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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
LICENCIATURA EM CIÊNCIAS SOCIAIS

MICHELLINE ANDRÉ MENDES

O PROTAGONISMO DE CATHARINA MOURA E OS IMPRESSOS DO JORNAL “A


UNIÃO” NA CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO DA MULHER NO SÉCULO XX: UM
ESTUDO BIBLIOGRÁFICO.

João Pessoa, PB
2021
1
MICHELLINE ANDRÉ MENDES

O PROTAGONISMO DE CATHARINA MOURA E OS IMPRESSOS DO JORNAL “A


UNIÃO” NA CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO DA MULHER NO SÉCULO XX: UM
ESTUDO BIBLIOGRÁFICO

Monografia apresentada ao Curso de Ciência


Sociais, do Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes, da Universidade Federal da
Paraíba, como requisito parcial para obtenção
do título de Licenciatura em Ciências Sociais,
sob a orientação da Profa. Dra. Maria Patrícia
Lopes Goldfarb.

João Pessoa, PB.


2021

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Catalogação na publicação
Seção de Catalogação e Classificação

M538p Mendes, Michelline Andre.


O protagonismo de Catharina Moura e os impressos do jornal "A união"
na construção da educação da mulher no século xx: um estudo
bibliográfico. / Michelline Andre Mendes. - João Pessoa, 2021.
43 f. : il.
Orientação: Dra Maria Patrícia Lopes Goldfarb. TCC (Graduação) -
UFPB/CCHLA.
1. Moura, Catharina. 2. Feminismo. 3. Papel da mulher. 4. Impresso. 5.
A união- Jornal. I. Goldfarb, Maria Patrícia Lopes. II. Título.

UFPB/CCHLA CDU 141.72

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MICHELLINE ANDRÉ MENDES

O PROTAGONISMO DE CATHARINA MOURA E OS IMPRESSOS DO JORNAL “A


UNIÃO” NA CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO DA MULHER NO SÉCULO XX: UM
ESTUDO BIBLIOGRÁFICO

BANCA EXAMNADORA

___________________________________________________________________________

Dra. MARIA PATRÍCIA LOPES GOLDFARB


(ORIENTADORA)

___________________________________________________________________________
Dra. EDNALVA MACIEL NEVES
(DCS/UFPB- EXAMINADORA INTERNA)

___________________________________________________________________________
Dra. JAMILLY CUNHA RODRIGUES
EXAMINADORA EXTERNA)

4
Dedico ao meu filho Arthur Cauã, que é minha motivação a
cada manhã. A minha mãe, Marisa André Mendes, pelo
incentivo e por acreditar em mim durante toda a vida
acadêmica, sem esse apoio seria impossível chegar até aqui.
5
AGRADECIMENTOS

O meu primeiro e maior agradecimento é a Deus, pela minha existência, por ter me
proporcionado as condições necessárias para a realização deste trabalho. O segundo, e não
menos importante, é o agradecimento à minha mãe Marisa André Mendes; a minha grande
amiga Simone Lima que iniciou a vida acadêmica comigo, de mãos dadas, alguém de um
coração incrível, que Deus colocou em minha caminhada universitária e na vida. Passei por
muitas tribulações com a morte do meu esposo no meu resguardo, e recentemente a partida do
meu pai para o plano superior devido a complicações do covid-19, e foi Simone, a minha mãe,
família e amigos me deram forças para eu seguir.
Quero agradecer de forma muito especial a Professora Doutora Maria Patrícia Lopes
Goldfarb pela importância, pela força, contribuições e pôr ter um olhar tão humano, com tanta
empatia, por sempre perguntar como eu estava e seus aconselhamentos sobre a vida e a morte.
Agradeço também ao professor Charliton Machado, com o qual fiz parte do grupo de pesquisa
do Pibic, sobre “Educação, Educadoras e a Imprensa na Paraíba” por quase dois anos, foi o meu
professor por dois períodos na graduação, me proporcionando valiosos conhecimentos teóricos
e metodológicos com dedicação e profissionalismo. Tudo isso, foi primordial para a conclusão
deste trabalho monográfico.

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RESUMO

Este trabalho analisa as discussões de gênero, o papel social da mulher pré-estabelecido como
uma espécie de “padrão natural” imposto pela sociedade no século XX, naturalizando as ações
no desempenho do papel da mulher. A relevância do trabalho se estabelece no tocante a
compreensão dos papeis como “vocação da mulher” e a maternidade como “obrigação”,
limitando-a aos “afazeres do lar”. Desenvolve uma análise dos discursos sobre as práticas
educacionais e o papel da mulher através de impressos dos jornais da Paraíba naquela época,
através do discurso feminista da advogada e educadora Catharina Moura, propagado na 8ª
conferência de título “Os direitos da mulher” na Parahyba do Norte no Teatro Santa Rosa em
30 de março de 1913. De modo a dialogar com a análise de discursos sobre as práticas
educacionais, e o papel da mulher através de impressos dos jornais, precisamente o jornal da
União (órgão oficial do estado). A fim de compreender como a partir desses informes foram
construídos os “modelos” de formação das identidades de gênero, a educação da mulher, as
políticas educacionais, os processos educacionais, bem como os episódios sobre a educação da
mulher na sociedade paraibana naquela época. Para tal, foi feita uma pesquisa bibliográfica,
seguida de análise dos dados coletados.

Palavras-chave: Catharina Moura. Feminismo. Papel da mulher. Impresso. Jornal A União.

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ABSTRACT
This paper analyzes gender discussions, the pre-established social role of women as a kind of
“natural pattern” imposed by society in the 20th century, naturalizing actions in the performance
of women's roles. The relevance of the work is established with regard to the understanding of
roles as a “women's vocation” and motherhood as an “obligation”, limiting it to “household
chores”. Develops an analysis of discourses on educational practices and the role of women
through newspapers in Paraíba at that time, through the feminist discourse of lawyer and
educator Catharina Moura, propagated at the 8th conference entitled "Women's rights" at
Parahyba do Norte at the Santa Rosa Theater on March 30, 1913. In order to dialogue with the
analysis of discourses on educational practices, and the role of women through newspaper
prints, precisely the Union newspaper (official state agency). In order to understand how from
these reports the “models” for the formation of gender identities, women's education,
educational policies, educational processes, as well as episodes about women's education in
Paraíba society at that time were constructed. To this end, a bibliographic research was carried
out, followed by analysis of the collected data.
Keywords: Catharina Moura. Feminism. Role of the woman. Printed. Newspaper The Union.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Anúncio de creme dental...........................................................................................21

Figura 2: “Eu agora sou outra!”................................................................................................22

Figura 3: Creme Rugol..............................................................................................................23

Figura 4: Mulheres que se destacam na Faculdade de Recife...................................................25

Figura 5: Anayde Beiriz............................................................................................................31

Figura 6: Francisca Moura, mãe de Catharina Moura..............................................................34

Figura 7: Escola Normal...........................................................................................................34

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................12

CAPÍTULO I – ANALISANDO ANÚNCIOS NO JORNAL A UNIÃO ENTRE OS ANOS

DE 1937-1945........................................................................................................................15

1.1. Breve panorama sobre o jornal A União...........................................................................15

1.2. Os impressos analisados..................................................................................................20

CAPÍTULO II – CATHARINA MOURA E O CONTEXTO SOCIAL DO SÉCULO

XX..........................................................................................................................................25

CAPÍTULO III - CONTEXTO HISTÓRICO DO MOMENTO FEMINISTA DO SÉCULO

XX E A CONTRIBUIÇÃO DE CATHARINA

MOURA.................................................................................................................................36

CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................45

REFERÊNCIAS...................................................................................................................47

ANEXO.................................................................................................................................50

10
INTRODUÇÃO

As discussões sobre o papel da mulher envolvem mudanças de pensamento político e


social e uma compreensão de cunho educacional, tendo como ponto de partida as mulheres que
foram se destacando na sociedade, por meio das suas lutas e dando origem ao movimento
conhecido como feminista. Embora nem sempre essas mulheres se reconhecessem como
feministas, tiveram grande relevância ao desenvolverem suas teorias e discursos que
possibilitavam uma compreensão dos papeis desempenhados pelas mulheres de cada época, que
seguiam um padrão pré-estabelecido socialmente na desconstrução de pensamento que
limitavam e condicionavam as mulheres a uma vida voltada para o lar, casamento, cuidar dos
afazeres domésticos, criar os filhos e filhas, etc., e quanto ao exercício da profissão também se
limitavam a lecionar nas escolas locais.

É fato que, no Brasil da passagem do século XIX para o


século XX, começava, nos principais centros urbanos, uma
tímida mobilização por novos comportamentos em relação
a padrões e costumes da época, entre estes fortalecia-se os
debates sobre os direitos políticos e civis da mulher,
movimento que ganharia corpo organizativo nos idos de
1920 (PRIORE, 2006).

Este trabalho volta-se para uma dessas mulheres. É o caso de Catharina Moura, uma
mulher, advogada formada pela faculdade de direito de Recife, educadora e intelectual da
época, que se destacou por sua atuação na 8a Conferência sobre os Direitos Políticos da Mulher,
realizada no teatro Santa Rosa, João Pessoa-PB, no ano de 1913. É pela relevância do discurso
de Catharina, que por sua vez adentrou o universo político de dominação masculina, se fazendo
“ecoar” como uma voz dotada de representatividade na luta pelo direito da mulher, permitindo
esclarecer, por meio deste discurso, o quão era inconstitucional a não participação da mulher
em exercer o direito de votar e de eleger os seus representantes. Para esse trabalho Catharina se
revela como uma representante feminina fundamental para a as mudanças sociais e política do
século XX, no tocante a sua coragem e até mesmo “audácia” de encarar padrões morais com
base no patriarcado dominante. Portanto de extrema importância na discussão sobre a
“educação da mulher”.
Participando do projeto de pesquisa intitulado: “Educação, educadoras e a imprensa
paraibana do século XX: O Estado Novo”, entre os anos de 2014 e 2015 (HISTEDBR-GT/PB),
tendo como título do Plano de trabalho “A Imprensa como fonte histórica educacional”,
11
trabalho vinculado ao CNPq e com apoio cultural do Banco do Nordeste e orientado pelo
professor Dr. Charliton Machado que também é um dos autores do livro “Catharina Moura e o
Feminismo na Parahyba do Norte”. Através da leitura deste livro tivemos um primeiro contato
com Catharina Moura.
O trabalho também busca analisar os discursos sobre as práticas educacionais, e o papel
da mulher através de impressos nos jornais da Paraíba naquela época, precisamente o jornal A
União (órgão oficial do estado). A pesquisa foi feita nos arquivos da Fundação Casa de José
Américo em João Pessoa-PB; buscando compreender como, a partir desses informes, foram
construídos os “modelos” de formação das identidades de gênero, a educação da mulher, as
políticas e os processos educacionais, bem como os episódios sobre a educação da mulher na
sociedade paraibana naquele momento. Este recorte temporal foi motivado pela necessidade de
avaliar como se dava a entrada das mulheres neste espaço escrito e como eram retratadas.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, por meio dos impressos, através dos seus
anúncios, nos reforça noções de estética feminina e embelezamento, o que Catharina Moura, de
certa forma, questiona, em especial a ideia que a mulher deve viver apenas para os cuidados de
casa, marido e filhos.
Os dados foram coletados duas ou até três vezes por semana na biblioteca/acervo,
minuciosamente manuseados, com muito cuidado sempre, pois tínhamos que usar luvas,
máscara e touca para fazer a busca dos dados. Estes cuidados eram da chegada até a saída do
recinto para não danificar os jornais, livros, periódicos e o lugar em si. Encontramos pouco
material sobre a temática em questão, e os que tinham eram bem danificados, dificultando e
limitando a coleta. Mesmo assim foram de grande valia para a pesquisa.
A coleta nos jornais duraram cerca de um ano e meio, entre 2014- 2015. Eram
registrados: o nome do jornal, o tipo de anúncio, manchete do jornal, o dia da semana, a data,
o ano, o número do jornal, o quadrante (se era direita ou esquerda) e fotos.
Conforme os dados coletados durante a pesquisa e diante o exposto justifica-se a
elaboração do presente estudo, onde preocupamo-nos em ressaltar as práticas educacionais,
sobre o papel da mulher e o que seria o papel do homem; como foi conduzida a sociedade
paraibana entre 1937 a 1945 e, por consequência, suas emancipações e inclusão na sociedade,
dando ênfase a sociedade paraibana e seus possíveis desdobramentos ao longo do tempo. Como
nos afirma John Lewis Gaddis: “Só conhecemos o futuro através dele projetado, nesse sentido,
a história é tudo o que temos” (2009, p.309).

