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ÂNGULOS DA BRANQUITUDE:
Seropédica | 2023
REBECA SILVA FERNANDES
ÂNGULOS DA BRANQUITUDE:
Seropédica | 2023
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AGRADECIMENTOS
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O verdadeiro foco da mudança
revolucionária não está nunca
meramente nas situações opressivas das
quais almejamos escapar, mas naquele
pedaço do opressor que está plantado
profundamente em cada um de nós.
Audre Lorde
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AGREDECIMENTOS
Agradeço profundamente aos encontros que possibilitam fissura de afeto nessa
dureza que é penetrar o mundo.
A minha família, minha mãe Kátia, meu pai Elieber, minhas irmãs Sara e Raquel
por estarem do meu lado sempre que preciso, pelo cuidado e pelo reconhecimento.
A todos os professores que passaram pela minha trajetória acadêmica pela
dedicação, suporte e lancinante desconstrução mas especialmente à minha
orientadora Mariana que sempre foi muito paciente e generosa. E também aos
professores supervisores Marcelo e Bernardo que me ensinaram tanto sobre como
o riso e o companheirismo são partes essenciais do trabalho, por terem acreditado
tanto em nós.
Às professoras que me acompanharam na infância e fizeram surgir o desejo pelo
conhecimento, por transitar o mundo com muita compaixão e honestidade.
Às minhas amigas da faculdade Thairiny, Débora, Nathália, Déborah, Carol que
são acolhimento, luz, espaço de reconhecimento e reconstrução de ideias de amor e
carinho que são aterradoras e leves. Por me mostrarem que espiritualidade é
amar, acompanhar sem julgamento a caminhada e cada conquista e cada queda.
Obrigada por confiarem em mim o afeto de vocês.
Às minhas avós, Maria e Sueli. Mulheres que seguiram seus próprios desejos,
apesar do grande esforço da sociedade em dizer que eram errantes, elas me
inspiraram e me fizeram entender que este é um caminho possível.
À Rafa, amiga-irmã-amor da vida que sustenta em mim o mais confortável
sentimento de enraizamento, obrigada por ser porta sempre aberta pro coração.
Aos meus amigos e amigas companheiras dessa caminhada durante a graduação e
na vida Maria Alice, Alex, Bruno, Elenir, Rosiany, Gabriela, Yuri e João
Guilherme agradeço imensamente pelo acolhimento e por me mostrarem o quanto
os vínculos são importantes e que amar é bem simples. Obrigada pelas risadas,
pelos abraços, pelos trabalhos que fizemos juntos e aprendizados.
Aqueles seres transcendidos que me acompanham e me protegem, me sinalizam o
caminho e aquietam a alma, se fazem presentes em formas distintas, são energias e
sentidos de existência pra além da corporeidade. Pedem um tanto de mergulho no
abismo de mim e do mundo, trazem os encontros cheios de afeto que salvam.
Através dos sons da natureza, dos assovios na mata, do bater de asas no céu
revelam as direções dos meus propósitos nessa encarnação.
Sat Nam
Que a gentileza dos nossos amores nos abençoem e nos guiem!
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RESUMO
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Sumário
INTRODUÇÃO...............................................................................................................9
REFERÊNCIAS............................................................................................................50
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INTRODUÇÃO
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ao fazer científico, destaca que uma sociedade que permanece na glorificação da
narrativa colonial não propicia que novas linguagens sejam criadas e ainda “não permite
que seja a responsabilização e não a moral a criar novas configurações de poder e
conhecimento”.
De todo modo, a confecção deste TCC como requisito para concluir o curso de
psicologia, cabe salientar que mesmo tendo entrado em contato com estudos críticos
sobre a sociedade, a saúde, e sobre as próprias instituições, os autores usados para
passar esses direcionamentos foram, em geral, homens brancos europeus. Eu não me
identificava pela questão de gênero, mas sim pelo lugar social da branquitude. Estava
sendo representada de alguma forma, no entanto, a maioria dos meus colegas e amigos
não estavam; mesmo que o questionamento sobre uma necessidade de descolonizar a
prática da psi tenha ocorrido, não houve por exemplo alguma apresentação e/ou
desenvolvimento de teorias e estudos que buscam colocar de forma bem definida quais
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são os possíveis sofrimentos específicos que a dominação ideológica impositiva de uma
cultura sexista-racista-LGBTQIAPN+fóbica provoca. Essas e outras observações
fizeram suscitar em mim a ideia de que preciso falar de cada uma dessas camadas, para
que não continuemos assujeitados pelo oculto. Todavia, o convite de todos os estudos
sobre racismo indica sobre a necessidade de a instituição também ser colocada em um
lugar de questionamento, pois não está isenta desses movimentos instituintes-
dominantes, mesmo que se considere, de modo geral, um olhar minimamente crítico
sobre essa estrutura. No entanto, ainda que este tenha sido o motivo inicial, no decorrer
do processo me deparei com novos atravessamentos, pois estudar branquitude em um
país que recusa este assunto, me fez rememorar momentos, interações e processos
acerca das relações raciais e da minha própria concepção identitária.
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1. BRANQUITUDE: ENTENDENDO SUA FORMAÇÃO NA HISTÓRIA
Foi em 1748 que, pela primeira vez, os humanos se tornaram animais. Ao
menos, na sua própria concepção! Em seu livro, System of Nature (O sistema
da natureza), o botânico Carl von Linné (1707-1778) nos inclui num grupo
de espécies animais de Homo, e nos qualificou de Sapiens, ou seja “sábios”...
