Você está na página 1de 78

Centro Universitário Barão de Mauá

Amandha de Souza Campos

O Sombrio Segredo dos Homens

A Destruição do Sagrado Feminino

Ribeirão Preto

2014

1
Amandha de Souza Campos

O Sombrio Segredo dos Homens

A Destruição do Sagrado Feminino

Monografia
apresentada como
trabalho de conclusão de curso na
Especialização em História, Cultura e
Sociedade do Centro
Universitário Barão
De Mauá

Orientadora: Dra. Patrícia Carla de Melo Martins

Ribeirão Preto

2014

2
Amandha de Souza Campos

O Sombrio Segredo dos Homens

A Destruição do Sagrado Feminino

Monografia
apresentada como
trabalho de conclusão de curso na
Especialização em História, Cultura e
Sociedade do Centro
Universitário Barão
De Mauá

Aprovada em __/__/___/
Especialista em História

Banca Examinadora

Profa. Dra. Patrícia Carla de Melo Martins

____________________________________________________

Profa. Dra. Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa

___________________________________________________________

3
C21s
Campos, Amandha de Souza
O Sombrio Segredo dos Homens e a Destruição do Sagrado Feminino/
Amandha de Souza Campos – Ribeirão Preto, 2014.
78p.
Trabalho de conclusão do curso História Cultura e Sociedade do Centro
Universitário Barão de Mauá.
Orientador: Dra. Patrícia Carla de Melo Martins

1. Cristianismo 2.Maria Madalena 3.Inquisição 4.Repressão Feminina I.


Martins, Patrícia Carla de Melo II. Título
CDU 27-285.4

4
Dedico este trabalho a todo cristão possuidor de senso crítico aguçado capaz de
reconhecer nesta obra a maneira como o Cristianismo se formou mediante as
deturpações das ocorrências da vida de Cristo e a todos os intelectuais da religião
que conseguem distinguir a autenticidade das afirmações presentes nesta obra
que tentou sintetizar e esclarecer dois mil anos de Cristianismo em algumas
páginas.

5
Agradeço em primeiro lugar a colaboração de meus pais, sem os quais eu não
poderia ter terminado este trabalho, pois eles sempre foram os grandes
incentivadores de meus estudos. Agradeço também muitíssimo a colaboração de
minha querida orientadora, pois desde o início ela concordou em apoiar as
minhas ideias acerca deste trabalho e sua orientação foi de vital importância para
o aprimoramento desta monografia.

6
“Depois apareceu no céu um grande sinal: Uma mulher vestida de sol, e a lua
debaixo de seus pés, e uma coroa de doze estrelas, sobre a sua cabeça; e, estando
grávida, clamava com dores de parto, e sofria tormentos para dar à luz.
E foi visto outro sinal no céu: era um grande dragão vermelho, que tinha sete
cabeças e dez pontas, e nas suas cabeças sete diademas; e a sua cauda arrastava a
terça parte das estrelas do céu, e as precipitou na terra; e o dragão parou diante
da mulher, que estava para dar à luz, a fim de devorar o seu filho, logo que ela o
tivesse dado à luz. E deu à luz um filho varão, que havia de reger todas as gentes
com vara de ferro; e o seu filho foi arrebatado para Deus e para o seu trono, e a
mulher fugiu para o deserto, onde tinha um retiro que Deus havia lhe preparado,
para aí a sustentarem durante mil, duzentos e sessenta dias.”

Apocalipse de S. João, 12:1-6

7
Resumo

A presente monografia trabalha com a hipótese da relação matrimonial entre


Jesus Cristo e Maria Madalena, com o intuito de rever a posição de Maria
Madalena na história do cristianismo.
Põe-se então em destaque a forma como a Igreja Católica ocultou esse segredo
através de extirpações e modificações dos textos canônicos e exterminando com
outros evangelhos para que nenhum vestígio desse fato restasse.
Contudo, esse segredo acabou se revelando graças à descoberta dos pergaminhos
de Nag-Hammadi, em 1945.
Além de ressaltar a revelação desse segredo, esta monografia analisa a postura
da Igreja Católica pelo extermínio de mulheres na fogueira da Inquisição e como
o “sombrio segredo dos homens” foi a causa da destruição do Sagrado Feminino
onde a figura deturpada de Maria Madalena na Bíblia serviu para a Igreja
perpetuar seu poder espiritual e temporal na Terra, e como esse poder afetou o
pensamento ocidental que durante séculos acreditou e ainda acredita em uma
farsa.

Palavras-chave: Cristianismo- Maria Madalena- Inquisição-Repressão Feminina

8
Résumé

Cette monographie se développe sur l’hypothèse de la relation conjugal entre Jésus


Christ et Marie Madeleine afin d’examiner la position de Marie Madeleine dans
l’histoire du Christianisme.
Met alors l’accent de la façon dont l’Église catholique a caché ce secret par la
disparition et la modification des textes canoniques et essuyer avec d’autres évangiles
que aucune trace n’a été laissé de ce fait.
Toutefois, ce secret s’est avéré grâce à la decouverte des manuscrits de Nag-Hammadi
en 1945.
Il souligne la révélation de ce secret, cette monographie analyse la position de l'Église
catholique pour l'extermination des femmes sur le bûcher de l’Inquisition et la façon
dont le “sombre secret des hommes” était la cause de la destruction du Féminin Sacré
où la figure deformée de Marie-Madeleine servi dans la Bible pour l’Église perpétuer
leur pouvoir spirituel et temporel sur Terre, et comme ce pouvoir a affecté la pensée
occidentale depuis des siècles qui ont cru et croient encore à une escroquerie.

Clues-Mots: Christianisme-Marie Madeleine-Inquisition-Supprimer les Femmes

9
Sumário

Introdução............................................................................................... 12

Capítulo 1: O Sombrio Segredo dos Homens ..................................... 14

1.1 O Início do Grande Mistério: Maria Madalena, a sacerdotisa


Preparada para se casar com Cristo........................................................... 15

1.2. O casamento dinástico de Jesus e Maria Madalena: as evidências


Relatadas no Novo Testamento................................................................. 22

1.3. Os eventos da tentativa da crucificação de Cristo e a fuga


De Maria Madalena para o sul da França................................................. 27

1.4. Os Merovíngios, descendentes de Jesus e Maria Madalena e a disputa


De poder com a emergente Igreja Católica ............................................ 40

Primeiro Epílogo........................................................................................................... 44

Capítulo 2: A Destruição do Sagrado Feminino................................... 45

2.1. A deturpação contumaz e a popularização da imagem de Maria Madalena


Feita pela Igreja Católica durante a Idade Média.............................................. 46

2.2. A construção e a desconstrução do conceito de Sagrado Feminino............ 53

2.3. O Martelo das feiticeiras: A Bíblia inquisitorial do Caça às Bruxas.......... 58

Segundo Epílogo............................................................................................................. 65

10
Capítulo 3 :A Libertação de Maria Madalena através da
Modernização do Novo Ideário Feminino.............................................. 66

3.1 O Novo Ideário Feminino dos séculos XIX e XX entronizados pelo


Capitalismo burguês............................................................................... 67

Considerações Finais.............................................................................. 75

Referências Bibliográficas.................................................................... 78

11
Introdução

Durante quase dois mil anos de Cristianismo surge uma pergunta intrigante no
final do século XX: Jesus Cristo, o redentor, foi casado com Maria Madalena e teve
filhos? Esse questionamento levantado por renomados historiadores contemporâneos
abalou grandemente as estruturas da Igreja Católica que durante séculos sustentou o
celibatarismo de Cristo e a condição de prostituta arrependida de Maria Madalena.
O presente trabalho tem como hipótese demonstrar Maria Madalena como
esposa de Cristo. A discussão é feita a partir dos evangelhos canônicos, dos evangelhos
apócrifos, da abordagem historiográfica e literária sobre o tema. Temos o intuito de
questionar a tese sustentada pela Igreja Católica, a partir da possibilidade de releitura
em torno do tema ao longo do processo histórico da Era cristã.
O sombrio segredo dos homens, assim chamado por se tratar de um segredo que
poderia destruir completamente as estruturas doutrinárias da Igreja, foi durante séculos
preservado por sociedades como os cavaleiros templários. Só agora em fins do século
XX e início do XXI que esta verdade veio à tona através de escritores como Dan Brow,
Laurence Gardner, Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln. E igualmente com
os evangelhos apócrifos que vieram a público no século XX compondo um importante
documento para a revisão da posição de Maria Madalena na história do Cristianismo e
na História das mulheres
Este trabalho tem por finalidade analisar de uma forma abrangente através da
figura de Maria Madalena os atos criminosos praticados pela Igreja Católica contra as
mulheres, principalmente na Idade Média, que muito contribuiu para a destruição de sua
verdadeira imagem, ou seja, a destruição do sagrado feminino presente na alma de
Maria Madalena. Este trabalho exemplifica como a Inquisição através de um livro
chamado o Martelo das feiticeiras conseguiu assassinar na fogueira mais de trinta mil
mulheres durante o final da Idade Média até meados do século XVII.
É mostrado o percurso que levou a figura de Maria Madalena que de consorte do
Salvador ficou conhecida como a prostituta arrependida e que depois em 1969 foi
canonizada como santa pela Igreja Católica.
O processo de sacralização aqui também é contestado, uma vez que a antítese
desta teoria direciona- se para o questionamento de que se a Igreja tem realmente poder
espiritual e se ela é a única capaz de fazer a comunicação de Deus com os homens.

12
A primeira parte deste trabalho enfoca as evidências relatadas nos evangelhos
canônicos e apócrifos sobre a relação matrimonial de Jesus Cristo e Maria Madalena,
assim como a hipótese de que Jesus escapou à crucificação e foi pais de três filhos e um
desses filhos deu origem à primeira dinastia de reis franceses: a famosa dinastia
Merovíngia.
Tudo isso pode parecer ao leitor algo sacrílego, pois esta nova teoria desmorona
completamente com os dogmas católicos sobre a virgindade de Maria, o celibato de
Jesus, a sua crucificação e ressurreição.
Por mais absurdo que tudo isto possa parecer, trata-se de uma teoria que tem
comprovações em fontes tanto conhecidas pelo mundo inteiro como as que foram
destruídas a mando da Igreja e dos Imperadores Romanos a fim de se apagar
completamente com algum vestígio sobre este fato.
Esta teoria trata também da questão de como a mulher foi evoluindo durante os
séculos até chegar a sua forma atual e como essa sua posição na sociedade reflete o
princípio de sagrado contido na figura de Maria Madalena.
Faz-se um paralelo com o passado, o presente e o futuro colocando Maria
Madalena como o modelo moral feminino a ser seguido não só por mulheres como
também pelos homens.
Esta teoria tem como objetivo principal mostrar aos leitores que a Igreja Católica
manipulou os fatos, distorcendo a verdade a seu favor, e como isso reverberou nas
nossas consciências e naquilo que acreditamos sobre Jesus Cristo. O presente trabalho
tenta desformatar as nossas mentes para uma nova realidade, ou seja, a outra história a
respeito da vida de Jesus Cristo e Maria Madalena.

13
Capítulo 1: O Sombrio Segredo dos Homens

14
1.1 O início do grande mistério: Maria Madalena, a sacerdotisa
preparada para se casar com Cristo.

A figura de Maria Madalena durante os quase dois mil anos de história do


cristianismo tornou-se um assunto polêmico, pois depois da publicação da obra de Dan
Brown, o Código da Vinci,1 a polêmica se tornou ainda mais forte e foco de várias
especulações históricas que outrora não foram percebidas com atenção.
As perguntas sobre Maria Madalena são muitas. Quem de fato foi esta mulher
que aparece nos quatro evangelhos canônicos e nas passagens da vida de Jesus
juntamente com a sua família? Seria mesmo ela uma prostituta arrependida ou uma
mulher que dedicou grande parte da sua vida aos ensinamentos do mestre Jesus e depois
de sua morte foi a responsável pela descendência de Cristo na Terra e pela propagação
de sua verdadeira doutrina?
Por que motivo os padres da Igreja Católica fizeram questão de afirmar que ela
era uma prostituta por onde Jesus expulsara sete demônios? Todas estas perguntas
encontram suas respostas em diferentes autores que trabalham sobre o tema, pois depois
da descoberta dos evangelhos apócrifos em Nag-Hammadi,2principalmente o evangelho
de São Filipe, por ser um importante documento sobre a existência de Maria Madalena.

1
A obra citada é um romance policial do escritor norte-americano Dan Brown, publicado em 2003 pela
editora Random House nos EUA, pela Editora Sextante no Brasil e pela Editora Bertrand em Portugal. É
um best-seller mundial, décimo primeiro livro mais vendido no mundo com mais de 80 milhões de
cópias.

2
Biblioteca de Nag Hammadi é uma coleção de textos gnósticos do cristianismo primitivo (período que
vai da fundação até o Primeiro Concílio de Niceia em 325 d.C.) descoberta na região do Alto Egito, perto
da cidade de Nag Hammadi em 1945. Naquele ano, um camponês local chamado Mohammed Ali
Samman encontrou uma jarra selada enterrada que continha treze códices de papiro embrulhados em
couro. Os códices contêm textos sobre cinquenta e dois tratados majoritariamente gnósticos, além de
incluírem também três trabalhos pertencentes ao Corpus Hermeticum e tradução/alteração parcial da A
República de Platão. Na introdução de sua obra The Nag Hammadi Library in English, James M.
Robinson sugere que estes códices podem ter pertencido ao monastério de São Pacômio localizado nas
redondezas e tenham sido enterrados após o bispo Atanásio de Alexandria ter condenado o uso não crítico
de versões não canônicas dos testamentos em suas Cartas Festivas de 367 d.C. após o Concílio de Niceia,
por monges que teriam tomado os livros proibidos e os escondido em potes de barro na base de um
penhasco chamado Djebel El-Tarif. Ali ficaram esquecidos e protegidos por mais de 1500 anos.Os textos
nos códices estão escritos em copta, uma mistura de dialeto egípcio com elementos do alfabeto grego,
embora todos os trabalhos sejam traduções do grego. O mais conhecido trabalho é provavelmente o
Evangelho de Tomé, cujo único texto completo está na Biblioteca de Nag Hammadi. Atualmente, todos os
códices estão preservados no Museu Copta no Cairo, Egito.

15
Nos textos apócrifos Maria Madalena nunca fora uma prostituta e sim uma mulher
preparada tanto intelectualmente como espiritualmente para ser a esposa de uns dos
homens mais importantes de toda a história da humanidade: Jesus de Nazaré.
Temos na obra de Tiago di Voragine, um monge dominicano do século XIII , a
Legenda Dourada3 ou A Lenda Dourada, cujo volume denominado “A Legenda de
Santa Maria Madalena”, nos mostra uma descrição detalhada de quem fora (segundo
sua visão) esta mulher.
O nome Magdalena conforme muito se tem dito não pode ser provado pelo fato
de se originar da cidade de Magdala, uma próspera cidade comercial rica na venda de
tecidos, situada na Galiléia. A palavra Magdala vem do hebraico migdal, e quer dizer
torre. Pode-se então fazer uma referência com este nome ao templo que guarda o
espírito de uma virgem.
Segundo Laurence Gardner, em sua obra O Legado de Madalena, Maria
Madalena era dez anos mais jovem que Jesus. Ela era filha do nobre fenício Syro, e de
Eucharia, uma judia descendente da real casa de Israel, porém não da mesma linhagem
davídica de José, pai de Jesus, e sim da sacerdotal Casa Hasmoneana dos Macabeus,
que reinaram em Jesuralém entre o ano de 166 a.C, até a ocupação romana de 63 a.C
sob o general Pompeu. Portanto Maria Madalena possuía sangue judeu por via materna
e sangue fenício pela via paterna.
Syro, é identificado nos evangelhos de Mateus e Marcos como o príncipe dos
sacerdotes cuja filha estava tida como quase morta aos doze anos de idade, atacada por
algum mal desconhecido. Syro (que nos evangelhos aparece como Jairo) pediu a
intervenção de Jesus para que ele devolvesse a vida de sua filha. Jesus foi até a casa de
Jairo e consolou os pais da menina dizendo que ela não estava morta, mas apenas
dormindo, e pegando em suas mãos fê-la se levantar (Mateus 9:18-25; Marcos5:42).
Esta passagem bíblica possui outra conotação que segundo vários estudiosos da
Bíblia e historiadores, refere-se ao momento em que Cristo conhece a sua futura esposa
e lhe arranca da ignorância para o caminho da luz. (GARDNER, 2005)
Maria Madalena por ser filha de Jairo, um subordinado do sumo sacerdote de
Jerusalém possuía uma educação extremamente voltada para o judaísmo e possuía
conhecimento do grego, a língua predominante da época, do hebraico antigo e era uma

3
Éuma coletânea de narrativashagiográficas reunidas por volta de 1260 d.C. pelo dominicano e futuro
bispo de Gênova Jacopo de Varazze e que se tornou um sucesso durante a Idade Média.

16
profunda conhecedora dos textos sagrados. Havia uma profecia de que ela estava
predestinada a ser a esposa do homem que salvaria a humanidade.
Maria Madalena estava extremamente preparada para assumir o cargo de esposa
do Salvador.
Num dos trechos do evangelho apócrifo de São Filipe há uma passagem em que
há uma definição clara de que Maria Madalena fazia parte da família de Cristo:

Havia três que sempre caminhavam com o Senhor: sua mãe, Maria, sua irmã e
Madalena, que era chamada sua companheira. Sua irmã, sua mãe e sua
companheira todas se chamavam Maria.
Evangelho de Filipe, p.145.

Há duas passagens nos evangelhos em que Jesus expulsa de Maria Madalena


sete demônios.(Lucas 8:2; Marcos 16:9). Esta passagem é uma das mais polêmicas que
diz respeito à figura de Maria Madalena. Nos textos canônicos a narrativa faz crer que
Maria Madalena é uma criatura cheia de pecados e por ser uma prostituta é possuída por
demônios que lhe instigam na prática da luxúria. Na verdade essa transcrição bíblica
nada mais foi do que uma manipulação dos bispos do início do cristianismo para
denegrir com a sua imagem.
As meninas judias quando nasciam ao atingirem a idade de doze anos eram
levadas para uma espécie de convento sem regime de internação onde eram educadas
sob rígidas regras morais e religiosas, pois quando atingissem a idade de quatorze anos
poderiam sair deste convento para poderem se casar.
Ainda segundo uma outra obra de Gardner, A Linhagem do Santo Graal, dentro
desta instituição religiosa havia sacerdotes preparados para zelar pela vida moral das
moças que recebiam o nome de almah, que em hebraico significa donzela. Os
sacerdotes responsáveis pela vigilância dessas moças chamavam-se guardiões dos sete
demônios, numa referência ao vício e ao pecado. Eram eles os responsáveis pelo
resguardo moral das virgens. Uma vez atingida a idade de quatorze anos as donzelas
virgens eram liberadas das regras de resguardo do convento para se entregarem ao seus
maridos prometidos, desta forma se libertando da vigilância dos guardiões dos sete
demônios. Foi desta forma que os padres da Igreja primitiva usaram o argumento dos
guardiões para dizer que Jesus havia expulsado sete demônios de Maria Madalena
quando na verdade tratava-se de uma libertação do seu estado celibatário para entrar no
estado de casada. (GARDNER, 2006).

17
De acordo com a mesma obra, há um trecho que elucida perfeitamente a
condição de Maria Madalena como uma almah. (GARDNER, 2006, p.117):

Antes do casamento, as Marias ficavam sob a autoridade do chefe dos


escrivães, que na época de Maria Madalena, era Judas Iscariotes. O chefe dos
escrivães era também o sacerdote “Demônio número Sete” e os sete sacerdotes
demônios foram estabelecidos como um grupo de oposição formal àqueles
sacerdotes que eram as sete luzes do Menorá. O dever deles era supervisionar
as mulheres celibatárias da comunidade. Quando se casou, Maria Madalena
obviamente foi liberada dessa condição. Por isso, “dela saíram sete demônios”,
e ela teve permissão de ter relações sexuais na base regular explicada antes.

