, enfrentam outro desa-
fio. Depois de muitos anos de pesquisas, os mais determinados
e talentosos seguidamente se deixam iludir, acreditando que o
conhecimento intelectual da literatura é sinônimo de progresso
espiritual. Não é raro encontrarmos “enciclopédias ambulantes”
sobre a literatura espiritual, que se tornam líderes de grupos, mas
que, cedo ou tarde, passam pela frustração de ver esses grupos se
dispersarem na medida em que os participantes descobrem que
o discurso e a prática de seus orientadores são coisas diferentes.
Erudição não é sinônimo de espiritualidade. A mera erudição
é equivalente a uma decoração intelectual da personalidade. É
linda para ver e ouvir, mas não satisfaz o coração do buscador
sincero. Um texto clássico do Budismo esotérico esclarece: “A
falsa erudição é rejeitada pelos Sábios e espalhada aos ventos pela
boa Lei, cuja roda gira para todos, humildes e soberbos. A ‘Doutrina
do Olho’ é para a multidão, a ‘Doutrina do Coração’, para os eleitos.
Os primeiros repetem orgulhosos: ‘Vejam, eu sei’; os últimos, os que
humildemente têm colhido, em voz baixa, confessam: ‘assim ouvi’.”1
O conhecimento da literatura espiritual deve ser um ins-
trumento para orientar e facilitar a prática. Vida espiritual é
sinônima de mudança interior. A mudança requer uma práti-

Blavatsky, H. P. A Voz do Silêncio. Brasília: Ed. Teosófica, 2012, versículo 119.


1

23
ca devidamente orientada para superar os condicionamentos
desenvolvidos ao longo de muitos anos, ou mesmo de muitas
vidas. Algumas tradições espirituais e instituições sérias ofere-
cem uma metodologia consagrada pelo tempo, com práticas
sequenciadas visando a promover as mudanças necessárias nas
atitudes e condicionamentos do buscador.
Na tradição cristã, infelizmente o buscador leigo não en-
contra com facilidade uma prática sistemática devotada à vida
espiritual. A obra, Imitação de Cristo, atribuída a Thomas à
Kempis, cônego regular alemão do século XV, tem servido de
orientação principalmente nos mosteiros católicos. Imitação de
Cristo é uma obra clássica da “via negativa”, que prega instru-
ções radicais, tanto de atitudes como de práticas supostamente
visando à purificação. Os místicos geralmente encontram nos
mosteiros vasta literatura bem como orientadores experientes,
sendo que os mais avançados conseguem receber as orientações
necessárias diretamente de seu Mestre interior durante suas
práticas de contemplação.
Mas o buscador leigo sente-se frustrado, pois as igrejas es-
tão orientadas para oferecer condições e instruções para a vida
devocional e não para a vida espiritual. Ao cristão é ensinado
que o importante é CRER que Jesus morreu na cruz para salvar
todo bom cristão. E quem é um bom cristão? Aquele que crê
nas doutrinas e nos dogmas da Igreja, que obedece ao clero, vai
à missa ou ao culto semanal e não se esquece de pagar o dízi-
mo. Se ele ou ela for um bom fiel ou crente, sua salvação já está
garantida. Para que, então, preocupar-se com uma suposta
“vida espiritual”?

24
Não é de se estranhar que milhares de buscadores de
origem cristã acabem procurando em outras tradições, es-
pecialmente no Yoga, no Budismo, no Hinduísmo, na Ca-
bala e na Teosofia as orientações que estão procurando e
não encontram em sua própria tradição.
A primeira etapa de nosso projeto será identificar o funda-
mento existencial da vida, o Alfa e o Ômega da manifestação,
que é a Unidade. A busca desta vivência é a essência da vida
espiritual. Em seguida, vamos procurar identificar As Leis da
Manifestação e o que está por trás do Grande Processo, a Fonte
de Tudo o que existe. Sugerimos também um entendimento
para um assunto de grande interesse para todo cristão, ou seja,
o mistério relacionado à natureza do Filho de Deus, o Cristo.
A seguir, serão apresentados, juntamente com suas implica-
ções, os cinco fundamentos operacionais da vida espiritual: (1)
a regra de ouro; (2) o verdadeiro amor; (3) a entrega a Deus;
(4) o estudo; e (5) a purificação. Encerraremos com algumas
considerações sobre a vida espiritual na prática, incluindo a
meditação e outros exercícios espirituais, bem como sugestões
de como os verdadeiros aspirantes podem transformar o chum-
bo das ações rotineiras – e muitas vezes enfadonhas – da vida
diária em pepitas de ouro da vida espiritual.

25
2. O alfa e o ômega
– a unidade

O
embasamento de toda vida espiritual é a UNIDADE.
Ela é a fundamentação de toda a manifestação, o Alfa
e o Ômega da Grande Jornada, pois ela é conhecida,
ou melhor, vivenciada no início do processo da manifestação
e, depois de esquecida por um período incomensurável pela
humanidade, volta a ser vivenciada ao término do processo.
Por essa razão, muitas tradições falam do ‘Voo da Alma’, A
LONGA JORNADA DA CONSCIÊNCIA, que se inicia com o
processo involutivo, durando longas eras.
Nessa jornada, a consciência vai descendo para planos cada
vez mais densos, até chegar ao “fundo do poço”, o ponto mais
baixo do processo, em que ela é simbolicamente aprisionada
numa “tumba de rocha”. A partir de então, começa a etapa
evolutiva, durando também longas eras, até que a consciência
seja inteiramente liberada do jugo da matéria, para voltar a
atuar nos níveis mais sutis do Espírito. Na tradição cristã, este
processo é apresentado, de forma alegórica, como a Parábola
do Filho Pródigo e, com mais detalhes, nos documentos apó-
crifos no Hino da Pérola e em Pistis Sophia.
No início do processo da manifestação e ao término
deste, prevalece a consciência da unidade, quando só existe

27
a consciência do ABSOLUTO, da VIDA UNA, que chama-
mos de DEUS, A FONTE ou o TODO. O início do pro-
cesso da manifestação envolve a diferenciação da substância
divina em espírito e matéria (apresentado de forma simbó-
lica, no início de Gênese, como a criação do céu e da terra),
permitindo, a partir de então, a criação da multiplicidade
de formas existentes em todos os planos no universo. Como
parte do processo, numa determinada etapa, as formas indi-
viduais perdem a consciência da unidade com sua Fonte e
com todas as outras formas e expressões da Vida Una.
O objetivo do processo evolutivo para o ser humano é
resgatar a CONSCIÊNCIA de sua verdadeira natureza divi-
na, que está, sempre esteve e estará unificada no TODO, na
FONTE, em DEUS. Portanto, a vida espiritual visa a criar as
condições apropriadas para que A CONSCIÊNCIA do ser hu-
mano seja elevada progressivamente de seus veículos inferio-
res para sua natureza superior, que é a Trindade Divina. Esse
processo é extremamente longo em virtude da forte identifi-
cação da consciência com seus veículos de manifestação. Ao
longo desse processo, o homem passa a acreditar na ilusão
de que ele É o corpo, em vez da realidade de que TEM um
corpo. Outra ilusão relacionada é a crença de que TEMOS
uma alma, em vez da realidade de que SOMOS a alma que
usa um corpo.
Não é difícil o conhecimento intelectivo que nos per-
mite entender que Deus está em tudo, em todos, em toda
parte e para todo o sempre. Deus é a Vida Una: está presente
em todas as coisas, em cada situação e a todo o momento.

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A grande dificuldade é vivenciar a unidade e passar a viver
com total consciência de que tudo ao nosso redor é uma ex-
pressão de Deus e também uma extensão de nós mesmos. É
sentir uma profunda empatia por todos os seres E AGIR DE
ACORDO. É ver a face de Cristo em todos os seres.
Podemos dizer que a consciência da unidade equivale a
uma nova visão que muda de forma drástica as percepções
do ser humano. Uma vez tendo superado o que é referido
como a heresia da separatividade, o homem transforma ra-
dicalmente suas atitudes e comportamento. Em vez de sua
usual atitude egoísta e defensiva, ele passa a considerar o
outro como um irmão, que precisa de sua atenção, apoio,
proteção e orientação.
O grande desafio de toda a humanidade que ainda não
despertou para a realidade última é perceber que existem duas
forças ou tendências fundamentais no universo. Uma é a força
do amor, que está constantemente se doando e procurando se
libertar das limitações do pequenino eu. A outra é o princípio
egocêntrico separatista que governa a maior parte da humani-
dade no estágio atual, e por isso gera o medo.

“A transição do isolamento egocêntrico para o estado de


união com tudo é o passo mais importante no caminho
da evolução de uma entidade espiritual individual.
Quando vocês vislumbram pela primeira vez um novo
estado de ser, vocês sentem uma impressão de libertação
dos muros confinantes do egocentrismo. Sentem um ob-
jetivo mais importante na vida, na sua vida, em toda

29
forma de vida. Compreendem o objetivo de todas as
experiências, as boas e as ruins, e valorizam-nas de um
ponto de vista completamente diferente. Sentem, no
fundo do coração, a união com todos os seres e perce-
bem a importância dos objetivos deles, bem como dos
seus. Uma nova alegria e sensação de segurança toma-
rão conta de vocês como nunca.”2

Cientes de que a consciência da unidade cria um novo


patamar no processo evolutivo do ser humano, os instruto-
res espirituais procuram facilitar essa conquista àqueles que
buscam suas orientações. No inovador processo de trans-
formação interior de Um Curso em Milagres, a aceitação da
“expiação” é apresentada como sendo um divisor de águas
para o buscador. No entanto, o conceito de expiação uti-
lizado no Curso é inteiramente diferente do preconizado
pelas igrejas cristãs. A expiação é apresentada como sendo a
“aceitação da realidade de que o Filho de Deus jamais foi se-
parado nem poderá ser separado de sua Fonte, o Pai Celestial”.
Com isso, a “aceitação da expiação” promove uma imensa
transformação na consciência do devoto. Ele não mais pre-
cisa ter sentimentos de culpa por seus “pecados”, pois na
verdade não existem pecados (cujo preço é a morte), mas
sim “erros”. Os erros podem ser corrigidos. Afinal, DEUS É
AMOR E NÃO QUER CASTIGAR seus filhos bem amados,
mas simplesmente corrigi-los para que eles, tendo cumprido

PIERRAKOS, Eva e THESENGA, Donovan. Entrega ao Deus Interior. São Paulo: Ed.
2

Cultrix, 1997. p. 77.

30
com sua missão neste mundo, retornem o mais rápido pos-
sível à Casa do Pai.
Com esta nova interpretação da “expiação”, o ser huma-
no pode se libertar do terrível sentimento de culpa, com seu
consequente medo do castigo que o Deus de amor supos-
tamente reserva para os pecadores. Pecado, culpa e medo, a
trilogia da negatividade, que por tantos séculos “infernizou”
a cristandade, não mais terá o poder de aprisionar as mentes
dos cristãos. Não só o medo é dissipado, mas a certeza de
que jamais fomos e jamais seremos separados do Pai Celestial
passa a governar nossa mente e tranquilizar nosso coração. É
bem verdade que esse conhecimento por um bom tempo será
teórico. Mas chegará o dia em que o buscador, não mais blo-
queado pela “propaganda enganosa” da separatividade propa-
lada pelo ego, conseguirá expandir a sua consciência além da
mente separativa e vivenciar a experiência direta da unidade,
que é o estado de consciência do Reino dos Céus.

2.1 A interdependência: um corolário


da unidade
A vivência permanente da unidade, ou da união com Deus
– que é a mesma coisa – é aceita de forma quase unânime pelas
diferentes tradições espirituais como o objetivo último para o
ser humano. No entanto, essa meta permanece um conceito
abstrato e distante para a maioria dos buscadores. Existe, po-
rém, um corolário da unidade que oferece um apoio bastante
prático para todos os que procuram trilhar o caminho espiri-

31
tual. Trata-se do conceito da interdependência. Como toda a
manifestação é uma totalidade, o corolário ou consequência
natural da unidade é que tudo deve estar não só conectado,
mas deve ser interdependente.
Vamos começar por algo com o qual temos bastante fami-
liaridade, o nosso corpo físico. Os biólogos e médicos nos dizem
que nosso corpo é um organismo maravilhoso. Nele, não só seus
sistemas e órgãos, mas até mesmo suas diminutas células e outros
inumeráveis micro-organismos estão intimamente interconecta-
dos e são interdependentes. A constante intercomunicação de
todas as partes facilita a ativação de mecanismos de compensa-
ção sempre que ocorre um desequilíbrio numa parte do organis-
mo. Tudo é interdependente: o leigo fica maravilhado com a li-
gação do sistema digestivo, com o sistema circulatório, o sistema
endócrino, o excretor e seus inumeráveis órgãos. Por exemplo,
um abuso numa refeição demandará vários ajustes, que serão
efetuados com mais eficiência do que os mecanismos com os
quais as multinacionais respondem às mudanças do “mercado”.
Procuremos examinar brevemente três níveis de interde-
pendência que afetam a vida do ser humano: o nível físico, o
nível emocional e mental, que tendem a agir de forma conjun-
ta e, finalmente, o nível espiritual.
A interdependência em nível físico vem sendo estudada
pelos cientistas nos últimos séculos, resultando na formulação
do conceito fundamental da ecologia, que é a “teia da vida”.
Os estudiosos verificaram que as agressões ao meio ambiente
estão recrudescendo no último século, com o rápido aumento
da população, a aceleração do processo de industrialização e a

32
resultante crescente demanda por matérias-primas industriais
e produtos agrícolas. Com isso, as atividades econômicas da
humanidade já estão afetando a qualidade do meio ambiente e
ameaçando de extinção a várias espécies de fauna e flora.
A consequência desse processo é que o gênero humano
está começando a sentir suas consequências, como o efei-
to estufa que, por sua vez, está causando uma aceleração no
aquecimento global. Esse lento aumento na temperatura média
da Terra prossegue, em que pese a exacerbação dos crescentes
extremos de temperaturas, tanto no verão como no inverno,
com implicações para o regime de chuvas, também com novos
extremos. A lição da interdependência, nesse caso, é que “todo
abuso terá consequências”. A família humana continua sendo
lenta em comprovar as consequências de seus abusos com re-
lação ao meio ambiente, em particular as lideranças políticas
voltadas para os interesses mais imediatos dos grandes grupos
econômicos. Desta forma, vai se tornando cada vez mais difí-
cil reverter, enquanto é possível, a tragédia que os estudiosos,
comprometidos com o bem estar da humanidade, vislumbram
para um futuro não muito distante.
Felizmente todo organismo vivo tem um profundo “instinto
de conservação”, seja ele nosso planeta Terra (Gaia), a raça huma-
na ou mesmo as distintas espécies em “perigo de extinção”. Esse
instinto de conservação levou a raça humana a desenvolver as cir-
cunstâncias favoráveis para que há poucas décadas fosse criado um
movimento de grande importância para a sobrevivência da vida
humana. Trata-se do movimento de preservação do meio ambien-
te que, mais tarde, apresentou o importante conceito de nature-

33
za espiritual da “Ecologia Profunda”. Nasceu da preocupação de
um número de ativistas com a progressiva deterioração do meio
ambiente em várias partes do mundo. O movimento continuou
crescendo em número de ativistas e na abrangência de seu traba-
lho. Passou a levar em consideração não só a preservação do meio
ambiente, mas a interdependência de toda a teia da vida, com suas
óbvias implicações para a continuidade da existência da família
humana, dependente como é do ecossistema.
O movimento nasceu com a sincera preocupação de um
número relativamente pequeno de “visionários” que, com seu
trabalho inicial de “formiguinhas”, foi crescendo e convencen-
do mais e mais indivíduos, empresas, organizações não gover-
namentais e, finalmente, governos, até tornar-se um grande
agente internacional que está ajudando a mudar o mundo.
A interdependência em nível mental/emocional vem sen-
do observada por psicólogos, médicos e outros estudiosos do
comportamento humano. O corpo humano, como o meio am-
biente, pode absorver certo nível de abuso, mas não um abuso
sem limites na intensidade e no tempo. Os excessos na alimen-
tação, bebidas, drogas, exercícios, etc., seja em níveis bem aci-
ma ou muito abaixo dos níveis recomendados pelos estudiosos,
invariavelmente resultam em desequilíbrios na saúde.
O mesmo ocorre com a “qualidade” de nossos pensamen-
tos e emoções. Pensamentos reforçados por sentimentos de ira
e ódio, bem como de tristeza e depressão, rancor e culpa, es-
tão alimentando cada vez mais a deterioração da saúde mental
do homem moderno. As perspectivas são tão negativas que as
autoridades mundiais da saúde pública estimam, para a sur-

34
presa do leigo, que a depressão será o principal mal do século
XXI. No entanto, verificamos que todos esses males podem ser
revertidos por cada ser humano que decida fazê-lo. O instru-
mental para a necessária mudança está disponível. Felizmente,
um número crescente de pessoas está se conscientizando que é
possível mudar e está mostrando como fazê-lo.
A interdependência também ocorre em nível espiritual. A
progressiva melhoria nos níveis educacionais da população, em
quase todos os países, está produzindo mudanças significativas
no comportamento das massas no que diz respeito à atitude para
com a religião. Por um lado, verifica-se uma crescente alienação
de membros de certos cultos tradicionais que enfatizam a parti-
cipação passiva em rituais. Por outro lado, as instituições, cultos
ou igrejas que visam a promover a autotransformação de seus
membros estão crescendo rapidamente. Para que haja uma ver-
dadeira mudança interior, o indivíduo precisa participar ativa-
mente do processo. Na verdade, ele deve tornar-se o pivô do pro-
cesso, com as instituições agindo como elementos facilitadores.
Em alguns países europeus, um número crescente de igre-
jas tradicionais está sendo vendido devido à redução drástica
na frequência de seus antigos membros, diminuindo com isso
sua renda e a capacidade de manutenção dessas imponentes
construções. Por outro lado, outras igrejas e instituições, que
promovem a autotransformação, ou pelo menos a participação
ativa de seus membros em suas atividades, estão sendo estabe-
lecidas. A Lei de Causa e Efeito está atuando de forma cada
vez mais clara. As instituições, cujos programas promovem um
sentimento de paz e harmonia entre seus membros, continuam

35
a crescer. No entanto, a credibilidade das instituições religiosas
continua sendo afetada pelas tradicionais incoerências de seus
líderes que pregam uma coisa, mas fazem outra, como os fari-
seus no tempo de Jesus.

“A religião se perverte quando ensinada por pessoas não


iluminadas. Não é bom fiar-se num diploma obtido em
escolas de teologia: os livros não podem dar a Iluminação.
Pode-se estudar as escrituras, filosofia, história – pode-se
ser versado em teologia, dogmas e doutrinas e fazer ser-
mões maravilhosos – e, no entanto, permanecer ainda
como crianças no que tange à vida espiritual. A fim de
transformar a vida das pessoas é preciso primeiro acender
a sua própria candeia”.3

A humanidade é uma grande família. Um sentimento pro-


fundo está se disseminando de que nossa missão neste mundo
é ser feliz, porém ser verdadeiramente feliz e não meramente
“curtir a vida” material em vãos prazeres. Ao mesmo tempo,
uma crescente conscientização está permeando entre os novos
“buscadores” de que cada ser humano é responsável por sua
própria felicidade ou sofrimento, e que essa responsabilidade
não pode ser transferida para um Deus distante ou instituições
religiosas desacreditadas.
A ação de todos esses níveis de interdependência está pro-
duzindo uma verdadeira revolução no comportamento huma-
no. Por um lado, com o acirramento dos problemas resultantes
PRABHAVANANDA, Swami. O Sermão da Montanha Segundo o Vedanta. São Paulo: Ed.
3

Pensamento. p. 41-2.

36
das atividades de certos grupos extremistas alienados da po-
pulação, mas, por outro lado, com o despertar de um crescen-
te senso de responsabilidade em grupos que se voltam para o
interior, para o coração, em busca de inspiração. Essa exacer-
bação dos extremos parece ser o resultado da Lei do Karma,
mostrando que aos que despertam para uma consciência ini-
cial da unidade, expressa por meio da interdependência, mais
energia será dada a esses movimentos, enquanto aos alienados
da realidade última, a pouca energia que possuem é dissipada
em movimentos destrutivos. Esse processo parece ser indicado
de forma velada ao final da parábola dos talentos: “Pois a quem
tem, mais lhe será confiado, e possuirá em abundância. Mas a
quem não tem, até o que tem lhe será tirado”. Podemos ser oti-
mistas. Assim como no passado as crises foram responsáveis
pelo aparecimento e atuação de líderes inspirados – que bus-
caram a mudança necessária para superar os problemas que a
sociedade enfrentava no seu tempo – também agora a natureza
divina do ser humano está se fazendo sentir numa crescente
onda de busca da verdadeira vida espiritual.

37
3. Os fundamentos da
manifestação

T
odas as grandes tradições naturalmente partem do
pressuposto de que a vida espiritual se baseia nas gran-
des leis universais. Diversas formulações dessas leis são
apresentadas por diferentes tradições. Uma das mais famosas
remonta aos tempos do Antigo Egito, tendo sido formulada
pelo grande sábio conhecido como Hermes Trismegistus, o três
vezes grande, que indicou a existência de sete grandes Leis ou
Princípios:

1. A Lei do Mentalismo – “O Todo é Mente; o Universo


é mental.”
2. A Lei da Correspondência – “O que está em cima é
semelhante ao que está embaixo, e o que está embaixo
é semelhante ao que está em cima. O que está dentro é
semelhante ao que está fora, e o que está fora é seme-
lhante ao que está dentro.”
3. A Lei da Vibração – “Nada está parado; tudo se move;
tudo vibra.”
4. A Lei da Polaridade – “Tudo é Duplo; tudo tem pólos;
tudo tem o seu oposto; o igual e o desigual são a mes-
ma coisa; os opostos são idênticos em natureza, mas
diferentes em grau; os extremos se tocam; todas as ver-

39
dades são meias-verdades; todos os paradoxos podem
ser reconciliados.”
5. A Lei dos Ciclos – “Tudo tem fluxo e refluxo; tudo
tem suas marés; tudo sobe e desce; tudo se manifesta
por oscilações compensadas; a medida do movimento à
direita é a medida do movimento à esquerda; o ritmo é
a compensação.”
6. A Lei de Causa e Efeito – “Toda Causa tem seu Efeito,
todo Efeito tem sua Causa; tudo acontece de acordo
com a Lei; o Acaso é simplesmente um nome dado a
uma Lei não reconhecida; há muitos planos de causali-
dade, porém nada escapa à Lei.”
7. A Lei do Gênero – “O Gênero está em tudo; tudo tem
o seu princípio masculino e o seu princípio feminino; o
gênero se manifesta em todos os planos.”4

A Lei de Causa e Efeito será examinada extensamente no


capítulo seguinte, como a regra de ouro, na forma didática
apresentada por Jesus para seus seguidores na Palestina há cer-
ca de dois mil anos.
Mas será útil mencionarmos a Lei dos Ciclos, pois ela go-
verna o grande processo da manifestação, incluindo a etapa da
involução seguida pela etapa da evolução da consciência, na
qual a humanidade se encontra atualmente, geralmente referi-
da como a jornada da alma. Na tradição cristã, esse processo é
apresentado como a Parábola do Filho Pródigo.

INICIADOS, Três. O Caibalion. São Paulo: Ed. Pensamento, 1989. p. 19-29.


4

40
A Lei da Correspondência é muito citada, principalmente,
em textos esotéricos, pois o processo de manifestação parece se-
guir certos padrões que se repetem plano após plano. A célebre
frase encontrada no portal do Templo de Delfos: “Homem, co-
nhece-te a ti mesmo e assim conhecerás o universo”, é baseada no
Princípio da Correspondência. Ela assume que o homem é um
microcosmo que reflete a estrutura e os processos do grande
cosmo exterior. Os instrutores esotéricos sugerem que quando
desejamos estudar os grandes processos da natureza, devemos
procurar entender os processos em nível dos sistemas que es-
tão ao nosso alcance e depois extrapolarmos esse conhecimento
para os níveis superiores. Devemos lembrar, porém, que o que
está acima ou no interior é SEMELHANTE e não igual ao que
está embaixo ou no exterior.
Quando nos deparamos com as Grandes Leis Universais
é natural que aflore em nossa mente a pergunta: Quem criou
essas Leis? A resposta simplificada é que o Criador é a Fonte de
tudo o que existe, o ABSOLUTO, o TODO, a VIDA UNA que
muitas tradições chamam de DEUS. A resposta esotérica é que
todas essas leis são parte intrínseca do TODO, de DEUS. Nesse
ponto, todo ser humano naturalmente torna-se curioso e quer
saber mais sobre Deus.
Precisamos colocar essa questão no seu devido contexto.
Para que os cientistas soubessem mais sobre os micro-orga-
nismos, como as células, as bactérias e os vírus, foi necessário
o desenvolvimento de um equipamento apropriado (micros-
cópio) para estender a visão dos pesquisadores para as coisas
diminutas que não podem ser vistas a olho nu. Para que os as-

41
trônomos pudessem ver e assim estudar os objetos siderais que
se encontram a distâncias incomensuráveis, tiveram que desen-
volver um instrumento apropriado para esse fim (telescópio).
Para conhecermos a Deus também precisamos desenvolver
um instrumental apropriado. Porém, como Deus não é um
“Ser” ou “algo” material que possa ser visto, ouvido ou tocado,
mas sim o Espírito Supremo sem forma, que tudo permeia, Ele
só pode ser conhecido por nossa natureza espiritual. Portan-
to, SOMENTE QUANDO TIVERMOS DESENVOLVIDO
NOSSA CONSCIÊNCIA muito além do nível de nossa cons-
ciência usual de vigília, que atua no nível da mente concre-
ta, será possível nos APROXIMARMOS do conhecimento de
Deus. Esse é exatamente o propósito da “vida espiritual”.
Os grandes Santos, Místicos e Iniciados nos asseguram que nas
últimas etapas vivenciadas de expansão da consciência con-
seguiram ter a experiência do conhecimento da verdade e da
união com o TODO, ou Deus, mas, ainda assim, estão cientes
de que não “podem definir o que é Deus”. Essa “experiência”
é profundamente impactante. O “Iluminado”, por mais que
tente descrevê-la, ficará frustrado pela insuficiência de nosso
vocabulário, desenvolvido para definir as coisas materiais, mas
inadequado para descrever o resultado das experiências espiri-
tuais. Por essa razão, o místico acaba falando de suas experiên-
cias transcendentais em termos dos sentimentos que vivenciou,
pois as emoções e sentimentos são a linguagem da alma.
O mesmo acontece com os grandes cabalistas, gnósticos,
iogues e ocultistas de todas as tradições, que resumem o re-
sultado de sua busca dizendo que Deus é “incognoscível”.

42
Como Deus é o TODO, nós seres humanos, como estamos
inseridos no TODO, não O podemos abarcar em nossa cons-
ciência, para defini-lo ou conhecê-lo na Sua totalidade. Não
podemos nos esquecer que uma definição implica na deter-
minação não só daquilo que é, mas também do que a “coisa”
sendo definida não é. Como Deus é o todo, ELE não pode
ser contrastado com qualquer coisa que ELE não seja. Por
essa razão não pode ser definido. Infelizmente, a maior par-
te das pessoas ingenuamente cria imagens de Deus, que não
passam de projeções de si mesmas. Deus então passa a ser
algo como um grande homem, com todas as características
humanas contraditórias como, por exemplo: Deus é amor,
paz e bem-aventurança, porém, Deus fica irado com os peca-
dores, criados à sua imagem e semelhança, e decide puni-los
eternamente no inferno.
Por essa razão, neste texto, assumimos que Deus está
além de toda definição, porém é a fonte de tudo o que exis-
te; que “nele vivemos, nos movemos e existimos”; que além
de transcendente, Deus é imanente e está no âmago de to-
dos os seres e todas as coisas e, portanto, em meu e no seu
coração; que Deus é amor e eternamente beneficente; que
Deus é o todo; que nada há além de Deus, portanto, nada
existe fora do todo, nem pode ser separado do todo.
Esses conceitos balizadores de nossas aproximações a res-
peito de Deus nos levam a outra questão, a natureza do Filho
de Deus. No evangelho de João é dito que Deus criou seu Fi-
lho Unigênito, o Cristo. Esta verdade, por ser uma verdade
espiritual, vem suscitando muita controvérsia por ter sido

43
interpretada por muitos como uma criação material. O
Supremo Espírito, Deus Pai, cria seu Filho, à Sua semelhan-
ça, como o ser espiritual que está no âmago de todos os seres,
portanto, Cristo está no coração de todo ser humano. Essa
verdade era conhecida de seus discípulos, como vemos nas
afirmações de Paulo:

“Cristo em vós, esperança de glória”; “Meus filhos, por


quem eu sofro de novo as dores do parto, até que Cristo
seja formado em vós”; “Até que alcancemos todos nós a
unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus,
o estado de Homem Perfeito, a medida da estatura da
plenitude de Cristo”.

E Jesus? Vemos no inspirado e inspirador texto de Um


Curso em Milagres:

“O nome de Jesus é o nome de alguém que foi um ho-


mem, mas viu a face de Cristo em todos os seus irmãos e
se lembrou de Deus. Assim, ele veio a se identificar com
Cristo, já não mais um homem, mas um com Deus. O
homem era uma ilusão, pois parecia um ser separado,
caminhando por si mesmo, dentro de um corpo que apa-
rentava manter o seu ser separado do Ser, como fazem
todas as ilusões. Entretanto, quem pode salvar a não ser
que veja as ilusões e as identifique exatamente como são?
Jesus continua sendo um Salvador porque viu o falso, sem
aceitá-lo como verdadeiro. E Cristo precisava da sua for-
ma para que pudesse aparecer aos homens e salvá-los de

44
suas próprias ilusões. Em sua completa identificação com
o Cristo – o Filho perfeito de Deus, Sua única criação e
Sua felicidade, para sempre como Ele e um com Ele – Je-
sus veio a ser o que todos vós têm que ser. Ele mostrou o
caminho para que o sigas. Ele te conduz de volta a Deus
porque viu a estrada diante de si e a seguiu.”5

Outro aspecto da manifestação, que gerou muita discórdia


ao longo dos séculos, é a afirmação na Bíblia de que Deus criou
seu Filho com “livre-arbítrio”. Deixemos de lado os interminá-
veis argumentos favoráveis e contrários dos filósofos e teólogos
sobre a capacidade de livre-arbítrio do ser humano. Vamos as-
sumir que Deus certamente teve um propósito para a mani-
festação. Como Ele tem os atributos de Onipotência e Onis-
ciência, a única experiência que Ele não tem é a da limitação.
Portanto, podemos assumir que Ele emana (o que é emanado
permanece unido à sua fonte; o que é criado é algo separado
de seu criador) Seu Filho, que é uma extensão de Si Mesmo,
para vivenciar, na totalidade de todos os planos, aquilo que
várias tradições referem como o Voo da Alma, passando pelo
processo involutivo até que sua consciência venha a chegar ao
ponto mais denso do plano da manifestação, quando é figura-
tivamente enterrado numa tumba de rocha. Neste ponto, suas
inumeráveis expressões são totalmente inconscientes, portan-
to estão totalmente limitadas. A partir de então, Seus inume-
ráveis fragmentos começam a evoluir, o que significa uma lenta

PROFESSORES, Manual de. Um Curso em Milagres. São Paulo: Ed. Abalone, parte
5

III. p. 89.

45
liberação da limitação da consciência, plano após plano. Todo
esse processo não faria sentido se esses inumeráveis “fragmen-
tos divinos” não tivessem o “livre-arbítrio” para aprender o que
fazer para, ainda que muito lentamente, encontrar o caminho
de volta à Casa Paterna. A Lei de Causa e Efeito é a grande ins-
trutora neste processo. O corolário prático da operação da Lei
do Karma é que “cada homem é o seu próprio absoluto legislador,
produzindo para si glória ou trevas; é o decretador de sua vida, da
sua recompensa e da sua punição”.
Num sentido prático, os seres humanos podem contar com
a “ajuda” dos Irmãos Mais Velhos da raça humana, os Mestres
de Sabedoria. Na verdade, ajudar na evolução da humanidade
é a principal tarefa desses Grandes Seres. No entanto, a maior
parte do trabalho dos Mestres é feita de forma impessoal, com
a ativação de forças ou de projetos de natureza abarcante que
ajudam a coletividade dos seres humanos. O objetivo de boa
parte de Seus projetos parece ser o estímulo para que os seres
humanos passem a agir por conta própria na mudança de valo-
res que facilitam as mudanças de atitudes.
Porém, os Mestres também ajudam pequenos grupos, bem
como indivíduos separadamente. Nos idos tempos das Escolas
de Mistérios, aqueles que se mostravam aptos para receber o
ensinamento oculto, que levava os discípulos a trilhar o cami-
nho acelerado, eram admitidos e devidamente treinados nos
Mistérios Maiores. Com as perseguições aos Mistérios, esse
tipo de treinamento passou a ser feito para grupos menores
em total segredo. Foram-se os Mistérios Menores para o gran-
de público, mas permaneceram os Mistérios Maiores de forma

46
totalmente reservada para os poucos capacitados. Ainda hoje é
dito que tal treinamento está disponível.
Mas, e os devotos e aqueles neófitos que buscam o Cami-
nho individualmente? Eles não são esquecidos nem negligen-
ciados. Porém, em virtude do “livre-arbítrio” dos seres huma-
nos, eles precisam pedir para que sejam ajudados, de acordo
com a Lei. Jesus deixou claro que não estamos sós nem in-
defesos: “Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e vos será
aberto; pois todo o que pede recebe; o que busca acha e ao que bate
se lhe abrirá”. Mas o pedido não precisa ser feito formalmente
em palavras ou pensamentos. O anseio interior, os sentimen-
tos pela justiça e solidariedade para com os outros são pedidos
poderosos, ainda que silenciosos, da alma para o benefício da
família humana. Nossas mudanças interiores, expressando um
desejo sincero de nos tornarmos pessoas melhores, passando
a agir com maior discernimento na escolha de nossas com-
panhias e das atividades em que participamos, são entendidas
pelos nossos Irmãos como pedidos. Os pedidos formais e tam-
bém aqueles indiretos, expressos por nossos sentimentos e por
nosso comportamento, certamente são atendidos. Porém, na
grande maioria das vezes a ajuda não é percebida pelo postu-
lante. É importante que o ser humano mantenha sua postura
de responsabilidade para cuidar de sua própria vida, com seu
próprio esforço e usando seu discernimento em suas escolhas.
Tudo isso faz parte da vida espiritual.

47
Parte II

Os instrumentos
operacionais
4. A regra de ouro

O
s ensinamentos de Jesus eram essencialmente prá-
ticos, ainda que sempre baseados nas imutáveis leis
universais. O Mestre sabia que o homem comum,
na sua época e talvez ainda nos dias de hoje, tinha dificuldade
para colocar em prática e orientar sua vida pela Lei universal
de Causa e Efeito. Com sua sabedoria, formulou uma regra,
usando a tendência do ser humano comum de agir de forma
egoísta, para promover uma atitude e, finalmente, um compor-
tamento altruísta. Essa orientação é conhecida como a regra de
ouro, apresentada no Sermão da Montanha: “Tudo aquilo que
quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a
Lei [de Causa e Efeito] e os [ensinamentos dos] Profetas”. A regra
formulada por Jesus foi um grande avanço sobre a formulação
negativa, encontrada em Tobias, no Antigo Testamento, que
enfatizava as proibições: “Não faças a ninguém o que não queres
que te façam”. Jesus tinha a missão de reorientar a humanidade
de seu tempo para a vida espiritual. Para isso, não basta não
fazer o mal, é preciso aprender a fazer o bem.
Todas as tradições ensinam que a Lei de Causa e Efeito é o
fundamento do processo evolutivo. No Budismo é dito: “Podes
criar ‘hoje’ tuas oportunidades de ‘amanhã’. Na ‘Grande Jornada’,
as causas semeadas cada hora produzem cada qual sua colheita
de efeitos, porque uma rígida Justiça governa o Mundo. Como

51
potente impulso de sua ação infalível, ela traz aos mortais vidas de
felicidades ou aflições, que são a progênie kármica de todos os seus
anteriores pensamentos e atos.” 6
Em sintonia com o ensinamento de Jesus, verificamos
que Geoffrey Hodson recebeu o mesmo ensinamento numa
formulação ainda mais profunda, em linguagem voltada para
os discípulos: “Dê para ter; sirva para viver; renuncie para per-
ceber e receber; compartilhe para desfrutar. Veja a vida como um
todo e viva para o todo e nunca mais exclusivamente para o eu
separado.”7
Mesmo antes de um comprometimento com a vida espi-
ritual, todo aquele que decide seguir a orientação de Jesus, de
fazer aos outros tudo aquilo que gostaria de receber do mundo,
verificará que a Lei Universal de Retribuição tornará sua vida
aqui na Terra mais harmônica e feliz. A regra de ouro nos en-
sina, na prática, que damos ou fazemos a nós mesmos o que
aparentemente estamos dando ou fazendo aos outros. É bem
verdade que uma defasagem temporal é geralmente necessária
para que as engrenagens da Providência Divina possibilitem a
retribuição de forma “natural”.
O fundamento da orientação do Mestre é a Lei de Causa
e Efeito, também chamada de ação e reação ou Lei do Karma.
Ela foi formulada em A Doutrina Secreta de forma bem abran-
gente: “A Vida Una está intimamente relacionada com a Lei Una
que governa o Mundo do Ser: o karma. Em seu sentido exotérico

A Voz do Silêncio, op. cit., versículo 148.


6

7
HODSON, Geoffrey. Luz do Santuário – O Diário Oculto. São Paulo: Ed. do Conhe-
cimento, 2017. p. 132.

52
e literal, esta palavra quer dizer simplesmente ‘ação’, ou melhor,
‘uma causa que produz seu efeito’. Esotericamente é a infalível Lei
de Retribuição”.8
Os meandros do karma são altamente complexos, pois
existem vários níveis de abrangência da lei, como o karma fa-
miliar, o karma da profissão, da cidade, do país, da etnia, da
religião, da humanidade, além do karma individual. Num sen-
tido prático, podemos dizer que o ser humano é o responsável
por tudo que acontece em sua vida. “Com as nossas próprias
mãos, traçamos diariamente o curso sinuoso dos nossos destinos,
crendo estar seguindo em linha reta no caminho real da respei-
tabilidade e do dever, e nos queixamos depois de que sejam tão
sombrias e inextricáveis essas curvas sinuosas. Em verdade, não há
um acidente em nossa vida, não há um dia mau ou uma desgraça,
cuja causa não possa ser encontrada em nossas próprias ações, nesta
ou em outra existência”.9
Numa linguagem mais simples, não existe tal coisa como
o “acaso” nem o “acidente”, “sorte ou azar”; cada acontecimen-
to está ligado a uma causa e vai gerar um efeito subsequente;
todos os pensamentos, todas as palavras, ações e circunstâncias
têm uma relação de causa com o passado que, por sua vez,
irão moldar o nosso futuro. Como nossa ignorância esconde de
nossa visão igualmente o passado e o futuro, os acontecimen-
tos nos parecem de repente sair do nada e serem “acidentais”,
mas essa aparência é ilusória, e é devida inteiramente à nossa
falta de conhecimento. Por isso, não devemos nos queixar nem
BLAVATSKY, H. P. A Doutrina Secreta. São Paulo: Ed. Pensamento, vol. II. p 346.
8

A Doutrina Secreta, op. cit., p. 355.


9

53
nos irritar com os inevitáveis infortúnios da vida. Todas as cir-
cunstâncias têm sua razão de ser. A lição prática é bastante cla-
ra: “Semeia boas ações e colherás os seus frutos”. Por outro lado:
“Uma palavra brusca dita em vidas passadas não se perde, mas
sempre retorna”.10
Apesar de muitas passagens da Bíblia serem formuladas como
se Deus fosse diretamente responsável pelo “castigo” de nossos
“pecados”, essa lei fundamental da existência humana e cósmica é
totalmente impessoal, como são as leis da gravidade, da gravitação
universal e tantas outras assim chamadas leis da natureza.
O apóstolo Paulo formulou essa lei de uma forma mais
acessível ao povo da época: “Não vos iludais; de Deus não se
zomba. O que o homem semear, isso colherá; quem semear na sua
carne, da carne colherá corrupção; quem semear no espírito, do es-
pírito colherá a vida eterna. Não desanimemos na prática do bem,
pois, se não desfalecermos, a seu tempo colheremos.”
Uma conclusão inescapável da regra de ouro é que todos
nós somos inteiramente responsáveis por nossa EXISTÊNCIA.
Sua constante construção e reconstrução são fundamentadas
em nossas escolhas e decisões. Portanto, nada ocorre por aca-
so. As circunstâncias de nossa vida diária são consequências
de causas anteriores ativadas por nós mesmos. Por essa razão,
se formos sábios, devemos aceitar sempre com contentamento
as circunstâncias da vida, procurando mudar o que estiver ao
nosso alcance e aceitar o que não for possível modificar. Por
que devemos aceitar até mesmo as coisas desagradáveis com

A Voz do Silêncio: op. cit., versículos 135 e 147.


