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João Pessoa, PB
2021
1
MICHELLINE ANDRÉ MENDES
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Catalogação na publicação
Seção de Catalogação e Classificação
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MICHELLINE ANDRÉ MENDES
BANCA EXAMNADORA
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Dra. EDNALVA MACIEL NEVES
(DCS/UFPB- EXAMINADORA INTERNA)
___________________________________________________________________________
Dra. JAMILLY CUNHA RODRIGUES
EXAMINADORA EXTERNA)
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Dedico ao meu filho Arthur Cauã, que é minha motivação a
cada manhã. A minha mãe, Marisa André Mendes, pelo
incentivo e por acreditar em mim durante toda a vida
acadêmica, sem esse apoio seria impossível chegar até aqui.
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AGRADECIMENTOS
O meu primeiro e maior agradecimento é a Deus, pela minha existência, por ter me
proporcionado as condições necessárias para a realização deste trabalho. O segundo, e não
menos importante, é o agradecimento à minha mãe Marisa André Mendes; a minha grande
amiga Simone Lima que iniciou a vida acadêmica comigo, de mãos dadas, alguém de um
coração incrível, que Deus colocou em minha caminhada universitária e na vida. Passei por
muitas tribulações com a morte do meu esposo no meu resguardo, e recentemente a partida do
meu pai para o plano superior devido a complicações do covid-19, e foi Simone, a minha mãe,
família e amigos me deram forças para eu seguir.
Quero agradecer de forma muito especial a Professora Doutora Maria Patrícia Lopes
Goldfarb pela importância, pela força, contribuições e pôr ter um olhar tão humano, com tanta
empatia, por sempre perguntar como eu estava e seus aconselhamentos sobre a vida e a morte.
Agradeço também ao professor Charliton Machado, com o qual fiz parte do grupo de pesquisa
do Pibic, sobre “Educação, Educadoras e a Imprensa na Paraíba” por quase dois anos, foi o meu
professor por dois períodos na graduação, me proporcionando valiosos conhecimentos teóricos
e metodológicos com dedicação e profissionalismo. Tudo isso, foi primordial para a conclusão
deste trabalho monográfico.
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RESUMO
Este trabalho analisa as discussões de gênero, o papel social da mulher pré-estabelecido como
uma espécie de “padrão natural” imposto pela sociedade no século XX, naturalizando as ações
no desempenho do papel da mulher. A relevância do trabalho se estabelece no tocante a
compreensão dos papeis como “vocação da mulher” e a maternidade como “obrigação”,
limitando-a aos “afazeres do lar”. Desenvolve uma análise dos discursos sobre as práticas
educacionais e o papel da mulher através de impressos dos jornais da Paraíba naquela época,
através do discurso feminista da advogada e educadora Catharina Moura, propagado na 8ª
conferência de título “Os direitos da mulher” na Parahyba do Norte no Teatro Santa Rosa em
30 de março de 1913. De modo a dialogar com a análise de discursos sobre as práticas
educacionais, e o papel da mulher através de impressos dos jornais, precisamente o jornal da
União (órgão oficial do estado). A fim de compreender como a partir desses informes foram
construídos os “modelos” de formação das identidades de gênero, a educação da mulher, as
políticas educacionais, os processos educacionais, bem como os episódios sobre a educação da
mulher na sociedade paraibana naquela época. Para tal, foi feita uma pesquisa bibliográfica,
seguida de análise dos dados coletados.
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ABSTRACT
This paper analyzes gender discussions, the pre-established social role of women as a kind of
“natural pattern” imposed by society in the 20th century, naturalizing actions in the performance
of women's roles. The relevance of the work is established with regard to the understanding of
roles as a “women's vocation” and motherhood as an “obligation”, limiting it to “household
chores”. Develops an analysis of discourses on educational practices and the role of women
through newspapers in Paraíba at that time, through the feminist discourse of lawyer and
educator Catharina Moura, propagated at the 8th conference entitled "Women's rights" at
Parahyba do Norte at the Santa Rosa Theater on March 30, 1913. In order to dialogue with the
analysis of discourses on educational practices, and the role of women through newspaper
prints, precisely the Union newspaper (official state agency). In order to understand how from
these reports the “models” for the formation of gender identities, women's education,
educational policies, educational processes, as well as episodes about women's education in
Paraíba society at that time were constructed. To this end, a bibliographic research was carried
out, followed by analysis of the collected data.
Keywords: Catharina Moura. Feminism. Role of the woman. Printed. Newspaper The Union.
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LISTA DE FIGURAS
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................12
DE 1937-1945........................................................................................................................15
XX..........................................................................................................................................25
XX E A CONTRIBUIÇÃO DE CATHARINA
MOURA.................................................................................................................................36
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................45
REFERÊNCIAS...................................................................................................................47
ANEXO.................................................................................................................................50
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INTRODUÇÃO
Este trabalho volta-se para uma dessas mulheres. É o caso de Catharina Moura, uma
mulher, advogada formada pela faculdade de direito de Recife, educadora e intelectual da
época, que se destacou por sua atuação na 8a Conferência sobre os Direitos Políticos da Mulher,
realizada no teatro Santa Rosa, João Pessoa-PB, no ano de 1913. É pela relevância do discurso
de Catharina, que por sua vez adentrou o universo político de dominação masculina, se fazendo
“ecoar” como uma voz dotada de representatividade na luta pelo direito da mulher, permitindo
esclarecer, por meio deste discurso, o quão era inconstitucional a não participação da mulher
em exercer o direito de votar e de eleger os seus representantes. Para esse trabalho Catharina se
revela como uma representante feminina fundamental para a as mudanças sociais e política do
século XX, no tocante a sua coragem e até mesmo “audácia” de encarar padrões morais com
base no patriarcado dominante. Portanto de extrema importância na discussão sobre a
“educação da mulher”.
Participando do projeto de pesquisa intitulado: “Educação, educadoras e a imprensa
paraibana do século XX: O Estado Novo”, entre os anos de 2014 e 2015 (HISTEDBR-GT/PB),
tendo como título do Plano de trabalho “A Imprensa como fonte histórica educacional”,
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trabalho vinculado ao CNPq e com apoio cultural do Banco do Nordeste e orientado pelo
professor Dr. Charliton Machado que também é um dos autores do livro “Catharina Moura e o
Feminismo na Parahyba do Norte”. Através da leitura deste livro tivemos um primeiro contato
com Catharina Moura.
O trabalho também busca analisar os discursos sobre as práticas educacionais, e o papel
da mulher através de impressos nos jornais da Paraíba naquela época, precisamente o jornal A
União (órgão oficial do estado). A pesquisa foi feita nos arquivos da Fundação Casa de José
Américo em João Pessoa-PB; buscando compreender como, a partir desses informes, foram
construídos os “modelos” de formação das identidades de gênero, a educação da mulher, as
políticas e os processos educacionais, bem como os episódios sobre a educação da mulher na
sociedade paraibana naquele momento. Este recorte temporal foi motivado pela necessidade de
avaliar como se dava a entrada das mulheres neste espaço escrito e como eram retratadas.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, por meio dos impressos, através dos seus
anúncios, nos reforça noções de estética feminina e embelezamento, o que Catharina Moura, de
certa forma, questiona, em especial a ideia que a mulher deve viver apenas para os cuidados de
casa, marido e filhos.
Os dados foram coletados duas ou até três vezes por semana na biblioteca/acervo,
minuciosamente manuseados, com muito cuidado sempre, pois tínhamos que usar luvas,
máscara e touca para fazer a busca dos dados. Estes cuidados eram da chegada até a saída do
recinto para não danificar os jornais, livros, periódicos e o lugar em si. Encontramos pouco
material sobre a temática em questão, e os que tinham eram bem danificados, dificultando e
limitando a coleta. Mesmo assim foram de grande valia para a pesquisa.