O Homo sapiens, que chamaremos mais familiarmente de Sapiens, é em
nossos dias a única forma humana. (CONDEMI, SILVANA. 2019, p. 10)
Tendo em vista estas noções básicas sobre como o racismo começa a ser
operado, é possível constatar que a adoção da racialização pelos sujeitos brancos
europeus está pautada numa colocação dos povos diferentes, exclusivamente pelo
fenótipo, em uma condição de humano inferior, enquanto eles se colocam em posição
de superioridade fazendo assim, uma ruptura dentro de uma mesma categoria: ser
humano. Ademais, com base no pensamento de Todorov (1993), Schucman apresenta
as principais premissas da ideologia racista: a existência das raças, continuidade entre o
físico e o moral, a predominância do grupo sobre o indivíduo, hierarquia única de
valores e política fundamentada no saber sobre as raças. Desta maneira, os europeus
instauram um modelo de dominação, a partir de um tipo de classificação única que
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desconsidera as diferenciações étnicas que outras nações construíram para elas mesmas,
em seus funcionamentos como cultura e sociedade.
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estudos de branquitude, Schucman conta sobre seus escritos que falam dos efeitos da
colonização tanto nos colonizadores como nos colonizados, portanto disserta sobre
como a ideia de superioridade é apropriada pelos colonizadores e pelos que foram
colonizados, assim conclui que "dessa relação construída sócio-historicamente de
maneira hierárquica, os sujeitos se apropriam concretamente dessa desigualdade e
produzem subjetividades" (ibid p. 49-50). Sendo assim, engendra-se através dos efeitos
que provoca sob essas subjetividades e identidades uma vez que as circunscreve a partir
do acúmulo hereditário de privilégios, construção de valores, moralidades, costumes,
conjuntos grupais, regionalidades e demais processos sócio-subjetivos. Todos esses
vetores são verificados em duas pesquisas diferentes sobre a branquitude, mas que
buscam identificar como esses processos são subjetivados tanto por pessoas brancas
quanto por pessoas pretas, são os trabalhos de Schucman (2004) e Alves (2012). Ambas
as pesquisadoras, assim como outros que pesquisam racismo e negritude destacam de
forma unânime como a capilaridade institucional da branquitude atinge o sistema
econômico, a estrutura social, a cultura e a linguagem conforme estas vivências vão
fortalecendo o pacto narcísico -conceito que advêm das produções de Bento (2022)- de
manutenção de valores hegemônicos.
Sobre o começo dos estudos acerca da branquitude, Bento (2022) afirma que “o
intuito dos trabalhos sobre branquitude é preencher a lacuna sobre as relações raciais
que por muito tempo ajudou a naturalizar a ideia de que quem tem raça é apenas o
negro”, assim sendo, são descritos pela autora o percurso destes trabalhos tanto nos
EUA quanto no Brasil. Outrossim, não apenas Bento como também Schucman e outras
autoras caracterizam o trabalho de Ramos (1995) como um dos precursores em denotar
a forma como o branco se constitui no nosso contexto. À vista disso, para descrever
como os intelectuais brasileiros transformaram o negro em um tema, o autor faz uma
comparação com o movimento de emergentes descrições sobre mulçumanos, ocorrido
um pouco antes da ascensão do nazismo. Deste modo, um pouco mais adiante no
desenvolvimento analítico Ramos (ibid) vai demonstrar como a tematização do negro é
uma forma de perseguição e analisa este movimento dizendo que se trata tanto de uma
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tentativa compulsiva de o branco efetivar a brancura quanto para inferiorizar pessoas
negras, entre outros processos, transformando-as em assunto. De acordo com o autor,
um dos vários exemplos desse paralelo evidencia este processo são os títulos de
manchetes de jornais e pesquisas tais como: “os judeus e a criminalidade”, “os judeus
como vultos da cultura alemã” e “a emancipação dos judeus”; e no Brasil títulos
extraídos de obras ‘antropológicas’ e ‘sociológicas’: “os negros da história das
Alagoas”, “grupos sanguíneos da raça negra” e “costumes e práticas do negro”.
Portanto, o autor inicia o pensamento dentro deste campo caracterizando a brancura
como esta identidade que enclausura a negritude de forma negativa. Atualmente no
brasil, alguns anos depois de Ramos, vindo de outra geração de pesquisas sobre a
brancura, Bento (2022) denota como a abertura deste campo está a favor de um avanço
do entendimento sobre os nossos problemas enquanto sociedade:
Assim sendo, ao evocar as raízes dos estudos sobre branquitude Bento diz que os
pesquisadores destacam três ondas que dividem este campo. Na primeira onda, os
estudos empunhados por intelectuais negros do século XIX e da primeira metade do
século XX descreveram e questionaram as estruturas da supremacia branca nos Estados
Unidos. Posteriormente, na segunda fase são colocados pesquisadores que analisaram o
papel das instituições legais que definem quem é branco e assim privilegiam o grupo de
brancos concebendo a branquitude como uma propriedade, um bem. Com relação a
terceira onda, a branquitude é apresentada enquanto locomoção reativa diante do
aumento da presença de negras e negros em lugares antes frequentados apenas por
brancos.
Para sua pesquisa a autora coloca atenção nos estudos sobre relações raciais
feitos no Brasil. De acordo com suas pesquisas estes foram realizados em meados do
século XIX e afirmavam uma inferioridade biológica dos negros como motivo para a
escravização. Já sobre os outros trabalhos feitos quase um século depois, diz a
pesquisadora que se tratava de intelectuais mais progressistas abandonando a defesa
dessa ideia de inferioridade biológica e passando a falar de um prejuízo psicológico
ocasionado pela escravização.