10

54
contentamento? Porque agora temos o conhecimento de como
a lei opera e, se quisermos evitar mais sofrimento no futuro,
não devemos revidar nem reclamar para não gerarmos karma
negativo, que nos trará outra vez o mesmo sofrimento que es-
tamos vivenciando agora.
Quando nos determinamos a acelerar as mudanças inte-
riores e adentrar no caminho acelerado do ocultismo, “devemos
aprender e aceitar tudo com naturalidade, especialmente as rejei-
ções, desapontamentos e dores. Nós criamos nossos malogros por
mesquinharias e erros que delas resultam. Tudo ocorre por nossa
própria culpa e de ninguém mais. Lembre-se disso. Recuse-se a
admitir a possibilidade da menor injustiça e siga adiante. Tudo
é karma e o karma é tudo, e tudo está bem. Não busque consolo,
cura, comiseração; isso denota fraqueza”.11
POR ISSO, o primeiro instrumento operacional, essencial
tanto para a vida ética como para a vida espiritual, é a regra de
ouro, uma formulação prática da Lei do Karma que recebemos
de Jesus. Veremos, em seguida, que a regra de ouro está intima-
mente associada ao outro ensinamento fundamental de Jesus de
que devemos amar nosso próximo como a nós mesmos.

Luz do Santuário – O Diário Oculto, op. cit., p. 143.


11

55
5. O verdadeiro amor

F
alamos muito sobre amor, mas conhecemos pouco so-
bre o verdadeiro amor, o amor incondicional. Em
primeiro lugar, o amor não é meramente um sentimen-
to, um interesse, uma atração ou mesmo uma paixão por outra
pessoa. O verdadeiro amor é divino, sendo sua plena expressão
um aspecto da culminação do progresso espiritual.
De todas as qualidades que ATRIBUÍMOS a Deus, o amor
é a mais tocante e que mais nos atrai. Essa atração deve-se ao
fato de o amor ser uma das energias mais fundamentais da
Manifestação. Com o início do processo de emanação, o UNO
passou a se manifestar nas inumeráveis formas do mundo ex-
terior em constante expansão. A Providência Divina, em sua
infinita sabedoria, fez surgir concomitantemente uma força
harmonizadora da tendência separatista da percepção no mun-
do material que estava sendo criado. O amor, portanto, é uma
expressão dessa força, conhecida como a Lei universal da atra-
ção, que se manifesta de inúmeras maneiras em todos os níveis
e planos da natureza. Transcrevo, a seguir, trechos de uma carta
que Einstein escreveu a sua filha Lieserl:

“Há uma força extremamente poderosa para a qual a ci-


ência até agora não encontrou uma explicação formal. É
uma força que inclui e governa todas as outras, existindo
por trás de qualquer fenômeno que opera no universo e

57
que ainda não foi identificada por nós. Essa força uni-
versal é o AMOR.
O Amor é Luz, dado que ilumina aquele que dá e o
que recebe. O Amor é gravidade, porque faz com que as
pessoas se sintam atraídas umas pelas outras. O Amor é
potência, pois multiplica (potencializa) o melhor que te-
mos, permitindo assim que a humanidade não se extinga
em seu egoísmo cego. O Amor revela e desvela. Por amor,
vivemos e morremos. O Amor é Deus e Deus é Amor.
Esta força tudo explica e dá sentido à vida. Esta é a vari-
ável que temos ignorado por muito tempo, talvez porque
o amor provoca medo, sendo o único poder no universo
que o homem ainda não aprendeu a dirigir a seu favor.
Talvez ainda não estejamos preparados para fabricar
uma bomba de amor, uma criação suficientemente po-
derosa para destruir todo o ódio, egoísmo e ganância que
assolam o planeta. No entanto, cada indivíduo carrega
dentro de si um pequeno, mas poderoso gerador de amor,
cuja energia aguarda ser liberada.
Quando aprendermos a dar e receber esta energia univer-
sal, querida Lieserl, provaremos que o amor tudo vence,
tudo transcende e tudo pode, porque o amor é a quintes-
sência da vida.”

Apesar da vivência do amor suscitar vários sentimentos


profundos, seria difícil definir o amor. Sabemos, no entanto,
que o verdadeiro amor inclui pelo menos quatro aspectos com-

58
plementares: (1) aceitar as pessoas como elas são; (2) perdoar;
(3) desejar de coração o bem do outro; e (4) fazer o que estiver
ao nosso alcance para promover a verdadeira felicidade das ou-
tras pessoas, sejam elas nossos parentes e amigos ou não. Cada
um desses aspectos oferece consideráveis dificuldades de ex-
pressão para as pessoas egoístas. O egoísta acredita que o amor
é uma moeda de troca: “eu te amo se tu me amas; se deixares
de fazer o que eu espero de ti, deixarei de te amar”.
Antes de examinarmos cada um desses quatro aspectos
fundamentais interconectados do amor, vale a pena lembrar o
ensinamento basilar de Jesus quando lhe perguntaram: “Mes-
tre, qual é o maior mandamento da Lei?” Ele respondeu: “Ama-
rás ao Senhor teu Deus de todo teu coração, de toda a tua alma e
de todo o teu entendimento; é o primeiro e o maior mandamento.
O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a ti
mesmo. Toda a lei e os [ensinamentos dos] profetas estão contidos
nestes dois mandamentos”. Vamos examinar inicialmente o que
parece estar mais ao nosso alcance, ou seja, o amor ao pró-
ximo, e deixar para o próximo capítulo o exame do primeiro
e maior mandamento, “amar a Deus”, com suas sutilezas e
implicações.
O que salta aos olhos na formulação do segundo man-
damento nos instando a amar o próximo? A implicação mais
óbvia (e negligenciada) é o padrão estabelecido para amar o
próximo, que é AMÁ-LO COMO A NÓS MESMOS. O Mes-
tre só indicaria a necessidade desse padrão se houvesse algum
questionamento sobre nosso amor a nós mesmos. Vale então
questionar: será que realmente amamos a nós mesmos?

59
Quando examinamos os inúmeros hábitos destrutivos que
os seres humanos desenvolvem, entendemos a razão do alerta do
Mestre. AQUELE QUE destrói sua saúde com o uso de álcool,
fumo, drogas, entorpecentes e hábitos alimentares prejudiciais,
QUE é sedentário e não tem períodos de sono salutar, QUE está
sujeito a explosões de raiva e ódio ou a períodos de tristeza e até
mesmo de depressão, certamente não ama a si mesmo.
Mas a falta de amor a si também se expressa de forma mais
sutil. Muitas pessoas desenvolvem um sentimento de desamor
por si mesmas, sentindo, ainda que de forma inconsciente, que
não merecem ser felizes. Algum evento traumático em seu passa-
do deixou uma crença que gerou um condicionamento incons-
ciente de que elas não são suficientemente boas, ou mesmo que
são indignas e, portanto, que carecem de méritos para ser felizes.
Com isso atraem a infelicidade que julgam lhes ser devida. A dor
gerada por esses traumas é tão grande que o indivíduo torna-se
incapaz de lidar com a situação de forma proativa e recolhe-se
como um tatu para dentro de sua carapaça buscando proteção,
gerando com isso mais um elemento de seu lado sombra.
O que é esse lado sombra? É aquele aspecto da natureza
humana que procuramos esconder a todo custo. É tudo aquilo
que não queremos ser, mas somos. É aquele sentimento que
procuramos esconder das outras pessoas, bem como aquele
desvio de comportamento que uma pessoa considerada boazi-
nha jamais teria. É o desejo de se entregar ao vício, de explodir,
de brigar. É toda a energia que tentamos esconder, mas que
em certas ocasiões aflora e nos causa grande dor e vergonha.
A Sombra, porém, não esconde somente aspectos negativos de

60
nosso ser. Alguns aspectos positivos, inclusive nossa natureza
luminosa, divina, são muitas vezes mantidos na sombra. Por
todas essas razões ela é uma parte importante de nosso ser que
precisamos conhecer e trabalhar.
Quando a mantemos escondida, pode transformar-se em
pensamentos negativos e, mais cedo ou mais tarde, nos levar a
agir de forma contrária aos nossos melhores valores e interesses.
Mas descoberta e compreendida, a Sombra nos levará ao cami-
nho da plenitude! Sairemos da ilusão de que nossa obscuridade
nos dominará e, em vez disso, veremos o mundo sob uma nova
ótica. A empatia que descobrimos por nós mesmos fará despertar
nossa confiança e coragem à medida que abrirmos nosso coração
a todos ao nosso redor. O poder que desenterramos nos ajudará
a confrontar o medo que esteve nos segurando e nos incitará a
seguir adiante, rumo ao nosso mais alto potencial.

“O conflito entre quem somos e quem queremos ser en-


contra-se no âmago da luta humana. A dualidade, na
verdade, está no centro da experiência humana. A vida
e a morte, o bem e o mal, a esperança e a resignação coe-
xistem em todas as pessoas e manifestam sua força em todas
as facetas da vida. Caso estejamos vivendo sob a suposição
de que somos apenas de um jeito ou de outro, dentro de
um espectro limitado de características humanas, então,
precisamos questionar por que, atualmente, muitos de nós
estamos insatisfeitos com a nossa vida. Por que temos acesso
a tanta sabedoria e, ainda assim, não temos a força e a
coragem para agir segundo nossas boas intenções, tomando

61
decisões eficazes? E, mais importante, por que continuamos
a nos expressar de maneiras contrárias aos nossos valores e
a tudo aquilo em que acreditamos?
E, embora ignorar ou reprimir esse lado sombrio seja a
norma, a verdade soberana é que correr da sombra apenas
intensifica seu poder. Negá-la apenas conduz a mais dor,
sofrimento, tristeza e sujeição. Se falharmos em assumir a
responsabilidade de extrair a sabedoria que está oculta no
fundo de nossa consciência, a treva assume o comando e,
em vez de sermos capazes de assumir o controle, a escuridão
acaba nos controlando, provocando o efeito sombra. En-
tão, o lado obscuro passa a tomar as decisões, tirando-nos
o direito a escolhas conscientes, seja ao que comemos, ao
que gastamos ou aos vícios a que sucumbimos. Nosso lado
sombrio nos incita a agir de forma que jamais imaginamos
e a desperdiçar a energia vital em maus hábitos e compor-
tamentos repetitivos. A obscuridade interior nos impede de
expressar inteiramente o nosso eu, de falar nossa verdade
e viver uma vida autêntica. Somente ao abraçar a nossa
dualidade é que nos libertamos dos comportamentos que
poderão potencialmente nos levar para baixo. Se não reco-
nhecermos integralmente quem somos, é certo que seremos
tomados de assalto pelo efeito sombra.”12

O mecanismo mais frequente que usamos para lidar com


nosso lado sombra é a projeção. Sabemos que o mecanismo

CHOPRA, Deepak. FORD, Debbie e WILLIAMSON, Marianne. O Efeito Sombra.


12

Alfragide-Portugal: Ed. Lua de Papel, 2010. Introdução.

62
psicológico de projeção (que parte da imagem inconsciente
que temos de nós mesmos) condiciona como vemos o outro,
como o julgamos e como agimos para com ele, sempre em fun-
ção da imagem inconsciente que temos de nós mesmos.

“Entretanto, a projeção sempre vai ferir-te. Ela reforça


a tua crença em tua própria mente dividida e seu único
propósito é manter a separação. É apenas um instrumen-
to do ego para fazer com que te sintas diferente dos teus
irmãos e separado deles. O ego justifica isso alegando que
faz com que te sintas ‘melhor’ do que eles, assim obscure-
cendo ainda mais a tua igualdade em relação a eles. Pro-
jeção e ataque estão inevitavelmente relacionados porque
a projeção é sempre um meio de justificar o ataque. Raiva
sem projeção é impossível.” 13

Por isso, se a imagem que temos de nós mesmos é de que


só merecemos realmente a vida insossa, quando não atribulada
e sofrida que temos, nossa atitude para com nosso próximo,
nosso “amor” para com ele, deixará muito a desejar. Na verda-
de, não será um amor verdadeiro. Essa é uma triste constatação
da nossa vida no mundo sob o jugo do ego.
No entanto, esta constatação não é algo imutável. Tudo na
vida está em movimento, tudo é dinâmico. As oportunidades de
mudança estão constantemente aparecendo. O mais importan-
te, porém, é que posso escolher mudar os pensamentos que
me fazem mal. Posso escolher ver as coisas com espírito positi-

Um Curso em Milagres, op. cit., Texto, p. 103.


13

63
vo. Posso escolher ser feliz, pois sou responsável pela forma como
vejo as coisas. O grande poeta inglês William Blake escreveu que
se pudermos desobstruir as barreiras para a percepção correta, se-
remos capazes de ver as coisas como elas são, ou seja, infinitas.14
O que nos leva a ter uma autoestima tão baixa que re-
sulta num efetivo desamor por nós mesmos? Dois elementos
principais contribuem para essa triste situação. O primeiro é
o condicionamento que recebemos de nossos pais, familiares
e educadores desde a mais tenra infância. As demonstrações de
preferência de um ou ambos os pais por outros filhos, as críti-
cas frequentes, julgamentos depreciadores, bullying na família,
na escola e nos grupos de colegas, enfim, as inúmeras atitudes
negativas das pessoas que, de alguma forma, participaram de
nossa infância e adolescência, explicam a razão por que tantas
pessoas desenvolvem uma baixa autoestima, um sentimento de
inadequação e desmerecimento e uma crença de que há algo de
errado com elas.
O segundo fator que contribui para a crença inconsciente de
que não merecemos ser felizes é o sentimento de culpa que debi-
lita a determinação interior da pessoa e estabelece um padrão de
baixas expectativas para com a vida. O conceito de “pecado”, que
literalmente inferniza a vida de muitas pessoas, especialmente
nos meios cristãos, é o principal fator para a contumaz imagem
negativa, com seu concomitante sentimento de culpa.
Como os cristãos acreditam que já nascem com “o pecado
original” e estão bem conscientes de que cometeram inúmeros
FREEMAN, Laurence. Os Olhos do Coração: a meditação na tradição cristã. São Paulo:
14

Ed. Palas Athena, 2004. p. 192.

64
outros “pecados” ao longo da vida, temem que, mais cedo ou
mais tarde, terão que enfrentar a ira de Deus. Apesar do sacra-
mento da confissão criado pela Igreja, o cristão está tão condi-
cionado à sua imagem de “vil pecador”, que mantém em sua
consciência uma dúvida cruel sobre o eventual perdão total de
seus pecados. A culpa, portanto, leva ao medo de um merecido
castigo. Essa associação é tão forte que, na prática, podemos
tomar culpa e medo como os dois lados da mesma moeda.
Mas a culpa do cristão não termina aí. A igreja nos ensina
que Jesus veio ao mundo para remir nossos pecados por sua mor-
te na cruz. O cristão sincero, que lê a Bíblia e ouve os sermões
dos padres e pastores, principalmente por ocasião da Semana
Santa, não pode deixar de ser tocado pelo terrível sofrimento
pelo qual Jesus passou em sua via crucis “por nossa causa’’.
Portanto, sentimos culpa pelo pecado original, culpa por
nossos muitos pecados e culpa pelo sofrimento e morte de
Jesus. O sentimento de culpa é tão forte que as pessoas buscam
maneiras para superar o medo da punição que julgam merecer.
De acordo com Freud (o pai da psicanálise), as duas formas
com que o ego procura enfrentar a culpa são a repressão e a
projeção. A repressão é negar que a culpa é nossa e, quando
isso não funciona, tentar esconder a culpa bem no interior de
nosso ser, no inconsciente. Mas a culpa escondida dentro de
nós ainda causa um desconforto nem sempre identificado.
O ego, então, nos diz que, como não conseguimos nos livrar
da culpa escondendo-a dentro de nós, a solução será jogá-la fora,
porém em alguém que a leve para longe e nos liberte de nosso
tormento. Daí o processo conhecido como projeção, que é en-

65
contrar alguém que tenha algum indício de nossa fraqueza para
culpá-lo por nosso erro que não queremos admitir. Infelizmente,
essas defesas não funcionam, ao contrário, fazem com que o “po-
bre pecador” aumente seu sentimento de culpa. A única solução
verdadeira para a culpa é o perdão, como veremos depois.
Como acreditamos ser separados e nos sentimos incomple-
tos, limitados e carentes, procuramos uma pessoa especial na
esperança de que ela possa nos completar. Infelizmente, buscar
uma pessoa especial para dar o amor que não recebemos de
nossos pais não funciona. Geralmente escolhemos um parceiro
parecido com nosso pai ou nossa mãe. Precisamos assumir a
responsabilidade de dar a nós mesmos o amor que buscamos.
Cabe a nós curar a criança ferida que existe em nosso coração.
Caso contrário, permaneceremos no círculo vicioso de ataque
e defesa, culpa e acusação.

“O amor não é algo que podemos nos obrigar a sentir,


nem que podemos sentir por decisão do intelecto. O
amor nem ao menos é um sentimento. É um estado
de ser, de entrega, de perfeita fé, que transcende e
pode aguçar todos os sentimentos. O amor implica re-
núncia a toda sorte de separação quanto a qualquer
parte de si mesmo, a outros seres humanos, ao mundo
natural e aos domínios do espírito. O amor é eterno
e também se gera a cada momento. Em sua base, to-
dos os ensinamentos espirituais verdadeiros visam nos
ajudar a entrar nesse momento eterno do amor.”15

Entrega ao Deus Interior, op. cit., p. 72.


15

66
A verdadeira felicidade não pode depender das circuns-
tâncias externas que não estão sob nosso controle, mas de
nossa decisão de ser feliz. “Somos o senhor de nosso destino,
o criador de nossa realidade”. As circunstâncias da vida são
ditadas por nosso karma, que inclui nossos pensamentos
de escassez. O modo como você vai encarar a vida depende
de se você acha que merece ou não ser amado.
Mas por que eu deveria ser amado? Ao fazer-nos essa
pergunta, os nossos pensamentos parecem, à primeira vis-
ta, esperar que essa resposta venha de algo fora de nós.
Mas, se continuarmos insistindo em refazer a pergunta,
eventualmente vamos reconhecer que existe uma vida di-
vina que nos cerca e que é parte de nós e que somos parte
desta vida. Nossa natureza divina interior prenuncia, com
suas vibrações amorosas, que nós realmente somos ama-
dos, ainda que as circunstâncias exteriores possam indicar
o contrário.
A experiência de escassez não é um sinal de que Deus
está castigando você. Ao contrário, ela indica que você está
mostrando a si mesmo uma crença negativa que precisa
ser corrigida. Lembre-se, você, como todo Filho/a de Deus, é
profundamente amado/a, sem reservas ou condições, pelo Pai/
Mãe Celestial. Portanto, não deve haver a menor dúvida que
você é digno/a de ser amado/a e de ser feliz.
Como podemos ser tão enfáticos sobre o amor de Deus
para conosco? Pelo testemunho de todos aqueles que tiveram a
experiência de um estado de êxtase ou samādhi e vivenciaram o
arrebatador amor de Deus. Chegará o dia em que nós também

67
teremos certeza absoluta quando passarmos por uma experi-
ência de transcendência. Os místicos, os iogues avançados e
os discípulos Iniciados sabem isso por experiência própria; por
essa razão são tão seguros e determinados na Senda. O nosso
dia chegará, quando aprofundarmos nossas práticas. Por en-
quanto teremos que nos valer dos relatos dos nossos irmãos
mais avançados no Caminho.
Mas existem também outras testemunhas do imenso, in-
descritível e irresistível amor de Deus para com seus filhos.
Essas testemunhas são pessoas como nós, que passaram por
uma experiência de quase-morte. Voltaremos a esse ponto
mais tarde.
As melhores oportunidades para aprendermos sobre o
amor são os nossos relacionamentos. Eles servem como espe-
lhos e oportunidades para percebermos como vemos os outros
e a nós mesmos no processo da vida. Os relacionamentos são
também oportunidades para vivenciarmos um amor maduro,
começando sempre por nós mesmos. Para conviver em paz
com os outros precisamos entender que a aceitação nos liga a
eles e a crítica nos separa deles. Vale lembrar que: “Ainda que
ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um
pode começar agora e fazer um novo fim”.
A aceitação é de importância fundamental para trazer a
paz às eternas discussões que temos com os outros, em que
nosso pequenino eu quer sempre ter razão. Nesses momentos
precisamos nos perguntar: “Eu quero ter razão (vencer a dis-
cussão) ou ser feliz? ” Se eu prefiro ser feliz devo ceder a razão
ao outro, como uma dádiva de amor. A busca por ter razão é

68
apenas desperdício de energia e de foco. Ninguém é dono da
verdade. O que temos de verdadeiro em nosso íntimo só diz
respeito a nós.
Com certeza, teremos mais paz em nossos relacionamen-
tos quando pararmos de criticar e de dizer aos outros como eles
devem viver e começarmos a praticar o amor, que é aceitação
e perdão. Por essa razão as pessoas que buscam a paz em meio
aos maiores problemas de relacionamentos – aqueles em que
vivem os alcoólicos e dependentes de drogas e seus familiares
– iniciam suas reuniões nos grupos de autoajuda pedindo luz e
força com a Oração da Serenidade:

“Concedei-me, Senhor, a serenidade necessária


Para aceitar as coisas que não posso modificar,
Coragem para mudar aquelas que posso
E sabedoria para distinguir umas das outras”.

As discussões abrem a porta para outros inimigos da paz


e da felicidade: os julgamentos e as críticas. Acusar é ensinar a
culpa e perpetuar a crença de que a dor e o sofrimento são ne-
cessários. Precisamos parar de justificar nossos julgamentos.16
A crítica (retirar o cisco do olho dos outros) é, geralmente, um
mecanismo de fuga, ou seja, de projeção. Jesus mostrou sua sa-

A seguinte história exemplifica o erro dos julgamentos apressados: “Uma garota segurava em
16

suas mãos duas maçãs. Sua mãe entrou e lhe pediu com uma voz doce e um belo sorriso: ‘Querida,
você poderia dar uma de suas maçãs para mamãe?’ A menina levanta os olhos para sua mãe durante
alguns segundos e morde subitamente uma das maçãs e logo em seguida a outra. A mãe sente seu rosto
se esfriar e perde o sorriso. Ela tenta não mostrar sua decepção quando sua filha lhe dá uma de suas
maçãs mordidas. A pequena olha sua mãe com um sorriso de anjo e diz: ‘É essa a mais doce.’ Pouco
importa quem você é, que você tenha experiência, seja competente ou sábio. Retarde sempre
o seu julgamento. Dê aos outros o privilégio de poder se explicar.”

69
bedoria e compaixão na inesquecível cena em que os guardiões
da Lei Mosaica aproximaram-se do Mestre procurando indu-
zi-lo a condenar ao apedrejamento uma mulher pega em adul-
tério, como preconizava a Lei Mosaica. Conhecendo o coração
dos acusadores, Jesus disse: “Quem dentre vós estiver sem pecado,
seja o primeiro a lhe atirar uma pedra. Eles, porém, ouvindo isso,
saíram um após outro, a começar pelos mais velhos.”
Como o mundo é um espelho, só reparamos nos outros
aquilo que conhecemos por experiência própria, ainda que de
forma inconsciente. Devemos nos lembrar que nossos julga-
mentos, na forma de palavras e mesmo de pensamentos, tam-
bém geram karma. O silêncio compassivo e a paciência, como
forma de permitir que todos possam ter seu próprio tempo
de descobertas, contribuirão de forma benéfica, permutando
energias conciliadoras para extinguir ou amenizar os conflitos.
Quando cometemos um erro e, inadvertidamente, mago-
amos o outro, a solução é pedirmos desculpas de coração, em
vez de nos castigarmos com sentimentos de culpa. Devemos
ter sempre em mente que o ser humano ainda é imperfeito,
apesar de nossa missão última ser a perfeição, como nos disse
Jesus: “Portanto, deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é per-
feito”. Nosso aperfeiçoamento, no que tange aos relacionamen-
tos, pode ser visto como uma dança. Não somos dançarinos
profissionais, na verdade somos aprendizes da dança da vida.
Por isso, quando se pisa no pé do parceiro, basta se desculpar e
continuar a dançar.
Talvez a maior dificuldade que temos para dar e receber
amor em nossos relacionamentos é o elenco das nossas EX-

70
PECTATIVAS E COBRANÇAS. Como se isso não bastasse,
temos uma tendência a CONTROLAR OS OUTROS. Uma
autoanálise sincera nos mostrará o quanto tentamos mudar o
outro para que se encaixe na imagem e expectativa que esta-
belecemos do que ele(a) deveria ser. Como não gostamos de
ser controlados, devemos assumir que os outros também não
gostam de ser e esperam ser respeitados.
Só conseguiremos realmente amar o próximo quando
aprendermos a amar de coração a nós mesmos. Vimos que o
verdadeiro amor inclui pelo menos quatro aspectos comple-
mentares. O primeiro é a aceitação das pessoas como elas são.
Mas, aqui retornamos ao padrão do amor ao próximo, que
é o amor que temos por nós mesmos. Se não nos aceitamos
como somos, se insistimos em apontar a longa lista de falhas e
carências que vemos em nós mesmos, como podemos aceitar
os outros como eles são? Por isso voltamos ao nosso ponto de
partida: precisamos em primeiro lugar aprender a nos amar e
assim nos aceitar como somos.
Nesse ponto muitos poderão arguir que se nos aceitarmos
como somos não teremos o discernimento, incentivo e orien-
tação necessários para reconhecer que temos muitas fraquezas
que precisamos mudar. Afinal, progresso, evolução, vida espi-
ritual pressupõem um constante processo de mudança. Esse
parece ser mais um paradoxo da vida espiritual. A solução deste
aparente paradoxo é dada pelo ensinamento básico do Senhor
Buda: o sábio caminho do meio. Uma avaliação sincera de nossa
situação atual não é a mesma coisa que uma crítica implacável
de toda nossa vida.

71
A atitude de autocrítica rigorosa, que leva o indivíduo a
acreditar que ele é realmente da forma como julga severamen-
te a si mesmo, terá como consequência o desenvolvimento de
uma crença de que ele não tem jeito e que não vai conseguir
mudar. O ser humano não precisa temer conhecer sua verda-
deira natureza. Ela não é a personalidade com suas fraquezas,
inseguranças, ressentimentos, culpas e medos. A verdadeira au-
toanálise deve ir mais fundo. Com isso iremos encontrar – não
as negatividades e a escuridão do ego – mas sim, o brilho das
qualidades divinas do nosso Ser de Luz interior.
Nesse contexto, os psicólogos indicam que nosso maior
temor não é o de sermos inadequados. É o de sermos desme-
didamente poderosos. É a nossa luz, não a nossa sombra, o
que mais nos assusta. A nossa real batalha acontece dentro de
nós mesmos. O grande vilão e sabotador (o ego) está em nós,
assim também como nosso guerreiro salvador (a mente divina
ou Espírito Santo). A orientação de como enfrentar a batalha
da vida nos é dada em Luz no Caminho:

“Dentro de ti está a luz do mundo – a única luz que


pode ser projetada sobre o Caminho. Se fores incapaz
de percebê-la dentro de ti, é inútil procurá-la em outra
parte. Procura pelo Guerreiro e deixa que ele lute em
ti. Obedece-lhe como se ele fosse tu mesmo, e como se as
palavras dele fossem a expressão verbal de teus desejos
secretos; pois ele É tu mesmo, embora infinitamente
mais sábio e mais forte do que tu. Se não o procurares,
teu coração vacilará e, na poeira do campo de batalha,

72
tua vista e teus sentidos falharão e não serás capaz de
distinguir teus amigos de teus inimigos”.17

Precisamos nos dar conta de que não somos pessoas


más, com uma enorme gama de defeitos, mas sim, que es-
tamos atualmente sob a ilusão de que nossas imperfeições
sejam imutáveis. Nossa verdadeira natureza É imutável, pois
ela é divina. As imperfeições do ego são passíveis de mu-
dança, pois são impermanentes. Portanto, se começarmos
nossa autoanálise a partir de nossa verdadeira natureza (que
é divina), teremos a serenidade para aceitar os defeitos, as
fraquezas e carências de nossa personalidade, pois eles po-
dem e devem ser mudados. Esse é o objetivo da vida espiritu-
al: mudar as atitudes negativas de nossa personalidade rumo à
estatura da plenitude de Cristo em nós.

Com essa nova visão de nós mesmos, podemos nos


aceitar amorosamente. Isso torna mais fácil a aceitação dos
outros, sem desconfianças, discriminações, barreiras, julga-
mentos e questionamentos. Na prática, isso significa enten-
der que nosso próximo é como nós, outro ser humano que
anseia ser aceito para viver em paz e feliz, mesmo tendo
fraquezas e defeitos, como nós também temos.
Por essa razão, quando você traz amor e aceitação em seu
coração, sua natureza espiritual se manifesta naturalmente em
suas atitudes e em sua vibração. Com isso você também se tor-
na capaz de reconhecer a natureza espiritual nas outras pessoas.

COLLINS, Mabel. Luz no Caminho. Brasília: Ed. Teosófica, 1999. p. 41-2, 73-75.
17

73
Ser espiritualizado é ver a si mesmo e aos outros sem julga-
mento, ver não só com os olhos, mas principalmente com o
coração. Um elevado Lama budista ensinou a seus estudantes:
“Procurem sempre agir com o coração, falar com o coração e pensar
com o coração”. Na tradição budista, o coração simboliza a eter-
na e inesgotável fonte do amor assim como a mente superior;
portanto ele ensinava que devemos fazer tudo com total amor.
Ser espiritualizado é aceitar e apreciar “as coisas como elas são”,
ao invés de encontrar falhas e buscar outra coisa. Pode parecer
surpreendente, mas a pessoa espiritualizada vê beleza e compai-
xão em tudo, até mesmo no sofrimento.

5.1 A amorosidade de um “não”


Pode parecer uma incoerência dizer que um “não” pode ser
sinal de amorosidade. Se o verdadeiro amor requer a aceitação,
a nós e ao nosso próximo, como pode haver amorosidade em
dizer um não? A razão para isso é que os relacionamentos hu-
manos ocorrem sempre dentro de um contexto. Para dar um
exemplo radical, cortar a perna de nosso próximo pode ser um
ato de tremenda crueldade ou de grande amor. Um torturador
estará cometendo crueldade desumana, mas um médico pode
estar demonstrando sabedoria e compaixão em amputar a per-
na gangrenada de um paciente.
Sendo assim, qual o contexto em que estaremos sendo
amorosos em dizer um “não”? A resposta é simples, quando
a experiência (no caso dos pais lidando com os filhos) ou
o discernimento (em se tratando de adultos) nos diz que o

74
“não” trará um bem muito maior a nós ou ao nosso próximo
do que a frustração momentânea da negação para o ego. Esse
é um dos assuntos mais delicados dos relacionamentos, cul-
minando com a questão de nossa próxima seção, o amor às
pessoas difíceis.
É importante lembrar que as qualidades divinas de to-
dos os seres são unificadas e interdependentes. Esse parece ser
um conceito difícil. “Nossas” qualidades divinas, na verdade,
são as qualidades de Cristo em nós. Luz, Paz, Amor, Bele-
za, Harmonia e Alegria são experimentadas simultaneamente
como um todo pelo ser humano que alcança um samādhi ou
êxtase. A experiência é também uma demonstração da Uni-
dade, ou seja, que o divino é vivenciado como um Todo. A
conclusão prática para nós principiantes é que qualquer uma
das qualidades mencionadas deverá se manifestar em sinto-
nia com todas as outras. Por isso, o verdadeiro amor só está
sendo demonstrado quando ele expressa sabedoria e traz paz,
harmonia e alegria a nós e ao nosso próximo, não só no mo-
mento presente, mas principalmente quando for o tempo de
colheita do resultado de nossas ações.
Por exemplo, o respeito a si mesmo nos leva a respeitar o
outro. Uma pessoa equilibrada e consciente não aceita ser vítima
nem algoz. Para que o relacionamento seja real e equilibrado tor-
na-se necessária uma comunicação honesta, mas não agressiva,
de nossos sentimentos.18 O diálogo e o entendimento devem ser
baseados na autenticidade, sendo todo o processo de comunica-
ROSENBERG, Marshall. Comunicação Não Violenta. São Paulo: Ed. Ágora, 2006.
18

Vide esse importante manual para relacionamentos difíceis.

75
ção baseado na regra de ouro. Mas ocorrerão situações em que,
mesmo com toda paciência e uma hábil comunicação não vio-
lenta, uma das partes envolvidas poderá concluir que dizer não
para a continuação daquele relacionamento é um ato de amor a
si mesmo ou ao outro, ou mesmo aos dois.
Um amor verdadeiro é baseado no respeito mútuo. Ele
não procura amarrar, controlar e muito menos escravizar o
parceiro. Ao contrário, procura abrir os horizontes da pessoa
amada, conferir poder e libertar os outros para que encontrem
suas próprias verdades e seu próprio caminho. Nossa atitude,
porém, depende do conteúdo de nossa mente. Se minha mente
estiver cheia de dúvida, medo, insegurança e conflito são esses
sentimentos que projetarei fora de mim, e são eles que condi-
cionarão minha vivência. Se minha mente estiver repleta de
amor, paz e bem-estar são esses sentimentos que expandirei à
minha volta e é o que viverei. Nesse caso, um verdadeiro amor
maduro pode se expressar com um “não” para algumas exigên-
cias de nosso parceiro, se tivermos certeza de que as consequên-
cias da demanda feita por ele(a) trarão dissabores e sofrimento
às pessoas envolvidas.
O ego geralmente busca a “gratificação instantânea”, en-
quanto a mente superior, com sabedoria e equilíbrio, leva em
consideração não só os benefícios de curto prazo, mas também
as consequências em longo prazo de todas as nossas ações, pa-
lavras e pensamentos. Com isso, o verdadeiro amor/sabedoria
de nosso Ser Interior, ciente das futuras consequências negati-
vas da ação proposta, como procura fazer o bem ao próximo,
deverá expressar esse amor com um “não” à solicitação que foi

76
feita. É óbvio que o “não” amoroso deve ser expresso sem raiva
ou agressividade, mas sim de forma suave e paciente, porém
firme, explicando a razão da negativa.
Essa questão é particularmente importante para os pais
que, desde cedo na vida dos filhos, verificam todos os dias
que os filhos seguidamente solicitam coisas ou desejam fazer
algo que implica em perigo para as crianças. Como os pais
amam seus filhos, obviamente precisam dizer NÃO para essas
exigências. Sabemos, porém, que as crianças podem ser ge-
niosas e insistentes na tentativa de conseguir o que desejam.
Choro, manha, birra e até mesmo atos de rebeldia são em-
pregados na tentativa de manipular os pais e fazê-los ceder.
Alguns pais acabam cedendo à pressão e manipulação dos
filhos. Esse é um clássico exemplo de DESAMOR AOS FI-
LHOS. Estão ensinando a eles que tudo pode ser obtido com
suficiente pressão ou manipulação. Os filhos rapidamente
aprendem essa lição e crescem com esse hábito. O resultado
é que, mais cedo ou mais tarde, vão entrar em conflito com
as figuras de autoridade que encontrarem pela frente, sejam
elas seus professores, chefes ou autoridades civis ou policiais.
Vale lembrar que os principais condicionamentos e traços da
personalidade são formados nos primeiros sete anos de vida
da criança.
A estrutura familiar de muitos casais, em que tanto o pai
como a mãe trabalham fora e têm pouco tempo à noite para de-
dicar aos filhos, faz com que estes sintam necessidade de atenção
e procurem obtê-la dos pais por todos os meios, inclusive da re-
beldia, já que acreditam que com bom comportamento e carinho

77
não estão conseguindo a atenção que desejam. Os pais, sentin-
do-se culpados por não dar aos filhos a atenção que gostariam,
acabam cedendo às impertinências deles, procurando reparar seus
sentimentos de culpa dando demasiados presentes caros como um
meio de compensá-los pelo pouco tempo que lhes dedicam. Além
disso, sentem que não devem insistir na disciplina com os deveres
escolares, as tarefas domésticas e o comportamento familiar e so-
cial, para não afastar mais ainda seus filhos.
O resultado desta falta de disciplina com os filhos será
para eles um processo de “deseducação”. Eles não estarão pre-
parados para interagir de forma construtiva com as pessoas na
sociedade. Isso será visto bem cedo. Inicialmente na forma de
um comportamento agressivo, mostrando rebeldia com toda
figura de autoridade, com uma atitude de egoísmo com seus
colegas de escola e amigos. As reclamações vão aparecer, mas os
pais, já devidamente “treinados” pelos filhos, vão defender seus
rebentos e aceitar a versão deles. Na adolescência os desvios
comportamentais provavelmente serão mais dramáticos. Os
pais só vão dar conta da extensão do problema quando forem
chamados pela polícia ou pelo hospital para serem notificados
das ocorrências envolvendo seus filhos.
Mais tarde vão verificar que os filhos têm dificuldade
de manter um emprego, pois não aceitam autoridade e não
conseguem manter uma rotina de disciplina. Quem sabe se
os jovens conseguirão despertar para as regras de bom con-
vívio na sociedade quando conhecerem uma pessoa que faça
seu coração “derreter”. O amor tudo pode, e um verdadeiro
relacionamento amoroso pode mudar uma pessoa.

78
Até mesmo para a vida espiritual, a disciplina é absolu-
tamente indispensável. Só é possível meditar com a discipli-
na da mente, dos horários, das sequências das práticas, etc.
Os budistas apresentam a disciplina (shīla) como a segunda
grande virtude que precisa ser desenvolvida na vida espiritu-
al. Na seção sobre a Auto-Observação, será apresentada uma
das práticas mais efetivas para nossa mudança interior: a
sistemática auto-observação ao longo do dia. Será visto que
devemos observar todas as nossas reações às situações que
enfrentamos na vida diária, pois essas situações são colheitas
kármicas. A pessoa mimada ao longo da infância terá grande
dificuldade para aceitar os “espinhos” de suas colheitas kár-
micas. Podem até tentar manipular a Deus ou os Senhores
do Karma, com suas óbvias frustrações. No capítulo sobre a
purificação, será dito que a verdadeira purificação não é do
corpo, mas sim da mente. Ela envolve dizer “não” às exigên-
cias do ego, que não são poucas. Aprender a dizer e a ouvir
“não” é imprescindível, tanto para a vida mundana como
para a espiritual.

5.2 Amar as pessoas difíceis


Em nossa vida diária, a aceitação nos levará a não sermos
indiferentes e muito menos grosseiros com as pessoas que en-
contramos, mesmo que a atitude delas não seja amigável. Se
nosso coração estiver realmente pleno de amor, essa vibração
vai transparecer em nosso olhar e em nossa atitude para com as
pessoas em todas as situações. O fluxo natural da vida é de den-

79
tro para fora. Não precisamos nos preocupar com o que dizer
ou o que fazer. Como nos ensinou Jesus: “a boca fala daquilo de
que o coração está cheio”. O mesmo podemos dizer sobre nossas
ações; elas vão refletir a vibração de nosso coração se estivermos
praticando sempre o que Jesus nos pediu: “Como eu vos amei,
amai-vos também uns aos outros. Nisto reconhecerão todos que sois
meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros.”
Precisamos não só ler ou ouvir os ensinamentos de Jesus,
mas principalmente senti-los em nosso coração. Ao ouvirmos
que devemos nos amar uns aos outros, nossa primeira reação
pode ser de que eu já amo aqueles que estão comigo no Cami-
nho em busca da autotransformação. No entanto, precisamos
aprender a amar a TODAS as pessoas e não só nossos amigos
e companheiros de “busca”. Os ensinamentos de Jesus, apre-
sentados a seguir, são os grandes desafios do verdadeiro cristão:

“Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; aquele


que matar terá de responder no tribunal. Eu, porém, vos
digo: todo aquele que se encolerizar contra seu irmão,
terá de responder no tribunal; aquele que chamar ao seu
irmão ‘Cretino!’ estará sujeito ao julgamento do Siné-
drio; aquele que lhe chamar ‘Louco’ terá de responder na
Geena de fogo.
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o
teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos
e orai pelos que vos perseguem; desse modo vos tornareis
filhos do vosso Pai que está nos céus, porque ele faz nascer
o seu sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre

80
justos e injustos. Com efeito, se amais aos que vos amam,
que recompensa tendes? Não fazem também os publicanos
[coletores de impostos] a mesma coisa? E se saudais apenas
os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem também os
gentios a mesma coisa? Portanto, deveis ser perfeitos como o
vosso Pai celeste é perfeito.”