A coleta nos jornais duraram cerca de um ano e meio, entre 2014- 2015. Eram
registrados: o nome do jornal, o tipo de anúncio, manchete do jornal, o dia da semana, a data,
o ano, o número do jornal, o quadrante (se era direita ou esquerda) e fotos.
Conforme os dados coletados durante a pesquisa e diante o exposto justifica-se a
elaboração do presente estudo, onde preocupamo-nos em ressaltar as práticas educacionais,
sobre o papel da mulher e o que seria o papel do homem; como foi conduzida a sociedade
paraibana entre 1937 a 1945 e, por consequência, suas emancipações e inclusão na sociedade,
dando ênfase a sociedade paraibana e seus possíveis desdobramentos ao longo do tempo. Como
nos afirma John Lewis Gaddis: “Só conhecemos o futuro através dele projetado, nesse sentido,
a história é tudo o que temos” (2009, p.309).
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A metodologia utilizada foi pesquisa bibliográfica, do tipo exploratória, com a coleta de
dados, organização e sistematização teórica, adicionada a visita aos arquivos e levantamentos,
informações, catalogações, fontes documentais, reprodução, digitalização e análises das fontes
documentais, sobre os periódicos bem como: o nome do jornal, o ano, o mês, quadrante, notícia
veiculada naquela época, os anúncios, etc. Com a finalidade de localizar as possíveis
informações sobre as educadoras paraibanas e o seu processo de construção social.
Sobre a pesquisa bibliográfica podemos dizer que se trata de um trabalho que é
desenvolvido em torno de material já elaborado, valendo-se de diferentes fontes, a serem
tratadas de acordo com os objetivos da pesquisa (GIL, 2008). O material coletado nos permitiu
um conhecimento mais proeminente, tomando por base o que já foi publicado sobre o tema.
O trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro apresentamos um apanhado da
nossa metodologia, destacando a pesquisa feita no Jornal A União, analisando algumas
publicidades voltadas para o público feminino, e as percepções sociais atreladas a este gênero.
No capítulo seguinte apresentamos a personagem de Catharina Moura, que foi uma mulher
muito importante e protagonista das ideias feministas na Parahyba do século XX, lutando pela
educação, direito a voto e profissionalização das mulheres nesta época. Por fim, no terceiro
capítulo apresentamos uma análise do protagonismo de Catharina Moura frente ao espaço da
imprensa, especificamente no Jornal da União, e seus desdobramentos.
Cabe registrar a nossa admiração por esta mulher extraordinária chamada Catharina
Moura, que nos inspira, e que serviu como exemplo para pensar as colaborações deixadas por
tantas mulheres no resgate na história da sociedade brasileira, e paraibana, que nem sempre são
visíveis ou registadas, mas que, como a nós, devem ter afetado outras mulheres no seu tempo e
no momento atual.
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CAPÍTULO I – ANALISANDO ANÚNCIOS NO JORNAL A UNIÃO ENTRE OS
ANOS DE 1937- 1945
Nesse capítulo refletimos um pouco sobre a história do jornal “A União”, bem como
uma breve explanação acerca daquilo que era divulgado na imprensa da época, mais
precisamente entre as décadas de 37 a 45, sobre a mulher, parte de pesquisa realizada durante a
Iniciação científica na UFPB, conforme já citado anteriormente.
Trata-se de resultados de uma pesquisa de buscas de impressos do jornal da Paraíba que
mostram, assim, como compreender aquilo que era divulgado sobre a mulher na imprensa, que
servia para “moldar” a educação feminina. Trata-se de anúncios que traçavam um perfil de
público feminino, dotado da ideologia de uma educação diferenciada de gênero, que limitava o
papel da mulher, muitas vezes de modo a reduzir as ações femininas aos afazeres do lar.
O jornal a União foi escolhido porque foi nele que, em 1913, Catharina Moura havia
publicado um texto versando os direitos das mulheres na educação e em outros setores da
sociedade, bem como porque a partir da década de 1930 teve abertura para publicações sobre
feminismo e interesses femininos, inclusive escritos por mulheres, embora em menor número
(NUNES et. al., 2015), o que repercute na invisibilidade das mulheres neste momento.
Destacamos que neste periódicos encontramos anúncios publicitários de variados
interesses e produtos, desde classificados de vendas ou aluguel, comunicados, achados e
perdidos, etc.
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Olivina Carneiro da Cunha, Iracema Feijó da Silveira, Marina de Abreu, Adylia de Albuquerque
Morais, Lylia Guedes, etc.
Pioneiro da nossa imprensa, visto como principal escola de jornalismo impresso, tem
sido palco para muitos acontecimentos que levaram a formatar um lugar chamado Brasil.
Contudo, antes de se falar em cursos de comunicação, quando o jornal oficial narrava às regras
das novas invenções gráficas e editoriais, era um jornal que circula de forma contínua, já há
mais de um século, servindo de fonte de estudo para se entender como tem sido a evolução do
jornalismo impresso, não só na Paraíba, mas no Brasil, acompanhando de perto a modernidade.
A União foi responsável não só pela formação de vários profissionais em várias faces
de um jornal, como também de editores, publicitários, artistas, colaboradores, senhores de
conhecimentos e outros que aprenderam esse ofício, fazendo-se editora e jornal numa escola de
artes gráficas. Muitos nomes se tornaram conhecidos nos dias de hoje como Milton Nóbrega
Tônio, Régis, Unhandeijara Lisboa, Domingos Sávio, Nivaldo Araújo, Tadeu Lira, Sandoval
Fagundes, Archidy Picado, Deodato Borges (pai e filho), Fred Svendsen, Marcos Pinto, Pedro
Osmar e tantos outros consagrados artistas e colaboradores, que foram sendo absorvidos pelo
mercado na era da offset e da propaganda que passou a reinar. Alguns até hoje estão ilustrando
suas passagens.
Este jornal foi, desde a sua fundação, o principal espaço para a intelectualidade
paraibana se tornar visível, em artigos, crônicas, ensaios ou nas várias colunas, como o diário
da política. Muitos foram os intelectuais ou políticos paraibanos que passaram de alguma forma
em suas páginas, dentre eles: Zé Lins a Zé Américo, Ernani Sátyro a Pedro Gondim, de Mário
Pedrosa a Orris Soares; agregando o teatro, a música, o folclore, e o cinema, as críticas, como
também o registro histórico dos primeiros idealizadores. Já nas artes plásticas, acredito que não
há nenhum artista que passou despercebido em suas inúmeras páginas, pelo menos os mais
conhecidos estão documentados as suas obras como também contribuíram em várias passagens,
em divergentes edições e instantes: Clóvis Júnior, Chico Pereira, Pontes da Silva, Flávio
Tavares, Cristovam Tadeu, Celene Sitônio, Elpídio Dantas, Emir Ribeiro, Henrique Magalhães,
Ivan Freitas, João Câmara, José Altino, Miguel dos Santos, Nivalson Miranda, Regis Soares
dentre outros do passado e do presente, neste jornal genuinamente paraibano.
Não podemos nos esquecer da fotografia que testemunhou imagens a trajetórias dos
fatos pelas suas lentes de pioneirismo antigos que chega até a confundir com a história do jornal,
cito alguns dele por aqui: Germana Bronzeado, Gustavo Mouraque. Tendo em vista que ele (o
jornal A União) pôde, ao longo do período de sua existência, testemunhar as incríveis e
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inimagináveis mudanças que se processaram na vida política, econômica e social da Paraíba e
do Brasil; sobreviveu a duas grandes Guerras Mundiais, duas Revoluções Nacionais, 35
Presidentes da República, 52 Governadores da Paraíba e ao advento do Rádio, da tevê e da
Internet.
