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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE


CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LINHA CULTURA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Mãe-esposa e professora: educadoras no final do

século XIX

Rossana Kess Brito de Souza Pinheiro

Orientadora:
Profª Drª Maria Arisnete Câmara de Morais

NATAL/RN
2009
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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Divisão de Serviços Técnicos

Pinheiro, Rossana Kess Brito de Souza.


Mãe-esposa e professora: educadoras no final do século XIX/ Rossana Kess Brito de Souza
Pinheiro. – Natal, 2009.
219 f. Il.

Orientadora: Prof ª. Dr.ª Maria Arisnete Câmara de Morais


Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais
Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Educação.

1.República - Tese. 2. Século XIX – Tese. 3. Professora - Tese. 4. Educação feminina - Tese. 5. Mãe-
esposa – Tese. I. Morais, Maria Arisnete Câmara de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
III. Título

RN/BS/CCSA CDU 37: 396(813.2) (043.2)


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Rossana Kess Brito de Souza Pinheiro

Mãe-esposa e professora: educadoras no final do

século XIX

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como
exigência parcial para obtenção do título de
Doutora em Educação sob a orientação da
Profª Drª Maria Arisnete Câmara de Morais.

NATAL/RN
2009
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Mãe-esposa e professora: educadoras no final do século XIX

Tese apresentada e aprovada em 29 de Maio de 2009, na Universidade Federal do Rio


Grande do Norte/Programa de Pós-Graduação em Educação.

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________________________________________
Profª. Drª Maria Arisnete Câmara de Morais (UFRN - Orientadora)

______________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Jane Soares de Almeida (UNESP- Titular externo)

______________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Ilane Ferreira Cavalcanti (IFET- Titular externo)

______________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Marlúcia Menezes de Paiva (UFRN- Titular interno)

______________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª: Maria Inês Sucupira Stamatto (UFRN- Titular interno)

______________________________________________________________________
Prof. Dr. João Maria Valença de Andrade (UFRN- Suplente interno)

______________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Ligia Pereira dos Santos (UEPB- Suplente externo)
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Dedico este trabalho aos meus dois


amores: Artur, amor desde a
eternidade e Walter, amor para
além da vida.
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AGRADECIMENTOS

Este trabalho é consagrado a Grande Deusa, princípio feminino de vida e criação


divina na antiga Arte pagã dos meus ancestrais.

Muitas pessoas colaboraram para a execução deste projeto investigativo. A estes ilustres
anônimos os meus sinceros agradecimentos. No entanto, gostaria de destacar algumas
pessoas cujo coração e intelecto tencionou a dor com amor e me proporcionaram fazer
este trabalho com alegria e firmeza de propósito:

Minha mãe, Salete, por me fazer entender o amor incondicional e o cuidado materno
que se estende pelas gerações. Sem o seu cuidado para com Artur não teria a paz
necessária para fazer o que precisava ser feito.

Minha doce Prófi, Arisnete, minha mãe acadêmica, por ser o facho iluminador sempre
presente indicando-me o caminho das pedras e ensinando-me a conviver com elas como
parte da existência, sem atirá-las ou retirá-las. O seu cuidado para com suas orientandas
inspira-me cotidianamente.

Meu marido, Walter, de quem amo ser esposa, companheiro na jornada da vida que foi
meu interlocutor, meu faz-tudo, meu descanso, meu aconchego e minha alegria. “Beijo
de boca no fim do dia” transformou-se no bálsamo diário que me manteve firme no
propósito de dar existência às marcas femininas no século XIX.

Meu filho Artur, de quem adoro ser mãe, com quem aprendi a Ser mais com ele e com
os outros. Seu sorriso e suas tiradas inteligentes fazem tudo valer a pena no fim do dia.

Minha comadre, Jalmira, por agüentar meus delírios intelectuais e partilhar sonhos e
ideais de uma educação melhor para nosso país nestes 13 anos de convivência.

Meus irmãos e sobrinhos, que me fornecem dia a dia o sentido supremo de família no
carinho e nas preces.

Meu pai, Expedito, por me fazer entender muito cedo que disciplina e meta existencial
são quase tudo na nossa jornada terrena. A perda desse princípio é a perda de si mesmo.

Conce, irmanada no mesmo compromisso social de trazer a nossa história aos olhos do
mundo e das nossas alunas no curso de Pedagogia da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (UERN).

Profª Marlúcia Paiva, que me iniciou na pesquisa historiográfica acadêmica


estabelecendo um divisor de águas em minha formação como docente estimulando a
autonomia intelectual, a preocupação político-social e a diversidade de saberes para a
nossa profissão.

Profª Marta Araújo, minha professora de História da Educação, através de quem pude
vislumbrar um universo teórico-metodológico que pudesse responder as minhas
constantes inquietações existenciais.
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Profª. Rosanália Sá Leitão Pinheiro, por seus comentários, seu carinho e suas
contribuições em minha formação e, particularmente, por colocar seu conhecimento a
nossa disposição trabalhando conosco nesta produção.

Profª. Inês Stamatto pelas valiosas contribuições por ocasião do meu Seminário I
ajudando de maneira definitiva a organizar categorias, conceitos e recorte temporal,
elementos estruturais básicos para a continuação efetiva deste trabalho.

Profª Ilane Cavalcante por sua leitura valorosa no nosso Seminário II contribuindo de
forma definitiva para a melhoria do texto ora apresentado.

Antonieta, Lúcia e “seu” Manoel, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do


Norte, pela solicitude e carinho com que fui tratada nas minhas incursões de pesquisa.

Naide e Sarynha, duas moças lindas, de almas nobres que com abraços energéticos e
uma infindável vontade de compartilhar, partilharam a existência dessa tese
contribuindo, mais do que quaisquer outras, com documentação importante em
momento decisivo desta investigação. Sem elas algumas elaborações não teriam sido
possíveis.

Colegas da Base de Pesquisa Gênero e Práticas Culturais: abordagens, educativas e


literárias, particularizados em minhas coleguinhas de turma Mariza Pinheiro, Edna
Rangel e Isabel Carvalho.

Colegas do Departamento de Educação do Campus de Assú da UERN por entenderem


minhas ausências e facilitarem meu trabalho na Instituição no processo de finalização
do trabalho.

CAPES, pelo apoio financeiro a mim estendido através do Programa de Bolsas de


Pesquisa.
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RESUMO

Este texto se orienta através das discussões empreendidas no universo da História da


Educação Norte-rio-grandense, circunscrita à História das Mulheres nas primeiras
décadas do Brasil republicano e à análise do que se esperava dessa educação no âmbito
da educação feminina. Evidenciamos as representações femininas em Natal, entre os
anos de 1889 e 1914, com o objetivo de configurar as relações de gênero com ênfase
nos aspectos morais, intelectuais e pedagógicos exigidos dessas mulheres. Utilizamos
como fontes documentais a Legislação educacional, civil e penal, tanto no âmbito
nacional, como estadual e municipal. Circunscrevemos a nossa busca no jornal A
República, no qual evidenciamos a literatura que circulava em Natal sob a forma de
Folhetim, Contos e Poesias, bem como nos demais textos dos autores presentes que
fizeram parte do corpus da análise para este estudo, localizados em arquivos públicos e
privados do Rio Grande do Norte, como o Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Norte (IHGRN) e o Arquivo Público Estadual do Rio Grande do Norte
(APE-RN). O uso do método indiciário e as proposições da História Cultural foi o
suporte teórico-metodológico apropriado à realização de um trabalho dessa natureza.
Essa perspectiva operacional permitiu elaborar nuanças sobre este tempo de transição,
entre o século XIX e XX, e trazer a lume a mulher deste período. A base de
argumentação que relacionava a mulher à maternidade e à domesticidade, e estas ao
ideário de abnegação e sacerdócio, aliou-se a uma demanda vinda do aumento no
quantitativo de escolas femininas e alocou a mulher como a mais apropriada para o
melhor desempenho educacional no país, a partir de suas bases: a educação primaria.
Para além do universo escolar, outra face de mulher se apresentava neste universo
político republicano. A mãe-esposa e a institucionalização da educação doméstica
associavam o gênero feminino também com a educadora no lar. Seja no público, como
professora, seja no privado, como mãe-esposa, o cuidado feminino é percebido nessa
configuração como a base educacional que a República e o entre-séculos legaram ao
século XX brasileiro.

Palavras-chaves: República, século XIX, professora, educação feminina, mãe-esposa.


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ABSTRACT

This text is organized through discussions undertaken in the area of the History of
Education in Rio Grande do Norte, circumscribed to the History of Women from the
first decades of the Brazilian Republic, and to the analysis of what was expected of this
education. We examined representations of women in Natal, between 1889 and 1914,
with the goal of configuring relations between the sexes with the emphasis on moral,
intellectual and pedagogical aspects required of these women. As documental sources
we utilized the educational, civil and criminal Legislation, on a National scope, as well
as on a State and Municipal scope. We circumscribed our search to the newspaper A
República, in which we found literature that circulated in Natal in the form of
pamphlets, short stories and poetry, as well as other texts by authors that were part of
the corpus of analysis of this study, located in public and private archives in Rio Grande
do Norte, such as the Historical and Geographic Institute of Rio Grande do Norte
(IHGRN) and the State Public Archive of Rio Grande do Norte (APE-RN). The use of
the indexing method and the propositions of Cultural History were the appropriate
theoretical-methodological framework to complete studies of this nature. This
operational perspective permitted us to elaborate nuances about this time of transition
from the 19th to the 20th Century, and to spotlight the fire of the women from this
period. The basis of the argument that related women to maternity and domesticity, and
within the ideals of abnegation and religious leadership, aligned to a demand coming
from the increase in the quantity of schools for women, allocated women as the most
appropriate for superior in educational performance in the country, based on its
foundations: primary education. Beyond the universe of formal education, the other side
of women appeared in republican politics. The mother-spouse and the
institutionalization of domestic education associated the female gender with the role of
educator at home as well. Be it in the public sphere, as a teacher, or in private, as
mother-spouse, female care is perceived in this configuration, as an educational base
that the Republic, and in transition, bequeathed to the Brazilian 20th Century.

Key-words: Republic, 19th Century, teacher, female education, mother-spouse.


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RÉSUMÉ

Ce texte s’ oriente sur des discussions établies dans l’univers de l’histoire de l’éducation
du Rio Grande do Norte, circonscrite à l’histoire des femmes pendant les dix premières
années du Brésil républicain et sur l’analyse de se que l’on attend de cette éducation
dans le champ d’action de l’éducation féminine. Nous avons mis en évidence les
représentations féminines à Natal, entre 1889 et 1914, ayant comme objectif celui de
configurer les relations de genre, en priorisant les aspects moraux, intellectuels et
pédagogiques exigés de ces femmes. Nous avons utilisé comme sources documentales
la législation éducationnelle, civile et pénale, aussi bien du point de vue national, que
du point de vue de l’état et du municipe. Nous avons circonscrit notre recherche dans le
journal A Republica, dans lequel nous avons mis en évidence la littérature qui circulait à
Natal sous forme de feuillets, contes et poésies, aussi bien que dans les autres textes des
auteurs présents qui ont fait partie du corpus de l’analyse de cette étude, localisés dans
les archives publiques et privées du Rio Grande do Norte, comme l’institut historique et
géographique du Rio Grande do Norte(IHGRN) et les archives publiques de l’état du
Rio Grande do Norte(APE-RN). L’utilisation de la méthode indiquée ainsi que les
propositions de l’histoire culturelle ont été le support théorique et méthodologique
approprié pour la réalisation d’un travail de cette nature. Cette perspective
opérationnelle a permis d’élaborer des nuances sur ce temps de transition, entre le
XIXème et le XXème siècle, et de faire ainsi connaître la femme de cette période. La
base d’argumentation qui mettait en relation la femme avec la maternité et les travaux
domestiques, avec une idée d’abnégation et de sacerdoce, s’est alliée à une demande
dûe à l’augmentation de la quantité d’écoles féminines et a fait apparaître la femme
comme étant la plus appropriée pour le meilleur développement éducationnel dans le
pays, à partir de ses bases: l’éducation primaire. Au delà de l’univers scolaire, une autre
facette de la femme se présentait dans cet univers politique républicain. La mère-épouse
et l’institutionalisation de l’éducation domestique associaient également le genre
féminin à l’éducatrice du foyer. Que ce soit dans le publique, en tant que professeure, ou
dans le privé, en tant que mère-épouse, le soin féminin est perçu dans cette
configuration comme étant la base éducationnelle que la république et l’entre-deux
siècle ont léguée au XXème siècle brésilien.