O verdadeiro cristão deve ir além da tradição e além de


não fazer o mal. É preciso obedecer ao principal mandamen-
to do Mestre: amar-nos uns aos outros, sem excluirmos a
maior parte dos membros da família humana que porventura
não alcançam o padrão elevado que gostaríamos de encontrar
em nossos companheiros de jornada. Se não transformarmos
a nossa mente e nos conscientizarmos que somos TODOS
filhos de Deus, ainda que alguns estejam profundamente
adormecidos para a realidade fundamental da UNIDADE,
seremos exatamente como o homem comum que nutre um
profundo ódio, ainda que velado, para todos aqueles que não
compartilham suas crenças e não agem de acordo com suas
expectativas. São esses sentimentos de animosidade que fa-
zem com que tantas pessoas cometam vandalismos e atos de
crueldade contra os “torcedores do outro time” ou os “sim-
patizantes do outro partido.” O discípulo do Mestre deve ser
diferente da multidão, deve considerar todos como “irmãos”
e tratá-los como tal.
Mas parece haver limites para a aceitação e o amor ao pró-
ximo. Muitos dirão que é impossível gostar das pessoas cujo
comportamento vai contra a ética e tudo o que mais prezamos

81
na vida social. Eles estão certos, não é possível gostarmos dessas
pessoas. No entanto, não estamos falando de gostar, mas sim de
amar. Há uma grande diferença entre gostar e amar, apesar
da confusão que muitas pessoas fazem pensando que os dois
termos são sinônimos. Realmente, precisamos ter empatia, afi-
nidade, respeito e até mesmo admiração para gostar de alguém.
No entanto, podemos amar até mesmo os criminosos e aqueles
que nos perseguem, como Jesus nos ensinou.
Como isso é humanamente possível? Lembremos que dois
pontos essenciais do amor são: desejar de coração o bem do ou-
tro e fazer o que estiver ao nosso alcance para que isso venha a
ocorrer. Procuremos imaginar um criminoso que causa grande
dano à sociedade, seja ele um político corrupto, um estuprador
ou um assassino impiedoso. Qual o maior bem que poderemos
desejar a esse criminoso?
Que ele DESPERTE para o sofrimento que está causando aos
outros e, por isso, a ele mesmo, em virtude da Lei de Causa e
Efeito. Todos nós podemos desejar esse despertar, essa mudan-
ça interior que, caso venha realmente a ocorrer, trará grandes
benefícios para o criminoso e para a sociedade. Na verdade, é o
que devemos sinceramente pedir a Deus, em vez de pedirmos
vingança pelos crimes e maldades feitos por esses ignorantes da
Grande Lei. O desejo de vingança, ainda que eufemisticamen-
te o chamemos de justiça, só vai alimentar a vibração negativa
da comunidade que está ciente dos crimes praticados e reforçar
as atitudes negativas do criminoso. Algo que é geralmente ig-
norado é que nossos desejos geram karma, que neste caso pode
ser bem pesado:

82
“Lembra-te de que a veste maculada que hoje evitas tocar
pode ter sido tua ontem, ou pode ser tua amanhã. Não te
iludas imaginando que podes apartar-te do mau ou do
insensato. Eles são tu mesmo, embora em grau menor do
que o teu amigo ou teu Mestre”.19

5.3 O valor do perdão


A primeira dificuldade para praticarmos o perdão é o fato
de o ego estar sempre focado no passado. A culpa é o resultado
de mantermos em nossa memória os “pecados” do passado.
Porém, só podemos amar no presente, sendo o perdão uma
expressão de amor. O perdão neutraliza os dois venenos que
nos prendem ao passado: culpa e mágoa.
Se nossas lembranças de sofrimento nos prendem ao pas-
sado, como podemos nos livrar do tempo? Para isso temos que
viver no Eterno Agora, que na verdade é o estado de consci-
ência do Reino de Deus. O perdão não é necessário no Céu,
pois “ali” ninguém é culpado ou tem pecado. No “Céu” tudo
está bem, nada precisa ser mudado ou consertado. Para en-
trarmos na consciência do Reino do Céu, precisamos aceitar
a vida como ela é, ou seja, perdoar todos os nossos julgamentos e
pensamentos de crítica.
O perdão é uma atitude para com a vida, mesmo quando
somos agredidos. Jesus nos ensinou abandonar a antiga tra-
dição judaica de retaliação na famosa passagem: “Ouviste que
foi dito: Olho por olho e dente por ente. Eu, porém, vos digo: não
Luz no Caminho, op. cit., p. 36-38.
19

83
resistais ao mal; antes, àquele que te fere na face direita oferece-lhe
também a outra.” As pessoas geralmente acham o ensinamento
de dar a outra face incompreensível. A razão para isso é que
entendem essa passagem bíblica literalmente, quando ela é ale-
górica. Dar a outra face quando atacado é apresentar a atitude
(ou face) espiritual de não revidar, não atacar.

“Considerada sob o ponto de vista da visão comum, a


retaliação de qualquer espécie é não só permissível, mas
desejável. O contra-ataque é o melhor meio de defesa. As
leis da vida espiritual indicam o contrário. Não só são
aconselhadas a ausência de defesa e de retaliação, mas,
estendendo o princípio, parece como se fosse recomendada
a repetição do ataque, convidada pela não ação. A disci-
plina da não-reação à pressão externa e a preservação, sob
todas as circunstâncias, o equilíbrio interior é essencial,
porque, então, é estabelecida a perfeita harmonia, e ela
governa o pensamento e a conduta. O aspirante, portan-
to, permanece calmo, impassível e sem represália a cada
assalto à cidadela de sua consciência mais interior.” 20

A atitude defensiva de nossas posses e do que acreditamos


serem nossos direitos pessoais foram desenvolvidas ao longo de
centenas de vidas. Essa atitude é necessária para a vida em so-
ciedade, para preservar nossa vida pessoal, nossas posses, nos-
sa família. Mas, quando entramos no Caminho Espiritual, os
valores do passado da personalidade precisam ser substituídos
HODSON, Geoffrey. A Vida de Cristo do Nascimento à Ascensão. Brasília, Ed. Teosófi-
20

ca, 1999. p. 141.

84
pelos valores do bem comum, geralmente expressos pelo ideal
da harmonia. O erro tem de ser desfeito ou corrigido, em vez de
castigado. A raiz do erro é o medo, e todo medo é oriundo do
passado. Só o amor dissipa o medo, mas o amor está no presente.
Por incrível que pareça, perdoar a si mesmo pode ser, al-
gumas vezes, mais difícil que perdoar o outro. Não existe nin-
guém tão duro conosco como nós mesmos. Porém, quando
perdoamos nossos erros, após a devida reflexão e determinação
de mudar, entendemos que os outros também erram por igno-
rância e fraqueza. O perdão dos outros passa a ser mais fácil,
especialmente quando nos damos conta de que o processo do
perdão está inteiramente sob nosso controle.
Perdoar é simplesmente uma escolha seletiva de nossas
lembranças. Em vez de insistirmos em nos lembrar das coisas
negativas do passado, escolhemos nos lembrar dos momentos
alegres com a pessoa que queremos perdoar e então esquece-
mos o resto. O perdão radical é o total abandono do passado,
em todos os relacionamentos pessoais e dramas coletivos.
Na perspectiva do amor, perdoar é a disposição de abrir
mão das mágoas e sentimentos de culpa do passado. É a deci-
são de não sofrer mais e curar o coração e o espírito. É a escolha
de não dar mais valor à raiva e ao ódio. E é também a renúncia
ao desejo de magoar os outros e a nós mesmos por algo que
pertence ao passado.
O perdão não é uma complacência com o erro. Ao perdoar
o outro, você não está de modo algum concordando com o
comportamento daquele que o faz sofrer, ou aceitando suas
agressões ou ofensas. Ao perdoar, você deve aprender a sepa-

85
rar consequência, de culpa ou ressentimento. Não podemos
evitar a consequência objetiva dos atos cometidos no passado.
Mas não devemos permitir que a culpa ou o ressentimento nos
prendam em suas garras.
Com relação ao perdão, QUERER é a palavra chave. Decida
que não quer mais sofrer. Perdoe-se e perdoe o outro. Ao invés
de querer castigar o outro, assuma a busca da paz interior como
sua meta. O homem do mundo age em conformidade com sua
tradição (que julga ser a sabedoria), em contraste com a sabedoria
superior. A sabedoria superior tolera; a tradição julga; a sabedoria
alivia; a tradição culpa; a sabedoria perdoa; a tradição condena.
Jung nos ensinou que a imaginação criativa, que os bu-
distas chamam de imaginação correta, é um poderoso instru-
mento de mudança interior. Imagine sua vida sem medo de
expressar seus sonhos. Você sabe o que quer, o que não quer e
quando quer. Está livre para alterar sua vida da forma que sem-
pre desejou. Continue o exercício imaginando que você tem
permissão para ser feliz e aproveitar a sua vida. Para concluir,
imagine que ama a si mesmo do jeito que você é.
O próximo passo demanda disciplina. Para moldarmos
uma realidade feliz, temos que nos empenhar a cada momento,
em não nos permitir ser limitados e encarcerados no medo do
passado, nas ansiedades sobre o futuro e pelas “verdades” ques-
tionáveis que assimilamos de nossos pais e da nossa cultura.
Perdoar equivale a descartar o lixo psicológico da mesma
forma que fazemos com o lixo orgânico depois das refeições.
Todo lixo acumulado deixa um cheiro ruim no ambiente. O
lixo psicológico é uma clara indicação de que há algo podre em

86
nossos sentimentos que, por ignorância, insistimos em guardar
no nosso coração.
O discernimento é necessário no perdão, como em todas
as situações da vida. Ao perdoar não preciso concordar nem
apoiar o comportamento prejudicial ou antissocial do outro. O
perdão é uma atitude interior e não um ato externo, muitas ve-
zes teatral. O objetivo do perdão não é mostrar que temos uma
natureza superior e magnânima. Tampouco tem o propósito de
mudar ou envergonhar o outro, mas simplesmente mudar nos-
sa maneira de ver o mundo e, com isso, mudar os pensamentos
negativos ou de discórdia que nutrimos em nossa mente. Dessa
forma, alcançamos seu verdadeiro propósito que é trazer paz
para nossa mente, abrir caminho para o amor incondicional e
permitir que venhamos sentir a verdadeira alegria de nos livrar-
mos dos venenos do passado.
O perdão é especialmente importante no seio da família.
É entre aqueles que mais amamos que ocorrem mais ocasiões
para sofrimento: palavras inapropriadas em momentos de es-
tresse, descuidos com as suscetibilidades de cada um dos nossos
familiares, esquecimentos de datas, ocasiões especiais, promes-
sas esquecidas, expectativas não alcançadas, enfim, toda gama
de situações em que magoamos nossos familiares e somos ma-
goados por eles. Nesse sentido, a família é realmente um lugar
fundamental para o exercício do perdão. Em uma recente ho-
milia, o Papa Francisco disse:

“Não existe família perfeita. Não temos pais perfeitos,


não somos perfeitos, não nos casamos com uma pessoa

87
perfeita nem temos filhos perfeitos. Temos queixas uns dos
outros. Decepcionamos uns aos outros. Por isso não há
casamento saudável nem família saudável sem o exercício
do perdão. O perdão é vital para nossa saúde emocio-
nal e sobrevivência espiritual. Sem perdão a família se
torna uma arena de conflitos e um reduto de mágoas.
Quem não perdoa não tem paz na alma nem comunhão
com Deus. A mágoa é um veneno que intoxica e mata.
Guardar mágoa no coração é um gesto autodestrutivo.
É autofagia. Quem não perdoa adoece física, emocional
e espiritualmente. É por isso que a família precisa ser
lugar de vida e não de morte; território de cura e não de
adoecimento; palco de perdão e não de culpa. O perdão
traz alegria onde a mágoa produziu tristeza, cura, onde
a mágoa causou doença.”

O perdão só será completo em nossas vidas quando con-


seguirmos perdoar inteiramente nossos pais. Muitas pessoas,
mesmo em sua vida adulta, guardam ressentimentos de certas
atitudes do pai ou da mãe, ou de ambos. Mesmo que nossos
pais tenham sido amorosos conosco, ainda assim, é provável
que nosso relacionamento com eles, em nossa tenra infância,
tenha deixado marcas psicológicas profundas que nos acompa-
nham pelo resto de nossas vidas. Para nos libertarmos de nossos
traumas de infância, precisamos perdoar aqueles que julgamos
“culpados” pelos problemas de nossas vidas. Vale lembrar que,
se tivermos a possibilidade de conhecer as circunstâncias da
infância de nossos pais, vamos verificar que eles provavelmente

88
repetiram conosco o tratamento que receberam dos pais deles,
nossos AVÓS.
Esse entendimento, de que as pessoas tendem a repetir
ou repelir o que vivenciaram no passado, é importante para
aprendermos a extensão de como somos prisioneiros do pas-
sado. A libertação da culpa, ou do medo, que é o outro lado
da culpa, facilitará nosso entendimento de que para alcançar
a paz e a felicidade precisamos nos libertar do passado.21 Um
futuro melhor só pode ser construído no presente. Mas, para
isso, teremos que estar conscientes do presente, em vez da usu-
al aceitação de que o presente é uma continuação automática
do passado e que o futuro será a mesma coisa, ou seja, uma
prisão eterna.
O perdão é uma mudança de atitude interior. Para isso
precisamos estar convencidos de que podemos mudar. Toda
mudança começa com uma decisão interior, com o pensamen-
to de que deve haver uma alternativa e que podemos escolher
essa alternativa. Com isso assumimos a responsabilidade por
nossa vida em vez de esperar que nossos problemas sejam resol-
vidos por uma fonte externa, seja ela o nosso companheiro/a,
o governo ou Deus.

5.4 A alegria do serviço


Vimos que um aspecto do amor é fazer tudo que estiver ao
nosso alcance para o bem do outro. COM O PROGRESSO NA
VIDA ESPIRITUAL, o buscador começa a expandir sua consci-
KRISHNAMURTI, J. Liberte-se do Passado. São Paulo: Ed. Cultrix.
21

89
ência e a expressar um crescente sentimento de bondade, genero-
sidade, empatia e fraternidade com um número cada vez maior
de pessoas. À medida que expande seus horizontes, alcança uma
crescente paz interior e, com isso, desenvolve maturidade e sa-
bedoria que lhe indicam o caminho a seguir. Um sentimento de
compaixão para com seus companheiros de jornada, cujas crenças
negativas os levam a sofrer, começa a tomar conta de seu coração.
Inicialmente, a expressão de sua empatia e bondade é natu-
ralmente manifestada com aqueles que estão mais perto, como
seus parentes, amigos e colegas de trabalho. Ele tem sempre
uma palavra de estímulo, conforto e alegria para aqueles que
estão ao seu redor. Vivendo em plena atenção, ele tem uma
percepção aguçada dos problemas e do sofrimento dos outros
e, naturalmente, procura ajudar. Os outros sentem que este ir-
mão ou irmã é um verdadeiro “porto seguro”, com quem sem-
pre poderão contar. Sua esfera de ação vai crescendo natural-
mente. Ele ajuda nos problemas materiais e de saúde e também
consegue motivar outras pessoas a participar de alguma forma
ou com algum recurso para ajudar os mais necessitados. Tor-
na-se um ombro amigo sempre disponível para ouvir e acon-
selhar as pessoas em seus problemas. Ele tem uma qualidade
rara: ajuda com tanta delicadeza que as pessoas beneficiadas
por sua ajuda não se sentem constrangidas ou humilhadas, ao
contrário, sentem que encontraram um irmão mais velho, um
verdadeiro anjo protetor com quem poderão contar em todas
as situações.
Aquele que estava “buscando” finalmente “encontrou”. Ele
agora sabe, em seu coração, que “é dando que se recebe”. A doação

90
espontânea e altruísta é a chave para a alegria interior, que é, por
sua vez, a chave para abrir a “porta estreita” que leva ao “caminho
apertado”. Ele cresce progressivamente em bondade e sabedoria.
Ele agora sabe que recebeu muito da comunidade de buscadores
e sábios que vieram antes dele. Sabe, em seu coração, que tem o
dever implícito de ajudar seus irmãos que ainda não despertaram
para a realidade da vida e também àqueles que recém-começa-
ram a busca. Começa então a alegria do “serviço”.
O serviço é uma decorrência natural da unidade da vida e da
natureza divina de todos os seres. Portanto, todos os seres, sem
exceção, devem ser envolvidos na expressão de amor impessoal
do servidor da humanidade, atuando de forma sábia e compassiva
sem ser tolhido por regras artificiais limitativas. O exemplo clássi-
co e completo desta atitude é encontrado na parábola do “bom
samaritano”. A beleza deste ensinamento é tão tocante que vale a
pena apresentá-lo em sua inteireza. Jesus foi questionado por um
“doutor da lei” a definir quem é o próximo que devemos amar
como a nós mesmos. Ele explicou com a seguinte história:

“Um homem descia de Jerusalém a Jericó e caiu no meio


de assaltantes que, após havê-lo despojado e espancado,
foram-se, deixando-o semimorto. Casualmente, descia
por esse caminho um sacerdote; viu-o e passou adiante.
Igualmente um levita, atravessando esse lugar, viu-o e
prosseguiu. Certo samaritano em viagem, porém, chegou
junto dele, viu-o e moveu-se de compaixão. Aproximou-
-se, cuidou de suas chagas, derramando óleo e vinho,
depois o colocou em seu próprio animal, conduziu-o à

91
hospedaria e dispensou-lhe cuidados. No dia seguinte, ti-
rou dois denários e deu-os ao hospedeiro, dizendo: ‘Cuida
dele, e o que gastares a mais, em meu regresso te pagarei’.
Qual dos três, em tua opinião, foi o próximo do homem
que caiu nas mãos dos assaltantes? Ele respondeu: ‘Aquele
que usou de misericórdia para com ele’. Jesus então lhe
disse: ‘Vai, e também tu, faze o mesmo’.”

Os detalhes da história que a tornava tão indigesta para


os judeus, mas mostrava a profundidade dos ensinamentos
do Mestre, eram os personagens do relato. O sacerdote e o
levita, que passaram ao largo sem cuidar do homem deixado
semimorto pelos assaltantes, portanto mostrando total falta
de compaixão, eram tidos como os membros mais importan-
tes na hierarquia religiosa e social da tradição judaica. Além
disso, o sangue era considerado pela Lei Mosaica como algo
impuro, que as pessoas deviam evitar tocar (as regras artificiais
limitativas). O samaritano, por outro lado, era tido como um
cidadão de segunda classe pelos israelitas, devido a uma série
de eventos históricos que alimentaram sérias disputas entre os
dois grupos. Portanto, causava vergonha aos judeus apresentar
um samaritano como uma pessoa misericordiosa, o verdadeiro
herói da história, enquanto o sacerdote e o levita, os baluartes
da sociedade judaica, agiram de forma insensível para com o
sofrimento alheio e não fizeram o que era esperado deles como
líderes religiosos.
Por essa razão, Jesus em várias ocasiões alertou seu povo para
a necessidade de ser verdadeiramente honesto, em vez de mera-

92
mente cuidar das aparências, usando expressões fortes como: “Ai
de vós, escribas e fariseus, hipócritas...” para exemplificar o com-
portamento inapropriado dos líderes da comunidade.
Com o amadurecimento, chegará o estágio do caminho
em que começa a transição do foco da ajuda dos planos ma-
teriais para o espiritual. Como é dito de forma singela, mas
incisiva no livrinho Aos Pés do Mestre:

“Alimentar os pobres é uma obra boa, nobre e útil; porém


alimentar suas almas é ainda mais nobre e mais útil do que
alimentar seus corpos. Qualquer homem rico pode alimen-
tar o corpo, mas somente aqueles que sabem podem alimen-
tar a alma. Se tu sabes, é teu dever auxiliar outros a saber.”22

O intelectual geralmente tem o conhecimento para a etapa


mais avançada de “alimentar as almas”, mas nem sempre tem as
outras qualificações necessárias, como a paciência, dedicação e
a motivação compassiva.
Nesse ponto devemos nos lembrar, mais uma vez, que nosso
amor ao próximo deve ser pautado pelo amor que temos por nós
mesmos. Portanto, precisamos despertar para a realidade da na-
tureza humana, para desenvolvermos a convicção de que deve-
mos dar ao outro justamente aquilo que queremos para nós mes-
mos. Como quero entender as coisas e sentir paz, amor, harmonia
e alegria, essas são as maiores dádivas que posso oferecer aos outros.
O serviço espiritual na tradição cristã começa com o que
é geralmente referido como “caridade”. A maior parte das refe-

22
KRISHNAMURTI, J. Aos Pés do Mestre. Brasília: Ed. Teosófica,1999. p. 28-29.

93
rências à caridade no Novo Testamento é encontrada nas epís-
tolas paulinas. Talvez a mais conhecida seja o assim chamado
Hino à Caridade do apóstolo Paulo em sua Primeira Epístola
aos Coríntios. No entanto, a palavra “caridade” não foi usa-
da no original grego, que empregava o termo “agápi”, que na
verdade significa “amor”. Na tradução da Bíblia, efetuada no
século IV do original grego para a versão latina (Vulgata), a
palavra usada: “caritas” resultou na distorção de amor por cari-
dade neste maravilhoso texto. Desde então, o conceito abran-
gente de “amor” na prece ou hino de Paulo foi limitado para
“caridade”, com isso enfatizando os atos externos de doação em
vez da atitude interior de verdadeiro amor incondicional.
Usando o termo original, como ainda é encontrado em
algumas versões da Bíblia, Paulo exalta o amor como a maior
das virtudes. O texto prossegue enaltecendo:

“O amor é paciente, o amor é prestativo, não é invejoso,


não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de in-
conveniente, não procura o seu próprio interesse, não se
irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça,
mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê,
tudo espera, tudo suporta.”

Paulo termina seu hino alertando: “Agora, portanto, per-


manecem fé, esperança e amor, estas três coisas. A maior delas,
porém, é o amor.” Ao usarmos a palavra certa, amor em vez de
“caridade”, nossos corações imediatamente entram em sintonia
com a homilia ao amor, pois ele é a mais elevada virtude. Em
especial, o aspecto do amor que procura promover o bem de

94
nosso próximo servindo a todos sem distinção, movido sempre
pela profunda compaixão para com todos os seres.
Na tradição budista do norte (Mahayana, o grande veículo),
o termo Bodhichitta tem uma conotação que engloba a com-
paixão. A palavra Bodhichitta é formada pelos termos sânscritos
Chitta, que significa “mente” e “atitude”, e Bodhi, que significa
“Iluminação” e “despertar”. O praticante avançado, tocado por
Bodhichitta, geralmente faz o voto de buscar a Iluminação, o mais
rapidamente possível, para assim capacitar-se a ajudar os outros a se
libertarem da roda do sofrimento. Busca então seguir o Caminho
do Bodhisattva.23 A compaixão é a principal virtude dos budistas
avançados. É a capacidade de colocar-se no lugar do outro e, com
isso, agir de acordo. Se ele estiver caído, ajudá-lo a levantar-se;
se estiver triste, procurar consolá-lo. Nunca permitir que quem
sofre se sinta sozinho. Mas procurar sempre estar ao seu lado,
especialmente nos momentos de solidão.
Com isso vemos como as diferentes tradições apresentam
os mesmos ensinamentos, ainda que com um enfoque e roupa-
gem diferentes. Esse voto expressa em profundidade o que Jesus
ensinou: “Amar ao próximo como a si mesmo”. Ao aprendermos
que a libertação do sofrimento vem com a Iluminação, estabele-
cemos a devida prioridade: primeiro buscar nossa Iluminação o
mais rapidamente possível, para dessa forma nos capacitarmos a
verdadeiramente ajudar os outros a libertarem-se do sofrimento.

SHANTIDEVA, Mestre. The Way of the Bodhisattva. Boston: Shambhala, 1997. Bodhi-
23

sattva é um termo sânscrito que significa literalmente “aquele cuja essência tornou-se
inteligência”; é aquele que precisa somente mais uma encarnação para tornar-se um
Buda perfeito e, portanto, opta por não entrar em Nirvāna. (Glossário Teosófico de H.
P. Blavatsky)

95
É interessante notar que, no Budismo tibetano, as seis per-
feições transcendentes das virtudes (pāramitās) começam com
a generosidade (dāna), que abrange doar e, principalmente, o
doar-se, que também inclui o serviço altruísta. A mesma vir-
tude da generosidade também é mencionada no Hinduísmo.
No Caminho Oculto, também conhecido como a Senda
Acelerada, os aspirantes são preparados pelos Mestres de Sabedo-
ria24 para se capacitarem como Seus auxiliares no serviço altruís-
ta em prol da evolução da família humana. A caracterização de
“altruísta” para o serviço a ser prestado é de crucial importância.
Ele deve ser prestado devido à compaixão para com o sofrimento
alheio e ao senso de dever do aspirante para com Seu Mestre, sa-
bendo que os Grandes Seres estão sempre engajados em projetos
visando ao bem da humanidade. Portanto, qualquer interesse
pessoal de ganho material ou de prestígio é incompatível com o
serviço. A motivação deve ser sempre o bem do outro.
Para aqueles que não fizeram um comprometimento total
à Vida Espiritual, o conceito tradicional de caridade pode ser
um bom começo para o serviço. Um entendimento bem mais
amplo para todos os envolvidos no alcance da verdadeira cari-
dade é insinuado na poesia abaixo:

Os assim chamados Mestres de Sabedoria são aqueles que alcançaram a quinta Ini-
24

ciação, ou seja, a Estatura da Plenitude de Cristo. É dito que com essa Iniciação Eles
estão permanentemente conectados em consciência com Deus. Nada mais têm a
aprender como seres humanos. No entanto, continuam a evoluir como Seres Sobre-
-Humanos, de forma desconhecida por nós. Ao alcançar a Quinta Iniciação optam
por seguir um dos sete caminhos possíveis, sendo que um deles, para aqueles que
fizeram o voto de Bodhichitta, implica em permanecer na esfera terrena, assumindo
um corpo físico, para ajudarem a família humana na libertação do sofrimento até o
“fim dos tempos”.

96
Caridade25

“Caridade se concede
Por angélico alvará;
Quem auxilia recebe,
Acreditando que dá”.

Poesia psicografada por Francisco Cândido Xavier em Eugênio Rubião, Trovadores


25

do Além (FEB).

97
6. A entrega a Deus

A
pessoa madura é consciente de que deve assumir a res-
ponsabilidade por construir a sua vida, sem sonhar e
esperar que seus problemas sejam resolvidos por
uma fonte externa. No entanto, um dos pilares da vida
espiritual é a entrega a Deus. Será que estamos diante de
mais um paradoxo da vida oculta? Esse não é o caso. As
duas proposições são verdadeiras concomitantemente,
pois Deus não é uma fonte externa, mas sim o âmago de
nossa natureza interior. Na verdade somos uma expressão
de Cristo, somos o Filho de Deus, mas a maior parte da
humanidade ainda não tem consciência desta verdade pro-
funda e eterna.
Nosso progresso na Senda espiritual torna-se acelerado
quando fazemos uma sincera entrega a Deus ou, como alguns
estudiosos preferem dizer, uma entrega à nossa natureza divi-
na. Com isso transferimos o centro de decisões de nossa vida,
do ego, com suas limitações de todos os tipos, para nossa
natureza superior, com seu amor, sabedoria e total compro-
metimento com nossa felicidade última. Com isso estaremos
desativando o atual agente controlador de nossa vida, que
não busca o nosso verdadeiro interesse, e entregando o con-
trole para nosso Pai/Mãe Celestial, cujo propósito é a nossa
libertação do sofrimento e Iluminação, ou seja, o nosso “pas-

99
saporte” para que, como filhos pródigos que somos, possa-
mos retornar para a Casa do Pai.
Quando realmente nos entregamos a Deus sentimos que
não estamos mais sozinhos. Passamos a ter acesso a toda a sabe-
doria e poder que SERÃO NECESSÁRIOS para superarmos as
dificuldades e os desafios que todo aspirante enfrenta no cami-
nho que leva à Verdade que nos liberta. Vista sob outro ângulo,
a entrega a Deus acelera nosso progresso na Senda, justamente
porque o objetivo da vida espiritual é alcançar a consciência da
unidade com Deus.
Sabemos, por experiência própria, que tudo conspira
contra as mudanças necessárias na vida espiritual. As tenta-
ções vivem nos fazendo tropeçar. Os apegos dificultam nos-
so progresso. O ego usa de mil artimanhas para garantir a
manutenção do status-quo, sendo uma das mais importantes,
no mundo cristão, a crença errônea de que somos “vis peca-
dores”. Essas dificuldades afetam buscadores novatos e avan-
çados indistintamente, como indica a famosa passagem do
Apóstolo Paulo:

“Eu sei que o bem não mora em mim, isto é, na minha


carne. Pois o querer o bem está ao meu alcance; não,
porém, o praticá-lo. Com efeito, não faço o bem que eu
quero, mas pratico o mal que não quero. Ora, se eu faço
o que não quero, já não sou eu que estou agindo, e sim
o pecado (o ego) que habita em mim”.

Esse impasse também foi aludido por Jesus no Sermão da


Montanha quando ele declarou: “Ninguém pode servir a dois

100
Senhores”. Temos que decidir se queremos tomar o caminho
que nos levará às alturas espirituais ou permanecer nos vales
sombrios deste mundo de ilusões, sofrendo sob o jugo do ego.
Neste caso permaneceremos sujeitos às inesperadas viradas
do destino com suas amargas surpresas e desilusões. Nossas
experiências são equiparadas a sonhos. Esses sonhos são de
nossa criação. Como eles são a nossa percepção errônea da
realidade, podemos mudá-los a qualquer momento. Temos o
poder de criar o inferno e o poder de criar o céu. Por que não
usar a nossa mente, nossa imaginação, nossas emoções e nossa
determinação para criar o céu? Com isso passamos a perceber
a paz, o amor e a alegria à nossa volta em tudo e em todos.
As tentativas de encontrar um meio termo entre esses dois
mundos não dão certo. Apesar do alerta de Jesus, os seres huma-
nos insistem em tentar servir a Deus e aos interesses materiais
ao mesmo tempo (referidos nos Evangelhos como Mamon, ou o
dinheiro). A razão para isso é a infantil crendice das pessoas nas
promessas do ego. No entanto, verificamos, ao custo de muita
dor, que não se pode confiar nas promessas do nosso inimigo
sedutor, tais como: “a vida é curta, vamos aproveitar as boas
coisas da vida enquanto somos jovens e deixar a vida espiri-
tual para quando ficarmos velhos”; “essa coisa de ética é uma
bobagem – vou aproveitar agora que ninguém está vendo e,
além do mais, o que eu quero não faz mal a ninguém”; e mui-
tas outras propagandas enganosas do nosso inimigo interior.
Uma escolha clara e firme tem que ser feita por quem
almeja progredir na senda. O progresso acelerado só ocorre
quando voltamos as costas para o mundo. O ensinamento de

101
Jesus ainda reverbera depois de dois milênios:
“Entrai pela porta estreita, porque largo e espaçoso é o cami-
nho que conduz à perdição. E muitos são os que entram por ele.
Estreita, porém, é a porta e apertado o caminho que conduz à
Vida. E poucos são os que o encontram”.
Apesar de saber que precisamos viver no mundo mate-
rial, ainda é válido o alerta de Paulo de que “devemos estar no
mundo sem ser do mundo.” Como é possível viver no mundo
sem estarmos envolvidos nos valores e nos costumes deste
mundo? Os místicos descobriram como resolver esse aparen-
te impasse: entregando-se a Deus. Jesus já havia ensinado essa
solução na parte mais espiritual da oração que ele mesmo
nos ensinou: “Pai nosso que estais no céu, santificado seja o
vosso Nome, venha a nós o vosso Reino, SEJA FEITA A VOS-
SA VONTADE, ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU ”. No
céu, ou seja, na consciência da unidade que reina nos planos
superiores, a Vontade de Deus ocorre naturalmente como se
fosse o alento eterno do Logos. Mas na Terra, tudo deve ser
feito de acordo com as decisões do ser humano, em virtude
de seu livre-arbítrio: ele decide e colhe as consequências de
suas escolhas.
Jesus deu seu próprio exemplo no Getsêmani, quando
ciente do sofrimento que o aguardava, mas movido pelo senso
de dever, disse: “Meu Pai, se é possível, que passe de mim este cá-
lice; contudo, não seja como eu quero, mas como tu queres”.
Por que os “buscadores espirituais” não seguem esta reco-
mendação e insistem em fazer as coisas pela metade? Existem
várias razões para isso. A primeira é o poder limitante de nossos

102
condicionamentos. Ao longo da vida desenvolvemos uma série
de crenças que passam a agir em nós como um programa de
computador. Elas tornam-se comandos automáticos e incons-
cientes para nossa mente. Passamos a agir como se nossa vida
estivesse programada e depois, quando as coisas não dão certo,
racionalizamos que aquilo realmente tinha que ser feito. Nosso
desafio é quebrar esses condicionamentos negativos.
A tradição hinduísta dá grande importância à entrega a
Deus. Nos Yoga-Sūtras, um dos deveres ou observâncias (niya-
ma) é referido como entrega a Deus (Ishvara-pranidhāna) ou,
como preferem alguns autores, como Aspiração ao Alto, ou
seja, a constante orientação para a meta escolhida.

6.1 O ego – “o oponente”


Mencionamos diversas vezes que o ego é um usurpador
do controle de nossa vida, o criador de ilusões sobre o mundo
e, o pior de tudo, um implacável inimigo camuflado e escon-
dido em nosso interior. O que é realmente o “ego”? Como ele
apareceu? Como é possível que ele seja um inimigo secreto es-
condido no interior do nosso ser? O que devemos fazer para
neutralizá-lo?
No texto mais esotérico da tradição cristã, Pistis Sophia,
a parte mais importante parece ser o “mito de Sophia”, que
ocupa boa parte do texto. Os “heróis” da história são Jesus e
Pistis Sophia, apresentados como um par. O vilão da história
é o “autocentrado”, que ao longo do relato procura “tirar a
luz” de Pistis Sophia, a alma de Jesus. O nome autocentrado é

103
bem apropriado para o nosso “ego” egoísta, presunçoso e fútil,
sempre demandando ser o centro das atenções, em busca da
gratificação dos sentidos, causando com esse comportamento
grande aflição à alma.
O conceito do ego é explicado, para os cristãos e judeus,
como resultado de uma interpretação literal, portanto errô-
nea, do importante texto alegórico da Bíblia que é o Mito do
Jardim do Éden. Acreditando textualmente nessa alegoria, o
cristão aceita que a culpa pelo suposto “pecado” de Adão e
Eva foi herdada por toda a humanidade e, por isso, sente-
-se culpado pelo “pecado original” de desobediência a Deus.
Como continua a desobedecer aos mandamentos de Deus e
da Igreja, o homem naturalmente teme que, mais cedo ou
mais tarde, Deus vá castigá-lo.
O ego é uma criação da mente concreta separatista. No
contexto da tradição judaico-cristã, ele surge como resultado
da crença de que o Filho de Deus, tendo sido expulso do Jardim
do Éden por Deus, passou a ser separado de sua Fonte. Tornou-
-se, portanto, um criador de distorções e fantasias oriundas da
ilusão fundamental da separatividade. Com isso, nossa nature-
za inferior passa a perceber a si mesma como o ego deseja e não
como ela realmente é. Felizmente, a mente abarca a totalidade
do nosso mundo, sendo uma parte voltada para baixo, para o
mundo material em que a percepção dos sentidos parece com-
provar que tudo realmente existe de forma separada, enquanto
outra parte está voltada para o mundo superior que, com uma
visão mais abrangente baseada na realidade, produz a mentali-
dade certa de que tudo o que existe faz parte da VIDA UNA.

104
Portanto, enquanto não aprendermos a nos valer da men-
talidade certa, ou seja, da mente divina em nós, chamada de
Espírito Santo na tradição cristã, só conseguiremos “perceber”
tudo dentro de um esquema de ilusões como seres separados.
O ego é simplesmente uma parte do nosso poder mental que
passa a trabalhar contra nós, como se um vírus infectasse nosso
“computador” mental, fazendo com que as percepções do nos-
so sistema operacional mental passassem a ser distorcidas como
sendo independentes, em vez de partes de um grande todo.
A consequência desta ilusão é que o ego torna-se um “ini-
migo da alma”, o verdadeiro “oponente”, que precisará ser re-
educado para deixar de trabalhar contra o propósito divino e
passar a contribuir para a Grande Obra. Ele não será destruído,
como ele procura fazer com tudo o que identifica como seus
opositores, mas simplesmente será reeducado e passará a coo-
perar com o processo evolutivo, seguindo as ordens recebidas
do Alto, como um eficiente subordinado e não como um tira-
no usurpador, como antes da grande transformação.

“O que é o ego? Apenas um sonho acerca do que realmen-


te és. Um pensamento segundo o qual estás à parte do teu
Criador e um desejo de seres o que Ele não criou. É uma
loucura, sem nenhuma realidade. Um nome para o que
não tem nome, é tudo o que ele é.
O que é o ego? O nada, mas numa forma que aparenta ser
algo. Num mundo de formas, o ego não pode ser negado,
pois só ele parece ser real. Quem te pede para definir o ego
e explicar como ele surgiu só pode ser alguém que pense que

105
ele é real e procure, através da definição, assegurar-se de
que a natureza ilusória do ego esteja oculta por detrás das
palavras que parecem fazer com que seja assim.
Onde havia escuridão, agora vemos luz. O que é o ego? É
o que era a escuridão. Onde está o ego? Está onde estava
a escuridão. O que é ele agora e onde pode ser encontra-
do? Nada e em lugar nenhum. Agora, a luz veio e o seu
oposto desapareceu sem deixar vestígios. Onde está o ego?
Quem tem necessidade de procurar uma ilusão, agora
que os sonhos partiram? ”26

O ego não é uma “criatura” de Deus. Ele é uma criação


de nossa mente concreta, uma unidade de consciência inferior
que surge quando a mente passa a processar as percepções dos
nossos sentidos no dia a dia, partindo de ideias que desenvol-
vemos desde a mais tenra infância, como os conceitos de “eu” e
“meu”, bem como nossos valores, crenças e preconceitos.
Esse falso eu vai se fortalecendo com o tempo, na medida
em que a memória acumula as impressões do passado. A cada
novo estímulo recebido dos sentidos pelo cérebro (som, luz,
calor etc.), a mente de imediato recorre àquela memória para
dar significado às novas percepções, obtendo suas conclusões,
pela comparação com as antigas. Dessa forma, o que captamos
do ambiente em determinado momento jamais é resultante in-
teiramente dele, mas sim dessa mistura com a percepção ante-
rior – ou seja, a memória acumulada – que pode estar afetada
por raiva, medo, preconceito e outras negatividades. Em outras
PROFESSORES, Manual de. Um Curso em Milagres, op. cit., p. 83-4.
26

106
palavras, nossas percepções do presente estão sempre distorci-
das pelo colorido e vibração das lembranças de emoções sus-
citadas no passado. Portanto, não refletem a realidade, sendo,
num sentido estrito, ilusões.
Apesar de todas as limitações, o ego deve ser visto e aceito
como decorrência de um processo natural, necessário, para a
nossa vida diária no mundo material que requer a diferencia-
ção de cada objeto ou ser. O ego – que acabamos identificando
como sendo nós mesmos – é o nosso instrumento para viver
no mundo da separatividade. Podemos imaginá-lo como um
andaime que utilizamos na construção do imponente edifício
do nosso Eu Superior. No entanto, passam-se os milênios e a
construção (recordação) do Eu Superior em nossa consciência
prossegue com enorme lentidão. E, ao longo desse processo,
fixamos nossa residência (consciência) no próprio andaime.
Nossas percepções e crenças são resultado da “mentalidade
errada” gerada pelo ego na mente concreta. No entanto, cami-
nhamos de forma lenta, mas inexorável, rumo à mentalidade
certa, em que a mente divina em nós (o Espírito Santo) passa
a assumir cada vez mais o papel de nosso guia no caminho ser-
vindo-se de sua percepção correta.
No momento, o ego envida todo esforço para que venha-
mos a “perceber” a nós mesmos como desejamos ser, em vez de
como realmente somos. Porém, só podemos “conhecer” a nós
mesmos como somos na verdade. Estamos usando as palavras
“perceber” e “conhecer” no sentido técnico de que as percep-
ções são feitas por nossa natureza inferior e estão sujeitas às
distorções do ego, portanto, são ilusões. “Conhecer”, por outro

107
lado, só é possível por meio de uma revelação Superior, equiva-
lendo ao que os discípulos avançados de Jesus e seus sucessores,
conhecidos como “gnósticos”, chamavam de “gnose”.
Esse verdadeiro “conhecimento,” a gnose, só pode ser ob-
tido em primeira mão, diretamente por meio de uma vivência
da Realidade, e não em segunda mão, por meio de descrições
em livros ou relatos de terceiros. Vem daí a importância do ter-
mo “metanoia”, infelizmente distorcido na tradução da Bíblia
como “arrependimento”. A palavra “metanoia” é formada de
dois termos gregos: “metá”, que significa “além de”; e “noia”
ou “enoia”, que significa a mente. Portanto, alcançar a meta-
noia significa ir além da mente, ou seja, entrar nos estados de
consciência superiores em que a Verdade pode ser conhecida.
Para “conhecer a verdade”, o devoto precisa ser profundamente
dedicado, como indicado pelo ensinamento de Jesus: “Se per-
manecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus dis-
cípulos e CONHECEREIS A VERDADE E A VERDADE VOS
LIBERTARÁ.” Permanecer na palavra do Mestre significa pra-
ticar com total dedicação os ensinamentos que ele nos legou.
Portanto, o “ego” não consegue “conhecer” a verdade, mas
só consegue “perceber” as ilusões criadas por ele mesmo. Para
nos manter na prisão das ilusões, o ego procura explorar todas
as situações, usando-as como formas de louvor a si mesmo de
modo a superar suas próprias dúvidas. O ego não é totalmente
independente. Ele precisa nos convencer de que é o nosso guia
e até mesmo salvador. Por isso, somos nós, com nossas decisões
influenciadas por nossa natureza inferior, quem criamos nosso
próprio ego. Como nossas crenças mudam com o tempo, nos-

108
so ego está sujeito a grandes variações. Com nossas percepções,
fazemos também um ego para cada pessoa que percebemos, o
qual também é instável. Devido à sua perspectiva de ser sepa-
rado, o ego nos apresenta uma visão de vida com distorções,
como indicado abaixo.