O Jornal foi e continua sendo um marco no estado da Paraíba, uma espécie de patrimônio
do estado, pois são 12 décadas reportando para os pessoenses os fatos e analises destes. Assim,
o jornal corresponde aos documentos que se encontram ligados ao patrimônio arquivístico,
podendo ser ligado à noção de patrimônio histórico, nos ajudando a compreender, através de
suas matérias e imagens, as dimensões textuais e simbólicas existentes nos jornais e arquivos
pensados como lugar de enunciados ou de reprodução de relações políticas, sociais, culturais e
de dominação (SILVEIRA; LIMA, 2005).
Noticiava a história da Paraíba, sua opinião pública, como também o que estava
acontecendo no Brasil e no mundo. Um jornal muito importante e renomado aqui no estado,
visto como um lugar de intelectuais da época, ou como órgão porta voz da República servindo
de “apontador de iniciativas”, fazendo história ao se destacar como poucos periódicos no mundo
a atingir a marca de seus 120 anos.
Muitas lutas, ideais, conquistas sociais e tecnológicas auxiliaram na produção das
matérias que seriam publicadas, visto que se utilizava da datilografia, e, muitas vezes, as
matérias eram reduzidas e algumas coisas deixavam de ser publicadas por conta do espaço.
Assim, a tecnologia avançada influenciou positivamente nessa questão. A Sentinela de 120 anos
do Jornal “A União”, publicada em 2013, cita que “Tempo houve, é verdade, em que além de
testemunha A União assumiu o papel de personagem da história”. A União também pode ser
pensado como um espaço para a divulgação de ideais mais “feministas”:
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Já na década de 1920, tanto no jornal A União quanto em outros periódicos
locais em, circulação no estado, é possível visualizar uma maior inserção da
mulher paraibana tanto no jornal A União como em outros periódicos locais
em circulação no estado, é possível observar uma imprensa, ora com a
produção de textos dos mais distintos gêneros, como poemas e artigos de
opinião, por exemplo; ora como assunto das discussões empreendidas pelos
homens, com temáticas que variavam entre as características que lhe
imputavam a condição de ser frágil e dependente do homem ou de como os
novos costumes que adentravam a sociedade de então poderiam trazer
prejuízos a esse perfil tão desejado e acalentado pelas instituições
mantenedoras do status quo, como a igreja, a imprensa, a medicina, entre
outras; ou ainda estimulando o debate sobre a necessidade de se abrir espaço
para que a mulher pudesse, assim como os homens, receber instrução, votar,
e trabalhar em setores diversos (NUNES, et. al, 2015, p. 05).
Figura 1: Anúncio de um creme dental. Fonte: (A União, Parahyba, p. 01, 2º Quadrante direito,
setembro de 1938).
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Figura 2: “Eu agora sou outra!” Fonte: (A União, João Pessoa, Parahyba, p.5, 2º quadrante à
direita, ano XLVI, set 1938).
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Figura 3: Creme Rugol. Fonte: (A União, Joao Pessoa, Parahyba, n.05, 2º Quadrante esquerdo, ano
XLVI, 04 de setembro de 1938).
Na figura acima temos o informe Publicitário com a manchete: Uma nova Pelle Branca
fez voltar a minha sorte em apenas 03 dias, do creme Rugol que prometia as mulheres um bom
aspecto facial, contra a flacidez, além da promessa de uma “nova pele” ou fisionomia facial, o
que traria, em consequência, sorte e vários pretendentes.
No desenvolver da pesquisa foram encontrados poucos informes publicitários nos
jornais da União, durante o período de 1937-1945 com relação à mulher, educação, políticas e
processos educacionais. Alguns jornais já estavam muito deteriorados, dificultando o seu
manuseio e as identificações dos elementos nele contidos.
Mesmo assim podemos destacar que os anúncios sobre produtos de embelezamento
enunciam por meio da publicidade um imaginário específico sobre o lugar da mulher: em casa,
e o que deveria ser a sua preocupação: a beleza e artigos de embelezamento para atrair um
marido através desse consumo. Observa-se que o desejo feminino é tido como associado a um
padrão de mulher.
A maioria dos anúncios tratava sobre produtos de higiene pessoal e de beleza, cujos
atributos estão ligados a certas escolhas, atreladas a valores de aperfeiçoamento da aparência e
de correlata aceitação social, dentro dos padrões sociais de feminilidade da época.
Deste modo, a partir da digitalização, tematização e análises das matérias publicadas na
imprensa, foi possível perceber o significado da presença da mulher no projeto educacional, em
sintonia com os movimentos do país, nos primeiros anos de governo da Era Vargas. Sobretudo,
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com a ênfase política ao debate da expansão do ensino primário, agora sob o comando da
mulher, robustecendo assim, a identidade cultural da feminilização do magistério e uma dada
representação de sua evocação ou mesmo naturalização dos desafios dessa condição de trabalho
nas esferas públicas.
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CAPÍTULO II - CATHARINA MOURA E O CONTEXTO SOCIAL DO
SÉCULO XX.
Este capítulo tem como objetivo falar sobre quem foi Catharina Moura, a sua
importância e um pouco da trajetória da mulher e advogada, numa época em que os papeis
femininos eram limitados ao lar e o ambiente doméstico. Vemos em Rousseau, no século XVII,
o desenvolvimento da ideia que a mulher deveria se desenvolver para melhor servir ao âmbito
doméstico, pois o saber seria contrário a sua “natureza”. A mulher passava a fazer parte da
sociedade nesta discussão, mas como mãe, esposa e servil (GASPARI, 2013).
Catharina, que não se auto definia feminista, tornou-se uma voz feminina na conferencia
por ela pronunciada no teatro Santa Rosa, em João Pessoa, 1913. A advogada proporcionou
uma série de discussões sobre o tema das relações de gênero e o papel político da mulher, que
apenas mais tarde ganhava estrutura do movimento ativista das sufragistas na luta pelo direito
do voto, tudo isso em meados da década de 20. Durante a conferência assuntos relacionados às
questões sobre igualdade de gênero como: as diferentes reações entre homem e mulher, família
e principalmente uma discussão sobre a proibição do direito ao exercício do voto pelas
mulheres, foram tematizados durante o evento, revelando assim o pioneirismo e visão de uma
mulher forte e à frente de seu tempo.
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De acordo com o livro “Catharina Moura e o feminismo na Parahyba do Norte” (2013),
as fontes acerca da trajetória de Catharina Moura são bastante escassas, dificuldade decorrente
de certa desorganização e fragmentação em que se encontram os jornais e revistas da época.
É importante destacar que este trabalho é influenciado por uma experiência que teve
início na pesquisa intitulada “Educação e educadoras na Paraíba do século XX: práticas, leituras
e representações”, coordenada pelo professor Charliton Machado no ano de 2013, onde se
observou a dificuldade em levantar informações sobre a mesma.
Coutinho (2005) e Barbosa (2009), bem como as fontes levantadas no livro Catharina
Moura e o feminismo na Parahyba do Norte (2013), tem servido de base para esse estudo, no
tocante ao entendimento da história desta advogada e professora. É possível afirmar que
Catharina Moura nasceu na capital da província da Parahyba, em 20 de dezembro de 1882, filha
de Misael do Rego Moura e Francisca Chaves Moura. Catharina realizou seus estudos primários
e secundários na escola normal oficial, onde recebeu o diploma de professora normalista na 11°
turma de concluintes, no ano de 26 de abril de 1902. Feito curso preparatório no colégio Liceu
Paraibano, no ano de 1908 matriculou-se na faculdade de direito de Recife. Dali saiu formada
com louvor, pois recebeu a láurea acadêmica e por esse feito um prêmio de uma viagem para
Europa.