Qual a opinião da Igreja católica acerca desta teoria? Jesus Cristo se casou? Teve
filhos? Teve irmãos? A posição oficial da Igreja católica é clara: Não! O Messias não
podia ter irmãos e muito menos esposa e filhos. Jesus Cristo foi enviado por Deus para
salvar o mundo de seus pecados, nasceu de uma virgem por obra do Espírito Santo, era
divino, não humano, e um ser puro. Essa é a posição que vem sendo mantida nos quase
dois mil anos de existência da Igreja.
O que nos diz a História? Ao contrário da posição religiosa, segundos os
contextos históricos, políticos e sociais da época, Jesus Cristo devia ser casado e ter
filhos. Além disso, em vista da rigorosa observância da religião hebraica, os seguidores
da lei de Moisés eram quase obrigados a se casar e ter descendência. Há um dado
importantíssimo e pouco considerado: Jesus Cristo era judeu, mas interpretava de
maneira nova as doutrinas hebraicas, o que deu origem ao cristianismo.
Além desses dados, encontramos outros que induzem a pensar em um messias
casado. Dentro dos próprios textos sagrados, Jesus Cristo é citado como rabi (mestre, na
tradução dos evangelhos). Com esse nome, os judeus designavam e designam até hoje
os chefes espirituais de sua comunidade, bem como os mestres que interpretavam os
textos sagrados, uma atividade a que Jesus se dedicou durante sua breve existência. O
título de rabi era outorgado depois de várias cerimônias religiosas. E a lei mosaica, a
Mishna, ou Torá oral, era muito clara a respeito: um homem solteiro não pode ser rabi.
A explicação da Igreja católica e seus estamentos religiosos em relação a esse
ponto, é no mínimo, interessante: os apóstolos e os evangelistas chamavam Jesus Cristo
de rabi em sinal de distinção e respeito, não no sentido literal. Isso, para a ortodoxia
hebraica, era, e é inconcebível. Rabi era um nome exclusivo para designar os chefes
espirituais hebreus. Para nós, é como distinguir um missionário ou pregador com o

18
título de bispo ou cardeal cristão. Não obstante, é a explicação religiosa sobre o título de
rabi judeu conferido ao nosso Messias.
Outro aspecto importante e de grande controvérsia é a polêmica se Maria era
virgem e concebeu Jesus por obra do Espírito Santo ou se ela gerou Jesus pela
concepção normal de um homem e de uma mulher tendo também outros filhos.
Ao analisar os textos do Novo testamento original escrito em grego vemos que
os irmãos de Jesus são referidos com a palavra adelfos, que em grego significa irmãos
de sangue. O contra-argumento da Igreja católica sobre os irmãos de Jesus se baseia no
trecho abaixo conforme nos diz Mateus (12:46-50):

Falava ainda à multidão, quando sua mãe e irmãos se apresentaram e queriam


lhe falar. Alguém lhe disse: Estão aí tua mãe e teus irmãos que desejam lhe
falar. Ao que ele respondeu: Quem é minha mãe e quem são os meus irmãos?
E, estendendo a mão para os discípulos, disse: Estes são minha mãe e meus
irmãos. Pois todo aquele que faz a vontade de meu pai celestial é meu irmão,
minha irmã e minha mãe.

Através deste trecho de Mateus podemos perceber claramente uma manipulação


proposital para desviar a atenção dos leitores sobre os verdadeiros irmãos de sangue de
Jesus. Muitos teólogos durante a história da Igreja também argumentavam que esses
irmãos se tratavam de primos de Jesus. Aqui se observa que nos textos gregos do Novo
Testamento não aparece a palavra anepsios, (do grego, primos), e sim a palavra adelfos
(do grego: irmãos de sangue).
Outra análise interessante é o fato de que nos evangelhos de Lucas e Mateus dos
originais gregos Jesus é referido como prototokos, palavra grega que significa filho
primogênito. Depois da compilação da Vulgata de S. Jerônimo é que este termo grego
foi substituído pelo termo latino monogenes que significa unigênito em referência ao
filho único.
Através dessa análise do texto original em grego é que podemos constatar que
Maria casou-se com José e concebeu oito filhos da forma natural entre um homem e
uma mulher sendo Jesus o mais velho ou o primogênito.
Em outra passagem de Mateus (13:54-58), há uma descrição dos nomes dos
irmãos de Jesus:
Vindo à sua pátria, ensinava-os na sinagoga, de tal maneira que diziam
maravilhados: De onde vem essa sabedoria e esses milagres? Não é o filho do
carpinteiro? Sua mãe não se chama Maria e seus irmãos Tiago, José, Simão e
Judas? E suas irmãs, não estão todas entre nós?

19
Numa outra passagem do evangelho gnóstico de Filipe há uma explicação clara
de que Maria não concebeu Jesus por obra do Espírito Santo:

Alguns dizem que Maria concebeu por obra do Espírito Santo. Mas eles estão
enganados. Não sabem o que dizem. Quando uma mulher concebeu por obra de
outra mulher? Maria é a virgem que nenhum poder conspurcou. Ela é uma
grande anátema para os hebreus, que são os apóstolos e os seus seguidores.
Esta virgem que nenhum poder violou[...] os poderes violaram a si mesmos. O
Senhor não teria dito “Meu Pai que está nos céus (Mt 16:17) se não tivesse
outro pai. Neste caso teria dito simplesmente “Meu Pai”.

(Evangelho de Filipe, p.143).

Através destas análises podemos concluir que era imprescindível para os padres
da Igreja primitiva construírem o dogma da santidade absoluta de Cristo, fazendo- nos
crer que ele nunca fora casado, que fora filho de uma virgem e que nunca tivera irmãos.
Este dogma fora combatido veementemente pelo bispo Árius de Alexandria que dizia
que Cristo era o filho enviado de Deus e que ele tinha apenas uma natureza, a humana.
Desta forma ele concluía que Cristo era um homem comum com necessidades comuns,
tanto sexuais quanto físicas, mas a sua natureza humana não o excluía da tese de ser o
enviado de Deus.
Esta doutrina de Árius ficou conhecida como arianismo, sendo anatematizada no
concílio de Constantinopla em 381. Esta doutrina fora tachada de herética e aqueles que
a seguiam eram condenados ao exílio ou a morte. O arianismo também abriu precedente
a outras indagações sobre a natureza de Cristo como o nestorianismo4, o pelagianismo5
entre outras.
Os padres primitivos defendiam uma única natureza de Jesus: a natureza divina.
Por este motivo os bispos manipularam os textos sagrados considerados canônicos,

4
Nestorianismo é uma doutrina cristológica proposta por Nestório, Patriarca de Constantinopla (428 -
431 d.C.). A doutrina, que foi formada durante os estudos de Nestório sob Teodoro de Mopsuéstia na
Escola de Antioquia, enfatiza a desunião entre as naturezas humana e divina de Jesus. Os ensinamentos
de Nestório o colocaram em conflito com alguns dos mais proeminentes líderes da igreja antiga,
principalmente Cirilo de Alexandria, que o criticou particularmente por negar o título Theotokos ("Mãe de
Deus") para a Virgem Maria. Nestório e seus ensinamentos foram condenados como heréticos no
Primeiro Concílio de Éfeso em 431 d.C. e no Concílio de Calcedônia em 451 d.C., o que acabou por
provocar o cisma nestoriano, no qual as igrejas que apoiavam Nestório deixaram o corpo da Igreja.

5
O Pelagianismoé uma teoria teológica cristã, atribuída a Pelágio da Bretanha. Sustenta basicamente que
todo homem é totalmente responsável pela sua própria salvação e portanto, não necessita da graça divina.
Segundo os pelagianos, todo homem nasce "moralmente neutro", sendo capaz, por si mesmo,sem
qualquer influência divina, de salvar-se quando assim o desejar. Uma das grandes disputas durante a
Reforma protestante versou sobre a natureza e a extensão do pecado original.

20
exterminaram com os textos considerados não canônicos pressupondo que este dogma
pudesse ser sustentado eternamente.
Fica claro o motivo pelo qual a figura de Maria Madalena fora tão deturpada ao
longo da história do cristianismo. A humanidade jamais poderia saber que Jesus e
Madalena foram casados e tiveram uma descendência na Terra, pois isso abalaria
drasticamente com as bases doutrinárias da Igreja Católica e dessa forma ela não
poderia exercer seu longo poder político e econômico sobre a humanidade.

21
1.2 O casamento dinástico de Jesus e Maria Madalena: as
evidências relatadas no Novo Testamento.

Vimos anteriormente que a verdadeira condição de Maria Madalena era a de


uma sacerdotisa preparada tanto espiritualmente quanto intelectualmente para ser a
esposa de um descendente da linhagem de Davi.
Segundo Gardner, o líder espiritual judeu ou rabi tinha por obrigação se casar,
mas Jesus possuía uma ascendência diferente dos demais judeus, ele descendia do rei
David e consecutivamente de Abraão.
O casamento dinástico possuía regras extremamente rígidas quanto ao período
permitido para se ter relações sexuais. Neste caso o casamento dinástico tinha a função
restrita de procriação e nunca a de prazer sexual.
Havia um período de noivado de três meses e um primeiro casamento acontecia
em setembro. Isso marcava o início do período matrimonial. No entanto, até a primeira
metade de dezembro do mesmo ano, a relação sexual não era permitida. Isso garantia
que o bebê nascesse em setembro, o mês da expiação. Se esta união resultasse
concepção, o casamento era legalizado por um segundo casamento, que acontecia em
março seguinte e se não houvesse concepção, a relação sexual só poderia ser retomada
no mês de dezembro seguinte. Até o segundo casamento, a mulher era considerada uma
almah. Isso significava mulher jovem e não tinha conotação sexual. Também é
interpretado como virgem, significando, obviamente de forma incorreta neste caso,
virgem intacta. Nos evangelhos do Novo Testamento escritos em hebraico sempre
aparece a palavra almah, em referência às virgens destinadas ao casamento e nunca
aparece a palavra betulah, que significa virgem intacta. Desta forma podemos concluir
também que a mãe de Jesus passou pelos mesmos procedimentos ao se casar com José
quando concebeu Jesus não o concebendo por obra do Espírito Santo.
Na época do segundo casamento, em março, a noiva estaria, portanto, grávida de
três meses. A razão para esta espera de três meses era permitir um possível aborto.
Também significava que o marido poderia desistir do casamento se ficasse provada a
esterilidade da mulher. Com exceção do mês de dezembro, quando as relações sexuais
eram permitidas, os casais viviam separados.
Quando eles se separavam, a esposa era referenciada como viúva, que era um
nível abaixo de almah. Ela deveria chorar por seu marido como está descrito em Lucas
(7:38), quando Maria Madalena “colocou-se por trás dele chorando, e com lágrimas

22
começou a banhar-lhe os pés.” Este fato ocorreu em setembro de 30 d.C, data do
primeiro casamento de Jesus e Maria Madalena.
Um dos óleos aromáticos usados nos ritos matrimoniais era o nardo- da- índia,
que é usado por Maria Bethânia também conhecida como Maria Madalena, para ungir
Jesus. Maria Bethânia e Maria Madalena são a mesma pessoa, porém elas foram
confundidas em se apresentarem como duas pessoas distintas ao longo do percurso
histórico. Ela ungiu seus pés na casa de seu tio Simão, o Zelote, mais conhecido como
Lázaro. Em junho de 30 d.C ela ungiu anteriormente seus pés com nardo-da-índia na
festa de casamento em Canaã, o que é absolutamente correto com o período de noivado
de três meses antes de setembro, o primeiro casamento.
João não menciona realmente o casamento em Canaã, apenas a festa. Entre os
convidados estavam os discípulos e os impuros gentios. Parece claro que Jesus era o
noivo. Nessa ocasião quando o incidente a respeito da falta do vinho da comunhão
surgiu e o milagre da transformação da água em vinho por Jesus, a mãe de Jesus disse
aos serventes que fizesse o que lhe mandasse. Estaria fora de questão ser permitido este
direito a um convidado do casamento. A verdadeira cerimônia aconteceria no mês de
setembro seguinte. Maria Madalena ungiu os pés novamente em março de 33 d. C e os
secou com seus cabelos, (João 12:4-5) quando já estava grávida de três meses, pois ela
deve ter concebido em dezembro de 32 d. C.
A única pessoa que tinha permissão para ungir com nardo-da-índia era uma
noiva messiânica e a única vez em que foi permitido era na cerimônia do primeiro e do
segundo casamento. (GARDNER, 2005)
A Igreja fez tudo que estava ao seu alcance para suprimir informações a respeito
do casamento de Cristo. Em 1958, um manuscrito do patriarca ecumênico de
Constantinopla foi encontrado em um monastério perto de Jerusalém por Morton Smith,
professor falecido de História Antiga na Universidade de Columbia. Ele descobriu uma
carta do bispo Clemente de Alexandria (150 d.C a 215 d.C) para seu colega Theodoro e
o livro das obras de santo Inácio de Antioquia. Uma parte do evangelho de Marcos,
anteriormente desconhecida estava incluída. Ele declarava que esta parte do evangelho
deveria ser omitida, já que não se adequava aos ensinamentos da Igreja. Num outro
trecho do livro O Legado de Madalena (GARDNER, 2005, p.115) há uma explicação
para o motivo dessa exclusão, onde Clemente de Alexandria escreveu:

23
Pois, mesmo que eles (os Carpocrations6) dissessem alguma verdade, quem
ama a verdade não deveria concordar com eles, pois nem todas as coisas
verdadeiras são verdades; nem deve essa verdade que parece verdade segundo
as opiniões do homem ser preferida à verdadeira verdade - que está de acordo
com a fé. Para eles, uma pessoa nunca deve exceder; nem quando eles passam
para a frente suas falsificações, alguém deve conceder que o Evangelho secreto
é de Marcos, mais deve negá-lo sob juramento. Pois nem todas as coisas
verdadeiras podem ser ditas para todos os homens.

Fica evidenciado nesta declaração de S. Clemente que a parte do evangelho de


Marcos que mostrava a relação matrimonial de Jesus e Madalena deveria ser ocultada e
negada.
A parte que foi suprimida também contém Lázaro, que Cristo teria
milagrosamente trazido de volta dos mortos, chorando no túmulo, indicando que ele não
estava morto quando Jesus o viu. Lázaro tinha na verdade sido excomungado e isso era
considerado morte. O período que a excomunhão demorava a se completar era de quatro
dias. No terceiro dia, Marta e Maria enviaram uma mensagem a Jesus, dizendo que
Lázaro estava para perder sua alma para a condenação eterna. Jesus estava lá para
reintegrá-lo, embora estivesse tecnicamente fora de seus poderes ajudá-lo. Além disso, a
parte que foi suprimida não mencionava a ressurreição e termina com as mulheres
fugindo da caverna vazia. Os últimos doze versos da versão de Marcos 16 que temos
hoje foram adicionados posteriormente a partir do versículo 9.
Quando Jesus chega a casa onde Marta e Maria viviam é descrita em João, tem-
se a impressão de que Maria está hesitante em deixar a casa. No entanto, a parte do
evangelho de Marcos que foi cortada explica que Maria saiu da casa com Marta para
receber Jesus, mas os discípulos disseram-lhe para voltar para dentro. A razão era que,
como esposa de Jesus, ela somente poderia deixar a casa com sua permissão.
Qual era o verdadeiro parentesco entre Maria Madalena, Marta e Lázaro? Maria
Madalena era sobrinha de Lázaro e Marta, pois ambos eram irmãos de sua mãe
Eucharia. Isso explica o fato das várias passagens bíblicas em que Maria Madalena se
encontrava na casa de Lázaro e Marta. Lázaro era na verdade o mesmo apóstolo
chamado de Simão o Zelote. Os Zelotes eram combatentes da liberdade e defensores da
guerra com Roma- algumas vezes chamados de kananites (fanáticos em grego).
Para entendermos a passagem da ressurreição de Lázaro devemos esclarecer dois
pontos principais: o verdadeiro sentido de morte que nos é explicado através dos

6
Grupo não ortodoxo (gnóstico) que se inspirava nos ensinamentos de Marta e Helena-Salomé (esposa de
Lázaro e irmã de Maria, mãe de Jesus).

24
manuscritos do mar morto de Qumrã7 e o motivo pelo qual esta passagem só aparece em
João e não em Marcos, Lucas e Mateus. Ficou claro que a extirpação dos últimos
versículos do capítulo 16 de Marcos fora proposital por Clemente de Alexandria, uma
vez que a verdadeira descrição da ressurreição de Lázaro também era motivo de
controvérsias sobre o dogma do poder de Cristo fazer milagres. Segundo Gardner, num
outro trecho de seu livro O Legado de Madalena, (GARDNER, 2005, p.117) podemos
entender que a ressurreição de Lázaro não foi a volta de seu espírito a Terra, mas sim a
sua ressurreição social, ou seja, sua libertação do estado de excomunhão política
decretado por Pôncio Pilatos:

Em 32 d. C Simão foi contra as autoridades romanas, fazendo parte de uma


revolta malsucedida contra o governador romano Pôncio Pilatos. O motivo
para o levante, como relatado por Flavius Josephus em “As antiguidades dos
judeus”8 foi que Pilatos tinha usado fundos públicos para melhorar o
suprimento pessoal de água. Uma reclamação formal foi feita contra ele na
corte, como consequência, os soldados de Pilatos mataram os reclamantes
conhecidos. Uma revolta armada seguiu-se imediatamente, liderada por Simão
Zelote. A revolta inevitavelmente foi fracassada e Simão foi considerado fora-
da-lei por um decreto do rei Herodes Agripa I.
Sobre a lei judaica, a condenação era uma forma de morte por decreto- a
execução espiritual de um excomungado social (semelhante à excomunhão) e
era referida figurativamente como morte. Entretanto, isso levava quatro dias
para aplicação completa. Enquanto isso, o excomungado ficava despido,
enrolado em uma mortalha, preso e debaixo de uma gruta para adoecer até a
“morte”. No caso de Lázaro, Marta e Maria sabiam que sua alma estaria
condenada para sempre se ele não fosse aliviado (erguido) no terceiro dia,
então disseram a Jesus que Simão estava doente (João 11:3).
O rei Herodes-Agripa caiu em uma discussão com as autoridades romanas,
perdendo sua jurisdição para um curto período para seu tio Herodes Antipas,
que apoiava Zelote na ação contra Pilatos. Aproveitando essa oportunidade,
Antipas contrariou a ordem de condenação e instruiu que Lázaro deveria ser
ressuscitado.
Apesar do período da morte espiritual (o quarto dia após a excomunhão) de
Simão ter chegado, Jesus resolveu assumir um direito sacerdotal e fez a
libertação do evento. Dessa forma, ele confirmou a morte espiritual de Simão e
sua consequente ressurreição batizando Simão de Lázaro em referência ao
camareiro de Abraão, Eliézer (Lázaro) e o chamou sob esse nome diferente
para ele aparecer nos seio de Abraão e foi assim que Lázaro (Simão Zelote)

7
Os Manuscritos do Mar Morto são uma coleção de centenas de textos e fragmentos de texto
encontrados em cavernas de Qumran, no Mar Morto, no fim da década de 1940 e durante a década de
1950. Foram compilados por uma seita de judeus conhecida como Essênios, que viveram em Qumran do
século II a.C. até aproximadamente 70 a.C. Porções de toda a Bíblia Hebraica foram encontradas, exceto
do Livro de Ester e do Livro de Neemias. Os manuscritos incluem também Livros apócrifos e livros de
regras da própria seita. Os Manuscritos do Mar Morto são de longe a versão mais antiga do texto bíblico,
datando de mil anos antes do que o texto original da Bíblia Hebraica, usado pelos judeus atualmente.
Atualmente, estão guardados no Santuário do Livro do Museu de Israel, em Jerusalém.
8
Antiguidades Judaicas (do latim Antiquitates Judaicae), também conhecida em português como
Antiguidades dos Judeus, é uma obra composta pelo historiador judeu antigo Flávio Josefo entre os anos
de 93-94. A obra foi composta em grego para os patronos romanos de Josefo, e constitui-se em uma
narração da história hebraica desde a criação de Adão e Eva até a primeira guerra judaico-romana. Por
isto esta obra é às vezes traduzida para o português como História dos Judeus.

25
levantou-se dos mortos sem a sanção oficial do sumo sacerdote, do padre ou do
tribunal supremo dos sábios (Sinédrio).
Com essa atitude Jesus zombou grosseiramente das regras da sociedade do
Templo e seu ato foi considerado por Herodes Antipas um ato revolucionário e
esse feito consequentemente ficou conhecido como um milagre.
A menção de que Lázaro era leproso está relacionada ao fato dele ter se
tornado sob os olhos da sociedade um homem sujo e fora-da-lei e dessa forma
a menção à sua doença (lepra) que nunca existiu. Consequentemente se explica
a estranha situação de um leproso receber amigos de prestígio em sua fina casa.
(Mateus 26:6 e Marcos 14:3)

Fica claro nesta passagem que o milagre de Jesus em ressuscitar Lázaro não
passou de uma violação às regras religiosas do Sinédrio, um dos motivos principais que
fez os líderes sinedristas perseguirem Jesus e tentarem condená-lo à morte.
Jesus antes de ser um líder político, era antes de tudo um líder espiritual que veio
ao mundo para ensinar aos homens que a vida terrena é passageira, efêmera e transitória
e que a nossa verdadeira pátria é o mundo espiritual, que devemos conquistá-la através
da prática do amor e da caridade.
Todos os seus ensinamentos remetem ao amor e ao perdão. Ele nunca disse que
os homens deviam acumular tesouros terrenos a custa de qualquer preço, mesmo que
para isso fosse necessário roubar, enganar e matar. Seu corpo era humano, mas a sua
essência é divina.
A Igreja Católica durante o seu percurso histórico, deu vários exemplos de
usurpação de poder, matou inocentes considerados hereges em nome da verdadeira fé e
instaurou sua repressão ideológica em favor de seu fortalecimento político. Ela burlou e
exterminou com documentos sagrados em benefício de sua doutrina, e grande parte da
humanidade ainda hoje continua enganada com alegorias mentirosas forjadas
propositalmente. No próximo capítulo continuarei a desmitificar outras estórias que
ainda hoje recebem crédito de grande parte do mundo cristão.