Mots-clés: République, XIXème siècle, professeure, éducation féminine, mère-épouse


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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

CAPA
§ Página do Segundo Livro de Leitura de Felisberto de Carvalho (1934, p.12), “Júlia, a
boa mãe”.
CAPÍTULO II
§ Jornal A República: jan. a jun. de 1897 ......................................................................40
CAPÍTULO III
§ Guiomar de Vasconcelos entre as irmãs Calafange ....................................................57
§ Dolores Cavalcanti entre amigas ................................................................................58
§ Dolores Cavalcanti ......................................................................................................61
§ Júlia Medeiros .............................................................................................................62
§ Festa de Sant´ana em Caicó, RN – 1926 ....................................................................63
CAPÍTULO IV
§ Praça Augusto Severo .................................................................................................94
§ Melhoramentos na capital: A casa de detenção ..........................................................98
§ Melhoramentos da capital: Asilo de Mendicidade .....................................................99
§ Anúncio: Livraria Cosmopolita ................................................................................103
§ Programação Polytheama .........................................................................................106
§ Coreto da Praça Augusto Severo ..............................................................................107
§ Anúncios: Emulsão Scott e afinação de pianos ........................................................109
§ Anúncio: Segredo de beleza .....................................................................................110
CAPÍTULO V
§ Escola Doméstica de Natal .......................................................................................131
§ Prospecto com programa da Escola Doméstica de Natal .........................................138
§ Programa de ensino para a Escola Normal de Natal .................................................141
CAPÍTULO VI
§ Jornal A República (29 ago. 1908) ............................................................................150
CAPÍTULO VII
§ Lição 32 do Segundo Livro de Leitura de Felisberto de Carvalho (1934, p.157).... 179
PALAVRAS FINAIS
§ La liberté guidant le peuple ......................................................................................200
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SUMÁRIO

Primeiras palavras ................................................................................. 14

Capítulo I
De quando a idéia era apenas uma idéia ................................................... 17

Capítulo II
Notas do caminho .................................................................................... 31

Capítulo III
Perfis de educadoras no Rio Grande do Norte .......................................... 52

Capítulo IV
República, Modernidade e Civilização em Natal ...................................... 82

Capítulo V
Educação e educação feminina: fim de século, início de res-publica ..... 112

Capítulo VI
Marcas de um tempo, imagens de mulheres em Natal ............................144

Capítulo VII
Outras marcas, outras imagens: mãe-esposa e professora .......................174

Palavras finais ....................................................................................... 198

Referências .............................................................................................205
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Primeiras Palavras

Não foi, portanto, a priori que estabeleci os


limites de minha investigação. Foram as
características da documentação, tais como
as encontrava nos documentos cluniacenses,
que me propuseram esses limites (DUBY,
1994, p. 25).

Este texto de Duby nos ajuda a refletir sobre as idas e vindas de um pesquisador
na construção de um objeto de estudo, de uma investigação histotiográfica. Ajuda-nos a
perceber a importância de permitir falarem as fontes e deixar-se conduzir pelas marcas
históricas daqueles e daquelas que nos antecederam.
O presente trabalho é vinculado à Base de Pesquisa Gênero e Práticas culturais:
abordagens históricas, educativas e literárias e ao projeto integrado Gênero, Educação
e Práticas de Leitura/CNPq, através do qual o projeto inicial ganhou contornos de uma
tese no mosaico construído pelo conjunto de pesquisadores que constituem essa Base de
Pesquisa. Enquadra-se na linha de pesquisa Cultura e História da Educação do
Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que
reúne pesquisas sobre gênero e relações sociais, práticas institucionais e culturais.
O estudo em questão tem como objetivo identificar as representações femininas
em Natal, particularmente a mãe-esposa e a professora, buscando analisar as
características femininas exigidas às demandas sociais natalenses nas primeiras décadas
da República no Brasil. Busca configurar, ainda, as relações de gênero no âmbito da
educação feminina e as discussões entre educação escolar e doméstica na realidade
dada. Esta educação doméstica é também aqui pensada como a educação do espírito
social, que traz como mediador principal a própria formação social em que o individuo
se insere e, ao mesmo tempo em que espelha é por ela espelhada. Os discursos de
parlamentares, clérigos, literatos, jornalistas aparecem nas fontes analisadas como textos
educativo-instrucionais que colaboram com os processos formais de educação na forja
de modelos sociais, também de gênero.
O texto da tese está apresentado o feixe de sete capítulos que servem a este
trabalho como um condutor estrutural à tese que pretendemos demonstrar. Essa
disposição surgiu para nós como um fio condutor à pesquisa que, combinado com as
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considerações da orientadora do trabalho, bem como as solicitações do próprio objeto


de estudo, constituiu peças de um mosaico sobre o entre-séculos e a mulher natalense do
período.
De quando a idéia era apenas uma idéia, é o primeiro capítulo. Dissertamos sobre
a construção do objeto de análise, apresentamos os objetivos, a questão-tese motivadora
da tese, e a tese em si. O segundo capítulo, Notas do caminho, é uma discussão sobre os
procedimentos e a abordagem teórico-metodológica utilizada. Escrevemos notas sobre
os caminhos percorridos, na relação com suporte teórico-metodológico e procedimentos
de análise e uma revisão bibliográfica que colaborou para dimensionarmos melhor o
objeto em estudo. As fontes utilizadas, o campo de investigação, categorias e conceitos
são como notas que compõem a música metodológica que tentamos executar.
No terceiro capitulo, Perfis de educadoras no Rio Grande do Norte, fazemos uma
leitura das representações do feminino, evidenciando pesquisas realizadas sobre o
período e a relação com os dados construídos e com a questão-tese proposta. No
capítulo quatro, República, modernidade e civilização em Natal, configuramos a
sociedade natalense entre 1889 e 1914, trazendo, principalmente, as instituições sociais
presentes e o modo de ser das mulheres nessa configuração. Em Educação e educação
feminina: fim de século, início de res-pública, está presente a ideia de educação do
período, as maneiras como os processos educacionais se faziam sentir na sociedade
natalense, a educação como um modo civilizador em seu processo nas várias
instituições sociais, configurada em uma cidade e em um país que, sob o título de
República Federativa, ainda se republicava e contava com a educação para este
propósito.
Marcas de um tempo, imagens de mulheres. Neste capítulo, identificamos e
analisamos modos de ser e de fazer das mulheres em Natal. Trazemos um panorama das
marcas históricas femininas, na tentativa de fornecer aos leitores e leitoras uma
cartografia do gênero feminino em seus papéis sociais.
Nosso último esforço escrito, Mãe-esposa e professora: representações femininas
no final do século XIX, mostra as categorias centrais desta tese que ganham vida através
das práticas e representações dispostas nos discursos e silêncios dos obituários,
felicitações, anúncios e teorias que configuram o ser mulher na transição do século XIX
para o XX.
Finalmente, uma tentativa de conclusão desta escrita nos remete às impressões
que este trabalho nos trouxe. Os movimentos intelectuais aqui empreendidos nos
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permitiram pensar a continuidade de pesquisas na área de história da educação, gênero e


formação de professores que se desdobram a partir desta investigação e das ideias sobre
educação escolar, educação doméstica e cuidado materno, na perspectiva histórica das
relações de gênero.
Os capítulos ora apresentados descortinam uma história da educação feminina
para além da instituição escolar, no momento em que a expansão da instrução pública
no Brasil, o acesso feminino a essa instrução e a inserção gradativa cada vez maior
desse segmento da população a essa modalidade de trabalho se apresentava em franco
processo de expansão. Vinde e vede.
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Capítulo I
De quando a ideia era apenas uma ideia

As relações entre História, História da


Educação e a formação do educador são
estreitas, íntimas, porque se o papel da
educação é a formação humana e se o
homem se define por sua historicidade,
então o educador só pode desempenhar
adequadamente sua função na medida em
que se enraizar historicamente (SAVIANI,
2003, p. 21).

O desejo por aprofundar estudos acerca das representações femininas emerge da


minha trajetória pessoal caracterizada por ser mãe, esposa e professora. Cada um desses
papéis sociais, e com perfis específicos, está relacionado com o meu meio social e com
as relações interpessoais estabelecidas nessa configuração. Essa trajetória estabelece
uma íntima e estreita relação com as duas categorias centrais no desenvolvimento do
estudo que ora proponho, ou seja, gênero e educação.
Foi, portanto, na tentativa desse enraizamento histórico de que fala Saviani, que o
objeto deste estudo se apresenta como sendo as representações femininas em Natal entre
os anos de 1889 e 1914. Ele emergiu de minha pesquisa anterior, em nível de mestrado,
realizada entre os anos de 2000 e 2003, sob o título História da educação das mulheres
em Natal (1889-1899) (PINHEIRO, 2003). Investigamos, nesse trabalho, a educação
das mulheres em Natal, na primeira década do governo republicano no Rio Grande do
Norte. No seu decurso, vislumbramos um indício de investigação que buscasse a mulher
por trás das professoras encontradas, ou ainda as representações femininas na transição
do século XIX para o XX na realidade dada. A relação entre a história das mulheres e
nossa trajetória formativa docente se perde nas brumas de um tempo em que, menina,
ainda buscava as primeiras letras.
A imagem de uma constante e benéfica solidão é a marca da minha trajetória
pessoal nos limites desta existência. Essa existência solitária e introspectiva conduziu-
me a um universo literário específico desde o aprendizado das primeiras letras. Os
romances, as histórias de fadas, castelos, magias, guerras religiosas, cavaleiros e brumas
distantes. Os romances históricos faziam eco com os clássicos da literatura universal e o
século XIX, na escrita de Machado de Assis, José de Alencar, Álvares de Azevedo, Eça
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de Queirós, Honoré de Balzac, Gustave Flaubert, Conan Doyle ou Oscar Wilde.


Escritores ingleses, portugueses, franceses e brasileiros que traziam para mim os anos
oitocentos nas venturas e aventuras de seus personagens. Ao mesmo tempo, constituíam
um portal de formação existencial que definia na menina características que a
acompanhariam em sua constituição identitária de ser mulher. Noções de
comportamento moral, emocional e intelectual que se tornaram paráfrases de uma vida.
No processo de construção do objeto de estudo do doutorado, esse universo
mítico-literário se encontrou com jornais, legislação e pesquisas sobre a sociedade
brasileira do século XIX. Entre a ficção e a realidade, uma percepção: o século XIX
tinha muito a dizer sobre as bases que formam o pensamento educacional brasileiro,
sobre as bases que fundam o ser professora e professor no Brasil. Como se organizava,
então, o projeto educacional para mulheres, no universo de um projeto social brasileiro
na cidade de Natal/RN, no final do século XIX? Em torno de quais demandas morais,
intelectuais e sociais este projeto educacional se ordenava? Quais eram as
representações femininas que essas demandas provocavam em Natal entre 1889 e 1914?
Na direção desta última questão, construímos a tese ora defendida.
O ano de 1889, para o Rio Grande do Norte como para o Brasil, configura-se
como um momento político motivador de uma série de transformações sociais, culturais
e educacionais a partir da Proclamação da República. Este é um aspecto da nossa
história que convida-nos a uma investigação acerca de como se organizavam as relações
de gênero e, ainda, como se movimentavam as mulheres, particularmente as
professoras, no interior desse projeto de sociedade que nascia.
Nesse período, o discurso da ação transformadora da educação para a
consolidação de um modelo político e econômico visava o desenvolvimento da nação
brasileira. Revelava o sentido que a instrução assumia em Natal, e as demandas exigidas
para homens e mulheres no período em foco. Esta instrução deveria suprir a ignorância
popular, elemento incompatível com o sistema representativo, que se desejava construir.
Mais do que isso: deveria superar um modelo social tradicional e levar o país ao
progresso pelas asas da modernidade e da civilização. Em uma sociedade que se queria
civilizada pela educação, a mulher passa a ser a referência na função de moralizar essa
sociedade, a partir de uma certa conduta e de uma certa condução no espaço
educacional. Moralidade é seu discurso. Virtude, a sua meta. E nas primeiras décadas do
Brasil Republicano, o imaginário social natalense estava carregado desses conceitos.
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Diferentemente dos demais segmentos da população, o encorajamento


à participação da mulher apelava para seu humanitarismo sentimental
e para os impulsos do coração. A contribuição esperada da mulher
pelos ideais republicanos sugeria que o seu trabalho se caracterizasse
como filantrópico e que seu nível de atuação fosse o de afetuosa
colaboradora na consecução dos ideais nacionais (CHAMON, 2005, p.
88).