Não há registros sobre a data de morte de Catharina Moura, o que nos mostra o descaso
da história e da imprensa para com a história de protagonistas mulheres, cujas vidas são
apagadas, com pouca ou quase sem visibilidade.
Em seu processo de formação jurídica na faculdade de direito do Recife, Catharina foi
à única mulher que concluiu a formação na turma composta por 48 bacharéis, isso no ano de
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1912, ao lado dos outros 13 paraibanos ilustres como Álvaro Pereira de Carvalho e do escritor
Carlos Dias Fernandes. Essa informação foi listada no periódico Brasil feminino:
Ainda com base no livro Catharina Moura e o feminismo na Parahyba do Norte (2013),
como quartanista de direito Catarina Moura advogou nos juris criminais, na cidade de Pau
D`alho, em Pernambuco. Em 1913, no governo Castro Pinto, fez conferência pública, no teatro
Santa Rosa, sobre os “Direitos da Mulher”, e escreveu no principal jornal da União, crônica
assinalada com o pseudônimo de Paraguaçu. E nesta capital, na escola normal ensinou como
professora de português, desenho, francês e história da civilização, e em 1917 foi nomeada
professora de Português, agora como docente efetiva. O periódico Brasil feminino da época
assim informou:
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De acordo com Machado, Nunes e Mendes; (2013), na época em que nascia as
conferencias, a chamada Parahyba do Norte estava sob o comando do presidente João Pereira
de Castro Pinto, sendo que o mesmo teve apoio das oligarquias locais, escolhido para manter a
diplomacia entre as elites oligárquicas no ano de 1912, para ocupar o cargo de presidente. A
missão foi dada a Castro Pinto com o objetivo de promover harmonia entre os grupos locais e
a elite, contudo suas medidas ou decisões eram sempre entendidas como mais favoráveis a um
ou outro grupo, chegando a desenvolver no mesmo a possibilidade de renúncia do cargo de
governador. Entretanto, estudiosos o referenciam como um líder sintonizado com as ideias de
modernidade proposto pela nova república, rompendo assim com as tradições que foram
mantidas durante o império.
Segundo Freire (1978, p. 149) “O seu governo foi marcado pelo valor que deu as letras.
Todas as obras paraibanas de escritores foram divulgadas pela imprensa oficial. [...] Fundou a
primeira biblioteca da Paraíba e melhorou o ensino”. E foi graças às iniciativas do governo de
Castro Pinto em impulsionar a educação e cultura do Estado, que puderam promover as
“Conferencias da Universidade popular” que se tratou de um momento constituído por
políticos, intelectuais, bem como educadores formando assim uma unidade representativa que
vislumbrou a criar uma universidade popular. Tal criação seria o primeiro passo para início da
modernidade ao qual passaria a Paraíba.
“Conforme noticiava o jornal A União, em matéria publicada em janeiro, bem como em
reprodução de notícias publicada em “O PAIZ”, em fevereiro de 1913, discorrendo sobre a
constituição de sua diretoria, os temas e conferencistas” (MACHADO; NUNES; MENDES,
2013. p.27), destacando que foram duas as mulheres a fazerem parte da comissão organizadora
da universidade: Anela Moreira e Catharina Moura. Porém, apenas Catharina esteve entre as
conferencistas.
Sobre o contexto mundial desta época, podemos citar a importância dos movimentos
sociais, como o feminismo, que desapontava em manifestações públicas e pregava a libertação
da mulher com respeito ao uso de contraceptivos e outras formas de liberdade. A obra de
Simone de Beauvoir (1979) falava do direito da mulher ao exercício de atividades públicas e
da sua capacidade de concorrer igual aos homens.
A assimetria de gênero relaciona-se a violência simbólica, como resultado de
discriminação da mulher, considerando que a dominação masculina existente em nossa
sociedade. Como aponta Scott (1995, p. 72), gêneros são classificações de um sistema social de
distinções em termos de feminino/masculino. O termo gênero surge entre as feministas
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americanas, em oposição à determinação biológica. A autora chama atenção para a correlação
entre gênero e o exercício de papeis sociais em diferentes períodos e sociedades, “como
funcionavam para manter a ordem social ou para muda-la”.
Sobre a dominação masculina, para Pierre Bourdieu (1995) esta passa por processos de
naturalização de construções sociais, que se manifesta em discursos e ações com base na
primazia do masculino como forma de organização social. Assim esta dominação está presente
em crenças e práticas que justificam as oposições entre homens/mulheres.
É importante dizer que no século XIX a educação feminina ainda estava sob influência
da sociedade portuguesa e seus valores patriarcais, com a criação das Escolas Normais, voltadas
para um público feminino, onde a instrução era muito mais um preparo para o casamento, pois
a idoneidade moral era mais significativa que o conhecimento intelectual, com educação similar
a submissão (GASPARI, 2003).
Conforme publicado no Jornal A União em 16 de janeiro de 1913 e citado por Machado,
Nunes e Mendes (2013, p.72):
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mas observa-se ainda uma parcimônia desta inclusão. O “popular” seria apenas a abertura desta
instituição a poucas mulheres, pois este era um universo estritamente masculino.
Temos autores como Tobias Barreto (1962) e Tito Lívio de Castro, configurando um
olhar mais positivista e progressista sobre as discussões em torno da inferioridade da mulher
em relação ao homem durante o século XIX. Acreditava-se que a chave da evolução da
sociedade brasileira se encontrava na educação feminina e compartilhava-se, também, a ideia
de inferioridade intelectual da mulher em relação ao homem. É interessante deixar claro que
ambos os autores ressaltam que a causa do atraso nacional seria solucionada quando as mulheres
fossem incluídas no processo educacional (ALMEIDA, 2007).
Anayde, última e mais intensa paixão do advogado João Dantas1, de quem foi namorada,
de repente se viu envolvida nos sangrentos acontecimentos que antecederam a Revolução de
1João Dantas foi um advogado e jornalista Brasileiro. Seu nome está ligado a história do Brasil, principalmente porque
cometeu um crime, quando matou a tiros o então governador do estado da Paraíba, João Pessoa, em 26 de julho de
1930 no estado de Pernambuco. João Dantas, namorou a professora e poeta Anayde Beiriz. A Revolução de 1930 foi
um marco da história contemporânea em virtude da condensação de fenômenos observados em torno do movimento
(MARTINS,1980). Desse modo, a revolução de 1930 teve como uma base para se captar a cultura política, o
comportamento, bem como as aspirações e demandas dos diferentes segmentos integrantes do sistema político
brasileiro. Resultando a Revolução de 1930 mais do que as propostas do movimento em si, foi a transformação de
1930 em um marco histórico muito importante no país.
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30. Para Fernando Moura, o amor e a morte foram as principais motivações de vida de Anayde.
Nos trechos da entrevista publicada no Jornal, perguntas como: “O que achas do casamento?”,
“Desejarias ter quem te consolasse?”, “Qual o estado do teu coração?”, “Tens tido sensações?”
e outras, que demonstram a condição de ingenuidade da mulher e uma suposta necessidade de
casar-se para ser uma “pessoa completa”.
Interessante notar que a mulher neste período era tutelada pelos homens- seu pai, irmãos
ou marido, necessitando de autorização para trabalhar, fazer transações financeiras ou viajar,
isso de acordo com o 1o Código Civil Brasileiro (BUONICORE, 2009). Mas na mesma época,
a conferência pronunciada por Catharina Moura fazia a proposta de avanço nas questões
relacionadas aos direitos das mulheres, bem como em relação às perspectivas sobre o papel das
mulheres na sociedade.