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Já Luciana Alves, cita numa entrevista concedida em um podcast que em sua
investigação teórica encontra nos teóricos dos EUA que tais eixos foram explorados na
origem da pesquisa em branquitude: a) começam a pensar na branquitude como uma
noção de si a partir das relações com os outros, como uma posição social, os quais
chegam a conclusão de que ser branco é menos se sentir branco e mais cobre ser tratado
como tal e gozar dos privilégios desse tratamento; b) outros vão dizer que é uma
condição corporal, carregar características que remetem uma ascendência europeia; c)
alguns tentam encontrar um núcleo cultural para a branquitude, relacionam aspectos
etnográficos ou etnológicos, com traços que estejam marcados em culturas que são
reconhecidas como brancas, tentando assim encontrar um centro que aproxima brancos
a uma etnia.
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ideário eurocêntrico no fazer científico atual. As autoras que estarão permeando a
construção desta monografia identificam diversos processos que consolidaram esta
situação, as quais caracterizam a branquitude com os seguintes componentes: racismo
estrutural, pacto narcísico, influência da colonialidade, projeção de conteúdos negativos
na construção do outro enquanto imagem, problema de alteridade e conservação de uma
ordem normativa tanto como direcionamento subjetivo quanto como ação exigida do
mundo. Sendo assim, vale averiguar como este “poder absoluto” se expressa até hoje.
Tendo isto em vista, as complexidades dos fatores observados na construção da
branquitude pela indicação dos estudos recentes serão averiguadas nos próximos
tópicos.
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2. BRANQUITUDE COMO MONÓLITO: PACTO NARCÍSICO E DISCURSO ÚNICO
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divulgado pela Folha de São Paulo sobre os 10 anos de cotas no Brasil, a entrevistadora
diz que sua implementação foi extremamente importante como política social no sentido
do começo de uma reparação racial, pois foi significativa a diversificação racial nas
universidades, com mais pessoas pretas, indígenas e de classes sociais mais afetadas
pela desigualdade. No entanto, mesmo que seus desempenhos acadêmicos tenham sido
exitosos a despeito de toda a dificuldade imposta como a necessidade de trabalhar e
estudar ao mesmo tempo por falta de políticas de permanência estudantil, ao sair da
graduação e se depararem com o mercado de trabalho a ocupação de pessoas pretas não
acontece proporcionalmente ao de pessoas brancas, principalmente em cargos de poder.
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Em seu livro “O pacto da branquitude”, Bento aprofunda em sua análise
exemplificando como este processo acontece dentro das instituições públicas, privadas e
da sociedade civil. Assim, a autora explica que é através de regulamentações, definições
e transmissões das práticas de atuação as quais favorecem uma fixidez nos processos, de
quais ferramentas serão utilizadas, sistemas de valores e recorrência de perfil dos
empregados e lideranças contratados, para cargos de posição de poder
predominantemente masculino e branco. Deste modo, a autora reitera: “essa transmissão
atravessa gerações e altera pouco a hierarquia das relações de dominação ali
incrustadas.” (BENTO, ano, p. 133).
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muita dor e violência, que são representadas na vida concreta e simbólica das gerações
contemporâneas. Para cada grupo será diferente, sendo que o grupo privilegiado
possivelmente irá se beneficiar dessas explorações, então esconderá este passado, como
são guardados os ‘grandes segredos de família’. No entanto, o discurso, carregado pela
branquitude, que explica o suposto elemento meritocrático de suas ‘conquistas’ não
considera o impacto dessas histórias e heranças, sendo assim, deixa de “se lembrar de
que muitas vezes a “competência” exigida está ligada a um tipo de familiaridade com
códigos da cultura organizacional adquiridos ao frequentar instâncias mais estratégicas
das instituições” (BENTO, 2022, p. 14).
De acordo com Ribeiro (2017), se faz necessário um olhar para o discurso como
algo que aloca dispositivos de poder e controle, que delineiam o imaginário social. A
autora sustenta em suas análises a indispensabilidade de considerar como o discurso se
desdobra para além de um “amontoado de palavras ou concatenação de frases que
pretendem um significado em si” (RIBEIRO, 2017 p.31) como também orienta as
diferentes construções sociais. Em sua obra vai explicar o surgimento do termo lugar
de fala que foi extensamente veiculado em debates formais e informais, trazendo a
ideia de que “falar a partir de lugares é também romper com essa lógica de que somente
os subalternos falem de suas localizações, fazendo com que aqueles inseridos na norma
hegemônica sequer se pensem” (RIBEIRO, 2017, p.40).
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estrutura social e das diversas formas de vivência da opressão pois “ao adotar uma
postura teórica de que fomos todos e todas afetadas pelas categorias de análise de raça,
classe e gênero que estruturaram nosso tratamento, nos abrimos para possibilidades de
usar esses mesmos construtos como categorias de conexão e ligação para construirmos
empatia” (COLLINS, 2015, pg. 37). Assim, podemos vislumbrar uma abertura mais
abrangente de falas, definições e redefinições da configuração estrutural da sociedade,
maior diversidade sobre o que precisa ser modificado.
Neste caminho ela cita alguns fatos históricos e exemplos pessoais que
demonstram a presença interligada de raça, classe e gênero no sistema de opressão.