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A metodologia utilizada foi pesquisa bibliográfica, do tipo exploratória, com a coleta de
dados, organização e sistematização teórica, adicionada a visita aos arquivos e levantamentos,
informações, catalogações, fontes documentais, reprodução, digitalização e análises das fontes
documentais, sobre os periódicos bem como: o nome do jornal, o ano, o mês, quadrante, notícia
veiculada naquela época, os anúncios, etc. Com a finalidade de localizar as possíveis
informações sobre as educadoras paraibanas e o seu processo de construção social.
Sobre a pesquisa bibliográfica podemos dizer que se trata de um trabalho que é
desenvolvido em torno de material já elaborado, valendo-se de diferentes fontes, a serem
tratadas de acordo com os objetivos da pesquisa (GIL, 2008). O material coletado nos permitiu
um conhecimento mais proeminente, tomando por base o que já foi publicado sobre o tema.
O trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro apresentamos um apanhado da
nossa metodologia, destacando a pesquisa feita no Jornal A União, analisando algumas
publicidades voltadas para o público feminino, e as percepções sociais atreladas a este gênero.
No capítulo seguinte apresentamos a personagem de Catharina Moura, que foi uma mulher
muito importante e protagonista das ideias feministas na Parahyba do século XX, lutando pela
educação, direito a voto e profissionalização das mulheres nesta época. Por fim, no terceiro
capítulo apresentamos uma análise do protagonismo de Catharina Moura frente ao espaço da
imprensa, especificamente no Jornal da União, e seus desdobramentos.
Cabe registrar a nossa admiração por esta mulher extraordinária chamada Catharina
Moura, que nos inspira, e que serviu como exemplo para pensar as colaborações deixadas por
tantas mulheres no resgate na história da sociedade brasileira, e paraibana, que nem sempre são
visíveis ou registadas, mas que, como a nós, devem ter afetado outras mulheres no seu tempo e
no momento atual.

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CAPÍTULO I – ANALISANDO ANÚNCIOS NO JORNAL A UNIÃO ENTRE OS
ANOS DE 1937- 1945

Nesse capítulo refletimos um pouco sobre a história do jornal “A União”, bem como
uma breve explanação acerca daquilo que era divulgado na imprensa da época, mais
precisamente entre as décadas de 37 a 45, sobre a mulher, parte de pesquisa realizada durante a
Iniciação científica na UFPB, conforme já citado anteriormente.
Trata-se de resultados de uma pesquisa de buscas de impressos do jornal da Paraíba que
mostram, assim, como compreender aquilo que era divulgado sobre a mulher na imprensa, que
servia para “moldar” a educação feminina. Trata-se de anúncios que traçavam um perfil de
público feminino, dotado da ideologia de uma educação diferenciada de gênero, que limitava o
papel da mulher, muitas vezes de modo a reduzir as ações femininas aos afazeres do lar.
O jornal a União foi escolhido porque foi nele que, em 1913, Catharina Moura havia
publicado um texto versando os direitos das mulheres na educação e em outros setores da
sociedade, bem como porque a partir da década de 1930 teve abertura para publicações sobre
feminismo e interesses femininos, inclusive escritos por mulheres, embora em menor número
(NUNES et. al., 2015), o que repercute na invisibilidade das mulheres neste momento.
Destacamos que neste periódicos encontramos anúncios publicitários de variados
interesses e produtos, desde classificados de vendas ou aluguel, comunicados, achados e
perdidos, etc.

1.1. Breve panorama sobre o jornal A União.

Fundado em 02 de fevereiro de 1893 pelo então Presidente da Província, Álvaro


Machado, o Jornal “A União” apresenta uma edição especial de um jornal que completou os
seus 120 anos, precisamente em 02 de fevereiro de 2013. Embora de natureza estatal, ou talvez
exatamente por isso, A União surgiu sob a égide da política. Não política partidária, mas de
Estado, isto porque não estava diretamente ligado a um partido político, mas servia aos
interesses do Estado e seu representante maior: o governador.
Sua denominação derivou, em 1983, das correntes liberais e conservadoras, que se
uniram sob a liderança do presidente Álvaro Machado, para criar o Partido Republicano da
Paraíba e oferecer feição republicana a um poder que, com Venâncio Neiva, de 1891 a 1892,
apenas prolongara a Monarquia. Designado pelo jacobinismo de Floriano Peixoto, muito mais
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próximo à nova ordem que o antecessor Deodoro da Fonseca, o major Álvaro decidiu por
republicanizar a Paraíba. Para tanto, não só elaborou nova Constituição Estadual -a de 1892-
como criou jornal incumbido de propagar o regime de 1889 (“A política pelo olhar de A
UNIÃO”, edição especial de 120 anos, 02 DE FEV. 2013, caderno 2, p.3).
O historiador Eduardo Martins afirma que “A União” nasceu da rivalidade existente
entre os grupos antagônicos que formavam o Partido Republicano. E embora 1893 fosse um
ano de relativa calma, demonstrava um dos mais movimentados e violentos para o governo
central, cujo comandante, Floriano Peixoto, destemido alagoano, merecia muito bem a carapuça
de “Marechal de Ferro”.
Embora fosse grande a briga pelo poder, o jornalista José Leal a definiu como “Uma
rivalidade besta”. O certo é que nas reuniões da Constituinte Estadual, membros do Partido
Republicano andaram se estranhando, porque cada grupo desejava para si a liderança dos
trabalhos políticos na Paraíba.
Esta era uma época em que a Republica embrionária tinha apenas quatro anos de idade
e o cheiro absolutista da monarquia, deposta em 15 de novembro de 1889, permanecia, ainda,
nos diversos setores do Governo Central (Porta voz da República, edição especial, A União, 2
de Fev., 2013, caderno 3)
Para se ter uma ideia do papel da “A União” na implantação da República de 1889, na
Paraíba, temos de avaliar o impacto das mudanças não só políticas e administrativas impostas
pela nova ordem, como sua repercussão no estágio de atraso geral em que nos encontrávamos.
(Condutor de novas ideias, edição especial a União, caderno 4,2 de Fev. 2013).
O jornal A União, como à história pode registrar, ultrapassou a condição de um simples
jornal para se tornar o único elo da corrente de lutas e conflitos, de desafios travados pelo
governo paraibano. Vinculado ao Estado da Paraíba, o jornal A União é o único jornal oficial
em circulação no Brasil. Hoje já são 127 anos de jornalismo, que ao longo desse percurso é um
dos mais antigos em circulação no Brasil, tendo acompanhado o desenvolvimento da Paraíba,
do Brasil e do Mundo, estampando nas suas páginas vários acontecimentos que hoje fazem
parte da história.
Para muitos, o jornal A União era tido como a primeira e grande universidade paraibana,
a Velha Dama, que foi a escola de inúmeros jornalistas, ficando difícil elencar todos eles aqui,
como João Lélis, Alice de Azevedo, Silvino Lopes, José Leal e muitos outros, não se
esquecendo das escritoras da “Associação Paraibana pelo Progresso Feminino”, onde
publicavam seus artigos feministas no jornal que nos ajudou na confecção deste trabalho, como:

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Olivina Carneiro da Cunha, Iracema Feijó da Silveira, Marina de Abreu, Adylia de Albuquerque
Morais, Lylia Guedes, etc.
Pioneiro da nossa imprensa, visto como principal escola de jornalismo impresso, tem
sido palco para muitos acontecimentos que levaram a formatar um lugar chamado Brasil.
Contudo, antes de se falar em cursos de comunicação, quando o jornal oficial narrava às regras
das novas invenções gráficas e editoriais, era um jornal que circula de forma contínua, já há
mais de um século, servindo de fonte de estudo para se entender como tem sido a evolução do
jornalismo impresso, não só na Paraíba, mas no Brasil, acompanhando de perto a modernidade.
A União foi responsável não só pela formação de vários profissionais em várias faces
de um jornal, como também de editores, publicitários, artistas, colaboradores, senhores de
conhecimentos e outros que aprenderam esse ofício, fazendo-se editora e jornal numa escola de
artes gráficas. Muitos nomes se tornaram conhecidos nos dias de hoje como Milton Nóbrega
Tônio, Régis, Unhandeijara Lisboa, Domingos Sávio, Nivaldo Araújo, Tadeu Lira, Sandoval
Fagundes, Archidy Picado, Deodato Borges (pai e filho), Fred Svendsen, Marcos Pinto, Pedro
Osmar e tantos outros consagrados artistas e colaboradores, que foram sendo absorvidos pelo
mercado na era da offset e da propaganda que passou a reinar. Alguns até hoje estão ilustrando
suas passagens.
Este jornal foi, desde a sua fundação, o principal espaço para a intelectualidade
paraibana se tornar visível, em artigos, crônicas, ensaios ou nas várias colunas, como o diário
da política. Muitos foram os intelectuais ou políticos paraibanos que passaram de alguma forma
em suas páginas, dentre eles: Zé Lins a Zé Américo, Ernani Sátyro a Pedro Gondim, de Mário
Pedrosa a Orris Soares; agregando o teatro, a música, o folclore, e o cinema, as críticas, como
também o registro histórico dos primeiros idealizadores. Já nas artes plásticas, acredito que não
há nenhum artista que passou despercebido em suas inúmeras páginas, pelo menos os mais
conhecidos estão documentados as suas obras como também contribuíram em várias passagens,
em divergentes edições e instantes: Clóvis Júnior, Chico Pereira, Pontes da Silva, Flávio
Tavares, Cristovam Tadeu, Celene Sitônio, Elpídio Dantas, Emir Ribeiro, Henrique Magalhães,
Ivan Freitas, João Câmara, José Altino, Miguel dos Santos, Nivalson Miranda, Regis Soares
dentre outros do passado e do presente, neste jornal genuinamente paraibano.
Não podemos nos esquecer da fotografia que testemunhou imagens a trajetórias dos
fatos pelas suas lentes de pioneirismo antigos que chega até a confundir com a história do jornal,
cito alguns dele por aqui: Germana Bronzeado, Gustavo Mouraque. Tendo em vista que ele (o
jornal A União) pôde, ao longo do período de sua existência, testemunhar as incríveis e

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inimagináveis mudanças que se processaram na vida política, econômica e social da Paraíba e
do Brasil; sobreviveu a duas grandes Guerras Mundiais, duas Revoluções Nacionais, 35
Presidentes da República, 52 Governadores da Paraíba e ao advento do Rádio, da tevê e da
Internet.

Digamos o nosso programa em uma palavra, e sem nenhuma


observação preliminar: é uma folha política, um jornal de partido
que apresentamos hoje ao público. É o órgão do partido
republicano, que se formou com os elementos da sociedade, para
garantir a ordem pública, apoiar a administração e fundar, pelo
sistema federativo, o império da lei neste Estado. (SENTINELA
de 120 anos. Jornal A União, João Pessoa, 2 de fev., 2013, ano
CXX, n.001. Disponível em: www.paraiba.pb.gov.br e
jornalauniao.blogspot.com).