26
1.3 Os eventos da tentativa da crucificação de Cristo e a fuga de
Maria Madalena para o sul da França.

Vimos nos dois capítulos anteriores que em várias passagens do Novo


Testamento há comprovações da relação marital entre Jesus e Maria Madalena, assim
como as manipulações feitas para que essa verdade fosse ocultada. O atual Novo
Testamento que conhecemos se formou no Concílio de Cartago em 397 d.C quando os
bispos ordenaram que todos os outros evangelhos considerados heréticos fossem
destruídos para que nenhuma pista pudesse sobreviver para a comprovação desta
verdade.

No evangelho de Filipe há um trecho que declara explicitamente a relação


matrimonial de Jesus e Maria Madalena:

A sabedoria que os humanos chamam de estéril é a Mãe dos Anjos. E


a companheira de Cristo é Maria Madalena. Ele amava Maria mais que a todos
os outros discípulos e, com frequência, a beijava na boca. Disseram- lhe: Por
que a amas mais que a todos nós? O Salvador respondeu: Por que não os amo
como a ela.

(Evangelho de Filipe, p. 148)

Os apóstolos principalmente Pedro tinham um certo antagonismo em relação ao


fato de Jesus dizer que amava Maria Madalena mais do que a eles próprios.
No evangelho de Maria Madalena da biblioteca de Nag-Hammadi, há uma
descrição que mostra a disputa de Pedro em querer se sobrepujar à importância que
Maria Madalena tinha no corpo apostólico:

E os apóstolos choravam copiosamente, dizendo: Como poderemos ir até os


gentios e pregar o evangelho do Reino do Filho do Homem? Se foram cruéis
com ele, não serão cruéis conosco? Tendo conversado com Jesus no sepulcro,
Maria Madalena foi capaz de replicar: Parem de chorar. Não há necessidade
de pesar. Em vez disso, tenham coragem, pois a graça dele estará com vocês e
ao redor de vocês, e irá protegê-los.
Pedro, então diz a Maria: Irmã, sabemos que o Salvador a amava mais que a
qualquer outra mulher. Diga- nos tudo que possa lembrar o que o Salvador
disse quando estavam sozinhos- tudo o que sabe dele, mas que nós não
sabemos.
Maria então contou o que Jesus lhe dissera: Abençoada seja você por não
tremer com a minha visão; pois, onde está a mente, há o tesouro. Então, André
respondeu e disse para os irmãos: Diga o que quiser dizer o que ela falou. Eu,
de minha parte, não acredito que o Salvador tenha dito isso. Pois esses
ensinamentos carregam ideias estranhas.

27
Ouvindo isso, Pedro os inquiriu sobre o Salvador: Ele realmente teria falado
em particular com uma mulher e não abertamente conosco? Assim:
Maria chorou e disse a Pedro [...] Achas que eu pensei tudo isso sozinha, ou
que não estou dizendo a verdade sobre o Salvador? Levi respondeu e disse
para Pedro [...] Tu sempre foste de temperamento quente. Agora te vejo
discutindo com a mulher como se ela fosse inimiga. Mas, se o Salvador a
considerou valiosa, quem és tu, na verdade, para rejeitá-la? O Salvador com
certeza a conhece o suficiente.

(Evangelho de Madalena)

Estes trechos mostram claramente a importância que Maria Madalena ocupava


na vida de Jesus e por isso estes textos foram motivos de extermínio pelos padres da
Igreja primitiva, pois a importância feminina se sobressaía sobre a importância de
Pedro, o fundador da Igreja Católica. A dominação masculina dentro da Igreja deveria
ser preservada a qualquer custo e estes textos que mostravam a importância de Maria
Madalena sem dúvida alguma era uma ameaça para a estrutura celibatária da Igreja.
Tanto o casamento de Jesus e Maria Madalena juntamente com sua descendência
foram ocultados assim como a verdadeira história da crucificação de Jesus também o
fora.
Laurence Gardner foi um renomado historiador e era membro da sociedade
secreta dos cavaleiros templários de Londres. Ele teve acesso a muitos documentos
históricos como, por exemplo, os da Abadia de Glastonbury que foram ocultados pelos
monges de forma que a Inquisição não pudesse chegar até eles para serem destruídos.
O mesmo autor publicou em 2004 sua obra A Linhagem do Santo Graal que
chocou a opinião da Igreja Católica quando este afirmou em alguns capítulos que Jesus
escapou da crucificação por intermédio de um plano de Herodes Antipas e o governador
da Judéia, Pôncio Pilatos. Essa tese abalou as estruturas doutrinárias da Igreja, pois o
autor além de possuir fontes históricas autênticas também fez várias comprovações de
que Cristo não morreu na cruz e que também não ressuscitou através de citações de
passagens bíblicas.
Os quatros evangelhos afirmam que o local da crucificação foi num campo
infértil nos arredores da cidade de Jerusalém chamada de Gólgota que é uma palavra
grega que significa caveira. A mudança de todo o contexto histórico do cenário de onde
ocorreu a última ceia de Jesus com seus apóstolos e sua esposa Madalena e o local da
crucificação tem origem numa passagem de Apocalipse(11:8):

28
“E os seus corpos ficarão estendidos nas praças da grande cidade, que se chama
espiritualmente Sodoma e Egito onde também o Senhor deles foi crucificado.”

E então Gardner conclui (GARDNER, 2006, p. 91):

Isso positivamente identifica o local do cemitério como sendo Qumrã, que foi
designado Egito pelo Terapeutato, e associado geograficamente com o centro
de Sodoma, no Antigo Testamento.

Isso quer dizer que o cenário da paixão de Cristo aconteceu em Qumrã e não em
Jerusalém conforme é descrito nos quatros evangelhos. Esse argumento é válido pelo
fato de Qumrã ser a cidade espiritualista dos essênios que abrigava uma sinagoga
judaica onde Jesus e seu irmão Tiago estudaram a maior parte de suas vidas os
princípios da religião judaica onde Tiago graduou-se como membro do Sinédrio.
Conforme já foi dito o livramento de Jesus aconteceu através de um plano de
Herodes Antipas (Lucas 23:7-12). Ele não era amigo do sumo sacerdote Jônatas Anás
(o antigo apóstolo Tiago Alfeu que comprou Judas Iscariotes por trinta moedas de ouro
para capturar Jesus) e seu propósito era que Jesus fosse libertado para provocar seu
sobrinho, o rei Herodes Agripa. Assim Antipas fez um acordo com Pilatos para garantir
a libertação de Jesus.
Desta forma Pilatos perguntou várias vezes ao povo que não via crime nenhum
em Jesus e interrogou a multidão se queriam soltar Jesus ou Barrabás.
A cinematografia por várias vezes retratou este personagem bíblico, Barrabás,
como um homem rude, sujo, cabeludo e barbudo, fazendo-se uma referência a um
assassino perigoso.
Na verdade Barrabás se tratava de um ancião chamado Tadeu que juntamente
com Simão Lázaro e Judas Iscariotes lideravam o partido zelote, sendo que Tadeu por
ser o mais velho dentre eles fora preso como chefe da facção contrária à dominação
romana.
A palavra grega para designar Barrabás no texto original é léstés e significa
contra-lei e não ladrão.
Tadeu antes de se integrar ao partido zelote era um assistente da sucessão de
Alfeu, um assistente do Pai9 e, portanto, um devoto filho do Pai. Traduzindo esta

9
A palavra Pai aqui se refere ao cargo máximo da hierarquia judaica no Sinédrio, ou seja, ao Sumo
Sacerdote.

29
hierarquia pode-se dizer que Tadeu fazia parte do Sinédrio e assim como Simão Lázaro,
foram expulsos por apresentarem ideias agitadoras em querer romper com a política
romana. Simão Lázaro fora expulso do cargo de Sumo Sacerdote por intervenção de seu
colega e ex-apóstolo Tiago Menor, que ocupou o seu lugar.
A palavra Barrabás pode explicar perfeitamente o seu ex-cargo de “filho do Pai”
ou assistente de Alfeu (Sumo sacerdote). Bar em hebraico significa filho e Abba
significa Pai. Portanto Barrabás significa filho do Pai. Aí esta a prova de que Tadeu e
Barrabás são a mesma pessoa.
Pilatos perguntou novamente à multidão se ela queria soltar Jesus ou Barrabás
ao que a multidão respondeu: “Fora com este! Solta-nos Barrabás!” (Lucas 23:18).
Pilatos ainda insistiu dizendo que não via nenhum crime em Jesus mais a multidão
enfurecida gritava: “Crucifica-o!” Finalmente Pilatos cedeu e libertou Barrabás e
mandou que seus soldados açoitassem Jesus. É claro que o castigo não fora tão severo
conforme é narrado nos quatros evangelhos, pois Pilatos queria que Jesus se mantivesse
vivo.
No julgamento de Jesus, Judas Iscariotes e Simão Lázaro também foram
sentenciados à crucificação pelos crimes de atentado contra a autoridade romana, mas
assim como Jesus, tiveram castigos leves.
A via crucis revela outra personagem muito misteriosa chamada de Simão
Cireneu que se ofereceu em ajudar a carregar a cruz de Jesus. Na verdade se tratava de
um mago samaritano amigo de Simão Lázaro e estava combinado com este último a
substituí-lo na confusão geral entre a multidão. Na verdade Cireneu tomou a cruz de
Lázaro para que este pudesse fugir e tomar as providências necessárias para enganar as
autoridades judaicas fazendo-os crer que Jesus estava morto na cruz. Na cena da
crucificação os quatro evangelistas descrevem dois homens que foram crucificados
como ladrões ao lado de Jesus. Na verdade essas duas testemunhas nada mais eram do
que Simão Cireneu e Judas Iscariotes. Simão Lázaro fazia-se presente às escondidas,
portanto São João no seu Apocalipse descreve essas duas testemunhas no seu capítulo
chamado de As duas testemunhas (11:3-13):

30
E darei as minhas duas testemunhas o poder de profetizar, revestidos de sacos,
durante mil duzentos e sessenta dias. Estes são as duas oliveiras e os dois
candeeiros, postos diante do Senhor da terra. E se alguém lhes quiser fazer mal,
sairá fogo das suas bocas, que devorará os seus inimigos; e, se alguém os
quiser ofender é assim que deve morrer. Eles têm poder de fechar o céu, para
que não chova durante o tempo que durar a sua profecia; e tem poder sobre as
águas para convertê-las em sangue, e diferir a terra com o todo gênero de
pragas, todas as vezes que quiserem. E, depois que tiverem acabado de dar o
seu testemunho, a fera10, que sobe do abismo, fará guerra contra eles e vencê-
los-á, e matá-los-á. E os seus corpos ficaram estendidos na praça da grande
cidade, que se chama espiritualmente Sodoma e Egito, onde também o senhor
deles foi crucificado.
E os homens das diversas tribos e povos, e línguas, e nações, verão os seus
corpos durante três dias e meio11; e não permitirão que seus corpos sejam
sepultados12. E os habitantes da terra se alegrarão por causa deles, e farão
festas, e mandarão presentes uns aos outros, por que estes dois profetas tinham
atormentado os ímpios que habitavam sobre a terra13. Mais depois de três dias e
meio, o espírito de vida entrou neles da parte de Deus. E eles levantaram- se
em pé, e apoderou-se um grande temor dos que o viram. E ouviram uma grande
voz do céu, que lhes dizia: Subi para cá. E subiram ao céu numa nuvem; e
viram-nos os seus inimigos. E naquela mesma hora deu-se um grande
terremoto, e caiu a décima parte da cidade; e no terremoto foram mortos sete
mil homens; e os restantes foram atemorizados, e deram glória ao Deus do céu.

Então as duas testemunhas protegidas e santificadas a que se refere S. João são


Simão Lázaro e Simão Lázaro que foi substituído por Simão Cireneu.
No cenário da crucificação havia soldados romanos que estavam cientes das
ordens do governador Pôncio Pilatos de que Jesus não deveria morrer. Para que as
autoridades judaicas acreditassem que Jesus havia morrido, Simão Lázaro por ser um
mago samaritano e profundo conhecedor das plantas medicinais e da manipulação de
venenos, ministrou um preparado de vinho azedo misturado com veneno de cobra que
administrado em pequenas doses levava a pessoa a um estado de coma parecido com a
morte. Esta passagem está em João (19:30) " e Jesus tendo tomado o vinagre disse:
Tudo está consumado. E, inclinando a cabeça, rendeu o espírito”.
O veneno não foi dado a Jesus em uma caneca, mas sim numa esponja e em
doses medidas. Os soldados romanos quebraram as pernas dos sentenciados Judas
Iscariotes e Simão Cireneu que estava substituindo Simão Lázaro, conforme é descrito
em João (19:31-34):

10
Referência aos imperadores Romanos Tibério, Calígula e Nero.
11
Referência ao tempo utilizado por Lázaro para sanar as fraturas das pernas de Simão Cireneu.
12
Outra referência de que Simão Cireneu e Judas Iscariotes não morreram, portanto não deviam ser
sepultados.
13
Referência à atividade zelote de Simão Lázaro e Judas Iscariotes

31
Ora os Judeus, visto que era a Parasceve para que não ficassem os corpos na
cruz no sábado, porque aquele dia de sábado era de grande solenidade, rogaram
a Pilatos que lhe fossem quebradas as pernas, e fossem dali tirados. Foram,
pois os soldados, e quebraram as pernas ao primeiro e ao outro que com ele
fora crucificado. Mas, quando chegaram a Jesus tendo visto que já estava
morto não lhe quebraram as pernas [...].

Ao se certificarem de que Jesus estava morto os anciãos do templo se retiraram


do calvário. Enquanto isso, José de Arimatéia estava negociando com Pilatos para
remover o corpo de Jesus e colocá-lo em seu sepulcro. Na verdade esse personagem
bíblico nada mais era do que Tiago, o irmão de Jesus.
Foi então que José de Arimatéia (Tiago) teve a permissão do governador Pôncio
Pilatos e retirou Jesus da cruz e Simão Cireneu e os levou para o seu sepulcro particular
para que eles pudessem receber os cuidados da equipe de Simão Zelote.
Judas Iscariotes não teve a mesma sorte, pois por ele ter traído Jesus, seu corpo
foi atirado do alto de um penhasco, assim como é relatado num versículo dos Atos dos
Apóstolos (1:16-18):

Meus irmãos, é necessário que se cumpra o que o Espírito Santo predisse na


Escritura por boca de Davi, acerca de Judas, que foi o guia daqueles que
prenderam Jesus; ele, que estava alistado entre nós, e que teve parte neste
ministério. Este homem adquiriu um campo com o salário da sua iniquidade, e,
tendo-se pendurado, rebentou pelo meio, e todas as suas entranhas se
derramaram.

A palavra Arimatéia não é um lugar e nem um sobrenome. Podemos analisar


todo o Novo Testamento que não iremos encontrar uma designação geográfica e de
nome para essa palavra. Na verdade a palavra Arimatéia é uma mistura de elementos
hebraicos e gregos. Os componentes hebraicos ha ram ou ha rama significam do alto,
do topo e o grego Theo é relativo a Deus - juntos significam "Do mais alto de Deus"( ha
rama Theo) e, como um título pessoal, Nobreza Divina. Quando o filho dinástico da
casa de Judá sucedeu e tornou-se David (o rei), seu filho mais velho (o príncipe
coroado) tornou-se José. Portanto Tiago (o mais velho dos três irmãos de Jesus, nascido
em 1 d.C) foi denominado José (do hebraico: Yosef, que significa "Ele acrescentará.")
Dessa forma, ele era o José ha rama Theo, que depois ficou alterado linguisticamente
para José de Arimatéia.14 Logo se conclui que José de Arimatéia e Tiago, o irmão de
Jesus, eram a mesma pessoa.

14
Uma das várias alterações linguísticas realizadas pelos bispos da Igreja na compilação do Novo
Testamento como forma de desviar a atenção dos leitores sobre a família consanguínea de Jesus.

32
Não foi surpresa que o governador Pôncio Pilatos teria liberado o corpo para
alguém da família da mesma forma para que cuidassem dos procedimentos do
“sepultamento”.
Depois de ter tido permissão para “sepultar” o irmão Jesus, Tiago só aguardava a
atuação de Lázaro e de sua equipe de magos samaritanos. O dia após esse fato era o
sábado, o dia sagrado dos judeus, ou seja, o sabá. Nesse dia os judeus não podiam fazer
absolutamente nada, nem ao menos levantar pesos, pois se assim o fizessem estariam
cometendo um pecado gravíssimo. Portanto Lázaro e sua equipe tinham apenas algumas
horas para expelir o veneno no corpo de Cristo e sanar as fraturas ósseas de Simão
Cireneu.
Segundo Gardner (GARDNER, 2006, p.95):

O corpo de Jesus ocupava a câmara principal. Dentro dos confins da câmara


dupla, Simão Zelote já estava em seu posto, com lâmpadas e tudo de que
precisasse para a operação (detalhe interessante, havia uma lâmpada entre os
objetos encontrados dentro da caverna, nos anos 50).

Então, segundo João (19:39), Nicodemos chegou " levando cerca de cem libras
de um composto de mirra e aloés."
E Gardner continua (2006, p.96):

Extrato de mirra era uma forma de sedativo de uso comum na prática medicinal
da época. Mas para que tamanha quantidade de aloés? O suco de aloé, como
explica a moderna farmacopéia, é um purgativo forte e de rápido efeito:
exatamente o que seria necessário para expelir o fel (veneno) do corpo de
Jesus.

Desta forma ficou claro que o extrato de mirra e o suco de aloé levados por
Nicodemos até a gruta onde Jesus estava juntamente com Simão Zelote e os seus
companheiros era na verdade um preparado para expurgar o veneno do corpo de Jesus e
não para embalsamá-lo como afirmaram os outros evangelistas.
É interessante notar o fato de Jesus ter aparecido para sua esposa Maria
Madalena somente no terceiro dia, ou seja, no domingo de Páscoa.
Conforme já foi dito no capítulo anterior, Lázaro “ressuscitou” dentre os mortos
no terceiro dia de sua excomunhão, pois se ele estivesse ainda “morto” perante a lei
judaica depois do quarto dia ele não poderia mais ser considerado um sacerdote judeu,
pois sua excomunhão teria se efetivado. Com Jesus isso também não foi diferente.
Depois de ter se recuperado de seu estado de coma induzido pelo veneno de cobra ele

33
aguardou a madrugada do domingo para poder sair, cumprindo assim com os rituais
judaicos, “ressuscitando” no terceiro dia.
Esse estado de ressuscitado ganha outra conotação se levarmos em consideração
os costumes judaicos do Templo, uma vez que a ressurreição carnal de Jesus nunca
aconteceu de fato e sim o que houve foi uma ressurreição espiritual.
Segundo João (20:11-18), Maria Madalena foi ao sepulcro na madrugada de
domingo e encontrou dois anjos vestidos de branco. Na verdade esses dois anjos eram
Simão Lázaro e Tadeu e vestiam túnicas brancas por serem ex-membros do Sinédrio.
Eles perguntaram à Maria Madalena por que ela estava chorando e ela disse que
chorava porque levaram seu Senhor dali e ela não sabia onde o puseram. Eis que surge
Jesus em pé, porém Maria o confunde com o jardineiro até o momento em que Jesus a
chama por Maria e ela o reconhecendo diz: Mestre! Jesus diz a sua esposa: “Não me
toques!”
Ele disse “Não me toques!” porque Maria estava grávida e de acordo com as
regras do casamento dinástico a esposa não podia ter nenhum tipo de contato físico com
o marido durante o período de gestação.
Os apóstolos quando viram Jesus pela primeira vez ficaram todos espantados e
muitos tiveram dificuldade de acreditar que realmente era o mestre que estava ali no
meio deles. Da mesma forma ocorreu com Lázaro, pois todos acreditavam que ele
estava morto como Jesus.
Gardner observa (2006, p.99) : “Afirma-se com frequência que após quase dois
mil anos cerca de três quartos da população mundial não aceitam a ideia de ressurreição
física”.
Esse dogma católico antes de ser considerado divino possui um elemento
perturbador, pois infere que a ressurreição corporal aconteça no dia do Juízo Final com
todos os habitantes da Terra vivos e mortos. O próprio Paulo de Tarso em sua primeira
epístola aos Coríntios (15:12-17) hesita claramente que Cristo ressuscitou:

E, se se prega que Cristo ressuscitou dos mortos, como dizem alguns entre vós,
que não há ressurreição dos mortos? Pois, se não há ressurreição dos mortos,
também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é, pois, vã a nossa
pregação, é também vã a nossa fé; e somos assim considerados falsas
testemunhas de Deus, porque demos testemunho contra Deus dizendo que
ressuscitou a Cristo, ao qual não ressuscitou, se os mortos não ressuscitam.
Porque, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E, se
Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, porque ainda permaneceis nos vossos
pecados.