Sugestionados por esta configuração histórica, ruminamos em silêncio sobre os


obituários, felicitações de aniversário e nascimento, propagandas de artigos femininos,
discursos de Diretores de Instrução Pública, artigos sobre educação, política e aspectos
cotidianos de Natal, bem como os romances apresentados na forma de folhetins, poesias
e contos registrados nos jornais do século XIX que circulavam na cidade. Os jornais,
principalmente, se tornaram ponto de apoio e de partida para um outro olhar sobre o
magistério feminino, a partir da Proclamação da República no Brasil em 1889 até o
início da Primeira Guerra Mundial em 1914. Aos poucos fomos percebendo que, apesar
das formas distintas como se apresentavam esses dados – seja uma nota de falecimento
ou uma felicitação de aniversário –, existia um discurso articulado que dizia e apontava
para uma representação do ser feminino em Natal.
Nosso encontro com Maria Luiza de França, uma professora que cometeu suicídio
em 1897, nos fez pensar sobre um modelo de professora que tentava encontrar
mecanismos táticos entre as estratégias organizadas por um mundo intelectualmente
masculino. Sua história se apresentava como um processo que se mostrava complexo
para as mulheres que educavam mulheres no final do século XIX e que exigia, muitas
vezes, sacrifícios, como foi possível identificar na trajetória de vida desta professora.
Após três anos residindo e lecionando na escola situada no bairro da Ribeira, a
professora Maria Luiza de França publicou um anúncio no jornal A República,
oferecendo seus serviços de professora em outra escola, também de sua propriedade,
mas agora situada no bairro da Cidade Alta (ESCOLA MISTA DE INSTRUÇÃO
PRIMÁRIA, 1897, p. 2). A mudança de domicílio da professora e suas conseqüências
são matérias de destaque naquele jornal no mês de abril. Alguns dias depois do anúncio
citado acima, em 26 de abril de 1897, ela cometeu suicídio.
Através de cartas que ela mesma escreve serem apenas desabafos para serem destruídos,
explicou os motivos que a levaram a realizar o intento. A miséria que a envolvia, a falta
de perspectiva social e afetiva, os empréstimos constantes para pagar dívidas que só se
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avolumavam, a solidão, apesar das alunas com quem ela vivia, a fizeram realizar o que
o jornal classificava como um “lamentável ato de desespero” (SUICÍDIO,1897, p.3).
Uma mulher, uma professora que se julgava digna, com um comportamento moral que
não justificava a punição da indiferença pelos seus vizinhos. A mudança de domicílio
estava relacionada à forma como estava sendo tratada por estes vizinhos em
conseqüência talvez de um amor por ela alimentado e que não era consoante com aquilo
que se esperava de uma professora. O momento histórico vivido por ela em Natal, no
fim do século XIX, não concebia um comportamento feminino que não se enquadrasse
na categoria mãe-esposa.
Maria Luiza era parte de um segmento social - as professoras - responsável por
um processo de educação feminina em Natal, sintonizado com um discurso corrente,
como o expresso na obra Educação Nacional de Veríssimo (1890 p. 47-52). Este autor
percebe a formação do caráter como um dos aspectos mais importantes para se
organizar a educação em todo o país. Advogava para a mulher uma educação que a
capacitasse para ser mãe de família e reguladora da economia doméstica, pois a mãe
brasileira com o seu “amor maternal, sem energia, deixa ver quão deficiente, senão
dissolvente, era a educação doméstica como educação do caráter”. Portanto, a educação
escolar deveria superar esta deficiência.
Esta professora ensinava particular, trabalhava todas as matérias exigidas pelos
Regulamentos de Instrução Pública Primária a meninos de ambos os sexos, mas isso
não bastava; era preciso que a mulher professora possuísse uma conduta social que
reforçasse o projeto social moralizador que se desejava construir nas primeiras décadas
do Brasil Republicano. A morte de Maria Luiza de França reforça a força do discurso da
virtude e da moralidade destinado à mulher dentro e fora do lar. A sua história retrata a
dificuldade de ser mulher e professora, nessa configuração. Reforça, para nós, a ideia de
um perfil construído em cima de valores morais, de um “fabrico” do “ser professora”,
do “ser mulher” e de instituições organizadas com base em um perfil de professora que
formaram as bases da profissão docente no Brasil.
Esta foi Maria Luiza ou o que me foi possível saber sobre ela. Existiram outras
que figuravam no jornal oferecendo seus serviços de educadoras, transitando entre a
escola privada e a pública, recebendo homenagens públicas pelo seu zelo, sendo
exortada a comparecerem com as notas das estudantes. As várias representações de
professora se relacionam com os vários perfis de mulher encontrados e sugerem um
mergulho nas nuanças de cada um desses perfis, nos rumos de uma representação
21

histórico-cultural do ser docente na configuração escolhida, na relação com esta mulher


existindo por trás da professora.
Ao nos debruçarmos sobre o tema que envolve esta pesquisa – relações de gênero
na educação feminina republicana –, recordamos as discussões, ainda como estudante
de Magistério entre os anos de 1989 e 1991. Em sala de aula, na disciplina de Didática,
ou na sala da diretora da Escola Estadual Berilo Wanderley, as discussões que
envolviam as maneiras de vestir enquanto professora, tomavam o rumo de uma
performance didática na qual o vestuário deveria funcionar como indicativo de boa
professora. Shorts, sandálias e camisetas decotadas surgiam como um elemento de
descrédito às qualidades intelectuais de uma docente. A roupa de uma educadora não
devia chamar mais atenção que o conteúdo no quadro a giz.
Apesar de escaparem à nossa compreensão os motivos que justificavam um
discurso e uma prática que estabeleciam fronteiras entre o modo de ser da professora e
dos estudantes, assumi o que me ensinavam ser o correto, sob a alegação de ser sensato.
Carrego em mim as marcas dessa formação que não é minha e nem da professora de
didática, mas de uma construção histórico-cultural.
As fronteiras estabelecidas nas aulas de Didática entre o modo de ser da
professora e dos estudantes ressoam, de certo modo, na minha prática educativa. Ao
ministrar nossas aulas, percebo que elas se estruturam, também, a partir de um modelo
que evoca processos formativos históricos e que inclui uma representação apropriada
para o gênero feminino nessa profissão: modos ponderados, roupas compostas, em
consonância com uma relação de sala de aula que pretende não dispersar a atenção dos
estudantes para qualquer outra coisa que não seja o conteúdo programado.
Mas quando foi que os modos individuais do Ser, como sua maneira de falar ou
vestir, se confundiram com o conjunto de atributos que caracterizam sua profissão ou
seu exercício profissional? Até que ponto o indivíduo, em sua vida pessoal, se confunde
com o profissional que ele é? E em que medida isto interfere no seu fazer docente? No
universo da nossa formação para a docência, as linhas que separaram o individual do
profissional sempre foram muito tênues. Muitas vezes modos de Ser foram confundidos
com modos de fazer. Certos modos de falar ou de sentar pareciam demonstrar
incompetência ao serviço docente e eram aspectos da nossa personalidade que nos
descaracterizavam como docentes aptas a uma sala de aula1. Ao mesmo tempo, os

1
Acreditamos que tal dimensão talvez ocorra em todas as profissões. Limitamos-nos a falar da profissão
docente por ser aquela que nos caracteriza com também a este trabalho.
22

questionamentos que fizemos e as nossas percepções, nos convidaram a uma reflexão


sobre as representações culturais de mulheres professoras.
Na continuidade da minha formação como docente, as pesquisas da área
educacional, particularmente as leituras e discussões empreendidas durante as reuniões
de estudo na Base de Pesquisa Gênero e Práticas Culturais: abordagens históricas,
educativas e literárias, indicaram um caminho a trilhar nas respostas às minhas
inquietações.
Uma dessas leituras, o texto Mulheres na sala de aula, de Louro (1997), nos
trouxe aspectos peculiares sobre a formação das professoras. A autora analisa, entre
outros aspectos, como a maneira de vestir de uma professora possuía estreita relação
com a manutenção de sua reputação e que estas deveriam expressar um caráter
assexuado e distante, tido como apropriado para essas mulheres. Esses elementos
caracterizaram o ser professora a partir da segunda metade do século XIX.
Essa postura austera está representada na tese Sinhazinha Wanderley: o cotidiano
do Assu em prosa e verso (1876-1954) (PINHEIRO,1997), através das práticas
pedagógicas da professora Maria Carolina Wanderley Caldas. Dona Sinhazinha
Wanderley, como era conhecida, ministrava aulas no Município de Assu (RN) na
primeira metade do século XX. A autora traz relatos de ex-alunos e contemporâneos
dessa professora acerca do seu comportamento e modo de trajar-se. Suas vestimentas
sóbrias, sempre nas tonalidades azul, cinza e bege, obedeciam a um único estilo: saias
longas e casaco com pregas. Desta forma, destituía-se dos babados, rendas e laçarotes
usados por suas contemporâneas. Ao mesmo tempo em que deixava de lado tais
adereços nas roupas, deixava também a representação de mulher, como símbolo de
feminilidade e maternidade, e assumia a de professora, literata e partícipe do universo
cultural público, portanto, masculino na primeira metade do século XX. Parece-nos que
assumir uma imagem reservada através das roupas proporcionava, nesta configuração,
os indicadores de credibilidade e respeitabilidade necessários a essa inserção. Indiciava,
ainda, o modelo de seriedade que a profissão docente, nos permitindo chamá-la assim,
carregava.
A imagem séria das professoras era indicador de inteligência como também de
severidade: as roupas escuras, o cabelo em coque, quase sempre de óculos. A varinha de
ensinar e o olhar repreendedor completavam a indumentária que ela precisaria
representar para ter o controle de sala de aula, dos alunos, do conteúdo e do trabalho
docente. No jogo das representações do ser mulher professora, os discursos de
23

parlamentares, médicos, clérigos, legisladores não apenas espelharam essas mulheres,


mas as produziram.
A professora assume um papel importante nesse processo educacional: era preciso
que a mulher professora possuísse um perfil que reforçasse o discurso da virtude e da
moralidade, dentro e fora do lar. No espaço público e privado, era de sua
responsabilidade exercer uma influência benéfica que contribuiria para a moralização da
sociedade.
Esse modo de ver ou de colocar as regras sociais reorganizou também o discurso
pedagógico, a prática educativa e a instrução feminina específica àquela ordem social.
Este aspecto possibilitou à mulher uma inserção gradativa na vida pública, tanto como
aluna quanto como professora nas escolas femininas das primeiras décadas do Brasil
Republicano.
No final do século XIX, o pensamento liberal brasileiro intensificou seus
propósitos com vistas a colocar o Brasil no nível das nações mais avançadas. Os
projetos de reforma de ensino estavam sintonizados com uma tendência em se construir
um novo modo social no século que se avizinhava. Um projeto pedagógico aliado a um
projeto social promoveria o almejado desenvolvimento da nação (BOTO, 2004, p. 1).
Em 1892, ressoava em Natal o discurso dos intelectuais e teóricos da educação
brasileira. Através do jornal A República, esse discurso é relacionado com os anseios e
expectativas do recente governo republicano.

A transformação desse ramo do serviço público deve ser o primeiro


cuidado de um governo patriótico e nacional porque, como bem disse
José Veríssimo, o único meio de criar um caráter brasileiro, uno e reto,
e a força capaz de manter a coesão nacional no meio da diversidade de
clima, de costumes, de interesses, e mesmo de raças, alterado o tipo
brasileiro pela imigração no sul e pelo elemento indígena no norte, seria
uma instrução sólida e nacional, onde se procurasse incutir no espírito
das crianças, de par com os princípios sãos da ciência, o amor pátrio
por meio do exemplo e estudo das nossas coisas sabiamente explicadas
e desenvolvidas (BIBLIOTECA PÚBLICA, 1892, p.1)2.

