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Monólogo da

Puta no
Manicômio

De Dario Fo e Franca Rame.


Tradução de Michele Piccoli e Roberto Vignati
( Uma mulher está sentada em uma cadeira de ferro. Tem um auricular
acústico na cabeça, um microfone em frente da boca e uma série de fios
que partem dos tornozelos e dos pulsos e vão para um aparelho cheio de
válvulas e luzes que se acendem e apagam com intermitência).

Sim, sim doutora, estou ouvindo, estou ouvindo muito bem. Não se preocupe,
estou relaxada, só que pareço um robô com todos estes fios...Aliás, parece que
estou na cadeira elétrica. Tenho a sensação que estou dentro de um
liquidificador . Doutora, não seria melhor a senhora chegar mais perto de
mim, ao invés de ficar aí dentro desta cabine de avião? Eu não consigo falar “
certas coisas” se não vejo a cara da pessoa com quem estou falando, entende?
Assim, eu tenho a sensação de que estou num foguete à caminho da lua! Não
pode sair daí? Ah sei! A senhora precisa controlar os botões da máquina?
Então está bem! O que eu posso fazer, não é? Se não pode , paciência! Por
onde eu começo? Daquele ponto que queimamos o palacete do industrial?
Não??? Prostituta?...Ah! Como eu comecei! Escuta, doutora, eu não gosto
desta palavra : prostituta. Prefiro dizer puta mesmo. Assim fica tudo mais
claro, a senhora não acha? Está certo. Sim...sim...entendi...quer saber sobre a
minha primeira experiência sexual. Bem a primeira...a primeira...não lembro.
Só me lembro da segunda... Não, não me lembro porque era muito pequena...
foi a minha mãe que me contou durante uma briga que ela teve com o meu
pai.
Eu soube por ela que ele, meu pai tinha tentado me violentar... mas eu não me
lembro de nada... Não, nenhum trauma, imagino, eu amava o meu pai. A
segunda vez sim...eu já contei pra senhora . Sim, foi com um garoto no
matinho atrás da minha casa. O mato estava molhado e sentia muito frio no
traseiro.Ele era muito bobo, coitado. Tinha treze anos e eu doze , imagina.
Era a primeira vez que nós estávamos fazendo aquelas coisas. Sabíamos
apenas que os meninos nascem da barriga, imagina.Não, nada. Não senti nada.
Ah! Me lembro que senti uma grande dor aqui no umbigo, porque nós
pensávamos que aquele era o lugar onde se fazia amor. E ele empurrava aquilo
no meu umbigo, empurrava. Fiquei com o umbigo todo inflamado. Ahh?
Claro que sei o que é sexualidade. Ih!!! Se a senhora soubesse... Eu não sou
tonta comom pareço não... Eu me informei. Li muito sobre a
sexualidade...Livros científicos também, claro. Foi assim que descobri que nós
as mulheres, temos pontos erógenos, é assim que se diz, não é doutora?
Erógenos...Temos pontos erógenos pelo corpo inteiro... Ah! Isto para mim foi
uma revelação. Eu nunca podia imaginar que os pontos sensíveis eróticos da
mulher fossem tantos. Sabe que eu encontrei num livro, um desenho de uma
mulher dividida em partes...sim, como aqueles desenhos que aparecem nos
cartazes pendurados nos açougues...igualzinho a uma vaca, toda dividida em
regiões...como o mapa do Brasil, com os Estados, e os Municípios. E cada
zona do corpo da mulher, naquele livro, era pintada com cores diferentes, de
acordo com a maior ou a menor sensibilidade ao contato do macho...É, quando
eles passam a mão, compreende? Por exemplo: tinha a zona dos lombos, aqui,
toda pintada de vermelho. Essa cor era o máximo. Região muito erógena.
Depois vinha a zona aqui, atrás do pescoço, em roxo. É, essa parte que os
açougueiros chama de ‘carne de pescoço”. Depois as costas, que corresponde
ao filé, toda marcada com pontinhos cor de laranja. Depois as coxas, ah! As
coxas! São uma coisa do outro mundo. Se um homem sabe dar um trato
adequado ás coxas de uma mulher, ela tem cada frêmito erótico, cada arrepio
que é capaz de erguer... bem...até os aposentados. A senhora viu, doutora,
como eu sou sabida? Eu sei tudo sobre a sexualidade da mulher. Sim,eu sei
tudo , mas mesmo assim , sou uma tonta, pior: dou uma de idiota, pra não
dizer débil-mental. Não, não estou falando assim só por falar não. De vez em
quando também desbundo, claro.
Sabe doutora, que de repente, não entendo mais nada, acabo fazendo coisas
que depois não lembro. Os outros é que me contam, depois, tudo o que eu
faço. Ah! Desculpe, doutora, eu já falei sobre isso antes...Ah! Minha nossa,
semti um choque! Não é nada? Vocês não vão me assar viva, não é? Sim, está
bem, vou contar tudo. Bom, eles, os outros , me contaram que quando dei
uma de louca , eu me despi, é, fiquei pelada e dancei nua. Depois me
foderam...Não se fala assim? Então como é que se fala, doutora? Que me
“prenderam”? Está bem. Me prenderam, mas depois me foderam também.
Sim, sim, vamos em frente. Quem? Em quantos? Aonde? Não sei. Não me
lembro. Só sei que quando acordei, estava aqui no manicômio. Depois me
encheram de drogas, que me fazem dormir por dias seguidos, e agora estou
toda cheia de dores. Parece que levei uma grande surra, doutora...Não, eu
tenho certeza...me bateram ...eu tenho o corpo todo cheio de marcas. Ás vezes
no rosto também. Eu sei lá, a polícia que me recolhe sempre diz que eu caí.
Acho que vivo caindo então, porque estou sempre cheia de marcas! Não, não
tenho testemunhas. Quando chegou a polícia que me trouxe para o
manicômio, não tinha ninguém perto...nenhuma testemunha. Não, não precisa
se incomodar doutora, eu não me incomodo. Sou uma puta mesmo, não é?
Uma puta que de vez em quando entra em crise, e dá uma de louca. E todo o
mundo diz: o que é uma puta? “ É aquela que encontrou a maneira certa de
viver bem, sem trabalhar.” E pensar que eu tenho trabalhado a vida toda.
Primeiro como empregada doméstica e já me fodiam. Depois como operária e
também me...Ih! Você é tonta. Se deixa foder com muita facilidade, me
diziam. Tá na cara que você não gosta! Não, não gosto. Sim,eu sei, é muito
fácil...é muito cômodo jogar toda a culpa em cima dos homens...dizer que é a
sociedade é os escambaos. Minha mãe sempre dizia: “ Quando uma mulher
quer ser honesta, ela morre, mas não se entrega.” É, de fato, eu não
morri...oito horas na fábrica, mais as horas extras. Sabe que foi ali que eu
comecei a ficar louca. A minha primeira crise foi na fábrica. Fazia uma
semana que eu sentia tonturas e continuava trabalhando. Eu sentia um calor
enorme subindo pelo meu corpo

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