34
Fica claro nesta passagem de Paulo que a ressurreição de Cristo não aconteceu e
o mais incrível é que esta passagem é tão nítida que os padres não fizeram questão de
removê-la conforme já haviam feito em várias outras passagens bíblicas.
Na verdade a ressurreição carnal foi um pressuposto criado por Paulo para atrair
mais fiéis para sua doutrina, e ela sempre foi vista com reprovação pelo irmão de Jesus,
Tiago, que considerava Paulo um fanático. Foi Paulo quem produziu através de
alegorias esse Jesus sobrenatural sustentado durante séculos pela Igreja Católica.
Jesus depois de ter se livrado da morte refugiou-se num monastério aos
arredores de Qumrã e esperou seu momento para voltar ao seu ministério religioso.
Começou uma nova campanha com seus apóstolos por toda a Ásia menor,
Oriente e Índia. Em 37 d. C Maria Madalena deu à luz um menino que deu o nome do
pai, Jesus. Mais tarde ele ficou conhecido como Jesus II, o Justo.
Nessa fase, Tiago o irmão de Jesus juntamente com Simão Lázaro e seus
seguidores nazarenos tornaram-se uma ameaça crescente para a autoridade de Roma em
Jerusalém. Como resultado disso o apóstolo Tiago Boanerges fora executado por uma
espada a mando do rei Herodes de Cálcis no ano de 44 d.C. Simão Lázaro preparou uma
vingança envenenando e matando o rei Herodes Agripa e depois disso foi perseguido,
jurado de morte tendo que fugir e se esconder das autoridades romanas. Isso colocou
Maria Madalena em uma situação muito delicada, pois o rei Herodes de Cálcis sabia da
relação íntima de parentesco que Maria tinha com Lázaro. Maria Madalena estava
grávida novamente e ela corria risco de vida juntamente com seu filho dentro do ventre.
Em Apocalipse (12:1-6) há uma passagem em que essa situação de perigo é relatada
claramente:

Depois apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, e a lua
debaixo de seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça; e,
estando grávida, clamava com dores de parto, e sofria tormentos para dar a luz.
E foi visto um outro sinal no céu: era um grande dragão vermelho, que tinha
sete cabeças15 e dez pontas, e nas suas cabeças sete diademas e a sua cauda
arrastava a terça parte das estrelas do céu, e as precipitou na terra; e o dragão
parou diante da mulher, que estava para dar a luz, a fim de devorar o seu filho,
logo que ela o tivesse dado a luz. E deu a luz um filho varão que havia de reger
todas as gentes com vara de ferro; e seu filho foi arrebatado para Deus e para o
seu trono, e a mulher fugiu para o deserto, onde tinha um retiro que Deus lhe
havia preparado, para aí a sustentarem durante mil, duzentos e sessenta dias.

15
Referência a Roma e aos seus sete reis fundadores.

35
Assim ela apelou pela proteção de um antigo aluno de Paulo, o jovem Herodes
Agripa II, que conseguiu sua partida para o estado herodiano em Gaul, ou Gália, atual
território francês.
Lázaro estava jurado de morte e não tinha outra escolha a não ser fugir com sua
sobrinha Maria Madalena. Então no ano de 44 d. C Lázaro mais sua consorte Helena-
Salomé, sua irmã Marta com sua serva Marcela, acompanhada de Felipe, o apóstolo e
seu companheiro Trófimo (São Trófimo de Arles) mais as duas irmãs de Jesus, Sarah-
Salomé e Maria Jacó embarcaram na cidade de Cesaréia, cruzaram o Mar Mediterrâneo
e chegaram à cidade de Marselha no sul da França.
Ao se estabelecerem em Marselha Maria Madalena e seus companheiros não
tiveram muita dificuldade com a língua do local, pois até o século V a língua oficial da
Gália era o grego. Lá os habitantes de Marselha fundaram uma igreja em homenagem a
Maria Madalena que mais tarde ficou conhecida como a Igreja de La Sainte-Baume (do
Santo Bálsamo).
No ano de sua chegada a Marselha, Maria Madalena deu à luz o seu terceiro e
último filho que deu o nome de Josefes em homenagem ao pai de Jesus. Isso significava
que Jesus sabia do paradeiro de sua esposa e conforme as regras dinásticas do
casamento messiânico os dois só poderiam ter relações sexuais depois de seis anos após
sua esposa ter tido um filho varão. Caso tivesse uma menina o período de abstinência
seria de três anos. Todas essas regras batem perfeitamente com as datas dos nascimentos
dos três filhos de Jesus: Tamar nasceu em 33 d. C e, portanto Jesus e Maria Madalena
só puderam ter relações sexuais três anos depois, ou seja, Maria Madalena concebeu
Jesus II em 36 d. C dando à luz em 37 d.C . Depois de ter tido Jesus II, Jesus e Maria
Madalena deveriam esperar seis anos para ter relações sexuais da mesma forma e Maria
Madalena concebeu Josefes em 43 d.C dando à luz em 44 d .C.
Maria Madalena juntamente com as irmãs de Jesus se fixou na região da
Provença e passaram os seus últimos dias pregando os ensinamentos de Jesus para a
população daquela região. Maria Madalena era vista como uma alta sacerdotisa, era
muito respeitada e foi muito venerada pelas pessoas que a conheceram.

36
Segundo Gardner (GARDNER, 2006, p. 113):

Jesus II, conhecido também como Gais ou Gésu na tradição do Graal, ao


completar nove anos de idade, passou a receber a educação em Cesaréia. Três
anos depois, Jesus Cristo passou pela cerimônia de seu Segundo Casamento em
Provença. Segundo os costumes, simbolicamente ele nasceria de novo do
ventre de sua mãe, quando tivesse doze anos- seu Primeiro ano como iniciado
[...]
Em 53 d. C, Jesus Júnior foi oficialmente proclamado Príncipe da Coroa na
Sinagoga em Corinto, recebendo o devido título de Justus (o Justo-Atos 18:7).
Com isso, ele era o sucessor formal de seu tio, Tiago, o Justo, como herdeiro
real. Atingindo a maioridade aos dezesseis anos, Jesus Justo também se tornou
o nazireu chefe, tendo direito à túnica preta do posto[...]

Jesus Justo foi um grande líder nazareno chegando a se graduar na sinagoga


integrando-se no corpo religioso do Sinédrio. Ele possuía um fervor religioso tão grande
que sua eloquência era admirada pelos homens mais cultos e instruídos das sinagogas.
Em 73 d. C ele se casou com uma neta de Nicodemos e teve um filho chamado Galains
que era conhecido como Alain na tradição do Graal. Alain não se casou por ser muito
religioso, e sendo um celibatário convicto, não deixou descendentes.
Seu tio Josefes foi destinado à escola druídica no norte da França e também se
casou. Seu filho Josué deu origem aos reis pescadores e posteriormente aos primeiros
reis merovíngios, de onde Meroveus é descendente.
Maria Madalena e Jesus se viram poucas vezes depois do nascimento de Josefes,
pois a missão espiritual de Jesus ainda não estava completa e ele sempre viveu se
escondendo da morte e da perseguição romana.
Quando Jesus disse a Pedro: “Tu és pedra, e sobre esta pedra edificareis a
minha igreja”, na verdade Jesus estava se referindo à rocha de Israel, pois o seu desejo
era que a sua Igreja fosse sediada em Jerusalém. Pedro nunca foi nomeado bispo e nem
tão pouco foi o primeiro papa da Igreja Católica. Quando mudou sua sede de Antioquia
para Roma, no ano 42 d. C, na verdade ele fora influenciado por um convite de Paulo
que estava em Roma pregando aos romanos e Pedro viu uma ótima oportunidade de
fundar a Igreja de Cristo em meio a um fervor religioso que Paulo incitava nas pessoas e
propagar mais facilmente o cristianismo.
Lázaro e Felipe16 continuaram suas peregrinações por boa parte do continente
europeu e asiático. Tiago, o Justo, irmão de Jesus continuou sua campanha em
Jerusalém, mas ele era do partido zelote e suas ideias eram revolucionárias ao ponto de

16
O apóstolo Feilpe era natural da cidade de Betsaida, cidade onde havia predominância da pesca,
próxima a Cafarnaum, situada na Galiléia, assim como os apóstolos, André, Pedro, Tiago e João

37
querer a expulsão completa dos romanos no território judeu. Isso fez com que os judeus
sectários do Templo que temiam a autoridade romana o excomungassem do Sinédrio no
ano de 62 d. C. Ao ser condenado por apedrejamento, Tiago fugiu de Jerusalém e se
instalou na Britânia (atual Inglaterra), na cidade de Glastonbury, fundando a primeira
Igreja do mundo ocidental cristão. É importante ressaltar aqui a forte divergência que
havia entre o irmão de Jesus, Tiago e o apóstolo Paulo durante o período em que os dois
pregavam os ensinamentos de Jesus. Tiago possuía uma doutrina mais fechada ao
círculo dos nazarenos e era contra a introdução dos gentios na religião judaica. Para ele
os gentios não podiam tomar parte dos rituais judeus e nem serem circuncidados, uma
vez que esta prática estava exclusivamente destinada aos judeus. Paulo de Tarso por sua
vez era a favor de que os gentios tomassem parte dos rituais judaicos inclusive do
conhecimento da palavra de Cristo, pois para ele a exclusão dessas pessoas infringia
uma lei básica que o Cristo ensinara que se baseava no “Amai-vos uns aos outros como
eu vos amei a e ao próximo como a ti mesmo”. “Ide ao mundo e pregai aos povos e às
nações o Evangelho.” Estes princípios norteavam a pregação de Paulo e Tiago era
extremamente contrário tanto que os dois chegaram a se debater em várias ocasiões em
cidades gregas e judias, onde Tiago acusava Paulo de ser o apóstata da fé.
Segundo Gardner, depois da excomunhão de Tiago ele se mudou para a Britânia
fundando a abadia de Glastonbury e seus descendentes deram origem à família
Pendragon, cujo famoso rei Artur era descendente. Fica claro que o cálice que Jesus
usara na última ceia ou o Santo Graal tão procurado pelos cavaleiros da Távola redonda
na verdade nada mais era do que a proteção à perpetuação do sangue real (Saint-
Greal/Saing-Real).
Tiago recebera do rei Arvirargus um lote de terras em troca de seus favores de
fundidor de metais. Com esse lote ele fundou a abadia de Glastonbury onde mais tarde
ele e as irmãs de Jesus, Maria Jacó e Sarah- Salomé foram enterrados e os seus restos
mortais ainda se encontram na cripta da abadia.
A filha de Maria Madalena e de Jesus, Tamar ou Dâmaris se casou com o
apóstolo Paulo em Atenas em 53 d. C.
Maria Madalena faleceu no ano 63 d.C com sessenta anos de idade. Seus restos
mortais ficaram guardados durante séculos na igreja de La Sainte-Baume em Marselha
sob a proteção dos monges cassianos. Seus restos mortais também foram alvo de
perseguição por parte dos clérigos e imperadores romanos, pois eles não podiam deixar
nenhuma pista de que a esposa de Cristo um dia realmente existiu. Mas apesar das duras

38
perseguições, seus restos mortais sobreviveram. Maria Madalena sempre foi
considerada uma prostituta e fora canonizada como a Santa dos pecadores arrependidos.
Durante os quase dois mil anos de existência da Igreja sua figura foi alvo de difamação
e calúnia, pois o sangue real deveria ser ocultado para que a Igreja Católica se
mantivesse firme em seus dogmas e em sua doutrina.
Jesus viveu aproximadamente até os seus oitenta anos e não se sabe onde tenha
morrido e sido sepultado. Há muitas teorias acerca deste assunto e uma das hipóteses é
que ele tenha morrido na Índia, onde pregou muitos anos ao lado do seu apóstolo Tomé.
(GARDNER, 2006).
Essa é uma nova versão da vida de Jesus e Maria Madalena refutada pela Igreja
Católica, porém nela existem muitos temas coerentes que são provados por passagens
bíblicas conforme foi mostrado.
O objetivo desta parte do trabalho foi mostrar o porquê deste segredo ter sido
considerado sombrio pelos vários séculos que se seguiram sobre a vida e morte de Jesus
e Maria Madalena.
Os herdeiros do sangue de Cristo ficaram conhecidos como Desposyni que em
grego significa herdeiros do senhor. Os imperadores romanos que sucederam Tibério no
ano da “crucificação” de Cristo perseguiram cruelmente os cristãos até a morte e
também a família de Jesus. Os Desposyni reivindicavam a verdadeira Igreja de Cristo
para eles com sede em Jerusalém dizendo que a Igreja fundada por Pedro em Roma não
era a legítima. Por isso os bispos se aliaram aos imperadores para persegui-los até a
morte, pois eles representavam uma grande ameaça ao poder clerical. Tito e Domiciano
decretaram que os herdeiros do senhor fossem perseguidos e mortos e durante os anos
de 80 d.C, os Desposyni tiveram que viver escondidos em criptas para que não fossem
exterminados.
Os Desposyni passaram a viver em circuitos fechados para se protegerem de
assassinatos. Conforme se passaram os anos, os sobreviventes desta família começaram
a criar poderes nas províncias da Gália e passaram a ocupar cargos políticos
importantes, dando origem a uma dinastia de reis chamada de dinastia Merovíngia, em
homenagem ao seu fundador, Meroveus I.
Essa dinastia durou cerca de trezentos anos e o próximo capítulo tentará
sintetizar sua trajetória.

39
1.4 Os merovíngios, descendentes de Jesus e Maria Madalena, e a

disputa de poder com a emergente Igreja Católica.

Segundo Martin Lunn, os Merovíngios dominaram boa parte das atuais França e
Alemanha entre os séculos V e VII. Os filhos que recebiam os títulos tornavam-se reis
automaticamente quando completavam doze anos. Seu papel não era governar: isso era
deixado para seus administradores do palácio. Esperava-se que eles simplesmente
existissem como representantes do papel, guardando o poder e a situação similares aos
de um monarca constitucional do século XXI. A eles também era permitido os prazeres
da poligamia e às vezes tiravam grande vantagem deste privilégio. A origem do nome
desta dinastia vem de seu progenitor, Meroveus (411d.C-458d.C). A lenda conta que
Meroveus nasceu de dois pais. A estória contada é, sem dúvida, alegórica e refere-se à
aliança de duas dinastias através do seu nascimento.
Conta-se que sua mãe já estava grávida de seu marido quando foi nadar no mar.
Ela foi seduzida por uma criatura marinha e a fecundou pela segunda vez. Quando
Meroveus nasceu, então, tinha o sangue de duas fontes que corria em suas veias: o de
seu pai Franco, o imperador, e o de um animal marinho.
Esta mitologia na verdade fora usada pelos merovíngios para se fazer uma
alusão ao símbolo do peixe, que representava o cristianismo nas suas primeiras eras e
por conseguinte o próprio Cristo. Desta forma, a fábula fazia uma alusão direta à
descendência de Meroveus por Cristo.
(LUNN, 2005)
Os Merovíngios possuíam características místicas e muitos deles tinham ligação
com a magia e o ocultismo. Segundo Martin Lunn,(LUNN, 2005, p.61):

O rei Childerico I era filho de Meroveus e pai de Clóvis. Quando a tumba de


Childerico I foi encontrada no século XVII, na região de Ardennes, Bélgica,
ela continha itens de feitiçaria, como a cabeça de um cavalo de bronze, a
cabeça de um touro dourado e uma bola de cristal.

Lembrando aqui que a religião dos francos nesse contexto histórico fora
fortemente influenciada pelo druidismo, religião celta, que era politeísta e impregnada
de rituais de magia.
Os francos sicambrianos eram descendentes diretos dos judeus e quando eles
migraram da Palestina para o sul da França, fugindo da invasão dos hunos, eles já

40
tinham se estabelecido como uma sociedade sofisticada, que se desenvolvera em linhas
romanas. Portanto, os merovíngios, que herdaram sua cultura, poderiam parecer seguir o
modelo imperial romano. Segundo Martin Lunn, (LUNN, 2005, p.62):

Clóvis I, filho de Childerico I, era neto de Meroveus e talvez o mais famoso


dos monarcas merovíngios, visto que ele foi o responsável pela introdução do
cristianismo romano na França.[...]
O cristianismo, nessa época, assumiu muitas formas diferentes. A Igreja
romana estava em constante conflito com a Igreja celta. Em 496 d.C, Clóvis
teve vários encontros secretos com São Remígio, bispo de Réims, o que o
levou a um acordo entre ele e a Igreja romana, segundo o qual o monarca agiria
como o braço forte da Igreja. Em troca, ele deveria governar sobre o que havia
sido o Sacro Império Romano de Constantino, que os visigodos e os vândalos
haviam destruído[...]
Depois da morte de Clóvis, seu reino foi dividido, de acordo com a tradição da
época, entre seus quatros filhos. Isso levou a um rompimento da coesão que
existia anteriormente e deu aos Administradores do Palácio a oportunidade
perfeita para conseguir mais poder.

Depois de Clóvis, Dagoberto foi o segundo rei mais importante da dinastia


merovíngia, pois foi através de suas conquistas que o território francês foi desenhado
aproximadamente na sua forma atual, porém foi o rei com o pior destino trágico.
Segundo Martin Lunn, (LUNN, 2005, p. 62):

O descendente de Clóvis, Dagoberto II nasceu em 651 d.C e quando seu pai


Sigisberto III morreu em 656 d.C , todos os esforços voltaram-se para evitar
que ele herdasse a Austrásia, (atual Bélgica), o nordeste do reino de Clóvis. O
Administrador do Palácio naquela época, Grimoaldo, sequestrou Dagoberto
assim que seu pai morreu e induziu a Corte a crer primeiro que Dagoberto
estava morto, e segundo, que Sigisberto queria que o filho de Grimoaldo
herdasse o trono. Ele foi tão convincente que até a mãe de Dagoberto
acreditou nele.
Dagoberto ainda criança fora exilado na Irlanda, pois Grimoaldo não teve
coragem de matá-lo. Ele se educou no monastério de Slane, perto de Dublin.
Depois de crescido e educado, através do bispo de York, Dagoberto se casou
com uma princesa celta, Matilde. O bispo de York queria muito unir as Igrejas
celta e romana, que haviam concordado com tal aliança no concílio de Whitby,
em 664. No entanto parece que o bispo de York também reconhecia o potencial
valioso de Dagoberto: o rei por direito da Austrásia que retornaria à França e
reclamaria a terra como militante representativo da Igreja. A esposa de
Dagoberto faleceu em 670 e Wilfred, o bispo de York, foi rápido para garantir
que a esposa seguinte fosse escolhida com cuidado. Ela era Gisèlles de Razes,
a filha do conde de Razes e sobrinha do rei dos visigodos. Esta aliança entre os
merovíngios e os visigodos não apenas colocaria boa parte da França sob as
mesmas regras, mais daria poder a Roma sobre os visigodos.
Eles se casaram na igreja de Santa Madalena, em Rennes-le-Château. Tendo
quatro filhas dos dois casamentos, Dagoberto seria pai de um filho em 676:
Sigisberto IV. Depois de viver três anos em Rennes-le-Château, Dagoberto foi
proclamado rei da Austrásia, região hoje equivalente à Bélgica. Ele
rapidamente procurou restabelecer a ordem de seu novo reino e aumentou
muito sua fortuna.