Ao traçar o perfil de Catharina Moura, bem como sua relevância no empenho por
esclarecer injustiças causadas por dominação de cunho patriarcal da sociedade da época, é
possível admitir que sua atuação na conferência sirva para uma reflexão acerca das
desigualdades de gênero, percepção da distinção dos papeis sociais entre homem e mulher, bem
como uma contestação da Constituição de 24 de fevereiro (Tit, IV, secção I, artigos 69 e 70)
que caracteriza as condições necessárias para ser um cidadão brasileiro.
Para Nunes (et.al, 2015) não se encontra na imprensa paraibana, antes de Catharina
Moura, outro discurso, feito por uma mulher, que levante a discussão sobre os direitos
femininos, incluído a educação, deslegitimando a ideia de inferioridade feminina, De acordo
com uma das falas de Catharina Moura, o que legitima a não participação da mulher para eleger
seus representantes está ancorada em teoria puramente doutrinária, sem prática efetiva no
cotidiano, conforme citado por Machado, Nunes e Mendes (2013, p. 86):
31
Constituição de 24 de fevereiro, estatuindo no seu Tit, IV,
Seccão I, artigos 69 e 70, as qualidades necessárias para ser
cidadão brazileiro e eleitor, não se refere ao sexo como
provando que este não póde ser absolutamente considerado
motivo justo de capacidade ou incapacidade physica ou
moral para o livre exercício do direito ao voto. Donde
nasce, portanto, a incapacidade da mulher se a constituição
não priva do voto em nenhum dos seus artigos? Alem das
exclusões expressas na constituição, comenta João
Barbalho, subsiste a das mulheres, visto não ter sido
aprovada nenhuma das varias emendas que lhes attribuiam
o direito de voto politico. [...] Permitti, senhores, que não
abrace essa theorica, que vá de encontro com esse modo de
pensar, talvez da maioria masculina.
No tocante a biografia de Catharina Moura, como já dito, foi uma mulher e educadora,
advogada e intelectual da época, bem como a protagonista da 8ª conferência intitulada “Os
Direitos da Mulher”, no ano de 1913. Mesmo após esse período, informações sobre Catharina
são raras, impedindo, assim, que haja um relato bem substanciado da trajetória da sua vida e
atuação.
Era filha de uma importante professora paraibana, Francisca Moura, que também deu
aulas na Escola Normal. Catharina atuava como professora das primeiras letras, tendo sido
professora no Curso particular de primeiras letras e de instrução secundária, criado pela sua
mãe, Francisca Moura, na Parahyba, lecionando português, desenho, caligrafia, etc. sendo
também uma intelectual da sua época (ESPÍNDOLA, 2017).
32
Figura 6: Francisca Moura, mãe de Catharina de Moura, fonte: Site do HISTEDEBR.2
2 https://www.histedbr.fe.unicamp.br/
33
estranhamento o fato de não ter sido localizado qualquer texto da intelectual na Página
Feminina, espaço da APPF, concedido pelo Jornal “A União”.
Este fato dialoga com a primeira Constituição da República (1891) onde não era
concedido as mulheres o direito de votar ou serem votadas. Uma situação que persistiria até o
século XX. Assim, não se pode negar que as mulheres não eram cidadãs de direitos,
consideradas como parte do mundo privado, do lar, ideologia especialmente desenvolvida pela
elite brasileira para as mulheres brancas e das camadas mais abastadas, pois as mulheres negras
e pobres necessitavam se submeterem a regimes extremos de trabalho, ainda cobradas a serem
mães e esposas (CARNEIRO, 2011).
Espíndola (2017, p. 128), registra que no século XIX a identidade da mulher era pensada
como ser amável, humilde e maternal, ligada a imagem da virgem Maria, seguindo as fortes
influencias da igreja católica. Assim, o magistério seria o curso ideal para atuação pública das
mulheres, onde podiam trabalhar e exercer essa “missão”.
O discurso de Catharina Moura na conferência de 1913 adentrou o universo político de
dominação masculina com propriedade, onde a advogada discorreu sobre os direitos das
mulheres, numa luta simbólica, se fazendo esclarecer por meio do seu discurso e seu capital
escolar, sobre a inconstitucionalidade da não participação da mulher em exercer o direito de
eleger os seus representantes. Portanto, Catharina se revela como referência feminina neste
cenário para as mudanças sociais e política do século XX, no tocante a sua coragem e ousadia,
por se tratar de uma mulher a enfrentar todo um padrão moral e ideológico, com base no
patriarcado dominante. Torna-se um “marco histórico” de extrema importância na discussão
sobre a “educação da mulher” (BOURDIEU, 1995).
34
CAPÍTULO III - CONTEXTO HISTÓRICO DO MOVIMENTO FEMINISTA NO
SÉCULO XX E A CONTRIBUIÇÃO DE CATHARINA MOURA
Este capítulo tem como principal objetivo fazer uma análise do protagonismo de
Catharina Moura frente ao espaço da imprensa, especificamente no Jornal da União, dedicado
às mulheres no período entre as décadas de 37 a 45, bem como seus desenvolvimentos.
O movimento social dedicado às questões de gênero é chamado de movimento
feminista, que nasceu da luta feminina por igualdade de direitos e representatividade. No mundo
inteiro é um movimento marcado pelas críticas as formas de dominação masculina e ao
patriarcado. Assim, está inserido no desenvolvimento da própria modernidade, à medida que
discute direitos e relações de poder, sendo tanto um movimento teórico como uma luta política.
No século XIX, na Inglaterra, mulheres se reúnem para reivindicarem direitos, em
especial o direito ao voto. Assim se configura o que se chama de primeira onda do feminismo
(PINTO, 2010). Este cenário também foi vivido no Brasil. Neste contexto apresentamos a
história de Catharina Moura, sobretudo tendo em consideração que naquele período as mulheres
eram vistas como “do lar”. Catharina Moura nos apresenta uma versão totalmente “a frente do
seu tempo”, tornando-se uma referência e incentivo para outras mulheres na luta pela conquista
do seu espaço na sociedade.
A sua biografia nos leva muito a pensar, isto referente à história social da mulher, numa
história cultural que manifesta os valores e significados dos gêneros, o que é possível identificar
nos debates travados pela imprensa como resposta a conferência proferida pela educadora
Catharina.
A supracitada conferência, realizada em 1913, proferida pela educadora, deu espaço a
uma sequência de pronunciamentos sobre o tema das relações entre gêneros, os direitos
políticos da mulher, que só mais na frente, na década de 20, receberiam destaque através do
ativismo das sufragistas no âmbito nacional. O acesso das mulheres aos estudos formais foi um
dos pontos debatidos, polemizados e freados pelos jornais, sendo o destaque da conferência no
Teatro Santa Rosa.
As relações familiares e os papéis a serem exercidos por homens/mulheres estavam em
pauta, na fala de Catharina, revelando de forma precursora a sua visão sobre os desdobramentos
dos direitos femininos, isso no decorrer do evento promovido pela “Universidade popular”,
movimento que reuniu um seleto grupo de intelectuais na Parahyba do Norte durante a gestão
do presidente João Pereira de Castro Pinto.
35
Catharina Moura apresenta suas visões, argumentos e opiniões de forma explícita em
relação ao papel social e político da mulher. Percebendo isto, os debatedores discutem as ideias
em pauta sobre a mulher a partir das perspectivas de Catharina, tendo em vista questões sobre
“vocação natural” e maternidade feminina, bem como a “preservação” da mulher nos ambientes
relacionados ao trabalho fora do lar, vistos como infames e degradados em relação ao papel
existente no tocante as questões femininas (MACHADO; NUNES; MENDES, 2013, p.13).
Ao longo da história ocidental vimos que muitas mulheres que se rebelavam contra a
condição de subordinação masculina e lutaram pela igualdade de gênero, muitas vezes pagaram
um “preço” muito alto, até mesmo com a própria vida, como é o caso de Margarida Maria Alves
e Maria da Penha.