“Para o ego, dar qualquer coisa implica em que terás que


ficar sem ela. Quando associas dar com sacrifício, só dás
porque acreditas que estás de algum modo conseguindo
algo melhor e, portanto, podes ficar sem o que estás dan-
do. ‘Dar para receber’ é uma lei do ego da qual não se
pode escapar, e ele sempre avalia a si mesmo em relação
aos outros egos.
O ego vive literalmente por comparações. A igualdade
está além do seu alcance e a caridade passa a ser impos-
sível. O ego nunca dá a partir da abundância, porque foi
feito como um substituto para ela. É por isso que o con-
ceito de ‘receber’ surgiu no sistema de pensamento do ego.
Os apetites são mecanismos para ‘receber’ representando a
necessidade do ego de confirmar a si mesmo. Isso é tão ver-
dadeiro dos apetites do corpo quanto das assim chamadas
‘necessidades mais elevadas do ego’. Na origem, os apetites
do corpo não são físicos. O ego considera o corpo como a sua
casa e tenta satisfazer-se por meio do corpo.
O ego acredita estar completamente sozinho, o que é ape-
nas outra forma de descrever como ele pensa que se origi-
nou. Esse é um estado tão amedrontador que ele só pode

109
voltar-se para outros egos e tentar unir-se a eles em uma
frágil tentativa de identificação, ou atacá-los, em uma
demonstração igualmente frágil de força. O ego é a crença
da mente de estar completamente sozinho.”27

Nossa identificação com o ego explica nossa dificuldade de


acreditar que Deus nos ama. A menos que seja possível trans-
cender o conflito de nossa crença no ego e nossa incerteza do
amor de Deus, continuaremos aprisionado nas ilusões criadas
pelo ego. A razão deste impasse é explicada a seguir:

“Tu não amas o que fizeste e o que tu fizeste não te ama.


Sendo feito a partir da negação do Pai, o ego não tem
nenhuma aliança com quem o fez. Tu não podes conce-
ber o relacionamento real que existe entre Deus e as Suas
criações devido ao ódio que sentes pelo ser feito por ti. Tu
projetas no ego a decisão de te separares e isso conflita com
o amor que sentes pelo ego pelo fato de o teres feito. Ne-
nhum amor nesse mundo existe sem essa ambivalência, e
como nenhum ego experimentou amor sem ambivalên-
cia, o conceito está além da sua compreensão. O amor
penetrará de imediato em qualquer mente que o queira
na verdade, mas é preciso que ela o queira verdadeira-
mente. Isso significa que ela o queira sem ambivalência
e esse tipo de querer está totalmente isento da ‘compulsão
para receber’ que o ego tem”.28

Um Curso em Milagres, op. cit., Texto, p. 61-2.


27

Um Curso em Milagres, op. cit., Texto, p. 65.


28

110
6.2 O medo da entrega
Além da insegurança criada pelo ego, outra importante
razão para não nos entregarmos a Deus é um temor doen-
tio de que talvez Deus não saiba realmente o que precisamos
para ser feliz. Esse temor é um corolário de nosso apego à vida
deste mundo, na forma de uma racionalização para justificar
nossa insistência em fazer o que nossa personalidade quer. Te-
mos uma série de desejos e anseios, na maior parte fantasias
de gratificação dos sentidos e também de nos tornarmos im-
portantes e poderosos, incitando a admiração e respeito das
pessoas (o sonho do ego). Portanto, ainda estamos presos a
este mundo. Por essa razão, nossa mente nos diz (corretamen-
te) que uma possível entrega a Deus nos levará para longe dos
devaneios do ego.
O que significa, na prática, nos entregarmos à vontade
de Deus? Talvez seja mais proveitoso começarmos perguntan-
do quem se entrega a quem? Essa questão vem recebendo a
atenção dos sábios da humanidade desde tempos imemoriais:
quem sou eu? Vivemos numa identificação errônea com o cor-
po e o ego. Num sentido prático, somos dois seres em um: por
um lado nosso Ser verdadeiro e eterno, que é divino, é Cristo
em nós e, por outro, o nosso ser impermanente e ilusório que é
o ego que se identifica com o corpo. Falando sobre a natureza
humana, Paulo afirmou aos coríntios: “Se há um corpo psíquico,
há também um corpo espiritual ”. Paulo também disse: “Não sa-
beis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita
em vós?” Por muitos milhares, na verdade, por milhões de anos

111
nos identificamos com aquele ser que percebemos com nossos
sentidos, o corpo governado pelo ego.
O processo da entrega é a renúncia a este mundo, em que
vivemos para a gratificação dos sentidos e do ego, para nos
identificar com o Cristo interior e viver de acordo com a Von-
tade do Pai Celestial. Mas, qual é a vontade de Deus para co-
nosco? Como somente os verdadeiros devotos têm total certeza
sobre a beneficência da vontade de Deus para conosco, temos
a tendência a criar fantasias sobre o que pode ser a vontade de
Deus dependendo da imagem que temos Dele.
Nesse ponto, será útil uma definição. Usamos várias vezes
o termo “devoto”. O que significa ser um devoto? É ser intei-
ramente devotado ou dedicado a um projeto, a uma causa, a
uma missão ou a uma figura religiosa. Ele pode ser um místico,
um herói nacional, um grande empresário, um verdadeiro ar-
tista ou um atleta olímpico. Eles sacrificam tudo por seu ide-
al. Num sentido, eles são verdadeiros obcecados. Para termos
uma ideia da extensão desta “devoção”, o grande campeão de
natação, Michael Phelps, queimava 12.000 kcal/dia29 em seus
exercícios, só tirava um dia de folga por ano e treinava cerca de
cinco horas por dia na piscina, além dos exercícios de muscu-
lação e o estudo dos mínimos detalhes de seu desempenho em
vídeos. Portanto, os devotos vivem de acordo com as duas má-

Kcal/d é abreviação para quilocaloria por dia. Caloria é uma unidade de medição
29

de energia. A caloria é geralmente usada para definir o valor energético dos alimen-
tos. Os cientistas sugerem que a necessidade energética do ser humano depende do
sexo, altura e intensidade de atividade. Por exemplo, um homem com 1,80 m, pouco
ativo, precisa de 2 350 kcal/d, se for ativo de 2 900 kcal/d e muito ativo de 3.500
kcal/d.

112
ximas ensinadas por Jesus: “Ninguém pode servir a dois senhores”
e “Onde está o teu tesouro, aí estará o teu coração”.
A questão da dedicação na vida espiritual é tão importante
que um Mestre instruindo um aspirante ao discipulado afirmou:

“Como você sabe, existem certas palavras em nosso vo-


cabulário mais oculto que têm graus de significado em
geral de acordo com a pessoa que usa essas palavras e,
mais especificamente, a quem são aplicadas. A palavra
‘dedicado’ é um exemplo. Em seu significado pleno, para
todos nós, ser dedicado a um ideal, a realização de uma
meta e a seguir um modo de vida apropriado, significa
aceitação total e exclusiva do objetivo e de trabalhar e vi-
ver para ele; nada mais tem realmente qualquer impor-
tância, em comparação. Caso um assunto associado esteja
envolvido, então seu significado e o fato de ser desejável
ou não seriam imediatamente julgados de acordo com
o ideal e, reitero, exclusivamente. Tal, no significado
mais elevado da palavra, é dedicação. Porém, as pessoas
podem ser dedicadas em vários graus, não é verdade? Ou,
o cumprimento que dão ao ideal pode ser somente par-
cial, hesitante ou algo nesse sentido. Elas também podem
ser consideradas como, num sentido menor da palavra,
dedicadas e assim respeitadas por fazerem o melhor que
podem, considerando sua evolução, posição espiritual,
karma e outros interesses.”30

Luz do Santuário – O Diário Oculto, op. cit., p. 346.


30

113
Ao contrário do devoto, o ser humano comum cria inú-
meras imagens fantasiosas sobre Deus. Deus está além de to-
dos os nossos modelos, imagens e imaginações. Ele é referido
pelos cabalistas e discípulos Iniciados como O INCOGNOS-
CÍVEL, A FONTE, O TODO, O UNO. Assim, para chegar
mais perto de Deus, é preciso abandonar todas as nossas fanta-
sias e representações sobre a Divindade. A imagem que temos
do Pai Celestial geralmente corresponde à projeção que faze-
mos de nosso pai terreno. Aqueles que tiveram um pai presen-
te, amoroso e compreensivo, projetam essa imagem num Deus
amoroso. Porém, muitas pessoas tiveram um pai disciplinador,
nem sempre presente e, por isso, propenso a mentir, fazer bar-
ganhas e manipulações para conseguir ser aceito e obedecido.
Aqueles que têm uma imagem de Deus como sendo um pai
amoroso estarão mais propensos a se entregar a Deus. Porém,
aqueles que têm uma imagem de Deus como disciplinador, su-
jeito a acessos de ira e propensos a fazer barganhas, terão medo de
Deus. Consequentemente terão dificuldade para realmente se en-
tregar a Deus. Portanto, a mudança em nossa crença de um Deus
do medo para um Deus de amor é um dos requisitos essenciais
para a vida espiritual, em geral, e para a entrega, em particular.
Infelizmente, grande parte dos cristãos, sejam eles católicos
ou evangélicos, é condicionada a crer em um Deus do medo.
As pregações nessas igrejas enfatizam reiteradamente que todo
pecador será castigado no inferno por toda a eternidade. Não é
de se estranhar que os fiéis e crentes desenvolvam um “temor”
a Deus em vez de um “amor” a Deus. A entrega a Deus, nesse
caso, passa a ser um ato temerário.

114
Assim que entendermos, sem a menor dúvida, que a von-
tade de Deus, que é Amor e tudo Sabe (porque vive em nós
mesmos), é que sejamos verdadeiramente felizes, não vamos
sentir mais a necessidade de pedir qualquer outra coisa além de
que Sua vontade seja feita. Nesse caso, ao pedir que seja feita a
Vontade de Deus, instruímos nossas mentes a focar na beleza
da vida, a ver todas as razões que temos para celebrar e repousar
na certeza de que estamos protegidos e no caminho certo, em
vez de lamentar.
Mas, ainda assim, o poder do ego é tão forte que temos
receio de deixar tudo inteiramente nas mãos de Deus porque
não temos certeza se Ele vai cuidar de todos nossos interesses
e projetos. Essa atitude demonstra que nossos principais inte-
resses ainda estão neste mundo. Como dizia o Mestre: “Onde
está o teu tesouro, aí estará o teu coração”. Nesse caso, a pessoa
ainda não está pronta para dar o grande passo da entrega, pois
não confia em Deus.

6.3 A chave da entrega


A verdadeira entrega a Deus demanda total confiança na
Providência Divina, que só ocorre quando realmente amamos
a Deus acima de todas as coisas. Um exemplo vívido, ainda que
simplório e baseado em nossa experiência mundana, é que para
nos entregarmos precisaremos sentir um amor por Deus maior
do que sentimos pelo nosso primeiro amor na juventude. Para
isso precisaremos pensar constantemente, confiar inteiramente
e desejar ardentemente a união com o bem-amado.

115
Existe uma questão sutil relacionada com nossa confiança
na Providência Divina, que é o sentimento de muitas pessoas
de que o resultado da vida é incerto. Essa dúvida a respeito do
resultado final cria o nosso maior inimigo, o medo. Quando
duvidamos do resultado, estamos duvidando do gerenciador do
processo da vida, ou seja, de Deus. Obviamente, estamos sendo
incoerentes, mostrando mais uma vez nossa ignorância, ou me-
lhor, nossa falta de fé na onipotência e na beneficência de Deus.
Essa descrença nos fundamentos mais básicos da Manifestação
só pode causar dúvida, medo e uma consequente alienação. Se
duvidarmos da capacidade de Deus e de Suas intenções, como
poderemos algum dia finalmente encontrar a paz?
O místico tem total confiança na Providência Divina e no
amor infinito de Deus por seus filhos. Por essa razão ele pode
dizer sem reservas: “seja feita a Tua vontade, Senhor”. Sua ado-
ração, anseio e aspiração dirigidos ao Supremo Bem se ma-
nifestam com tal intensidade e ardor, que o Envelope Áurico
arrebenta e, simbolicamente, “deixa o Logos entrar na alma”.
Confiança total é o fator primordial para a entrega a Deus.
Vemos, portanto, porque o “primeiro e maior mandamen-
to” indicado por Jesus: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo teu
coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento”, é na
verdade A CHAVE DIVINA PARA A NOSSA VERDADEIRA
FELICIDADE. Precisamos de um profundo entendimento da
natureza da realidade última para saber que “O Senhor nos-
so Deus” não é um Deus transcendente que se encontra num
mundo ou céu distante, mas sim, a natureza divina imanente
que habita no âmago de nosso ser. Esse ensinamento superior

116
foi apresentado de forma tocante por um ser superior:

“O ‘Deus’ em nós – isso é, o espírito de Amor e Verdade,


Justiça e Sabedoria, Bondade e Poder – deve ser o nosso
único, verdadeiro e permanente Amor, nossa única con-
fiança em tudo, nossa única Fé, em que, permanecendo
tão firme como uma rocha, podemos confiar para sempre;
nossa única Esperança, que nunca nos abandonará mes-
mo que tudo o mais pereça; e a única coisa que temos
de procurar obter, com nossa Paciência, esperando com
contentamento até que o nosso mau karma tenha se ex-
tinguido, quando então o divino Redentor nos revelará
sua presença dentro de nossa alma.”31

Portanto, o entendimento profundo do mandamento de


amar a Deus significa, de fato, amarmos verdadeiramente a
nós mesmos, pois Deus não só habita em nós, como É a natu-
reza última de nosso Ser. Só vamos conhecer plenamente essa
verdade quando tivermos a experiência plena da unidade, que
ocorre com a Iluminação.
Não cabe a nós, até um estágio bem avançado no Cami-
nho , descobrir o que Deus espera de nós. Nossa função é sim-
32

BLAVATSKY, H.P. Ocultismo Prático. Brasília: Ed. Teosófica, 2001. p. 24-26.


31

Vide versículos 14 a 17 da segunda parte de Luz do Caminho (Mabel Collins), Edi-


32

tora Teosófica, p. 89-90. A segunda parte do texto contém instruções para os discí-
pulos iniciados. Versículo 14. Tendo obtido o uso dos sentidos internos, tendo dominado os
desejos dos sentidos externos, tendo vencido os desejos da alma individual e tendo obtido o
conhecimento, prepara-te agora, ó discípulo, para entrar realmente no caminho. A senda foi
encontrada, prepara-te para trilhá-la. 15. Indaga à terra, ao ar e à água sobre os segredos
que eles guardam para ti. 16. Pergunta aos Seres sagrados da terra sobre os segredos que
guardam para ti. 17. Indaga do mais íntimo, do UNO, o segredo final que ele guarda para
ti ao longo das eras.

117
ples e está inteiramente ao nosso alcance. Precisamos sintonizar
nosso coração e nossa mente com o processo evolutivo para o
bem de todos os seres. Pertence a Deus a meta, os estágios e o
processo pelos quais a evolução deve ocorrer. Quando realmente
fazemos a entrega a Deus e procuramos sintonizar nosso coração
e nossa mente com o que Ele espera de nós, os insights começam
a ocorrer e as situações de nossa vida começam a mudar.
A grande questão é COMO fazer, na prática, essa entrega
total a Deus. No Hinduísmo, essa entrega é apresentada simbo-
licamente, na Bhagavad-Gitā, com Arjuna (a alma) entregando
as rédeas dos cavalos (seus veículos inferiores) que puxam sua
carruagem a Krishna, seu Mestre (o Eu Superior). Na tradição
cristã, o devoto é aconselhado a solicitar ajuda e orientação ao
seu guia no Caminho, o Espírito Santo (a Mente Divina em
nós), que é a Voz de Deus que fala suavemente em nosso cora-
ção. A entrega, porém, só acontece quando a alma do devoto
está convencida de que a orientação que vem recebendo de sua
natureza inferior, o ego, só lhe causa sofrimento. Decide então
voltar para dentro e buscar orientação em sua natureza divina.
Essa decisão só ocorre quando a alma está madura e intuitiva-
mente sabe que essa é a decisão certa a tomar.
Um corolário de nossa cooperação com o Plano Divino é a
aceitação da operação das leis da natureza, principalmente da Lei
do Karma. Precisamos sempre recordar e aceitar que somos nós
que criamos as circunstâncias de nossa vida. As situações com que
nos defrontamos a cada instante equivalem à colheita das conse-
quências de nossos atos passados. O sábio colhe as “urtigas” que
plantou, com muito cuidado para não lançar novas sementes ao

118
solo, evitando assim reativar a roda do sofrimento. Nosso progres-
so, nesse particular, vai depender de nossa decisão de não revidar as
aparentes injustiças e até mesmo agressões que possamos receber.
Mais do que uma mera aceitação estoica, devemos cultivar
uma atitude de contentamento com as circunstâncias da vida.
A atitude construtiva que devemos cultivar, com relação às cir-
cunstâncias desagradáveis da vida, é procurar mudar o que es-
tiver ao nosso alcance e aceitar o que não se pode modificar.
Aceitar não é desistir nem resignar-se, mas permanecer lúcido no
momento presente. As reações usuais de resistir, brigar, revoltar-
-se, negar, ficar deprimido, desesperar-se, indignar-se, culpar ou
culpar-se são reações de raiva. A raiva é destrutiva. Como lutar e
desesperar-se são atitudes negativas, devemos aceitar as situações
desagradáveis que enfrentamos, observando tudo de forma de-
sapegada, especialmente a nós mesmos. Há sempre uma lição a
ser aprendida. Devemos lembrar sempre que aceitação significa
sabedoria e humildade, que demandam um ato de força interior.
A aceitação é especialmente importante em nossos rela-
cionamentos. As pessoas próximas a nós, que muitas vezes nos
fazem sofrer, são instrumentos do karma utilizados pela Provi-
dência Divina para nossos acertos com a Lei de Causa e Efeito.
Talvez uma ilustração facilite nosso entendimento a respeito
da função dos instrumentos do karma. Um jovem voltando da
Universidade, à noite, é surpreendido por um assaltante numa
rua deserta. O assaltante agride o jovem com um porrete e
bate nele até que o jovem desmaia. Ao acordar pouco depois,
o jovem vê que seus pertences foram roubados e que ele está
sangrando e com muita dor. Procura o assaltante, mas não vê

119
ninguém. Porém encontra o porrete no chão. Num acesso de
fúria, procura quebrar o porrete com que foi agredido e não
para até conseguir se “vingar” do porrete. Essa atitude, de agre-
dirmos os instrumentos do karma que nos ferem, se assemelha
à atitude alienada do jovem “atacando” o porrete e não a pessoa
que o fez sofrer. E quem é nosso verdadeiro agressor: nós mes-
mos, que no passado criamos as circunstâncias, as causas do sofri-
mento, e agora estamos experimentando seus efeitos. Portanto, a
vontade de Deus em nosso coração, onde Ele tem sua morada,
é que nosso entendimento nos leve a compreender e perdoar
todos os instrumentos do karma, pois “nenhum homem é teu
inimigo, nenhum é teu amigo, todos são teus instrutores.”
Essas considerações indicam que são poucos aqueles pre-
parados para a total entrega a Deus. Os místicos fazem parte
deste grupo. Outras pessoas, ainda quando têm a determina-
ção e a disciplina para fazer isso, geralmente carecem de moti-
vação. Só os verdadeiros devotos são capazes de fazer a entrega.
Uma demonstração desta confiança em Deus foi dada por Jó.
Depois de inúmeras e excruciantes provações, Jó disse: “O Se-
nhor deu, o Senhor tirou, bendito seja o nome do Senhor”. “Quem
se entrega a Deus não teme o demônio”; “Se Deus é por nós, quem
será contra nós?” Jó venceu o “oponente” porque se entregou
com confiança a Deus.
Sem uma aspiração ardente e um desejo incessante e insa-
ciável por Deus, o progresso será lento. Quanto maior a sede
tanto maior o desejo pela água. Qual a razão para isso? O ser
humano está programado para ser verdadeiramente feliz. A
vida no mundo não oferece essa felicidade. Nesse ponto en-

120
contramos mais uma aparente incoerência da vida espiritual.
O homem do mundo, em geral só desperta da vida de ilusão
em que está aprisionado, quando sofre um grande baque e se
dá conta de que seus anseios e suas metas eram meras fantasias.
Nesta crise existencial, com grande frustração e sofrimento, ele
consegue despertar do mundo de ilusão para seguir uma vida
mais regrada, ou mesmo a vida espiritual.
Mais tarde, bem mais tarde, depois que tiver feito consi-
derável progresso na autotransformação e quitado seus débi-
tos kármicos, o buscador finalmente poderá entrar no Reino
dos Céus, que é O CONHECIMENTO DA VERDADE QUE
NOS LIBERTA. Porém, “a porta pela qual ele entra é chamada
de CONTENTAMENTO; pois aquele que está descontente consi-
go mesmo está descontente com a lei que o fez tal como ele é; e como
Deus é Ele mesmo a Lei, Deus não se manifestará àqueles que estão
descontentes com Ele. Se admitirmos que estamos na corrente da
evolução, então cada circunstância deve ser considerada totalmente
justa para nós.”33
Nossa atitude no processo de entrega deve ser de total con-
fiança em Deus. Jesus disse: “Se alguém quer vir após mim, renun-
cie a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-me”, indicando, a
todos os que almejam alcançar a bem-aventurança do estado de
unidade com o Pai, quais são as qualificações para isso. A pri-
meira é renunciar a si mesmo, significando renunciar ao mundo
e à gratificação do eu. A segunda é tomar sua própria cruz (ale-
górica) cada dia, aceitando sem recriminações as consequências

Ocultismo Prático, op. cit., p. 26.


33

121
ainda pendentes da Lei de Retribuição, acrescidas das provações
e testes inerentes à vida espiritual. A Via Sacra, pela qual Jesus
passou, simboliza de forma contundente a cruz alegórica das
provações que todos nós temos que carregar não só uma vez,
mas todos os dias, para chegar ao topo da montanha.
Finalmente, seguir Jesus significa seguir seus ensinamen-
tos e seu exemplo de vida altruísta, inteiramente dedicada à
sua missão redentora. Obviamente, poucos estão preparados
para esse grau de comprometimento espiritual; isso explica por
que “muitos são chamados [na verdade todos são chamados], mas
poucos são escolhidos [por si mesmos] ” para trilhar o caminho
apertado que leva à Casa do Pai.34
O esvaziamento (o termo grego kenosis, seguidamente
mencionado nos textos gnósticos) é necessário para abrir es-
paço para a semente Divina brotar em nosso coração. As pre-
ocupações e o apego aos interesses terrenos abafam a germi-
nação dessa semente. Por isso foi dito no início do Sermão da
Montanha: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão
a Deus”; “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o
Reino dos Céus”.

“A entrega da vontade de vocês à vontade de Deus e o


ato de dedicar a vida, os talentos e atributos de vocês ao
grande projeto divino, não só faz com que vocês floresçam
na vida cotidiana, mas também constituem a chave para
o preenchimento de uma lacuna, em que vocês ainda se

BRANCO, Raul. O Poder Transformador do Cristianismo Primitivo. Brasília: Ed. Teo-


34

sófica, 2009. p. 146.

122
veem divididos entre a crença e a descrença, entre a con-
fiança e o medo, entre ódio e o amor, entre a ignorância
e a sabedoria, entre o isolamento e a união, entre a morte
e a vida eterna.”35

Resumindo, as ações humanas são motivadas, em seu


nível mais profundo, por uma das duas emoções fundamen-
tais: o amor ou o medo. Todos os pensamentos, emoções e
ações do ser humano se baseiam no amor ou no medo. As
instruções espirituais de todas as tradições estão voltadas
para estimular e promover o amor do homem por Deus ou,
o que é praticamente a mesma coisa, a seu próximo. Porém,
quando o homem tem a felicidade de experimentar a exten-
são e a profundidade do amor de Deus para conosco, todas
as dúvidas, dificuldades e problemas são resolvidos. Esse é
o caso do místico, do iogue ou ocultista que tem uma expe-
riência direta do amor de Deus, em êxtase, arroubo místico
ou samādhi. Essa experiência é o grande divisor de água da
vida do “buscador”.
Uma outra experiência semelhante é a assim chamada ex-
periência de quase morte. Uma pesquisadora, Claire Suther-
land36, fez uma compilação de vários casos de pessoas que fo-
ram dadas como clinicamente mortas, mas que ressuscitaram
e voltaram à vida. Outros autores37 que fizeram compilações
semelhantes verificaram que parece existir um mesmo padrão

35
Entrega ao Deus Interior, op. cit., p. 225.
36
SUTHERLAND, Claire. Dentro da Luz. Brasília: Ed. Teosófica,1998.
37
MOODY JR, R.A. The Light Beyond. Nova Iorque: Bantam Books, 1988.

123
básico na maior parte destas experiências: uma recapitulação
muito rápida de nossas ações e suas consequências nesta vida,
passagem por um túnel escuro e o aparecimento de uma luz.
Quando aparece essa luz, que muitos associam a Deus, eles
se sentem como que banhados no amor mais profundo que
jamais experimentaram.
Sentem-se como sendo abraçados por Deus. Mas este abra-
ço é tão reconfortante, aconchegante e protetor, que a maior
parte reluta em retornar à vida no mundo exterior, quando lhes
é apresentado o fato de que não chegou ainda o momento de
eles passarem definitivamente para o outro lado, pois ainda não
cumpriram inteiramente sua missão no mundo. Geralmente,
quando percebem telepaticamente que devem voltar, a maior
parte sente uma profunda tristeza, chegando mesmo a argumen-
tar com a “Luz”: “eu tenho mesmo que voltar? Será que eu não
posso ficar aqui?” Tal é a profundidade do amor que as pessoas
sentem naquele estado alterado de consciência. A experiência
mística também compartilha desse sentimento arrebatador: a
certeza de que somos amados incondicionalmente por Deus e
que o amor é a coisa mais importante na vida dos seres humanos.
Mas não podemos depender somente da Graça das experi-
ências maravilhosas que relativamente poucas pessoas recebem
do amor de Deus para conosco. Temos que cultivar o NOSSO
amor para com Deus. O primeiro passo é a gratidão para com
nosso Mestre Jesus e todos os Grandes Seres que, com imenso
amor e dedicação, facilitam nossa jornada espiritual. “Deus não
precisa da tua apreciação, mas tu sim. Não podes amar o que não
aprecias, pois o medo faz com que a apreciação seja impossível ”.38
Nosso amor a Deus deve ser cultivado com mais dedicação do
que o amor às pessoas que nos são próximas; para isso preci-
samos realmente sentir uma profunda gratidão por todas as
dádivas que recebemos de Deus e seus auxiliares, como o nosso
corpo físico e todas as circunstâncias favoráveis para avançar-
mos no Caminho.

Um Curso em Milagres, op. cit., p. 102.


38

125
7. O estudo

O
estudo é altamente proveitoso para a vida espiritu-
al. Ele facilita o conhecimento do rico acervo do
material acumulado ao longo das eras por aqueles
que nos precederam no Caminho. O estudo também cria uma
vibração favorável para a busca interior, desenvolvendo uma
crescente esperança, que finalmente se transforma em certeza,
de que a meta será alcançada. Ele também promove um cons-
tante aprimoramento em nossa capacidade intelectual e dis-
cernimento, chegando mesmo a favorecer o desenvolvimento
da intuição. Essas capacitações ocorrem com a prática do estu-
do meditativo, aquele estudo em que a leitura é acompanhada
de uma profunda reflexão ou meditação sobre o material ob-
jeto de exame.
Vale lembrar que um dos sete Yogas clássicos é o Jñāna
Yoga, “em que o praticante procura, POR MEIO do conhecimen-
to e pelo domínio do intelecto, atingir a unidade consciente com o
Supremo”.39 O termo sânscrito jñāna inclui tanto o conceito de
conhecimento como de sabedoria, equivalente ao termo gre-
go gnosis, tão utilizado em nossa tradição. Nas palavras de um
estudioso: “O que é conhecido como ‘Jñāna Yoga’ trata do saber
científico e intelectual relativo às grandes questões concernentes à

HODSON, Geoffrey. A Suprema Realização através da Ioga. Brasília: Ed. Teosófica, 2001.
39

p. 39.

127
Vida e àquilo que com a Vida se correlaciona – os enigmas do
universo.”40
O Jñāna Yoga inclui a compreensão e percepção penetran-
te com entendimento interior crescente, quer seja em relances
ou em reflexões prolongadas. Leva ao poder (siddhi) de percep-
ção desvelada do Adepto, ou o que Mestre Kuthumi descreveu
como “vislumbre implícito”.41
A faculdade de percepção implícita não depende neces-
sariamente da acumulação do conhecimento livresco, mas
sim do esforço para ativar a mente superior, o caminho para
a verdade, como indicado por Jesus em sua célebre afirma-
ção: “Eu sou [é] o caminho, a verdade e a vida”. “Eu Sou” é
uma expressão comumente usada pelos cabalistas para obe-
decer ao preceito da Lei Mosaica de não usar o santo nome
do Senhor em vão. Portanto, “Eu Sou” representa os três as-
pectos do Divino em nós. O caminho é a mente abstrata ou
divina, referida pelos cristãos como o Espírito Santo. Por-
tanto, ao buscarmos interiormente o significado mais pro-
fundo do material de nossos estudos, estaremos ativando ou
trilhando o Caminho que leva à Verdade, que é “buddhi”,
ou Cristo em nós.42
O estudo é especialmente útil para o desenvolvimento da
mente, quando é efetuado com espírito crítico. O estudioso
deve procurar pensar com o autor, submetendo os argumentos
40
RAMACHARACA, Iogue. Jñāna Yoga. Yoga da Sabedoria. São Paulo: Ed. Pensamento,
1974. p. 9.
41
A Suprema Realização através da Ioga, op. cit., p. 40.
42
BRANCO, Raul. “A verdade liberta”. Revista Sophia, nº 69. Brasília: Ed. Teosófica,
2017. p. 28.

128
apresentados à lógica. De grande importância é analisar as pre-
missas sobre as quais a tese está fundamentada. Quando esses
critérios de análise crítica são seguidos, o estudante estará in-
variavelmente desenvolvendo sua capacidade cerebral e mental
com o estudo. Ademais, estará passando o material estudado
pelo crivo da razão, podendo, assim encampar e assumir como
‘seu’ aquilo que passar no teste. Nas recomendações de Pau-
lo, encontramos: “Discerni tudo e ficai com o que é bom”. Esse
era, também, o procedimento recomendado pelo Senhor Buda
para todos os que lessem as escrituras sagradas e ouvissem seus
ensinamentos.

“Não acredite em qualquer coisa simplesmente por-


que já tenha ouvido isso. Não acredite em algo sim-
plesmente porque é falado por muitos. Não acredite
em algo simplesmente porque é encontrado escrito em
livros religiosos.  Não acredite em qualquer coisa de-
vido meramente à autoridade dos seus instrutores e
anciãos. Não acredite em tradições porque foram pro-
feridas por muitas gerações.  Mas, após observação e
análise, quando você achar que qualquer coisa está de
acordo com a razão e é propício para o bem e o bene-
fício de um e de todos, então o aceite e viva de acordo
com isso.”

O objetivo tradicional do estudo é trazer ao nosso alcance


a experiência milenar de outros buscadores da verdade e, prin-
cipalmente, de nossos Irmãos Mais Velhos que já alcançaram
a Iluminação. Portanto, o estudo é um meio para entender o

129
mundo e seus processos e assim direcionar e facilitar nossas
práticas espirituais. O mais importante do estudo não é o co-
nhecimento das escrituras, mas o estudo de si mesmo. A lite-
ratura espiritual deve ser usada como um meio facilitador para
nosso próprio conhecimento. O milenar oráculo de Delfos
exortava: “Homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás o uni-
verso”. As críticas recebidas e as situações desagradáveis da
vida são grandes instrutores para o buscador que procura
entender as lições implícitas dessas situações.
Além disso, o estudo espiritual regular fornece o alimen-
to necessário para estimular a mente e o intelecto. Não é su-
ficiente meramente ler livros. O estudante deve aprender a
pensar e a criar suas próprias ideias sob o estímulo daquilo
que lê. E, de grande importância, é que aquilo que ele lê e
aceita deve ser incorporado à sua natureza. A leitura e a refle-
xão devem levar à ação e não deixar o estudioso suspenso no
mundo dos sonhos e das teorias.

“Os livros são apenas setas que apontam para uma


direção que leva a um caminho espiritual, não poden-
do por si só encaminhar um ser humano à Iluminação.
Toda a espiritualidade que hoje está no mundo aflorou
do interior do ser espiritual que existe em todas as coisas,
pois essa espiritualidade não vem de fora para dentro,
mas do interior de todos os seres. Todo o conhecimento de
que você precisa está dentro de si mesmo, peça e ser-lhe-á
dado. O importante não é saber e decorar o que dizem os
livros espirituais ou as escrituras sagradas de cada povo,

130
mas praticar as palavras que os Mestres proferiram e dei-
xaram registradas nessas grandes obras”.43

Textos como o Sermão da Montanha, Luz no Caminho,


A Voz do Silêncio, a Bhagavad-Gitā, Um Curso em Milagres e
tantas outras pérolas da literatura espiritual são instrumen-
tos comprovados para orientar e facilitar a prática espiritual.
O acervo de informações contidas nessa literatura é extre-
mamente útil para nos inspirar e também nos alertar para
os percalços do caminho e instruir-nos sobre a importância
dos diferentes meios facilitadores para se alcançar a meta.
De grande proveito é o estudo voltado para áreas de
conhecimento diferentes daquelas em que já temos boa fa-
miliaridade. Por exemplo, os estudantes de esoterismo po-
dem se beneficiar do conhecimento da vida dos místicos, da
mesma forma como os místicos podem aprender muito com
os textos ocultistas. Os caminhos do ocultista e do místico
são complementares. As práticas dos místicos orientais e su-
fis podem trazer muitas surpresas aos buscadores ocidentais.
Precisamos ter sempre em mente que nossa existência atu-

NATHA, Sadhaka. Luz e Consciência. São Paulo: Ed. Corifeu, 2007. p. 17 e 30. O autor
43

desta obra, meu amigo V.S., preferiu publicar esse e outros dois livros com o pseudô-
nimo de Sadhaka Natha, termo usado na Índia para referir-se a um devoto buscador.
Ele participou comigo de dois grupos de estudo na Sociedade Teosófica, em Brasília,
ao longo de 2016 e 2017. Raramente falava, sempre atento e sorridente demonstra-
va grande conhecimento e humildade. Ao final de 2017, informou-me que seu guia
o havia aconselhado a participar daqueles grupos, mas que já havia realizado o seu
propósito e estava me agradecendo e se despedindo. Nessa ocasião, ele me presen-
teou com um exemplar de seus livros, escritos dez anos antes de participar dos nossos
grupos. A vida espiritual nos apresenta essas surpresas: um buscador que já sabia tudo
aquilo que porventura poderia aprender em nossos grupos, veio participar de nossos
estudos, com toda humildade seguindo as instruções de seu guia.

131
al representa, simbolicamente, um dia de toda nossa longa
experiência terrena, daí a importância do conhecimento de
outras tradições e dos outros caminhos.
A alternância dos caminhos e sua importância podem ser
vistas na vida oculta de Geoffrey Hodson. Buscando orienta-
ção interior, GH pergunta a um Instrutor: “Ó ser exaltado, en-
sina-me o caminho da vida.”

Resposta:

“O caminho da vida, meu irmão, não é feito de uma


só estrada, mas de muitas. Sete sendas juntas compõem o
caminho para os pés humanos. Dessas sete, muitas estradas
são formadas, pois de suas voltas e curvas, de suas tessitu-
ras e entrelaçamentos um padrão místico é tecido. Desse
padrão surgem todas as complexidades da vida espiritual,
portanto o caminho não é único, mas múltiplo.”
“Ocultista você pode se tornar; as sementes da vida ocul-
ta foram plantadas no Egito. Foi lá que começou a fase
fenomênica de seu desenvolvimento psíquico. Por três vi-
das você estudou e batalhou pelos dons psíquicos que você
agora possui. Passo a passo, você vai precisar dominar as
vestimentas da alma. Ora trabalhando a partir de baixo,
ora a partir de cima, quando o místico em seu interior
for dominante ou subordinado. Místico você é, pois mís-
tico você foi na Grécia, na Ásia Menor e na Alemanha,
alcançando naquelas vidas as alturas da suprema devoção
e adoração, e recebendo das mãos de seu Instrutor entrada

132
ao útero da natureza, do qual todos os místicos nascem. Do
misticismo medieval, você obteve um forte sabor. Aquele de-
senvolvimento e a colheita do que estava armazenado está
afetando seu desenvolvimento espiritual neste período parti-
cular de sua vida, e os planetas em seus cursos combinam-se
para despertar e estimular aquele lado de sua alma que an-
seia por união com o Todo.”44

Uma observação de um místico alemão, conhecido pelo


pseudônimo de Ângelus Silésius, alerta o buscador para a im-
portância da vivência: “Se no teu centro um Paraíso não pude-
res encontrar, não existe chance alguma de, um dia, nele entrar.”
Portanto, o estudo da literatura espiritual é um meio reconhe-
cidamente útil, porém, não é o objetivo da vida espiritual. A
diferença entre o sucesso e o fracasso na vida espiritual não
é o grau de conhecimento dos livros sagrados e das leis espi-
rituais, mas sim a medida que conseguimos viver de acordo
com esses ensinamentos.

Luz do Santuário – O Diário Oculto, op. cit., p. 73-74.


44

133
8. A purificação

N
ão é possível empreender a busca espiritual com a
mente e as emoções afetadas pelo rancor, pela raiva,
ódio, preconceito, amargura, tristeza e muito menos
pela depressão. A mente precisa estar purificada dessas vibra-
ções negativas para que a sintonia com o Alto possa ser esta-
belecida. Todas as grandes tradições espirituais alertam para a
necessidade de purificarmos a mente principalmente nos pri-
meiros estágios da busca.
A grande batalha dos místicos e dos aspirantes ao cami-
nho ocultista é domar seus corpos inferiores. Não se trata de
asceses e mortificações do corpo, mas de disciplinar a natureza
inferior, dizer não, com sábia discriminação, aos desejos e per-
severar na disciplina. Dizer NÃO ao pequenino eu, “passar sem
alguma coisa” é o verdadeiro ascetismo.
Deve ficar bem claro que o objeto de purificação é a mente
e não o corpo. Nas principais tradições esotéricas a “matéria”
é referida como “trevas”. No entanto, nessas tradições, todos
os planos abaixo dos planos espirituais ou divinos (Brahma,
Vishnu e Shiva no Hinduísmo, ou Ātmā, Buddhi e Manas na
Teosofia, ou Pai, Filho e Espírito Santo no Cristianismo) são
referidos como materiais. A vida no mundo, referida muitas
vezes de forma pejorativa como vida mundana, é chamada no
oriente de “Maya”, ou seja, uma ilusão, pelo fato de ser im-

135
permanente. Para a personalidade comandada pelo ego, esta
“ilusão” parece mais real do que a “espiritual” e, infelizmente,
para as pessoas que ainda não despertaram, é tida com bem
mais atraente.
Nossos corpos densos respondem às vibrações mais densas,
ou materiais, do mundo em que vivemos. A repetição dessas
vibrações densas cria uma predisposição que finalmente gera
um condicionamento, nos prendendo à matéria. Por essa ra-
zão as vibrações da matéria são tidas como adversárias da vida
espiritual. A matéria em si não é má nem pecaminosa; é a
nossa atitude de identificação com o material que cria dificul-
dades para a expansão de consciência implícita na vida espiri-
tual. O verdadeiro problema é o apego às coisas materiais, que,
por sua vez, cria um apego à vida nesse mundo.
Por essa razão o Budismo reconhece que o apego é o gran-
de problema e não o corpo, pois sem o corpo físico o ser
humano não estaria encarnado e, portanto, não teria a opor-
tunidade de libertar-se da roda do sofrimento, referida como
a roda do samsāra. Portanto, um corpo físico é indispensável
para se alcançar a Iluminação. Ele deve ser bem cuidado, mas
não pode assumir o controle de nossa vida sob o comando do
ego. A Vedanta e o Budismo afirmam que o corpo é nosso veí-
culo e instrumento de aprendizagem.
Porém, a identificação com o corpo é tão forte que um
importante aspecto da purificação é quebrar essa identificação.
Precisamos treinar a mente para considerar o corpo como a
casa em que vamos viver por algum tempo. Alguns gurus in-
dianos incluem no programa de treinamento de seus discípu-

136
los a prática de referir-se ao corpo como um “não eu”. Para
isso demandam que os discípulos digam que MEU corpo está
cansado, MEU corpo está com fome ou sede, MEU corpo está
doente ou está ficando velho, em vez de nosso usual EU estou
cansado, doente, com fome, com sede, ficando velho. A puri-
ficação do corpo deve incluir a superação da preguiça. A disci-
plina deve ser a base do treinamento do corpo e não as asceses.
O Senhor Buda resumiu seus ensinamentos como sendo:
“cessar de fazer o mal, aprender a fazer o bem e purificar a men-
te”. Não é nenhuma coincidência que o primeiro passo, em
todas as tradições religiosas e espirituais, é evitar as vibrações
densas que expressam negatividades e o apego à vida material.
O apego é expresso pela mente. Vem daí a instrução para a pu-
rificação da mente. O estágio positivo é mais envolvente e até
mesmo mais sutil, pois requer o aprendizado de como identifi-
car e fazer o bem, um conceito dinâmico que requer definições.
Tanto os conceitos do que é o mal e do que é o bem são em
parte afetados pelos valores culturais. A recomendação final de
purificar a mente tem como objetivo capacitar o praticante a
optar pela reta ação, a reta palavra e o reto pensamento.
Vejamos os mandamentos do Antigo Testamento: (1) Não
terás outros deuses; (2) Não farás imagens nem te prostrarás
diante desses deuses; (3) Não pronunciarás o nome do Senhor
teu Deus em vão; (4) Santificarás o dia de sábado; (5) Honrarás
pai e mãe; (6) Não matarás; (7) Não cometerás adultério; (8)
Não roubarás; (9) Não darás falso testemunho; (10) Não cobi-
çarás as coisas nem a mulher do teu próximo. A ênfase era em
evitar o mal como concebido então, pois são oito proibições

137
(NÃO) e somente duas observâncias, ou preceitos positivos.
Os judeus, no entanto, incorporaram suas tradições aos dez
mandamentos trazidos por Moises do Monte Sinai, tornando
a “Lei” um conjunto de 613 preceitos que incluíam todos os
aspectos da vida diária. Acreditavam que o “homem justo” de-
veria obedecer todos esses preceitos. Jesus, no entanto, ensinava
que o homem bom e sábio só precisava amar a Deus, a seu pró-
ximo e viver de acordo com a regra de ouro. Ele deixa claro que
o homem não será salvo meramente seguindo suas tradições:
“Com efeito, eu vos asseguro que se a vossa justiça não exceder a dos
escribas e a dos fariseus, não entrareis no Reino dos Céus”
O clássico tratado de Rāja Yoga de Patañjali apresenta um
processo de Yoga consistindo em oito passos. Os dois primeiros
representam o Yoga preliminar de yāmā e niyama, que são as
abstinências e as observâncias. As abstinências são atividades
que devem ser evitadas, enquanto as observâncias são as regras
positivas a serem praticadas.
As abstinências (yāmā) estão inter-relacionadas e têm
como objetivo evitar o desperdício de energia para criar um
estado interior de serenidade e desapego. Incluem todos os há-
bitos e tendências não saudáveis que devem ser descartados.
Vão além dos padrões externos de comportamento e focalizam
nas tendências da mente e nos valores pessoais.
As abstinências promovem a atitude a ser desenvolvida
que é a inofensividade, apresentada também como a primei-
ra das proibições, a não violência, referida no Oriente como
ahimsā. Elas são: (1) Não violência; requer não ferir física e
psicologicamente: inclui crítica, zombaria, frieza, distancia-

138
mento, comparações; (2) Não falsidade (falar somente o que
vemos, ouvimos ou sentimos); não mentir; não exagerar ou ser
evasivo. (3) Não roubar (inclui todos os níveis de apropriações
indevidas, como a imitação; aproveitar-se dos relacionamen-
tos). (4) Não indulgência (brahmacharya), celibato e também
a restrição alimentar e de evitar as demonstrações de nossas
posses (beleza, riqueza, cultura, status), tudo visando à simpli-
cidade. (5) Não possessividade (avidez ou ganância): o perigo
não é a posse, mas o sentimento de posse que leva ao apego.
Se ponderarmos sobre essas quatro outras abstinências vamos
concluir que elas também visam promover a inofensividade. As
abstinências buscam promover um estado de mente em que o
meditador não ficará perturbado ou apegado às vibrações ma-
teriais inimigas da paz.
As observâncias são de caráter positivo, e preconizam: (1)
a pureza, (2) o contentamento, (3) austeridade, (4) autoestu-
do (em vez do estudo, como apresentado por alguns autores)
e (5) aspiração a Deus. O contentamento não é meramente
passividade ou resignação com ressentimento. Ao contrário,
significa ver as coisas como elas são, ou seja, sem as elaborações
ou projeções criadas pela mente. Os acontecimentos e as situ-
ações da vida são colheitas kármicas; por isso, devemos sempre
nos perguntar o que a Providência Divina quer nos ensinar
com essas situações. Como tudo o que acontece na vida é uma
oportunidade para o aprendizado e o crescimento, devemos
desenvolver uma atitude de constante agradecimento a Deus.
Austeridade não é mortificação, nem levar uma vida
anormal de constante negação. Na verdade, o que é preconi-

139
zado é o desenvolvimento da simplicidade, que nasce de uma
mente simples, ou melhor, inocente como a das crianças45.
Uma mente simples não se preocupa em acumular; aceita a
vida como ela é.
A pureza (que não é contaminada por algo de fora) advém
do fato de que a consciência original é pura, mas a natureza ad-
quirida muitas vezes é impura. A limpeza ou pureza do corpo
não basta, como indicam as passagens do evangelho:

“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, que limpais o


exterior do copo e do prato, mas por dentro estais cheios
de rapina e de intemperança! Fariseu cego, limpa pri-
meiro o interior do copo para que também o exterior
fique limpo! ”. “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!
Sois semelhantes a sepulcros caiados, que por fora pa-
recem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de
mortos e de toda podridão. Assim também vós: por fora
pareceis justos aos homens, mas por dentro estais cheios
de hipocrisia e de iniquidade.”