41
No entanto, o bispo de York ficou irritado com a atitude de Dagoberto em seguir
a doutrina arianista dos visigodos que segundo consta negava a divindade de Cristo ao
dizer que Jesus era um ser humano comum concebido de uma forma comum. Os
visigodos não eram vassalos de Roma e o bispo de York via a aliança de Dagoberto
com eles uma ameaça do poder da Igreja. Desta forma, os bispos católicos, juntamente
com o Administrador do Palácio rejeitado, Pepino, o Gordo, planejaram o assassinato de
Dagoberto no dia vinte e três de dezembro de 679 quando ele estava descansando sob
uma árvore depois de uma caçada. Seu genro supostamente se aproximou e obedecendo
às ordens de Pepino golpeou-o no olho, matando-o. A Igreja romana não perdeu tempo
em elogiar a ação. No entanto, talvez por remorso, ela canonizou Dagoberto em 872,
sendo sempre incapaz de explicar por que ele fora canonizado.
O assassinato de Dagoberto efetivamente marcou o fim da era merovíngia, pois
depois da sua morte ela entrou em declínio, embora tenha tentado apoiar-se muito em
sua situação por aproximadamente mais cem anos. Pepino, o Gordo, que ordenou o
assassinato de Dagoberto, teve seu filho ilegítimo Carlos Martel colocado em posição
de liderança. Apesar de sua excelente reputação militar e o fato da oportunidade estar lá
ele parece ter evitado reclamar o trono por respeitar os direitos dos merovíngios. O filho
de Carlos Martel, Pepino, o Breve, que era administrador do palácio do rei Childerico
III, sobrinho de Dagoberto, foi ao papa Zacarias I com uma delegação e perguntou:
“Quem deve ser o rei? O homem que realmente possui o poder ou aquele que, embora
chamado de rei, não tem poder algum?” O papa imediatamente concordou que Pepino
deveria ser o rei quebrando o acordo que havia sido estabelecido com Clóvis. É neste
contexto que entra um falso documento forjado pelo papa Zacarias com o intuito de
legalizar a posse do reino dos francos pelo filho de Carlos Martel, Pepino, o Breve.
(LUNN, 2005)
Em 751, um documento chamado de “A doação de Constantino” além de
garantir os domínios feudais da Igreja por toda a Europa, também decretava que o papa
era o único representante escolhido pelo próprio Cristo na Terra e só ele tinha o direito
de nomear reis.
Este documento passou pela análise científica no século XX e foi constatado que
o latim utilizado não era o mesmo usado no século IV, à época de Constantino, pois se
tratava de um latim usado no século VIII. Logo se concluiu que este documento nunca
fora escrito pelo imperador Constantino e sim um documento forjado para a Igreja
aumentar ainda mais o seu poder político e territorial.

42
Fica claro que a intenção do papa Zacarias ao legitimar Pepino, o Breve, na
linhagem de reis franceses era exterminar com a permanência do sangue real de Cristo
no poder monárquico da França.
Childerico III foi enviado para um monastério onde morreu quatro anos depois.
Com sua morte em 754, acabava também a dinastia merovíngia, e logo em seguida,
Pepino, o Breve se estabeleceu firmemente no trono dos francos no mesmo ano.
Pepino, o Breve, antes de sua coroação casou-se com uma princesa merovíngia,
muito provavelmente com a intenção de conservar o sangue real. Seu filho, Carlos
Magno, também fizera a mesma coisa. Casou-se com uma princesa merovíngia
perpetuando assim a descendência de Cristo na realeza dos francos. Desta forma a nova
dinastia, a carolíngia (em homenagem a Carlos Martel), seguiria por mais duzentos anos
de História.
De acordo com estas análises chega-se à conclusão que o sombrio segredo dos
homens sempre foi a relação matrimonial de Jesus e Maria Madalena, sua descendência
real e a luta destes descendentes por sua sobrevivência frente às terríveis perseguições
dos imperadores romanos e dos bispos da Igreja Católica.
A Igreja foi capaz de se aliar a um mordomo do Palácio, Pepino de Heristal e
exterminou com o penúltimo rei merovíngio com a intenção de que os descendentes de
Jesus e Maria Madalena fossem para sempre eliminados de seu verdadeiro direito sobre
a Igreja de Roma.
No próximo capítulo se evidenciará a forma como a figura de Maria Madalena
foi denegrida violentamente para que a sua verdadeira função de sacerdotisa de Cristo
fosse confundida com a de prostituta arrependida e as terríveis consequências que essa
fraude causou na interpretação do Cristianismo pelo qual conhecemos hoje.

43
Primeiro Epílogo

Neste primeiro capítulo fez-se uma nova elucidação sobre a personagem histórica da
Bíblia Maria Madalena. Foi explicado o motivo pelo qual os quatro evangelhos
canônicos passaram a ideia de que ela era uma prostituta arrependida e não a de uma
sacerdotisa preparada para ser a esposa de Jesus. Era necessário e imprescindível para
os padres da Igreja primitiva fazer com que este fato fosse ocultado nos textos sagrados
para que a Humanidade jamais soubesse da relação matrimonial de Jesus e Maria
Madalena. Este capítulo também elucidou outros personagens bíblicos que tinham
relações estreitas com Jesus e Maria Madalena cujas deturpações linguísticas e
extirpações de textos originais do grego desviaram a atenção da humanidade de quem
realmente eles eram e que papéis importantes ocuparam na vida de Jesus e Maria
Madalena. Foram mostrados com provas de passagens bíblicas que Cristo escapou à
crucificação e que ele não ressuscitou, vivendo aproximadamente até os oitenta anos de
idade, prosseguindo em sua missão evangelizadora. Esclareceu-se que a descendência
de Jesus e Maria Madalena fora cruelmente perseguida e lhe negado o direito à
verdadeira Igreja de Jerusalém pelo qual os ensinamentos do mestre Jesus foram
alicerçados durante a sua existência na Terra. Também ficaram claras as manipulações
políticas da Igreja Católica, o motivo de sua perseguição à família Desposyni e a
deturpação da imagem de Maria Madalena. No próximo capítulo far-se-á uma análise da
posição de Maria Madalena no passado, seu transcurso pela História e como a sua falsa
imagem de prostituta influenciou o pensamento ocidental, dando origem à repressão e a
demonização do sexo feminino, durante a Idade Média e como essa repressão
influenciou negativamente o inconsciente coletivo da humanidade que por muito tempo
julgou a mulher como um ser aliado do demônio e contrária às leis divinas. Em suma o
próximo capítulo tratará da destruição do sagrado feminino presente na sociedade
ocidental, resultado da deturpação do papel social e cultural da mulher no transcorrer de
um longo período histórico.

44
Capítulo 2: A Destruição do Sagrado Feminino

45
2.1 A deturpação contumaz e a popularização da imagem de
Maria Madalena feita pela Igreja Católica durante a Idade Média.

Santa Maria Madalena ou Madalena dos pecadores arrependidos, assim era


chamada e conhecida a consorte de Jesus durante a Idade Média até os dias de hoje.
Muitos fatores instigados pela Igreja Católica levaram essa personagem bíblica ao
entendimento coletivo de que ela se tratava de uma mulher de má vida que depois de
ter-se encontrado com Jesus se arrepende de seus pecados, e durante toda sua vida o
seguiu, depois se tornando Santa.
A confusão sobre a verdadeira personalidade de Maria Madalena começou num
contrassenso mostrado nos evangelhos de Mateus (26,6-13) e Marcos (14,3-9),quando
Maria Madalena unge a cabeça de Jesus com perfume. A mulher anônima não é mais
identificada como pecadora e a refeição se dá agora na casa de Simão, “o leproso”, e
não mais na casa de Simão, o fariseu. De acordo como primeiro capítulo, ficou claro
que Simão “leproso” e Simão fariseu são a mesma pessoa, ou seja, Simão Lázaro, assim
como na passagem de João (12, 1-8), a mulher que ungiu os pés de Jesus com seus
cabelos era identificada com Maria de Bethânia, irmã de Marta e Lázaro.
As controvérsias que se seguiram destas descrições dos evangelistas foram
grandes durante o transcorrer da História, mas graças aos estudiosos contemporâneos da
vida de Jesus e Maria Madalena podemos descobrir que todas essas misturas de
identidades foram na verdade uma manobra da Igreja Católica para confundir a
humanidade de quem se tratava realmente a personagem Maria Madalena. Ficou claro
também que Madalena não era irmã de Lázaro e sim sua sobrinha, pois Lázaro era
irmão de sua mãe Euchária assim como Marta. O discurso que Jesus faz em Lucas
seguido da aparição de Maria Madalena nada tem a ver com a condição inventada pela
Igreja de que ela era uma pecadora e que Jesus a havia perdoado. As referências dadas
por Lucas foram manipuladas pela Igreja para denegrir com a verdadeira imagem de
Madalena .
No início do século II a imagem de Madalena ainda continuava intacta, pois os
grupos gnósticos mantiveram a tradição do casamento de Jesus e Madalena na forma
como ele realmente aconteceu. Já foi citado o evangelho de Felipe onde a relação
matrimonial de Jesus e Madalena se torna explícita. Os quatro evangelhos que
conhecemos hoje do Novo Testamento foram considerados oficiais pela Igreja Católica

46
no ano de 397 d.C., no Concílio de Cartago, e conforme já foi dito os outros evangelhos
gnósticos foram condenadas à destruição por decreto imperial e papal.
Segundo os autores da Vida de Santa Maria Madalena-Texto Anônimo do Século
XIV- Programa de Estudos Medievais, (UFRJ, 2002, p.11):

O gnosticismo foi uma doutrina que inspirou a formação de um conjunto de


seitas cristãs- condenadas pela Igreja como heterodoxas - sobretudo nos três
primeiros séculos de nossa era. Embora as diversas seitas gnósticas possuíssem
divergências, tinham em comum o dualismo, que identificava o mal com a
matéria, e considerava o bem como uma existência espiritual acessível apenas
aos que detinham a gnose, do que decorria a crença na salvação do homem
justamente a partir da rejeição da carne. Os gnósticos fixaram suas tradições
sobre Cristo e os apóstolos em vários evangelhos apócrifos redigidos, em sua
maioria, entre os séculos II e IV. Madalena figura nesses textos com
frequência, pois era vista como encarnação da sabedoria Celeste e como
companheira de Jesus. Em todos estes escritos, ela é tida como um modelo de
gnóstico perfeito, na medida em que se eleva ao ápice da visão e do amor
espiritual.

Para a Igreja era fundamental que Pedro simbolizasse a perpetuação da doutrina


crística em detrimento da herança de Jesus e Maria Madalena, que foram os seus
descendentes. Segundo os mesmos autores, Pedro era muito machista em relação à
posição de Maria Madalena quando Cristo se refere a ela como a perpetuadora de sua
doutrina. A Igreja aproveitou-se da situação em que Pedro negava a participação de uma
mulher, no caso Madalena, no ministério de Jesus, para realçar a preponderância
masculina que constituiu o alicerce da doutrina católica. Por isso foi importantíssimo
para os padres da Igreja primitiva manter o status de que Madalena era uma prostituta
arrependida e não a sacerdotisa preparada para ser a esposa de Cristo e a propagadora de
sua espécie.
Segundo os mesmos autores (UFRJ, 2002, p.14):

Na visão dos gnósticos, Pedro representava um momento de afastamento da


verdade de Cristo pelo qual passava a ortodoxia e Madalena, o gnosticismo,
que continuava a sentir o Senhor, por mais tempo que tenha se passado de seu
afastamento. É a luz desse quadro que a reação violenta e misógina de Pedro
deve ser compreendida.

47
Há um enovelamento quanto à identidade de Maria Madalena e passagens do
Novo Testamento em que ela é confundida com três mulheres distintas: Maria
Madalena, “a prostituta arrependida”, Maria de Bethânia e a pecadora da cidade que
unge os pés de Jesus na casa de Simão, o fariseu.
Ainda segundo os autores da Vida de Santa Maria Madalena-Texto Anônimo do
Século XIV, Orígenes de Alexandria, em seu Contra-Celsum17, não reconheceu a
unificação das três figuras bíblicas em uma única figura, mas a cita, mostrando que
desde então- século III - a confusão entre as três mulheres começava a se formar.
Mas foi o papa Gregório Magno, no século VI, quem faz a unificação destas três
personagens em apenas uma. Em sua Homilia XXXIII ele diz que: “a mulher designada
por Lucas, a pecadora, chamada Maria por João, é a mesma que Marcos afirma ter
sido libertada dos setes demônios."
A partir desse ponto é que a associação errônea entre Maria Madalena e uma
prostituta arrependida é de fato consolidada e permanece até hoje no senso comum da
humanidade.
Maria Madalena também é muitas vezes confundida com Maria Egipcíaca,
quando na verdade esta última se trata de Maria Cléofas, ou Maria, a Cigana, irmã de
Jesus. (DA SILVA F. L., Andréia Cristina; FORTES C., Carolina; DE CARVALHO T.,
Fabrícia Angélica; PEREIRA L. C., Maria Cristina; FREITAS A., Shirlei Cristiane.,
2002).
No século XIII surge um dos trabalhos mais perfeitos sobre a biografia de Maria
Madalena: a Legenda Dourada ou Legenda Áurea redigida por Tiago de Voragine,
futuro bispo de Gênova. Escrita em latim esta obra fez tanto sucesso que já no século
XIV foram feitas várias traduções para diferentes línguas vernáculas.
A Igreja ao desviar a atenção da humanidade sobre a verdadeira identidade de
Maria Madalena também provocou a popularização desta personagem bíblica ao seu
favor, pois conforme já foi dito, a divulgação e a popularização de Maria Madalena
aconteceram na Idade Média, período onde a efervescência religiosa era muito grande
assim como a construção de mosteiros, abadias e de igrejas em homenagem a esta santa.
O curioso é que a canonização de Maria Madalena só aconteceu no século XX, em

17
Obra de Orígenes de Alexandria que critica as teses de Celsum, teólogo e seu contemporâneo
considerado um dos primeiros críticos da doutrina do cristianismo. A principal obra de Celsum, Alethês
Lógos (o logos verdadeiro) e o livro Discurso contra os Cristãos colocam claramente a forma como o
judaísmo e o cristianismo se tornaram cópias de outras religiões, tanto na questão dos mitos da arca de
Noé como a circuncisão onde Celso afirma que os Judeus receberam essa tradição dos Egípcios.

48
1969, no pontificado de Paulo VI. Não há dúvidas de que esta ação retardatária
aconteceu no momento em que a Igreja começa a perder adeptos do público feminino e
essa santificação ocorreu justamente para valorizar uma figura feminina de que foi tão
importante na vida de Jesus, e desta forma resgatar a confiança e simpatia das mulheres
no seio da Igreja Católica, haja visto que sua posição de pecadora arrependida nunca
fora sequer esclarecida.
O século XIII ficou conhecido na História como o século da retórica escolástica,
pois São Tomás de Aquino reformulou a filosofia deixando de lado o platonismo e
inserindo as ideias de Aristóteles aos princípios doutrinários da Igreja. A ideologia
escolástica consolidava a ideia de que as mulheres eram homens imperfeitos e que
deveriam ser constantemente tuteladas. Logo era necessário padronizar um modelo
feminino de santidade para as mulheres, e Maria Madalena foi a escolhida. Segundo os
autores do Programa de Estudos Medievais (UFRJ, 2002, p.23):

Neste sentido, os sermões sobre Madalena influenciaram de forma definitiva os


hábitos religiosos femininos e enraizaram cada vez mais na cultura religiosa
medieval a confissão e a penitência como meios para o fiel encontrar a
salvação; e estimulava a inserção mais ativa da mulher nos quadros
eclesiásticos; e, acima de tudo, o exemplo da Santa constituiu uma imagem
ideal feminina mais humana que a vigente até então, a da virgem Maria.

A popularização de Maria Madalena também serviu para a recuperação de


mulheres perdidas. Segundo os mesmos autores (UFRJ, 2002, p.23):

Durante todo o século XIII várias organizações de sociedades para prostitutas


convertidas surgiram tendo essa santa como padroeira em seu nome, como por
exemplo, a ordem das penitentes de Santa Maria Madalena, fundada na
Alemanha em 1225, ou ainda da ordem de Madalena, surgida em Nápoles, em
1324. Essa recuperação de mulheres de “má vida” ocorria paralelamente à
organização espacial e social dessas mulheres na cidade.

O alto índice de prostituição na Europa na Baixa Idade Média foi um fator que
levou as autoridades eclesiásticas a formarem esses meios de recuperação de mulheres
que haviam se perdido. Segundo Christiane Klapisch-Zuber em sua História das
mulheres do Ocidente, vol.II, Idade Média (KLAPISCH-ZUBER, 1993, p.413):

49
Quando uma mulher pobre não queria ou não podia viver mais da prostituição
normalmente por razões de idade, restavam-lhe a mendicidade ou o
proxenetismo18. As “saídas” a tempo de um bordel malogravam-se geralmente
pelas dívidas elevadas destas mulheres; os casamentos ou até a entrada para
uma comunidade religiosa [...] malogravam-se geralmente do mesmo modo,
pela má situação econômica ou, embora mais raramente, pela desprezível
situação social das prostitutas profissionais ou ocasionais. Já Inocêncio III em
1198, tinha declarado obra benemérita o casar com uma prostituta para com
isso a ajudar da sua vida pecaminosa.

Foi neste contexto onde a recuperação de mulheres de má vida que se dava no


seio da Igreja Católica que mais uma vez a figura de Maria Madalena serviu para
corroborar a sua situação forjada de pecadora arrependida onde ela se tornou a padroeira
das prostitutas arrependidas. Foram vários os movimentos onde o nome de Maria
Madalena levava a insígnia da redentora das mulheres de “má vida”. Ainda segundo
Christiane Klapisch-Zuber (KLAPISCH-ZUBER, 1993, p.414) há uma referência
desses conventos que abrigavam as prostitutas que pretendiam se tornar mulheres de
boa conduta:

Já no contexto dos movimentos religiosos dos inicios do século XIII se fundara


a Ordem de Madalena, cujas comunidades deviam permitir as pecadoras
arrependidas- em particular as mulheres de má vida -começar uma vida melhor
no arrependimento e na penitência. Todos os papas dos finais da Idade Média
encorajaram os cristãos a fundar e auxiliar as comunidades de “arrependidas”,
nome por que eram designadas as aderentes à Ordem de Madalena na
Alemanha. No entanto, também outras comunidades que acolhiam antigas
prostitutas sem pertencerem às Madalenas, eram encorajadas e recebiam
donativos de personagens eminentes. Uma das mais importantes era a casa das
Madalenas em Viena, a que se chamava “casa das almas”, que apesar de ser
organizada como um convento não obrigava suas habitantes ao celibato.
Muitas mulheres que aqui tinham procurado proteção contra a prostituição
deixavam “as casas das almas” como noivas honradas de burgueses
respeitados.

Além de ser considerada o modelo para as mulheres arrependidas de seus


pecados, Maria Madalena também serviu de paradigma para a ostentação da riqueza e o
luxo da Igreja Católica. Por ser considerada uma mulher de muitos bens, a Igreja
justificava a sua riqueza eclesiástica em sua vida.
Desta forma o arquétipo de Maria Madalena foi consolidado na Idade Média da
seguinte maneira: ela era uma prostituta de grandes posses materiais que se arrependeu
de seus pecados, foi absolvida por Cristo, doou tudo que tinha aos pobres para seguir
Cristo e tornou-se Santa depois de sua morte. Este foi o modelo construído tanto pela
popularização de sua figura como pela propagação de sua falsa identidade.

18
Relativo à proxeneta. Pessoa que faz profissão de intermediária em amores. Alcoviteira.

50
A sacerdotisa messiânica preparada para ser a esposa do Salvador da
humanidade fora desta forma conspurcada pelas manipulações tendenciosas dos bispos
e clérigos da Igreja Católica.
Outro fator que desviou a atenção da humanidade sobre a verdadeira identidade
de Maria Madalena foi o seu traje vermelho que ela usava frequentemente durante a sua
vida. Gardner em A Linhagem do Santo Graal (GARDNER, 2006, p.122) relata que o
uso da indumentária vermelha era muito frequente em mulheres iniciadas em ritos
herdados da Grécia, da Síria e do Egito:

Há um paralelo fascinante entre Maria e sua colega migrante Helena- Salomé.


Como não gostava de mulheres (principalmente as cultas), Pedro sempre
considerava Helena- Salomé uma bruxa. Não lhe importava o fato de ela ser
próxima à mãe de Jesus e tê-la acompanhado na crucificação. Como consorte
de Simão Zelote (Zebedeu), Helena também tinha sido a mãe conventual dos
apóstolos Tiago e João Boanerges. Ao contrário de Maria Madalena, que era
ligada à Ordem regional de Dan, Helena pertencia à Ordem tribal de Aser, que
permitia às mulheres ter propriedade pessoal.
Helena também era uma sacerdotisa da ordem de Éfeso (tendo o posto titular
de "Sara") e podia usar a túnica vermelha das hieroludai (grego: "mulheres
sagradas"). Pedro temia muito essas mulheres de altos escalões, pois elas eram
uma ameaça à posição dele. Do mesmo modo, a Igreja romana não reconhecia
tal status cardeal nas mulheres, e elas serão classificadas como prostitutas e
feiticeiras. Assim, a imagem antes venerada das hieroludai foi transformada e
(por meio do francês e do inglês falados na Idade Média) elas se tornaram
"meretrizes", sendo chamadas de "mulheres escarlates".