Nas décadas finais do século XIX, quando as mulheres passam a se organizarem para
lutar por seus direitos, foi conquistado o direito ao voto, inicialmente no Reino Unido em 1918.
As sufragistas fomentaram grandes manifestações em Londres e foram punidas várias vezes,
presas e fizeram greve de fome.
No Brasil, “As sufragetes” como eram conhecidas, foram lideradas por Bertha Lutz,
bióloga, cientista de grande importância, que estudou no exterior, votando para o Brasil na
década de 1910 e iniciando a luta feminina pelo voto. Bertha Luz foi uma das fundadoras da
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, organização que fez campanha pública pelo
voto (PINTO, 2010)
37
preparatório no Lyceu provincial3 antes de ingressar na Faculdade de Direito de Recife
(ARAUJO, 2010).
Fora professora das primeiras letras na capital da Parahyba, sem ter exercido cargo
público, o que era quase inexistente entre as mulheres intelectuais do período; uma das pautas
de reivindicações das feministas. Catharina publicou no jornal A União, uma forma de
participação social e intelectual expressiva na época, participando também da Universidade
popular (criada em 1913, em vários estados do Brasil, sob os modelos europeus) e da
Associação Paraibana pelo progresso feminino.
O Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba (IFGP), criado em 1905, teve em seus
primeiros tempos poucas participações femininas, sendo apenas em 1922 que Eudésia Vieira
ingressa nesta instituição como a primeira presença feminina. Já a Universidade Popular, que
funcionava no theatro Santa Roza, tinha a função de popularizar o conhecimento e as
informações, e teve a participação de Catharina Moura (PARAYBA, 1913).
Destacamos neste trabalho o jornal A União porque este foi um espaço de divulgação
da Universidade popular, com uma sessão especifica para divulgação desta instituição
(ESPINDOLA, 2017). Catharina fazia parte da Comissão organizadora das conferencias desta
instituição, formada por vários homens e, diga-se de passagem, apenas duas mulheres. A
Universidade funcionava mediante estas conferencias, publicadas no jornal A União. De acordo
com o jornal foram listadas 38 palestras em 1913, entre as quais está a de Catharina sobre os
direitos políticos das mulheres, tema muito inovador para sua época (AGUIAR, 1999).
Na 8ª Conferencia proferida por Catharina, ela falou sobre a importância de se
popularizar a educação e o conhecimento a toda população, incluindo as mulheres, mesmo que
não se reconhecesse enquanto “feminista”:
Dizer-vos que não sou infelizmente uma feminista [...] não sou dessas
mulheres admiraveis que affrontam impávidas os risos de escarneo, pesadas
ironias, os malevolos dichotes com quem mimoseam os ferozes inimigos do
progresso feminino, aquelles que, ou por temerem a competencia do sexo que
chamam fraco ou por não querem que lhes fuja o império até aqui exercido
sobre elle, lutam com o ridículo, a mais vil de todas as armas, para todo o custo
conservá-lo. (MOURA, 1913, p. 01).
3O Lyceu provincial foi criado em 1836 na Parayba do Norte, com o objetivo de ensinar as primeiras letras no
estado. Funcionou até 1884.
38
Como podemos ver, Moura demonstra admiração pela coragem das mulheres que se
afirmam “feministas” e que lutam contra os que se colocam contrários ao “progresso feminino”,
ironizando a ideia de “sexo fraco” em nome da conservação do poder exercido pelos homens.
A própria escolha do tema de sua conferência: as mulheres na política, já nos indica sua
ligação política com reivindicações por uma sociedade mais igualitária, uma vez que as demais
conferencias realizadas neste período versavam sobre Estado, educação, sindicatos, higiene e
outras questões públicas. Suas palavras se opuseram a uma pretensa inferioridade “natural” das
mulheres, levantado o direito feminino de votar e de receber educação escolar adequada, em
situação de igualdade.
Como vemos na citação acima, Catharina reclama o voto para as mulheres enquanto um
direito político, desprestigiadas e desfavorecidas socialmente como cidadãs, inclusive as
estudadas. Tece críticas à política da época e a própria estrutura legal, cujas leis eram criadas
por homens para o benefício e poder dos mesmos.
Em suas palavras: “...Não há quem ignore que a instrucção da mulher ainda hoje em
dia em quase toda parte, acanhada, rudimentar, imperfeitíssima, foi quase nulla até bem
39
poucos anos” (MOURA, 1913, p. 01); o que foi muito usado como retórica pela Federação para
o progresso feminino em todo o país (MACHADO, NUNES e MENDES, 2013).
A fala de Catharina Moura é uma espécie de denuncia a realidade da Paraíba e do Brasil,
uma vez que havia uma educação diferenciada segundo os sexos, como podemos ver no
Regulamento de instrução pública da Parahyba, em 1904: “Nas escolas para o sexo feminino
se ensinara também trabalhos de agulhas e prendas domésticas” (PARAHIBA, 1904, p. 45).
Seu discurso negava a pretensa condição de incapacidade das mulheres, destacando que eram
responsáveis e capazes de exercerem diferentes profissões, de tomar suas próprias decisões,
sem necessidade da tutela dos homens, que eram reconhecidos como o “sexo forte”.
Assim, ela denunciava que, mesmo que se aceitassem mulheres, as escolas
diferenciavam-nas dos homens, onde a área logica e intelectual era destinada ao público
masculino, cabendo às mulheres o cuidar dos filhos e do lar.
Conveniente educada para o lar como para vida pública, para o sagrado
aconchego da família como para luta social ou política pela existência,
poder-se-á, sem temor alargar o círculo de seus direitos, iguala-los aos
do homem ampliar a sua atividade; fazer ao sexo fraco as concessões
feitas ao outro sexo, sem que isto traga à sociedade ou á família mais
que incalculáveis benefícios (MOURA, 1913, p. 02).
Fazendo parte deste universo local onde se naturalizava que mulher educada era a que
se voltava exclusivamente para o lar, Catharina Moura reconhecia que uma “educação
prudente” desenvolve “apego ao lar”, mas atestava que uma formação completa desenvolve
também nas mulheres aptidões para exercer uma profissão qualquer, conforme suas escolhas, o
que já aponta a necessidade de entrada das mulheres neste universo masculino: “(...) Não há
quem ignore que a instrução da mulher ainda hoje em dia em quase toda parte, acanhada,
rudimentar, imperfeitíssima, foi quase nulla até bem poucos anos” (MOURA, 1913, p. 1). Deste
modo, aponta a importância da educação feminina para resolução desta desigualdade.
Ela não via a inserção das mulheres no mundo do trabalho como perda de sua natureza
maternal e cuidadora, funções sociais que permanecem sendo atribuídas as mulheres durante o
período da República. Note-se que seu discurso era de fato libertário, mas estava ainda cercado
por um cenário político e intelectual dominado por homens, numa sociedade em que estes eram
tidos como os provedores do país e tutores legais de “suas” mulheres.
Em seu discurso Catharina Moura atesta que as mulheres podem exercer outras
profissões além do magistério como: “...advogadas, engenheiras, as universidades estão cheias
40
de mulheres representantes do sexo fraco desempenham os cargos de juiz de paz e outros de
elevada responsabilidade” (MOURA, 1913b, p. 1-2), que eram tipicamente masculinas.
Assim, vemos que em sua conferencia uma desnaturalização da ideia de “sexo frágil”,
isto é, incapaz, irracional ou inferior intelectual e fisicamente, crenças que foram tão difundidas
na ciência brasileira através das noções de atraso intelectual e fisiológico das mulheres e/ou das
crianças, comparadas aos povos delinquentes ou primitivos (FERLA, 2009).
Mesmo que não se definisse como “feminista”, ela se mostrou uma defensora do
“feminismo”, buscando elevar a mulher como capaz de trabalhar, pensar, produzir e livremente,
pensamento que se assemelha ao divulgado pelo movimento feminista brasileiro.