Todas as abstinências e as observâncias estão resumidas na


regra de ouro; a determinação de viver amorosamente e agir
com os outros como gostaríamos que eles agissem conosco.
É dito que os pecados mortais do catolicismo sufocam a
aspiração elevada da alma. Eles são: (1) preguiça, indolência,
inércia (deixar tudo para depois, falta de pontualidade, desor-
dem, dedicar-se a coisas sem importância) (antídoto: diligência,
Vide instrução de A Voz do Silêncio que proclama: “O discípulo deve recobrar o estado
45

infantil que perdeu, antes que o primeiro som possa cair no ouvido”. (versículo 79)

140
perseverança, esforço); (2) ira (raiva, cólera, irritação, impaci-
ência) (antídoto: aceitação, compreensão, paciência); (3) luxúria
(sensualidade) (antídoto: temperança, castidade, respeito, equi-
líbrio); (4) avidez e ganância (antídoto: moderação e serviço al-
truísta); (5) orgulho (antídoto: humildade); (6) inveja (antídoto:
contentamento) e (7) cobiça (antídoto: generosidade). Esses pe-
cados têm suas raízes em três planos: físico: preguiça; emocional:
ira, luxúria e avidez; e mental: orgulho, inveja e cobiça.
Devemos ter sempre em mente que “combater” uma ten-
dência acaba reforçando-a. Um ditado sábio resume a instru-
ção: “Tudo aquilo a que você resiste, persiste”. Por isso, não se
deve combater diretamente nenhum “pecado” ou vício, mas
sim descobrir a tendência oposta, que será seu antídoto. Esse
antídoto deve ser cultivado, para então vencer e extirpar o
vício indesejável, como a luz vence as trevas.
É por essa razão que a tradição budista enfatiza a prática
das seis virtudes que criam as condições para superar todas
as negatividades. Essas seis virtudes, ou pāramitās, como são
referidas pelos budistas, são: generosidade (dāna), doação,
oferecimento, caridade, amor, que é a porta de entrada de
todas as virtudes; disciplina (shīla), moral, harmonia, reto
relacionamento ou o treinamento da plena atenção, que é
necessária para o sucesso de todas as práticas espirituais; pa-
ciência amável (kshanti) ou tolerância “que nada pode per-
turbar”; indiferença ao prazer e à dor, (viraga), a capacidade
de acolher, suportar e transmutar a dor infligida a você, por
seus inimigos e também pelas pessoas que o amam; energia
destemida (vīrya), esforço e perseverança que abrem o seu

141
caminho; meditação profunda ou contemplação (dhyāna)
e; a sabedoria (prājña), compreensão ou insight, o objetivo
último de toda prática.
Dentre as fraquezas ou vícios, a preguiça é especialmente
letal para a vida espiritual. Por essa razão, os budistas dão
especial importância à quarta pāramitā, vīrya, a geração da
energia que supera a preguiça e a indolência. Com essa ener-
gia o praticante não ficará sempre deixando suas práticas para
depois. Todos os vícios têm que ser superados. Cada indiví-
duo tem seu “calcanhar de Aquiles,” sua fraqueza marcante.
A Bhagavad-Gitā indica que três portas levam ao inferno:
a luxúria, que nos torna escravos dos sentidos; a ira, que co-
meça como irritação e termina numa explosão de cólera, que
fere e afasta os outros; e a ganância ou avidez, gerada pela
combinação do apego com a ambição desmedida. Vale lem-
brar a primeira instrução de Luz no Caminho: “Mata a ambi-
ção”. “A ambição é a primeira das maldições: a grande tentadora
do homem que está se elevando acima de seus semelhantes.”46 Os
pecados da mente (orgulho, inveja e cobiça) oferecem grande
perigo para aqueles que estão crescendo espiritualmente.
O maior inimigo da pureza é a ilusão da separatividade
que nos faz acreditar que somos o pequenino eu com seu sen-
timento de posse e egoísmo, que geram o sentido do “eu”, de
“mim” e do “meu” (referido como ahamkāra).
Na tradição cristã, a purificação é o ponto alto da ascese
da “via negativa”, o processo de purgação pelo qual os místicos

46
Luz no Caminho, op. cit., p. 30.

142
procuram evitar as vibrações negativas e mudar radicalmen-
te de vida para merecerem ser admitidos à Presença de Deus.
Muitas vezes os devotos tendem a cometer exageros, castigan-
do o corpo em vez de disciplinar a mente, para tentar reverter
as tendências desenvolvidas ao longo de muitas vidas.

8.1 O bem que eu quero


Na passagem lapidar de Paulo, como mencionado ante-
riormente, o apóstolo dos gentios lembra o poder escravizador
das tendências mundanas: “Realmente não consigo entender o
que faço; pois não pratico o que quero, mas faço o que detesto. Na
realidade, não sou mais eu que pratico a ação, mas o pecado [o
ego] que habita em mim.” O “pecado” referido é simplesmen-
te nossa natureza inferior, com suas tendências de obstinação,
egoísmo, orgulho e medo que nos aprisionam num círculo vi-
cioso. Por isso, o processo de purificação deve arrancar a raiz
do problema, o pecado que habita em nós, ou seja, os condicio-
namentos e apegos do ego, oriundos da ilusão da separatividade.
Na tradição do Budismo tibetano, esse ato de purificação é
extremamente facilitado pelas práticas de geração do Buda em
nosso interior, principalmente as meditações tântricas.
O ser humano sempre achou mais fácil fazer coisas exter-
nas do que efetuar as mudanças necessárias em seu interior.
Desde a mais remota antiguidade preferia as asceses, sacrifí-
cios e jejuns à prática das virtudes. Ainda hoje, alguns iogues,
faquires e certas ordens monásticas, em seu zelo de purificar
as tendências materiais, buscam na mortificação do corpo

143
um meio supostamente rápido de alcançar esse fim. Todos
os grandes instrutores espirituais são contra exageros nesse
particular.
O Senhor Buda aprendeu, por experiência própria, a sabe-
doria de buscar o Caminho do Meio, em que o buscador evita
os extremos de licenciosidade e de maceração do corpo, para
viver com disciplina e controle da mente, pois é a mente que
controla o corpo. Buda ensinou:

“O costume de andar nu, os cabelos trançados à maneira


dos ascetas, os jejuns, o dormir no chão ao relento, o cobrir-
-se com cinzas ou poeira, o sentar-se imóvel nos calcanha-
res (em penitência), as prosternações, nada disso purifica o
mortal que não se livrar do desejo e da dúvida.”47

Como o ser humano tende a imaginar a Deidade como


uma projeção de seu pequenino “eu”, susceptível à lisonja, pro-
cura acrescentar às suas asceses toda sorte de oferendas propi-
ciatórias, que vão desde presentes para a igreja, o templo ou
o guru, acender velas para os santos ou gurus, rezar o terço,
entoar mantras, participar de novenas ou rituais de pujas e até
mesmo “pagar promessas” de todos os tipos. Jesus, repetindo a
sabedoria milenar expressa no Antigo Testamento, disse: “Mi-
sericórdia é o que eu quero e não sacrifício”.
Portanto, os instintos devem ser purificados, as paixões se-
renadas, os sentimentos aprimorados e os pensamentos eleva-
dos. Reiteramos que é a mente, mais do que o corpo, que deve
47
SILVA, Dr. Georges da. Dhammapada, caminho da lei. São Paulo: Ed. Pensamento,
1993. p. 33.

144
ser disciplinada. A única maneira de fazer isso é praticando a
difícil arte de DIZER NÃO A NÓS MESMOS. Isso envolve
também enfrentar o desapontamento, a perda, o fracasso, sem
que isso abale nossas intenções finais. Vontade é o aspecto su-
perior do desejo. Pode ser considerada como um desejo eleva-
do, impessoal, necessário, altruístico, oposto à autossatisfação,
ao prazer momentâneo, à autoindulgência inferior. O homem
autoindulgente nunca pode vir a ser o santo, o iluminado,
aquele que irradia Deus.48
A purificação mais difícil não é das ações (enfatizadas no
Antigo Testamento), mas das emoções e dos pensamentos. De-
vemos evitar dizer palavras desnecessárias, pois elas podem ter
um impacto prejudicial nos outros e até em nós mesmos. Os
taoístas enfatizam o controle da fala: “Não se queixe, nem utilize
palavras que projetem imagens negativas, porque elas reproduzi-
rão ao seu redor tudo o que tenha fabricado com as suas palavras
carregadas de Chi (energia). Se não tem nada de bom, verdadeiro
e útil a dizer, é melhor não dizer nada.”
Para evitar pensamentos ociosos ou negativos, é muito útil
procurar repetir afirmações positivas ou mantras. A constante
luta para evitar e vencer as tentações torna-se bem mais fácil
quando definimos nossa meta de vida, pois, como dizia Jesus:
“Onde está o teu tesouro, aí estará o teu coração”. Se estivermos
constantemente focados em nosso tesouro, a nossa atenção es-
tará nele e não na “tentação”. O controle da sensualidade co-
meça com o controle da comida.

CODD, Clara M. A Técnica da Vida Espiritual. Brasília: Ed. Teosófica, 2014.


48

145
Precisamos aprender a redirecionar a energia em vez de ten-
tar resistir às paixões. Não se pode destruir a energia de uma
paixão, mas é possível canalizá-la para outro objetivo. Sabemos,
porém, que a batalha é constante. Por essa razão, Jesus nos aler-
tou: “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação, pois o espírito
está pronto, mas a carne é fraca”. Por essa razão precisamos reno-
var todos os dias nosso propósito de superar nossas fraquezas.
O propósito último da purificação não é meramente tor-
nar-se “bom” ou “um homem justo”, como diziam os judeus.
O verdadeiro “bem” só pode ser encontrado nos níveis mais
profundos do “ser”. A purificação, portanto, visa estabelecer
a sintonia com esses níveis mais profundos de nossa natureza.
Todas as práticas, meditações e invocações estão voltadas para
a criação de vibrações cada vez mais elevadas para que, num
determinado momento, seja possível alcançarmos a sintonia
com o Cristo interior, quando então terminam as dúvidas e
resistências do ego.
A autopurificação inclui a completa eliminação de todo
sentimento negativo, como a culpa, o medo, o ressentimento
e o rancor. O coração deve ser puro de toda negatividade; caso
contrário, nem o Mestre interior (inicialmente a mente divina,
o Espírito Santo do Cristianismo e mais tarde o Cristo interior),
nem o Mestre exterior, podem morar ali. Não deve haver nada
interferindo entre a personalidade e a alma. O ideal é um cora-
ção puro e um canal sempre aberto para nossa natureza divina.
O processo de purificação vai reconstruindo lentamente a
matéria do corpo, especialmente a do cérebro, o que vai permitir
a expressão, no plano físico, das vibrações mais elevadas da na-

146
tureza espiritual do Eu Superior. Esse processo é um trabalho ár-
duo de longo prazo. Requer a atitude de um jardineiro experien-
te e paciente, que, por um lado, aduba e irriga as flores (virtudes)
do jardim da alma e por outro arranca constantemente as ervas
daninhas das negatividades, ajudando a Natureza a promover
o crescimento da semente divina plantada em nossos corações.
O trabalho de purificação ou autocura demanda um traba-
lho prévio de autoconhecimento. “Homem, conheça-te a ti mes-
mo”, já dizia o oráculo de Delfos. A parte mais difícil e negligen-
ciada deste processo é o conhecimento de nossas negatividades.

“A ignorância de fraquezas e limitações é uma das grandes


barreiras para o desenvolvimento oculto e espiritual. O dis-
cípulo deve se conhecer inteiramente, ser modesto e humilde
a respeito de suas capacidades e ter os olhos abertos no que
tange às suas limitações. O discípulo deve ser sábio a seu
respeito. Deve depender de si mesmo, não procurando aju-
da externa, na verdade, deve tornar-se seu próprio guru. O
discípulo deve aprender a interpretar suas experiências de
vida, para aprender com elas e assim tornar-se sábio. Para
isso, o discípulo deve estudar a vida, observar suas próprias
reações e respostas a cada incidente, pequeno ou grande.
Em especial, o discípulo deve prestar atenção às pequenas
coisas, sua aparência pessoal, conduta, seu comportamen-
to com os outros e, quando sozinho, a abertura de uma
porta, entrar numa casa ou num quarto, suas maneiras,
a forma de falar, contato com animais, empregados, com
os atendentes nas lojas, crianças, amigos; tudo isso deve

147
trazer a marca do discipulado; isto é, da impessoalidade,
autocontrole, requinte, pureza, dignidade e espirituali-
dade, pois essas coisas devem ser as qualidades do caráter
de um discípulo.”49

Os apegos devem ser superados. Lembremos que a vida é


um fluxo, ela flui com o Tao, como dizem os taoistas. É natu-
ral encontrarmos coisas bonitas e atraentes. Porém, precisamos
aprender a apreciá-las sem nos apegarmos a elas, pois isso se-
ria como lançar uma âncora de nossa embarcação sempre que
encontramos algo atraente e mesmo assim querer continuar
seguindo o fluxo da corrente da vida.
A purificação só será efetiva e completa quando a virtu-
de tiver sido testada pelas oportunidades oferecidas pelo vício
oposto. Por essa razão, o buscador espiritual está sempre en-
frentando todo tipo de tentação. Quando vence um nível mais
grosseiro de uma fraqueza, passará então a enfrentar um nível
mais sutil e isso persistirá até a batalha final, quando então
alcançará o Adeptado, ou Iluminação.
Todas essas considerações mostram que o processo de pu-
rificação não é fácil e que o pequenino ego resiste tenazmente
à mudança. “Quanto mais avançares, mais armadilhas teus pés
encontrarão. A senda do progresso é iluminada por uma única
chama: a chama da audácia, ardente no coração. Quanto mais se
ousar, mais se obterá. Quanto mais se temer, mais essa luz empa-
lidecerá – e só ela pode guiar”.50 Somente o devoto que consegue

49
Luz do Santuário – O Diário Oculto, op. cit., p.93-4.
50
A Voz do Silêncio, op. cit., versículo 239.

148
demonstrar uma força de vontade hercúlea e uma determinação
de ferro faz progresso relativamente rápido e permanente na pu-
rificação.

“A força de vontade, a exemplo de qualquer outra qua-


lidade, tem de ser engendrada por vocês mesmos. Uma
pessoa que nasceu com muita força de vontade deve ter
trabalhado para adquiri-la em algum momento do pas-
sado, de modo que essa pessoa poderia trazer consigo esse
bem valioso e agora pode fazer bom uso dele.”51

O segredo é encontrar uma motivação suficientemente


forte. A motivação ideal é a experiência transcendente de um
êxtase ou experiência de quase morte. Quando isso ocorre, o
devoto sabe que a vivência do amor de Deus é o bem mais
precioso que existe. Absolutamente nada se compara a essa ex-
periência. Depois dessa experiência transcendental, que supera
todas as suas experiências até então, o devoto já não é mais o
mesmo. A vida do indivíduo passa a ter um marco central:
antes e depois da experiência mística. Seu futuro, porém, de-
penderá da resposta que der à experiência. Ele só se tornará um
verdadeiro místico se a experiência o tiver tocado a tal ponto,
que o objetivo central de sua vida torne-se a repetição e o apro-
fundamento daquela vivência.
Então ele naturalmente sentirá em seu coração que deve
passar por um processo de purificação que lhe permita retornar
ao seio da Luz. Seu coração lhe dirá que não poderá se apresentar

Entrega ao Deus Interior, op. cit., p. 32.


51

149
diante da mais pura Luz, do mais sincero Amor, com suas atuais
impurezas e imperfeições. Todo aquele que passa pela experiên-
cia marcante do despertar espiritual (a primeira etapa da via mís-
tica) deverá responder a vários questionamentos que afluirão ao
seu coração. Será que estou disposto a pagar o preço necessário
para modificar a minha vida? Estou disposto a abandonar todos
os comodismos, hábitos e tudo aquilo que é prejudicial à minha
vida espiritual, todas as impurezas e vibrações pesadas que cons-
tantemente envolvem minha natureza exterior? Quando come-
çamos a nos desapegar das coisas mundanas e a promover uma
transformação radical na nossa maneira de ser, entramos então
na segunda etapa da via mística, a etapa da purgação.
O experiente místico e escritor Thomas Merton disse: “Um
dos paradoxos da vida mística é este: uma pessoa não pode penetrar o
mais íntimo de seu ser e passar dali a Deus, se não for capaz de sair
inteiramente de si mesmo, esvaziando-se de si mesmo e dando-se aos
outros na pureza de um amor que não busca a si próprio.”

“É preciso uma filosofia mostrando o lugar e a sublima-


ção dos erros. Para a pessoa espiritualmente sensível, os
erros, quando lembrados, são constantes tormentos. A
memória deles e de seus efeitos é humilhante, cumula-
-nos de pesar, produz agudos ímpetos de vergonha. Sem
dúvida esses aguilhões (eles podem ser feridas profundas
e não saradas) servem também como incentivos para nos
induzir a maiores esforços. Mas o que dizer de erros ou
quedas, enganos e julgamentos errôneos? O que deve ser
feito a respeito deles e dos recorrentes distúrbios que eles

150
produzem sobre a postura da alma? Como o Eu Supe-
rior vê a enorme lista de quedas e erros, má conduta que
deve ter ocorrido durante centenas de vidas? Eles poderão
ser desfeitos algum dia? Eles afligem a Alma? São eles
realmente erros ou simplesmente manifestações naturais
de imperfeição e, portanto, inevitáveis? Em que estágio o
indivíduo cessa de cometê-los? – não até o Adeptado.”52

Com a forte motivação de repetir a experiência marcante de


mergulho na luz e no amor divino, o místico fará tudo para ga-
rantir sua purificação. E ele quase sempre será bem sucedido nes-
sa mesma vida, finalmente experimentando outra vez os estados
alterados de consciência que motivaram sua total mudança de
vida. Essa constitui-se e terceira etapa da via mística, a Ilumina-
ção. É provavelmente a etapa mais marcante da via mística. Os
grandes santos, poetas, artistas, inventores, cientistas alcançam
suas realizações notáveis nesta etapa. Poucos, porém, vão além.
O processo de alternância de luz e sombra é válido tanto
para o mundo físico como para o espiritual. Depois da Ilumi-
nação da terceira etapa mística, chega a escuridão da quarta
etapa. Esta etapa é chamada por vários autores como morte
mística ou a noite escura da alma, na terminologia de João da
Cruz. Nela o indivíduo passa por um novo processo de puri-
ficação, porém numa etapa bem mais elevada da espiral evo-
lutiva. Não se trata mais da purificação dos sentidos nem das
emoções, mas de sua mente. Agora ele deve abdicar da noção
de ser um ser separado, entregando-se totalmente a Deus. A

Luz do Santuário – O Diário Oculto, op. cit., p. 116.


52

151
linguagem mística está cheia do conceito de ENTREGA. Seja
feita a Tua vontade, senhor, e não a minha.
Quando ocorre esta entrega, o indivíduo está pronto para
a culminação do processo. Ao alcançar essa etapa, o indivíduo
liberta-se de tudo o que o prendia ao nosso mundo. Os poderes
divinos, que são nossa herança primordial, lhe são entregues,
pois agora ele está preparado para usá-los. Nesse contexto,
entendemos a razão do ensinamento elevado encontrado no
Evangelho de João: “Se permanecerdes em mim e minhas pa-
lavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes e vós o tereis.”
Com esses poderes divinos ele passa a ser um curador. Ele al-
cança a vidência e até mesmo a presciência. Tudo está ao seu
alcance. Ele é praticamente onipotente nessa sintonia com a
vontade de Deus e naturalmente procura agir como um ins-
trumento de Deus. Torna-se incapaz de criar desarmonia no
mundo porque, mais do que sintonizado, ele está unificado
com Deus, como lembra a frase do apóstolo Paulo: “Já não sou
eu que vivo, é Cristo que vive em mim.”

152
Parte III

A vida espiritual
9. “Vida espiritual”
na prática

O
que é ‘Vida Espiritual’? Cada Tradição tem a sua de-
finição e cada autor tem uma formulação específica.
Num sentido dinâmico, podemos dizer que vida es-
piritual é uma progressiva aproximação de Deus, EM CONS-
CIÊNCIA, que resulta numa crescente alegria, paz, harmonia,
amor e conhecimento direto da realidade da vida.
Todos querem ser felizes e viver em paz, ainda que nem
todos estejam buscando a vida espiritual. No entanto, a maior
parte da humanidade vive em sofrimento e confusão. A razão
dessa aparente incoerência é que tomamos decisões erradas e
sofremos suas consequências. Por que seguidamente decidi-
mos pelas opções erradas? Não somos suficientemente inteli-
gentes? Falta de inteligência não é o principal problema, mas
as premissas que adotamos e os fatos que levamos em con-
sideração. Nossas crenças e condicionamentos atuam como
um programa de computador em nossa mente. Como nossas
premissas e os dados com que alimentamos esse programa
não são confiáveis, o resultado também não é confiável. Os
técnicos de informática referem-se a esse axioma como gar-
bage in, garbage out (se alimentamos o programa com lixo, o
resultado será lixo).

155
A premissa errônea fundamental de que somos seres se-
parados, aliada à teoria da escassez (não há o suficiente para
todos), gera uma atitude egoísta nas pessoas, com todas as
negatividades consequentes. A ilusão da separatividade ocorre
quando o ego usurpa o comando de nossa vida. A origem des-
ta ilusão, na tradição judaica e cristã é a interpretação literal da
“desobediência” de Adão e Eva ao comando de Deus, come-
tendo então o primeiro pecado, o pecado original que passa a
ser transmitido para toda a família humana, os descendentes
do primeiro par transgressor. O “pecador” passa a ter medo
do castigo que vai receber do Pai Celestial e procura fugir de
Deus; o ego então oferece um refúgio, o corpo.
Passamos a nos identificar com o corpo e não mais com
o Filho de Deus, Cristo em nós, nossa verdadeira natureza,
que acaba sendo esquecida em nossa consciência de vigília.
Portanto, a meta da Vida Espiritual é resgatar a consciên-
cia de nossa verdadeira natureza (que é divina), para então
manifestá-la plenamente enquanto num corpo físico. Esse
processo é equivalente à Parábola do Filho Pródigo que retrata
a jornada da alma, UMA JORNADA EM CONSCIÊNCIA,
envolvendo a queda (inconsciência) na matéria e um lento
retorno da consciência ao Espírito.
Ao longo da Jornada, a alma ouve duas vozes na grande
arena da mente: a voz do ego e a Voz por Deus, que é o Es-
pírito Santo (a mente divina). As duas vozes estão na mente,
porém em duas partes distintas, a parte inferior, referida como
mente concreta, e a parte da mente superior, abstrata ou di-
vina. A mente, então, é equivalente ao campo de batalha de

156
Kurukshetra da alegoria da Bhagavad-Gitā. Aliados da luz e
das trevas estão constantemente procurando atrair a alma. O
que fazer para atrair cada vez mais aliados da luz para nossa
alma?
Sabemos, por experiência própria, que a maior parte das
boas coisas da vida demanda muito empenho. Por essa razão:

“Vocês precisam da sabedoria para compreender que o


estado de consciência mais elevado, mais desejável e de
maior unidade – o ápice de toda realização, que inclui,
abarca e transcende os demais estados e conquistas desejá-
veis – não pode ocorrer rapidamente, facilmente, sem que
se pague um preço. Essa realização total só pode ocorrer
na medida em que vocês se entregam, de todo, à vontade
de Deus, sem nenhuma reserva, em cada aspecto mínimo
da vida e do ser de vocês.”53

Existem diferentes caminhos para a vida espiritual. O ca-


minho mais trilhado é o ritmo normal da humanidade. Ele é
geralmente apresentado simbolicamente como o extenso cami-
nho ao redor de uma montanha, subindo muito lentamente,
com voltas e mais voltas ao longo da montanha, porque os
aclives acentuados são evitados (uma mudança de patamar im-
plica em mudanças de valores e atitudes, que ocorrem muito
lentamente no ser humano comum). Temos, a seguir, o cami-
nho místico geralmente apresentado com cinco etapas: desper-
tar, purgação, Iluminação, noite escura da alma e unificação

Entrega ao Deus Interior, op. cit., p. 221.


53

157
ou theosis. Existe também o caminho do iogue, talvez o mais
seguido no oriente, com as sete sendas do Yoga e a importância
dada a encontrar um guru ou mestre para orientar o iogue.
Finalmente, existe o caminho acelerado do ocultismo. Esses
caminhos não são incompatíveis. Todos nós alternaremos entre
um e outro em cada existência para que o nosso processo evo-
lutivo seja o mais harmonioso possível.
O caminho oculto ensinado aos discípulos é pouco conhe-
cido. Esse caminho, também chamado de caminho acelerado,
é trilhado por aqueles que já foram tocados em seu coração
pela divina compaixão e desejam capacitar-se, o mais rapida-
mente possível, para serem de real ajuda aos muitos que an-
seiam libertar-se do sofrimento. Os discípulos são instruídos e
ajudados pelos Irmãos mais Velhos da humanidade, os Mestres
de Compaixão e Sabedoria, em sua jornada.
Esse caminho é difícil, pois os aspirantes e discípulos pre-
cisam purificar-se inteiramente de toda negatividade associa-
da ao egoísmo, pois o caminho oculto, como o próprio nome
diz, envolve o desenvolvimento dos assim chamados poderes
ocultos, pelos discípulos avançados, que só podem ser ensi-
nados àqueles que são totalmente confiáveis. Jesus fala de for-
ma velada a esse respeito nas Bem-Aventuranças do Sermão
da Montanha: “Bem-aventurados os mansos porque eles herdarão
a terra”. Obviamente o Mestre não estava falando de herdar
alguma propriedade imobiliária, mas sim de receber os poderes
ocultos da natureza. A mansuetude implícita nesta capacitação
é referida no Oriente como “inofensividade”, ou ahimsā. O
indivíduo é tido como “manso” se jamais se deixar levar pela

158
raiva ou tiver impulsos para retaliar, mesmo quando insultado
ou agredido, pois se assim fosse, ele poderia ser levado a usar
seus poderes ocultos para destruir seu agressor. Esses poderes só
podem ser usados para fazer o bem e servir aos outros, jamais
para ferir e nem mesmo para benefício próprio.
O caminho oculto demanda muita dedicação, disciplina
e determinação do postulante. Ele será acompanhado e assis-
tido em sua jornada, apesar de não estar ciente disto a maior
parte do tempo, pois os Irmãos Mais Velhos da humanidade,
os instrutores no caminho oculto, tudo veem, tudo sabem. A
vibração elevada desses Seres, a partir de então em sintonia
com Seus discípulos, fará com que todas as tendências que es-
tavam dormentes no inconsciente dos aspirantes e discípulos
venham à tona, sejam elas qualidades ou fraquezas e mesmo
vícios não inteiramente superados. Por essa razão, o postu-
lante deve ser extremamente determinado, pois ele vai passar
por muito desapontamento, sofrimento e até mesmo vergo-
nha com seu comportamento por algum tempo, até conseguir
superar inteiramente suas fraquezas. Daí o caminho oculto ser
chamado de acelerado, oferecendo os mesmos perigos equiva-
lentes da alta velocidade para um carro numa estrada esbura-
cada e cheia de curvas.
Os requisitos para encontrar e trilhar o Caminho Oculto
são apresentados por um Ser elevado nos seguintes termos:

• “Aprenda a pensar por si mesmo. Dê valor, mas examine


criticamente, tudo o que você foi ensinado, especialmente
a respeito de religião.

159
• Avalie o seu caráter, incluindo seus motivos para tudo o
que você faz. Purifique o caráter e reduza ao mínimo o
egoísmo em seus motivos.
• Estude as grandes obras sobre misticismo e ciências
ocultas.
• Estabeleça o hábito de remoer em solidão a respeito das
verdades mais profundas que você conhece. Deixe que isso
leve a uma prática regular de uma forma apropriada de
Yoga, de acordo com a antiga ciência.
• Cumpra com seus deveres no mundo e faça isso com má-
xima eficiência, desta forma desenvolvendo e melhorando
ainda mais o seu caráter.
• Adquira o máximo de faculdades que você puder.
• Do âmago de seu ser, de seu coração, mente e vontade,
envie um pedido de ajuda em sua busca, para que um
verdadeiro Mestre espiritual passe a guiá-lo. Ele vai ime-
diatamente começar a ajudá-lo, já estará fazendo isso se
você for sincero. No seu devido tempo, Ele se fará conhe-
cido a você, geralmente no início por meio de um de Seus
agentes e, finalmente, em plena Presença.
• Nunca fique satisfeito com você ou com seu ritmo de pro-
gresso. Ainda que preservando a devida serenidade de
alguém que almeja tornar-se um Sábio, continue pressio-
nando com sabedoria discriminadora.
• Procure outras pessoas e ajude-as como você está sendo
ajudado. Empreste a elas sua força e compartilhe com elas
sua visão e, se possível, contagie-as com seu entusiasmo.”

160
“O trabalho dos futuros servos de seu próximo é espirituali-
zar a consciência da humanidade. Este sempre foi e sempre
será o principal trabalho de todo instrutor espiritual, não
importa quão elevado ou quão humano.”54

A orientação de irmãos mais experientes é sempre útil. Use


seu discernimento na busca dessa orientação. Os eruditos e
professores serão úteis para fornecer dados sobre a história das
tradições e muitas informações e detalhes sobre autores das di-
ferentes escolas. Eles vão estimular a sua mente. Os praticantes
compartilham experiências, demonstram gentileza e paciência
na orientação das práticas e falam com o coração. Eles vão es-
timular seu coração. A diferença entre o erudito e o praticante,
entre a Doutrina do Olho e a Doutrina do Coração pode ser
detectada pela atitude de orgulho ou humildade, de imposi-
ção ou liberdade, de prepotência ou respeito. Um teste simples
pode ser feito: discorde de algum ponto apresentado pelo ir-
mão que você está considerando como orientador. Se ele res-
ponde com irritação, agressividade ou desdém, mostrando-se
superior, ele é um erudito típico. Se responde com paciência e
respeito por sua opinião, é um praticante que já vivenciou as
inumeráveis dúvidas que enfrentamos no Caminho. O prati-
cante é um harmonizador amoroso que procura trazer luz, paz
e alegria para tudo o que faz.
O caminho aberto mais conhecido, seguido pelos devotos
e místicos, é apresentado de forma velada por Jesus como: “Eu
Sou [é] o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai
54
Luz do Santuário – O Diário Oculto, op. cit., p.256.

161
a não ser por mim. Se me conheceis também conhecereis a meu
Pai.” EU SOU é o símbolo usado pelos cabalistas para atender
ao terceiro mandamento dado a Moisés de não pronunciar o
nome do Senhor em vão. Representa o Eu Superior, a Trindade
Divina em nós. “O Caminho” é o Espírito Santo, ou a Mente
Divina em cada um de nós. A Verdade é Cristo, a Fonte do
Amor, do Conhecimento e da Bem-Aventurança. A Vida é a
Consciência, Vontade e Poder que tudo sustenta e tudo per-
meia, também conhecida como o Supremo Espírito, Ātmā, ou
o Pai, na tradição cristã. Somente aquele que alcançou a ele-
vada estatura da consciência de Cristo poderá, no seu devido
tempo, ascender à consciência do Pai.
Como seguir esse “Caminho”? Com a entrega a Deus! Esse
é o segredo dos místicos, que quebra o autocentrismo e a sepa-
ratividade em nós. Mas para isso, em primeiro lugar, precisamos
encontrar o caminho. Daí a “busca”. Os Irmãos Mais Velhos
da humanidade estão periodicamente enviando emissários com
novas apresentações da Eterna Verdade para facilitar o nosso des-
pertar espiritual, no contexto da cultura e dos valores da nossa
época, para que possamos encontrar a Porta Estreita. Mas não
param aí. Eles também nos ajudam a trilhar o Caminho Aper-
tado. Na medida em que nos tornamos verdadeiros “devotos”
passamos a sentir em nosso coração que não estamos sós.
Para encontrar o CAMINHO é preciso desejá-lo ardentemen-
te, sabendo que para trilhá-lo deveremos mudar progressivamente
nossa orientação de vida. Isso só ocorre quando estamos insatisfei-
tos com a vida nesse mundo e “despertamos”. Essa divina insatis-
fação leva ao nosso amadurecimento. Quando isso ocorre, passa-

162
mos a entender que a vida mundana que conhecemos, orientada
pelo autocentrismo, é a fonte de nosso sofrimento.
De forma surpreendente, uma grande dádiva divina que
facilita esse processo são as CRISES. As crises existenciais nos
levam simbolicamente ao fundo do poço, quando o sofrimento
é tal que sentimos que se “as coisas não mudarem” não vamos
aguentar e podemos morrer. Nesse momento crucial consegui-
mos força e determinação para a única mudança que importa, a
MUDANÇA DE ATITUDE. Ela inicialmente não afeta as cir-
cunstâncias exteriores, mas desencadeia um processo de auto-
transformação. Esse processo implica numa mudança interior
em nossa mente, que nos leva a mudar nossa visão do mundo
e nos faz entender que precisamos aceitar o que não podemos
mudar e mudar o que podemos. E essa mudança geralmente é
irreversível, pois uma vez efetuada, sabemos em nosso coração
que encontramos o CAMINHO de volta ao nosso Lar.
Mas, como é possível que o ser humano possa entrar numa
crise existencial em que chega a considerar a hipótese de tirar
a sua própria vida, por não aguentar mais o sofrimento? Pela
mesma razão de todos os erros humanos: devido à ignorância
e ao egoísmo. Essa ignorância é devida à insistência em manter
suas atitudes egoístas aos processos da vida, desconsiderando
todas as indicações de que a continuação de suas escolhas in-
sensatas levará ao aprofundamento de sua insatisfação e sofri-
mento. Essa falta de visão mais ampla pode ser comparada com
a visão de fim do mundo da lagarta, aprisionada na escuridão
de seu casulo, que para o sábio é o prenúncio feliz da grande
metamorfose que permite a chegada da borboleta.

163
“Os primeiros passos experimentais na transição de um
estado ou mundo para outro são o autoconhecimento e
o entendimento dos seus problemas, ideias e atitudes in-
conscientes. O autoconhecimento e a autoaceitação são
os pré-requisitos. Tudo mais aflora disso. Vocês também
têm de compreender que há uma outra meta além da
simples dissolução dos seus problemas interiores. Ou, para
expressar de modo diferente, vocês não podem na verdade
resolver esses problemas a não ser que vislumbrem essa
grande transição fundamental.”55

Na tentativa de identificar a essência da vida espiritual vimos


que tudo está interconectado e é interdependente. Portanto, será
necessário integrarmos os conceitos operacionais de nossa vivência
espiritual, com o ensinamento primordial da unidade de toda a
manifestação. Essa integração deve ser efetuada com harmonia,
lembrando que, no processo da vida, o desequilíbrio no curto pra-
zo pode ser um caminho para o equilíbrio no longo prazo. Por
exemplo, o mero ato de caminhar, quando observado atentamen-
te, será visto como uma sequência de pequenos desequilíbrios, de
um lado para o outro, para promover o equilíbrio na dinâmica do
movimento, como fazemos ao andar de bicicleta. Por isso algumas
tradições referem-se a esse processo como a dança da vida, com
suas oscilações e mudanças, seguindo um ritmo, às vezes inespera-
do, que proporciona harmonia no longo prazo.
A Natureza nos proporciona inúmeros mecanismos har-
monizadores, ainda que alguns sejam considerados pelos ig-

Entrega ao Deus Interior, op. cit., p. 84.


55

164
norantes como “pragas”. Um importante instrumento har-
monizador é a DOR. A dor pode ser considerada como um
alarme, conferido pela natureza, para indicar que algo não está
indo bem na vida do ser humano, seja a dor de origem física
ou emocional. Por exemplo, se o indivíduo não sentisse dor
ao tocar numa panela quente, poderia se queimar a ponto de
sua queimadura poder levá-lo à morte. Se ainda não estamos
preparados para agradecer a dor física e muito menos a dor
emocional das perdas e desapontamentos, devemos procurar
aprender com a dor quando ela nos alerta que algo está em
desarmonia e precisa ser interrompido e curado.
Qual é a tendência do ser humano comum quando con-
frontado com a dor física. Ele procura livrar-se da dor. Inicial-
mente usa os cuidados caseiros como compressas, chás e outras
práticas tradicionais. Se a dor vai além de certo ponto a pessoa
provavelmente vai procurar um médico. No consultório, ex-
plica onde dói e o que faz a dor piorar. Em seguida, pede ao
médico um remédio para a dor. Mas a dor é meramente um
sintoma. Para curar a situação dolorosa é preciso descobrir a causa
do mal que aflige o “doente”.
Nesse ponto verificamos mais uma idiossincrasia do ser
humano. Ele quer tratar o sintoma (a dor) e só aceita curar a
causa quando é convencido de que esse é o único caminho.
Mas, como o homem comum está voltado para o mundo
exterior, espera que a cura venha de fora. Pede ao médico
um remédio para a dor, mas pode ser convencido a tratar
também a causa da dor. Não fica muito satisfeito quando o
médico prescreve fisioterapia, exercícios e mudanças alimen-

165
tares. Mas sua insatisfação chega ao ponto máximo quando lhe
é dito que seus pensamentos e emoções negativas precisam ser
mudados, pois estão afetando seu equilíbrio psíquico, resultan-
do na somatização de suas vibrações pesadas e causando distúr-
bios orgânicos. O ser humano dá um grande passo na evolução
quando aprende que os processos criativos na vida começam
no interior e manifestam-se finalmente no exterior.
O indivíduo vai precisar de considerável disciplina e deter-
minação para manter os exercícios de fisioterapia e mais ainda os
exercícios de musculação e aeróbicos. Mas o passo seguinte, o da
mudança de atitudes, demanda exercícios ainda mais exigentes
e mais disciplina para todo aquele que busca a cura por meio da
harmonização total de sua vida. Nessa etapa da vida, a pessoa
reconhece que sua doença é mais de natureza espiritual do que
física, sendo essa última uma consequência de sua desarmonia
interior. Ela passa a chamar seus “exercícios interiores” de “prá-
ticas”, como as práticas meditativas, a auto-observação e outras
práticas recomendadas por seu orientador espiritual.
O ser humano, portanto, deve procurar trazer equilíbrio
e harmonia para sua vida. Com isso ele estará se capacitando
a trazer harmonia para o mundo ao seu redor tornando-se um
harmonizador, pois é um truísmo da vida que só podemos dar
aquilo que temos. Não podemos dar equilíbrio e harmonia aos
outros se vivemos em desarmonia e se alguns aspectos básicos
de nosso SER ainda estiverem desequilibrados. Por isso, a paz
que queremos ver no mundo deve começar conosco. A harmo-
nia que queremos ver ao nosso redor deve começar em nossa
mente e em nosso coração.