É por este motivo que encontramos em vários quadros medievais, renascentistas


e barrocos Maria Madalena usando uma túnica vermelha. Há também várias
representações de Maria Madalena usando uma túnica preta, fazendo- a ser conhecida
como a Madona Negra. O traje negro era utilizado em Jerusalém pelas mulheres
iniciadas na superior Ordem dos Nazireus, ordem pela qual Maria Madalena fazia parte.
Ainda segundo Gardner (GARDNER, 2006, p. 123):

Em contraste com a imagem da Madona Negra, também era comum que Maria
Madalena fosse representada usando um manto vermelho, geralmente sobre um
vestido verde (representando a fertilidade). Um exemplo é o famoso afresco de
Santa Maria Madalena, de Piero della Francesca, de cerca de 1465, na catedral
gótica de Arezzo, perto de Florença. Ela está vestida de maneira semelhante em
Maria aos Pés da Cruz, de Boticelli. O vermelho (como o escarlate das
hieroludai) indica o alto status clerical de Maria. Entretanto, o conceito das
mulheres de capa vermelha ocupando alto posto enfurecia a hierarquia do
Vaticano e, apesar da veneração à mãe de Jesus por parte da Igreja, foi
determinado que ela não seria dignificada com o mesmo privilégio. Em 1649,
os bispos chegaram a emitir um decreto determinando que todas as imagens da
mãe de Jesus deveriam mostrá-la usando apenas azul e branco. O efeito de tal
determinação foi de que a Santa Maria, embora exaltada pela Igreja, não tinha
o reconhecimento eclesiástico dentro do sistema.

51
Desta forma aqui foram mostrados todos os passos de como a Igreja conseguiu
modificar totalmente a verdadeira identidade de Maria Madalena. Hoje em dia ainda
milhares de pessoas a consideram a Santa dos pecadores arrependidos, tanto ser muito
comum ouvirmos o jargão: “Lá vem você com essa cara de Madalena arrependida!”,
quando queremos designar uma pessoa que se arrependeu verdadeiramente de alguma
coisa que fez de errado.
Foi mostrada aqui a forma como um sistema político- religioso liderado pela
Igreja Católica conseguiu através de manipulações tendenciosas formarem arquétipos
falsos assimilados pelo inconsciente coletivo, reverberando numa ideologia formatada
ao tamanho ideal da doutrina católica.

52
2.2 A construção e a desconstrução do conceito de Sagrado Feminino

Durante os quase dois mil anos de existência da Igreja Católica pouco se


escreveu sobre o feminino senão quando a partir de 1960 com o surgimento da
revolução sexual e o movimento feminista.
Le Goff com a sua história das mentalidades na década de 70 fizera vários
estudos sobre a repressão feminina durante a Idade Média e os estigmas que ela herdara
de todas as contradições feitas ao seu gênero.
A Bíblia desde o Gênesis até o Novo testamento nos apresenta três personagens
femininas que serviram como os três arquétipos primordiais dos modelos
comportamentais da mulher medieval. São elas: Eva, Maria, mãe de Jesus e Maria
Madalena.
Na tradição bíblica Eva foi a responsável pela descida do homem do paraíso para
o mundo terrestre. A curiosidade feminina retratada na personagem de Eva fora assunto
de infinitos debates durante a Idade Média que culpabilizava o sexo feminino de
corromper o sexo masculino.
A partir do modelo de Eva, a mulher já iniciava a história da humanidade com a
mancha do pecado original, e a grande culpada do sofrimento no homem na Terra. O
arquétipo feminino de Eva fora trabalhado no inconsciente coletivo da humanidade de
forma a responsabilizar a mulher pelos erros humanos.
Muito depois temos Maria, a mãe de Jesus, a virgem intacta que concebera o
Salvador pela vontade de Deus e por obra do Espírito Santo. No capítulo um, temos
todas as evidências documentais e históricas de que Maria fora casada com José e que
tivera oito filhos pela concepção sexual.
O mito da virgem Maria na verdade fora construído pela Igreja Católica para
padronizar o modelo da mulher ideal, ou seja, a mulher santa, de forma que os padres
pudessem atacar as mulheres consideradas não santas com o argumento de que seu
instinto feminino sexual provinha do demônio e era o responsável pela perdição dos
homens. Daí temos o princípio da demonização do sexo feminino.
Segundo Christiane Klapisch-Zuber, para a ideologia medieval, a mulher
perfeita deveria seguir os parâmetros de Maria, a mãe de Jesus, ou seja, a mulher
deveria reprimir seus desejos sexuais, sublimando-os através do trabalho contínuo dos
afazeres domésticos ou rurais, devendo fazer sexo somente para a procriação, haja vista

53
que qualquer manifestação de sua espontânea sexualidade era sinal de que o diabo
estava por perto. A mulher perfeita deveria ser casta, pura, assídua frequentadora da
igreja e submissa e obediente às ordens do marido. Os enfeites e os cosméticos
deveriam ser renunciados, suas vestes deveriam ser humildes e simples e tudo que
remetesse à pompa e ao luxo deveria ser destinado às mulheres cortesãs ou às mulheres
aristocratas.
Percebe-se aqui uma distinção muito clara entre santidade versus humildade e
profanação versus luxo. Certamente às mulheres de baixa renda não era conveniente o
luxo nem mesmo os adornos e atavios, pois mesmo as mulheres aristocráticas também
seguiam o modelo de renúncia através da caridade aos pobres e à doação de seus bens.
(KLAPISCH-ZUBER, 1993).
Em suma, a mulher do convento era o modelo de perfeição feminina que mais se
aproximava do modelo de Maria, a mãe de Jesus.
A terceira personagem é Maria Madalena. Nota-se nesta mulher uma grande
ambiguidade entre o bem e o mal, onde há momentos do evangelho que ela é citada
como pecadora e outros momentos como mulher santa.
Qual o motivo desta contradição?
Segundo Gardner, os padres da Igreja Cristã primitiva não quiseram extirpar o
nome de Maria Madalena nos evangelhos canônicos, uma vez que essa extirpação
poderia desestruturar completamente a narrativa. Desta forma eles fizeram alterações
nos textos que deixam claro que ela era uma pecadora antes de se encontrar com Jesus.
Os textos apócrifos ou gnósticos ficaram guardados em vasos de barro durante 1500
anos até serem descobertos por um pastor de Nag-Hammadi, no Egito.
(GARDNER, 2006).
Por que nesses textos não há dúvidas de que Maria Madalena era a esposa de
Cristo quando que nos evangelhos canônicos essa realidade é ocultada?
Portanto temos na figura de Maria Madalena uma mulher que se arrepende de
seus pecados, por onde Jesus expulsou sete demônios e agora vivia purificada
juntamente com o Mestre.
A partir desta análise das três personagens femininas bíblicas é que chegamos a
uma conclusão: o sagrado para os padres era um direito intransponível e eles julgavam
através de seus cânones quem possuía ou não esta graça concedida por Deus.
Eram os padres quem decidiam quais santos deveriam ser canonizados pela
Igreja. A santidade de Cristo fora colocada em prova em vários concílios ecumênicos da

54
Alta Idade Média. A polêmica causada pela santidade de Maria Madalena ao longo da
história da Igreja só foi encerrada quando ela foi canonizada pelo papa Paulo VI em
1969.
Vale aqui lembrar que muitas vezes a Igreja Católica canonizou pessoas sem que
estas mesmas tivessem feito algum milagre, por remorso e sentimento de culpa por
terem sido ela a responsável por sua morte como foi o caso do rei Dagoberto II, morto
por uma armadilha feita pelo mordomo do palácio Pepino, o Gordo com os bispos da
Igreja Católica.
A natureza e a santidade são dois assuntos muito complexos, que deixamos
solucionados ou não pela filosofia metafísica, que tem argumentos mais certos para
defini-la ou simplesmente dizer que ela não existe.
A verdade é que esse poder de designar santidade às pessoas mortas sempre foi
monopólio da Igreja Católica, pois ela se considera o único instrumento capaz de fazer a
comunicação entre Deus e os homens.
Essa sua atitude é presunçosa e demasiadamente arrogante, uma vez que
religiões como o espiritismo desmistifica a questão da santidade, elucidando que os
santos do passado e os seus milagres nada mais foram do que fenômenos psíquicos e
mediúnicos, tendo em vista a comprovação documental desses fenômenos.
Com Maria Madalena essa questão não foi diferente.
Durante os quase dois mil anos de existência da Igreja Católica ela foi
considerada uma pecadora que se arrependeu de seus pecados e que depois de ter sido
perdoada por Cristo tornou-se uma mulher santa.
Nos evangelhos canônicos não há nenhuma referência que Maria Madalena
tenha sido uma prostituta. Apenas na passagem de Lucas, é que “esta mulher pecadora”
assim mencionada de forma suspeita por Simão, o fariseu (o que entendemos aqui o
próprio São Lázaro), pois é muito estranho que o próprio tio fizesse um comentário
desses se referindo a sua sobrinha. É óbvio que esta passagem fora burilada pelos padres
primitivos da Igreja cristã, de forma que o falso pecado de Maria Madalena ficasse
ainda mais evidente. Mesmo com esta menção, não fica de forma alguma clara que ela
tenha sido uma prostituta. Mencionou- se o fato de ela ser uma pecadora. Não há
dúvidas de que o sermão proferido pelo papa Gregório I no século VI foi o início da
campanha difamatória realizada contra a pessoa de Maria Madalena.
Vimos que a tríade mitológica do comportamento feminino expresso nas figuras
de Eva-Maria, mãe de Jesus- Maria Madalena foi propositalmente construída para se ter

55
o absoluto controle sobre a mulher, uma vez que tendo esse controle o povo leigo e
analfabeto já totalmente distante do conhecimento literário da Bíblia, ficaria ainda mais
distante do conhecimento da verdade sobre a verdadeira história, tanto de Eva, como a
de Maria mãe de Jesus, e a de Maria Madalena.
O livro de Gênesis, assim como os outros quatro livros que compõem o
Pentateuco possuem narrações mitológicas que tentam através delas moralizar o homem
primitivo. Porém na Idade Média esses mitos durante muito tempo tornaram-se uma
história autêntica e a tentação de Eva fora usada como argumento dos clérigos para
punir o gênero feminino.
Atualmente possuímos conhecimentos que deixam esses mitos no seu devido
lugar de mitologia. Atualmente sabe-se que o homem se originou de tribos primitivas
que lutaram pela sobrevivência e que através dessas lutas evoluíram ao longo dos anos
para chegar ao modelo de homem que conhecemos hoje.
Da mesma forma Maria a mãe de Jesus. Através do capítulo um entendemos que
ela foi uma mulher comum e que concebeu seus oito filhos através da concepção sexual
normal entre um homem e uma mulher. Maria era uma mulher forte, decidida, capaz de
apoiar seus filhos Jesus e Tiago na luta contra a dominação romana. A virgindade de
Maria fora um arquétipo construído pela Igreja assim como o fora o de Maria Madalena
pecadora e prostituta.
Por que motivo a Igreja Católica se demorou tanto tempo para canonizar Joana
D'Arc e Maria Madalena, a primeira canonizada em 1920 pelo papa Bento XV e a
segunda canonizada em 1969 pelo papa Paulo VI?
É óbvio que antes de suas beatificações elas eram consideradas mulheres
pecadoras, mas o fato de elas terem sido consideradas santas no século XX nada mais
foi do que a pressão que o movimento feminista fazia frente à sociedade e a Igreja
Católica encontrou uma forma de ganhar novas adeptas e mais prestígio tornando essas
duas mulheres santas imaculadas e puras.
É certo que o movimento feminista só tomou mais corpo na década de 60, mas
em 1920 a Igreja já se encontrava em processo de decadência.
Não há dúvidas de que esta foi mais uma estratégia da Igreja para não perder
prestígio e ganhar mais simpatia das mulheres.
De acordo com estas análises podemos chegar à seguinte conclusão: a Igreja
Católica impunha a sua autoridade sobre a sociedade medieval alegando ela ser a única
intermediária capaz de fazer a comunicação entre Deus e os homens. Foi por este

56
motivo que ela descreveu um Jesus com poderes e fenômenos extraordinários, pois
desta forma todos seus outros dogmas, como por exemplo, a virgindade de Maria, a vida
celibatária de Jesus, entre outros, poderiam ser justificados com esse Jesus
"sobrenatural".
Colocando Jesus nessa posição de “ser sobrenatural” capaz de ressuscitar dentre
os mortos e se elevar pelos céus, a Igreja consolidava o dogma da supremacia divina de
Deus Filho, para depois justificar todos os seus outros dogmas que na verdade foram
forjados no intuito de fazer com que a Igreja também permanecesse no “status divinus"
e com certeza através desta posição ela poderia manobrar livremente a mente das
pessoas. Foi desta forma que a Igreja construiu certos conceitos de sagrado e ao mesmo
tempo descontruiu conceitos anteriormente existentes para confundir as pessoas no
porvir dos séculos e desta forma manter intactas suas manipulações dos quatro
evangelhos canônicos.
Foi também desta forma que o Sagrado Feminino instaurado por Maria, a mãe
de Jesus e logo em seguida por Maria Madalena, a esposa de Jesus, foi completamente
deturpado por mentes brilhantes que atuaram dentro da Igreja e usaram todos os
argumentos possíveis para diminuir moralmente o papel da mulher na sociedade
medieval.
No próximo capítulo tratarei sobre essa questão com maiores detalhes,
elucidando o que um livro poderia trazer de destruidor para o gênero feminino.

57
2.3 O Martelo das Feiticeiras: a Bíblia inquisitorial do Caça às Bruxas.

É certo afirmar que a Idade Média foi um longo período histórico marcado por
várias superstições e interpretações deturpadas da realidade. Vários foram os
historiadores que estudaram este período e o classificaram como Idade das Trevas
fazendo referência a um perene obscurantismo intelectual por qual passava a sociedade
ocidental. Já outros historiadores designam a Idade Média como um período de intenso
florescimento cultural, onde a arte e a literatura sempre estiveram unidas com a
religiosidade.
Para Hilário Franco Júnior, em sua obra A Idade Média, Nascimento do
Ocidente, (FRANCO JÚNIOR, 1986, p.17), o termo “Idade Média” não passa de puro
preconceito:

Se utilizássemos numa conversa com homens medievais a expressão Idade


Média, eles não teriam ideia do que isso poderia significar. Eles como todos os
homens de todos os períodos históricos se viam vivendo na época
contemporânea. De fato, falarmos em Idade Antiga ou Média representa uma
rotulação a posteriori, uma satisfação da necessidade de se dar nome aos
momentos passados. No caso do que chamamos de Idade Média, foi o século
XVI que elaborou tal conceito. Ou melhor, tal preconceito, pois o termo
expressava um desprezo indisfarçado pelos séculos localizados entre a
Antiguidade Clássica e o próprio século XVI. Este se via como o
Renascimento da civilização greco-latina, e, portanto, tudo o que estivera entre
esses picos de criatividade artístico-literária (de seu próprio ponto de vista, é
claro) não passava de um hiato, de um intervalo. Logo, de um tempo
intermediário, de uma idade média.

Os conceitos primitivos de bem e de mal sempre tiveram origem na mitologia


herdada do paganismo greco-latino e das tradições hebraicas que dividiam o Céu do
Inferno entre anjos do bem e anjos do mal. Segundo Hilário Franco Júnior (FRANCO
JÚNIOR, 1986, p. 127) a cultura medieval sempre esteve mesclada com elementos
folclóricos incorporados muitas vezes pela Igreja para fazer forte oposição à cultura
pagã herdada dos gregos e dos romanos:

58
A relação entre aquelas culturas se dava nos dois sentidos. De um lado, a
cultura eclesiástica acolhia elementos folclóricos, pois havia certas estruturas
mentais comuns, sobretudo uma certa confusão entre o material e o espiritual,
como mostram a crença nos milagres e o culto de relíquias. Depois, o clero
precisava realizar certa adaptação cultural para ter a sua tarefa evangelizadora
facilitada. De outro lado, sua postura predominante era de recusa à cultura
folclórica, destruindo templos e eliminando temas, sobrepondo práticas,
monumentos e temáticas cristãs aos correspondentes pagãos, desfigurando
manifestações folclóricas ao mudar seu significado. Enfim, o fosso cultural
estava especialmente na oposição entre o caráter ambíguo da cultura folclórica
(que via forças simultaneamente boas e más) e o caráter algo “racionalista” da
cultura aristocrática greco-romana, com um dualismo separador do bem e do
mal, do verdadeiro e do falso.

Assim como a cultura medieval estava mesclada de elementos folclóricos,


pagãos e sacros, a religiosidade medieval também estava bipartida entre o que era
religioso e mágico.
Durkheim em sua As formas elementares de vida religiosa (DURKHEIM, 2008,
p.75) nos dá um bom exemplo desta dicotomia:

Será necessário, pois, dizer que a magia não pode ser distinguida da religião
com rigor; que a magia é plena de religião, como a religião, de magia, e que é,
por conseguinte, impossível separá-las e definir uma sem a outra? Mas o que
torna essa tese dificilmente sustentável é a aversão profunda da religião pela
magia e, consequentemente, a hostilidade da segunda para com a primeira. A
magia põe uma espécie de prazer profissional em profanar as coisas santas; nos
seus ritos, ela assume posição oposta a das cerimônias religiosas. A religião,
por sua vez, embora não tenha condenado e proibido os ritos mágicos, olha-os
em geral de modo desfavorável. Como observam Hubert e Mauss, há, nos
procedimentos do mago, algo de profundamente antirreligioso. Ainda que
possa haver alguns pontos de contato entre essas duas espécies de instituições,
é, entretanto difícil que elas não se oponham em algum ponto, e é tanto mais
necessário encontrar o ponto em que se distinguem quando pretendemos limitar
nossa pesquisa à religião e não ir além do ponto onde começa a magia.

Dentro desse desequilíbrio paradoxal de cultos pagãos e cristãos, aparece uma


figura que durante a Idade Média fora duramente anatematizada pela Igreja: O diabo,
Satã ou Belzebu19.
O diabo sempre foi motivo de controvérsias por parte de clérigos e místicos, ora
por estes combatidos, ora pelos outros reverenciados. A verdade é que o diabo era uma
constante ameaça aos dogmas católicos. A sociedade medieval estava dividida pelo

19
Satã, do hebraico Haschatan: o inimigo ou o adversário, é o príncipe dos anjos rebeldes, dos
demônios. Nome dado também ao chefe dos demônios na Bíblia. Satanás é sua forma helenizada.
Belzebu é uma deformação do nome de uma divindade filistéia ou Cananéia: Baal Zebub ou Baal Zebul:
deus das moscas, ou deus da aldeia de Zebub, transformado pelas demonologias judaica e cristã em
príncipe dos demônios.

59
culto maniqueísta do Bem e do Mal, onde o primeiro era representado por Deus e o
segundo por Satã. O culto e a adoração à figura do diabo foram a causa primordial da
crescente prática da bruxaria entre os séculos XII e XV principalmente pelo público
feminino.

A Santa Inquisição teve seu início no ano de 1184, em Verona, com o Papa
Lúcio III. Em 1198, o Papa Inocêncio III já havia liderado uma cruzada contra os
albigenses (hereges do sul da França), promovendo execuções em massa. Em 1229, sob
a liderança do Papa Gregório IX, no Concílio de Tolouse, foi oficialmente criada a
Inquisição ou Tribunal do Santo Ofício. Em 1252, o Papa Inocêncio IV publicou o
documento intitulado Ad Extirpanda, que foi fundamental na execução do plano de
exterminar os hereges. Neste documento, o Papa legalizava o uso de tortura nos
interrogatórios contra os hereges. O Ad Extirpanda foi renovado e reforçado por vários
papas nos anos seguintes. Em 1320, a Igreja (a pedido do Papa João XXII) declarou
oficialmente que a bruxaria, e a Antiga Religião dos pagãos constituíam um movimento
e uma "ameaça hostil" ao cristianismo.