Esse discurso revela o sentido que a instrução assumia no século XIX, na cidade
de Natal. As ideias republicanas da década de 1870 até as primeiras décadas do século

2
Optamos nesse trabalho pela atualização da ortografia dos documentos e fontes encontrados.
24

XX referendam a instrução pública como indispensável ao progresso do país. Esta


instrução deveria suprir a ignorância popular, elemento incompatível com o sistema
representativo que se desejava construir. A instrução tornara-se imprescindível ao
progresso e desenvolvimento de qualquer nação que se quisesse moderna e democrática.
E naquele momento todas queriam (HOBSBAWN, 1999, p. 46-56).
No entanto, o regime republicano, que nasce em 1889 sob a acepção jurídica do
estado de direito, não traduz esse ideal democrático em seus processos eleitorais.
Fraude, voto de cabresto, favores políticos e exclusão contrariavam os princípios
políticos do novo regime (FERREIRA, 2001). A res-publica, no seu sentido
etimológico, como “coisa pública” ainda não era tão pública assim. A expressão
implícita “para todos” ainda era traduzida na prática “para alguns”. E nessa necessidade
de re-publicar, ou ainda torná-lo pelo povo e para o povo, era uma realidade. Que
melhor instituição de controle social que a escola elementar de primeiras letras para isto
se fazer acontecer? Mas essa foi uma realidade que, nesse período, se configurava
apenas como uma ideia de alguns segmentos da sociedade, notadamente os intelectuais
como Euclides da Cunha, Silvio Romero ou Henrique Castriciano.
Ao mesmo tempo em que se mutilava de fato a democracia, a lei também
exteriorizava uma contradição afirmando por meio do Artigo 72, parágrafo 2º, da
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 na qual todos são
iguais perante a lei (CONSTITUIÇÃO, 2007), enquanto no Artigo 70, excluía do
direito de voto mendigos, analfabetos, religiosos e soldados. Além dessas categorias
claramente excluídas, a primeira Constituição Federal do Brasil Republicano
deliberadamente não emitiu qualquer especificidade sobre as mulheres no que concerne
ao mérito das eleições. Esta omissão é perceptível a partir da fala do Deputado Pedro
Américo, congressista por ocasião da citada constituição.

Deixo a outros a gloria de arrastarem para o turbilhão das paixões


políticas a parte serena e angélica do gênero humano. A observação
dos fenômenos afetivos, fisiológicos, psicológicos, sociais e morais
não me permite erigir em regra o que a historia consigna como
simples, ainda que insignes, exceções. Pelo contrario, essa observação
me persuade que a missão da mulher é mais doméstica do que pública,
mais moral do que política. Demais, a mulher, não direi ideal e
perfeita, mas simplesmente normal e típica, não é a que vai ao foro ou
à praça pública, nem às assembléias políticas defender os direitos da
coletividade, mas a que fica no lar doméstico, exercendo as virtudes
feminis, base da tranqüilidade da família, e por conseguinte da
felicidade social (CAVALCANTI, 2002, p.291).
25

Ao deixar a glória do sufrágio feminino a outros congressistas, talvez em outra


constituição e mesmo em outro tempo histórico, excluiu qualquer menção, ainda que
excludente, a esta matéria na Constituição de 1891. A representação que o feminino
assume neste pensamento é de uma relação em que às mulheres é conferido o espaço
privado e a profissionalização das funções domésticas e femininas. Mas como esta tese
tende a demonstrar o trabalho feminino se organiza, neste período, entre o público e o
privado, ao mesmo tempo em que transforma esta agente social, em vetor de cuidado
(no sentido educacional) dentro e fora do lar.
Também nos documentos norte-rio-grandenses, como a Constituição Política do
Rio Grande do Norte de 1898 e a legislação educacional vigente entre 1889 e 1914, são
perceptíveis aspectos que dizem do papel social atribuído às mulheres, bem como as
relações de gênero em fins do século XIX e início do século XX. Essas relações
estavam expressas também nos jornais do período, como A República.
Em dezembro de 1891, o governador Miguel Joaquim de Almeida Castro é
deposto (DEPOSIÇÃO, 1891, p.1). Sua deposição está diretamente ligada à deposição
de Deodoro da Fonseca da Presidência do Brasil e à posse de Floriano Peixoto. Para o
Governo do Rio Grande do Norte é instaurada uma Junta Governativa, composta por
Francisco Lima e Silva, Manoel do Nascimento Castro e Silva e Joaquim Ferreira
Chaves (ARAÚJO, 1982, p.102). Esta Junta Governativa se manteve no exercício
governamental até a eleição do Governador Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, em
22 de fevereiro de 1892.
Assinando como Senhoras Norte-rio-grandenses, as mulheres manifestam sua
crença na Junta Governativa, adjetivando-a de patriótica e defensora da verdade. Essas
senhoras se caracterizavam como virginais irmãs do povo e expressavam, de maneira
literária, uma representação feminina desse período. Contemplavam o ideal republicano
através das emoções sinceras de sua alma feminil, cultuavam a liberdade e seguiam os
deveres preconizados pela nova ordem social.
26

Nós que sentimos n’alma as emoções sinceras


As efusões leais das consciências sãs
Nós que somos do povo as virginais irmãs
Nós que temos na fronte o íris da esperança
Esses eflúvios bons de um novo alvorecer
Que sabemos prestar um culto à liberdade
Que sabemos seguir a trilha do dever
Nós que colhemos sempre os louros da vitória
Quando se faz mister amordaçar a dor
Que só temos no lábio essa palavra – Honra
Que só temos na mente esse ideal – Amor
Agora que o porvir sorrindo nos acena
Que a cerração passou, que é tudo rosicler
Viemos vos trazer as bênçãos da família
Viemos vos saudar em nome da mulher.
(À PATRIÓTICA JUNTA GOVERNATIVA DO ESTADO, PELAS
SENHORAS NORTE-RIO-GRANDENSES, 1891, p.3)

Honra, amor, virtude, razão, família e verdade são palavras que carregam em si
uma trajetória histórica e que se materializam nessa configuração, sugerindo o modo de
ser e de viver das mulheres do fim do século XIX. Seu discurso condensa uma relação
político-social do período, como também uma relação entre os gêneros e a
representação da mulher republicana.

As mulheres foram transformadas em heroínas domésticas,


responsáveis pelo restabelecimento da harmonia do lar e da paz da
família. Com seus sofrimentos, sacrifícios e virtudes, deveriam afastar
todo mal que porventura circundasse seu nicho de amor (CHAMON,
2005, p. 67).

A poesia publicada no periódico norte-rio-grandense e o discurso que dela se


depreende encontram relação com a fala do deputado Pedro Américo, anteriormente
citado, à Assembléia Constituinte sobre o voto feminino. Referendava o discurso
vigente e valorizava a mulher como uma missionária na República, com um
compromisso mais moral do que político.
Por outro lado, a vida pública para a mulher era considerada diante de um sentido
de urbanidade nascente. Uma urbanidade que colocava a mulher como anfitriã e
responsável pela harmonia do lar. A escola e sua educação estética, ou seja, aquela
destinada às funções de sociabilidade, educação religiosa e moral, cumpria parte dessa
função ao proporcionar conteúdos como os do Colégio Particular Natalense.
27

Sexo Feminino, Diretora D. Luiza Lima, R. da Conceição, n. 26.


Ensina primeiras letras, todos os trabalhos de agulha, noções de
música com exercícios de piano. Aceita alunas internas e externas.
Mensalidades para as primeiras 40$000 reis; para as segundas 3$000
reis. O pagamento será adiantado (COLÉGIO PARTICULAR
NATALENSE, 1892, p. 2).

Apesar desta educação ocorrer, como pudemos perceber pela leitura das fontes,
prioritariamente com base nos espaços escolares, concordamos com Lopes e Galvão
(2001, p.24) que a educação nunca se restringiu apenas à escola. Outras práticas
educativas aconteceram “ao longo do tempo, fora dessa instituição e, às vezes, com
maior força do que se considera”. Em redor dessas práticas é que também focalizamos
nossa pesquisa. Para além da educação escolar, outros processos formativos interferiam
na organização do pensamento e da ação dos indivíduos em uma configuração dada.
Os contos e poesias registrados no período alimentavam o ideal de mulher
virtuosa e abnegada no exercício de sua missão de mulher junto aos filhos e ao marido.
Um desses contos, A partilha, publicado por Coelho Neto no jornal A República, de 10
de janeiro de 1897, retrata a história de uma viúva com dois filhos pequenos, tentando
superar a fome e a doença para cuidar deles. Seu sofrimento é identificado como parte
do dever de mãe que, enquanto embala o filho pequeno e tenta saciar a fome do outro,
esquece de sua precária saúde e segue na missão materna cantarolando passivamente.

Cantava e as lágrimas rolavam-lhe em dois fios ao longo da face


magra e pálida. Sofria, mas como era preciso que o pequeno
adormecesse, cantava, indo e vindo, devagar, embalando nos braços a
criança. O mais velho, três anos, olhava-a sorridente e, de quando em
quando, cantarolava ‘Estou com fome, mamãe, estou com fome...’ -
Não chores! Olha que vai acordar o maninho. Espera. E,
desabotoando, o corpinho tirou o peito farto, pojado de leite e
espremeu-o, trincando os lábios descorados por onde as lágrimas
corriam fio a fio e, entregando a tigelinha ao filho: - Toma! E não
faças bulha (COELHO NETO, 1897, 2).

Acreditamos que as práticas dessas leituras colaboravam como meio educacional


na modelagem de um novo perfil de sociedade que o regime republicano solicitava. A
base de argumentação que relacionava maternidade, domesticidade, abnegação e
sacerdócio aliou-se à uma demanda advinda do aumento no quantitativo de escolas
28

femininas e alocou a mulher como a mais apropriada para o melhor desempenho


educacional no país a partir de suas bases: a educação primária.
Em uma sociedade que se queria civilizada pela educação, esse gênero passa a ser
a referência na função de moralizá-la a partir de certa conduta e de certa condução
também no espaço educacional. Moralidade é seu discurso. Virtude, a sua meta.
Ao buscar a história da educação das mulheres, é possível olhar para dentro das
escolas femininas. Através das disciplinas, propostas nos Regulamentos Estaduais e nos
anúncios das escolas privadas, pudemos vislumbrar uma sintonia entre um discurso
sobre o sentido de ser cidadão e uma instrução que pretendia um perfil de mulher, de
família e de sociedade.
O que caracterizava o ensino nessas instituições era um currículo que priorizava a
educação da mulher para além do aspecto instrucional (COLÉGIO N. S. DA
APRESENTAÇÃO, 1894, 2). Educação esta que se destinava a suprir um modelo de
mulher idealizado pelo discurso republicano, que era o de educadora dos filhos e
formadora dos futuros cidadãos, além de se pretender um traquejo social e a boa
representatividade da mulher junto ao esposo.
Esta configuração posta trazia consigo a necessidade de definição de um perfil de
mulheres capazes de educar outras mulheres para este fim. As mulheres reivindicavam a
instrução, ou seja, ler e escrever “como forma de socialização” e sua inserção no mundo
letrado através de espaços de comunicabilidade como jornais femininos, tanto lendo
como escrevendo nestes ou para estes jornais (MORAIS, 2002, p. 69-76). A sociedade
reivindicava uma civilização que se traduziria em progresso. Ambas as reivindicações
encontravam na educação este transmissor cultural por excelência.
Tais anseios sociais faziam com que as escolas destinassem às moças, além dos
conteúdos instrucionais, a música, as línguas estrangeiras e as habilidades domésticas,
formando-as para serem anfitriãs perfeitas, esposas dedicadas e mães ideais. Toda a
configuração traz em seu bojo um modo de ser mulher. Perguntei-me, então: o que
caracterizava esse modo de ser professora nesse momento especifico, no qual se
organizava (e legitimava) no Brasil e em Natal um novo sistema de governo?
Para as professoras as habilidades intelectuais sintonizavam-se com características
morais especificas. Nos impressos do período há uma recorrência acerca desse modo de
ser e de se conduzir enquanto professora. Os indícios apontam a existência de uma
representação moral, intelectual e pedagógica para se exercer a função de professora nas
primeiras décadas do período republicano em Natal. O discurso da moralidade e da
29

virtude não estava descrito explicitamente nos conteúdos a serem oferecidos às


mulheres. Mas estavam nos textos dos jornais, nos eventos cotidianos, nas ações das
professoras, no modo como estas mulheres se movimentavam na sociedade natalense.
O período de análise, com início em 1889, estende-se até 1914 e se orienta em
duas direções: o desejo por buscar a professora e a educação que transita entre o século
XIX e o XX e também por considerar um marco de finalização do século XIX, a
Primeira Guerra Mundial. Esta guerra, que se iniciou com o assassinato do arquiduque
austro-húngaro Francisco Ferdinando, marcou o fim do século XIX em seus valores
sócio-culturais, seus modos de ser e de viver, suas maneiras de pensar, suas práticas
culturais.