Sua conferência aponta os direitos políticos a serem conquistados pelas mulheres como
uma condição necessária ao progresso da sociedade, reconhecendo a necessidade de se criar
espaços educacionais mais democráticos, voltados para uma educação feminina mais plena, que
seria uma educação “conveniente possibilitará maior participação da mulher na sociedade,
tanto no âmbito social ou político, sem que isto traga a sociedade mais que incalculáveis
benefícios” (MOURA, 1913, p. 1)
41
Obviamente como filha de professora, tendo recebido desde sempre educação formal e
se tornado também professora e advogada, reconhecia a importância da educação para a
inserção das mulheres num novo modelo de sociedade.
Conveniente educada para o lar como para a vida pública, para o sagrado
aconchego da família como para a luta social e política pela existência, poder-
se-á, sem temor alargar o círculo de seus direitos, igualá-los aos do homem,
ampliar a sua atividade; fazer ao sexo fraco as concessões feitas ao outro sexo,
sem que isto traga a sociedade ou a família mais que incalculáveis benefícios.
Uma prudente educação desenvolverá em seu espírito o apego ao lar
doméstico, cujos encantos saberá partilhar, aumentando-os; gozar, fazendo-os
mais apreciáveis e numeroso (MOURA, 01 abr. 1913, p.1).
Lamento não poder encher-vos, como desejaria faze-lo, de imenso ardor pelo
levantamento do meu sexo, sinto muito não encontrar em mim própria,
para vos comunicar, o entusiasmo, a coragem de uma Stetenson, uma
Fanny Lewald, uma Olympia de Gourges, uma Carmem Dolores e tantas
outras mulheres admiráveis que tudo sacrificam na defesa da causa que
as anima; nãosou, com desgosto o confesso, não serei nunca, uma
abnegada, uma norte-americana heroica ou uma suffragista ingleza. Mais
que feminista, sou feminina, na verdadeira acepção ainda hoje emprega esta
expressão como sinônima de fraca, de mais apta a ser guiada do que capaz de
mandar ou dirigir. E, embora não me deis muito crédito, vos afirmo: agrada-
me muito mais talhar e costurar um vestido, serzir um par de meias do que
estar aqui a ler-vos estas insípidas tiras de papel. (MOURA, 1913, p.1).
42
trabalho, igualdade no casamento, direito a terra, direito a saúde materno-infantil, luta contra o
racismo, opções sexuais, etc.
De acordo com Céli Regina (2003), o movimento feminista brasileiro, apesar de ter
origens na classe média intelectualizada, teve uma interface com as classes populares, o que
provocou novas percepções, discursos e ações em ambos os lados, havendo avanços como a
criação do Conselho Nacional da Condição da Mulher (CNDM) em 1984, tendo sua secretária
status de ministro, promovendo, ao lado de outros grupos de luta, representatividade.
Sendo assim, é possível identificar o movimento feminista através de diferentes
vertentes, quer seja da ação do movimento, quer seja da produção teórica feminista na área de
história, ciências sociais, crítica literária e da psicanálise. Também temos avanços, como fala
Céli (2003), do movimento feminista no Brasil, que se expressaram na luta pela participação de
mulheres no parlamento, na política e em outros cargos de representação política. É necessário
que existam mulheres em todos os espaços da sociedade, independentemente de sua raça, etnia,
sexualidade, origem ou religiosidade, onde o processo democrático teria, sobretudo, haver com
uma “política de presença”.
Falarmos sobre o feminismo no Brasil é falar de um movimento peculiar, relacionado a
sua história, seus processos e sua própria reflexão crítica, desafiando a ordem conservadora que
excluía a mulher do mundo público, falando especificamente dos direitos e acesso a cidadania.
Hoje as mulheres possuem novos espaços sociais, concorrem no mercado de trabalho,
votam, exercem cargos políticos e administrativos e possuem grandes conquistas por direitos
sociais, fortalecendo seus valores graças ao desenvolvimento do movimento feminista, mesmo
estando conscientes que existe e ainda predomina relações de dominação do homem para com
à mulher.
Conforme Pinto (2003), somente mulheres engajadas, organizadas ou não, defenderam
os direitos de outras mulheres pela participação social, conjuntamente com os homens, na luta
por uma sociedade mais inclusiva e humana.
43
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer do trabalho de pesquisa constatou-se que havia uma grande dificuldade nos
materiais coletados, pois não tínhamos muitas ferramentas a ser analisados ou comparados, bem
como o fato dos jornais encontrados que estavam rasurados e com pouca legibilidade,
dificultando e limitando o entendimento dos mesmos e o avanço da pesquisa.
Um estudo bibliográfico do protagonismo de Catharina Moura e os impressos do jornal
da União na construção da educação da mulher no século XX, como tema da pesquisa, acabou
por evocar uma série de questões relacionadas a temática. Diante disso, observou-se como as
mulheres eram vistas, desrespeitadas, educadas e valorizadas enquanto domésticas.
Ainda observamos a pouca visibilidade e a escassez de informações sobre mulheres tão
importantes, como Moura, que lutou e colaborou para emancipação e participação das mulheres
num mundo social dominado por homens. Talvez por isso esse silenciamento sobre seu
44
protagonismo e sua biografia, por ter enfrentado um machismo imperante, que concebia o lar
como lugar de mulher e não o universo do trabalho e da política.
As transformações ocorridas durante os últimos anos contribuíram para a modificação
deste cenário, com avanços significativos, com conquistas no mercado de trabalho, na
cidadania, no uso de práticas contraceptivas, etc., sendo de suma importância a luta e o
protagonismo de mulheres como Nísia Floresta ou Catharina Moura.
Como Paulo Freire defende, “A educação não transforma o mundo, educação muda às
pessoas. Pessoas transformam o mundo”. Em linhas gerais, sabemos que o processo de
educação favorece o aprendizado e desenvolve a democracia e cidadania. Mulheres que
reivindicavam o direito a educação para o desenvolvimento da sua capacidade intelectual e
civil, de exercer e ocupar os mais variados cargos, competindo com os homens, foram
fundamentais para ser o que somos, ter o que temos.
Através dos dados pesquisados ao longo do trabalho, percebermos que houve muitos
avanços, tendo em vista, que as mulheres quase não tinham direitos, mas sim uma série de
deveres, na maioria das vezes vistas como inábeis. Hoje as mulheres lideram inúmeras funções
e ocupam os mais diversos cargos, como engenheiras, advogadas, promotoras, juízas,
motoristas, no plenário, médica, professora, entre outras funções que só eram realizadas por
homens; embora muitas formas de desigualdades persistam.
Muitos preconceitos e barreiras permanecem, como as diferenças salariais, a segregação
de áreas de trabalho ou o assédio moral e sexual. Mas direitos muitos foram desbravados: que
vai além ao voto, como direito de ingressar na universidade, direito de expressão, direito de
escolher ter ou não filhos, de dispor seus corpos ou de tomar as suas próprias decisões.
Catharina Moura deixou bem claro para nós que, de todas as reivindicações femininas,
é fundamental o direito à educação, justificando a importância de tal aquisição tanto para
exercer o seu papel de mãe e formadora, quanto para o próprio engrandecimento espiritual, em
prol de uma sociedade mais igualitária.
45
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48
ANEXOS
A ´ 1 ½ hora da tarde, o Theatro Santa Rosa estava cheio. Pelos camarotes, replectos, viam-se
famílias as mais distinctas do nosso meio, notando-se pelas galerias e cadeiras, compactas, o
que esta cidade possue de mais representativo na imprensa, nas artes, na advocacia, no
commercio, no magistério, etc. Quando, na notícia passada, dissemos que a conferencista se
tinha creado uma sumptuosa expectativa na sociedade parahybana, quizemos dizer que o
auditório de domingo seria fatalmente uma homenagem aos méritos e a distincção da dra.