O Jornal foi e continua sendo um marco no estado da Paraíba, uma espécie de patrimônio
do estado, pois são 12 décadas reportando para os pessoenses os fatos e analises destes. Assim,
o jornal corresponde aos documentos que se encontram ligados ao patrimônio arquivístico,
podendo ser ligado à noção de patrimônio histórico, nos ajudando a compreender, através de
suas matérias e imagens, as dimensões textuais e simbólicas existentes nos jornais e arquivos
pensados como lugar de enunciados ou de reprodução de relações políticas, sociais, culturais e
de dominação (SILVEIRA; LIMA, 2005).
Noticiava a história da Paraíba, sua opinião pública, como também o que estava
acontecendo no Brasil e no mundo. Um jornal muito importante e renomado aqui no estado,
visto como um lugar de intelectuais da época, ou como órgão porta voz da República servindo
de “apontador de iniciativas”, fazendo história ao se destacar como poucos periódicos no mundo
a atingir a marca de seus 120 anos.
Muitas lutas, ideais, conquistas sociais e tecnológicas auxiliaram na produção das
matérias que seriam publicadas, visto que se utilizava da datilografia, e, muitas vezes, as
matérias eram reduzidas e algumas coisas deixavam de ser publicadas por conta do espaço.
Assim, a tecnologia avançada influenciou positivamente nessa questão. A Sentinela de 120 anos
do Jornal “A União”, publicada em 2013, cita que “Tempo houve, é verdade, em que além de
testemunha A União assumiu o papel de personagem da história”. A União também pode ser
pensado como um espaço para a divulgação de ideais mais “feministas”:

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Já na década de 1920, tanto no jornal A União quanto em outros periódicos
locais em, circulação no estado, é possível visualizar uma maior inserção da
mulher paraibana tanto no jornal A União como em outros periódicos locais
em circulação no estado, é possível observar uma imprensa, ora com a
produção de textos dos mais distintos gêneros, como poemas e artigos de
opinião, por exemplo; ora como assunto das discussões empreendidas pelos
homens, com temáticas que variavam entre as características que lhe
imputavam a condição de ser frágil e dependente do homem ou de como os
novos costumes que adentravam a sociedade de então poderiam trazer
prejuízos a esse perfil tão desejado e acalentado pelas instituições
mantenedoras do status quo, como a igreja, a imprensa, a medicina, entre
outras; ou ainda estimulando o debate sobre a necessidade de se abrir espaço
para que a mulher pudesse, assim como os homens, receber instrução, votar,
e trabalhar em setores diversos (NUNES, et. al, 2015, p. 05).

Mas neste jornal as propagandas sempre ocuparam um lugar especial, começando a


definir, no jornal A União, um espaço significativo bem antes de existir, no século seguinte, a
definição que a levaria a ser “a alma do negócio”. As propagandas marcaram o próprio
nascimento do jornal. Em seu primeiro exemplar é inteiramente assoberbado por inúmeros
anúncios ou “reclames”, como era chamado naquela época. Por volta de 1800 os mascates, os
ambulantes e os tropeiros foram os primeiros vendedores a divulgar os seus produtos em
impressos que difundia aleatoriamente no Brasil.
Ainda no ano de 1800, a propaganda brasileira estava engatinhando, e só iniciava os
seus primeiros passos quando deu início a venda de automóveis. Havia um espaço importante
para os anúncios, abrindo um mercado onde passou a rivalizar com as vendas de remédios que
dominou naquela altura, sortindo efeito até 1930, sobressaindo os anúncios dos caminhões Ford
e Chevrolet, na parte que toca a indústria automobilística, como os medicamentos Magnésia
Fluida e óleo de fígado de Bacalhau, sem deixar de mencionar os clássicos “Emulsão de Scott
e Biotônico Fontoura”. Os anúncios de automóveis e de remédios formaram os classificados do
número 1 de A União (O negócio já estava na alma, A União edição especial, caderno 4, 2 de
fev.2013).
Como destaca Vasconcelos (et. al., 2015, p. 02), as propagandas não exibem anúncios
desinteressados, mas ao contrário, representam modos e estilos de vida, valores e padrões de
cada época, relacionadas a “valores morais e sociais”, podendo ser utilizadas como estratégias
políticas, religiosas e sociais; de modo a incitar não só o consumo de produtos, mas também
das ideias que veiculam.
Com o passar do tempo ocorreram muitas mudanças como vinhetas, ilustração, tamanho
e espacejamento, tornando os anúncios mais atraentes para os seus leitores. “A Imprensa” é o
jornal mais antigo encontrado no acervo da Fundação Casa de José Américo, e são incluídos
18
jornais “Gazeta da Parahyba” (1888), “Estado da Parahyba” (1891), “O Paraybano” (1892), A
União (1893) e a “Gazeta do Commercio” (1895) (PROPAGANDA E PUBLICIDADE NAS
PÁGINAS DE A UNIÃO, Edição Especial, caderno 05 fev. 2013, João Pessoa).
Podemos pensar que o jornal A União foi, e continua sendo em alguma medida, um
importante divulgador do imaginário de uma época ou momento histórico vivido desde sua
fundação, bem como de lutas políticas, de costumes e de valores socialmente construídos,
transmitidos por seu meio.
Os jornais também eram espaços políticos e sociais para (ou sobre) as mulheres, pondo
em foco para debate e reflexão as relações de gênero praticadas no período. O trabalho com a
imprensa como fonte de pesquisa, em particular o Jornal A União, contribui no sentido de captar
elementos da reprodução dos valores instituídos pelo Estado e pela sociedade, nos círculos de
leitores e de uma dada comunidade letrada. Significa analisar as representações da mulher por
parte da sociedade na esfera do poder institucionalizado, do governo e da imprensa, por
conseguinte, da organização da educação nas esferas políticas do governo da Parahyba.

1.2. Os impressos analisados

Partimos incialmente da ideia de discutir as interfaces entre educadoras, educação e


imprensa na Paraíba do século XX, através das práticas, leituras e representações, bem como o
desejo de explicitar as relações de gênero ali presentes. Pensávamos na construção da visão que
se tinha dos papéis desempenhados pelas mulheres, como Nísia Floresta, que já nas primeiras
décadas do século XIX expressavam a insatisfação das mulheres diante da falta de
representatividade política, que lutavam por ocupar outros espaços, queriam ser reconhecidas
como sujeitos da história, reivindicavam direitos iguais nas relações familiares, burlavam, às
vezes até de forma solitária, as barreiras existentes, colocando em discussão a sua necessidade
de participar da vida política e social de uma nova sociedade em construção.
Como aponta Nunes (et.al., 2015, p. 03): “No Brasil um dos primeiros nomes
relacionados com a defesa dos direitos femininos foi o de Nísia Floresta...” que, como outras
mulheres deste período, buscava combater a ideia do lar ser o lugar comum as mulheres, lutando
para que tivessem outros espaços na sociedade.
As leituras de historiadores foram fundamentais para este trabalho, como Gonçalves
(2006), sobre a história das mulheres, destacando a participação das mulheres na história do
19
nosso país, e também do estado da Paraíba, e no caminho de emancipação feminina trilhado ao
longo dos séculos. Sobre a história da Paraíba a leitura de autores como Irineu Pinto, do IHGP
(1910), levanta questões da educação feminina desde o período colonial até a República na
Parahyba, e os historiadores Eliete Gurjão e Damião de Lima (2004).
Importante registrar que em 1933 um grupo de mulheres paraibanas criam, em João
Pessoa-PB, a chamada Associação Paraibana pelo o progresso feminino, provavelmente sob
inspiração da Federação brasileira pelo progresso feminino, criada por Berta Luz em 1922,
como meio de luta pela emancipação da mulher e maiores espaços na sociedade e no mundo do
trabalho (MACHADO, NUNES, 2007).
Observou-se que uma das mais destacadas reivindicações femininas passa pelo direito
à educação, justificando a importância de tal aquisição tanto para exercer bem o seu papel de
mãe, formadora dos homens do futuro, quanto para o próprio engrandecimento espiritual, mas
também em prol do desenvolvimento de sua capacidade intelectual e civil, tanto quanto o
homem, de exercer os mais variados cargos. Desse modo, esses recortes nos jornais, artigos,
variados textos da história do Brasil e da Paraíba nos dão mais visibilidade sobre os fatos.
Como já exposto na introdução deste trabalho, realizamos uma análise documental por
meio desse jornal. Durante o chamado Estado Novo o que mais encontramos no jornal “A
União” foram os informes publicitários acerca de produtos para embelezar a mulher em todos
os sentidos, como creme dental para ficar com os dentes mais brancos, biotômico Fontoura para
estimular o apetite, creme para rosto da marca Rugol que prometia as mulheres usassem e a sua
autoestima ficasse elevada em apenas poucos dias.

Figura 1: Anúncio de um creme dental. Fonte: (A União, Parahyba, p. 01, 2º Quadrante direito,
setembro de 1938).

20
Figura 2: “Eu agora sou outra!” Fonte: (A União, João Pessoa, Parahyba, p.5, 2º quadrante à
direita, ano XLVI, set 1938).

A figura 2, sobre a marca de creme dental KOLYNOS, trazia em sua manchete:


“Embelleze seu sorriso com Kolynos, sendo preciso apenas 1 cm para a escovação. Nos mostra
que a “bellezza” feminina está ligada ao seu poder de “atração”, e que no caso de uma mulher
depende muito da dentadura, que deveria ser “sadia, alva e brilhante”. Já o anuncio do Biotonico
Fontoura (figura 3), o mais conhecido fortificante da época, sendo comercializado até hoje,
assegurava bons resultados ligados à saúde e a estética, além de estimular o “appetite, regenerar
o sangue, fortalecer músculos e nervos desenvolvendo as cores das mesmas. Super indicado
pelos médicos para qualquer idade e gênero”. Note-se que acima do texto temos uma imagem
de mulher com pernas a mostra, ligando saúde, embelezamento e sexualidade.

21
Figura 3: Creme Rugol. Fonte: (A União, Joao Pessoa, Parahyba, n.05, 2º Quadrante esquerdo, ano
XLVI, 04 de setembro de 1938).

Na figura acima temos o informe Publicitário com a manchete: Uma nova Pelle Branca
fez voltar a minha sorte em apenas 03 dias, do creme Rugol que prometia as mulheres um bom
aspecto facial, contra a flacidez, além da promessa de uma “nova pele” ou fisionomia facial, o
que traria, em consequência, sorte e vários pretendentes.
No desenvolver da pesquisa foram encontrados poucos informes publicitários nos
jornais da União, durante o período de 1937-1945 com relação à mulher, educação, políticas e
processos educacionais. Alguns jornais já estavam muito deteriorados, dificultando o seu
manuseio e as identificações dos elementos nele contidos.
Mesmo assim podemos destacar que os anúncios sobre produtos de embelezamento
enunciam por meio da publicidade um imaginário específico sobre o lugar da mulher: em casa,
e o que deveria ser a sua preocupação: a beleza e artigos de embelezamento para atrair um
marido através desse consumo. Observa-se que o desejo feminino é tido como associado a um
padrão de mulher.
A maioria dos anúncios tratava sobre produtos de higiene pessoal e de beleza, cujos
atributos estão ligados a certas escolhas, atreladas a valores de aperfeiçoamento da aparência e
de correlata aceitação social, dentro dos padrões sociais de feminilidade da época.
Deste modo, a partir da digitalização, tematização e análises das matérias publicadas na
imprensa, foi possível perceber o significado da presença da mulher no projeto educacional, em
sintonia com os movimentos do país, nos primeiros anos de governo da Era Vargas. Sobretudo,
22
com a ênfase política ao debate da expansão do ensino primário, agora sob o comando da
mulher, robustecendo assim, a identidade cultural da feminilização do magistério e uma dada
representação de sua evocação ou mesmo naturalização dos desafios dessa condição de trabalho
nas esferas públicas.

23
CAPÍTULO II - CATHARINA MOURA E O CONTEXTO SOCIAL DO
SÉCULO XX.

Este capítulo tem como objetivo falar sobre quem foi Catharina Moura, a sua
importância e um pouco da trajetória da mulher e advogada, numa época em que os papeis
femininos eram limitados ao lar e o ambiente doméstico. Vemos em Rousseau, no século XVII,
o desenvolvimento da ideia que a mulher deveria se desenvolver para melhor servir ao âmbito
doméstico, pois o saber seria contrário a sua “natureza”. A mulher passava a fazer parte da
sociedade nesta discussão, mas como mãe, esposa e servil (GASPARI, 2013).
Catharina, que não se auto definia feminista, tornou-se uma voz feminina na conferencia
por ela pronunciada no teatro Santa Rosa, em João Pessoa, 1913. A advogada proporcionou
uma série de discussões sobre o tema das relações de gênero e o papel político da mulher, que
apenas mais tarde ganhava estrutura do movimento ativista das sufragistas na luta pelo direito
do voto, tudo isso em meados da década de 20. Durante a conferência assuntos relacionados às
questões sobre igualdade de gênero como: as diferentes reações entre homem e mulher, família
e principalmente uma discussão sobre a proibição do direito ao exercício do voto pelas
mulheres, foram tematizados durante o evento, revelando assim o pioneirismo e visão de uma
mulher forte e à frente de seu tempo.