Tratava-se de uma civilização capitalista na economia; liberal na


estrutura legal e constitucional; burguesa na imagem de sua classe
hegemônica característica; exultante com o avanço da ciência, do
conhecimento e da educação e também com o progresso material e
moral; e profundamente convencida da centralidade da Europa, berço
das revoluções da ciência, das artes, da política e da indústria e cuja
economia prevalecera na maior parte do mundo, que seus soldados
haviam conquistado e subjugado; uma Europa cujas populações,
incluindo-se o vasto e crescente fluxo de emigrantes europeus e seus
descendentes haviam crescido até somar um terço da raça humana; e
cujos maiores Estados constituíam o sistema da política mundial
(HOBSBAWM, 1999, p. 16).

Em Natal, foi o marco inicial da institucionalização da educação doméstica, com a


inauguração da Escola Doméstica de Natal, voltada a uma educação para as mulheres e
o espaço privado. Um movimento que se organizava dentro processo de expansão da
educação escolar com a consolidação da Escola Normal de Natal e a criação dos Grupos
Escolares, a partir de 1908.
Foi ainda o período de expansão da cidade no sentido leste, engolindo as dunas e
se descobrindo para o mundo. Foi o período da iluminação pública e das instituições de
controle salutares; da implementação de um sistema de transporte coletivo e das casas
de diversão, como o Cine Polytheama, inaugurado em 1911.
O período que se estende entre 1889 e 1914 são anos relevantes para o
entendimento do moderno, do civilizador e do desenvolvimento das sociedades do
século XX. Natal, como capital do Estado, era uma delas. Muitas características de
nossa época têm sua origem nas últimas décadas do século XIX. Algumas bem claras,
30

como a legislação moderna relativa ao bem-estar social. Outras, nem tanto, como a
presença maciça das mulheres no magistério voltado às séries iniciais da educação
escolar.
Foi nesse momento histórico específico que, mesmo sendo educadas para o lar, as
mulheres eram professoras, escritoras e dividiam o espaço público com os homens na
pequena Natal do período ora em análise. O longo século XIX (HOBSBAWM, 2006)
termina no Brasil com a expansão do ensino pela interiorização da educação, a criação
de grupos escolares e a implementação das escolas normais em todo o país. Essa
demanda educacional se organizava em torno de uma figura cuja inserção é
gradativamente percebida em todas as dimensões sociais: a mulher (professora)
republicana.
O trabalho docente feminino se consolida num processo reconhecido como
“feminização do magistério”. Aqui associamos este processo também ao cuidado
materno como um vetor educacional que se coadunava a um projeto educacional,
político e econômico envolto em um ideário de civilidade e de modernidade. Voltava-se
a um país que tentava se organizar como Estado-Nação sob o lema da ordem e do
progresso. O enquadramento a esta nova ordem social somente seria possível pela
educação instrucional e moral da sociedade. E esta educação deveria ser executada pela
parte serena e angélica do gênero humano, ou seja, pela mulher. Mas não apenas na
educação escolar, pública. Também este cuidado educacional deveria estar nas casas, no
privado. Esta educação deveria estar nas mãos de uma mulher específica, ou melhor, de
certas facetas singulares de mulheres: a professora, na escola e a mãe-esposa, na casa.
Sempre cuidando dos futuros cidadãos da República.
Na tentativa de demonstrar isto, rumamos em duas direções: uma que busca a
configuração norte-rio-grandense e natalense no fim do século XIX e a outra, a
participação da mulher no espaço público e privado no universo das representações
femininas em Natal, entre os anos de 1889 e 1914.
31

Capítulo II
Notas do Caminho

Embora não planeado e não imediatamente


controlável, o processo global de
desenvolvimento de uma sociedade não é de
modo algum incompreensível. Por detrás
dele não há quaisquer forças sociais
‘misteriosas’ (ELIAS, 1970, p.161).

Na tentativa de compreender o processo global de desenvolvimento da sociedade


natalense de fim de século, nos apoiamos em uma abordagem teórico-metodológica que
nos permitisse perceber além das aparentes forças misteriosas que o movem; para além
dos seus discursos e representações. Esta tese se apresenta, desde o início, com um
enfoque duplo e interativo: a busca de fontes documentais e de um referencial teórico-
metodológico, de maneira a tentar iluminar o primeiro com o segundo.
Tivemos a vantagem de contar com a orientação da professora Maria Arisnete
Câmara de Morais, cujas preocupações teóricas (1998, 2000, 2001, 2002, 2003a, 2003b,
2006) permitiram uma interface entre história, literatura e educação, tripé favorável à
construção desta tese. Morais nos guiou particularmente até a leitura de Elias (1970,
1993, 1994, 1995, 2000, 2001), Chartier (1990, 1999a, 1999b) e Certeau (1982, 2002) e
a conceitos como configuração, representação, táticas e estratégias. Outros conceitos
como civilização, cultura e modernidade são considerados a partir da interlocução com
Castriciano (1892, 1911), Dantas (2000), Bonfim (2005) e Veríssimo (1890).
Pelo fato de pertencer à profissão cuja linguagem nos propomos a estudar,
assumimos o viés de sujeito-objeto. Como professora, enfrentávamos um desafio
semelhante àquele identificado por Bourdieu na sociologia da religião praticada por
sociólogos padres ou ex-padres:
32

O interesse ligado ao fato de pertencer a um campo está associado a


uma forma de conhecimento prático, interessada, que aquele que não
faz parte do campo não possui. Para se proteger contra os efeitos da
ciência (ou, quando se trata dos sociólogos, contra a concorrência
científica), aqueles que a ele pertencem tendem a fazer dessa pertença
condição necessária e suficiente para o conhecimento adequado. Esse
argumento é usado correntemente, e em contextos sociais muito
diferentes, para desacreditar qualquer conhecimento externo, não
autóctone (“ você não pode entender", "é preciso ter vivido isso" ou
"não é assim que isso acontece", etc.) e contém uma parcela de
verdade" (BOURDIEU, 1990, p.110).

Em função dessa parcela de verdade, o ponto de partida para o material empírico


foi uma pergunta sobre nossa própria formação e sobre aquelas que formaram aquelas
nos formaram, ou seja, sobre as professoras de nossas professoras, em seu aspecto
histórico e cultural. Ou, ainda, sobre os discursos que as forjaram no curso do século
XX e que chegam como permanências históricas até nós.
Os documentos que estudamos durante o mestrado me levaram a perguntar sobre
o modo de ser professora no século XIX. A construção do objeto de estudo para o
doutorado nos levou a pensar sobre o projeto educacional republicano e em que a
representação de mulher e de professora entre 1889 e 1914 se relacionava com este
projeto. Para investigá-lo, seria preciso identificar, compreender e analisar também
aspectos morais, intelectuais, comportamentais produzidos e compartilhados por um
grupo cultural específico, numa realidade dada e temporalmente distante. Como fazê-lo?
A resposta veio através de uma abordagem teórica e metodológica que partisse de
questões específicas, conceitos e categorias de análise que permitissem explicar a
educação feminina, na relação com a cultura, a política e a sociedade do período em
foco.
Desta forma, problematizamos o discurso que se articulava por meio dos
impressos, organizando-o em questões que pudessem orientar o estudo. Como eram
representadas as mulheres nos impressos? Como se estabeleciam as relações sociais e de
gênero nesses escritos? Estes questionamentos são os fios condutores para as análises
das fontes.
Trabalhamos na construção de dados basicamente com duas linguagens: o texto
impresso do jornal encontrado nos arquivos e sua imagem fotografada de forma digital,
além das fotografias de imagens do período. Estas fontes documentais permitem
33

vislumbrar os indícios de uma dada configuração histórica e possibilitam as análises


necessárias ao desenvolvimento desta tese.
Através desses fios (ou indícios), chegamos à institucionalização dessa formação
e às instituições que a ela se agregam. A escola, sendo a mais óbvia delas, mas também
as práticas de leitura e a materialidade desta, expressa em jornais, romances, contos,
poesias, legislação, estatísticas. Iniciamos, então, pela apropriação desses materiais: os
jornais que circulavam no período, os romances, contos e poesias que eram
mencionados de alguma forma no jornal, seja a autoria, o título, ou mesmo o material
literário em si, assim como os decretos e leis estaduais e nacionais e os censos
populacionais, estatísticas escolares, com relação à distribuição de professores, escolas e
estudantes.
O uso do método indiciário como suporte metodológico para um trabalho desta
natureza e as referências a Ginzburg (1989, 1991, 2000) permeiam os procedimentos de
construção e análise de dados. Diz o autor sobre o método indiciário:

Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios –


que permitem decifrá-la. Essa ideia, que constitui o ponto essencial do
paradigma indiciário ou semiótico, penetrou nos mais variados
âmbitos cognoscitivos, modelando profundamente as ciências
humanas. Minúsculas particularidades paleográficas foram
empregadas como pistas que permitiam reconstruir trocas e
transformações culturais – cm uma explícita invocação a Morelli, que
saldava a dívida que Mancini contraíra junto a Alacci, quase três
séculos antes (GINZBURG, 1989, p. 178).

A flexibilidade do método utilizado em trabalhos, desde as ciências humanas até


as ciências biológicas, referendava-o como instrumento de pesquisa válido à
compreensão dos aspectos relativos ao fenômeno humano. Ginzburg pensa o método
indiciário a partir da técnica de um médico, Giovanni Morelli, para analisar a
originalidade e autenticidade da autoria de pinturas. Para distinguir originais de cópias
em obras de arte, o médico italiano do século XIX, Morelli, observava não as
“características mais vistosas, portanto as mais facilmente imitáveis” (GINZBURG,
1989, p. 144), mas os detalhes pouco notados e menos influenciados pela escola a que o
pintor pertencia, como os lóbulos das orelhas ou a forma dos pés. Para ele, importavam
os pormenores mais do que o conjunto da obra.
34

Da relação deste com outros dois médicos - Freud e Doyle -, o autor analisa a
natureza indiciária da medicina. A medicina, por sua natureza experimental, foi se
desenvolvendo a partir do “olho clínico” do médico sobre seu paciente ou pela relação
humana com o doente. Os diagnósticos, antes do advento tecnológico dos exames
médicos, contavam com os indícios recolhidos pelo médico na observação dos sintomas
apresentados pelo enfermo.
Três médicos. Três estudiosos da natureza que utilizam seus conceitos biológicos
para compreender e interpretar os indícios da alma humana: Sigmund Freud se utiliza da
premissa de Delfos – “Conhece-te a ti mesmo” – para que os indivíduos busquem
indícios dentro de sua trajetória de vida e se expliquem a si mesmos; Arthur Conan
Doyle, literato inglês, nos apresenta um personagem – Sherlock Holmes – atento aos
detalhes, ao menos óbvio, para demonstrar a força dos indícios na base de uma
investigação criminal; e o crítico de arte italiano Morelli com sua técnica para
diagnosticar obras de arte originais.
As perspectivas metodológicas desses pensadores são os fios que motivam o
tapete indiciário de Ginzburg. E é a partir da metáfora do tapete que o autor apresenta o
método.

O tapete é o paradigma que chamamos a cada vez, conforme os


contextos, de venatório, divinatório, indiciário ou semiótico. Trata-se,
como é claro, de adjetivos não sinônimos que, no entanto remetem a
um modelo epistemológico comum, articulado em disciplinas
diferentes, muitas vezes ligadas entre si pelo empréstimo de métodos
ou termos-chave (GINZBURG, 1989, p.170).

Este tapete metafórico é o caminho teórico-metodológico; o pesquisador, seu


tecelão. Um tapete que vai se constituindo diante dos olhos deste a partir dos indícios,
sinais, pistas fornecidas pelo campo de investigação a este último. E, nesse sentido, os
jornais de Natal do século XIX forneceram vários indícios de como se era, de como se
institucionalizava aquela sociedade específica no universo de um ideário de
modernidade e civilização. A educação primeira, a educação ministrada pela mulher,
tornava-se o carro-chefe desse movimento modernizador ou processo civilizatório.
Nesta análise importam estes detalhes. Fios que organizam e tecem a constituição
do ser mulher, do ser esposa, do ser professora. Como, por exemplo, o modo de vestir,
de posar para uma fotografia, de olhar, de sorrir e de não sorrir. Também os modos
35

como são exaltadas ou execradas em discursos de várias tipologias textuais, a partir de


olhares masculinos e femininos, de políticos, escritores e intelectuais. São pormenores
que organizam um modo de ser e de viver da mulher de fim de século na relação com a
outra parte do gênero humano, como também consigo mesma e com as outras mulheres.
A História Cultural e sua aplicabilidade nas análises das representações oferecem
um suporte teórico adequado a esta investigação. As representações das mulheres se
encontram dispersas em documentos escritos nos diversos suportes textuais
encontrados. A abordagem da História Cultural pressupõe um reencontro do historiador
com as particularidades de cada configuração, na sua complexidade, nas suas tensões e
nas suas permanências. Isto permite, em tese, a apreensão da realidade educacional
natalense dada a ler através destes documentos.