Dessa forma, o locus social e as contingências as quais o/a enunciador (a) está
relacionado (a) ficam em evidência. Assim sendo, convém associar a importância dessa
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ferramenta com o avanço de muitas pautas sobre as relações raciais, pois este conceito
serve como ferramenta que funciona para balizar a veracidade e/ou abrangência de
determinados discursos, conhecimentos, epistemologias etc. Como modo de afirmar e
reafirmar as diversas realidades apagadas pela autorização restrita ao discurso único, o
espaço de reivindicações promove a suspensão de ideais que restringem e aniquilam os
diversos saberes, assim como da hipótese de que a realidade seja apenas aquela
proferida pela supremacia branca.
Em seu livro “O perigo de uma história única” Chimamanda (2018) oferece uma
perspectiva que une as ideias colocadas sobre poder e discurso, em sua trajetória. Ao
compartilhar como se chocou quando percebeu que era sempre reduzida às noções
construídas pela branquitude sobre seu país de origem, que por associação sempre infere
o que o Outro é de acordo com o que se imagina de onde veio, ela propõe pensar a
presunção branca que destrói as possibilidades de enxergar o outro como aquilo que
pode sim compartilhar de uma existência parecida com a própria, através de um
substantivo igbo: a palavra nkali. De acordo com ela, esta palavra que significa “ser
maior do que o outro”, define bem as instituições da sociedade, mas não apenas isso,
pois define também como o sistema de compartilhamento da linguagem também carrega
este aspecto.
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3. IDEALIZAÇÃO DE SI E DO OUTRO: INTANGÍVEL E REQUERIDA - A FALSA
IDEIA DO REAL NA BRANQUITUDE
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construção identitária. Dentro disso reside a dificuldade de se estabelecer o que é a
branquitude, considerando o fato de que os efeitos associados a essa construção não são
reconhecidos assim, mas como alguma coisa intrínseca, natural. Destarte, quando são
reconhecidos enquanto construção da estrutural de dominação, as afirmações tornam-se
carregadas de um discurso moral com justificativas deletérias, como a meritocracia.
Sobre isso, Kilomba (2015) traz exemplos seus e de suas entrevistadas e demonstra
como a branquitude por um lado aparece enquanto não marcação, e a negritude por
outro lado, é significada ativamente pela marcação. Então relata uma de suas
experiências acerca de seu contato com uma bibliotecária branca que trabalhava na
Universidade onde ela estudava na pós-graduação. Nesta ocasião, a mulher branca
questiona a presença de Grada naquele espaço, em suas reflexões sobre o racismo que
sofreu ela diz:
Estou imobilizada porque, como mulher negra, sou vista como “fora do
lugar”. A capacidade que os corpos brancos têm de se mover livremente
naquele recinto resulta do fato de eles estarem sempre “no lugar” – na não
marcação da branquitude (Ahmed, 2000). A negritude, por outro lado, é
significada pela marcação. Eu sou marcada como diferente e incompetente:
diferente – “Você não é daqui” –, incompetente – “somente para estudantes
universitárias/os” –, e assim imobilizada – “Você tem certeza de que quer se
registrar como aluna do doutorado?”. (KILOMBA, 2015, pg. 52).
Do mesmo modo, a autora Bento (2022) faz apontamentos sobre este aspecto
da branquitude. Todavia, em sua argumentação vai dizer que a não nomeação da
branquitude está diretamente ligada às suas origens. Com tal característica do silêncio, a
branquitude oculta e opera deste modo as práticas culturais: “ É um ponto de vista, um
lugar a partir do qual as pessoas brancas olham a si mesmas, aos outros e à sociedade”
(BENTO, 2022, p. 46). Esta ideia da não nomeação/marcação será melhor observada
nos trabalhos de Schucman (2014) e Alves (2012), as quais entrevistam pessoas brancas
e não brancas e questionam sobre o significado de ser branco. Bem como nos trabalhos
de Bento e Kilomba, os indícios são de que há um vazio representacional da própria
identidade racial para os brancos, pois é em alusão a um outro idealizado negativamente
que são extraídas as definições sobre si, do que se imagina ser e/ou deverá vir a ser.
Em vista disso, Schucman aplica uma das proposições de Todorov (1993), que
indica a crença numa continuidade entre o físico e o moral como um dos fatores
envolvidos na construção do discurso sobre as raças humanas. Similarmente, quando
indagados sobre o significado de ‘ser branco’ – com a seguinte pergunta: Você se dá
conta no seu dia a dia, de que é branca? Pensa sobre isso? Em que situações? – como
resposta a essa questão foi observado que os (as) entrevistados (as) sustentaram uma
ideia de superioridade estética, uma vez que se caracterizaram numa percepção de
contraste a partir da alteridade. Em uma das respostas a entrevistada colocou como
indicativo de sua identidade racial branca um aspecto de seu cabelo que, de acordo com
ela, não ficaria “ruim” nunca, outro entrevistado respondeu que percebia-se branco
quando se via em lugares periféricos que ele denominou como envoltos por ‘feiura das
pessoas, das construções, da pobreza. Ao comentar sobre essas falas Schucman examina
como a autopercepção e a percepção do nomeado como outro estão relacionadas na
concepção de identidade racial dessas pessoas brancas:
A diferença, no caso desta identidade racial branca, surge nas duas falas
associada a aspectos que são significados negativamente em relação à
alteridade. A identidade é sempre algo que define fronteiras entre quem
somos nós e quem são os outros; portanto, só existe em relação a uma
alteridade. Deste modo, a beleza associada nas falas ao cabelo que não é
ruim, ou a beleza que se contrapõe à feiura, quando lembra Marcelo ser “um
cara meio isolado” no território da periferia nomeada por ele como feia