Catharina Moura. Dissertando, por espaço de 50 minutos, sobre o seu thema, a conferencista
foi ouvida religiosamente, apresentando-se á critica erudita do auditório como uma revelação
de preparo e eloquência. Effectivamente, pela forma litteraria, segurança de argumentos e
originalidade dos assertos, a conferencia da Dra. Catharina Moura foi uma das mais brilhantes
de quantas se fizeram pela Universidade [...] Ao terminar foi a conferencista saudada por uma
ruidosa salva de palmas e sinceramente felicitada por senhoras e cavalheiros presentes. (A
UNIÃO, 1 de abril de 1913, p.1).
Quero apenas prevenir- vos, para que não esperei muito de mim na defesa da causa que aqui
me traz. Dizer-vos que não sou infelizmente uma feminista; que; apezar de não ter tido eu em
nenhuma época da existência o apoio de um braço masculino e ter, portanto, conhecido por
experiência o quanto é útil, o quanto é necessária a elevação feminina pelo trabalho de qualquer
natureza, não sou uma dessas mulheres sublimes que denodadamente se batem pela elevação,
pela emancipação do seu sexo [...] Deixemos, portanto, senhores, a fraqueza dos meus
argumentos no correr desta despretensiosa palestra, informados como estaes de que não sou
dessas mulheres admiráveis que afrontam impávidas os risos de escarneo, as pesadas ironias,
os malévolos dichotes com que as mimoseam os ferozes inimigos do progresso feminino,
aquelles que, ou por temerem a competência do sexo que chamam fraco ou por não quererem
que lhes fuja o imperio até aqui exercido sobre ele, lutam com o ridiculo, a mais vil de todas
as armas, para a todo custo conserval-o.
49
[...] no Brazil não deu ainda á mulher a mínima parcela, achando que muito pesa na fidelíssima
balança da politica o voto de um homem, mesmo ignorante, quase analfabeto, incapaz de avaliar
do valor moral e intelectual de um candidato; ao passo que é imponderavel o voto de uma
representante do outro sexo por mais inteligente, culta e mesmo prudente que todos a
reconheçam [...] julgo tão incoerente, tão em desacordo com os progressos do século o modo
por que entre nós é dado o direito de voto politico, dificilmente contenho o riso quando em um
dia de eleição observo de minha Janella o movimento desusado das ruas, atulhadas de pobres
matutos em cujas mãos introduziram os chefes locaes a patente de eleitor, fazendo-os repetirem,
como as crenças o padre – nosso, o nome do candidato a quem vão dar o seu voto consciente e
ponderado [...] Mas como não será assim se as leis são feitas pelos homens, se são os
representantes do sexo forte que legislam para si e para nós? [...]
[...] para a mulher futura, a enfesada e archaica teoria da inferioridade feminina tem encontrado
em campo oposto, em terreno adversário fortíssimos campeões, grandes adeptos do valor da
mulher e de sua elevação social, verdadeiros enthusiastas do feminino, se não do feminismo
irreflectido e tolo que abraça o amor livre e outras idéas de igual monta, mas do feminismo
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elevado e nobre, que procura erguer a esfera social da mulher, levantando-a, dignificando-a ,
arrancando-a , custe o que custar, ao humilhante protectorado do sexo forte.
[...] impossível seria não sofrer atrofia um cérebro somente influenciado por factores todos
negativos ao seu desenvolvimento, não aniquilar-se uma vontade sujeita, desde as suas
primeiras manifestações, á imposição de uma vontade oposta [...] (AUNIÃO, 01 abr.1913, p.
1).
Sómente educando, instruindo a mulher pode-se -á evitar que ella continue a propagar um typo
psychico social inferior, fútil , quase infantil [...] sua elevação intelectual e moral pela instrução
e pela educação, num futuro, talvez não mui remoto, há de trazer -nos a prova de que essa
inferioridade do cérebro feminino, se é que existe, não é uma qualidade inherente ao sexo, mas
uma consequência necessária das condições do meio [...] compreender que, longe de evoluir,
longe de elevar-se a mulher, de argumentar sua influencia , esta tenha só contrario, vindo até
nós numa escala descendente ou, pelo menos, se tenha conservado paralysada? Tudo evolue,
tudo progride, só a condição da mulher é quase sempre a mesma através dos séculos. Correm
eras, passam-se os tempos e só a mulher se conserva quase estacionaria no meio das civilizações
[...] Isto porque para ele somente foram feitos os cargos e profissões mais dignas. [...] Onde está
porem a base dessa theoria? Em que se funda quem sustenta a incapacidade inherente ao sexo
feminino ou, asserção ainda mais absurda, quem´ procura adiantar que a evolução da mulher é
a sociedade? [...] Só o egoísmo masculino, o interesse tão poderoso quão inconsciente, tão
hereditariamente enraizado quão irreflectidamente, conservado, pode achar essa theoria
coerente com as idéias do progresso aceitável no estado actual da civilização. [...] (AUNIÃO,
02 abr.1913, p. 1).
A civilização, o progresso exigem dia a dia maior preparo da mulher como educadora. A
evolução da mentalidade feminina é condição necessária á vida da mulher na actualidade e por
uma consequencia logica torna-se -á cada vez mais necessária, até imprescindível essa
evolução. Impossivel será depurar-se uma, sociedade, progredir, elevar-se, desenvolver-se um
povo sem o concurso feminino no movimento social, concurso tão valioso qual desvalorizado
até hoje [...] Eduque -se o ser humano sem distinção de sexo, faça-se com que a mulher adquira
aptidão legal e intelectual para o exercício de toda e qualquer profissão, de modo a pó-lo em
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pratica, sendo esse exercício necessário ou não havendo um impedimento material ou moral
que a prive dele. (A UNIÃO, 02 abr. 1913, p.1 ).
Mas infelizmente não é só o homem que assim pensa e sente. A própria mulher hereditariamente
conservada nessa posição inferior, tem a consciência da própria inferioridade e bem distante
de procurar elevar-se, vencer a distancia que separa social e politicamente os dous sexos, sente-
se impotente para sahir desse quase servilismo, acha-se fraca e incapaz e, para ser mais
agradável talvez ao seu tutor, une-se a este para censurar e até ridicularizar sua irmã em sexo
que procura evoluir, liberta-se da tutela ou simplesmente adquirir aptidão para exercício de uma
profissão masculina; e diz, erguendo os lábios num gesto de supremo desprezo: “ Fulana é tão
ridícula ; quer por força ser homem.” (A UNIÃO, 02 abr.1913, p.1).
E amanhã quando esse movimento , vencendo as barreiras que procuram destruil-o, alastrar-se
por todo o mundo civilizado, quando a igualdade legal dos sexos já não for phantasma que o
homem procura esmagar e que amedronta a mulher, receiosa de perder o amor e respeito
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masculinos ( se é que se pode chamar amor ao culto rendido ao bello e respeito ás attenções
dispensadas á fraqueza ) será então perfeita a harmonia nos lares, infelicitados na maior parte
dos casos pela consciencia, no homem, na própria superioridade e pela inconsciência , na
mulher, do deu importantíssimo papel na família (A UNIÃO , 02 abr. 1913, p. 2).
IN: MACHADO, Charliton José dos Santos Machado & Nunes, Maria Lúcia da Silva.
Catharina Moura Amsteim e o feminismo na República Velha da Parahyba do Norte (1913).
In: FREITAS, Anamaria G. Bueno de Freitas & MOTTA, Diomar das Graças. (Orgs). Mulheres
na história da educação: desafios, resistências e conquistas. São Luís: EDUFMA, 2011, p.37-
47.
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