O real assume assim um novo sentido: aquilo que é real, efetivamente,


não é (ou não é apenas) a realidade visada pelo texto, mas a própria
maneira como ele a cria, na historicidade de sua produção e na
intencionalidade da sua escrita (CHARTIER, 1990, p. 63).

Chartier demonstra que este real é também uma narrativa construída a partir da
interpretação de um autor. A realidade (ou o real) é um tecido social construído onde
grupos diferenciados se interrelacionam, num equilibro de tensões permanentes do qual
nascem representações que esses grupos organizam sobre si e os outros. A
representação, portanto, é um conceito que permite compreender o funcionamento da
sociedade a partir da apreensão do real pelos indivíduos no Rio Grande do Norte do
final do século XIX, os autores desta configuração por excelência.
Dada a condição de não-presentidade da realidade em estudo, o conceito de
representação norteia toda a discussão desenvolvida neste trabalho. A representação é
uma construção que os grupos elaboram deles próprios e dos outros e se modelam a
partir das estratégias que se determinam pelo modo como um texto ou uma imagem é
apropriado, tanto em relação ao indivíduo como na relação com um grupo cultural
específico.

As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem


à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre
determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada
caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a
posição de quem os utiliza (CHARTIER, 1990, p.17).
36

Buscar as representações nas práticas e as práticas nas representações configura


uma relação dialética percebendo o movimento histórico e cultural sujeito às
interdependências das relações de gênero na configuração dada.
Ao investigar a sociedade de corte de Luís XIV, Elias (2001, p. 29) parte das
estruturas sociais de uma época determinada. Mas, ao tematizar essa estrutura social
particular, ele inclui o estudo da evolução de modelos que permitem a comparação
entres as diversas estruturas sociais de mesmo tipo. “A investigação de uma certa
sociedade de corte do passado também oferece uma contribuição para o esclarecimento
de extensos problemas sociológicos acerca da dinâmica social”. O conceito de
configuração proposto pelo autor demonstra a existência de redes de interdependência
entre sujeitos que convivem num determinado jogo social.
Ela se caracterizaria por uma formação social de dimensões variáveis, desde uma
corte do século XIV e uma sala de aula do século XIX, até uma cidade ou um Estado,
onde cada homem e cada mulher estão ligados ao outro por uma relação de
interdependência; ao mesmo tempo em que se moldam a si e aos outros, moldam a
própria estrutura social.

Em toda parte, o que vemos são os agentes individuais e seus atos, e o


que se descreve são suas fraquezas e talentos pessoais. Não há dúvida
de que é frutífero e mesmo indispensável estudar a história dessa
maneira, como um mosaico de ações individuais de pessoas isoladas.
(ELIAS, 1993, p. 16).

Entendemos melhor o contexto social de nossa própria vida quando nos


aprofundamos no de pessoas pertencentes à outra sociedade (ELIAS, 1993, p.93).
Acreditamos que uma investigação sobre as mulheres das primeiras décadas da
República revela o ser mulher com mais clareza para a atualidade. E esta revelação
proporciona uma percepção mais acurada sobre o ser professora, o ser esposa, o ser
profissional feminino em sua constituição histórica. Uma constituição que é, ao mesmo,
tempo individual e coletiva.
Admitindo a sociedade da forma como Elias coloca (um mosaico de ações
individuais de pessoas isoladas), destacamos categorias que permitem, a priori, guiar
nossa atenção para alguns aspectos relevantes da sociedade norte-rio-grandense do
37

período em destaque. O caminho escolhido sugere que as categorias de análise se


organizem classificando e delimitando o objeto em estudo.
As mulheres aparecem como filhas e esposas, mães e professoras, escritoras e
irmãs de caridade. Elas surgem dos jornais, dos romances, da legislação do período.
Estas representações são mais bem escrutinadas a partir de categorias de análise que
ajudam a circunscrever melhor a pesquisa.
Ao estudar a sociedade, a mulher e a educação brasileira através dos romances de
Graciliano Ramos, Nunes (2005) nos convida a pensar categorias em história da
educação e gênero. Utilizando três romances do escritor - São Bernardo, de 1934,
Angústia, de 1936, e Vidas Secas, de 1938 - como fontes para investigar a educação da
mulher na década de 1930, a autora sentiu-se impelida pela natureza da pesquisa e do
objeto a ampliar seu universo de categorias.
A autora organizou um corpus partindo da concepção de que, “na obra
graciliânica, a mulher aparece sempre como personagem inicialmente secundária, mas
tem um papel fundamental no desenrolar da história, sendo decisivo o seu
comportamento para o destino da personagem masculina” (NUNES, 2005, p.14).
Buscou então categorias que a guiassem para compreender a representação da mulher e
os papéis sociais a ela atribuídos a partir da ótica da sociedade na qual esta mulher
estava inserida. Estado civil, domínio da linguagem, sexualidade, casamento, família e
mulher ideal figuram como categorias históricas definidas na sua tese, a partir das
sucessivas leituras dos romances escolhidos. Ao lado destas, gênero e educação
conduzem a um olhar ou a uma leitura, “com a pretensão de não ter perdido de vista a
relação entre história e literatura nem esquecido as especificidades de cada uma”
(NUNES, 2005, p.05).
O primeiro caminho tomado foi uma revisão da literatura crítica da obra do
escritor alagoano. Nesse movimento, ela percebe, além dos destaques dados pelos
pesquisadores consultados, como a linguagem clara e concisa do escritor, sua simpatia
por personagens simples e com um humanismo político-ideológico, categorias como
história, memória, educação e escola entre as categorias de análise utilizadas para a
compreensão da obra citada. O enfoque, prioritariamente literário dado às pesquisas,
sugere a Lúcia um caminho metodológico sob outra perspectiva: olhar essa obra pelo
viés da educação e utilizar a literatura como fonte histórica para desenvolver seu
projeto.
38

Escolhemos também este caminho ao partirmos de uma revisão de pesquisas


sobre educação e gênero e a leitura de fontes como jornais, livros escolares, almanaques
disponíveis. Estas leituras nos ajudaram a pensar as nossas próprias categorias de
análise.
Primeiramente analisamos as monografias (NOGUEIRA, 1999; BARBOSA,
1999) do curso de Pedagogia e as teses e dissertações (GOMES, 1999; AQUINO, 2002;
MELO, 2002; DIAS, 2003; CARVALHO, 2004; CHAGAS, 2004; MORAIS, 2004;
SILVA, 2004; ROCHA NETO, 2005; RODRIGUES, 2007; SOUSA, 2006; NUNES,
2006) do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Identidade feminina, constituição docente e história da educação
delimitaram as temáticas estudadas.
A revisão desta literatura nos ajudou a pensar gênero e educação, como categorias
de análise; das fontes documentais e literárias emergiram mãe-esposa3 e professora.
Essas quatro categorias permitiram organizar uma categoria central que perpassa todo o
trabalho aonde a análise vai ao encontro das questões postas no curso da pesquisa:
representações culturais femininas.
A discussão metodológica empreendida ajuda a compreender como as duas
perspectivas trazidas por Lopes (1994, p.20) categoria histórica e categorias da história
permitem ampliar o universo de apreensão e análise de um objeto de estudo, ao mesmo
tempo em que ancora e sustenta conceitos válidos para a elucidação de uma questão-
tese ou um problema de pesquisa. Esta autora aponta um primeiro problema: diante das
fontes, às vezes centenas de documentos, é preciso compor um “corpus, quero tudo...
não terei nada”. Se a abordagem funciona como lentes através das quais observamos o
objeto investigado, as categorias são como lupas sobre as lentes que focam o olhar e não
dispersam o pesquisador.
As fontes da pesquisa – sejam impressos ou fotografias, digitalizados ou
transcritos – criam vida e aparecem como um rio corrente de imagens e existências. A
função das categorias neste trabalho é não nos perdermos nesta correnteza dos indícios
oferecidos pelos documentos. É nosso leme nesta navegação incerta e nos ajudam a

3
Durante a pesquisa e escrita de nossa dissertação de Mestrado (PINHEIRO, 2003) esta categoria
aparecia dividida em duas organizando-se no que convencionamos chamar “binômio feminino para os
oitocentos”. A pesquisa de doutorado reafirmou a presença dessas representações de mulher, mas não
mais como um binômio e sim como uma unidade representacional válida para a configuração pesquisada.
As duas tornaram-se uma na medida em que as fontes analisadas não concebiam uma esposa que não se
tornasse mãe ou uma mãe que não tivesse sido uma esposa.
39

focalizar nossa busca em encontrar a mulher professora em Natal, entre os anos de 1889
e 1914.
Estas categorias mantêm a direção da pesquisa. Quando analisamos textos como
Educação da mulher (CASTRICIANO, 1911) ou Costumes Locais (SOUZA, 1999) ou
ainda A partilha (COELHO NETO, 1897), buscamos palavras, contextos que envolvam
as categorias que emergiram das fontes escolhidas e dos documentos coletados no
projeto em curso, como mãe-esposa ou professora. Estas se apresentam nos documentos
envoltas em um ideário de virtude e moralidade, dentro de relações sociais específicas,
em um recorte temporal estabelecido.
Palavras, expressões, imagens recorrentes – como virtude e moralidade
relacionadas às figuras da esposa e da professora –, nos periódicos encontrados,
permitem vislumbrar um universo de categorias que, impostas pelas fontes, foram
determinadas pela relevância e até mesmo pela insistência com que aparecem nos
jornais da época.
Um exemplo é o jornal A República, que traz uma diversidade textual relevante,
apresenta tanto textos ficcionais como não-ficcionais e que circulou durante todo o
período pretendido. Circunscrevemos a nossa busca a este jornal, O sonho e a revista
Via-láctea, através da edição fac similar de Duarte e Macedo (2003), relativos ao
período das décadas de 1890 e 1900. A maior parte desses jornais se encontra em
péssimo estado de conservação, dificultando o acesso, a manipulação e,
consequentemente, coleta de informação4.

4
Particularmente, estamos aqui falando dos exemplares do jornal A República que se encontram no
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e no Arquivo Público do Estado. A manipulação
de muitos dos exemplares foi proibida por esses estabelecimentos a fim de preservá-los para uma
posterior restauração. Aguardamos este retorno dos exemplares ao acesso público para pesquisas
posteriores, impedidas no momento por esta política institucional de preservação.
40

Condições do jornal pesquisado


Fonte: Jornal A República: Jan a Jun 1897
Acervo do IHGRN
Os dados construídos para a análise do objeto de estudo partem, prioritariamente,
da memória impressa5 presente (ou representada) nos jornais. Quando estes materiais
não nos forneciam todos os dados, eles terminavam por ser o ponto de partida, como
aconteceu com o romance Coração, publicado sob a forma de folhetim no jornal A
República, a partir de 16 de agosto de 1890. Este se texto encontra descontínuo nos
exemplares pesquisados e por isso, buscamos um exemplar do livro que possibilitasse a
apreensão da história por completo. Foi utilizada para esta leitura uma edição de 1949,
encontrada na Biblioteca Municipal de Goiânia/GO. As referências e análises no texto
foram feitas prioritariamente a partir da tradução de Manuel Dantas, encontrada no
jornal A República. Recorremos à edição de 1949 como uma fonte complementar às
demandas do objeto de estudo.
Os materiais que serviram para a construção de dados e consequente elaboração
da tese foram coletados em arquivos do Rio Grande do Norte. Particularmente foi
consultado o acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

5
Memória será tratada na perspectiva de Jacques Le Goff (1996), ou ainda como a conservação de
informações que, em última instância, são representações de um passado lembrado/selecionado e
registrado por grupos sociais específicos. Apesar de a memória impressa ter sido o ponto de partida para
esta pesquisa, esta não se restringe a informações conservadas apenas na forma verbal escrita. Na medida
do possível, utilizamos imagens para auxiliar na análise e compreensão dos objetivos e questões postas,
sejam fotografias de pessoas, objetos ou logradouros, ou mesmo de anúncios de jornal.
41