aparece como um marco estético de igualar-se e diferenciar-se entre
“nós/brancos” e “outros/negros”. (SCHUCMAN, 2014, p. 89)
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3. 1. 2 Vazio representacional da própria identidade racial
Este aspecto da não nomeação também é exposto por Ramos (1995) que
conceitua como um “desajustamento ao contexto étnico que acaba provocando uma
adesão a ficções”. O autor, citado pelos pesquisadores em seus trabalhos sobre o tema,
analisa a brancura como uma patologia. Para ele desencadeia bloqueios que impedem
que o brasileiro se entenda como sujeito pertencente a uma coletividade cultural, pois
“a auto-estimação nos indivíduos que protestam, com frequência, exprimem a
“coexistência de dois polos opostos – inferioridade sentida com excessiva intensidade e
superioridade, desejada mas fictícia” (ibid, p. 227). As associações entre história e
sentido não se realizam. Contudo, quando o branco fala para o branco e de si nas
entrevistas corrobora-se a ideia de quase sempre sustenta uma figura fictícia associada a
uma imagem eurocêntrica, condição que no Brasil a partir das heranças coloniais, se
expressa com peculiaridades. Sobretudo, Ramos vai dizer que “a idealização da
brancura, na sociedade brasileira, é sintoma de escassa integração social de seus
elementos, é sintoma de que a consciência da espécie entre os que a compõem mal
chegou a instituir-se" (ibid, p.231), porém afirma haver uma organicidade na ocorrência
deste processo de consciência que apenas foi atrapalhado pela situação colonial. De
todo modo, a branquitude ampara-se numa ideia artificial do real e pode-se dizer, com
base nas argumentações teóricas, que isso está ligado ao movimento instituinte de uma
normatividade que preserva a lógica da dominação excludente. Por conseguinte, a
branquitude acrítica mantém uma adesão ao pacto narcísico, como se isso fosse um
dever daquele que é identificado e identifica-se como branco. Sendo a história
legitimada e veiculada incumbida da tentativa assídua de mostrar a verdade, descortinar
o palco para mostrar o que supostamente estaria escondido enquanto se propõe tal
método, encobre-se ao reafirmar um único corpo enquanto o certo, o correto, o
adequado desconsiderando a arbitrariedade deste mecanismo.
Talvez uma metáfora possa resumir o que comecei a perceber: bater contra
uma porta de vidro aparentemente inexistente é um impacto fortíssimo e,
depois do susto e da dor, a surpresa de não ter percebido o contorno do vidro,
a fechadura, os gonzos de metal que mantinham a porta de vidro. Isto resume,
em parte, o descobrir-se racializado, quando tudo o que se fez, leu ou
informou (e formou) atitudes e comportamentos diante das experiências
sociais, públicas e principalmente privadas, não incluiu explícitamente nem a
mínima parcela da própria racialidade, diante da imensa racialidade atribuída
ao outro. Tudo parece acessível, mas, na realidade, há uma fronteira invisível
que se impõe entre o muito que se sabe sobre o outro e o quase nada que se
sabe sobre si mesmo. (PIZA, 2006, p. 66)
Outrossim, ao mesmo tempo que o branco aplica a ideia de raça para diferenciar,
classificar e inferiorizar outros grupos sociais e afirmar-se superior (princípio
marcadamente ligado a escravidão e ao apartheid) a notada indefinição identitária, faz
parecer que a raça para o sujeito branco é invisível ou dispensável. No entanto o branco
institui a raça para depois, quando se torna representante universal da norma e/ou a
partir do momento que é apontado como agente da manutenção do racismo e da
discriminação destituir-se da identidade racial. Por meio de observações empíricas
coletadas em entrevistas com mulheres brancas na cidade de Itapetininga, Edith Piza
tece descrições muito interessantes sobre como a branquitude se manifesta:
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adquirem privilégios por serem brancos. Deste modo, uma dimensão da branquitude,
pode ser designada como uma obsessão e fascínio pela normalidade/verdade
universalizante: “A ciência tem o poder de produzir um discurso de autoridade, que
poucas pessoas têm a condição de contestar, salvo aquelas inseridas nas instituições em
que a ciência é produzida.” (ALMEIDA, 2018, p. 45).
Porém, sobre aderir ao racismo, uma recordação veio a tona, de quando senti que
precisava durante a adolescência, silenciar uma colega negra, que me irritava sempre
com suas zombações. Kilomba escreve sobre memória e resgata o simbolismo da
máscara, usada pelos senhores brancos para evitar que africanas escravizadas comessem
os produtos das plantações. No entanto, ela discute que a principal função era
‘implementar um senso de mudez e de medo’ e desta forma, a máscara representa o
colonialismo, pois seu uso diz sobre o mecanismo de controle que o branco deseja e
necessita, uma vez que silenciar o percebido como outro, que em suma cria-se como
categoria para transferir aquilo que o sujeito branco teme reconhecer sobre si mesmo:
Dentro dessa infeliz dinâmica, o sujeito negro torna-se não apenas a/o
“Outra/o” – o diferente, em relação ao qual o “eu” da pessoa branca é medido
–, mas também “Outridade”– a personificação de aspectos repressores do
“eu” do sujeito branco. Em outras palavras, nós nos tornamos a representação
mental daquilo com o que o sujeito branco não quer se parecer. Toni
Morrison (1992) usa a expressão “dessemelhança”,6 para descrever a
“branquitude” como uma identidade dependente, que existe através da
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exploração da/o “Outra/o”, uma identidade relacional construída por
brancas/os, que define a elas/es mesmas/os como racialmente diferentes
das/os “Outras/os”. Isto é, a negritude serve como forma primária de
Outridade, pela qual a branquitude é construída. A/O “Outra/o” não é
“outra/o” per se; ela/ele torna-se através de um processo de absoluta negação.