Figura 4: Mulheres que se destacam na Faculdade de Recife. Fonte:


https://www.ufpe.br/arquivoccj/curiosidades//asset_publisher/x1R6vFfGRYss/content/conheca-
algumas-das-corajosas-bacharelas-pela-faculdade-de-direito-do-recife/590249

24
De acordo com o livro “Catharina Moura e o feminismo na Parahyba do Norte” (2013),
as fontes acerca da trajetória de Catharina Moura são bastante escassas, dificuldade decorrente
de certa desorganização e fragmentação em que se encontram os jornais e revistas da época.
É importante destacar que este trabalho é influenciado por uma experiência que teve
início na pesquisa intitulada “Educação e educadoras na Paraíba do século XX: práticas, leituras
e representações”, coordenada pelo professor Charliton Machado no ano de 2013, onde se
observou a dificuldade em levantar informações sobre a mesma.

[...] As escassas fontes que contemplem as informações a respeito


desse fato estão na obra de José Joffily: “Anayde Beiriz: Paixão
e morte na revolução de 30”. Porém algumas dúvidas ainda
permanecem: quando e com quem se casou? Em um
documentário oficial de 1925, que trata de uma licença de saúde
da referida professora, conforma fonte 9, neste livro, a mesma é
designada como Catharina Moura Amstein, indício de que á
estaria casada. Também é possível observar uma variação no seu
nome, entre Catharina Moura de Moura, embora, nas fontes
analisadas prevaleça o primeiro caso. Optou-se nesse texto por
Catharina Moura, em observação ao nome de sua mãe, Francisca
Moura, e a maioria dos documentários encontrados.
(MACHADO, NUNES, MENDES, 2013, p.21).

Coutinho (2005) e Barbosa (2009), bem como as fontes levantadas no livro Catharina
Moura e o feminismo na Parahyba do Norte (2013), tem servido de base para esse estudo, no
tocante ao entendimento da história desta advogada e professora. É possível afirmar que
Catharina Moura nasceu na capital da província da Parahyba, em 20 de dezembro de 1882, filha
de Misael do Rego Moura e Francisca Chaves Moura. Catharina realizou seus estudos primários
e secundários na escola normal oficial, onde recebeu o diploma de professora normalista na 11°
turma de concluintes, no ano de 26 de abril de 1902. Feito curso preparatório no colégio Liceu
Paraibano, no ano de 1908 matriculou-se na faculdade de direito de Recife. Dali saiu formada
com louvor, pois recebeu a láurea acadêmica e por esse feito um prêmio de uma viagem para
Europa.
Não há registros sobre a data de morte de Catharina Moura, o que nos mostra o descaso
da história e da imprensa para com a história de protagonistas mulheres, cujas vidas são
apagadas, com pouca ou quase sem visibilidade.
Em seu processo de formação jurídica na faculdade de direito do Recife, Catharina foi
à única mulher que concluiu a formação na turma composta por 48 bacharéis, isso no ano de

25
1912, ao lado dos outros 13 paraibanos ilustres como Álvaro Pereira de Carvalho e do escritor
Carlos Dias Fernandes. Essa informação foi listada no periódico Brasil feminino:

Dra. Catharina de Moura Amstein a primeira que entrou em


faculdade de direito do Recife, depois de proclamada a república
e também a primeira paraibana que conquistou um título de
escola superior (ao que nos parece), tendo alcançado por meio de
um curso distincto, o prêmio de viagem à Europa. (BRASIL
FEMININO, maio de 1933, n.12, p.71).

Ainda com base no livro Catharina Moura e o feminismo na Parahyba do Norte (2013),
como quartanista de direito Catarina Moura advogou nos juris criminais, na cidade de Pau
D`alho, em Pernambuco. Em 1913, no governo Castro Pinto, fez conferência pública, no teatro
Santa Rosa, sobre os “Direitos da Mulher”, e escreveu no principal jornal da União, crônica
assinalada com o pseudônimo de Paraguaçu. E nesta capital, na escola normal ensinou como
professora de português, desenho, francês e história da civilização, e em 1917 foi nomeada
professora de Português, agora como docente efetiva. O periódico Brasil feminino da época
assim informou:

A Dra. Catharina Moura, quando solteira, iniciou sua carreira


literária pulicando uma série de chronicas n` “A União”, orgam
oficial do Estado, tendo feito uma conferência sobre o thema “Os
direitos políticos da mulher”. (BRASIL FEMININO, maio, 1933,
n. 12, p.71).

Naquela época - início do século XX - começava no Brasil, especificamente nos centros


urbanos, uma tímida mobilização por novos comportamentos em relação aos padrões e
costumes da época. Nesse cenário havia uma propensão ao fortalecimento do debate sobre os
direitos políticos e civis da mulher de modo organizado, cenário típico de um processo de
modernização, neste caso, republicana, em defesa das mulheres pelo direito do voto universal.

[...] haja vista a República de 1889 que manteve como ordem a


concepção restritiva dos direitos de cidadania das mulheres. Essa
bandeira, porém, só tomaria força de aglutinação a partir da
década de 1920, como a consolidação da vertente feminista
liderada pela Dra. Bertha Luz, que tinha como frente prioritária
do debate a incorporação da mulher como sujeito portador de
direitos políticos, através da Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino (PINTO, 2003 apud MACHADO; NUNES;
MENDES; 2013.p.31).

26
De acordo com Machado, Nunes e Mendes; (2013), na época em que nascia as
conferencias, a chamada Parahyba do Norte estava sob o comando do presidente João Pereira
de Castro Pinto, sendo que o mesmo teve apoio das oligarquias locais, escolhido para manter a
diplomacia entre as elites oligárquicas no ano de 1912, para ocupar o cargo de presidente. A
missão foi dada a Castro Pinto com o objetivo de promover harmonia entre os grupos locais e
a elite, contudo suas medidas ou decisões eram sempre entendidas como mais favoráveis a um
ou outro grupo, chegando a desenvolver no mesmo a possibilidade de renúncia do cargo de
governador. Entretanto, estudiosos o referenciam como um líder sintonizado com as ideias de
modernidade proposto pela nova república, rompendo assim com as tradições que foram
mantidas durante o império.
Segundo Freire (1978, p. 149) “O seu governo foi marcado pelo valor que deu as letras.
Todas as obras paraibanas de escritores foram divulgadas pela imprensa oficial. [...] Fundou a
primeira biblioteca da Paraíba e melhorou o ensino”. E foi graças às iniciativas do governo de
Castro Pinto em impulsionar a educação e cultura do Estado, que puderam promover as
“Conferencias da Universidade popular” que se tratou de um momento constituído por
políticos, intelectuais, bem como educadores formando assim uma unidade representativa que
vislumbrou a criar uma universidade popular. Tal criação seria o primeiro passo para início da
modernidade ao qual passaria a Paraíba.
“Conforme noticiava o jornal A União, em matéria publicada em janeiro, bem como em
reprodução de notícias publicada em “O PAIZ”, em fevereiro de 1913, discorrendo sobre a
constituição de sua diretoria, os temas e conferencistas” (MACHADO; NUNES; MENDES,
2013. p.27), destacando que foram duas as mulheres a fazerem parte da comissão organizadora
da universidade: Anela Moreira e Catharina Moura. Porém, apenas Catharina esteve entre as
conferencistas.
Sobre o contexto mundial desta época, podemos citar a importância dos movimentos
sociais, como o feminismo, que desapontava em manifestações públicas e pregava a libertação
da mulher com respeito ao uso de contraceptivos e outras formas de liberdade. A obra de
Simone de Beauvoir (1979) falava do direito da mulher ao exercício de atividades públicas e
da sua capacidade de concorrer igual aos homens.
A assimetria de gênero relaciona-se a violência simbólica, como resultado de
discriminação da mulher, considerando que a dominação masculina existente em nossa
sociedade. Como aponta Scott (1995, p. 72), gêneros são classificações de um sistema social de
distinções em termos de feminino/masculino. O termo gênero surge entre as feministas
27
americanas, em oposição à determinação biológica. A autora chama atenção para a correlação
entre gênero e o exercício de papeis sociais em diferentes períodos e sociedades, “como
funcionavam para manter a ordem social ou para muda-la”.
Sobre a dominação masculina, para Pierre Bourdieu (1995) esta passa por processos de
naturalização de construções sociais, que se manifesta em discursos e ações com base na
primazia do masculino como forma de organização social. Assim esta dominação está presente
em crenças e práticas que justificam as oposições entre homens/mulheres.
É importante dizer que no século XIX a educação feminina ainda estava sob influência
da sociedade portuguesa e seus valores patriarcais, com a criação das Escolas Normais, voltadas
para um público feminino, onde a instrução era muito mais um preparo para o casamento, pois
a idoneidade moral era mais significativa que o conhecimento intelectual, com educação similar
a submissão (GASPARI, 2003).
Conforme publicado no Jornal A União em 16 de janeiro de 1913 e citado por Machado,
Nunes e Mendes (2013, p.72):

Com a assistência numerosa, exercendo de muito a expectativa


de todos que lá estiveram, realisou-se homtem, no Santa Rosa,
como antemão anunciamos, a primeira sessão preparatoria,
tendente a crear uma universidade popular, na Parahyba. A’hora
marcada os promotores da Idea Dr. Symphoroneo Magalhães,
Ex. mo. Dr. Castro Pinto e Dr. Magalhães e Dr. Matheus de
Oliveira tomaram um logar á parte e começou S. Exc.º Dr. Castro
Pinto, que ocupou o posto de presidente, a expor os motivos da
reunião, dando, em seguida, a palavra ao Dr. Symphoroneo de
Magalhães. O illustre homem de lettras dissertou sobre a
organisação das sociedades congêneres, na Italia, pelas quaes
pretendia modelar a nossa. Disse que o título parecia muito
pomposo, mas que outro não poderia traduzir tão bem ao fim a
que se ella propõe.

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, na Parahyba do Norte, em suas primeiras


décadas ainda do século XX, vivenciava-se, sob a égide total das tradições patriarcalistas mais
profundas, desfavoráveis à presença da mulher na vida pública e que, consequentemente, se
recomendava a manutenção dos padrões consagrados à mulher na ordem familiar, uma
dependência ao marido e reclusão das mulheres no âmbito da vida privada. Como vemos na
citação acima, a organização da sociedade, em termos de gêneros, começa a ser desenhada ou
referenciada com a criação de uma universidade popular, o que referia a presença feminina,

28
mas observa-se ainda uma parcimônia desta inclusão. O “popular” seria apenas a abertura desta
instituição a poucas mulheres, pois este era um universo estritamente masculino.
Temos autores como Tobias Barreto (1962) e Tito Lívio de Castro, configurando um
olhar mais positivista e progressista sobre as discussões em torno da inferioridade da mulher
em relação ao homem durante o século XIX. Acreditava-se que a chave da evolução da
sociedade brasileira se encontrava na educação feminina e compartilhava-se, também, a ideia
de inferioridade intelectual da mulher em relação ao homem. É interessante deixar claro que
ambos os autores ressaltam que a causa do atraso nacional seria solucionada quando as mulheres
fossem incluídas no processo educacional (ALMEIDA, 2007).

Essa visão dicotômica entre homens e mulheres, vincula o universo


masculino, à cultura, a racionalidade e ao público, determinando a sua dita
superioridade em relação ao universo feminino. Enquadrado como,
emocional, subjetivo e restrito ao âmbito privado. Não era de se estranhar,
portanto, a predominância na narrativa histórica de preocupações com o
político e com o público, aos quais exaltavam os homens em seus feitos e
heroicidade, excluindo quase que por completo, as mulheres enquanto
personagens e produtoras da História (PEREIRA; CARMO, 2015, p. 02).