A prática da magia na Baixa Idade Média tornou-se muito intensa o que fez com
que o papa Inocêncio VIII corroborasse em sua bula de 1484, a Summis desiderantes, a
confirmação das bulas anteriores sobre a condenação contra a prática da bruxaria.
É neste cenário onde a Inquisição já havia se instalado no século XIII e feito
muitas mortes e torturas na fogueira que entra a figura de um inquisidor alemão
chamado Heinrich Kramer. Este inquisidor era padre dominicano e durante uma sessão
malsucedida de interrogatórios contra uma mulher suspeita de bruxaria resolveu
escrever um livro que séculos mais tarde se tornaria a Bíblia inquisitorial do caça às
bruxas.
Malleus Maleficarum, do latim, o Martelo das Feiticeiras, este foi o título de
sua grande obra que contribuiu para o morticínio de mais de trinta mil mulheres na
fogueira durante o período do final do século XV ao século XVII.
O Martelo das feiticeiras foi reprovado pelos doutores da Igreja de Colônia,
declarando que este livro era antiético, mas mesmo assim o mentor dessa armadilha,
Henrich Kramer inseriu uma falsa nota de apoio da universidade em posteriores edições
impressas do livro. O ano de 1487 é geralmente aceito como a data de publicação. A
Igreja Católica proibiu o livro pouco depois da publicação, colocando- o no Index

60
Librorum Prohibitorum (Índice dos livros proibidos), no Concílio de Trento em 1559,
mas apesar disso, entre os anos de 1487 e 1520, a obra foi publicada treze vezes.
Baseado em seus estudos de teologia, filosofia platônico-tomista e escatologia,
Heinrich Kramer compilou a sua obra dividindo-a em três partes: a primeira tratava da
forma de como se reconhecer as bruxas, a segunda parte tratava de expor todos os tipos
de malefícios praticados pelas bruxas e a terceira parte era um compêndio jurídico
apoiado no código canônico que justificava as torturas e a condenação à pena de morte
da bruxa na fogueira.
A verdade é que a prática da bruxaria era muito frequente uma vez que a Idade
Média era revestida de um misticismo tanto sobrenatural quanto religioso capaz de fazer
com que as pessoas principalmente as mulheres tivessem uma curiosidade muito grande
pela arte da magia. Tudo se explicava mediante o sobrenatural e o desconhecido e todos
os fenômenos inexplicáveis eram atribuídos à ação das bruxas e do demônio.
Segundo Durkheim em As formas elementares de vida religiosa (DURKHEIM,
2008, p.54-55) há uma relação muito próxima entre o que é religioso e sobrenatural:

Uma noção que geralmente é considerada como característica de tudo aquilo


que é religioso é a de sobrenatural. Com esse termo entende-se toda ordem de
coisas que vai além do alcance do nosso entendimento; o sobrenatural é um
mundo do mistério, do incognoscível, do incompreensível. A religião seria,
assim, uma espécie de especulação sobre tudo aquilo que escapa à ciência e,
mais geralmente, ao pensamento distinto. “As religiões, diz Spencer,
diametralmente opostas por seus dogmas, estão de acordo para reconhecer
tacitamente que o mundo, com tudo o que contém e com tudo o que o cerca, é
mistério que pede explicação”; portanto ele as faz consistir essencialmente em
"uma crença na onipotência de alguma coisa que supera a inteligência. Da
mesma forma, Max Müller via em toda religião “um esforço para conceber o
inconcebível, para exprimir o inexprimível, uma aspiração ao infinito.”

Na segunda parte do Martelo das feiticeiras observamos vários relatos dos


inquisidores- autores de uma ilustração fantasiosa, fantástica e alegórica como, por
exemplo, dizer que as bruxas voavam em vassouras (KRAMER; SPRENGER, 2004,
p.228):

Eis, enfim, o seu método de transporte pelo ar. De posse da pomada voadora,
que, como dissemos, tem sua fórmula definida pelas instruções do diabo e é
feita dos membros da criança, sobretudo daquelas mortas antes do batismo,
ungem com ela uma cadeira ou um cabo de vassoura; depois do que são
imediatamente elevadas aos ares, de dia ou de noite, na visibilidade ou, se
desejarem na invisibilidade; pois o diabo é capaz de ocultar um corpo pela
interposição de alguma outra substância, conforme mostramos na Primeira
Parte, onde falávamos dos encantamentos e das ilusões diabólicas.

61
Ou que tinham poderes de fazer desaparecer a genitália masculina, criando pênis
em forma de pássaros presos a gaiolas (KRAMER; SPRENGER, 2004, p.252):

E o que se há de pensar das bruxas que, vez por outra, reúnem membros
masculinos em grande número, num total de vinte ou trinta, e os colocam em
ninhos de pássaros ou em caixas, onde se movem como se estivessem vivos e
comem grãos de aveia e de trigo.

São estes dentre vários outros absurdos que torna este livro um compêndio
maquiavélico misturado a argumentos escolásticos fazendo com que até o papa
Inocêncio VIII nomeasse Henrich Kramer e James Sprenger como seus arautos da Igreja
em defesa da fé. A verdadeira intenção da Igreja era se aproveitar da histeria coletiva
originada da manifestação repressiva da sexualidade feminina para aniquilar de vez com
a moral feminina e destruir sua essência sagrada que foi iniciada por Maria Madalena.
Segundo nos diz Carlos Amadeu Byington em seu relatório psicanalítico sobre o
Martelo das feiticeiras, (BYINGTON, 2004, p.36) a prática da bruxaria foi intensificada
na Baixa Idade Média, pois ela estava relacionada a uma explosão emocional e psíquica
das forças sexuais femininas reprimidas pela doutrina católica e que foi se acumulando
por vários séculos:

Para se ter uma ideia do grotesco paranóide a que chegou o Malleus, é


ilustrativo o fato do poder atribuído às acusadas e a culpa persecutória dos
juízes serem de tal ordem que elas deveriam ser apanhadas em redes a fim de
que seus pés não tocassem no chão para provocar relâmpagos; deveriam
também entrar na sala de acusação de costas, pois seu mero olhar seria capaz
de controlar o raciocínio dos juízes e determinar sua liberdade (Malleus III,
17). O poder do dinamismo matriarcal reprimido projetado psicoticamente nas
bruxas tornava-as deusas com poderes equivalentes à Mãe terra com todas as
suas forças naturais. A desonestidade do processo legal está ilustrado de forma
contundente no fato dos acusados não poderem escolher seus próprios
advogados e de seus detratores não precisarem ser pessoas de bem e de serem
aconselhados a não revelarem seus nomes, figurando como informantes, e não
como testemunhas. Tudo isso novamente racionalizado e justificado pelo poder
do demônio. A falsidade dos inquisidores como juízes atingia graus extremos,
quando eles enganavam os acusados em meio às torturas, prometendo-lhes a
liberdade caso confessassem, sabendo que sua confissão os levaria à prisão
perpétua ou à morte.

62
Observemos o paralelo existente com a ação da Igreja em difamar a figura de
Maria Madalena com a sua atitude em torturar e matar as mulheres medievais acusadas
de bruxaria. Era muito importante para a Igreja fazer com que o gênero feminino fosse
rebaixado moralmente para que a mulher jamais pudesse ter poder algum dentro do seio
da Igreja. Era mister e necessário relacionar o gênero feminino com a essência satânica
manifestada na prática da bruxaria. Como já foi dito, o contexto social e cultural da
Idade Média poderia ser comparado a um imenso caldeirão borbulhante onde se
misturavam crenças controversas, valores morais reprimidos e deturpados pelo sistema
rígido da Igreja. Diante desse turbilhão de acontecimentos catastróficos e apocalípticos
que insurgiam no período medieval é que temos uma estratégia da Igreja Católica que se
aproveitou de seu poder político (posto que ela podia mandar matar quem fosse) em
acabar de vez com a possibilidade da revelação do passado de Jesus e Maria Madalena
que vindo à tona poderia despertar na sociedade a reivindicação do direito das mulheres
de ocuparem cargos eclesiásticos e dessa forma fazer com que elas reivindicassem seu
direito de partilhar o patrimônio de São Pedro.
A Inquisição nada mais foi do que um instrumento capaz de massacrar a
memória de Maria Madalena, pois ela era a representante máxima do Sagrado
Feminino, e sua vida foi o maior exemplo de dedicação e amor a Cristo que foi
cruelmente invertido pela Igreja Católica para alcançar o seu objetivo de exclusão total
da mulher.
A verdade é que houve sim a prática da bruxaria, mas ela não pode ser apenas
entendida como uma transgressão feminina aos princípios cristãos e rebeldia à Igreja.
Ela deve ser entendida como uma válvula de escape à terrível repressão sexual imposta
pela doutrina católica que manchava o sexo relacionando-o à manifestação demoníaca.
E esse arquétipo construído pela Igreja reverberou até os nossos dias contemporâneos,
pois há uma grande quantidade de pessoas que ainda considera a prática sexual algo
pecaminoso e relacionado totalmente ao demônio.

63
Ainda segundo Carlos Amadeu (BYINGTON, 2004, p.38-39):

A repressão da mulher e o ataque a ela como bruxa, devido à projeção nela dos
arquétipos reprimidos da Grande Mãe e da anima, necessitam ser
compreendidos e juntos com a histeria, que é um quadro patológico formado
basicamente pela disfunção dos arquétipos matriarcal e de alteridade. As
características deste arquétipo de intimidade, fertilidade, sensualidade e
exuberância do desejo, da imaginação, da clarividência esotérica e da
expressividade emocional, quando feridas, dão margem ao entrincheiramento
desses arquétipos numa luta de poder expressa pela magia destrutiva, pela
dramatização e sugestibilidade descontroladas, pela fantasia mentirosa, pela
agressividade vingativa desproporcional, pelo congelamento das reações
afetivas, pelas reações emocionais através dos sintomas físicos e pela falsidade
involuntária.
Na dominância patriarcal, as funções matriarcais, serão pejorativamente
projetadas nas mulheres na tríade cozinha- casa- igreja. O ferimento cultural
desses arquétipos pela Inquisição e sua projeção maciça no Pan-Demônio
propiciou, pela sugestionabilidade histérica, a atuação de inúmeras mulheres
como suas consortes. A atmosfera persecutória, dramática animista e medieval
favoreceu a eclosão de quadros histéricos que eram identificados como
bruxaria pelos vizinhos ou até mesmo familiares, como relata o Malleus em
inúmeros exemplos. O dinamismo patriarcal patológico expresso pelo sadismo
dos inquisidores torturadores, sexualmente reprimidos, que depilavam e
vasculhavam seus corpos, enfiando-lhes agulhas para procurar zonas
anestesiadas que indicariam o pacto com o demônio, certamente exacerbou
muitos quadros histéricos, pervertendo-os em relações sadomasoquistas
psicóticas.

Foi neste contexto que a Igreja Católica conseguiu o seu objetivo: excluir de vez
a possibilidade da mulher de participar da hierarquia eclesiástica, relegando-a a uma
classe marginalizada, no caso a de bruxa, sem direito algum a defesa de sua própria
vida.
Foi assim também que a verdadeira memória de Maria Madalena foi destruída e
a sua essência do Sagrado Feminino sepultada na lápide sombria dos que ainda creem
na sua verdadeira história.

64
Segundo Epílogo

Neste capítulo pode-se observar a forma como a imagem de Maria Madalena foi
modificada pela Igreja tanto com o intuito negativo de esconder a sua verdadeira
história que teve ao lado de Jesus tanto com o intuito de usar uma falsa fama de mulher
que possuía muitos bens e ao se arrepender de seus pecados doou tudo aos pobres para
seguir Jesus. A Igreja quis na verdade usar essa falsa imagem para justificar a sua
opulência e a vida luxuosa pela qual vivia o alto clero.
Foi mostrada também a forma como a Inquisição se apropriou de uma política de
extermínio fazendo valer sua ditadura e perseguição às bruxas que culminou com a
morte de cerca de trinta mil mulheres torturadas na fogueira. A justificativa da
Inquisição nada mais era do que provar a ligação do sexo feminino com o demônio a
fim de desviar mais uma vez a atenção da humanidade sobre o sagrado feminino
cultuado na Antiguidade e massacrado durante o período medieval. Atacavam-se dessa
forma as mulheres de uma forma geral e indiretamente a figura central de Maria
Madalena que é considerada até hoje uma prostituta arrependida quando na verdade ela
foi a esposa de Jesus e a perpetuadora de sua memória e de sua verdadeira doutrina.
Ficou evidenciado neste capitulo a política contrária da Igreja que perseguiu os
descendentes de Cristo e a ocultação do sombrio segredo dos homens, chamado assim,
pois durante séculos sociedades secretas como a dos cavaleiros templários (que também
sofreram dura perseguição por parte da Igreja e do Rei Felipe IV, que mandou
exterminar com os fiéis protetores de Maria Madalena no dia treze de outubro de mil
trezentos e sete) tentaram salvar os últimos vestígios de sua história.
No próximo capitulo se fará uma abordagem da época contemporânea de como
as mulheres sobreviveram à terrível repressão sexual instigada durante a Idade Média e
como a figura de Maria Madalena se atualizou com as grandes mudanças ocorridas pelo
capitalismo em nossa sociedade ocidental, mantendo ainda o seu arquétipo de prostituta
arrependida, porém com uma nova conotação, ou seja, a modernização da mulher do
século XX face às novas religiões ressurgidas do passado e reiteradas na moderníssima
sociedade do século XXI.

65
3. A Libertação de Maria Madalena através da Modernização do
Novo Ideário Feminino.

66
3.1 O Novo Ideário Feminino dos séculos XIX e XX entronizados
pelo capitalismo burguês.

A questão antropológica acerca da democratização do sexo feminino alcançou


no final do século XIX e ao longo do século XX o seu pleno desenvolvimento.
A repressão sexual da mulher teve na Idade Média o seu ponto crucial e se
estendeu por toda a Renascença e Idade Moderna até o momento em que a
individualização do sexo masculino se viu partida com a Revolução sexual liderada
pelas mulheres nos anos de 1966 a 1969 nos Estados Unidos e na Europa.
A mulher da Idade Moderna apesar do avanço do racionalismo científico
iniciado por Descartes ainda se encontrava numa posição de total submissão à
dominação do sexo masculino e a sua função procriativa era uma de suas únicas
expressões, ou seja, a mulher do campo tinha a função de cuidar do lar tão quanto a
mulher aristocrática que apesar de suas regalias não avançava deste mesmo ponto.
A Europa dos séculos XVI, XVII, XVIII em nada avançou em termos de
progresso feminino, pois a cultura escolástica apesar de mais enfraquecida graças aos
avanços científicos de Newton e Galileu, se encontrava mitigada a uma cultura relegada
aos recintos fechados dos salões e dos lares. Segundo Michel Foucault em sua História
da Sexualidade, Tomo I- A vontade de saber, o século XVII foi um período onde a
ideologia burguesa substituiu a ideologia cristã, mas em nada contribuiu para a
liberação dos instintos sexuais. (FOUCAULT, 1999, p. 21)

Século XVII: seria o início de uma época de repressão própria das sociedades
chamadas burguesas, e da qual talvez ainda não estivéssemos completamente
liberados. Denominar o sexo seria, a partir desse momento, mais difícil e
custoso. Como se, para dominá-lo no plano real, tivesse sido necessário,
primeiro, reduzi-lo ao nível da linguagem, controlar sua livre circulação no
discurso, bani-lo das coisas ditas e extinguir as palavras que o tornam presente
de maneira demasiado sensível. Dir-se-ia mesmo que essas interdições temiam
chamá-lo pelo nome. Sem mesmo ter que dizê-lo, o pudor moderno obteria que
não se falasse dele, exclusivamente por intermédio de proibições que se
completam mutuamente: mutismos que, de tanto calar-se, impõe o silêncio.
Censura.

67
Foucault ainda ressalta a influência do sistema medieval de crenças na
abordagem sexual do cotidiano do século XVII. (FOUCAULT, 1999, p. 22):

Consideremos a evolução da pastoral católica e do sacramento da confissão,


depois do Concílio de Trento. Cobre-se, progressivamente, a nudez das
questões que os manuais de confissão da Idade Média formulavam e grande
número daquelas que eram correntes no século XVII. Evita-se entrar nessa
enumeração que, durante muito tempo, alguns, como Sanchez ou Tamburini,
acreditaram ser indispensável para que a confissão fosse completa: posição
respectiva dos parceiros, atitudes tomadas, gestos, toques, momento exato do
prazer-todo um exame minucioso do ato sexual e sua própria execução.

Segundo Mary del Priore e Carla Bassanezi em sua História das mulheres no
Brasil, a Inquisição portuguesa dos séculos XVI e XVII punia com a fogueira todos os
crimes contra natura designando-os de Molície; (DEL PRIORE; BASSANEZZI, 2007,
p. 120-121):

Seja como for, oscilando entre descobrir os praticantes da cópula anal e os


adeptos das relações homoeróticas, o Santo Ofício recorreria por vezes à noção
de molície no dia a dia de seus julgamentos secretos.
Molície era o nome dado pela teologia moral católica ao vasto e impreciso
elenco de pecados contra natura que não implicavam cópulas (anais ou
vaginais), como a masturbação solitária ou a dois, o felatio e a cunilíngua. A
molície também podia ser entendida como sinônimo de sensualidade, “indicio
de um perigo próximo às piores torpezas”, no dizer dos teólogos, em particular
da polução voluntária. Aludia, portanto, a uma ampla gama de atos sexuais que
provocavam ejaculações sine coitu e extra vas, fosse entre homens, entre
mulheres ou heterossexuais.
Em verdade, o Santo Oficio jamais quis assumir a competência sobre os
culpados de Molície, preferindo deixá-los a cargo de outros juízes ou mesmo
dos confessores sacramentais, chegando mesmo a excluir o crime de seu foro
no Regimento de 1613.

Fica claro nesta passagem que a Inquisição reprimia ferozmente a sexualidade


tanto de homens e mulheres que se viam perseguidos por estas proibições. O contexto
histórico da mulher nos séculos XVI e XVII sempre foi repressivo em termos de
sexualidade até quando a Revolução Francesa alicerçada pelo Iluminismo pela primeira
vez projetou a mulher no cenário social e fez com que o seu grito de liberdade ecoasse
até os nossos dias de hoje.
Essas afirmações podem ser acrescidas pelo pensamento do historiador francês
Michelet, que segundo Michelle Perrot em sua obra Os Excluídos da História narra o
pensamento do historiador acerca do poder das mulheres no século XIX, iniciada com a
Revolução Francesa. (PERROT, 2010, p. 173):

68
[...] Segundo ele, a oposição entre homem/ cultura e mulher/ natureza domina a
história das sociedades e comanda as pulsões dos acontecimentos.
Profundamente ambivalente, o princípio feminino deve ser respeitado. Tanto
que a natureza feminina tem dois pólos: um maternal e benéfico, outro mágico,
vermelho como sangue, negro como o diabo, maléfico. [...]
A feminilização da Monarquia, no final do século XVIII, também é a marca da
decadência. Por natureza e formação, as mulheres são contrarrevolucionárias:
Preferem a anarquia da palavra à ordem da escritura; entre “aristocratas” por
natureza, são hostis à igualdade. “A palavra sagrada da Nova Era-
Fraternidade- A mulher soletra, mas ainda não lê.” Ela é a principal
responsável pelo desencadeamento da violência: os massacres de Setembro são
um sabá cruento atravessado pelo prazer das mulheres; e os homens que fazem
o Terror-Marat, Couthon ou Robespierre-são “homens-mulheres”. Sobretudo
Marat “por temperamento era mulher e mais que mulher, muito nervoso e
muito sanguíneo”; sua casa, como sua doença na pele, são femininas. Só
Danton era “primeiro e acima de tudo um homem”, e por isso capaz de se
impor às mulheres, ao povo- que é mulher-, e talvez salvar a Revolução.
Sem duvida, jamais os papeis sexuais foram definidos com maior rigor
normativo e explicativo. O poder politico é apanágio dos homens- e dos
homens viris. Ademais, a ordem patriarcal deve reinar em tudo: na família e no
Estado. É a lei do equilíbrio histórico.

Logo se conclui que a participação da mulher camponesa sans-culottes que


reivindicava o fim da servidão feudal e da miséria pela qual passava, indo às ruas e
saqueando palácios a ponto de matar ou morrer em nome da Liberté, Egalité,
Fraternité, foi o ponto de partida para a inserção da mulher na sociedade perante os
direitos humanos.
De acordo com este ponto de vista, é interessante ressaltar a divisão clara das
funções femininas herdadas da Idade Média: A mulher do lar e a prostituta.
Essa foi a dicotomia regida pela ideologia da Idade Média até a primeira metade
do século XX : O homem tinha todo o direito de satisfazer seus instintos sexuais com
outras mulheres mundanas que não seja a sua esposa pois esta deverá fazer sexo
somente para a procriação de seus descendentes. À mulher do lar jamais deve ser
permitido a expressão dos seus instintos sexuais, pois se o fizer estará dando vazão à
luxúria e consequentemente ao demônio. Essa ideologia medieval reverberou
fortemente na mentalidade dos séculos XVII e XVIII, pois a posição da Igreja sempre
foi radical quando se tratava sobre sexualidade. Neste sentido a prostituta ficava
relegada ao pior sentido da existência e encontrava na figura de Maria Madalena o
refúgio da padroeira das pecadoras arrependidas e não arrependidas. Essa separação
gritante entre a mulher do lar e a mulher dos bordéus subsiste até os nossos dias, porém
com uma conotação diferente. Segundo Simone de Beauvoir em sua obra O Segundo

69
Sexo, ela equipara a mulher do lar com a prostituta de forma a diferenciá-las somente no
aspecto de como cada uma recebe o seu pagamento ao fazer sexo.
(BEAUVOIR, 1967, p. 324):

Do ponto de vista econômico, sua situação (a da prostituta) é simétrica à da


mulher casada. “Entre as que se vendem pela prostituição e as que se vendem
pelo casamento, a única diferença consiste no preço e na duração do contrato”,
diz Marro (La Puberté). Para ambas, o ato sexual é um serviço; a segunda é
contratada pela vida inteira por um só homem; a primeira tem vários clientes
que lhe pagam tanto por vez. Aquela é protegida por um homem contra os
outros, esta é defendida por todos contra a tirania exclusiva de cada um. Em
todo caso, os benefícios que tiram de seu corpo são limitados pela
concorrência; o marido sabe que poderia ter tido outra esposa: o cumprimento
dos “deveres conjugais” não é uma graça, é a execução de um contrato. Na
prostituição, o desejo masculino, sendo específico e não singular, pode
satisfazer-se com qualquer corpo. Esposa ou hetaira só conseguem explorar o
homem se assumem uma ascendência singular sobre ele. A grande diferença
existente entre elas está em que a mulher legítima, oprimida enquanto mulher
casada é respeitada como pessoa humana; esse respeito começa a pôr
seriamente em xeque a opressão. Ao passo que a prostituta não tem os direitos
de uma pessoa; nela se resumem, ao mesmo tempo, todas as figuras da
escravidão feminina.