Nesse sentido, Frantz Fanon (1967, p.110) escreve: “O que é frequentemente
chamado de alma negra é uma construção do homem branco.” (KILOMBA,
2020, p. 30)
Fanon usa o esquema do espelho de Lacan para explicar por que, no mundo
branco, pessoas negras são reduzidas a um corpo. Quando entendemos o
mecanismo descrito por Lacan, escreve Fanon (1967, p. 161), “não se pode
duvidar de que o verdadeiro outro para o homem branco é e continuará sendo
o homem negro”. O sujeito negro é usado como contrapartida para o sujeito
branco, como uma imagem espelhada que é reduzida à fisicalidade. Somos
percebidas/os como imagens de corpos – dançarinas/os, cantoras/es, artistas e
atletas de arenas brancas. (KILOMBA, 2020, p. 160)
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branquitude que mantêm o mecanismo de destituir o lugar de pessoa – quando está em
contato com alguém visto e marcado como um outro em dessemelhança- e aponta como
o(a) branco(a) se envolve no que ela chama de reencenações coloniais, uma vez que este
sempre opera em um suposto lugar de superioridade e designa o Outro como inferior. A
autora mostra como as experiências de racismo se fazem presentes no dia-a-dia de
mulheres pretas. E com relação a pessoa branca, explica que este tipo de cena já foi
ensaiada e representada muitas vezes, até que passa a fazer parte do real num curioso e
equivoco lugar de ‘ingenuidade’, deturpa a violência, esta que também só é reconhecida
e significada a partir de pressupostos da branquitude. Dentre suas colaboradoras da
pesquisa, a Kathleen relatou uma de suas vivências onde estava com uma menina
branca, a mãe branca desta menina e o namorado branco e na ocasião de uma conversa,
a menina se dirige a ela usando repetidamente a palavra ‘Negerin’ - ao decorrer do texto
Kilomba (2020) deixa de usar a palavra em si e passa a colocar apenas a letra N. -
sempre acompanhada de algum ‘elogio’. No entanto, Kathleen sente uma dor física nos
momentos em que a menina branca se dirige a ela, e posteriormente Kilomba (ibid)
evidencia como a dor que o racismo inflige provoca toda uma complexidade para dar
sentido ao trauma, posto que este se apresenta no corpo e é em sua ativação,
experienciado enquanto marca da relação de opressão colonial. A respeito da dimensão
quase que primária e psicológica da violência a qual as pessoas negras são expostas
todos os dias, a autora explica:
Todavia, Alves revela que o motivo de pesquisar branquitude, para ela, se dá pela
possibilidade de uma compreensão mais afinada para observar como o racismo opera
em nossa sociedade. Assim, ao buscar compreender as concepções dos entrevistados
sobre os significados que construíram sobre o que é ser branco, ela observou que as
experiências traumáticas resultantes do racismo, fazem com que haja uma generalidade
da caracterização do branco, que pode tanto ser reforçada ou problematizada durante a
interação. Entretanto, no conteúdo das falas de seus entrevistados, aparece o sofrimento
decorrente de uma concepção traumática do contato pregresso com a brancura. Para
eles, há um sentimento de ameaça com relação a esse contato sentida mesmo sem
necessidade do diálogo:
Nesses excertos, a brancura foi relacionada não apenas à opressão, mas foi
tomada como ameaçadora. O medo do outro – branco – foi sintetizado pelo
poder de seu olhar. Um olhar nem sempre indicativo de preconceito, mas
que, a partir de vivências anteriores de opressão racial, os docentes
aprenderam a interpretar como uma discriminação em potencial, que pôde ou
não se concretizar, mas cuja percepção foi fonte de angústia e desconfiança,
chegando a ferir sua subjetividade: um olhar que te fere.
(ALVES, 2012, p. 39)
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branquitude de alguma forma, sentem, portanto coloca em cheque a associação entre
brancura e bondade. Tal associação não é possível para todos, “pelo contrário, no caso
dos depoimentos, a brancura pode ser percebida como algo a ser temido, dimensão para
a qual pessoas brancas dificilmente estão atentas”( ALVES, 2012, p. 40). Ou seja, a
forma como a branquitude se impõe à vida negra tem sido amedrontadora, exercendo
dor e tortura e isso “é o que, em realidade, rompe a fantasia da branquitude como
representativa da bondade.” (hooks, 1999, p. 169 apud ALVES, 2012, p. 40).
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políticos, líderes religiosos e dos considerados “homens de bem”.
(ALMEIDA, 2018, pg 25)
Ou seja, neste momento, Grada aponta para a ideia de um trauma vivenciado por
mulheres negras e isso deve ser de interesse da psicologia, para que na ocasião da escuta
seja possível reconhecer a origem e contextualização histórica com que estes
sentimentos, sensações e experiências aparecem.
A inveja racial branca na relação com o negro vai dizer de uma obsessão em
possuir o negro, na esperança de adquirir características que não se possui
passa despercebida pela proferencia de ingenuidade. Pois nós sempre
soubemos que a imagem de inocência da feminilidade branca construída
socialmente se baseia na produção contínua do mito machista/racista de que
mulheres negras não são inocentes e nunca poderiam ser. Uma vez que
sempre somos codificadas como mulheres “maculadas” na iconografia
cultural racista, nunca poderemos trabalhar nossa imagem como a damulher
inocente ousando ser má. (hooks, 2019)
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mais inclusivas, pode resguardar um futuro no qual a escuta realmente possa abranger a
realidade de todos os corpos e suas vivências.