(IHGRN), do Arquivo Público Estadual do Rio Grande do Norte (APE) e do arquivo do


jornal Diário de Natal. A sessão de Obras Raras da Biblioteca Central Zila Mamede
também foi espaço constante de consulta.
Os modos discursivos se apresentam como particularidades do pensamento e da
organização social de uma época. Entretanto, levando em consideração os alertas de
Certeau (2002, p. 06) sobre o ofício do historiador, percebemos que a pesquisa
historiográfica tem relação com um lugar, com procedimentos de análise e com a
construção de um texto.
Os problemas de definição, de fontes, de explicação e de síntese, postos por
gerações de historiadores no curso do século XX, convidam a uma fragmentação desse
modo de escrever história (BURKE, 1992). E é a partir desta multiplicidade de
percepções históricas que abordamos um objeto de estudo de forma multidimensional
com um rigor flexível – permitindo o oximoro6. Este modo de ver o fato histórico é o
que torna a realidade opaca da Natal oitocentista mais clara aos meus olhos de
historiadora da educação. Permite, em tese, compreender a educação feminina em uma
pequena cidade do nordeste brasileiro e a uma aproximação das bases que fundam a
formação docente no Brasil.
Esta forma de pensar mundo se encontra em muitos trabalhos de pesquisa da
atualidade. Trabalhos que discutem o fazer docente numa perspectiva histórica e
agregam uma diversidade de fontes que vão de fotografias a textos literários. A
reconstituição de diversos períodos da história é um exercício de reflexão e aprendizado
importante à prática educacional de educadoras e educadores do século XXI. E é nesse
sentido que o esforço de um universo cada vez mais amplo de pesquisadores deixa suas
contribuições a essa temática.
Conforme Catani e Faria Filho (2002), o crescente interesse pelas pesquisas sobre
o universo feminino, tal como ele se revela no registro histórico e/ou literário do
passado, tem sido um dos fenômenos mais evidentes nestes últimos vinte anos, no
âmbito dos estudos acadêmicos. As pesquisas no Rio Grande do Norte fazem parte
também desse crescente interesse sobre a educação da mulher, a constituição do ser
professora e a professora do início do século XX. Esta bibliografia especializada nos
ajudou a pensar esse universo educacional.

6
Figura de linguagem que expressa dois conceitos opostos criando um terceiro paradoxal como
“conseguir o impossível” ou “o nada é quase tudo”.
42

Em Isabel Gondim, uma nobre figura de mulher, Morais (2003b, p.23) configura
a participação dessa intelectual “na construção da sociedade letrada norte-rio-grandense,
em fins do século XIX e início do século XX.” Suas contribuições estão em áreas da
Educação, História, Dramaturgia e Literatura.
As contribuições da professora Isabel Gondim não se limitam ao aspecto prático
da educação, ou seja, ministrar aulas. O seu livro Reflexões às minhas alunas é um
exemplo da dedicação ao magistério e ao propósito de orientar a mocidade. O livro se
caracteriza por ser um manual de orientação ao sexo feminino, abordando temas que
tratam das fases da mulher, da menina escolar à mulher mãe. A relação de Isabel
Gondim com a educação é um elemento forte e constante em sua existência. “Dir-se-ia
que suas alunas são o seu próprio laboratório de análise e conclusão do que deve ou não
fazer em se tratando de educação, moral e civilidade, ingredientes básicos no convívio
social” (MORAIS, 2003b, p.67).
Ao trazer D. Sinhazinha Wanderley em Sinhazinha Wanderley: o cotidiano do
Assu em prosa e verso (1876-1954), Pinheiro (1997) mostra o cotidiano escolar da
cidade de Assu no início do século XX. A autora reconstitui as práticas da professora
Maria Carolina Wanderley Caldas que, em sua atividade docente de mais de quarenta
anos, contribuiu com o processo de transformação da sociedade assuense, formando
várias gerações de estudantes. Essa professora foi responsável pela introdução de novas
atividades no cotidiano das aulas, como jogos, música e poesia, em contraposição à
prática austera que imperava no período em que iniciou suas atividades docentes no
interior do Rio Grande Norte.
D. Sinhazinha tinha um modo de vida que se diferenciava das outras mulheres de
sua categoria social. Não se limitava ao espaço doméstico e à criação de numerosa
prole. Usando do aparato cultural que possuía, “a mestra saiu do anonimato doméstico e
se impôs enquanto profissional, conseguindo o respeito e reconhecimento da sociedade
assuense” (PINHEIRO, 1997, p. 19).
O texto de Silva (2002), Educação primária em Ponta Negra: professora Leonor
Barbosa de França (1923-1932), ao evidenciar a história e as práticas pedagógicas de
uma professora norte-rio-grandense, revela divergências entre o discurso oficial, contido
na legislação estadual e federal, e as práticas pedagógicas realizadas em comunidades
afastadas do centro urbano de Natal, como Ponta Negra. Essas práticas estavam na
contramão das políticas educacionais vigentes, mas em concordância com as
possibilidades e necessidades daquela povoação naquele momento. A mulher no espaço
43

público aparece nesses trabalhos como partícipe ativa na (re)organização do fazer


educativo no Estado do Rio Grande do Norte.
A expansão do ensino no RN (1910-1920): presença de professoras
(HOLLANDA, 2001) destaca a atuação de normalistas no interior do Rio Grande do
Norte. Uma atuação relacionada ao processo de expansão do ensino primário e a
feminização do magistério. Esta expansão foi expressa pea forte presença feminina nas
escolas das primeiras décadas do século XX: 67% de mulheres atuando como
professoras no interior do Rio Grande do Norte, ao lado de 33% de homens na década
de 1920. Em sua maioria, eram jovens recém-formadas pela Escola Normal de Natal,
como a professora Guiomar de Vasconcelos, que foi para Canguaretama/RN lecionar
em 1914, onde permaneceu até sua aposentadoria em 1943.
Ribeiro (2003) traz à tona a discussão da profissão de professora e do celibato
pedagógico no Rio Grande do Norte, através dos intelectuais que publicavam na revista
Pedagogium. A autora reconstitui práticas educativas a partir de um periódico
organizado e direcionado por e para professores, através da Associação dos Professores
do Rio Grande do Norte – APRN.
A pesquisa atribui a lógica econômica das primeiras décadas no Brasil à difusão
das ideias sobre o celibato pedagógico feminino. O realce era dado em torno da
incompatibilidade entre o trabalho na escola e o trabalho em casa: um dos dois seria
comprometido. Na primeira edição da Pedagogium, Nestor dos Santos Lima, diretor da
revista e da Escola Normal de Natal, lembra que “os eugenistas afirmam que as
mulheres que trabalham mentalmente são pouco aptas para a profissão maternal”
(RIBEIRO, 2003, p. 110).
Rocha Neto (2002, p.13), no texto Jornal das Moças (1926-1932): educadoras em
manchete, investiga o Jornal das Moças e enfatiza a presença das professoras Georgina
Pires, Dolores Diniz e Júlia Augusta de Medeiros na região do Seridó norte-rio-
grandense. Esse jornal foi produzido por essas mulheres na cidade de Caicó, numa
publicação semanal, escrevendo “sobre literatura, humorismo e críticas com relação à
condição da mulher na sociedade”.
Seus escritos destinavam-se às mulheres caicoenses, mas alcançaram leitores para
além das fronteiras de sua cidade. Vários municípios do Rio Grande do Norte, como
Ceará-Mirim e Lages, e mesmo no Estado vizinho, como Patos na Paraíba, registravam
o sucesso do semanário feminino (ROCHA NETO, 2002). Ao veicular as ideias e
opiniões das moças caicoenses, essas professoras estavam, ainda no alvorecer do século,
44

cientes de sua responsabilidade educativa. Empreendiam práticas jornalísticas que


pretendiam estimular o desenvolvimento intelectual das caicoenses em um período em
que à mulher era reservado apenas o espaço privado.
As práticas e representações dessas mulheres colocam no centro das discussões
não apenas o homem e a mulher biológicos, mas questões mais amplas das relações de
gênero. Ao interrogar a sociedade de maneira relacional, esses estudos colocam em foco
a classificação sócio-cultural entre o que seja masculino e o que seja feminino. O estudo
da categoria “abre perspectivas para análise sobre as mulheres e os homens, sem que
sejam percebidos enquanto sujeitos universais” (MORAIS, 2000, p.6), estejam eles no
universo local, regional, nacional ou internacional.
Em alguns desses trabalhos são apresentadas situações em que as práticas das
mulheres aparecem como parte ou mesmo extensão de atividades essencialmente
masculinas. Perrot (1992) privilegia a análise da mulher popular rebelde na Paris do
Século XIX. Caracterizando essas mulheres como excluídas da história, a autora
reencontra as mulheres em ação, criando elas mesmas o movimento da história nas
mulheres do povo. Diferente da burguesa, a dona-de-casa é responsável pela gestão da
vida cotidiana. Dedica-se inteiramente aos trabalhos domésticos e estes assumem, neste
contexto, uma diversidade maior. A divisão das tarefas e a segregação sexual no século
XIX designaram a mulher para assumir as funções relativas a essa empresa doméstica
que é a família e a sua sobrevivência.
Seu trabalho não remunerado a obrigava a depender do salário do marido.
Administrá-lo foi uma conquista. “Administrar a miséria era, para essas mulheres antes
de tudo, sacrificar-se. Apesar disso, era também a base do poder das donas-de-casa, o
fundamento de suas intervenções, muitas vezes, estrepitosas na cidade” (PERROT,
1992, p. 192).
As lutas pelo pão e pela moradia as faziam enfrentar a dominação masculina, no
momento em que saíam às ruas para protestar contra o pagamento dos aluguéis e o
aumento da farinha. Suas maneiras livres e explosivas eram temidas pelas autoridades;
enquanto os homens eram alfabetizados e aprendiam códigos de civilização burguesa, a
fala das mulheres era carregada de liberdade e subversão. Portanto, era preciso educar
as mulheres, civilizá-las. Para os operários sindicalistas,
45

A greve não podia ser uma festa. Um ideal conjugado de virilidade e


respeitabilidade faz recuar a rusticidade camponesa, as truculências
populares e as formas de expressão femininas que freqüentemente lhe
dão continuidade (PERROT, 1992, p. 212).

As práticas cotidianas das mulheres e suas relações com o sexo oposto são temas
de diversas pesquisas históricas. No entanto, a escassez de vestígios acerca do passado
das mulheres, produzidos por elas próprias, constitui-se num dos problemas enfrentados
pelos historiadores. Em contrapartida, encontram-se mais facilmente representações que
tenham por base discursos masculinos determinando quem são as mulheres e o que
devem fazer. Nos arquivos públicos, sua presença é reduzida. Destinadas à esfera
privada, as mulheres estiveram durante muito tempo fora das atividades dignas de
registro (SOIHET, 1997, p. 295).
Nessa perspectiva, Falci (1997) analisa as Mulheres do sertão nordestino e utiliza
livros de cordel, inventários, livros de memória, buscando os vestígios dessas mulheres.
Ao buscar representações do mundo feminino, a autora traça um perfil das mulheres em
um período e lugar determinados. As mulheres são apresentadas em suas diversas
nuanças, atividades e aparência: a filha de fazendeiro, as apanhadeiras de água, as
quebradeiras de coco, as parteiras, as escravas e as ex-escravas. Suas diferenças ganham
visibilidade e expressam uma sociedade estratificada, fundamentada no patriarcalismo
com uma hierarquia rígida e papéis sociais definidos, no que concerne às relações de
gênero.

Mulheres ricas, mulheres pobres; cultas ou analfabetas; mulheres


livres ou escravas do sertão. Não importa a categoria social; o
feminino ultrapassa a barreira das classes. Ao nascerem, são chamadas
‘mininu fêmea’. A elas certos comportamentos, posturas, atitudes e até
pensamentos foram impostos, mas também viveram o seu tempo e o
carregaram dentro delas (FALCI, 1997, p.241).