Fica claro nesta passagem que à mulher prostituta restou apenas o clichê da
mulher mundana cuja função na sociedade é de aliviar as volúpias do sexo masculino.
Segundo a historiadora Patrícia Martins em sua obra Práticas e Representações
Femininas, o modelo familiar patriarcal do final do século XIX e início do século XX
era o modelo que acomodava tanto os homens e as mulheres em seu recinto particular e
esse modelo rígido era o modelo seguido pela elite dominante e fazia frente aos bordéus
e prostíbulos (MARTINS, 2011, p.196):

Além da aristocracia, primeiro grupo responsável pela difusão do modelo


familiar patriarcal, entre os grupos sociais que emergiam, ligados ao comércio
e à indústria, também constava o discurso conservador quanto à atuação sócio-
cultural feminina. Para a ordem dominante, a definição de uma sociedade com
base na família era uma via pacificadora do trabalhador assalariado. A família
nuclear, reservada, voltada sobre si mesma, instalada numa habitação
aconchegante deveria exercer uma sedução no espírito do trabalhador,
integrando-se ao universo dos valores dominantes (RAGO, 1985). A família
deveria pesar os hábitos e costumes de uma moral rígida, em contrapartida às
práticas ‘promíscuas’ dos grupos populares, desprovidas de recursos
econômicos e culturais. A figura da esposa , dona-de-casa e mãe, que exerce as
normas de etiqueta, as virtudes da laboriosidade doméstica e afetividade
assexuada, se colocam na orla dos exemplos de superioridade social.

70
O prostíbulo era o local onde acontecia a explosão dos prazeres masculinos, e
colocava a prostituta na classe marginalizada da sociedade. A ideologia da época era
completamente tolerante em relação a ida do homem ao bordel, pois o que eles não
podiam fazer com suas esposas, faziam com as prostitutas.
Segundo Del Priore e Bassanezi o prostíbulo era o refúgio dos homens que
encontravam nas prostitutas uma forma de descarregar seus gozos e auto afirmar a sua
sexualidade, pois o sexo fora da procriação jamais deve ser feito com as esposas,
cuidadoras de lares e de crianças (DEL PRIORE; BASSANEZI, 2007, p.229):

As alcovas, espaço do segredo e da individualidade, forneciam toda a


privacidade necessária para a explosão dos sentimentos: lágrimas de dor ou
ciúmes, saudades, declarações amorosas, cartinhas afetuosas e leitura de
romances pouco recomendáveis. “A máscara social será um índice das
contradições profundas da sociedade burguesa e capitalista” [...] em função da
repressão dos sentimentos, o amor vai restringir-se à idealização da alma e a
supressão do corpo.
O casamento entre famílias ricas e burguesas era usado como um degrau de
ascensão social ou uma forma de manutenção do status (ainda que os romances
alentassem, muitas vezes, uniões “por amor”). Mulheres casadas ganhavam
uma nova função: contribuir para o projeto familiar de mobilidade social
através de sua postura nos salões como anfitriãs e na vida cotidiana, em geral
como esposas modelares e boas mães. Cada vez mais é reforçada a ideia que
ser mulher é ser quase integralmente mãe dedicada e atenciosa, um ideal que só
pode ser plenamente atingido dentro da esfera da família “burguesa e
higienizada”.

Ainda segundo a Dra. Patrícia Martins, a incipiente psiquiatria do final do século


XIX e início do século XX além de colocar a prostituta no rol das pessoas
marginalizadas, ainda a colocava como portadora de distúrbios mentais (MARTINS,
2011, p.196):

Tanto na legislação trabalhista quanto no discurso operário a mulher é pensada


na linguagem romântica dos grupos dominantes. Linguagem essa
fundamentada pelo cientificismo e pelo naturalismo médico, para os quais a
função das mulheres de sociedade se restringia a criação dos filhos. A
medicina, no final do século XIX e início do século XX, com base na
psiquiatria, considerava um distúrbio psíquico o comportamento feminino
daquelas que eram subversivas ao modelo de esposa e mãe de família. O
cristianismo e o movimento trabalhista, junto com o poder público,
delimitavam o lugar da mulher junto a seu lar. Procuravam impor-lhes
representações definidas pelo pensamento masculino, orientando uma
identidade que fosse também por ela propalada. Esse sistema de regulamento
que tentava estabelecer a passividade feminina e mesmo a domesticação das
práticas conjugais se inspirou nos regulamentos criados na França durante o
século XIX.

71
Dentro deste processo de separação de papéis que se consolida no século XIX
surge um novo ideal de amor entre homens e mulheres chamado de amor romântico.
Esse amor fora resgatado dos tempos da cavalaria medieval e do amor cortês cantado
pelos trovadores. Vários literatos do século XIX descreviam esse amor como algo
inatingível e espiritual, passando dos limites do desejo carnal. Del Priore e Bassanezi
descrevem como os sentimentos das mulheres foram moldados nesse novo ideário
romântico. (DEL PRIORE; BASSANEZI, 2007, p. 230):

A qualidade dos sentimentos também passou por transformações importantes


no século XIX. Pode-se associar ao afastamento entre as casas um afastamento
que o individuo e toda a sua família passa a desenvolver, isolando-se
paulatinamente da comunidade. Nos sentimentos, ocorreu uma mudança na
sensibilidade em relação ao que se chamava ora de amor, ora de sexualidade.
Como consequência, teria havido um afastamento dos corpos que passaram a
ser mediados por um conjunto de regras prescritas pelo amor romântico. Essa
mudança parece ter sido parte de um movimento mais geral da sociedade que
levou ao isolamento do homem moderno em relação à comunidade e aos
grupos de convivência [...].

O novo sentimento de amor inatingível foi misturado com a nova ideologia do


século XIX entronizada pelo capitalismo burguês que teve origem na Revolução
Industrial do século XVIII.
Essa mistura paradoxal de valores cambaleantes deu origem a novos tipos de
relações entre homens e mulheres vistas pela sociedade burguesa como algo
extremamente inovador e original. Vale lembrar que a dicotomia de mulher do lar
versus prostituta esteve alicerçada nos parâmetros da sociedade desde a Idade Média até
o século XIX e que com o impulso da industrialização da sociedade mostrou-se cada
vez mais fria e distante dos sentimentos profundos e verdadeiros.
O novo homem burguês manteve o seu status de dominação numa sociedade
onde ele ainda é o chefe do clã. As transformações mais nítidas da mulher percebidas no
século XIX foi sem dúvida o fato dela se destacar em profissões que anteriormente eram
taxadas de marginais. Um exemplo bem claro disto está na figura de Chiquinha
Gonzaga cuja trajetória de vida nos remete a uma revolucionária de seu tempo, pois de
sinhazinha passou a ser a primeira mulher brasileira a ganhar o próprio sustento com a
música. Outro exemplo é o da atriz francesa Sarah Bernard. Essa mulher revolucionou o
século XIX ao se projetar no cenário teatral parisiense e logo depois brasileiro como
uma mulher que se destacou pelos seus múltiplos talentos teatrais, uma vez que o teatro
não era um local bem falado para as mulheres honestas cuidadoras de seus lares e

72
maridos. Lembremos também a ousadia da escritora francesa Amandine que ao publicar
seus romances os publicava com um pseudônimo masculino conhecido como Georges
Sand, pois não era permitida às mulheres a publicação de livros no século XIX.
São inúmeros os exemplos de mulheres que desafiaram a ordem patriarcal da
sociedade, enfrentando terríveis preconceitos e obstáculos imensuráveis, mas que
através de suas bravuras conquistaram o espaço que hoje a mulher tem na sociedade.
Segundo Michelle Perrot “a questão do matriarcado está no centro das
discussões antropológicas do século XIX.” Ela ressalta que a opressão feminina se deu
com a consolidação do casamento burguês no século XIX. (PERROT, 2010, p. 175):

[...] Para Bachofen, Morgan, Engels ou Briffault, não há dúvidas quanto às


mulheres estarem na origem do direito, o qual teriam instituído como uma
barreira para se proteger da lubricidade dos homens (Bachofen).Mas para a
maioria, trata-se de um estado primitivo e bárbaro . O direito materno constitui
uma etapa no estabelecimento
do direito, onde a filiação patrilinear marca o progresso decisivo. Para
Bachofen, o direito paterno romano é um salto para a civilização.
Apenas Engels destaca “a derrota histórica do sexo feminino”, ligada à
consolidação da propriedade privada, e vê na monogamia e sua forma moderna
– o casamento burguês- a chave da opressão das mulheres. Ao contrário de
Morgan, a quem tanto deve, Engels considera que essa evolução não é um
progresso: em certo sentido, a idade de ouro está atrás de nós. Mas, ao mesmo
tempo, ele subordina por muito tempo, na teoria e na ação socialistas, a
liberação das mulheres à coletivização da propriedade.

Logo se conclui que o modelo de casamento burguês proposto no século XIX


aliado ao ideal de amor platônico resgatado da Idade Média foi uma forma de aprisionar
as mulheres a uma condição de subserviência feminina, capaz de alienar seu potencial
criativo e imaginativo que poderia e muito contribuir para um maior avanço da
sociedade do século XIX.
O casamento burguês foi o modelo de união alicerçada pelo capitalismo
industrial que serviu de base para um modelo de casamento do início até meados do
século XX. O novo ideário feminino do século XX nasceu de uma junção do forte
moralismo patriarcal do século XIX e dos pré- movimentos libertários da década de 30
do século XX.

73
Segundo Michelle Perrot, o papel da mulher no século XIX ainda era a de
mulher do lar versus mulher operária e conforme o desenvolvimento industrial avança, a
sua posição começa se elevar e a sua participação em setores antes jamais inseridos
começam a surgir, (PERROT, 2010, p. 178-180):

O século XIX acentua a racionalidade harmoniosa dessa divisão sexual. Cada


sexo tem sua função, seus papéis, suas tarefas, seus espaços, seu lugar quase
predeterminado, até em seus detalhes. Paralelamente, existe um discurso dos
ofícios que faz a linguagem do trabalho uma das mais sexuais possíveis. "Ao
homem, a madeira e os metais. À mulher, a família e os tecidos." declara um
delegado de operários da exposição mundial de 1867 [...]
Esboça- se um triplo movimento no século XIX: relativo retraimento das
mulheres em relação ao espaço público; constituição de um espaço privado
familiar predominantemente feminino; superinvestimento do imaginário do
simbólico masculino nas representações femininas. Mais com algumas
ressalvas preliminares. Primeiramente, nem todo o público é o “político”, nem
todo o público é masculino. A presença das mulheres, tão forte na rua do
século XVIII, persiste na cidade do século XIX, onde elas mantêm circulações
do passado, cercam espaços mistos, constituem espaços próprios. Por outro
lado, nem todo privado é feminino. Na família, o poder principal continua a ser
o do pai e, de direito e de fato. Estudos políticos recentes chegaram a
demonstrar que a penetração da ordem republicana nas aldeias veio
acompanhada por um reforço do poder do pai, único cidadão integral, sobre a
mulher e filhos; a República triunfante tem ares romanos. Na casa, coexistem
lugares de representação (o salão burguês), espaço de trabalhos masculinos (o
escritório onde mulher e filhos só entram na ponta dos pés). A fronteira entre
público e privado é variável, sinuosa e atravessa até mesmo o micro- espaço
doméstico.

Desta forma fica claro que a emancipação da mulher teve sua base no século
XIX, pois apesar da repressão e do forte moralismo, foi neste século que a mulher
começou a se enxergar não mais como um sexo diferente do homem mais sim como um
sexo capaz de realizar tarefas masculinas de forma tão eficiente como a dos homens.
As transformações sociais ocorridas no final do século XIX e início do século
XX fizeram com que o novo ideário feminino se libertasse dos antigos paradigmas a
que estavam aprisionadas as mulheres. O século XIX sem dúvida alguma foi o
precursor do atual modelo feminino que conhecemos hoje e a década de 60 do século
XX foi o ponto crucial para que a mulher se inserisse definitivamente no quadro social
exercendo sua cidadania. Porém a mulher conseguiu exercer a sua cidadania plena na
última década do século XX e nos primeiros anos do século XXI. De acordo com essa
projeção, o modelo feminino que conhecemos hoje tende a passar ainda por várias
modificações assim como toda a sociedade. A volta ao culto espiritualista dos tempos
passados tende a acontecer com o decorrer dos anos.

74
Considerações Finais

Atualmente a prostituição é legalizada e institucionalizada, vista como profissão,


ou seja, a condenação ao inferno ditada pela Igreja é completamente ignorada pela
mentalidade atual, diferente das épocas passadas. Logo se conclui que o único ser
destinado a perambular nas chamas do inferno era a prostituta dos séculos passados,
pois o homem saía totalmente ileso de qualquer condenação, haja vista a sua
preponderância na sociedade patriarcal.
Este trabalho traçou uma linha cronológica da evolução comportamental da
mulher desde a Antiguidade até os nossos dias.
Ficou evidenciado que a mulher da Antiguidade era venerada como uma criatura
sagrada, a genitora capaz de procriar filhos e sua função de cuidar do lar e do marido
também era vista como uma função sagrada. Durante a Idade Média a mulher foi
anatematizada pela Igreja e sua pureza antes venerada na Antiguidade foi substituída
pelo seu suposto instinto demoníaco capaz de perverter e enlouquecer a raça masculina,
ou seja, a mulher profana foi a raça escolhida por Satã para destruir a Humanidade.
Com a Renascença, a mulher ganha uma nova liberdade, pois a sacralidade se mistura
ao profano e a mulher já não é mais vista somente como cúmplice do demônio, pois a
Arte e a Ciência a colocaram numa posição mais elevada. Na Idade Moderna a sua
ligação com o demônio se mostra mais enfraquecida, pois o Racionalismo inicia um
processo de derrubar a superstição medieval, mas mesmo assim a mulher se encontra
numa posição de total submissão ao homem. Através do Iluminismo e
consequentemente da Revolução Francesa a mulher pela primeira vez derruba o tabu de
sexo frágil e se lança em sua nova jornada no mundo.
A tomada de consciência da sociedade de que a mulher faz parte de um mesmo
sistema de valores patriarcais ocorreu por volta de 1966- 1967 nos EUA e foi a alavanca
final que colocou a mulher não mais na posição de submissão ao homem, inserindo-a no
mercado de trabalho. Não foi por acaso e que a Igreja canonizou Maria Madalena em
1969, ou seja, no período em que a explosão dos movimentos feministas eclodiu na
Europa e nos Estados Unidos. É claro que a escolha dessa data não foi mera
coincidência, e sim uma escolha proposital da Igreja para recuperar a confiança das
mulheres no meio católico.

75
O movimento feminista sem dúvida contribuiu em muito para a libertação do
jugo que Maria Madalena esteve presa durante vários séculos. Mas ainda resta uma
pergunta: a Igreja foi a única responsável pela deturpação de sua imagem, ou seja, pela
destruição do Sagrado Feminino? Não, a Igreja não foi a única responsável. O
capitalismo dominante também contribuiu em grande escala para o esquecimento do
sentido primordial do Sagrado Feminino.
A sociedade atual está organizada pelo capitalismo de uma forma tão
individualista que a torna extremamente distante da espiritualidade, tanto que o
princípio de Sagrado Feminino simbolizado pela figura de Maria Madalena se perdeu
completamente nos escombros sombrios deste sistema. A axiologia dos valores morais
da mulher mistura-se com conceitos do novo capitalismo burguês, e com uma nova
mentalidade oriunda desses novos valores.
Simone de Beauvoir já perguntava em seu livro o Segundo Sexo: o que são as
mulheres? Cabe aqui uma segunda pergunta: quem é a mulher do século XXI? Seria
uma mulher extremamente independente, ousada, segura de suas próprias convicções,
capaz de realizar tarefas antes inimagináveis pelos homens. Essa mulher extremamente
desligada de seus antigos paradigmas é que forma um novo arquétipo do futuro.
Sim, esta mulher que inspira confiança muitas vezes também é uma mulher
frívola, que vaga pelas ruas em busca de futilidades para alimentar o seu ego absorto em
vaidades. Muitas vezes é uma mulher que cultua o corpo para vendê-lo numa esquina
qualquer, ou então, para exibi-lo em revistas para o público masculino.
Se Maria Madalena vivesse no século XXI, qual seria o seu comportamento?
Será que ela iria se casar ou se internar num convento? A questão se ela iria ou não para
o convento não determina o sagrado que existe em seu íntimo. É aí que mora a questão
mais complexa: até que ponto a expressão da sexualidade se separa da expressão da
sacralidade. O que é sagrado? A virgindade física ou a alma pura?
Maria Madalena foi o exemplo máximo da dedicação ao seu marido Jesus Cristo
e à sua doutrina que ficou perdida nos tempos passados. A usurpação desta verdade foi
o motivo de se escrever esta monografia e de deixar bem claro aos leitores da verdadeira
posição de Maria Madalena no passado, no presente e no futuro.
Qual seria a concepção de sagrado da Humanidade se a Igreja não tivesse
ocultado a verdade sobre a relação matrimonial de Jesus e Maria Madalena? Quantos
dogmas e teorias teológicas não teriam se formado se este fato tivesse sido preservado e

76
legado à Humanidade e quantas pessoas estariam libertas da ilusão enganadora de várias
doutrinas que se baseiam em toda essa mitologia criada pela Igreja Católica?
O Sagrado Feminino não é algo inatingível, que somente os santos podem ter. O
Sagrado Feminino não está apenas presente nas mulheres. Ele também está presente em
homens que conseguem ter a sensibilidade de expressar a feminilidade em algum
trabalho, ou em algum gesto. O Sagrado Feminino nada mais é do que o amor que todos
nós podemos ter uns pelos outros de forma a construirmos uma sociedade mais justa e
liberta de preconceitos. Seja a mulher prostituta ou dona de casa, o princípio do amor de
Maria Madalena estará sempre presente em cada gesto, em cada palavra, em cada lance
de olhar do nosso amor por ela e por Cristo, humanizado ou divino.

77
Referências Bibliográficas

BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo. A experiência vivida. 2 ed; São Paulo:


Difusão Europeia do Livro, 1967.

DA SILVA F. L., Andréia Cristina; FORTES C., Carolina; DE CARVALHO T.,


Fabrícia Angélica; PEREIRA L. C., Maria Cristina; FREITAS A., Shirlei Cristiane.
Vida de Santa Maria Madalena- Texto Anônimo do Século XIV. 1 ed; Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 2002.

DEL PRIORE, Mary; BASSANEZI, Carla. História das Mulheres no Brasil. 9 ed;
São Paulo: Editora Contexto, 2007.

DUBY, Georges; PERROT, Michelle; THÉBAUD, Françoise. História das Mulheres


no Ocidente, Vol. V: Século XX. 3 ed; Porto, Portugal: Edições Afrontamento, 1995.

DURKHEIM, Émile. As formas elementares de vida religiosa. 3 ed; São Paulo:


Paulus, 2008.

FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média- Nascimento do Ocidente. 3 ed; São


Paulo: Editora brasiliense, 1986.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. Vol. I: A vontade de saber. 13 ed;


Rio de Janeiro: Editora Graal, 1999.

GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O livro das religiões. 7


ed; São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

GARDNER, Laurence. A Linhagem do Santo Graal. 1 ed; São Paulo: Madras, 2006.

GARDNER, Laurence. O Legado de Madalena. 1 ed; São Paulo: Madras, 2005.

KLAPISCH-ZUBER, Christiane. História das Mulheres no Ocidente, Vol. II: Idade


Média. 3 ed; Porto,Portugal: Edições Afrontamento, 1993.

KRAMER, Heinrich; SPRENGER, James. Malleus Maleficarum: O Martelo das


feiticeiras. 17 ed; Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2004.

LUNN, Martin. Revelando o Código Da Vinci. 1ed; São Paulo: Madras, 2005.

MARTINS, Patrícia Carla de Melo. Práticas e Representações Femininas. 1 ed; São


Paulo: Paco Editorial, 2011.

PERROT, Michelle. Os Excluídos da História. 5 ed; Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.

78

Você também pode gostar