166
“A harmonia é a base de tudo. Nenhum questionamen-
to se origina a partir de um ser humano em harmonia,
pois a Sabedoria intuitiva que procede de um ser har-
monizado responde a todas as questões sem emitir uma
única palavra, porque não existem perguntas mentais
quando se está em harmonia, mas somente há a Paz e a
Bem-aventurança.”56

Esse equilíbrio interior pode demandar uma harmoniza-


ção de nosso ritmo de vida, com alternâncias entre a busca
da paz interior na meditação e no estudo, com uma atividade
exterior, que pode ser intensa, no trabalho profissional e par-
ticipação na vida familiar e social. A extensão dos períodos de
recolhimento e de atividade dependerá da necessidade de cada
indivíduo, ditada pelas circunstâncias pessoais externas e pela
intuição interior. Viver no equilíbrio do espírito enquanto en-
frenta o tumulto do mundo é o desafio do discípulo.
O universo está em equilíbrio em meio ao extremamen-
te rápido, porém harmônico movimento de planetas, estrelas,
constelações e galáxias. O equilíbrio do microcosmo de nosso
corpo físico tem um paralelo com a harmonia dos corpos side-
rais. Nosso corpo físico abriga incontáveis trilhões de células,
bactérias, microflora e vírus. Esses minúsculos seres estão em
constante interação dinâmica procurando manter seu equilí-
brio, ao qual chamamos de “saúde”.
A maior parte dos eventuais desequilíbrios que ocorrem
em nosso organismo é cuidada por nosso sistema imunológico

Luz e Consciência, op. cit., p. 51.


56

167
com seu sofisticado sistema de defesa e exército interior. Mas
o equilíbrio do nosso microcosmo é altamente dependente das
ordens do ocupante do corpo (inicialmente o ego e, depois do
despertar, o Eu Superior), comunicadas por nossos pensamen-
tos, desejos, emoções, sentimentos e determinações. Um exce-
lente exemplo de como a alegria pode contribuir para a saúde
do ser humano foi apresentado no inesquecível filme “Patch
Adams” (a história de um médico avant-garde, interpretado por
Robin Williams, que ajudava a cura de seus pacientes, fazendo
com que eles passassem a rir com alegria de suas brincadeiras e
piadas, apesar de seus problemas de saúde).
Assim, o ser humano está sempre buscando encontrar
equilíbrio na saúde do corpo físico, na busca de seu intelecto
com suas dúvidas e crenças, nos devaneios de sua imaginação,
anseios emocionais e rompantes dos desejos e das paixões, tem-
perados cada vez mais por suas aspirações espirituais. Seus sen-
timentos de “realização”, paz e consequente felicidade na vida
dependerão da extensão em que o controle de suas decisões seja
feito pelo “ego” ou por sua “natureza superior”.
A vida, no entanto, é um processo dinâmico com dife-
rentes fases. As necessidades físicas e psicológicas de cada fase
precisam ser entendidas e devidamente cuidadas. Carl Jung foi
um dos pioneiros no estudo do desenvolvimento pessoal. Ele
sugeriu que a vida do ser humano pode ser dividida em duas
grandes fases, no processo que ele chamou de “individuação”,
entendido como o impulso individual para alcançar a totalida-
de e equilíbrio do seu Ser (Self ). Para Jung, a primeira fase da
vida é caracterizada pela expansão da personalidade e adaptação

168
ao mundo exterior. Suas principais realizações incluem a sepa-
ração da mãe, a aquisição de uma identidade adulta levando a
um emprego, relacionamento ou casamento e paternidade. Na
segunda fase, a ênfase passa a ser direcionada para o interior,
visando ao entendimento e à relevância das experiências exte-
riores da primeira fase. Nessa etapa, a luta pelo sucesso externo
precisa ser modificada para incluir o significado da vida e por
valores espirituais, levando a uma conscientização crescente da
questão da morte. O ego passa a dar lugar ao Self.57
De grande importância para o progresso espiritual é a “as-
piração ardente”. Como é dito na Bhagavad-Gitā: “Cada um
chega a ser o que desejou ser; o semelhante atrai o semelhante” e
nos Yoga-Sūtras de Patañjali: “A aspiração ardente é um fator ne-
cessário e pode ser suficiente se for verdadeiramente ardente.” Pau-
lo declarou: “Gememos pelo desejo ardente de revestir por cima da
nossa morada terrestre a nossa habitação celeste”.
Nossas crenças, pensamentos, desejos, aspirações e deter-
minações comandam nossa jornada, tornando-a mais lenta ou
acelerando consideravelmente nosso progresso. Se nos identifi-
camos com o êxito, teremos êxito. Porém, se nos identificamos
com o fracasso, teremos fracasso. As circunstâncias que vive-
mos são em parte manifestações externas de nossas crenças e
atitudes interiores, combinadas com nossos resgates kármicos.
Apesar de o poder de nossos pensamentos, desejos e determina-
ções, de forma mais direcionada, bem como de nossas crenças e

WELCH, John. Spiritual Pilgrims. São Paulo: Ed. Paulist Press, 1982. p. 86-97 e SA-
57

MUELS, A., SHORTER, B. e PLAUT, F. Dicionário Crítico de Análise Junguiana (Ima-


go, 1988. p. 77.

169
aspirações, de forma inconsciente, ser geralmente conhecido, a
maior parte dos buscadores nem sempre usa esse conhecimen-
to para facilitar sua jornada.
Nas últimas décadas, porém, uma série de livros e princi-
palmente filmes e documentários vêm causando uma revolu-
ção nas atitudes de grandes segmentos da sociedade capitalista
de ponta. Essa literatura, documentários e filmes apresentam
os princípios de como o ser humano pode mudar a sua manei-
ra de ser para conseguir o que deseja. A motivação por trás deste
considerável interesse, obviamente é a expectativa das pessoas
de se tornarem ricas, adquirirem poder político ou econômico,
serem bem-sucedidas, terem muitos relacionamentos amoro-
sos, terem boa saúde e tudo mais relacionado com uma vida
de abundância e alegria. Esses objetivos sempre foram perse-
guidos pelos seres humanos e foram registrados no imaginário
das lendas populares.
Uma das lendas favoritas dos buscadores da riqueza é a do
rei Midas, que transformava em ouro tudo que tocava. A mais
lembrada, porém, parece ser a lenda da lâmpada de Aladim que,
após ser esfregada, liberou um gênio ali aprisionado, que lhe ofe-
receu a satisfação de três desejos. No entanto, o novo “gênio”, a
ser liberado nos documentários modernos, oferece a promessa
da satisfação não só de três, mas de todos os nossos desejos. O
sucesso dessa comunicação foi instantâneo. Agora, seguindo as
orientações democraticamente apresentadas nos documentários,
todo indivíduo pode pedir ao gênio universal da força de atração
do cosmo, implícita nos postulados da física quântica, sabendo
que após um tempo de maturação, seu desejo será atendido.

170
Essa é a tese central de uma família de documentários, in-
cluindo Quem Somos Nós (I e II), O Segredo (I e II) e O Segre-
do do Segredo, que se alastraram tanto pela mídia como pela
Internet, sob várias formas, despertando grande interesse do
público. Muitas pessoas já estão procurando colocar em prática
as instruções apresentadas nos documentários.
Porém, ao contrário do que afirmam os apresentadores dos
documentários, “O Segredo” sempre foi conhecido ao longo
dos séculos, em diferentes culturas e tradições espirituais. É
óbvio que nem todas as pessoas, mesmo em nossa sociedade,
estão interessadas ou acreditam nessas formulações. Com isso,
somente um número relativamente pequeno de pessoas tinha
um conhecimento prático do princípio da atração.
Na Índia, desde remota antiguidade, a ilusão do mundo em
que vivemos faz parte da religião e da cultura local. Todas as coi-
sas manifestadas eram, e ainda são, referidas como Maya, ou ilu-
são. O poder dos desejos e dos pensamentos é conhecido, desde
tempos imemoriais, pelos iogues e sábios hindus. No entanto, as
escrituras hindus afirmam que a verdadeira sabedoria só é alcan-
çada quando o iogue controla seus desejos e aquieta totalmente
seus pensamentos em profunda meditação. O poder da atração
dos pensamentos e da imaginação criativa, reforçada pelo desejo,
é parte central de algumas práticas espirituais budistas, especial-
mente da prática budista mais avançada, o tantra.
Desde meados do século passado, o poder do pensamento
para a transformação de nossa vida vem sendo ensinado por
vários movimentos religiosos e da nova era, como a Seicho-no-
-ie, a Igreja da Ciência Cristã e a Igreja da Ciência Religiosa.

171
A literatura destas instituições apresenta todos os detalhes des-
critos nos documentários em pauta. Há mais de meio século
que Joseph Murphy vem apresentando as mesmas ideias em
mais de vinte livros, como O Poder Cósmico da Mente, O Poder
do Subconsciente e Como Usar As Leis da Mente. Nos últimos
vinte anos, os livros de Louise L. Hay vêm fazendo sucesso na
apresentação do poder do pensamento, como a excelente obra
VOCÊ PODE CURAR SUA VIDA.
O princípio que permite a obtenção de nossos desejos é
a Lei da atração. Essa lei é universal e, como todas as leis da
natureza, não pode ser classificada como boa ou má, que são
valorações humanas e não divinas. Assim, um princípio uni-
versal ou um instrumento podem ser usados de forma benéfica
ou maléfica. Por exemplo, uma faca e um cartucho de dinamite
não são nem bons nem maus. São meramente objetos que po-
dem ser usados de forma construtiva ou destrutiva.
O poder dos pensamentos, dos desejos, das emoções e de
nossas atitudes, implícitos na Lei da atração, pode ser utilizado
para todo tipo de propósito. Os condicionamentos da natureza
humana, geralmente estabelecidos na infância como mecanis-
mos de proteção, tendem a fazer com que utilizemos este poder
inconscientemente de forma negativa, trazendo infortúnio e
infelicidade para nós e para as outras pessoas. O objetivo dos
documentários é alertar as pessoas sobre o que precisam fazer
para usar de forma construtiva e consciente esse poder da atra-
ção. Infelizmente, pouco é mencionado nessas apresentações
sobre o grande escopo do poder dos pensamentos e dos desejos
como instrumentos para facilitar e acelerar a vida espiritual.

172
9.1 Verdade, engano, manipulação
Outra prática muito importante na vida espiritual, para a
qual nem sempre damos a devida atenção, é procurar viver na
verdade. Como o devoto busca o conhecimento da verdade úl-
tima, “a verdade que nos libertará ”, ele só pode se aproximar da
realidade dos planos superiores se vive na verdade nos planos
terrenos – ou seja, numa natural coerência vibratória. Deve-
mos evitar não só toda falsidade, mas também todo exagero e
desvirtuamento. Vem daí a importância da simplicidade. Com
isso temos mais um desafio: conciliar a simplicidade com a
promoção da eficiência, ordem, pureza, harmonia e beleza.

Um discípulo Iniciado alerta seus estudantes:

“O aspirante deve estar sempre atentamente em guarda


contra a mínima falsidade de pensamento, incorreção de
dedução e erro na conclusão. Sua mente não deve acolher
nenhuma ‘lama’ mental, deve ser clara, perfeitamente
translúcida para a verdade. Mentiras deliberadas man-
cham a mente. Erros inconscientes obscurecem a mente.
A personalidade do eu torna impossível a percepção im-
pessoal exata da verdade. De agora em diante, pensa-
mento, mente, consciência, palavra e escrita, claros como
cristal, devem ser a meta.”58

Jesus seguidamente alertava seus ouvintes sobre os perigos


da mentira e, o que é ainda pior, da hipocrisia. No Sermão da

Luz do Santuário – O Diário Oculto, op. cit., p. 186.


58

173
Montanha vaticina: “Se a vossa justiça não exceder a dos escribas
e fariseus, de modo algum entrareis no reino dos céus.” A expres-
são: “o reino dos céus” era usada pelo Mestre para expressar o
estado de consciência de total bem-aventurança em que o de-
voto vivencia a união com Deus e o conhecimento da verdade.
Porém, a hipocrisia e sua irmã gêmea a falsidade, personifica-
das na passagem pelos escribas e fariseus, constituem barreiras
intransponíveis para se alcançar a Iluminação, termo sinônimo
de reino dos céus.59
Um dos grandes desafios para se viver na verdade são as
máscaras que desenvolvemos como mecanismos de proteção.
Elas geralmente criam pequenas formas diárias de desonesti-
dade, que nos levam ao engano de nós mesmos e a suposições
equivocadas das outras pessoas. Como as máscaras estão em
nosso inconsciente, os enganos gerados por elas são, em geral,
também inconscientes.
O que são as máscaras e como as desenvolvemos? As más-
caras são mecanismos de defesa que desenvolvemos a partir da
infância. O ser humano ao nascer deixa um “mundo” em que
está totalmente protegido, o útero da mãe. Ao chegar ao nosso
mundo exterior, começa a enfrentar diversas situações em que
sente dor, física ou emocional, começando com a palmada que
recebe do médico para ajudá-lo a respirar. Mas essa dor física
é rápida. Muito mais longa é a dor pela suposta rejeição emo-
cional de não sentir o aconchego da mãe o tempo todo. No
início o bebê demonstra de forma direta a sua insatisfação com

A Vida de Cristo do Nascimento à Ascensão, op. cit., p. 136.


59

174
o choro. Mais tarde, porém, ao observar as reações e atitudes
dos adultos, começa a criar mecanismos para reagir à dor e ao
incipiente sentimento de rejeição de acordo com seu tempera-
mento. Surgem então as máscaras que têm como objetivo ten-
tar agradar, afastar ou controlar as pessoas, sempre na tentativa
de encontrar o que todos procuram: a expressão de amor.

“Quando estamos no eu-máscara, nossa atenção se vol-


ta para a forma como vamos reagir aos outros e assim
cortamos a ligação com a fonte interior. No eu-máscara,
culpamos os outros pelas nossas desgraças, em vez de as-
sumirmos a responsabilidade pelo que sentimos. Assim,
a máscara produz a crença na nossa vitimização, o falso
conceito de que outra pessoa é responsável pela nossa feli-
cidade ou infelicidade.” 60

As máscaras são de três tipos: amor, poder e serenidade,


refletindo num plano bem inferior os aspectos de nosso Eu
Superior, que verdadeiramente expressa amor, poder e sereni-
dade. A máscara de amor se expressa como submissão e de-
pendência; a máscara do poder como agressão e controle; e
a máscara da serenidade como distanciamento e retraimento.
A máscara nos lembra a imagem dos fariseus usada por Jesus,
que aparentavam bondade, poder e responsabilidade, mas as
aparências eram pura hipocrisia.
A máscara é uma criação artificial, uma forma de mani-
pular os outros, uma tentativa de defesa que a pessoa utiliza

THESENGA, Susan. O Eu Sem Defesas. São Paulo: Ed. Cultrix, 1997. p. 120.
60

175
visando a se tornar invulnerável para não ser ferida. Mas só a
verdade pode nos trazer paz e felicidade verdadeiras.
A máscara do amor é desenvolvida quando a criança, ma-
goada por seu sentimento de que está sendo rejeitada pelos pais,
conclui que os pais estão ignorando-a porque ela foi má e está
sendo castigada. Esse sentimento de culpa da criança pode ser in-
tolerável. Ela chega a temer que os pais possam ir embora por sua
causa. Com isso procura fazer o que, na sua mentalidade infantil,
irá mudar a atitude de suposto descaso dos pais. Dependendo de
seu temperamento, vai aos poucos desenvolvendo uma máscara. A
máscara do amor leva a criança, e mais tarde o adulto, a reprimir
tudo aquilo que acredita poder afastar as pessoas. Torna-se, então,
submissa, aceitando todo tipo de comportamento dos outros sem
reclamar, esperando que sua forma de expressar um amor submis-
so e dependente vai garantir uma expressão de amor do outro.
A máscara do poder geralmente tem sua gênese numa ou
várias situações em que uma atitude de concordância com o
outro não surte o efeito esperado e é mal interpretada como
sendo uma atitude incapaz de obter a atenção e o amor dese-
jado. Conclui, então, que a rejeição, real ou imaginária, que
experimentou naquela situação foi devida à sua fraqueza. De-
termina-se, então a nunca mais ser vulnerável e se deixar do-
minar. Decide que a rejeição é por demais dolorosa para ser
experimentada outra vez. Passa, então, a tentar controlar todas
as situações e pessoas com quem precisa interagir. Com o tem-
po sua assertividade vai se transformando em agressividade. As
situações não podem escapar ao seu controle. Torna-se uma
pessoa áspera e difícil de lidar em pé de igualdade.

176
A máscara da serenidade evita os dois extremos da submis-
são e da agressão. Aparenta a serenidade em todas as situações,
mas na verdade essa suposta serenidade é o resultado de um dis-
tanciamento dos outros. A pessoa com uma máscara de serenida-
de estabelece essa distância mesmo quando mostra interesse ou
cordialidade para com eles. Esse distanciamento acaba tornando
a pessoa um tanto fria, reservada e até indiferente aos outros,
ainda que aparente ser uma pessoa educada e equilibrada.
Um indivíduo pode ter várias máscaras para diferentes si-
tuações. Por exemplo, no trabalho pode mostrar submissão a
um chefe controlador e mandão, para não perder seu emprego.
Na família, pode descontar a submissão forçada no trabalho
com uma postura de poder, sendo áspero, quando não autori-
tário, com esposa e filhos. Na vida social pode adotar a postura
de serenidade para evitar a aproximação de pessoas e a necessi-
dade de se abrir com os amigos.
Porém, como as máscaras são defesas que não espelham a
verdade, a pessoa estará vivendo na falsidade. Apesar da postura
de falsidade aparente ser na maior parte do tempo inconscien-
te, ainda assim, para a vida espiritual ela não estará vivendo na
verdade e, com isso, estará criando uma barreira para vivenciar a
Verdade que nos liberta. O buscador da verdade terá que conhe-
cer a si mesmo. A auto-observação sem distorção e a psicoterapia
bem conduzida podem ser muito úteis nesse particular para que
possamos tomar a decisão de abandonar a falsidade da máscara.
Vai ser necessário descobrirmos a imagem, ou conclusão nega-
tiva principal que temos sobre a vida, para trabalharmos sobre a
origem do mecanismo de defesa que construímos.

177
Além das máscaras, que nos induzem a enganar os outros
inconscientemente, temos que enfrentar as “mentiras sociais”,
que não só são aceitáveis, mas são mesmo esperadas para não
ferir suscetibilidades. Dizemos coisas agradáveis uns aos outros
sem levar em consideração se são verdadeiras ou não.
Mas essas distorções da verdade, como são geralmente in-
conscientes, não são tão perniciosas para a vida espiritual como
as mentiras conscientes que dizemos. O ego nos condiciona
a ver o mundo como uma arena em que temos que defen-
der nossos “interesses”. Para isso ele nos incentiva a usar todos
os meios. Daí o lema do ego: “os fins justificam os meios”. A
postura autocentrada do ego nos leva naturalmente a usar a
mentira para conseguirmos o que queremos. As mentiras no
seio familiar para esconder relações extraconjugais, o uso da
tradicional “propaganda enganosa” no mundo dos negócios
para efetuarmos uma venda ou fecharmos um contrato, a ma-
nipulação ou mesmo sedução para conseguirmos do outro o
que desejamos, todas essas práticas nos afastam do mundo da
verdade, que é a meta da vida espiritual.
Como navegar no mar traiçoeiro da “luta pela sobrevivên-
cia”, com suas mil demandas da vida material, com responsa-
bilidades em várias áreas, pressões profissionais e financeiras,
demandas sociais e dos amigos, tendo em vista as mudanças
interiores que a vida espiritual requer do “buscador da verda-
de”? Um discípulo avançado recebeu a seguinte orientação:

“Não desperdice força nas pequeninas coisas da personalida-


de. Desenvolva a calma interior, o controle da fala e a estrita

178
fidelidade aos fatos. Desenvolva uma paixão pelos fatos, evi-
te as coisas supérfluas e as afetações. Procure podar sua mente
até chegar à essência dos fatos e da verdade.”61

A busca da verdade, porém, não deve ser usada como uma


arma em nossas relações sociais. Sua expressão no mundo deve
buscar também a harmonia e a fraternidade, sendo que um
lema mais abrangente para nossas palavras poderia ser expres-
sar o ÚTIL, VERDADEIRO e AMÁVEL.
Tendo em vista essas considerações, devemos procurar
manter sempre em nossos corações as palavras registradas no
milenar manual de instrução de discípulos, conhecido como
Luz no Caminho:62

“Há três Verdades que são absolutas e não podem ser per-
didas, mas podem permanecer em silêncio por falta de
quem as expresse.

A alma do homem é imortal e o seu futuro é o futuro de


algo cujo crescimento e esplendor não têm limites.
O princípio que dá vida habita em nós e fora de nós; é
imortal e eternamente benéfico; não é ouvido, nem visto,
nem sentido pelo olfato, mas é percebido pelo homem que
deseja a percepção.

Cada homem é o seu próprio absoluto legislador, produ-


zindo para si glória ou trevas; é o decretador de sua vida,
da sua recompensa e da sua punição.
Luz do Santuário – O Diário Oculto, op. cit., p. 88.
61

Luz no Caminho, op. cit., p. 67-68.


62

179
Estas Verdades, que são grandes como a própria vida, são
tão simples como a mais simples das mentes humanas.
Alimenta com elas os famintos.”

180
10. A meditação

T
odos os instrutores espirituais recomendam a medita-
ção. A razão para isso é que a meditação parece aten-
der várias necessidades do Caminho, desde a promo-
ção da paz, até o mergulho na natureza última do Ser.
A meditação é uma etapa avançada da oração. Na prece ou
oração o devoto fala com Deus, geralmente para fazer pedidos
de toda ordem. Na meditação, ao contrário, o devoto procura
ouvir a Deus. Todas as tradições espirituais dizem que Deus
fala com a Voz do Silêncio. Como podemos então ouvi-Lo?
Somente fazendo um silêncio total em nossa mente para abrir
espaço para a Voz inaudível.
Existem dois tipos básicos de meditação. O primeiro é a medi-
tação “com semente” e o outro é a “meditação sem semente”. A me-
ditação com semente é usada para “investigações espirituais” ou para
buscar orientação sobre questões específicas nos planos mais eleva-
dos. A outra, sem semente, é a meditação que busca a aquietação
total da mente, visando chegar à contemplação, quando o medita-
dor funde a sua consciência com a divina. Os iogues chamam esse
resultado de “samādhi” e os místicos e devotos de “contemplação”,
que é o objetivo último da meditação e da vida espiritual.
No tratado mais tradicional da literatura sobre Yoga, Os
Yoga-Sūtras de Patañjali, logo no início do texto é dito que
“Yoga é a inibição das modificações da mente”. Como o es-

181
tado natural da mente é de uma placidez geralmente compa-
rada com um lago tranquilo nas montanhas, o Rāja Yoga é
o conjunto de práticas que visa a aquietar progressivamente
nossa natureza inferior e, em particular, nossos pensamentos,
para então retornar a mente à sua condição original de quie-
tude. Esse é um processo complexo que, na tradição descri-
ta por Patañjali, envolve oito etapas progressivas. Para a sua
mestria, essas etapas podem demandar a dedicação do iogue
por toda sua vida.
Antes de começar a meditação formal, o iogue preci-
sa praticar a concentração. Muitos neófitos reclamam que
acham difícil a concentração. Sabemos, porém, que a con-
centração depende de nosso interesse e determinação. Se
você está muito interessado num filme, num jogo ou em
qualquer outra coisa, ficará concentrado no seu interesse
a ponto de achar que o tempo não passou enquanto você
estava concentrado.
Outro ponto importante no processo de meditação é a
nossa capacidade de imaginação. Imaginação significa a facul-
dade de criar imagens. Com esta força podemos encher nosso
mundo subjetivo interior. A imaginação não controlada pode
pregar-nos uma peça. Por conseguinte, nossa imaginação deve
ser controlada, dirigida, desenvolvida, até que se torne verda-
deiramente criativa. Parte deste desenvolvimento da imagina-
ção é o poder de visualizar. Algumas pessoas têm este poder
fortemente desenvolvido. Podem facilmente se tornar psíqui-
cas, porque os poderes de visualização são o começo da visão
psíquica. O desenvolvimento da imaginação habilita-nos a

182
“nos colocarmos no lugar do outro”, e assim aprendemos a com-
preender melhor nossos irmãos.63
Até mesmo para ouvir a Deus, precisamos nos entregar
inteiramente a Ele. O TODO precisa ocupar TODA a nossa
mente, que deve ficar livre de todo intruso, ou seja, dos pensa-
mentos que são representações das coisas do mundo exterior.
Com a aquietação da mente, o ego cede o controle ao divino
em nosso interior.
Em sua forma mais simples, a meditação é basicamente
um processo mental voltado para objetivos espirituais. Muitos
são os propósitos espirituais que podem ser alcançados com a
meditação. O objetivo mais básico é promover a paz interior.
A partir da paz interior, o meditador pode promover a har-
monização das emoções e até mesmo a cura de doenças e de
desequilíbrios da mente e do corpo.
Alguns instrutores sugerem que a meditação é sempre o
melhor remédio. Chegam a afirmar que com o silêncio in-
terior, no seu devido tempo, nosso Eu Superior responde-
rá todas as perguntas que possam surgir no Caminho. Essa
orientação é fundamental. Além de promover a paz e o equi-
líbrio da mente, a meditação contribui para uma vida mais
harmônica e saudável.
Mas esses são os objetivos mais básicos. O meditador avan-
çado consegue despertar os poderes latentes da natureza divina
no homem. Uma vez que o iogue tenha DESPERTADO esses
poderes, ou siddhis como são chamados na Índia, e aprendido

A Técnica da Vida Espiritual, op. cit., p. 32.


63

183
a CONTROLÁ-LOS, ele aumenta consideravelmente sua capa-
cidade de ação no mundo.
Mas o principal objetivo da meditação é desenvolver, com
o tempo, a capacidade do buscador de “ouvir a Deus”. A aquie-
tação do corpo e da mente facilita a elevação das vibrações da
natureza inferior do meditador, promovendo assim a sintonia
com as vibrações mais elevadas da natureza superior, ou divina.
Essa sintonia crescente com a vibração do Alto é equivalente
a ouvir a Deus. Ela produz vários níveis de realização, sendo a
mais avançada a experiência de unidade com Deus, que é tudo
em todos. Quando ela é alcançada e pode ser mantida, o medi-
tador torna-se um “iluminado”.
Os sábios dizem que no estado de Iluminação descobri-
mos que toda nossa vida, ao longo de inúmeras existências,
tinha como objetivo nos tornarmos conscientes daquilo que
sempre fomos em estado latente, ou seja, expressões divinas. A
surpreendente revelação de que Deus não é uma realidade fora,
distinta e distante de nós, mas sim a essência última de nosso
ser, permite descartarmos para sempre a deprimente crença de
que somos vis pecadores, que do pó viemos e para o pó vol-
taremos. Depois de acreditarmos, por um longo tempo, que
éramos seres indignos, condenados ao castigo do sofrimento
eterno no inferno por nossos “pecados”, descobrimos que, ao
contrário, somos expressões do Filho bem amado de Deus, o
Cristo, que é nossa própria natureza divina, que jamais esteve
e jamais estará separada do Pai Celestial. Essa realização ou
vivência é descrita pelos cristãos como o Reino de Deus, tão
esperado e tão perto de toda a humanidade.

184
Um elevado instrutor espiritual explica para um aspirante
alguns dos resultados das práticas do Yoga (principalmente da
meditação):

“Os frutos do Yoga não são somente sensações ocultas. Es-


tas têm seu lugar, mas outros frutos são a paz, harmonia,
tranquilidade psicológica sobre a qual muito progresso
tem sido feito ultimamente e, quando você pode alcan-
çá-la, pura bem-aventurança. Não pense sobre o progres-
so espiritual somente em termos de realização yóguica,
ainda que essa possa ser valiosa e importante. Mas até
mesmo mais importante, de certa forma, ou melhor, de
muitas maneiras, é o desabrochar no interior da pessoa
de uma graça espiritual natural. Ela é composta de to-
tal bondade humana, atenção prestimosa para com os
outros, especialmente para aqueles em necessidade, e um
amável e afetuoso acolhimento que alegra as pessoas e
as salva nas muitas horas de escuridão e solidão. Dessa
forma maravilhosa, sem mesmo saber, as pessoas podem
crescer de forma linda e natural, uma forma primorosa
para crescer.”64

A meditação ensina o modo de não nos identificarmos


com a mente, para criarmos um espaço entre nós e ela. A difi-
culdade reside no fato de que nossa milenar identificação com
a mente é o resultado de um profundo condicionamento. Pen-
samos que a mente significa o nosso “eu”. E, sendo assim, esta-

Luz do Santuário – O Diário Oculto, op. cit., p. 277, 284-5.


64

185
mos sempre procurando penetrar no mundo interior, na cons-
ciência do divino, usando a mente. A verdade é que o divino
só pode ser contatado quando desligamos o canal ou sintonia
com o mundo exterior. A mente concreta é uma expressão de
nossa natureza inferior e deve ser posta de lado, ou seja, deve
ser “desligada” no processo meditativo.
Esse retorno à nossa Fonte é o grande desafio do meditador.
Uma forma de renunciar às identificações é seguir as orientações
do grande guru Ramana Maharshi65, que ensinava a seus dis-
cípulos a inquirir “Quem sou eu?”. A eterna resposta é que:
“Eu não sou o meu corpo, eu não sou os meus desejos e emoções, eu
não sou os meus pensamentos.” E devemos estender a renúncia a
todas as expressões da mente, exceto o “Eu Sou”, atingindo o
ponto central de nosso ser, ao qual não se pode renunciar.
Mas como o iniciante pode aprender a meditação? Felizmen-
te os Irmãos mais Velhos da humanidade foram os sábios que, ao
longo das eras, desenvolveram diferentes métodos para atender às
necessidades especiais dos diferentes temperamentos humanos e
dos diferentes estágios no Caminho. A tradição hinduísta fala de
sete Yogas para os sete temperamentos. Portanto, não é por falta
de um método apropriado para a nossa natureza interior e o grau
do nosso amadurecimento espiritual que seremos impedidos de
mergulhar nas misteriosas profundezas de nosso Ser.
Uma apresentação prática dos diferentes Yogas pode ser en-
contrada na inspirada obra de Geoffrey Hodson: A Suprema Re-

O maravilhoso legado deste grande instrutor moderno pode ser estudado no livro:
65

Pérolas de Sabedoria – Vida e Ensinamentos de Sri Ramana Maharshi. Brasília: Ed. Teosófica,
2015.

186
alização através da Ioga. O estudo detalhado do Yoga Real, ou
Rāja Yoga, como apresentado nos Yoga-Sūtras de Patañjali, pode
ser feito por meio de duas obras esplêndidas: Yoga, A arte da inte-
gração, de Rohit Mehta e A Ciência do Yoga, de I. K. Taimni, am-
bas publicadas pela Editora Teosófica. A primeira pode ser mais
acessível ao estudante ocidental, em virtude de sua abordagem
de cunho psicológico, enquanto a obra de Taimni é mais orien-
tada para os estudantes familiarizados com a tradição hinduísta.
Dois pontos de natureza esotérica fundamentam todos os tipos
de meditação. O primeiro é que o foco de concentração da mente
fará aflorar em nossa natureza superior a mesma vibração numa es-
cala mais elevada. Esse fenômeno foi expresso no Antigo Testamen-
to: “Como ele pensa em seu coração, assim ele é ” e nos Yoga-Sūtras
de Patañjali de forma mais envolvente: “No caso de alguém, cujas
modificações mentais foram quase completamente aniquiladas, a fusão
ou completa absorção uns nos outros do conhecedor, do conhecimento e
do conhecido ocorre, como com uma joia transparente (colocada sobre
uma superfície colorida)”.66 O segundo ponto é que a energia vital,
chamada na Índia de prana, segue o pensamento, fortalecendo e
tornando reais as criações da mente. Portanto, o poder da mente
pode ser usado de forma científica no processo meditativo.
O neófito deve procurar experimentar diferentes tipos de
meditação para verificar qual método parece ser mais indicado
para o seu temperamento. A experiência deve durar no míni-
mo de uma a duas semanas, porque nos primeiros dias pode
haver alguma dificuldade na adaptação devido à novidade da

66
TAIMNI, I. K. A Ciência do Yoga. Brasília: Ed. Teosófica, 1989. p. 69.

187
prática. Além das duas meditações praticadas pelos monges das
duas ordens monásticas cristãs descritas na seção a seguir, duas
outras meditações podem ser experimentadas.
A primeira será a meditação mântrica, em que o medita-
dor permanece durante o tempo dedicado à prática repetindo
o mantra escolhido. Muitos escolhem o mantra: OM, o mais
conhecido e usado. Os meditadores budistas usam a expressão:
Om mani padme hum, entoado rapidamente, várias vezes em
cada ciclo de respiração.
A outra meditação extremamente efetiva é conhecida como
vipassana. Existem muitos grupos facilitadores para a prática
da meditação vipassana, em diferentes cidades. Essa meditação
essencialmente requer a atenção na respiração: lentamente ins-
pirando e expirando. A meditação visa alcançar total controle
do corpo, das sensações, da mente e dos objetos da mente por
meio do foco da respiração. De forma simplificada, os dezes-
seis estágios da prática da meditação vipassana são apresentados
abaixo. O ideal, porém, é participar de um curso introdutório
desta meditação.

10.1 A meditação vipassana: estágios


Ao longo dos dezesseis estágios da prática, a observação da
respiração é o aspecto fundamental.

O corpo
• Experimentar a respiração curta.
• Experimentar a respiração longa.

188
• Observar cada parte do corpo, o que o pé, o tornoze-
lo, etc. estão sentindo com cada respiração. Há ten-
são? Desconforto? Dor? Simplesmente observar. Plena
atenção no corpo pela respiração.
• Acalmar o corpo. Com cada inalação e exalação pro-
curar acalmar o corpo. Lembrar que é um exercício.

As sensações
• Experimentar bem-estar com cada respiração.
• Experimentar prazer por todo corpo com cada respira-
ção. Onde fixamos nossa atenção essa é nossa realida-
de. Colocar a atenção em sensações agradáveis, obser-
vando a respiração.
• Observar os condicionamentos que afetam o corpo
(sanskhāras). Quando a mente se movimenta, reconhe-
ça as sensações, percepções e memórias que ocorrem
com a respiração.
• Tranquilizar as formações mentais com a respiração,
inalando e exalando.

A mente e seus estados mentais


• Contemplar a mente observando seus movimentos,
atento à respiração. O importante é manter a postu-
ra de observador dos estados mentais, sem se deixar
envolver com os pensamentos como se eles fossem
“meus”. Imaginar que estou numa estação ferroviária:
sou um observador dos trens que passam (pensamen-

189
tos, emoções, etc.), sem entrar e viajar em nenhum.
• Agradar a mente com a respiração; trazer alegria ao
processo meditativo. Com a plena atenção podemos
nos colocar na posição de alguém vendo um filme que
se passa em nossa tela mental.
• Concentrar a mente com a respiração.
• Libertar a mente, deixando que os pensamentos sigam
seu rumo com atenção na respiração.

Os objetos da mente
Experimentar a impermanência de todos os objetos, in-
ternos ou externos, do corpo, da mente, das sensações e dos
sentimentos evocados pela memória, observando a respiração,
que também é impermanente.
Experimentar a equanimidade para com os objetos que
surgem na mente, sem desejá-los nem rejeitá-los, observando
sempre a respiração.
Prestar atenção à cessação de sentimentos, pensamentos e
percepções. Não é preciso criar nada para experimentar a ces-
sação, pois ela é a natureza de todas as coisas. Observar que a
cessação também ocorre com a respiração.
Experimentar a renúncia do “eu” e do “meu”, focado na
respiração. Isso equivale a dar de volta ao mundo as coisas que
nos apropriamos indevidamente.
Os cursos de 10 dias de introdução à meditação vipassana
são de grande ajuda para promover a paz por meio da aquietação
da mente, não só para os buscadores espirituais, mas também

190
para o outro extremo da estrutura social, para os presidiários.
Na Índia, talvez a primeira grande experiência foi feita, no início
da década de 1990, numa prisão em Jaipur, capital do Estado
de Rajasthan, incluindo presidiários e carcereiros. Os resultados
foram tão auspiciosos que uma experiência em larga escala foi
feita na maior prisão da Índia, a Tihar Jail, perto de Nova Delhi.
Esses exemplos começaram a ser copiados em outros paí-
ses, tais como Filipinas, Israel, Espanha e Estados Unidos, en-
tre outros. Talvez a experiência mais marcante conhecida tenha
sido na violenta prisão de segurança máxima de Donaldson, no
Alabama, que abriga um número significativo de prisioneiros
aguardando sua execução no corredor da morte e mais de um
terço de prisioneiros com penas de prisão perpétua, sem esperan-
ça de serem soltos. Nesse ambiente, os participantes do curso de
10 dias seguiram as instruções e as práticas com uma dedicação
surpreendente. Desde então, outros centros de detenção passa-
ram a oferecer essa prática de meditação para seus detentos. As
autoridades penitenciárias ficaram surpresas com o sucesso visí-
vel na redução de taxas de reincidência, bem como na melhoria
do comportamento dos detentos e no desenvolvimento de sua
capacidade para lidar com as exigências da vida.
Esses resultados refletem o significado da palavra “vipassa-
na”, que significa “ver as coisas como realmente são”. Em resu-
mo, até mesmo entre detentos a prática assídua da meditação
é capaz de mudar radicalmente a atitude de seus praticantes.
Deve ficar claro que esses resultados só têm sido conseguidos
devido à disciplina da prática iniciada com o curso intensi-
vo de 10 dias. Existem vários vídeos no YouTube mostrando

191
essas experiências; os relatos dos prisioneiros, após os cursos,
são especialmente tocantes. Vale a pena, como parte de nosso
treinamento espiritual, ver ao menos um desses vídeos. Se a
meditação regular pode transformar interiormente prisioneiros
violentos, acostumados ao crime durante a maior parte de sua
vida, imagine o que poderá fazer para os sinceros buscadores
espirituais determinados a acelerar sua jornada rumo ao Alto.
Outra meditação muito poderosa é uma combinação das
duas práticas descritas acima: o foco é na respiração, mas tan-
to durante a inspiração como na expiração o meditador deve
proferir mentalmente o mantra OM, seguindo o ritmo da
respiração.

10.2 A meditação no Cristianismo


Apesar de pouco conhecida, a meditação faz parte da tradi-
ção cristã. Numa referência a essa prática, Jesus fala de forma ale-
górica sobre a meditação ao retratar a postura hipócrita daqueles
que faziam suas orações em voz alta, nos lugares públicos e na
entrada das sinagogas, para serem vistos. Ele exorta seus seguido-
res a adotarem a postura oposta: “Tu, porém, quando orares, entra
no teu aposento e, fechando tua porta, ora ao teu Pai que está lá no
segredo; e o teu Pai, que vê no segredo, te recompensará ”. O apo-
sento, supostamente externo, refere-se a algo interior, à caverna
do coração, para onde devemos recolher nossa consciência. Fe-
char a porta significa bloquear ou desligar-se das percepções do
mundo exterior, bem como dos pensamentos, sendo equivalente
a pratyāhāra, o quinto estágio da prática de oito estágios do Rāja

192
Yoga de Patañjali. Orar ao Pai em segredo é permanecer no mais
profundo silêncio, sem palavras e pensamentos. Essa aquieta-
ção da mente cria as condições para que a luz da intuição possa
tomar conta da mente, trazendo o conhecimento da verdade, a
recompensa prometida pelo Pai celestial.
Várias referências à oração do silêncio, ou contemplação,
são encontradas nos escritos dos padres do deserto e de monges
cristãos nos primeiros séculos do Cristianismo e, cada vez me-
nos, ao longo da Idade Média.67 Teresa de Ávila faz referência
à oração do silêncio em sua obra: Castelo Interior ou Moradas.68
Ela descreve essa oração, fundamental para o devoto se aden-
trar pelo “Castelo Interior”, como uma entrega total da alma
a Deus. Em seu livro, a oração do silêncio é praticada nas três
etapas mais avançadas dos sete estágios descritos. Numa obra
inspirada, o grande místico moderno, Thomas Merton, descre-
ve com muita felicidade o processo da contemplação, que é o
estágio avançado da meditação.69
A oração do silêncio permaneceu esquecida ou não men-
cionada na literatura cristã por vários séculos na Idade Média.
Foi resgatada por um autor anônimo, provavelmente um monge
inglês, no século XIV, que escreveu uma obra com o título sur-
preendente de The Cloud of Unkowning, traduzida como A Nu-
vem do Não Saber.70 Mais tarde, membros da ordem cisterciense,
também conhecida como trapista, desenvolveram uma prática
67
Vide a coletânea de textos em inglês, em The Philokalia, Palmer, Sherrard & Ware
(trad.) (Faber & Faber), 4 vol.
68
ÁVILA, Santa Teresa de. Castelo Interior ou Moradas. São Paulo: Ed. Paulus, 1981.
69
MERTON, Thomas. Novas Sementes de Contemplação. São Paulo: Ed. Fisus, 1999.
70
A Nuvem do Não Saber. São Paulo: Ed. Edições Paulinas, 1987.