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Um dos impactos diretos na política foi o fato dessas pesquisas terem sido
utilizadas por líderes eugenistas para endossar suas decisões em aprovações de leis que
restringiram imigrações, por exemplo.
Só em meados de 1925, após a Segunda Guerra Mundial, com a expansão da
psicologia pelo mundo e a entrada de pessoas não-brancas na área é que houve um
enfraquecimento desses atos, as pessoas ocultaram suas pesquisas a partir do
questionamento de uma psicologia predominantemente branca proferido pelas pessoas
negras que adentraram o campo. Em 1933 psicólogos negros publicam vários estudos
contrariando as descobertas de psicólogos brancos e em 1936, Herman Canady
delineou o impacto que os examinadores brancos têm nos resultados dos testes que
colocam sobre o negro (CCHP, 2021, p. 8)
E mesmo assim, nos anos seguintes continuaram a surgir novas publicações de
trabalhos que reforçavam estereótipos de grupos não-brancos, associando a pretensa
‘hierarquia’ racial e diferenças raciais à uma causalidade genética intrínseca.
Porém, estudos como esses conduzidos por importantes psicólogos negros,
foram muitas vezes descartados e os testes continuaram a ser utilizados para apoiar
ideias sobre superioridade e inferioridade racial inata. Foram muitos os exemplos
citados de estudos conduzidos por cientistas sociais e comportamentais comparando
pessoas negras com populações brancas e usando branquitude como parâmetro de
padrão cultural, racial e normativo.
Tal cenário certamente se consolidou devido a sub-representação de pessoas
negras na APA e no campo em geral devido à marginalização e exclusão históricas,
aponta o próprio documento.
Do mesmo modo que realizou a pesquisa com pessoas brancas, a qual deu
origem ao livro e ao artigo citados neste trabalho de monografia, ela fez a seguinte
indagação aos psicólogos participantes da pesquisa: raça é uma questão no seu trabalho?
Isto posto, ela narra três casos. No primeiro, de acordo com Schucman, a
psicóloga branca que trabalha em um hospital responde que por ser um hospital
particular, não atende muitas pessoas negras. Schucman então faz um apontamento, de
que esse fato não é identificado como um problema pela psicóloga. De todo modo, ao
prosseguir a entrevistada relata uma ocasião na qual um paciente negro solicitou
morfina, queixando-se de dor. Entretanto, a equipe médica se recusou a administrar o
medicamento, pois chegaram a conclusão de que aquele paciente “gostaria de se drogar
no hospital”. Assim, a pesquisadora interpela a psicóloga perguntando se às mulheres e
pessoas brancas atendidas no estabelecimento em algum momento negaram a aplicação
de morfina. Ao responder que não, Schucman conta que a psicóloga percebe e admite
dizendo: “tem a ver com raça!”, durante a entrevista.
Em outro caso, um psicólogo clínico responde a pergunta dizendo que seu
trabalho tinha como foco o indivíduo e que raça só será um tema trabalhado se aparecer
ao sujeito. No entanto, diz Schucman, ao expor as principais queixas de uma paciente
negra que ele atende, a maioria das queixas são referentes a vivência de raça. Ele cita
questões que a paciente traz angústias sobre inadequação, que sente-se o tempo todo
‘fora do lugar’, reclama do cabelo etc.
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Diante disso, a pesquisadora tece comentários e indicações para explicar tais
situações com as quais se deparou até então em suas investigações. Ela sugere que a
ineficiência desses profissionais se deve a uma formação eurocentrada, ou seja, o
racismo e a branquitude impossibilitam que o profissional tenha uma boa atuação e
realize aquilo que tem que ser feito. A escuta está obstruída referindo-se ao caso do
psicólogo clínico de acordo com ela: Como vamos ouvir raça num país que fala de raça
por metáforas?.
De todo modo, como a pesquisa ainda não foi publicada, alguns fatos e
pesquisas mencionados nos documentos da APA (CCHP, 2021, p. 14-15) que
coadunam com os apontamentos de Schucman:
1990: Sue e Sue relatam que 50% das pessoas identificadas como membros de
grupos minoritários encerram o aconselhamento após a primeira sessão. Isso é
comparado a 30% das pessoas brancas. Outras pesquisas sugeriram que isso estava
relacionado a experiências negativas e falta de sensibilidade cultural por parte dos
terapeutas (Fukuyama, 1990). – os efeitos disso tudo para além dos obstáculos
causados nas vidas de pessoas negras.
2003: A Comissão de Nova Liberdade do Presidente sobre Saúde Mental encontra
diferenças raciais e étnicas nas taxas de psicopatologia e aponta para a
inacessibilidade contínua e ineficácia das opções de tratamento. Ecoando relatórios
anteriores, a Comissão descobriu que os clientes de cor frequentemente consultavam
psicoterapeutas ou recebiam tratamentos que não consideravam as experiências dos
clientes, origens culturais e linguísticas e circunstâncias de vida baseadas na raça.
(Sue & Zane, 2006)
2007: A pesquisa mostra que as experiências de microagressões de clientes negros
de terapeutas brancos têm um impacto significativo nas alianças terapêuticas e suas
classificações de satisfação tanto com o conselheiro quanto com o aconselhamento
em geral. Constantine observa que “em face das microagressões raciais percebidas
no aconselhamento, os clientes afro-americanos, de fato, podem se sentir muito
piores depois de suas experiências de aconselhamento do que antes”. (Constantine,
2007, p. 13; ver também Helms & Cook, 1999).