Vale destacar que no Brasil as mulheres puderam se matricular em estabelecimentos de


ensino somente em 1827. O direito a cursar uma faculdade só foi adquirido cerca de 50 anos
depois. As primeiras mulheres que ousaram dar esse passo rumo à sua autonomia e
profissionalização foram, muitas vezes, socialmente estigmatizadas (BUONICORE, 2001).
Neste sentido, na realidade política da Primeira República raramente é possível
encontrar registros da presença feminina em espaços públicos na Parahyba do Norte,
especialmente em espaços intelectuais, sobretudo políticos, visto que as tarefas relativas a esses
espaços eram restritas aos homens, por condizerem com as expectativas de que os
comportamentos das mulheres estavam ligados à religiosidade e moralidade.

Quando muito, as mulheres apareciam na imprensa, na condição


de ingênuas, meninas em estágio escolar de formação ou como
abnegadas educadoras, normalistas retraídas, e dedicadas à
preservação dos bons costumes na família. Por isso, em meio ao
indisfarçável “conformismo” ou “submissão” feminina da época,
chamou atenção [...] o impactante conteúdo crítico da 8.ª
conferência intitulada “Os Direitos da Mulher”, expondo uma
clara tese de ruptura nas formas de viver e pensar as relações
entre homens e mulheres, consequentemente, nas formas de
relacionamento tradicional da família (MACHADO; NUNES;
MENDES, 2013. p. 32).
29
Exemplificando essa condição das mulheres na imprensa, há a matéria publicada no
Jornal “A União” em janeiro de 2004, denominada “Anayde: confissões de amor”, na qual o
jornalista Fernando Moura expôs um perfil da professora e poeta Anayde Beiriz, através de
respostas dadas por ela mesma em um questionário na década de 1920, o qual possuía traços
singulares, a fim de permitir a compreensão da sua personalidade.

Figura 5: Anayde Beiriz. Fonte: https://www.vix.com/pt/bdm/estilo/anayde-beiriz-paraiba-masculina

Anayde, última e mais intensa paixão do advogado João Dantas1, de quem foi namorada,
de repente se viu envolvida nos sangrentos acontecimentos que antecederam a Revolução de

1João Dantas foi um advogado e jornalista Brasileiro. Seu nome está ligado a história do Brasil, principalmente porque
cometeu um crime, quando matou a tiros o então governador do estado da Paraíba, João Pessoa, em 26 de julho de
1930 no estado de Pernambuco. João Dantas, namorou a professora e poeta Anayde Beiriz. A Revolução de 1930 foi
um marco da história contemporânea em virtude da condensação de fenômenos observados em torno do movimento
(MARTINS,1980). Desse modo, a revolução de 1930 teve como uma base para se captar a cultura política, o
comportamento, bem como as aspirações e demandas dos diferentes segmentos integrantes do sistema político
brasileiro. Resultando a Revolução de 1930 mais do que as propostas do movimento em si, foi a transformação de
1930 em um marco histórico muito importante no país.

30
30. Para Fernando Moura, o amor e a morte foram as principais motivações de vida de Anayde.
Nos trechos da entrevista publicada no Jornal, perguntas como: “O que achas do casamento?”,
“Desejarias ter quem te consolasse?”, “Qual o estado do teu coração?”, “Tens tido sensações?”
e outras, que demonstram a condição de ingenuidade da mulher e uma suposta necessidade de
casar-se para ser uma “pessoa completa”.
Interessante notar que a mulher neste período era tutelada pelos homens- seu pai, irmãos
ou marido, necessitando de autorização para trabalhar, fazer transações financeiras ou viajar,
isso de acordo com o 1o Código Civil Brasileiro (BUONICORE, 2009). Mas na mesma época,
a conferência pronunciada por Catharina Moura fazia a proposta de avanço nas questões
relacionadas aos direitos das mulheres, bem como em relação às perspectivas sobre o papel das
mulheres na sociedade.
Ao traçar o perfil de Catharina Moura, bem como sua relevância no empenho por
esclarecer injustiças causadas por dominação de cunho patriarcal da sociedade da época, é
possível admitir que sua atuação na conferência sirva para uma reflexão acerca das
desigualdades de gênero, percepção da distinção dos papeis sociais entre homem e mulher, bem
como uma contestação da Constituição de 24 de fevereiro (Tit, IV, secção I, artigos 69 e 70)
que caracteriza as condições necessárias para ser um cidadão brasileiro.
Para Nunes (et.al, 2015) não se encontra na imprensa paraibana, antes de Catharina
Moura, outro discurso, feito por uma mulher, que levante a discussão sobre os direitos
femininos, incluído a educação, deslegitimando a ideia de inferioridade feminina, De acordo
com uma das falas de Catharina Moura, o que legitima a não participação da mulher para eleger
seus representantes está ancorada em teoria puramente doutrinária, sem prática efetiva no
cotidiano, conforme citado por Machado, Nunes e Mendes (2013, p. 86):

Os direitos políticos da mulher são, para nós brazileiros,


assumpto meramente theorico, puramente doutrinário.
Nossa legislação não concede á mulher capacidade para
votar, não a considera hábil para eleger ou ser eleita.
Empregando, porém, a expressão nossa legislação, parece-
me, não andei muito acertadamente. Nossa lei básica, a

31
Constituição de 24 de fevereiro, estatuindo no seu Tit, IV,
Seccão I, artigos 69 e 70, as qualidades necessárias para ser
cidadão brazileiro e eleitor, não se refere ao sexo como
provando que este não póde ser absolutamente considerado
motivo justo de capacidade ou incapacidade physica ou
moral para o livre exercício do direito ao voto. Donde
nasce, portanto, a incapacidade da mulher se a constituição
não priva do voto em nenhum dos seus artigos? Alem das
exclusões expressas na constituição, comenta João
Barbalho, subsiste a das mulheres, visto não ter sido
aprovada nenhuma das varias emendas que lhes attribuiam
o direito de voto politico. [...] Permitti, senhores, que não
abrace essa theorica, que vá de encontro com esse modo de
pensar, talvez da maioria masculina.

No tocante a biografia de Catharina Moura, como já dito, foi uma mulher e educadora,
advogada e intelectual da época, bem como a protagonista da 8ª conferência intitulada “Os
Direitos da Mulher”, no ano de 1913. Mesmo após esse período, informações sobre Catharina
são raras, impedindo, assim, que haja um relato bem substanciado da trajetória da sua vida e
atuação.

Catharina Moura nasceu na capital da Província da Parahyba, em 20 de


dezembro de 1882. Foram seus pais Misael do Rego Moura e Francisca
Rodrigues Moura. Fez seus estudos primários e secundários na Escola Normal
Oficial, onde recebeu o diploma de professora normalista na 11ª turma de
concluintes, em 26 de abril de 1902. Feito o curso preparatório no Liceu
Paraibano, matriculou-se em 1908 na Faculdade de Direito do Recife, de onde
saiu formada e laureada, em 1912, obtendo também o prêmio de viagem à
Europa. (MACHADO, NUNES, 2013)

Era filha de uma importante professora paraibana, Francisca Moura, que também deu
aulas na Escola Normal. Catharina atuava como professora das primeiras letras, tendo sido
professora no Curso particular de primeiras letras e de instrução secundária, criado pela sua
mãe, Francisca Moura, na Parahyba, lecionando português, desenho, caligrafia, etc. sendo
também uma intelectual da sua época (ESPÍNDOLA, 2017).

32
Figura 6: Francisca Moura, mãe de Catharina de Moura, fonte: Site do HISTEDEBR.2

Figura 7: Escola Normal, fonte: Site Tribunal de Justiça da Paraíba.

Como destacado anteriormente, em 1933 foi criada a Associação Paraibana pelo


Progresso Feminino (APPF), que possuía Catharina como membro da diretoria, e causa

2 https://www.histedbr.fe.unicamp.br/
33
estranhamento o fato de não ter sido localizado qualquer texto da intelectual na Página
Feminina, espaço da APPF, concedido pelo Jornal “A União”.
Este fato dialoga com a primeira Constituição da República (1891) onde não era
concedido as mulheres o direito de votar ou serem votadas. Uma situação que persistiria até o
século XX. Assim, não se pode negar que as mulheres não eram cidadãs de direitos,
consideradas como parte do mundo privado, do lar, ideologia especialmente desenvolvida pela
elite brasileira para as mulheres brancas e das camadas mais abastadas, pois as mulheres negras
e pobres necessitavam se submeterem a regimes extremos de trabalho, ainda cobradas a serem
mães e esposas (CARNEIRO, 2011).
Espíndola (2017, p. 128), registra que no século XIX a identidade da mulher era pensada
como ser amável, humilde e maternal, ligada a imagem da virgem Maria, seguindo as fortes
influencias da igreja católica. Assim, o magistério seria o curso ideal para atuação pública das
mulheres, onde podiam trabalhar e exercer essa “missão”.
O discurso de Catharina Moura na conferência de 1913 adentrou o universo político de
dominação masculina com propriedade, onde a advogada discorreu sobre os direitos das
mulheres, numa luta simbólica, se fazendo esclarecer por meio do seu discurso e seu capital
escolar, sobre a inconstitucionalidade da não participação da mulher em exercer o direito de
eleger os seus representantes. Portanto, Catharina se revela como referência feminina neste
cenário para as mudanças sociais e política do século XX, no tocante a sua coragem e ousadia,
por se tratar de uma mulher a enfrentar todo um padrão moral e ideológico, com base no
patriarcado dominante. Torna-se um “marco histórico” de extrema importância na discussão
sobre a “educação da mulher” (BOURDIEU, 1995).

34
CAPÍTULO III - CONTEXTO HISTÓRICO DO MOVIMENTO FEMINISTA NO
SÉCULO XX E A CONTRIBUIÇÃO DE CATHARINA MOURA

Este capítulo tem como principal objetivo fazer uma análise do protagonismo de
Catharina Moura frente ao espaço da imprensa, especificamente no Jornal da União, dedicado
às mulheres no período entre as décadas de 37 a 45, bem como seus desenvolvimentos.
O movimento social dedicado às questões de gênero é chamado de movimento
feminista, que nasceu da luta feminina por igualdade de direitos e representatividade. No mundo
inteiro é um movimento marcado pelas críticas as formas de dominação masculina e ao
patriarcado. Assim, está inserido no desenvolvimento da própria modernidade, à medida que
discute direitos e relações de poder, sendo tanto um movimento teórico como uma luta política.
No século XIX, na Inglaterra, mulheres se reúnem para reivindicarem direitos, em
especial o direito ao voto. Assim se configura o que se chama de primeira onda do feminismo
(PINTO, 2010). Este cenário também foi vivido no Brasil. Neste contexto apresentamos a
história de Catharina Moura, sobretudo tendo em consideração que naquele período as mulheres
eram vistas como “do lar”. Catharina Moura nos apresenta uma versão totalmente “a frente do
seu tempo”, tornando-se uma referência e incentivo para outras mulheres na luta pela conquista
do seu espaço na sociedade.
A sua biografia nos leva muito a pensar, isto referente à história social da mulher, numa
história cultural que manifesta os valores e significados dos gêneros, o que é possível identificar
nos debates travados pela imprensa como resposta a conferência proferida pela educadora
Catharina.
A supracitada conferência, realizada em 1913, proferida pela educadora, deu espaço a
uma sequência de pronunciamentos sobre o tema das relações entre gêneros, os direitos
políticos da mulher, que só mais na frente, na década de 20, receberiam destaque através do
ativismo das sufragistas no âmbito nacional. O acesso das mulheres aos estudos formais foi um
dos pontos debatidos, polemizados e freados pelos jornais, sendo o destaque da conferência no
Teatro Santa Rosa.
As relações familiares e os papéis a serem exercidos por homens/mulheres estavam em
pauta, na fala de Catharina, revelando de forma precursora a sua visão sobre os desdobramentos
dos direitos femininos, isso no decorrer do evento promovido pela “Universidade popular”,
movimento que reuniu um seleto grupo de intelectuais na Parahyba do Norte durante a gestão
do presidente João Pereira de Castro Pinto.