193
meditativa, valendo-se das instruções encontradas em A Nuvem
do Não Saber. Essa prática veio a ser conhecida como “Oração
Centrante”. Atualmente existem grupos de praticantes da “ora-
ção centrante” em vários países. Suas práticas meditativas e reti-
ros podem ser acompanhados até mesmo pela Internet. Alguns
dos autores mais conhecidos que escreveram sobre essa prática
são William Meninger, Thomas Keating e Basil Pennington.71

“O método da oração centrante é simples. De forma resumi-


da, escolhemos em primeiro lugar uma palavra simples, à
qual atribuímos um valor sagrado. Essa palavra simboliza
nosso consentimento à presença e ação de Deus em nosso in-
terior. Ela deve tocar nosso coração com algum significado ou
aspecto divino, tal como luz, paz, amor, Senhor, Jesus, Pai etc.
Sentado confortavelmente e com a coluna ereta, o devoto deve
procurar o silêncio interior, na câmara secreta do coração.
Quando percebermos pensamentos aflorando em nossa mente,
devemos enunciar mentalmente, de forma lenta e suave, a
nossa palavra sagrada até o pensamento ser dissipado. Com
muita paciência, devemos repetir essa palavra sagrada todas
as vezes que percebermos pensamentos em nossa consciência.
O termo ‘pensamento’ é usado para englobar toda percepção,
incluindo as percepções dos sentidos, sentimentos, imagens,
memórias, reflexões ou comentários”.72

Outra ordem monástica católica, a dos beneditinos, desen-


volveu uma prática meditativa com algumas semelhanças à prá-
PENNINGTON, M. Basil. Oração Centrante. São Paulo: Ed. Palas Athena, 2002.
71

O Poder Transformador do Cristianismo Primitivo, op. cit., p. 155-6.


72

194
tica da oração centrante dos trapistas, mas valendo-se do prin-
cípio mântrico. Seus autores mais conhecidos são John Main,
que introduziu a prática, e Laurence Freeman, que continuou
sua divulgação após a passagem de John Main. Fundaram uma
instituição para difundir essa meditação, sediada em Londres e
com filiais em muitos países, conhecida como World Community
for Christian Meditation. Essa prática, de cunho mântrico, ba-
seia-se na repetição da palavra aramaica maranatha, que significa
“vem Senhor”, sendo mencionada ao final da Primeira Carta aos
Coríntios e também do Apocalipse. Essa repetição mental deve
ser feita lentamente, em quatro sílabas: ma – ra – na – tha.”73

O Poder Transformador do Cristianismo Primitivo, op. cit., p. 157.


73

195
11. Práticas espirituais

11.1 Orientação para as práticas


• Nenhuma prática será efetiva se o praticante não tiver
FÉ no que estiver pensando, dizendo ou fazendo. É
preciso da fé que move montanhas. Só é possível ter-
mos a experiência daquilo que podemos conceber ou
acreditar.
• A visualização e a imaginação criativa podem real-
mente criar, pois na verdade, está apenas ativando
algo que já existe: a potência do Eu Real, o Buda ou
Cristo em cada um de nós. Mas para isso devemos ter
total confiança no processo. “Como ele pensa em seu
coração assim ele é ”. Uma poderosa prática é visuali-
zar a si mesmo como o ser de luz ou sábio iluminado
e amoroso no qual você está se tornando. Procure
ao longo do dia lembrar-se e manter a imagem de
que você realmente é um sábio amoroso. Passe a agir
como esse sábio.
• Determine-se a ser um canal para o Amor divino, vi-
vendo de forma amorosa, dando atenção aos outros,
desenvolvendo compreensão, bondade e gentileza para
todos que o cercam.
• Mantenha sempre viva sua Meta; “Onde está o teu
tesouro ai estará o teu coração”. Como O OBJETIVO

197
ÚLTIMO DA VIDA ESPIRITUAL É A MANIFESTA-
ÇÃO DE NOSSA NATUREZA DIVINA, esse propó-
sito deve estar sempre vivo em nossa mente. Para isso
será muito útil durante o dia repetir, sempre que pos-
sível, um resumo da primeira afirmação apresentada
na próxima seção: “Eu sou uma expressão divina que
irradia luz, paz, amor, harmonia e alegria.”
• Sempre que necessário, busque força e orientação no
mestre interior (em nosso Ser de Luz interior, no Espí-
rito Santo ou em Cristo). Lembre-se de que Jesus nos
ensinou: “Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e
vos será aberto; pois todo o que pede recebe; o que busca
acha e ao que bate se lhe abrirá.” O Mestre, porém,
indicou os requisitos para o atendimento de nossos
pedidos na formulação no Evangelho de João: “Se per-
manecerdes em mim, e minhas palavras permanecerem
em vós, pedi o que quiserdes e o recebereis.” Os requisitos
são manter a sintonia com o Mestre e praticar seus
ensinamentos. Está implícito que, para seus amados
discípulos, todo pedido de orientação espiritual ou de
ajuda no serviço espiritual será concedido.
• Adote uma atitude de plena atenção em todas as
tarefas diárias. Viva no presente, transcendendo os
condicionamentos do passado, sem sonhar com o fu-
turo. O cumprimento dos deveres é um instrumento
importante para o crescimento espiritual. Procure
fazer tudo da melhor maneira possível, com amor e
dedicando tudo a Deus.

198
• A mente dispersa atrai imagens de desejos inconscien-
tes. Recitar afirmações ou mantras ao longo do dia,
para não dar espaço a “maus” pensamentos e manter
uma vibração elevada (Ex: “Que todos os seres sejam fe-
lizes, que todos os seres vivam em paz”, ou “Eu sou uma
expressão divina que irradia luz, paz, amor, harmonia e
alegria” ).
• Ativar e contemplar nosso Eu Superior ou Ser de Luz
é uma das práticas mais abrangentes – equivale a pro-
movermos nossa mudança interior no atacado.
• Precisamos também efetuar mudanças no varejo, cui-
dando de nossas fraquezas específicas mais óbvias.
• Procure identificar suas maiores dificuldades e trabalhá-
-las; para isso procure promover a virtude oposta em
vez de lutar contra a fraqueza. Renove a determinação
de promover a virtude que é o antídoto para seu maior
vício ou fraqueza, no início do dia ou durante a medita-
ção. Mantenha essa determinação ao longo do dia.
• Observe suas reações a todas as situações desagradáveis
durante o dia. O corpo reflete o que acontece nos sen-
timentos ou na mente (o que é a mesma coisa). Aquilo
que lhe causa sofrimento ou mesmo desconforto é um
indicador de que o pequenino eu ainda está dominan-
do sua vida, pelo menos naquele aspecto. Qual a lição
a ser aprendida da situação desagradável?
• Não dê demasiada importância a si mesmo e seja humil-
de, pois quanto mais o indivíduo se mostra superior, in-
teligente e prepotente, mais se torna prisioneiro da sua

199
própria imagem e vive num mundo de tensão e ilusão.
“Sê humilde se queres adquirir a Sabedoria. Sê mais humil-
de ainda, quando te houveres assenhorado da Sabedoria”.
• Não entre em competição com as pessoas ao seu redor.
Seu verdadeiro campo de batalha não é no mundo ex-
terior, mas no interior onde se encontra seu oponente,
o ego. Ao neutralizar as atitudes egoístas e competiti-
vas do ego, você poderá ajudar o próximo a perceber
as suas próprias virtudes e qualidades, para brilhar. Te-
nha confiança em si mesmo. Preserve sua paz interior,
evitando entrar nas provocações e trapaças dos outros.
• Quando confrontado com algo que não sabe, ou para
o qual não tenha resposta, aceite o fato. Não saber é
muito incômodo para o ego, porque ele gosta de saber
tudo, ter sempre razão e dar a sua opinião sobre todos
os assuntos. Mas, na realidade, o ego nada sabe, sim-
plesmente faz acreditar que sabe.
• O Serviço é uma consequência da compaixão (bo-
dhichitta) oriunda da consciência da unidade. Nossas
ações são como ondas criadas no centro de um lago
que se espalham em todas as direções; portanto, o ser-
viço amoroso deve começar no centro de nossa vida,
em nosso coração e em nossa casa.

200
11.2 Preces, afirmações e invocações

Afirmações diárias

Eu sou uma expressão divina.


Cristo habita em mim,
E se manifesta, em todas as situações da vida, como
LUZ, PAZ, AMOR, HARMONIA E ALEGRIA.
Por isso, agora e por todo sempre,
Que brilhe a luz, que reine a paz,
Que o amor envolva todos os seres,
Trazendo harmonia
E a verdadeira alegria para nossas vidas.
***
Estou cansado de errar e de sofrer.
Quero mudar para ser feliz.
“Que seja feita a Tua vontade, Senhor, e não a minha”.
Assim, concede-me a Graça de estar sempre consciente de que:
“Eu estou em Ti, Tu estas em mim e que somos
UM e o mesmo SER”.
***
Liberto-me do passado e de suas crenças negativas
E entrego-me confiante ao processo da vida.
Sei que tudo o que preciso saber me é revelado
E tudo que necessito me é concedido.
Consciente de minha natureza divina, vivo no mais profundo
contentamento,

201
Em harmonia com tudo e com todos, irradiando luz, paz,
amor e alegria.
***
Eu me amo e me aprovo
Sou paciente, flexível e feliz
Vejo e ouço tudo com amor
Estou seguro, relaxo e deixo a vida fluir
Confio no processo da vida
Pois a vida é plena de alegria e realizações.
***

Oração de São Francisco


Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz;
Onde houver ódio, que eu leve o amor;
Onde houver discórdia, que eu leve a união;
Onde houver dúvida, que eu leve a fé;
Onde houver erro, que eu leve a verdade;
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão;
Onde houver desespero, que eu leve a esperança;
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria;
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Ó Mestre, fazei com que eu procure mais
Consolar, que ser consolado;
Compreender, que ser compreendido;
Amar, que ser amado;
Pois é dando que se recebe;

202
É perdoando, que se é perdoado;
E é morrendo que se vive para a vida eterna.

Ho’oponopono

Ho’oponopono é mais do que uma prece ou um mantra.


É uma poderosa e comprovada prática de cura. Sua origem
remonta a práticas de cura tradicionais da polinésia. Tornou-
se conhecida no ocidente pelo trabalho de um psicólogo
terapeuta havaiano, Ihaleakala Hew Len, discípulo de uma
famosa curadora havaiana, Morrnah Simeona, que usava o
método tradicional de ho’ponopono.
A prática atualmente usada é baseada na ideia de Len
de que não existem limites (Zero Limits) para que nossos
estados mentais venham afetar a mente dos outros. Por isso,
se assumirmos inteiramente a responsabilidade por nossa
vida, todas nossas percepções e tudo que experimentamos de
alguma forma vai afetar as outras pessoas (a VIDA UNA). Os
problemas que vivenciamos não são resultado de uma realidade
exterior, mas uma expressão de nossa própria realidade interior.
Portanto, para Len, tudo existe como uma projeção do interior
do ser humano.
O que muitos acreditavam não passar de uma bonita teoria
foi comprovado na prática pelo próprio Len, em circunstâncias
desafiadoras. Ele aceitou assumir uma função em que seus
antecessores só aguentavam ficar uns poucos meses. Essa
função indesejável era de trabalhar como psicólogo do pavilhão
de criminosos com doenças mentais numa prisão do Havaí.

203
Sua exigência foi de “tratar” os internos inicialmente por meio
do estudo minucioso dos registros disponíveis da vida desses
doentes, incluindo até mesmo detalhes de sua vida familiar.
Com essas informações, Len procurava entrar em sintonia com
o estado emocional do paciente e fazia, com um sentimento
de profunda compaixão, a prática de cura de ho’oponopono
indicada a seguir.
Por meio da análise das fichas de cada paciente, o
terapeuta aplicava as palavras-chave do ho’oponopono, e a
repetição da técnica mudava seu próprio estado de espírito.
Consequentemente, a atividade mental dos
detentos também se alterava.
Por inacreditável que a história possa parecer, Len
conseguiu curar quase todos os criminosos do pavilhão de
doentes mentais, sem sequer conversar ou interagir com
nenhum deles. 
De forma resumida, pode-se afirmar  que Len conseguiu
curar os presos conforme ia mudando sua mente e curando a
si mesmo.
O principal objetivo do ho’oponopono é buscar a cura dos
problemas psicológicos ou mesmo de distúrbios mentais por
meio do perdão. Como a prática de ho’oponopono é baseada
na Unidade, é possível curar os outros a partir da nossa própria
cura, por meio do perdão.
O segredo da cura é repetirmos várias vezes ao longo do dia
seus elementos operacionais mentalizando a pessoa a ser curada:
(Sinto muito; me perdoe; eu te amo; sou grato)

204
Oração original

Divino Criador, Pai, Mãe, Filho, todos em Um.


Se eu, minha família, meus parentes e antepassados
ofendemos sua família, parentes e antepassados, em
pensamentos, palavras ou ações, desde o início de nossa
criação até o presente, nós pedimos o seu perdão.
Deixe que isso se limpe, purifique, libere e corte todas as
memórias, bloqueios, energias e vibrações negativas.
Transmute essas energias indesejáveis
em pura luz e assim é.
Para limpar o meu subconsciente de toda carga emocional
armazenada nele, digo uma e outra vez, durante o meu dia, as
palavras chave do HO’OPONOPONO:
Sinto muito; me perdoe; eu te amo; sou grato.
Declaro-me em paz com todas as pessoas da Terra e com
quem tenho dívidas pendentes.
Por esse instante e em seu tempo, por tudo o que não me
agrada em minha vida presente:
Sinto muito; me perdoe; eu te amo; sou grato.
Eu libero todos aqueles de quem eu acredito estar recebendo
danos e maus tratos, porque simplesmente me devolvem o
que fiz a eles antes, em alguma vida passada:
Sinto muito; me perdoe; eu te amo; sou grato.
Ainda que me seja difícil perdoar alguém, sou eu que pede
perdão a esse alguém agora.
Por esse instante, em todo o tempo, por tudo o que não me

205
agrada em minha vida presente:
Sinto muito; me perdoe; eu te amo; sou grato.
Por esse espaço sagrado que habito dia a dia e com o qual não
me sinto confortável:
Pelas difíceis relações às quais só guardo lembranças ruins: Por
tudo o que não me agrada na minha vida presente, na minha
vida passada, no meu trabalho e o que está ao meu redor,
Divindade, limpa em mim o que está contribuindo para
minha escassez: Se meu corpo físico experimenta ansiedade,
preocupação, culpa, medo, tristeza, dor, afirmo: “Minhas
memórias, eu te amo”. Estou agradecido pela oportunidade
de libertar vocês e a mim.
Sinto muito; me perdoe; eu te amo; sou grato.
Minha contribuição para a cura da Terra:
Amada Mãe Terra, que é quem Eu Sou: Se eu, a minha
família, os meus parentes e antepassados te maltratamos com
pensamentos, palavras, fatos e ações, desde o início da nossa
criação até o presente, eu peço o teu perdão. Deixa que isso se
limpe e purifique, libere e corte todas as memórias, bloqueios,
energias e vibrações negativas.
Transmute essas energias indesejáveis
em pura luz e assim é.
Para concluir, digo que esta oração é minha porta, minha
contribuição à sua saúde emocional, que é a mesma que a
minha. Então esteja bem e, na medida em que vai se curando,
eu lhe digo que: Sinto muito pelas memórias de dor que
compartilho com você.
Eu lhe peço perdão por unir meu caminho ao seu para a cura

206
e lhe agradeço por estar aqui em mim. Eu lhe amo por ser
quem você é.

Invocação e inspiração superior


Que os Santos Seres
Cujos discípulos aspiramos nos tornar,
Nos revelem a Luz que buscamos
E nos deem o poderoso auxílio de Sua Compaixão e
Sabedoria.
Há uma Paz que ultrapassa o entendimento.
Mora no coração daqueles que vivem no eterno.
Há um Poder que renova todas as coisas.
Vive e atua naqueles que conhecem o Eu como Uno.
Que esta Paz desça sobre nós,
Que este Poder nos eleve,
Até que nos encontremos
Onde se invoca o INICIADOR ÚNICO
E vejamos brilhar a SUA ESTRELA.

Mantras para todas as horas e situações


Que todos os seres sejam felizes,
Que todos os seres vivam em paz.
OM MANI PADME HUM
OM MANI PADME HUM
OM MANI PADME HUM
Eu não estou sozinho

207
Meus companheiros no Caminho são
A luz, a paz, o amor, a harmonia e a alegria
Minha natureza divina me protege e guia.

Práticas para iniciar e terminar o dia

Afirmação a ser feita ao despertar, para estabelecer o


propósito do dia. Escolha uma:
Hoje terei um dia de paz e alegria sob
a proteção do Senhor.
Não permitirei que nada perturbe a minha paz.
O amor é o meu guia. Portanto, escolho
acolher e não rejeitar,
aceitar e não julgar, perdoar e não condenar.
Hoje estou determinado
a reconhecer a Realidade, que é ver a
Cristo em tudo e em todos.
Eu sou um mensageiro divino.
Minhas ações, palavras e pensamentos
levam bênçãos de luz, paz, amor, harmonia e alegria a todos
que encontro.
A palavra é prata, o silêncio é ouro.
Hoje procurarei ouvir e sorrir mais e falar menos.

Prece a ser feita antes de dormir, encerrando as atividades


em estado de vigília:

Obrigado, Senhor, por todas as oportunidades


de aprendizado e de serviço

208
que me foram concedidas no dia de hoje.
Permita-me continuar a servir durante o sono como um
Auxiliar Invisível
e receber as instruções necessárias para prosseguir na Senda.

11.3 A auto-observação

Uma prática espiritual que requer muita dedicação, mas cuja


recompensa vai muito além de nossas expectativas, é a prática
conhecida por alguns autores como “auto-observação”. Outras
tradições descrevem práticas muito semelhantes que chamam de
“plena atenção” ou do “observador desapegado ou silencioso”.
Essa prática demanda muita dedicação porque, ao contrário da
meditação formal, que começa num determinado momento e
depois de algum tempo termina, essa prática começa quando o
praticante acorda e só é interrompida ao dormir. Os praticantes
avançados continuam a auto-observação até mesmo durante o
sono, quando permanecem conscientes fora do corpo físico.
O objetivo da prática é permanecer atento a tudo o que
fazemos, dizemos, sentimos e pensamos. Com isso estaremos
realmente estendendo nossa prática espiritual para todas as si-
tuações durante os momentos de vigília, focados no que deve
ser a reta ação, a reta palavra e o reto pensamento, a cada mo-
mento. Essa prática alcança o âmago da vida espiritual, pois a
nossa meta no caminho apertado é nos tornarmos conscientes, o
tempo todo e em todas as situações, enquanto expressamos luz, paz,
amor, harmonia e alegria.

209
Com uma auto-observação criteriosa ao longo do dia, se-
remos capazes de perceber várias situações em que estaremos
agindo em conflito com nossos anseios e compromissos espi-
rituais. Essas constatações podem indicar algumas áreas em
que o nosso lado sombra nos leva a agir inconscientemente, de
forma contrária à nossa ética e aos nossos anseios espirituais.
Com isso, se formos corajosos e honestos com nós mesmos,
poderemos identificar progressivamente aquelas áreas em que
precisamos trabalhar para lidar com aquelas fraquezas que per-
manecem em nosso inconsciente e seguidamente nos fazem
fraquejar e cair, causando grande sofrimento e vergonha.
As reações negativas das pessoas ao nosso redor (o mara-
vilhoso espelho que a Mãe Natureza nos oferece para a auto-
-observação) são indicações de que estamos falhando na reta
palavra ou na reta ação e, certamente, no reto pensamento
em primeiro lugar. Isso pode ser um alerta de que os nossos
hábitos enraizados no inconsciente precisam ser reexaminados
e provavelmente modificados. O processo de autotransforma-
ção geralmente começa com a mudança das ações negativas
que causam sofrimento aos outros. Na sequência, começamos
a nos tornar mais atentos com relação às nossas palavras, que
podem nos fazer tropeçar por muito tempo. Somente numa
etapa mais avançada é que seremos capazes de realmente en-
cetar um processo gradual de purificação de nossa mente,
sendo a prática da auto-observação extremamente útil nesse
processo. Vale lembrar que o Sr. Buda resumiu seus ensina-
mentos como: “cessar de fazer o mal, aprender a fazer o bem e
purificar a mente”.

210
A purificação da mente é tão importante para os pratican-
tes avançados no Budismo, que ao fazerem o voto formal do
caminho do Bodhisattva, procuram enfatizar ainda mais a prá-
tica das seis perfeições da sabedoria. No entanto, para eles, o
texto avançado de Shantideva, em vez de apresentar a primeira
perfeição como a generosidade, indica que a primeira deve ser
a disciplina moral, que demanda a plena atenção e um estado
de constante alerta. A negligência em manter a plena atenção
pode causar grandes danos à prática do dharma (o conjunto
dos ensinamentos do Buda).
Usando o tradicional método budista de dar exemplos
concretos que facilitem a lembrança do ensinamento, é dito
que se deixarmos um elefante selvagem solto numa área den-
samente povoada, esse descuido poderá causar grande destrui-
ção. Porém, declaram que uma mente não treinada e sem con-
trole pode causar danos ainda maiores. Concluem que, quando
investigamos a fundo, vamos verificar que a origem de todo
sofrimento é simplesmente a mente sem disciplina.
Todas as práticas espirituais dependem da disciplina da
mente. Por exemplo, na meditação, quando nos sentamos
para a sua prática, se não tivermos desenvolvido a disciplina da
mente, estaremos sentados imóveis no lugar da nossa medita-
ção, mas a nossa mente estará viajando por todos os lugares. O
corpo estará quieto, mas a mente não!
Quando conseguimos controlar nossa mente, podemos
controlar nossa vida. Tudo o que existe é moldado pelo poder
de nossa mente. Se ela está dispersa seguindo inúmeros pen-
samentos, sua força está sendo diluída entre todos esses pen-

211
samentos. No entanto, o praticante que é capaz de manter a
plena atenção, pode observar os pensamentos como se fossem
nuvens que passam no céu, mas não vai acompanhar o trajeto
das nuvens nem observar as mudanças na sua aparência.
Jesus nos alertou a respeito do poder deletério de nossas
palavras, contrastando as práticas superficiais de purificação
dos judeus, com suas regras sobre a comida kosher e abluções,
dizendo: “Não é o que entra pela boca que torna o homem im-
puro, mas o que sai da boca, isto sim o torna impuro”. Num
nível mais profundo, Jesus indicou que nossas crenças e ape-
gos, a maior parte dos quais escondidos no inconsciente (no
coração), são a causa última de nossas palavras: “Porque a boca
fala do que está cheio o coração”. Nossa missão não é mudar o
mundo nem as outras pessoas, mas simplesmente mudar nossa
mente a respeito do mundo e do outro. Quando mudamos a
realidade subjetiva, no seu devido tempo, a realidade objetiva
acompanha nossa visão interior.
As instruções de um experiente instrutor budista sobre a
auto-observação podem ser de grande valia:

“Quando nos colocamos no caminho da observação dire-


ta, o que encontramos? Primeiro, descobrimos um mun-
do interior caótico de pensamentos, conceitos, imagens e
emoções. Existe um circuito interminável de interpreta-
ções, especulações e discussões interiores. Os pensamentos
sucedem-se uns aos outros, prendendo-nos firmemente
com a força dos sentimentos e das emoções que evocam.

212
Olhando nossa experiência com maior profundidade, ve-
mos que essa atividade contínua não resolve nossos pro-
blemas nem satisfaz nossas carências. Podemos nos per-
guntar o que são esses padrões que exercem tal poder sobre
nós. Quem comanda esse fluxo de pensamentos? Quem
é responsável pela manutenção de nossos hábitos? Se há
confusão e dor em nossas mentes, por que aceitamos este
fato, sem questionamento?

A familiarização crescente com nossos padrões mentais e


o sofrimento que criam incentiva nossa vontade de mu-
dança. E, ao mesmo tempo em que vemos nossas qua-
lidades negativas, começamos a apreciar a capacidade
da mente para enriquecer e esclarecer nossa experiência.
Uma atenção alerta ao longo das atividades diárias o
ajudará a desenvolver seu potencial. Você pode aprender
com qualquer coisa que esteja à sua volta. Em tudo o
que fizer, perceba como você está; seja o que for que esti-
ver vivenciando, entre em contato com seus sentimentos,
pensamentos e com a qualidade de seu estado interior.
Você pode começar a perceber como o corpo e a mente se
interligam: a mudança de um afeta o outro. Pode-se ver
que determinados pensamentos estão associados a certas
sensações corporais e sentimentos. Você pode ainda reco-
nhecer as circunstâncias que despertam emoções e o levam
a se comportar de determinado modo.

Por meio da prática da auto-observação, mesmo nossas


questões mais profundas podem ser respondidas. Po-

213
demos descobrir o que somos e o que estamos fazendo
nesta terra.”74

11.4 Promovendo a paz interior

A paz é um dos fundamentos para o progresso acelerado


no Caminho Espiritual. Precisamos aquietar as emoções, para
encontrarmos a paz interior em todas as situações da vida. Esse
processo será grandemente facilitado se o devoto também esti-
ver em paz com o mundo que o cerca. Para isso, as atitudes po-
sitivas são as grandes facilitadoras do desenvolvimento da paz.
A paz de espírito deve tornar-se nosso principal propósito.
Encontrando a paz em nosso coração, naturalmente ela se mani-
festará ao nosso redor. O segredo é dar menos atenção ao que está
errado e colocar nosso foco no que está certo. Por isso precisamos
nos determinar a elogiar mais e criticar menos. “Ou você age a par-
tir do amor e encontra a paz, ou age a partir do medo e encontra o so-
frimento”. Saúde é paz interior; curar é abandonar o medo. Guar-
dar mágoas e pensamentos rancorosos é uma opção por continuar
a sofrer. Precisamos ter total confiança em que o perdão é a chave
para a libertação e a felicidade, para então agirmos de acordo.
A maneira como conduzimos nossos relacionamentos
pode afetar nossa paz interior. Muitas vezes as desavenças ori-
ginam-se de nossa desatenção para com as susceptibilidades das
pessoas que nos cercam, especialmente os mais próximos, sobre os
quais temos grandes expectativas.

TULKU, Tarthang. A Mente Oculta da Liberdade. São Paulo: Ed. Pensamento. p. 24-9.
74

214
Vejamos a origem de uma situação típica de atrito em re-
lacionamentos. Toda pessoa que dirige um automóvel sabe do
perigo dos pontos cegos, ou seja, daquelas faixas de visão que
o motorista não consegue ver claramente. O motorista descui-
dado, ao fazer manobras no trânsito sem se precaver de seus
pontos cegos, pode acabar causando acidentes com graves con-
sequências.
O mesmo acontece com as pessoas que estão trilhando a
estrada da vida. Sabemos que nossas crenças, preconceitos
e expectativas criam verdadeiros “pontos cegos” para nossa
percepção da realidade. Assim, pessoas de boa índole e com a
melhor das intenções podem ficar cegas para certas situações
da vida, causando acidentes graves em seus relacionamentos.
Elas agem naturalmente sem se dar conta de que estão em rota
de colisão com seus parentes, amigos e colegas de trabalho.
Quando isso acontece e o “outro” reclama ou mesmo revida,
ficam aturdidas achando que estão sendo injustiçadas.
A criação dos pontos cegos em nossa percepção origina-
-se da fonte comum de todos os males da humanidade, da
ignorância, ou avydia, como é dito na tradição hindu. Não
se trata de ignorância intelectual, mas da ignorância do com-
portamento humano e, especialmente, do autoconhecimen-
to. Apesar de a psicologia ter feito grandes avanços no último
século, o ser humano é ainda muito deficiente no conheci-
mento de si mesmo.
A razão para isso é que nosso comportamento é guiado por
nossas crenças e preconceitos que, por sua vez, moldam nossas
expectativas. Ainda que muitos saibam que nossas crenças e

215
preconceitos condicionam nosso comportamento, na prática
a identificação de causa e efeito pode ser difícil. A dificuldade
advém do fato de que nossas crenças e preconceitos tendem a
ficar armazenados em nosso inconsciente. Como em grande
parte são inconscientes, as pessoas assumem que suas crenças e
preconceitos são, na verdade, fatos “naturais” comuns a todas
as pessoas e esperam dos “outros” um comportamento de acor-
do com suas próprias crenças.
Em sua origem, crenças e preconceitos tendem a ser absor-
vidos do meio familiar desde a mais tenra infância e, na maior
parte das vezes, nos acompanham pelo resto da vida. Por sua
vez, os valores familiares tendem a refletir em grande parte os
valores socioculturais da sociedade em que estão inseridos.
Será que podemos escapar das frequentes “batidas” na es-
trada da vida, devido aos nossos pontos cegos, com suas usuais
consequências dolorosas? Sim, essa limitação de nossa visão
pode ser superada. Porém, o primeiro passo será o mais difícil.
Demanda colocarmos de lado a usual atitude do ego que assu-
me que a “culpa” é sempre do outro. A responsabilidade pelas
“batidas” geralmente é mútua, devendo ser compartilhada por
todos os envolvidos.
Mas é provável que o “outro” ainda não tenha se dado con-
ta das limitações causadas por seus pontos cegos. Nesse caso,
se quisermos pôr fim ao sofrimento e viver em paz, devemos
tomar a iniciativa de dar o primeiro passo para superar o estra-
go causado pela batida.
O primeiro passo é a aceitação de que ninguém, em sua sã
razão, se envolve numa “batida” de propósito. Portanto, assuma

216
que seu ponto cego talvez o tenha levado a adotar certas atitu-
des, a proferir palavras ou cometer ações que contribuíram para
o mal-entendido. Alerta: precisamos de muita humildade para
aceitar que nem sempre estamos atentos para o efeito de nossas
atitudes, palavras e ações nos outros. Nossa tendência é prosse-
guir na vida como se nosso “veículo” estivesse sendo conduzido
com total segurança em piloto automático e, por isso, não fosse
necessário darmos nossa plena atenção às nossas palavras e ações.
Aqueles que tiverem a coragem e inspiração de dar o primei-
ro passo verificarão que uma postura de “não agressão” prova-
velmente vai gerar uma postura equivalente da outra parte. Esse
processo é refletido no ditado popular: “gentileza gera gentileza”.
Na verdade, ele é uma consequência da célebre regra de ouro pre-
conizada por Jesus e registrada no Sermão da Montanha: “Tudo
aquilo que quereis que os outros vos façam, fazei-o vós a eles, pois
essa é a Lei [de causa e efeito] e os [ensinamentos dos] profetas”.
Em outras palavras, nossa vida é um processo dinâmico
de causa e efeito. Esse processo pode ser revertido no momen-
to em que um dos participantes decide mudar sua atitude e,
em vez de reagir de forma dura ou mesmo agressiva, decide
agir com gentileza. Essa decisão de abandonar a reação usual
de beligerância do ego, por uma postura gentil direcionada
por nossa mente superior, mudará inteiramente o final da
história. É por essa razão que um Instrutor espiritual chama
nossa atenção para a opção com que todos nós nos confron-
tamos ao longo da vida: “Você prefere ter razão ou ser feliz? ”
Preferimos ter a última palavra numa discussão ou impasse,
ou simplesmente nos darmos conta que o “outro” também

217
poderá optar por ter razão e continuar a discussão, que even-
tualmente se tornará uma disputa ou mesmo algo mais grave?
A “luz” ocorre quando um dos envolvidos compreende que
pode alcançar a paz pagando um preço muito módico, ou
seja, sendo generoso consigo mesmo, cedendo a suposta vitó-
ria da razão ao outro.
Por isso é preciso reconhecer que todo sofrimento, pelo
qual você possa estar passando no momento, foi causado uni-
camente por seus pensamentos e sentimentos. Determine-se a
mudá-los. Acredite que você tem o poder de escolher os seus
pensamentos. Desista de ver qualquer sentido em magoar ou
castigar os outros ou a si mesmo. Decida não mais sofrer os
efeitos negativos de seus pensamentos rancorosos. Disponha-se
a contar as bênçãos recebidas, ao invés das ofensas que feriram.
Lembre que não somos perfeitos e com frequência ferimos os
outros sem querer e muitas vezes nem mesmo nos damos conta
de que ferimos outras pessoas. O Papa Francisco, em sua refle-
xão de Páscoa, nos lembra a respeito de verdades simples sobre
a convivência que muitas vezes nos esquecemos:

“Durante a nossa vida causamos transtornos na vida de


muitas pessoas, porque somos imperfeitos. Nas esquinas
da vida, pronunciamos palavras inadequadas, falamos
sem necessidade, incomodamos. Nas relações mais próxi-
mas, agredimos sem intenção ou intencionalmente. Mas
agredimos. Não respeitamos o tempo do outro.

Parece que o mundo gira em torno dos nossos desejos e


o outro é apenas um detalhe. E, assim, vamos causan-

218
do transtornos. Esses tantos transtornos mostram que não
estamos prontos, mas em construção. Tijolo a tijolo, o
templo da nossa história vai ganhando forma. O outro
também está em construção e também causa transtornos.
E, às vezes, um tijolo cai e nos machuca. Outras vezes,
é o cal ou o cimento que suja nosso rosto. E quando não
é um, é outro. E o tempo todo nós temos que nos limpar
e cuidar das feridas, assim como os outros que convivem
conosco também têm de fazer.

Os erros dos outros, os meus erros. Os meus erros, os er-


ros dos outros. Esta é uma conclusão essencial: todas as
pessoas erram. A partir dessa conclusão, chegamos a uma
necessidade humana e cristã: o perdão. Perdoar é cuidar
das feridas e sujeiras. É compreender que os transtornos
são muitas vezes involuntários. Que os erros dos outros
são semelhantes aos meus erros e que, como caminhantes
de uma jornada, é preciso olhar adiante.

Se nos preocupamos com o que passou, com a poeira, com


o tijolo caído, o horizonte deixará de ser contemplado. E
será um desperdício. O convite que faço é que você expe-
rimente a beleza do perdão. É um banho na alma! Deixa
leve! Se eu errei, se eu o magoei, se eu o julguei mal, des-
culpe-me por todos esses transtornos...

Estou em construção.”
A fórmula para a paz é simples: confia, entrega, aceita
e agradece!

219
Confia: Liberte-se da necessidade de controlar a vida. Deixe a
vida fluir. Acredite que existe uma força maior que seu ego. O pe-
quenino eu apenas deseja controlar tudo, mas na maioria das vezes,
nem mesmo é capaz de discernir entre o certo e o errado e muito
menos, o que é melhor em cada situação entre as coisas certas.
Entrega: Faça tudo da melhor maneira possível, mas sem se
apegar ao resultado e sem expectativas. Quando você confia, é
capaz de entregar o processo a Deus ou ao Universo, pois sabe
que o Poder e a Sabedoria da Providência Divina cuidarão de
tudo, mesmo que o resultado não seja o que você espera, nem
venha tão rápido como você deseja.
Aceita: Porque você entende que o resultado das forças em
operação é sempre o melhor que você poderia ter nesse mo-
mento. E, até mais importante, é exatamente o que você pre-
cisa, mesmo que seu ego não entenda e queira algo diferente.
E agradece: Pois tudo o que acontece na vida é uma oportuni-
dade de crescimento. Cada vez mais você será capaz de perceber,
que tudo aquilo que você tem buscado do lado de fora se en-
contra dentro de você! Não há nada em que você precise se tor-
nar. Você já é completo e perfeito. Só precisa reconhecer e mani-
festar plenamente o que já existe de forma latente em seu interior.

220
12. O ponto de inflexão

12.1 A espiritualização da vida


Um dos desafios na vida do buscador dedicado é o cons-
tante drama de que não consegue encontrar tempo suficiente
para suas práticas espirituais. Encontrar meia hora de manhã
para meditar, quando as demandas da família e a pressão dos
compromissos profissionais parecem estar no auge, torna-se
uma missão quase impossível. Da mesma forma, nem sempre
é fácil encontrar tempo para o estudo, que tanto nos atrai, e a
participação em atividades voltadas para a “busca”.
Talvez a solução seja mais um paradoxo do ocultismo: se
não conseguimos dedicar meia hora por dia à vida espiritual, a
solução é dedicarmos as vinte e quatro horas do dia. Esse aparente
“koan zen” só será entendido quando despertarmos para a reali-
dade de que não é possível a separação da vida mundana da vida
espiritual quando esta passa a ser a nossa meta. O gerenciamen-
to da vida, da mesma forma como o eficiente gerenciamento
de nossos negócios, demanda o estabelecimento de prioridades.
Se o mais importante de nossa vida é uma vivência espiritual,
TUDO DEVE TORNAR-SE “VIDA ESPIRITUAL”. Portanto,
o verdadeiro significado de uma “vida espiritual” é a espiritu-
alização de toda nossa vida, inclusive nossas atividades profis-
sionais, a vida em família, a vida social e todas as tarefas que
demandem nossa atenção, de forma rotineira ou esporádica.

221
A separação entre vida mundana e vida espiritual é mais
um corolário da “heresia da separatividade”. Só existe a vida
UNA que tudo permeia e que tudo abrange. O fatiamento de
nossas atividades entre espirituais e as relacionadas com a vida no
mundo é uma estratégia do ego para limitar o escopo de nossa
visão, distorcer nossa percepção da realidade e garantir que não
encontremos o “tempo” necessário para “a vida espiritual”.
Para o homem do mundo, “os fins justificam os meios”. Para
o verdadeiro buscador espiritual, os meios são fins em si mes-
mos. Em outras palavras, a pessoa que acredita num código de
ética para a vida espiritual e outro para a vida profissional e as
atividades ditas “mundanas” não acordou ainda para o que é
“vida espiritual”. No mundo dos negócios o que conta é o re-
sultado final, realizar a venda, terminar a qualquer custo o pro-
jeto dentro do prazo, conseguir o contrato, etc., mesmo que
para isso seja necessário pressionar sobremaneira os subordina-
dos, atropelar a concorrência e subornar ou corromper pessoas
que possam nos ajudar a obter o que queremos. O objetivo da
vida espiritual, ao contrário, é agir amorosamente e de acordo
com a verdade e a mais alta ética, em todas as circunstâncias, de
forma a trazer benefícios a todos sem causar dano a ninguém.
Portanto, OS MEIOS QUE USAMOS SÃO OS OBJETIVOS
DA VIDA ESPIRITUAL.
Além dos meios éticos a serem usados na vida espiritual, a
motivação é igualmente importante. No mundo dos negócios,
a motivação é o lucro ou ganho dos participantes. Portanto,
a motivação nos negócios é o benefício próprio, ou seja, uma
motivação basicamente egoísta. Na vida espiritual a motivação

222
é o bem de todos, portanto, uma motivação altruísta. Por isso,
a espiritualização de todas as nossas atividades significa termos
em vista beneficiar o maior número de pessoas, sempre com a
reta ação, ou seja, agindo de acordo com a verdade, de forma
eficiente, trazendo paz, gentileza, harmonia e alegria a todos os
envolvidos.
Essas considerações são naturalmente aceitas em nosso co-
ração quando nos tornamos conscientes que VIDA ESPIRI-
TUAL É O PROCESSO DE ESPIRITUALIZAÇÃO DE TO-
DAS AS NOSSAS ATIVIDADES NO MUNDO MATERIAL.
Sabemos (teoricamente) que somos uma expressão divina, ou
seja, uma expressão do Cristo universal. Portanto, nossa missão
nesse mundo é resgatarmos a consciência de nossa verdadeira
natureza, que é divina. Nosso progresso na Senda espiritual
será um reflexo da extensão em que formos capazes de EX-
PRESSAR as virtudes espirituais, ou seja, NOSSA NATUREZA
DIVINA como LUZ, PAZ, AMOR, HARMONIA E ALEGRIA,
em todas as atividades e situações de nossa vida diária.
Os dois aspectos do objetivo último da vida espiritual - (1)
resgatar a consciência de nossa verdadeira natureza e (2) ex-
pressar nossa natureza divina em nossa vida diária – poderiam
também ser vistos como sendo um processo de comunicação
integral entre nossas naturezas divina e material. Uma comu-
nicação integral envolve tanto a comunicação vertical como a
horizontal. O buscador anseia conseguir a comunicação com o
alto; essa é a sua meta. Mas ela só será alcançada quando conse-
guirmos também uma plena comunicação horizontal com nos-
sos companheiros de jornada, para compartilhar os benefícios

223
e as experiências que obtivemos. Para isso precisamos expressar
com perfeição as qualidades divinas de nossa natureza espiritu-
al em nossas atividades diárias. Talvez tenha sido isso que levou
Jesus a nos instar: “Sede vós perfeitos como o vosso Pai que está
no Céu é perfeito”. O que vem primeiro: a plena e permanente
comunicação com nossa natureza divina, que significa a Ilumi-
nação decorrente da União com Deus, ou a expressão perfeita
de nossas qualidades divinas neste mundo com nosso próximo?
Tudo indica que o progresso numa direção facilita o progres-
so na outra. No entanto, a Unificação em consciência com o
Divino implica na simultânea capacitação da plena expressão
de nossa natureza Divina em todos os planos da manifestação.
Voltando para a nossa situação atual, enquanto o “devoto”
não se dedicar inteiramente ao seu objetivo, continuará sendo
um mero “buscador”. Ele pode encontrar muitas joias da lite-
ratura espiritual e até mesmo se tornar um especialista num ou
em vários ramos dessa literatura. Seu conhecimento intelecti-
vo produzirá “adornos espirituais”75 para a sua personalidade.
Mas, se não houver uma verdadeira transformação interior,
pouco progresso espiritual será feito. A transformação só vai
ocorrer com a prática e muita prática. Por essa razão, um livro
clássico de orientação espiritual para os budistas afirma: “Mes-
mo a ignorância é preferível à erudição da Cabeça sem a Sabedo-
ria da Alma para iluminar e guiar”.76 Na verdade, a prática terá
que abranger todas as atividades da vida diária, o tempo todo.