Ademais, em resposta às demandas do movimento negro para “a produção de
teorias que contribuam com a superação do racismo, do preconceito e das diferentes
formas de discriminação” cria um documento em 2017 com referências técnicas para a
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atuação de psicólogas (os) em relação ao preconceito e discriminação racial onde
ressalta a necessidade de “um enfrentamento de uma divida histórica e de superação de
um abismo sociarracial, que impactam à todas/os e principalmente às mulheres negras”
(CFP, 2017).
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Considerações finais: como pensar/praticar o antirracismo
Para além dessa proposta, que reflete uma conquista importante no debate
educacional voltado para o tratamento adequado da diversidade, as análises
ora realizadas sugerem que educar para o combate às desigualdades raciais é
também educar para que a idealização branca deixe de ser objeto de desejo
para negros e brancos, em outros termos, almejar que a adesão à ideia de
supremacia branca que os significados analisados pressupõem seja cada vez
menos viável e desejável. (ALVES, 2012, p. 43)
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No estágio de contato, a pessoa branca investe seus esforços em reproduzir
estereótipos aprendidos com pessoas próximas. Nesse momento há uma curiosidade
primitiva ou medo racial, que suscitam negação de uma consciência sobre implicações
raciais e da interação com pessoas negras.
Em suas manifestações, uma pessoa dentro desse estágio pode fazer comentários
como a entrevistada Kathleen recebeu, o que é sentido pela pessoa negra como um
assédio. Em suma, é o estágio da recusa de reconhecer o outro em termos de igual-
semelhante, igual-igual, igual -diferente.
O pacto é uma aliança que expulsa, reprime, esconde aquilo que é intolerável
para ser suportado e recordado pelo coletivo gera esquecimento e desloca a
memória para lembranças encobridoras comuns. O pacto suprime as
recordações que trazem sofrimento e vergonha, porque são relacionadas à
escravidão. (BENTO, 2022, p.17)
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Segundo Helms, usualmente brancos ficam paralisados no estágio de reintegração,
principalmente quando não convive com pessoas negras. No entanto, quando há
elementos que incentivam a continuidade da autorreflexão – como leitura de
autobiografias de pessoas brancas, participação de espaços inclusivos, terapia- a pessoa
impele-se a contestar sua definição de ser branco e a justificação do racismo. Nesse
ínterim o sujeito é acometido por uma desafeição em relação aos outros brancos que
não refletem sobre seu próprio racismo.
Ou seja, o movimento que promove uma estranheza àqueles que antes eram
vistos como únicos semelhantes pode também propiciar o rompimento com o pacto
narcísico da branquitude. Experimentar este processo, para mim, oportuniza a re-
imaginação do estar no mundo. Na relação cotidiana com as pessoas a visão parece
descortinar-se, passei a ver a desconfiança no olhar das pessoas negras. Decorre que o
antigo incômodo, medo com relação ao percebido-outro-negro (destaca-se o mito do
homem negro, taxado como abusador em potencial, sustentado em grande parte pelas
mulheres brancas que impede uma aproximação e é promotor de violentas difamações-
agora consubstancia-se na presença de pessoas brancas totalmente identificadas com a
própria brancura, é nítida a desatenção delas com a forma com que perpetuam o racismo
e o desespero em alinhar-se aos requisitos para obter o registro de adequação e
normalidade sublime. Logo, a proposta de Helms sobre os estágios da identificação
racial descreve uma linguagem pra que pessoas brancas pensem sobre si mesmas e
possam alcançar uma integração ativa e engajada na sociedade: “Desconfortável com
sua própria branquitude, ainda incapaz de ser verdadeiramente qualquer coisa, o
indivíduo pode buscar uma nova maneira, mais confortável, de ser branco. Esta busca é
a característica do estágio de desenvolvimento imersão/emersão” (CARNEIRO, PIZA,
2002 p. 44).
Collins defende uma proposição ativa, pela qual o foco na mudança se trata
viabilizar um olhar para si com novas visões sobre o que é opressão, novas categorias de
análise sobre raça, gênero e classe compreendendo-as como estruturas de opressão
distintas, mas imbricadas. Ela convoca-nos a alinhar o agir ao pensamento, com
mudanças de comportamentos diários. Suas recomendações pedem que sejam
administradas tanto no movimento de militância, quanto nas diversas instituições modos
de criação de novas categorias de conexão: “Nós temos que ver as conexões entre as
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categorias de análise (raça, classe e gênero) e as questões pessoais de nosso dia a dia,
particularmente na nossa construção de conhecimento, no nosso ensino e nas nossas
relações” (Collins, 2015, p. 15).
Por fim, considero que este trabalho muito provavelmente tenha incorrido em um
ensaio demasiadamente descritivo, dada a caracterização das referências que foi em sua
maioria conteúdo teórico. Ainda não foram publicados artigos ou trabalhos que façam
essa correlação entre a psicologia e a branquitude, porém certamente este cenário está
mudando, pois cada vez mais se torna assunto nos diversos espaços. Afinal de contas, o
retorno daquilo que foi relegado apenas ao inconsciente sempre retornará de um modo
ou de outro. Que façamos este retorno de modo consciente e saibamos reelaborar este
passado tão deplorável, de forma que possamos afinar a escuta e adotar ações, falas,
comportamentos e vínculos em nome do respeito à cada existência e história que
atravessarem o caminho. Para tanto, é necessário que sejam rompidos os tratados de
silêncio, que outras referências de conhecimento sobre o ser humano sejam utilizadas
para que todos sejam representades e ouvides.
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