35
Catharina Moura apresenta suas visões, argumentos e opiniões de forma explícita em
relação ao papel social e político da mulher. Percebendo isto, os debatedores discutem as ideias
em pauta sobre a mulher a partir das perspectivas de Catharina, tendo em vista questões sobre
“vocação natural” e maternidade feminina, bem como a “preservação” da mulher nos ambientes
relacionados ao trabalho fora do lar, vistos como infames e degradados em relação ao papel
existente no tocante as questões femininas (MACHADO; NUNES; MENDES, 2013, p.13).
Ao longo da história ocidental vimos que muitas mulheres que se rebelavam contra a
condição de subordinação masculina e lutaram pela igualdade de gênero, muitas vezes pagaram
um “preço” muito alto, até mesmo com a própria vida, como é o caso de Margarida Maria Alves
e Maria da Penha.
Nas décadas finais do século XIX, quando as mulheres passam a se organizarem para
lutar por seus direitos, foi conquistado o direito ao voto, inicialmente no Reino Unido em 1918.
As sufragistas fomentaram grandes manifestações em Londres e foram punidas várias vezes,
presas e fizeram greve de fome.
No Brasil, “As sufragetes” como eram conhecidas, foram lideradas por Bertha Lutz,
bióloga, cientista de grande importância, que estudou no exterior, votando para o Brasil na
década de 1910 e iniciando a luta feminina pelo voto. Bertha Luz foi uma das fundadoras da
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, organização que fez campanha pública pelo
voto (PINTO, 2010)

[...] tendo inclusive levado, em 1927, um abaixo-assinado ao


senado, pedindo aprovação do Projeto de Lei, de autoria o
Senador Juvenal Larmartine, que dava o direito de voto as
mulheres. Este direito foi conquistado em 1932, quando foi
promulgado o Novo Código Eleitoral brasileiro (PINTO, 2010,
p. 16).

Ainda nessa mesma linha de raciocínio, na primeira onda do feminismo no Brasil é


valido destacar o movimento das operárias de ideologia anarquista, reunidas na “União das
Costureiras”, Chapeleiras e classes anexas. No manifesto de 1917, anuncia-se: “Se refletirdes
um momento vereis quão dolorida é a situação da mulher nas fábricas, nas oficinas,
constantemente, amesquinhadas por seres repelentes” (PINTO, 2003, p.35).
Para tanto, o feminismo, que deu início na Europa e nos Estados Unidos, se estende no
Brasil, mas que foi perdendo suas forças a partir da década de 1930, com a repressão militar,
só voltando a aparecer na década de 1960. Depois de 30 anos o livro da autora Simone de
36
Beauvoir, intitulado: “O segundo sexo”, publicado pela primeira vez em 1949, foi de grande
importância para a nova onda do feminismo, com uma das máximas do feminismo: “não se
nasce mulher, se torna mulher”, num modo claro de desnaturalizar os processos biológicos na
divisão dos gêneros em termos fisiológicos.
Ainda, sobre a década de 1960, é importante ressaltar que foi um período de grande
importância para o mundo ocidental, com as contestações mundiais sobre a Guerra do Vietnã,
o movimento hippie na Califórnia que propõe novos estilos de vida, contrariando os valores
morais e de consumo dos norte-americanos, alastrando seu lema: “paz e amor”. Já na Europa,
houve o “Maio de 68”, em Paris, com estudantes ocuparam a Sorbonne, ameaçando a ordem
acadêmica estabelecida há séculos, adicionando a própria desilusão com os partidos
burocratizados da esquerda comunista (PINTO, 2010).
O movimento alastrou-se pela França, onde os estudantes tentaram uma aliança com
operários, o que teve reflexos em todo o mundo. Foi também nos primeiros anos desta década
que foi lançada a pílula anticoncepcional, primeiro nos Estados Unidos, e logo depois na
Alemanha. A música vivia a revolução dos Beatles e Rolling Stones. Em meio a essa
efervescência, Betty Friedan lança em 1963 um livro que seria uma espécie de “bíblia” do novo
feminismo: A mística feminina, na Europa e nos Estados Unidos, e o movimento feminista
surge com toda força e as mulheres pela primeira vez falam diretamente sobre a questão das
relações de poder entre os gêneros.
Na década de 1960 houve grande efervescência através da música com a Bossa Nova e
o governo de Jânio Quadros. Se por um lado na Europa e nos Estados Unidos o cenário era
propício para o surgimento de movimentos libertários, principalmente os que lutavam pelas
causas identitárias; no Brasil houve momentos de repressão com o regime militar, que via com
desconfiança qualquer manifestação feminista, por compreender ser uma forma política e por
achar moralmente arriscado/audacioso. Já na década de 1970 ocorrem às primeiras revoluções
feministas no país.
Catharina Moura estava entre os educadores da primeira República na Parahyba, um
nome muito importante para a escolarização feminina deste período, com engajamento
intelectual na área da educação na sociedade da época. Tendo cursado a Escola Normal, típica
para mulheres, ela foi uma das únicas intelectuais deste momento que também fez curso

37
preparatório no Lyceu provincial3 antes de ingressar na Faculdade de Direito de Recife
(ARAUJO, 2010).
Fora professora das primeiras letras na capital da Parahyba, sem ter exercido cargo
público, o que era quase inexistente entre as mulheres intelectuais do período; uma das pautas
de reivindicações das feministas. Catharina publicou no jornal A União, uma forma de
participação social e intelectual expressiva na época, participando também da Universidade
popular (criada em 1913, em vários estados do Brasil, sob os modelos europeus) e da
Associação Paraibana pelo progresso feminino.
O Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IFGP), criado em 1905, teve em seus
primeiros tempos poucas participações femininas, sendo apenas em 1922 que Eudésia Vieira
ingressa nesta instituição como a primeira presença feminina. Já a Universidade Popular, que
funcionava no theatro Santa Roza, tinha a função de popularizar o conhecimento e as
informações, e teve a participação de Catharina Moura (PARAYBA, 1913).
Destacamos neste trabalho o jornal A União porque este foi um espaço de divulgação
da Universidade popular, com uma sessão especifica para divulgação desta instituição
(ESPINDOLA, 2017). Catharina fazia parte da Comissão organizadora das conferencias desta
instituição, formada por vários homens e, diga-se de passagem, apenas duas mulheres. A
Universidade funcionava mediante estas conferencias, publicadas no jornal A União. De acordo
com o jornal foram listadas 38 palestras em 1913, entre as quais está a de Catharina sobre os
direitos políticos das mulheres, tema muito inovador para sua época (AGUIAR, 1999).
Na 8ª Conferencia proferida por Catharina, ela falou sobre a importância de se
popularizar a educação e o conhecimento a toda população, incluindo as mulheres, mesmo que
não se reconhecesse enquanto “feminista”:

Dizer-vos que não sou infelizmente uma feminista [...] não sou dessas
mulheres admiraveis que affrontam impávidas os risos de escarneo, pesadas
ironias, os malevolos dichotes com quem mimoseam os ferozes inimigos do
progresso feminino, aquelles que, ou por temerem a competencia do sexo que
chamam fraco ou por não querem que lhes fuja o império até aqui exercido
sobre elle, lutam com o ridículo, a mais vil de todas as armas, para todo o custo
conservá-lo. (MOURA, 1913, p. 01).

3O Lyceu provincial foi criado em 1836 na Parayba do Norte, com o objetivo de ensinar as primeiras letras no
estado. Funcionou até 1884.

38
Como podemos ver, Moura demonstra admiração pela coragem das mulheres que se
afirmam “feministas” e que lutam contra os que se colocam contrários ao “progresso feminino”,
ironizando a ideia de “sexo fraco” em nome da conservação do poder exercido pelos homens.

O movimento feminista que nos grandes centros nacionais vai tendo


acentuação brilhante, num esforço intelectual dos próprios elementos, pondo
em evidencia o valor mental e a temperatura de combatividade de muitas
mulheres ilustres, teve domingo um verdadeiro sucesso nesta capital
(MOURA, 1913, p. 01)

A própria escolha do tema de sua conferência: as mulheres na política, já nos indica sua
ligação política com reivindicações por uma sociedade mais igualitária, uma vez que as demais
conferencias realizadas neste período versavam sobre Estado, educação, sindicatos, higiene e
outras questões públicas. Suas palavras se opuseram a uma pretensa inferioridade “natural” das
mulheres, levantado o direito feminino de votar e de receber educação escolar adequada, em
situação de igualdade.

Falemos sobre: Direitos da mulher, especilisando os direitos políticos, isto é,


aquelles dos quaes os homens no Brazil não deu ainda à mulher a
mínima parcella, achando que muito pesa na fidelíssimabalança da política o
voto de um homem, mesmo ignorante, quasi analphabeto, incapaz de avaliar
o valor moral e intellectual de um candidato; ao passo que é imponderável o
voto de uma representante do outro sexo por mais intelligente, culta e
mesmo prudente que todos a reconheçam. Não desejo, não quero
absolutamente eleger ou ser eleita, sinto fugiria das urnas se dellas se podesse
o nosso sexo aproximar, mas julgo tão incoerente, tão em desacordo com os
progressos do século o modo por que entre nós é dado o direito do voto
político, que difficilmente contenho o riso quando em um dia de eleição
observo de minha janella o movimento desusado das ruas, atulhadas de
pobres matutos em cujas mãos introduziram os chefes locaes a patente
de eleitor, fazendo-os repetirem, como as crianças o padre-nosso o nome do
candidato a quem vão dar seu voto consciente e ponderado. Mas como não
será assim se as leis são feitas pelos homens, se são os representantes do
sexo forte que legislam para si e para nós? (MOURA, 1913, p.1)

Como vemos na citação acima, Catharina reclama o voto para as mulheres enquanto um
direito político, desprestigiadas e desfavorecidas socialmente como cidadãs, inclusive as
estudadas. Tece críticas à política da época e a própria estrutura legal, cujas leis eram criadas
por homens para o benefício e poder dos mesmos.
Em suas palavras: “...Não há quem ignore que a instrucção da mulher ainda hoje em
dia em quase toda parte, acanhada, rudimentar, imperfeitíssima, foi quase nulla até bem

39
poucos anos” (MOURA, 1913, p. 01); o que foi muito usado como retórica pela Federação para
o progresso feminino em todo o país (MACHADO, NUNES e MENDES, 2013).
A fala de Catharina Moura é uma espécie de denuncia a realidade da Paraíba e do Brasil,
uma vez que havia uma educação diferenciada segundo os sexos, como podemos ver no
Regulamento de instrução pública da Parahyba, em 1904: “Nas escolas para o sexo feminino
se ensinara também trabalhos de agulhas e prendas domésticas” (PARAHIBA, 1904, p. 45).
Seu discurso negava a pretensa condição de incapacidade das mulheres, destacando que eram
responsáveis e capazes de exercerem diferentes profissões, de tomar suas próprias decisões,
sem necessidade da tutela dos homens, que eram reconhecidos como o “sexo forte”.
Assim, ela denunciava que, mesmo que se aceitassem mulheres, as escolas
diferenciavam-nas dos homens, onde a área logica e intelectual era destinada ao público
masculino, cabendo às mulheres o cuidar dos filhos e do lar.

Conveniente educada para o lar como para vida pública, para o sagrado
aconchego da família como para luta social ou política pela existência,
poder-se-á, sem temor alargar o círculo de seus direitos, iguala-los aos
do homem ampliar a sua atividade; fazer ao sexo fraco as concessões
feitas ao outro sexo, sem que isto traga à sociedade ou á família mais
que incalculáveis benefícios (MOURA, 1913, p. 02).