75
Expressão usada pelo grande místico John of Ruysbroeck, em seu livro: The Adornment
of the Spiritual Marriage, Montana-U.S.A.: Kessinger Publishing Co.
76
A Voz do Silêncio, op. cit., versículo 113.

224
Sabemos que o “Caminho” é o processo de mudança inte-
rior. Esta verdade está por trás da declaração em A Voz do Silêncio
de que o homem não pode entrar no Caminho até que ele se
torne o Caminho. Essa chave para a evolução humana, a trans-
formação da mente, está implícita na frase poética de João da
Cruz, “transcendendo a razão com meus pensamentos”, e explícita
na recomendação de Paulo aos romanos: “E não vos conformeis
com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente, a
fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom,
agradável e perfeito”. Os pontos centrais mencionados por Paulo
são os elementos chaves recomendados por todos instrutores es-
pirituais, que foram também enfatizados nesta obra: a autotrans-
formação, a renovação da mente, ou seja, a mudança de atitude
e, finalmente, o desenvolvimento no âmago do nosso Ser do
discernimento e da determinação para fazer a vontade de Deus.
Depois de algum tempo, muitos que procuram seguir a
senda espiritual podem sentir-se desencorajados pela ausência
de contatos interiores, experiências de fenômenos psíquicos ou
ainda o não engajamento num importante projeto de natureza
espiritual. Nos primórdios da Sociedade Teosófica, A.P. Sinnett,
um importante jornalista inglês trabalhando na Índia, foi um
de seus mais afortunados membros nesse particular, tendo re-
cebido copiosas cartas dos Mestres de Sabedoria. Essas cartas
serviram de base para que ele escrevesse importantes livros e
artigos sobre os princípios da Tradição-Sabedoria. Ainda assim,
num determinado período de sua vida ele escreveu uma men-
sagem ao seu principal Mestre correspondente K.H. expressan-
do seu desânimo por ter passado cerca de um ano sem ativi-

225
dades de maior monta e sem desenvolver poderes psíquicos. A
resposta que recebeu do Mestre provavelmente seria pertinente
para a maioria dos “buscadores” de nossos dias.

“Parece pouco a você que o ano anterior tenha sido empre-


gado apenas em seus ‘deveres familiares’? Não! Que me-
lhor causa para recompensa, que melhor disciplina que o
cumprimento do dever a cada hora e a cada dia? Creia-
-me, meu ‘aluno’, o homem ou a mulher que é colocado
pelo Karma no meio de amabilidades, deveres e sacrifí-
cios pequenos e definidos irá, através do fiel cumprimento
deles, erguer-se à dimensão maior do Dever, do Sacrifício
e da Caridade para com toda a humanidade. Que me-
lhor caminho, para a Iluminação buscada por você, que
a vitória diária sobre o ‘eu’, a perseverança apesar da
ausência de progresso psíquico visível, o suportar da má
sorte com aquela serena resistência que a transforma em
vantagem espiritual – já que o bem e o mal não podem
ser medidos por acontecimentos do plano inferior ou fí-
sico? Não fique desencorajado porque a sua prática cai
abaixo das suas expectativas; no entanto, não se satisfa-
ça apenas admitindo isso, já que você claramente re-
conhece que sua tendência é com demasiada frequência
em direção à indolência mental e moral, inclinando-se
mais a avançar à deriva com as correntes da vida que a
definir seu próprio rumo direto. Seu progresso espiritual
é muito maior do que você sabe ou pode compreender,
e você faz bem em acreditar que este desenvolvimento é

226
em si mesmo mais importante do que a sua compreensão
dele pela sua consciência do plano físico”.77

Qual a razão para que tantos devotos mostrem essa in-


sistente preocupação em achar que estão fazendo pouco pro-
gresso, como indicado na parte final da mensagem citada do
Mestre a Sinnett? A razão desse sentimento é o fato de não
levarem em conta uma lei básica do universo: criamos nosso
próprio mundo, nossa própria vida. A natureza nos retorna,
com precisão, o resultado de nossas ações na proporção exata
de nosso empenho e dedicação, ou seja, de nosso investimento.
Qual é a extensão de nosso engajamento na vida espiritual?
Estabelecemos e seguimos uma rotina de vida voltada para a
autotransformação e para o bem dos outros? Por quanto tem-
po, durante o dia, estamos focados na natureza divina, promo-
vendo as virtudes necessárias para purificar nossas fraquezas,
engajados de forma consciente em atividades voltadas para o
bem da humanidade, na contemplação das verdades eternas,
na determinação de trilhar a Senda? E seguimos a vida reali-
zando todos os nossos afazeres com muito amor e dedicação,
como se fossem para Cristo?
Temos realmente uma aspiração ardente para alcançar a
Deus? Nos Yoga-Sūtras de Patañjali é dito que a aspiração ar-
dente é um fator necessário para o samādhi e, se sua intensida-
de for de fato elevada, ela será suficiente para alcançá-lo. É isso
que vemos nos místicos com sua total dedicação para alcançar
sua meta de “ver a Deus”, “descansar em Deus” e, finalmente,

Cartas dos Mahatmas Para A.P. Sinnett. Brasília: Ed. Teosófica, 2001. vol. II, p. 269-70.
77

227
“unir-se a Deus”. A dedicação perseverante e determinada é
essencial para a aceleração de nosso progresso. Os místicos e
iogues avançados usam o poder irresistível do que no Oriente é
conhecido como kriyashakti, que é o poder da imaginação cria-
tiva, mantida pelo pensamento fixo e fortalecida pela vontade
ou determinação irresistível de Ātmā, o Espírito Puro. Esse po-
der é a base da poderosa meditação tântrica budista.
Portanto, o ritmo do progresso na Senda será proporcional
à dedicação, perseverança e determinação do praticante. A falta
dessas qualidades é uma das maiores fraquezas dos neófitos.
Muitos sabem que precisam de muito mais dedicação à Sen-
da. Conseguem identificar as mudanças que são necessárias e,
muitas vezes, até chegam a tomar a decisão de mudar. Porém,
nem sempre conseguem superar o poder de maya (da ilusão
dos apegos materiais e da gratificação dos desejos). Depois de
algumas tentativas acabam saindo pela tangente ou mesmo de-
sistindo. Provavelmente, tais pessoas ainda veem o samsāra (a
vida nesse mundo) mais como fonte de prazer do que de sofri-
mento. Assim, para elas a ideia de libertação pode ser de pouca
força ou mesmo não fazer sentido.
O grande desafio do verdadeiro aspirante espiritual é re-
organizar sua vida, sacralizando todas as suas atividades. Mas,
para isso, ele precisa em primeiro lugar determinar qual é a
prioridade de sua vida. Relembrando mais uma vez o ensina-
mento fundamental de Jesus, “Onde está o teu tesouro aí estará
também teu coração”: cada um de nós terá que identificar seu
tesouro. Caso esse tesouro seja de natureza espiritual, que a tra-
ça e o caruncho não corroem e os ladrões não roubam nem fur-

228
tam, então teremos o estímulo e a determinação para envolver
todas as nossas atividades com esse véu luminoso da entrega,
que transforma o chumbo das coisas materiais no ouro espiri-
tual que estará sempre bem protegido em nossos corações.
No entanto, a maior parte daqueles que sentem o chamado
do coração para dedicar-se à vida espiritual precisam dedicar boa
parte de seu tempo para garantir seu sustento e o de sua família.
Essa realidade é reconhecida por todas as tradições. No Hinduís-
mo, a solução oferecida é estabelecer etapas para a vida das pessoas.
A primeira etapa é a dos infantes, que com suas brincadei-
ras começam a aprender a disciplina necessária para a vida no
mundo. A seguir, o jovem vai para a escola e deve se dedicar ao
aprendizado e à sua preparação para uma profissão – essa eta-
pa é geralmente referida como sendo do bramacharia, aquele
que direciona toda sua energia para o aprendizado, inclusive
com a sublimação da energia sexual. Ao término dos estudos,
o jovem deve constituir uma família e, por algumas décadas,
o cuidado e sustento da família é o seu dever. Quando seus
filhos estiverem encaminhados e o cuidado de sua esposa ga-
rantido, o indivíduo que alimenta o anseio de dedicar-se à vida
espiritual pode então renunciar à família e a todas as coisas
mundanas para viver inteiramente para a busca como um re-
nunciante (sannyasin). Geralmente, esses renunciantes entram
num ashram ou refugiam-se numa caverna ou na floresta.
Mas não estamos na Índia e não precisamos aguardar que
toda a família esteja encaminhada para então tomarmos uma
atitude radical de abandonar tudo e todos para nos tornar-
mos renunciantes. O “buscador” que faz sua sincera entrega

229
a Deus saberá em seu coração que o cumprimento de todos
os deveres assumidos anteriormente não pode ser negligen-
ciado. Seu primeiro passo deve ser estabelecer uma rotina
de vida que não afete o cumprimento de seus deveres e
determinar-se a segui-la. Algumas sugestões práticas para a
vida diária foram apresentadas por Helena Blavatsky,78 a re-
nomada autora de várias obras esotéricas. Elas são resumidas
a seguir:

• “Levanta cedo, sem ficar indolentemente na cama. Então


reza com fervor para que toda a Humanidade possa ser
regenerada espiritualmente, e que tu possas ser fortalecido
e não ceder às seduções dos sentidos.
• Reflete sobre as fraquezas do teu caráter: compreende ple-
namente os males e os prazeres passageiros que elas te pro-
porcionam e determine-te firmemente a fazer tudo quanto
possas para não ceder a elas da próxima vez.
• Quando estiveres tomando banho, exercita, durante todo
o tempo, a tua vontade, para que as tuas impurezas mo-
rais sejam levadas pela água juntamente com as demais
impurezas do teu corpo.
• Nunca digas uma palavra desnecessária. Pensa nos efeitos
que tuas palavras podem produzir antes de pronunciá-las.
• Nunca te permitas violar teus princípios por força de tuas
companhias. Não faça nada em demasia, seja a leitura, a
televisão, o computador ou o exercício.
• Habitua-te à solidão e a permanecer só com os teus pensa-

Ocultismo Prático, op. cit., p. 13 e seguintes.


78

230
mentos procurando entender os ensinamentos espirituais ou
a analisar tuas próprias faltas, em vez de deixar tua mente
divagar e fazer julgamentos sobre os outros.
• Durante as refeições seja comedido.
• Acostuma-te ao pensamento de que ninguém além de ti
pode dar-te assistência e desapega-te de tuas afeições em
relação a todas as coisas gradualmente.
• Antes de dormir, reza como fizeste pela manhã.
• Faz uma revisão das ações do dia, vê onde tu falhaste e re-
solve então que não falharás nas mesmas coisas amanhã.”

O devoto determinado sabe que precisa encontrar equi-


líbrio em todas as atividades da vida. Seu grande desafio será
transformar todas as suas tarefas e atividades diárias, na família,
no trabalho e na sociedade em práticas espirituais. Vejamos al-
guns exemplos.
Vamos começar com o “sexo forte” neste século XXI, as
mulheres. Ao contrário das sociedades tradicionais, em que
os homens saem de casa para trabalhar e as mulheres cuidam
da casa e da família, nos dias de hoje as mulheres estão (quase
que) em pé de igualdade com os homens, trabalhando fora,
mas tendo que voltar para casa para fazer um segundo ex-
pediente como mãe e dona de casa. As demandas são tantas
que se não fossem o sexo forte não dariam conta do recado.
Raramente conseguem arrumar tempo para meditar enquan-
to os filhos forem pequenos. Estudar também é algo que é
postergado para mais tarde, quando “tiverem tempo”. Com
essas limitações, como fazer práticas espirituais?

231
A meditação tradicional sentada dificilmente será possível
para a dona de casa que precisa cuidar dos filhos, muitas vezes
levando-os à escola, para então sair correndo para o trabalho.
Mas existe outra prática que é extremamente eficaz: a auto-ob-
servação que foi examinada anteriormente. A mulher sabe que
no mundo profissional altamente competitivo ela deve ser não
só tão eficiente como os homens, mas de preferência um pouco
mais eficiente. A auto-observação lhe permitirá identificar suas
atitudes com os outros e com as tarefas a serem executadas. Se
ela está comprometida com a vida espiritual deixará de lado
a atitude “competitiva” apregoada pelo “mercado” e terá uma
atitude cooperativa com seus colegas. Ao contrário do que seus
colegas “autocentrados” possam pensar, ela será vista por seus
superiores como uma pessoa que agrega e, com isso, promove
um ambiente mais harmonioso e favorável ao trabalho.
Mas ao voltar para casa ainda terá que cuidar das crianças
e das atividades domésticas. A mãe comprometida com a vida
espiritual vai procurar trazer alegria para o lar e manter a paci-
ência com os filhos, encontrando o necessário equilíbrio entre
a natural amorosidade materna e a necessidade de cultivar o
senso de dever e disciplina, tão importante para a vida futura
dos filhos. O tempo será sempre curto e as tarefas devem ser
feitas com eficiência, atenção e sempre com muito amor. A
importância da vibração amorosa e da pureza de coração dos
cozinheiros e ajudantes de cozinha é conhecida nos ashrams. O
cansaço daquela que já está no seu segundo turno terá que ser
transcendido para que ela irradie alegria para toda a família,
enquanto realiza todas as tarefas esperadas “dela”.

232
A observação atenta de cada atividade dentro do lar oferece
condições favoráveis para promover o reconhecimento da interde-
pendência da família humana com o meio ambiente, como o uso
consciente da água, da energia elétrica, dos ingredientes usados
nas refeições e do descarte dos rejeitos. Com isso, a dona de casa
pode erguer seu coração em agradecimento a tantas pessoas des-
conhecidas que contribuíram de alguma forma para que aqueles
bens e serviços, tão importantes para o conforto de todos, tenham
sido colocados à disposição de sua família. Apesar de sua intensa
atividade como dona de casa, em seu coração ela pode estar oran-
do para agradecer à Providência Divina pela abundância dos re-
cursos que estão ao alcance de sua família. Aproveitemos o ensejo
para expressar a nossa profunda gratidão à grande família humana
por suas inumeráveis atividades cooperativas!
Os trabalhadores, homens e mulheres, nas atividades de
serviço, comércio, indústria e no serviço público, que em gran-
de parte precisam usar o transporte público, também podem
usar o tempo (cada vez maior) exigido para sua movimentação
para o local de seu trabalho e de volta para casa ao fim do
dia. “Gentileza gera gentileza”. Isso deve ser sempre lembra-
do pelos mais fortes e mais ágeis, que são capazes de obter os
melhores lugares. A senhora idosa que luta para manter-se de
pé no ônibus apertado provavelmente é a avó de alguém. Será
que alguém vai ser gentil e ceder um assento para a nossa avó
quando ela estiver sozinha e precisar se locomover pela cidade?
E ao chegar ao trabalho, qual deve ser a atitude daquele
comprometido com a vida espiritual? Certamente ser gentil,
cooperativo, prestimoso, eficiente, alegre e honesto em todos os

233
sentidos. O alarmante e triste nível de corrupção reconhecido
nos altos círculos empresariais e governamentais é o resultado
de uma atitude de corrupção generalizada na sociedade em to-
dos os níveis. Ao contrário do ditado popular, a verdade é que
“uma andorinha faz verão”. Nosso exemplo de zelo, seriedade,
prestimosidade e honestidade sempre afetará de forma positiva
o nosso ambiente. Todo ser humano é uma expressão divina,
ainda que o divino, na maior parte das pessoas, possa estar
profundamente encoberto pelas pesadas vibrações materiais do
nosso ambiente e de nossos condicionamentos. Por essa razão,
quando um comportamento virtuoso gera uma vibração eleva-
da, a expressão divina no âmago do Ser de nossos colegas irá
responder de alguma maneira, ou entrando em sintonia com
aquela vibração ou, pelo menos, evocando um sentimento de
saudade da nossa “Terra Distante”.
Toda família, cedo ou tarde, é confrontada com a neces-
sidade de cuidar da saúde abalada de um de seus membros. A
situação pode ser tão grave que demande a internação num
hospital. Os familiares provavelmente terão que enfrentar lon-
gas horas de espera e agonia, em primeiro lugar para conseguir
a internação do doente numa clínica ou hospital, depois aguar-
dando os exames e seus resultados. Seguem-se os tratamentos,
quando não cirurgias e as resultantes internações. É natural
que o principal sentimento dos familiares será de tristeza e co-
miseração pelo sofrimento de seu parente.
Por outro lado, esse será um bom momento para a pessoa
comprometida com a vida espiritual agradecer a Deus por to-
dos os avanços médicos que diminuíram tanto o sofrimento e

234
aumentaram as chances de cura para grande parte das doenças
e das consequências de acidentes. É hora também de rezarmos,
não só por nosso parente, mas por todos os outros “membros
da grande família humana” que também estão passando por
sofrimento, talvez até mais intenso do que o do nosso parente.
Como bem identificou o Senhor Buda, a vida na Terra é sofri-
mento e cabe a cada um fazer o que estiver ao seu alcance para
minorar sua dor e a dor do outro.
Esse também poderia ser o momento para nos lembrarmos
de que o sofrimento da alma (abandono, solidão, impotência)
pode ser até mais intenso e desesperador do que o sofrimento
físico. Essa é uma oportunidade para rezarmos pela recupera-
ção do nosso ser amado e também de todas as pessoas que estão
internadas no hospital. Esse sentimento de compaixão e grati-
dão deve ser estendido aos médicos, assistentes, enfermeiros e
aos inúmeros funcionários do hospital, bem como aos acom-
panhantes dos outros doentes, especialmente de seus familiares
amorosos e solícitos que, como nós, precisam encontrar força
para continuar ajudando aqueles que tanto precisam. Podemos
também entoar várias vezes o mantra: “Que todos os seres sejam
felizes, que todos os seres vivam em paz”.
Como estamos vendo nesses exemplos, mesmo as pessoas
muito ocupadas e com importantes encargos em suas rotinas di-
árias podem utilizar inúmeras ocasiões da vida diária para certas
práticas espirituais perfeitamente ao seu alcance. No longo pra-
zo, todo ser humano precisará desenvolver todas as virtudes e ha-
bilidades, pois todas as expressões divinas eventualmente deve-
rão ser usadas para promover o bem da grande família humana.

235
É importante lembrar que quem está totalmente com-
prometido em trilhar o caminho espiritual, ciente da regra de
ouro, não critica, não censura, nem condena o próximo, mas
em momentos de estresse pede em seu coração por luz, paz e
harmonia para nosso irmão. Quando confrontado com críticas
e acusações segue o exemplo de Jesus, ao ser julgado por Pilatos:
não se defende. Entrega tudo a Deus. Na medida em que nos
voltarmos com crescente determinação para a vida espiritual,
um número cada vez maior chegará a esse maravilhoso estágio.

12.2 Nosso papel no plano divino


Todo ser humano tem uma missão de vida: PROMOVER
A LIBERTAÇÃO DO SOFRIMENTO DA HUMANIDADE,
COMEÇANDO POR SI MESMO. “Viver para beneficiar a
humanidade é o primeiro passo. Praticar as seis gloriosas virtu-
des (pāramitās) é o segundo”.79 Alguns praticantes avançados
estão conscientes desta missão a tal ponto que fazem o voto
do Bodhisattva: “buscar a Iluminação o mais rapidamente pos-
sível para capacitar-me a ajudar na libertação do sofrimento de
todos os seres.” Este livro não visa a tais praticantes (apesar de se
inspirar neles). Para os demais poderíamos, na prática, dividir
nossa missão em duas partes: primeiro, a nossa própria auto-
transformação, cura e eventual Iluminação e, finalmente, nossa
contribuição ao plano divino abarcando toda a humanidade.
Alguns neófitos na Senda, ouvindo a voz do ego, deixam-se
enganar ignorando o primeiro e mais importante passo e, sem a
A Voz do Silêncio, op. cit., versículo 144.
79

236
devida capacitação, engajam-se em projetos, muitas vezes visioná-
rios, com o objetivo de sentirem-se importantes procurando mu-
dar o mundo e curar o outro, mas deixando de lado sua própria
mudança interior. Vale lembrar a orientação de Jesus, que também
é válida para o caso em pauta: “AMAR O PRÓXIMO COMO A
TI MESMO.” A autocura em primeiro lugar é a coisa certa a fazer,
pois só podemos dar aquilo que temos. Para ajudar os outros pre-
cisamos desenvolver sabedoria, compaixão e serenidade. Assim,
quando estivermos fazendo real progresso no “Caminho”, chegará
o momento em que nosso coração dirá que está na hora de passar-
mos a contribuir para a cura e libertação do sofrimento do “nosso
próximo”, pois somos todos interdependentes e o progresso ou o pro-
blema de um membro da família humana afeta todos os outros.
O texto a seguir enfatiza com muita propriedade a primeira etapa
de nossa missão, ainda que sem mencionar o subsequente e ne-
cessário esforço para a cura mais ampla da humanidade, quando
estivermos capacitados para dar nossa contribuição.

“A missão que temos neste planeta é a de realizar a auto-


cura. Esse é o propósito que tanto se procura e não qual-
quer outra coisa. E a própria vida se encarrega de trazer
as experiências e os relacionamentos necessários para que
tal cura seja estabelecida. Em seu DNA está armazenado
uma série de informações, potenciais e debilidades que o
farão atrair as experiências necessárias para ficar diante
daquilo que precisa ser transcendido e purificado.

Curar-se significa abandonar a ilusão do medo e aceitar


o amor como guia interior. Só isso. É tão simples que o

237
ego não aceita e cria uma série de subterfúgios mentais
para distanciá-lo da sua verdadeira missão. O problema,
que gera uma enorme distração, é alguém não olhar para
esse objetivo e acreditar que está aqui para salvar o mun-
do e curar os outros.

Todos acreditam que possuem uma missão com outra


pessoa ou com o coletivo e, daí por diante, acreditam
que entram na vida do outro para salvá-lo, perdendo
assim um enorme tempo tentando mudar e curar aquele
que é o seu próprio instrumento de cura. Uma grande
inversão de papéis que cria karmas de longa duração e
que mantém a humanidade nesse ciclo interminável de
nascimento e morte.

Você recebe o dinheiro que precisa, a profissão que precisa


e as pessoas que precisa para trabalhar sobre si mesmo,
portanto, mude a sua percepção e compreenda que to-
dos aqueles que estão ao seu redor são como anjos
que estão mostrando aspectos escondidos, não com-
preendidos e negados por você, inclusive aqueles
que fazem aquilo que você chama de mal.

Tudo diz respeito a você, sempre. Toda experiência e toda


relação é uma oportunidade de cura. Use o outro como
espelho e permita-se olhar aquilo que lhe incomoda, dei-
xando assim que a luz ilumine a escuridão e a cura che-
gue até você.”
(Autor desconhecido)

238
Além da autocura, cada um de nós tem um papel especial
no “plano de Deus para a salvação”. Como geralmente não sa-
bemos o que Deus espera de nós, precisamos pedir orientação
à Voz que fala por Deus (o Espírito Santo, que é a nossa mente
superior), com total desapego, sem projetar nossos anseios e
devaneios. Quando alguma coisa faz nosso coração leve e feliz
é porque Deus está nos dizendo, com a “voz do silêncio”, que
essa é uma contribuição que Ele espera de nós. Partilhar nossos
talentos é algo que nos faz felizes.
Enquanto não soubermos a nossa missão especial, devemos
procurar fazer todas as tarefas de nossa rotina diária da melhor
forma possível e com amor, como se estivéssemos fazendo essas
coisas para Cristo. Isso não é uma fantasia, como pensam aque-
les que limitam sua visão ao Cristo histórico, mas a pura reali-
dade. Como todo ser humano é uma expressão de Cristo, o que
fazemos para os “outros”, estamos na verdade fazendo para um
aspecto do Filho de Deus escondido no interior de nosso “próxi-
mo”. Além disso, como somos todos UM, o “outro” é uma ex-
tensão de nós mesmos. Portanto, tudo o que damos ou fazemos
para o outro estamos dando ou fazendo para nós mesmos, sob o
controle e gerenciamento preciso dos Senhores do Karma.
Com o tempo passaremos a desenvolver uma rotina apro-
priada para nossas condições de vida. Ao acordar se tornará na-
tural agradecer o “presente” de mais um dia de vida, com todas
suas oportunidades de aprendizado e serviço aos outros Filhos
de Deus, que encontraremos em nosso caminho. Em seguida
será útil reforçar nossa determinação de fazer tudo com amor e
alegria, da melhor forma possível, dedicando tudo a Deus. Não

239
importa a quantidade ou qualidade do que fazemos, mas sim a
intensidade de amor que colocamos em todas as nossas ações.
Estamos indicando, mais uma vez, que o devoto que se entre-
ga a Deus e procura sacralizar todos os aspectos de sua vida deve
procurar fazer tudo com amor e alegria, da melhor maneira possível,
dedicando tudo a Deus. Devido à natureza impessoal e incognos-
cível de Deus, que é o Todo, num sentido prático, o que significa
“dedicar tudo a Deus”? Podemos dedicar algo, como uma poesia,
uma obra de arte, uma campanha benevolente ou até mesmo uma
campanha militar, a uma pessoa muito amada ou admirada, seja ele
ou ela nosso consorte, um ídolo ou um soberano. Mas como vamos
dedicar algo ao TODO? Tudo o que fizermos já faz parte DELE,
ou será que deveríamos dizer DELE/DELA, ou talvez DAQUILO,
como fazem alguns orientais na impossibilidade de precisar o que
é Deus? Mas, como nós mesmos somos emanações de Deus e to-
das as substâncias, materiais ou espirituais, toda criatividade, todas
as ideias e toda energia para qualquer ação faz parte integrante de
Deus, não estaríamos dando, ou melhor, dedicando algo que já é de
Deus para Deus? Essas considerações, apesar de parecerem sofismas,
são mais um alerta de que, no plano espiritual, tudo que é relacio-
nado a Deus parece envolto num grande véu de mistério que só será
descerrado quando alcançarmos o mais alto estágio de Iluminação.
Voltando para nossa prática, devemos dedicar tudo a
Deus. O que importa sempre é a nossa intenção. AQUILO que
desejamos ou dedicamos é o fato que importa; COMO isso
será feito fica por conta de Deus, que tudo pode e tudo sabe.
Nem todas as tarefas de nossa vida são iguais, mas em tudo
devemos manter a mesma disposição, o mesmo amor, a mesma

240
alegria e a mesma seriedade. “Devemos arrumar a casa com o mesmo
respeito e dedicação com que arrumamos a Igreja” (Meister Eckhart).
Devemos reconhecer as obras de Deus em todas as coi-
sas, em todas as pessoas e em todos os processos em ação na
natureza. Os objetos fabricados pelo homem são extensões do
processo criador divino. O objetivo dessa prática é desenvol-
ver a consciência de que estamos sempre na Presença de Deus,
“Pois nele vivemos, nos movemos e temos o nosso ser”. Além disso,
“Somos o Templo de Deus e o Espírito de Deus habita em nós.”
No livro Aos Pés do Mestre 80 é dito que uma das quatro qua-
lificações necessárias para a Senda é o DISCERNIMENTO, ge-
ralmente tomado no sentido da distinção entre o real e o irreal.
Porém existem outros sentidos para o discernimento, bem como
muitas variantes entre o real e o irreal. O discernimento também
deve ser feito entre o certo e o errado, o importante e o não
importante, o útil e o inútil, o verdadeiro e o falso, o altruísmo
e o egoísmo. Por isso devemos reavaliar a importância relativa
de nossas rotinas. Precisamos estabelecer prioridades para nossos
deveres, tarefas e solicitações de terceiros, levando em considera-
ção o curto e o longo prazo. Finalmente, precisamos colocar as
demandas terrenas em perspectiva com os objetivos espirituais.
O buscador espiritual, de coração amoroso e realmente
comprometido com seus votos, estará sempre procurando fazer
o bem para as pessoas ao seu redor, tanto em seus pensamentos
como em suas ações. Porém, cada um tem seus dons especiais
e as circunstâncias de sua vida trarão oportunidades específi-

Aos Pés do Mestre, op. cit., p. 14.


80

241
cas para o serviço a cada um. As oportunidades ocorrem em
diferentes níveis, indo desde espalhar nossas vibrações de paz,
o cuidado dos pobres, enfermos e idosos, até ajudar os outros
a entender o processo de autotransformação e a desenvolver a
consciência de suas próprias qualidades espirituais.
Por isso, precisamos estar atentos a todas as oportunidades
de servir, lembrando as palavras de Jesus: “Àquele a quem muito
se deu, muito será pedido, e a quem muito se houver confiado,
mais será reclamado”. Em virtude da natureza do processo evo-
lutivo, podemos esperar que as oportunidades de serviço vão
naturalmente aumentar em escopo e complexidade com o pas-
sar do tempo e nossa crescente maturidade. Muitos serão ten-
tados a permanecer na zona de conforto fazendo o que sempre
fizeram, sem se aventurar em novas searas, mesmo tendo claras
indicações de que uma missão de maior importância lhes está
sendo solicitada em virtude de seus dons especiais e elos kármi-
cos. Geralmente procuram justificar sua “impossibilidade” de
se aventurar em novas áreas de atividade, aumentando sua car-
ga do serviço tradicional, que sempre fizeram, para tentar con-
vencer a si e aos outros, que estão inteiramente ocupados e não
têm tempo nem condições para fazer o que lhes foi solicitado.
Porém, Deus e Seus Ministros leem nosso coração e nossos
pensamentos e sabem sempre a verdade. Como dizia Paulo: “De
Deus não se zomba”. Essa atitude de recusa a uma solicitação
superior é extremamente perigosa para discípulos avançados,
pois esses invariavelmente fizeram vários votos de dedicação
ao serviço e de obediência a seus instrutores ao longo de seu
extenso treinamento, ao longo de várias vidas. Nossos votos

242
interiores não são conhecidos das outras pessoas e os próprios
discípulos relutantes em cumprir seus compromissos ocultos
podem (tentar) enterrar em seu inconsciente a lembrança de
seus votos e de sua recusa em cumprir as tarefas solicitadas. Eles
tentam desconsiderar o que Jesus alertou: “Nada há de encober-
to que não venha a ser revelado, nem de oculto que não venha ser
conhecido”. Chegará o dia em que saberão as consequências
causadas nos planos dos Grandes Seres e as implicações para a
humanidade, por sua recusa em cooperar nas atividades para as
quais tinham sido preparados e sua ajuda específica tinha sido
solicitada. Por essa razão, o devoto ou discípulo deve ser total-
mente honesto consigo mesmo. Felizmente, erros de avaliação
e de decisão, nesse particular, geralmente podem ser corrigidos
enquanto estivermos neste plano material.
Existem outros perigos para aqueles que estão comprome-
tidos com a Senda Oculta de não seguirem as solicitações feitas
por seus Instrutores:

“Se um ideal, apresentado à alma como uma possibi-


lidade de realização não for aceito, e não forem feitas
tentativas para expressá-lo, uma clara perda de poder da
alma resultará. Conselho solicitado, obtido, mas não se-
guido, torna-se um empecilho e uma fonte de fraqueza.
O karma de não seguir a Luz quando ela for vista é a
escuridão; o de não agir sobre o conselho recebido é a
inabilidade para receber conselho adicional e agir com
base nele.”81

Luz do Santuário – O Diário Oculto, op. cit., p. 78.


81

243
Não devemos nos intimidar com o crescente âmbito das opor-
tunidades ou mesmo das claras solicitações de serviço que aparece-
rão em nossa vida. Dois fatores atuam em favor do discípulo.
Primeiro, que as dificuldades ou mesmo os fracassos do
passado serão superados. O importante do nosso passado não
é o que aconteceu, mas as lições que aprendemos com o que
aconteceu. Nosso foco não deve ser o que fizemos ou deixamos
de fazer ontem, mas o que aprendemos da experiência e esta-
mos fazendo hoje. As lições do passado nos capacitam a ajudar
os que estão sofrendo, bem como a aconselhar aqueles que es-
tão passando pelos mesmos problemas.
O segundo fator que deve nos fortalecer é a certeza de
que os Ministros de Deus, com Sua sabedoria e presciência,
JAMAIS NOS PEDIRIAM ALGO QUE ESTIVESSE ALÉM
DE NOSSA CAPACIDADE E DOS MEIOS QUE CERTA-
MENTE IRIAM COLOCAR À NOSSA DISPOSIÇÃO.
Nossos Irmãos Mais Velhos são realmente Mestres de
Sabedoria. Eles selecionam seus agentes para levar a cabo pro-
jetos no mundo com muito mais cuidado e sucesso do que os
“caçadores de talentos” na seleção de executivos das grandes
empresas. Por exemplo, a seleção de Helena Blavatsky, para re-
alizar seus projetos de divulgação dos ensinamentos esotéricos
no mundo ocidental, demandou quase um século de buscas,
pelos Seniors da Hierarquia dos Mahatmas.82 Depois dessa ár-
dua busca, Blavatsky ainda recebeu um extenso treinamento
oculto no Tibete, para prepará-la devidamente para a missão.

Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett, op. cit., Vol. I, p. 144.


82

244
Portanto, o discípulo que recebe uma solicitação do Alto para
um determinado trabalho deve ter total confiança que ele tem
os requisitos necessários e que será devidamente preparado para
a missão solicitada. O elemento essencial de que precisamos
sempre é boa vontade e confiança em Deus e em seus Ministros,
especialmente se já fizemos a “entrega” a Deus.

12.3 Existe algum atalho?


Apesar de todo empenho, dedicação e estudo das grandes
obras espirituais, muitos buscadores sentem-se frustrados com
a aparente lentidão das mudanças interiores. A razão para isso
é fácil de identificar: são os muitos apegos e condicionamentos
que ainda precisam superar. Esses aspirantes perguntam since-
ramente em seu coração se não existe algum atalho ou fórmula
para VENCER A RESISTÊNCIA do ego e assim mudar radical-
mente de vida entrando em sintonia com a vontade de Deus.
Sim, existe um atalho, mas ele é bem radical. Veja se você
está preparado!
Imagine que seu médico lhe informa que você está com uma
doença incurável e que tem, aproximadamente, uns seis meses
de vida. Ele informa que com o avanço da doença você não sen-
tirá dor e que a morte chegará como o apagar de uma vela.
E agora? Será que essa perspectiva é suficiente para lhe fa-
zer virar as costas para a vontade do ego e para os atrativos da
vida material e finalmente realizar uma total entrega a Deus?
Ou vai maldizer sua “sorte” e ficar lamuriando até a inevitável
partida?

245
Os questionadores de plantão poderão dizer que isso não
passa de um exercício de “faz de conta”. Porém, esse exercício
não é realmente hipotético. VOCÊ SABE COM CERTEZA se
a Providência Divina reservou PARA VOCÊ mais seis décadas,
seis anos, seis meses, seis dias ou seis horas de vida neste plano?
Devemos nos lembrar sempre das palavras de Jesus: “Vigiai,
portanto, porque não sabeis nem o dia nem a hora”.
Vamos examinar em mais detalhes essa “oportunidade” de
aceleração do nosso progresso espiritual:

1. Inicialmente você tem um choque ao saber que seu


corpo só tem mais seis meses de vida.
2. Desperta para a realidade de que até então vivia essen-
cialmente para seus próprios interesses, sob o comando
do ego. Decide mudar radicalmente sua atitude para
com a vida e todas as pessoas ao seu redor. A primeira
providência é pôr um fim a todos os ressentimentos
e pendências com seus relacionamentos. A terapia do
perdão passa a ser utilizada com amor e gratidão.
3. Cada manhã agradece pelo “presente” daquele dia. À
noite agradece outra vez e manda amor e votos de um
verdadeiro despertar espiritual aos que estão mais próxi-
mos e também a todos os seres. Apesar do prognóstico
médico, passa a viver com profunda gratidão e alegria
interior por todas as situações da vida, como se estivesse
vendo um filme com uma importante mensagem.
4. Tendo superado o medo da morte e o apego a este mun-
do, determina-se a viver intensamente como se o dia de

246
hoje fosse o último dia de sua vida. Essa deve ser a atitude
de todo verdadeiro buscador espiritual, independente-
mente de seu estado de saúde. Para viver intensamente
precisamos ser plenamente conscientes. A auto-observa-
ção torna-se nossa companheira a todo o momento. Não
temos mais tempo para perder com futilidades e tolices.
5. Imagine que você tem acesso ilimitado a todas as rique-
zas espirituais: a pura verdade. Decida-se a distribuir essa
riqueza espiritual, na forma de pensamentos amorosos,
votos de felicidade e ações gentis e amorosas para todos
os seres, incluindo também aqueles que menos merecem
como os ingratos, os difamadores e os criminosos.
6. Decide definir o que fazer nesses seis meses de vida
com relação:
• Aos relacionamentos: aproveitar todas as oportunida-
des para expressar amor.
• À sua atitude para consigo mesmo: descartar o egoís-
mo e vivenciar o altruísmo.
• Ao apego às coisas materiais: daqui a seis meses deixará
tudo para trás.
• Ao seu engajamento na vida espiritual, em particular
à entrega a Deus.
7. Essa prática, quando seguida com seriedade, muda in-
teiramente nossos valores e atitudes para com a vida, ter-
mina com o medo da morte e promove relacionamentos
mais harmônicos e amorosos, diminuindo até eliminar o
apego às coisas materiais. Ela pode ser repetida todos os
meses para consolidar nossas mudanças de atitude.

247
E para encerrar com a beleza da
arte e da verdade
O silêncio
Onde quer que você esteja, seja a alma deste lugar.
Discutir não alimenta. Reclamar não resolve.
Revolta não auxilia.
Desespero não ilumina. Tristeza não leva a nada.
Lágrima não substitui suor.
Irritação intoxica. Deserção agrava.
Calúnia responde sempre com o pior.
Para todos os males, só existe um medicamento de eficiência
comprovada:
Continuar na paz, compreendendo, ajudando, aguardando o
concurso sábio do Tempo,
na certeza de que o que não for bom para
os outros não será bom para nós...
Pessoas feridas ferem pessoas.
Pessoas curadas curam pessoas.
Pessoas amadas amam pessoas.
Pessoas transformadas transformam pessoas.
Pessoas chatas chateiam pessoas.
Pessoas amarguradas amarguram pessoas.
Pessoas santificadas santificam pessoas.
Quem eu sou interfere diretamente
naqueles que estão ao meu redor.
Acorde... Cubra-se de Gratidão,
encha-se de Amor e recomece.
O que for bênção pra sua vida,
Deus lhe entregará, e o que não for, Ele o livrará!
Um dia bonito nem sempre é um dia de sol.
Mas com certeza é um dia de Paz.
Chico Xavier

248
Livros para o estudo
sistemático de temas
relacionados com a
vida espiritual
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fica, 1999.
COLLINS, Mabel. Luz no Caminho. Brasília: Ed. Teosófica,
1999.
COLLINS, Mabel. O Idílio do Lótus Branco. Brasília: Ed. Te-
osófica, 2000.
BLAVATSKY, H.P. A Voz do Silêncio. São Paulo: Ed. Pensa-
mento, 1995.
BLAVATSKY, H.P. Ocultismo Prático. São Paulo: Ed. Teosófi-
ca, 2001.
BESANT, A. (Trad.) Bhagavad-Gitā. Brasília: Ed. Teosófica,
2014.
SILVA, Dr. Georges da (trad.). Dhammapada, o caminho da
lei. São Paulo: Ed. Pensamento, 1993.
NICHOLSON, S. A Vivência da Espiritualidade, Uma Pro-
posta Prática. Brasília: Ed. Teosófica, 1996.
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Ed. Best Seller, 2002.
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TOLLE, Eckhart. O Poder do Agora. Rio de Janeiro: Ed. Sex-
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Leonardo BOFF, Leonardo. A águia e a galinha. Brasília: Ed.
Vozes, 1997.

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254
Informações sobre Teosofia e o Caminho
Espiritual podem ser obtidas na Sociedade
Teosófica no Brasil, no seguinte endereço:
SGAS - Quadra 603, Conj. E, S/N - (61)
3226-0662, CEP 70200-630. Também
podem ser feitos contatos ou pelo e-mail
secretaria@sociedadeteosofica.org.br - www.
sociedadeteosofica.org.br
Informações sobre Teosofia e o Caminho Espiritual
podem ser obitidas na Sociedade Teosófica no
Brasil no seguinte endereço: SGAS – Quadra 603,
Conj. E, 3226-0662. Também podem ser feitos
contatos ou pelo e-mail: st@sociedadeteosofi-
ca.org.br – www.sociedadeteosofica.org.br

papel&cores
(61) 3344-3101
papelecores@gmail.com

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