Fazendo parte deste universo local onde se naturalizava que mulher educada era a que
se voltava exclusivamente para o lar, Catharina Moura reconhecia que uma “educação
prudente” desenvolve “apego ao lar”, mas atestava que uma formação completa desenvolve
também nas mulheres aptidões para exercer uma profissão qualquer, conforme suas escolhas, o
que já aponta a necessidade de entrada das mulheres neste universo masculino: “(...) Não há
quem ignore que a instrução da mulher ainda hoje em dia em quase toda parte, acanhada,
rudimentar, imperfeitíssima, foi quase nulla até bem poucos anos” (MOURA, 1913, p. 1). Deste
modo, aponta a importância da educação feminina para resolução desta desigualdade.
Ela não via a inserção das mulheres no mundo do trabalho como perda de sua natureza
maternal e cuidadora, funções sociais que permanecem sendo atribuídas as mulheres durante o
período da República. Note-se que seu discurso era de fato libertário, mas estava ainda cercado
por um cenário político e intelectual dominado por homens, numa sociedade em que estes eram
tidos como os provedores do país e tutores legais de “suas” mulheres.
Em seu discurso Catharina Moura atesta que as mulheres podem exercer outras
profissões além do magistério como: “...advogadas, engenheiras, as universidades estão cheias

40
de mulheres representantes do sexo fraco desempenham os cargos de juiz de paz e outros de
elevada responsabilidade” (MOURA, 1913b, p. 1-2), que eram tipicamente masculinas.
Assim, vemos que em sua conferencia uma desnaturalização da ideia de “sexo frágil”,
isto é, incapaz, irracional ou inferior intelectual e fisicamente, crenças que foram tão difundidas
na ciência brasileira através das noções de atraso intelectual e fisiológico das mulheres e/ou das
crianças, comparadas aos povos delinquentes ou primitivos (FERLA, 2009).

Se há realmente uma inferioridade psychica esta será consequência da


inferioridade physiologica ou será o reflexo da inferioridade social a que tem
sido a mulher condemnada, isto é, a consequência da atrophia resultante da
oppressão hereditária? Acreditaremos que a inferioridade cerebral da mulher
é causa physiologicamente provada. Todos os traçados, todos quadros
comparativos feitos entre os cérebros masculinos e feminino têm mostrado
claramente que o volume cerebral da mulher é em cada um dos períodos da
existência e durante toda Ella inferior ao volume cerebral do homem.
Acreditamos também que essa inferioridade physiologica dê origem á
inferioridade phychica. Pobre ser escravisado desde os tempos primitivos
como não atrophiar-se, como evoluir? (MOURA, 1913 b, p. 2).

Catharina Moura atesta que se há inferioridade, esta é social, provocada pela


hierarquização das relações desiguais e opressão a que estão às mulheres submetidas, um
desafio da sociedade republicana a ser vencido.

Felizmente, para a mulher futura, a enfesada e achaica theoria da inferioridade


feminina tem encontrado em campo opposto, em terreno adversário fortíssimo
campeões, grandes adeptos do valor da mulher e da sua elevação social,
verdadeiros enthusiastas do feminismo, se não do feminismo irreflectido e tolo
que abraça o amor livre e outras idéas de igual monta, mas do feminismo
elevado e nobre, que procura erguer a esphera social da mulher, levanatado-a,
dignificando-a, arrancando-a, custe o que custar, ao humilde protectorado do
sexo forte. (MOURA, 1913b, p.1).

Mesmo que não se definisse como “feminista”, ela se mostrou uma defensora do
“feminismo”, buscando elevar a mulher como capaz de trabalhar, pensar, produzir e livremente,
pensamento que se assemelha ao divulgado pelo movimento feminista brasileiro.
Sua conferência aponta os direitos políticos a serem conquistados pelas mulheres como
uma condição necessária ao progresso da sociedade, reconhecendo a necessidade de se criar
espaços educacionais mais democráticos, voltados para uma educação feminina mais plena, que
seria uma educação “conveniente possibilitará maior participação da mulher na sociedade,
tanto no âmbito social ou político, sem que isto traga a sociedade mais que incalculáveis
benefícios” (MOURA, 1913, p. 1)
41
Obviamente como filha de professora, tendo recebido desde sempre educação formal e
se tornado também professora e advogada, reconhecia a importância da educação para a
inserção das mulheres num novo modelo de sociedade.

Conveniente educada para o lar como para a vida pública, para o sagrado
aconchego da família como para a luta social e política pela existência, poder-
se-á, sem temor alargar o círculo de seus direitos, igualá-los aos do homem,
ampliar a sua atividade; fazer ao sexo fraco as concessões feitas ao outro sexo,
sem que isto traga a sociedade ou a família mais que incalculáveis benefícios.
Uma prudente educação desenvolverá em seu espírito o apego ao lar
doméstico, cujos encantos saberá partilhar, aumentando-os; gozar, fazendo-os
mais apreciáveis e numeroso (MOURA, 01 abr. 1913, p.1).

Desta forma, inserimos Moura como uma importante protagonista do pensamento


feminista na Paraíba, se fazendo presente no cenário público nestes termos, enquanto mulher
que falava por outras mulheres, tendo a educação como fio condutor de sua participação neste
universo tão masculino, sendo a educação instrucional tomada como elemento definidor de
iguais oportunidades entre os gêneros. Para ela a mulher doméstica não se desvincula da
“mulher política”, ou seja, aquela que vota.
Como vimos, quer seja nos tempo de Moura ou nos dias atuais, o feminismo aparece
como um movimento libertário, mostrando que não se trata só de um espaço da mulher para o
trabalho, na vida pública, na educação, e sim, por uma nova forma de relacionamento entre
homens e mulheres, tendo liberdade e autonomia para decidir sobre a sua vida e o seu corpo.

Lamento não poder encher-vos, como desejaria faze-lo, de imenso ardor pelo
levantamento do meu sexo, sinto muito não encontrar em mim própria,
para vos comunicar, o entusiasmo, a coragem de uma Stetenson, uma
Fanny Lewald, uma Olympia de Gourges, uma Carmem Dolores e tantas
outras mulheres admiráveis que tudo sacrificam na defesa da causa que
as anima; nãosou, com desgosto o confesso, não serei nunca, uma
abnegada, uma norte-americana heroica ou uma suffragista ingleza. Mais
que feminista, sou feminina, na verdadeira acepção ainda hoje emprega esta
expressão como sinônima de fraca, de mais apta a ser guiada do que capaz de
mandar ou dirigir. E, embora não me deis muito crédito, vos afirmo: agrada-
me muito mais talhar e costurar um vestido, serzir um par de meias do que
estar aqui a ler-vos estas insípidas tiras de papel. (MOURA, 1913, p.1).

Com a redemocratização em 1980 o feminismo no Brasil adentra numa fase, bem


movimentada, com as lutas pelos direitos das mulheres com grandes grupos e coletivos em
todas as regiões, alimentando uma série de temas como: violência, sexualidade, direito do

42
trabalho, igualdade no casamento, direito a terra, direito a saúde materno-infantil, luta contra o
racismo, opções sexuais, etc.
De acordo com Céli Regina (2003), o movimento feminista brasileiro, apesar de ter
origens na classe média intelectualizada, teve uma interface com as classes populares, o que
provocou novas percepções, discursos e ações em ambos os lados, havendo avanços como a
criação do Conselho Nacional da Condição da Mulher (CNDM) em 1984, tendo sua secretária
status de ministro, promovendo, ao lado de outros grupos de luta, representatividade.
Sendo assim, é possível identificar o movimento feminista através de diferentes
vertentes, quer seja da ação do movimento, quer seja da produção teórica feminista na área de
história, ciências sociais, crítica literária e da psicanálise. Também temos avanços, como fala
Céli (2003), do movimento feminista no Brasil, que se expressaram na luta pela participação de
mulheres no parlamento, na política e em outros cargos de representação política. É necessário
que existam mulheres em todos os espaços da sociedade, independentemente de sua raça, etnia,
sexualidade, origem ou religiosidade, onde o processo democrático teria, sobretudo, haver com
uma “política de presença”.
Falarmos sobre o feminismo no Brasil é falar de um movimento peculiar, relacionado a
sua história, seus processos e sua própria reflexão crítica, desafiando a ordem conservadora que
excluía a mulher do mundo público, falando especificamente dos direitos e acesso a cidadania.
Hoje as mulheres possuem novos espaços sociais, concorrem no mercado de trabalho,
votam, exercem cargos políticos e administrativos e possuem grandes conquistas por direitos
sociais, fortalecendo seus valores graças ao desenvolvimento do movimento feminista, mesmo
estando conscientes que existe e ainda predomina relações de dominação do homem para com
à mulher.
Conforme Pinto (2003), somente mulheres engajadas, organizadas ou não, defenderam
os direitos de outras mulheres pela participação social, conjuntamente com os homens, na luta
por uma sociedade mais inclusiva e humana.

43
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme destacado, as práticas educacionais sobre o papel da mulher, em detrimento


ao padrão moral “aceitável” pela sociedade de determinadas épocas e contextos sociais, que
produzira os papeis de gênero, se revela na história. Por consequência, as emancipações e
inclusões da mulher na sociedade, dando ênfase a sociedade paraibana, foram aqui analisadas.
Nos referimos a trajetória de Catharina Moura, destacando-se por sua atuação na 8a
Conferência sobre os Direitos Políticos da Mulher, no ano de 1913; em especial pela relevância
do seu discurso. Catharina Moura se revela como uma mulher que representa a luta por direitos,
em um tempo que, nem moral ou constitucionalmente, a participação e exercício de cidadania
da mulher fora permitido, tampouco de exercer o direito de votar e eleger os seus representantes.
Para esse trabalho, Catharina Moura contribuiu como representante feminina,
destacando-se por sua coragem, desafinado os padrões, promovendo mudanças discursivas e
políticas durante o século XX. Foi pela trajetória e atuação de Catharina Moura que pudemos
pensar a educação da mulher neste período.
O trabalho também buscou analisar os discursos sobre as práticas educacionais e o papel
da mulher através de impressos nos jornais naquela época, precisamente o jornal A União
(órgão oficial do estado). Buscando compreender como, a partir desses informes, foram
construídos os “modelos” de formação das identidades de gênero, a educação da mulher, as
políticas e os processos educacionais, bem como os episódios sobre a educação da mulher na
sociedade paraibana naquele momento.

No decorrer do trabalho de pesquisa constatou-se que havia uma grande dificuldade nos
materiais coletados, pois não tínhamos muitas ferramentas a ser analisados ou comparados, bem
como o fato dos jornais encontrados que estavam rasurados e com pouca legibilidade,
dificultando e limitando o entendimento dos mesmos e o avanço da pesquisa.
Um estudo bibliográfico do protagonismo de Catharina Moura e os impressos do jornal
da União na construção da educação da mulher no século XX, como tema da pesquisa, acabou
por evocar uma série de questões relacionadas a temática. Diante disso, observou-se como as
mulheres eram vistas, desrespeitadas, educadas e valorizadas enquanto domésticas.
Ainda observamos a pouca visibilidade e a escassez de informações sobre mulheres tão
importantes, como Moura, que lutou e colaborou para emancipação e participação das mulheres
num mundo social dominado por homens. Talvez por isso esse silenciamento sobre seu

44
protagonismo e sua biografia, por ter enfrentado um machismo imperante, que concebia o lar
como lugar de mulher e não o universo do trabalho e da política.
As transformações ocorridas durante os últimos anos contribuíram para a modificação
deste cenário, com avanços significativos, com conquistas no mercado de trabalho, na
cidadania, no uso de práticas contraceptivas, etc., sendo de suma importância a luta e o
protagonismo de mulheres como Nísia Floresta ou Catharina Moura.
Como Paulo Freire defende, “A educação não transforma o mundo, educação muda às
pessoas. Pessoas transformam o mundo”. Em linhas gerais, sabemos que o processo de
educação favorece o aprendizado e desenvolve a democracia e cidadania. Mulheres que
reivindicavam o direito a educação para o desenvolvimento da sua capacidade intelectual e
civil, de exercer e ocupar os mais variados cargos, competindo com os homens, foram
fundamentais para ser o que somos, ter o que temos.
Através dos dados pesquisados ao longo do trabalho, percebermos que houve muitos
avanços, tendo em vista, que as mulheres quase não tinham direitos, mas sim uma série de
deveres, na maioria das vezes vistas como inábeis. Hoje as mulheres lideram inúmeras funções
e ocupam os mais diversos cargos, como engenheiras, advogadas, promotoras, juízas,
motoristas, no plenário, médica, professora, entre outras funções que só eram realizadas por
homens; embora muitas formas de desigualdades persistam.
Muitos preconceitos e barreiras permanecem, como as diferenças salariais, a segregação
de áreas de trabalho ou o assédio moral e sexual. Mas direitos muitos foram desbravados: que
vai além ao voto, como direito de ingressar na universidade, direito de expressão, direito de
escolher ter ou não filhos, de dispor seus corpos ou de tomar as suas próprias decisões.
Catharina Moura deixou bem claro para nós que, de todas as reivindicações femininas,
é fundamental o direito à educação, justificando a importância de tal aquisição tanto para
exercer o seu papel de mãe e formadora, quanto para o próprio engrandecimento espiritual, em
prol de uma sociedade mais igualitária.

45
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VASCONCELOS, Larissa M. de, MACHADO, Charliton José dos Santos, PALHARI,


Haquel M. de L. C., NUNES, Maria Lúcia da Silva. Educação na Paraíba do Norte e os
anúncios publicitários como suportes as tessituras de gênero. Anais XI CONAGES...
Campina Grande: Realize Editora, 2015. Disponível em
<https://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/10608>. Acesso em: 14/04/2021 14:05

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ANEXOS

O discurso de Catharina Moura:

A ´ 1 ½ hora da tarde, o Theatro Santa Rosa estava cheio. Pelos camarotes, replectos, viam-se
famílias as mais distinctas do nosso meio, notando-se pelas galerias e cadeiras, compactas, o
que esta cidade possue de mais representativo na imprensa, nas artes, na advocacia, no
commercio, no magistério, etc. Quando, na notícia passada, dissemos que a conferencista se
tinha creado uma sumptuosa expectativa na sociedade parahybana, quizemos dizer que o
auditório de domingo seria fatalmente uma homenagem aos méritos e a distincção da dra.
Catharina Moura. Dissertando, por espaço de 50 minutos, sobre o seu thema, a conferencista
foi ouvida religiosamente, apresentando-se á critica erudita do auditório como uma revelação
de preparo e eloquência. Effectivamente, pela forma litteraria, segurança de argumentos e
originalidade dos assertos, a conferencia da Dra. Catharina Moura foi uma das mais brilhantes
de quantas se fizeram pela Universidade [...] Ao terminar foi a conferencista saudada por uma
ruidosa salva de palmas e sinceramente felicitada por senhoras e cavalheiros presentes. (A
UNIÃO, 1 de abril de 1913, p.1).

CONFERÊNCIA DE CATHARINA MOURA

Quero apenas prevenir- vos, para que não esperei muito de mim na defesa da causa que aqui
me traz. Dizer-vos que não sou infelizmente uma feminista; que; apezar de não ter tido eu em
nenhuma época da existência o apoio de um braço masculino e ter, portanto, conhecido por
experiência o quanto é útil, o quanto é necessária a elevação feminina pelo trabalho de qualquer
natureza, não sou uma dessas mulheres sublimes que denodadamente se batem pela elevação,
pela emancipação do seu sexo [...] Deixemos, portanto, senhores, a fraqueza dos meus
argumentos no correr desta despretensiosa palestra, informados como estaes de que não sou
dessas mulheres admiráveis que afrontam impávidas os risos de escarneo, as pesadas ironias,
os malévolos dichotes com que as mimoseam os ferozes inimigos do progresso feminino,
aquelles que, ou por temerem a competência do sexo que chamam fraco ou por não quererem
que lhes fuja o imperio até aqui exercido sobre ele, lutam com o ridiculo, a mais vil de todas
as armas, para a todo custo conserval-o.

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[...] no Brazil não deu ainda á mulher a mínima parcela, achando que muito pesa na fidelíssima
balança da politica o voto de um homem, mesmo ignorante, quase analfabeto, incapaz de avaliar
do valor moral e intelectual de um candidato; ao passo que é imponderavel o voto de uma
representante do outro sexo por mais inteligente, culta e mesmo prudente que todos a
reconheçam [...] julgo tão incoerente, tão em desacordo com os progressos do século o modo
por que entre nós é dado o direito de voto politico, dificilmente contenho o riso quando em um
dia de eleição observo de minha Janella o movimento desusado das ruas, atulhadas de pobres
matutos em cujas mãos introduziram os chefes locaes a patente de eleitor, fazendo-os repetirem,
como as crenças o padre – nosso, o nome do candidato a quem vão dar o seu voto consciente e
ponderado [...] Mas como não será assim se as leis são feitas pelos homens, se são os
representantes do sexo forte que legislam para si e para nós? [...]

Empregando, porém, a expressão ´nossa legislação, parece-me, não andei muito


acertadamnete´. Nossa lei básica, a Constituição de 24 de fevereiro, estatuindo no seu Tit, IV,
Seccão I, artigos 69 e 70, as qualidades necessarias para ser cidadão brasileiro e eleitor, não se
refere ao sexo como provando que este não pode ser absolutamente considerado motivo justo
de capacidade ou incapacidade physica ou moral para o livre exercício do direito de voto. Donde
nasce, portanto, a incapacidade da mulher se a constituição não priva do voto em nenhum dos
seus arquivos? Além das exclusões expressas na constituição, comenta João Barbalho subsiste
e das mulheres, visto não ter tido aprovada nenhuma das várias emendas que lhes attribuiam o
direito de voto politico. Se a exclusão das mulheres não é uma das exclusões expressas na
constituição, sendo condição essencial a toda a lei a clareza e precisão nos seus artigos, é
evidente que nossa lei básica não nega á mulher o direito de voto politico. Claro está que essa
privação nasce exclusivamente do arbítrio dos interpretes da nossa lei, é mais uma exuberante
prova de egoísmo masculino, quando não o for da ignorância que induz á crença absurda de
que a mulher do lar domestica desaparecerá no dia em que surgir a mulher política. (A UNIÃO,
01 abr.1913, p.1).

[...] para a mulher futura, a enfesada e archaica teoria da inferioridade feminina tem encontrado
em campo oposto, em terreno adversário fortíssimos campeões, grandes adeptos do valor da
mulher e de sua elevação social, verdadeiros enthusiastas do feminino, se não do feminismo
irreflectido e tolo que abraça o amor livre e outras idéas de igual monta, mas do feminismo

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elevado e nobre, que procura erguer a esfera social da mulher, levantando-a, dignificando-a ,
arrancando-a , custe o que custar, ao humilhante protectorado do sexo forte.

[...] impossível seria não sofrer atrofia um cérebro somente influenciado por factores todos
negativos ao seu desenvolvimento, não aniquilar-se uma vontade sujeita, desde as suas
primeiras manifestações, á imposição de uma vontade oposta [...] (AUNIÃO, 01 abr.1913, p.
1).

Sómente educando, instruindo a mulher pode-se -á evitar que ella continue a propagar um typo
psychico social inferior, fútil , quase infantil [...] sua elevação intelectual e moral pela instrução
e pela educação, num futuro, talvez não mui remoto, há de trazer -nos a prova de que essa
inferioridade do cérebro feminino, se é que existe, não é uma qualidade inherente ao sexo, mas
uma consequência necessária das condições do meio [...] compreender que, longe de evoluir,
longe de elevar-se a mulher, de argumentar sua influencia , esta tenha só contrario, vindo até
nós numa escala descendente ou, pelo menos, se tenha conservado paralysada? Tudo evolue,
tudo progride, só a condição da mulher é quase sempre a mesma através dos séculos. Correm
eras, passam-se os tempos e só a mulher se conserva quase estacionaria no meio das civilizações
[...] Isto porque para ele somente foram feitos os cargos e profissões mais dignas. [...] Onde está
porem a base dessa theoria? Em que se funda quem sustenta a incapacidade inherente ao sexo
feminino ou, asserção ainda mais absurda, quem´ procura adiantar que a evolução da mulher é
a sociedade? [...] Só o egoísmo masculino, o interesse tão poderoso quão inconsciente, tão
hereditariamente enraizado quão irreflectidamente, conservado, pode achar essa theoria
coerente com as idéias do progresso aceitável no estado actual da civilização. [...] (AUNIÃO,
02 abr.1913, p. 1).

A civilização, o progresso exigem dia a dia maior preparo da mulher como educadora. A
evolução da mentalidade feminina é condição necessária á vida da mulher na actualidade e por
uma consequencia logica torna-se -á cada vez mais necessária, até imprescindível essa
evolução. Impossivel será depurar-se uma, sociedade, progredir, elevar-se, desenvolver-se um
povo sem o concurso feminino no movimento social, concurso tão valioso qual desvalorizado
até hoje [...] Eduque -se o ser humano sem distinção de sexo, faça-se com que a mulher adquira
aptidão legal e intelectual para o exercício de toda e qualquer profissão, de modo a pó-lo em

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pratica, sendo esse exercício necessário ou não havendo um impedimento material ou moral
que a prive dele. (A UNIÃO, 02 abr. 1913, p.1 ).

Mas infelizmente não é só o homem que assim pensa e sente. A própria mulher hereditariamente
conservada nessa posição inferior, tem a consciência da própria inferioridade e bem distante
de procurar elevar-se, vencer a distancia que separa social e politicamente os dous sexos, sente-
se impotente para sahir desse quase servilismo, acha-se fraca e incapaz e, para ser mais
agradável talvez ao seu tutor, une-se a este para censurar e até ridicularizar sua irmã em sexo
que procura evoluir, liberta-se da tutela ou simplesmente adquirir aptidão para exercício de uma
profissão masculina; e diz, erguendo os lábios num gesto de supremo desprezo: “ Fulana é tão
ridícula ; quer por força ser homem.” (A UNIÃO, 02 abr.1913, p.1).

Uma instituição, um contracto que só é possível emquanto um dos contractantes , é ignorante,


que não se pode mais fazer logo que esse contractante eleva-se mais ou menos ao nível mental
do outro, é necessariamente um contracto que tem por fim a exploração de um sócio pelo outro
[...] Um contracto nessas condições não representa associação de forças para conquista em
commum de um bem, fora do alcance de cada um dos associados em particular, representa a
conquista trabalho de um pelo outro [...] Se a família deve ser isso e se si basêa na ignorancia,
a família não merece então respeito nem consideração alguma. Tem economicamente os
effeitos da escravidão, é uma escravidão moralmente. Como a escravidão avulta e inutiliza o
escravo, corrompe e deteriora o senhor, como homens- senhores e escravos debaixo de uma tal
influencia são nocivos á sociedade , á espécie e a si mesmos, devemos aconselhar ao homem e
á mulher, ao senhor e ao escravo de qualquer sexo, a extinção desse estado corrupto e
immmoral, prejudicial physica, moral e intellectualmente [...] É adiante, a propósito da
inconsciência feminina em relação ao seu elevadíssimo papel na sociedade , inconsciencia
resultante da fútil , da insignificantíssima educação ministrada á mulher: As futilidades da
educação materna que fazem a mãe tão creança como os organismos a que deu o ser , são mais
que bastantes para mostrar quanto ella está longe de saber o que é , o que vale e o que deve
valer. (AUNIÃO, 02 abr. 1913, p.2).

E amanhã quando esse movimento , vencendo as barreiras que procuram destruil-o, alastrar-se
por todo o mundo civilizado, quando a igualdade legal dos sexos já não for phantasma que o
homem procura esmagar e que amedronta a mulher, receiosa de perder o amor e respeito

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masculinos ( se é que se pode chamar amor ao culto rendido ao bello e respeito ás attenções
dispensadas á fraqueza ) será então perfeita a harmonia nos lares, infelicitados na maior parte
dos casos pela consciencia, no homem, na própria superioridade e pela inconsciência , na
mulher, do deu importantíssimo papel na família (A UNIÃO , 02 abr. 1913, p. 2).

IN: MACHADO, Charliton José dos Santos Machado & Nunes, Maria Lúcia da Silva.
Catharina Moura Amsteim e o feminismo na República Velha da Parahyba do Norte (1913).
In: FREITAS, Anamaria G. Bueno de Freitas & MOTTA, Diomar das Graças. (Orgs). Mulheres
na história da educação: desafios, resistências e conquistas. São Luís: EDUFMA, 2011, p.37-
47.

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