A autora demonstra na sua análise que, apesar das especificidades das três faces
de mulher apresentadas, as interdependências sociais desenharam e marcaram as
personalidades e a vida cotidiana dessas mulheres com alguns pontos em comum, como
a maneira submissa e sem perspectiva com que levavam sua existência. Ricas ou
pobres, livres ou escravas, a sobrevivência desse modelo de sociedade era o elo que as
amparava e as oprimia.
46

Nas cidades, esse modelo de submissão e interiorização da mulher também estava


presente. Em Mulher e família burguesa, D’Incao (1997) afirma que o século XIX foi o
século da família burguesa e do ideal burguês de mulher. Uma mulher desobrigada de
qualquer trabalho produtivo, dedicada ao marido e aos filhos numa instituição social
marcada pela valorização da intimidade e da maternidade.
Esses elementos coincidem com o processo de urbanização do Brasil em que o
processo de privatização da família influenciou até mesmo a arquitetura das casas e
marcou também a ascensão de um espaço intermediário entre o lar e a rua: o salão de
visitas. Esse era o reino das mulheres da elite. No entanto, ao submeter-se aos olhares de
seus convidados, a mulher teve que aprender a se comportar de maneira adequada. E
isto significava um certo tipo de educação que incluía aprender a comportar-se em
público e conviver com os outros de maneira educada. Educação esta que exigia da
mulher um mínimo de formação literária.
O controle das emoções e a instauração de uma sensibilidade burguesa, em que o
cuidar se torna a mais importante tarefa feminina, limitou ainda mais a mulher para o
privado, para a repressão dos desejos e necessidades, para o enclausuramento do corpo e
da alma. Suas vestes e seus gestos, o que eram e o que representavam, expressam nas
cidades o que se verificou com relação ao campo: as formas de dominação masculina.
As leituras solitárias e os saraus geraram um público leitor eminentemente feminino.
Este aspecto incentivou a disseminação de novelas e de um ideal de amor romântico.
Essa atmosfera é apreendida por Morais (2002), ao desvelar as leitoras do século
XIX em Leituras de mulheres no século XIX. A leitura assumiu um papel importante a
partir da segunda metade do século XIX e os romances analisados pela autora dão conta
da construção dessa sociedade letrada ao enfocar a mulher na condição de leitora e
frequentadora de saraus e reuniões de leitura.
Analisando as maneiras como as mulheres viviam e pensavam sua relação com os
impressos, a autora focaliza a leitura dessas mulheres e as configurações criadas por
suas representações modeladas pelos escritores nos livros e nos jornais. A leitura desses
textos revela maneiras de convivência da sociedade do Rio de Janeiro e modelos de vida
nessa configuração.
47

Às leitoras do século XIX, conforme observo em Machado de Assis,


por exemplo, recomendava-se a prática de leituras amenas e delicadas,
cujas temáticas girassem em torno de amores românticos e bem-
sucedidos. São os códigos da moral da época, com o intuito de
preservar a pureza das incautas jovens do século XIX (MORAIS,
2002, p.51).

O texto era, nas mãos das incautas jovens, um instrumento perigoso. O auxílio em
favor dessas leitoras vinha através de profissionais socialmente autorizados, como
editores e mestres, que orientavam a melhor leitura para essas mulheres. Com o jogo de
poder instaurado, a leitura corre o risco de tornar-se “uma prática passiva, na qual o
escrito é o estabelecido”. E “o estabelecido” era velar pela ordem familiar de maneira
casta e discreta.
A pesquisa de Morais (2002), no entanto, revela que as mulheres do século XIX
reivindicavam mais que o reinado doméstico. Os jornais destinados ao público feminino
conclamavam as leitoras a não se limitarem ao papel de mães de família, enquanto as
incentivavam a enviarem seus textos para publicação. E essas publicações revelam,
taticamente, a maneira dessas mulheres verem e desejarem uma sociedade.
Heller (2002) analisou perfis femininos em textos escolares de 1800 a 1930.
Utiliza os textos As doutoras, de França Junior e A mulher, de Coelho Neto, cujas
tramas envolvem as alterações que a intelectualização da mulher pode provocar na
família. As personagens representadas nos textos passam a repudiar o conhecimento de
atividades fora do lar, por estas afetarem as relações familiares, especialmente o
casamento.
Luísa, personagem de As doutoras, após o nascimento do seu primeiro filho,
abandona o exercício da medicina ao perceber que a profissão não era mais importante
que o cuidado com o filho. Da mesma maneira, Leonor, personagem do livro A mulher,
deixa de lado os livros e os estudos para dedicar-se a atividades mais femininas que não
a condenassem a um celibato forçado, como cuidar da aparência física.
As atitudes das personagens analisadas pela autora revelam qual espaço é
destinado à mulher nesta sociedade.

A solução de ambas para garantir a manutenção da ordem familiar e


social é largar os estudos e rejeitar o que haviam aprendido. Luísa
esquece seus conhecimentos médicos e recorre à superstição popular
para tratar das doenças do próprio filho. Leonor substitui livros e
práticas desportivas por cuidados exagerados no vestuário, a fim de
realçar a delicadeza física da mulher (HELLER, 2002, p. 5).
48

Os textos analisados revelam o olhar masculino sobre mulheres leitoras e autoras,


ao mesmo tempo em que deixam perceber um modelo social de mulher através das
personagens ali representadas por autores homens. As mulheres eram consideradas
leitoras desqualificadas e necessitadas da tutoria masculina para a leitura das obras.
Além dessa tutoria, a vigilância dos homens sobre as leituras, principalmente sobre suas
interpretações, era atividade corrente.
Estes escritos – tanto o de França Junior (2008) como o de Coelho Neto -
traduzem os receios de uma ordem social diferente da pretendida e que altere o ideal de
família. Esta não era uma preocupação apenas no Brasil, mas em muitos países
ocidentais.
Mulheres sós, título do ensaio de Dauphin (1991), designa um termo que
caracteriza, na Inglaterra do século XIX, as mulheres que não possuem marido. Essas
mulheres solteiras se contrapõem ao modelo de mãe-esposa valorizado neste período e
despertam uma preocupação da Igreja e do Estado com a desestabilidade da família.
Este é um indicativo de uma sociedade que se modificava. Segundo a autora, as
convulsões da época possibilitaram o seu nascimento; as guerras do final do século
XVIII e o êxodo rural possibilitaram o seu surgimento em maior escala. A missão da
mulher é, no século XIX, cuidar da casa, do marido e dos filhos. Diante disso, o que
fazer com essas mulheres solteiras?
O código napoleônico garantia às moças solteiras a gestão de si e de seus bens.
Por não serem assistidas pelo Estado, como as viúvas por exemplo, estas acabavam por
deixar a família e irem à busca de suprir suas próprias necessidades. A educação
vitoriana e a moral católica dirigiam as jovens para atividades que exigiam tato,
delicadeza e instinto maternal, como as profissões de professora, governanta e assistente
social. As profissões do setor social atraíam as mulheres solteiras; tornavam-se
enfermeiras, professoras ou operárias, e deveriam elevar o nível moral das instituições
em que trabalhavam. A moral e a virtude doméstica as acompanhariam em suas
atividades públicas.

No entanto, a recuperação religiosa dos problemas demográficos não


basta para preservar o casamento. Parece que tanto a educação
vitoriana como a moral católica, que ensinam a resignação e a
castidade, continham a semente da contestação (DAUPHIN, 1991,
p.489).
49

Ser solteira podia ser também a marca desta contestação. Os escritos femininos
analisados pela autora revelam o celibato como uma opção pela liberdade. As mulheres
faziam desta escrita um “grito de revolta contra a clausura doméstica”. (p. 490)
O celibato feminino se tornou, no final do século XIX, uma bandeira política; a
figura da “solteirona” cedeu lugar à celibatária citadina. A emergência histórica das
‘mulheres sós’ pelo acaso e a necessidade no decurso do século XIX é um indício da
decadência desse modelo vitoriano e dessa moral religiosa que encerrava as mulheres na
casa e as limitava ao cuidado do marido e dos filhos, como também da conquista do
espaço público por elas.
No entanto, Lagrave (1991) chama a atenção para uma “emancipação sob tutela”
nas relações entre o espaço público e o privado, destinado às mulheres no início do
século XX. Uma emancipação sob tutela. Educação e trabalho das mulheres no século
XX destaca que, no início e até meados do século XX, as mulheres estavam
condicionadas ao trabalho ou ao matrimônio. Ela aponta o declínio da natalidade, o
crescimento no quantitativo de mulheres no trabalho e, após 1918, o regresso dos
homens aos campos e às fábricas como fator de causalidade no discurso que aloca as
mulheres no lar junto às atividades domésticas. A história das mulheres e sua
participação nas sociedades tem sido foco da atuação de historiadores educacionais que,
atuando em seus espaços de produção, contribuem para compor o mosaico
historiográfico brasileiro.
O trabalho de Villela (2000, p.119) traz, em O mestre-escola e a professora, o
processo de feminização do magistério na relação com a expansão da instrução pública
a partir da segunda metade do século XIX no Brasil. Nas décadas de 1870, as discussões
sobre a necessidade de formação do professor ganham maior destaque e a difusão das
Escolas Normais pelo país torna-se uma realidade crescente. Entre a criação da primeira
em 1835 até a consolidação dessa instituição formativa no fim do século XIX, “uma
profissão quase que exclusivamente masculina tornar-se-ia prioritariamente feminina”.
A autora registra que, mesmo sendo considerada como a mais apropriada aos
cuidados das crianças, o acesso das mulheres a um trabalho remunerado foi palco de
lutas, de conquistas e de concessões. O celibato pedagógico, os hábitos de reclusão das
mulheres dos espaços públicos e outros mecanismos ideológicos tornavam essas lutas
nem sempre bem sucedidas. A inserção gradativa e frequente das mulheres na docência
foi um espaço de conquista feminina em uma sociedade que percebia a mulher pública
50

numa linha limítrofe entre a mulher normal (mãe, esposa) da mulher marginal, ou seja,
“a louca, a prostituta e a preceptora.” (VILELLA, 2000, p. 119).
As práticas educacionais de Ina Von Binzer, uma preceptora alemã que veio
trabalhar no Brasil entre 1881 e 1883, são o foco de Canen e Xavier (2000, p.71). Essa
professora atuou nas regiões de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e suas cartas
descrevem um quadro sócio-educacional do Brasil de fins do século XIX. As cartas
analisadas revelam o desejo dos pais, de extratos sociais mais elevados, de oferecerem
às suas filhas uma educação voltada para as línguas estrangeiras (alemão e inglês). Por
outro lado mostra a dificuldade das moças em assimilar e assumir posturas e culturas
tão diferentes das suas próprias. “As cartas da educadora assinalam o caráter privado e
ornamental da educação destinada aos filhos das elites brasileiras do período imperial,
demonstrando que nem sempre a educação formal se fazia nas escolas”. (CANEN;
XAVIER, 2000, p.71).
O nosso trabalho de investigação histórica se une, portanto, ao esforço dos
intelectuais aqui destacados, na tentativa de ser mais um estudo que contribua para a
historiografia da educação e sobre a mulher brasileira e, particularmente, a norte-rio-
grandense.
Certeau (2002) lembra que o estabelecimento das fontes, a eleição de categorias, a
organização de conceitos, o recorte temporal e espacial, a problematização e,
acrescento, as pesquisas da História da Educação são procedimentos de pesquisa que
fazem parte de uma operação técnica que também participa deste projeto de
investigação.

Tornando-se um texto, a história obedece a uma segunda imposição. A


prioridade que a prática dá a uma tática de desvio, com relação à base
fornecida pelos modelos, parece contradita pelo fechamento do livro
ou do artigo. Enquanto a pesquisa é interminável, o texto deve ter um
fim, e esta estrutura de parada chega até a introdução, já organizada
pelo dever de terminar (CERTEAU, 2002, p.94).

As práticas se enunciam em termos de poder e dominação, posto que, ao se impor


um discurso sobre o outro, este último é invalidado por quem detem os instrumentos de
dominação, fazendo com que outros discursos que possam ter figurado naquele
momento histórico passem a não-existência. Perceber o não-dito no dito, o silenciado no
51

falado pressupõe um fazer história que perceba o lugar social em um movimento de


reorganização também a partir do trabalho do historiador. E esta é nossa pretensão aqui.
52

Capítulo III
Perfis de Educadoras7 no Rio Grande do Norte

Há em mim marcas de vidas antepassadas;


meus sonhos passeiam por alamedas e
casarias distantes. Nesses passeios busco
perder-me e, no profundo da alma,
encontrar-me: mãe e esposa, mulher e
professora (PINHEIRO, 2003, p. 120).

Era março de 2008 e sentimos a necessidade de garimpar as concepções de mundo


das mulheres que contribuíram para a educação norte-rio-grandense nas pesquisas que
envolvem gênero e práticas culturais. Na esteira de uma sociedade que se constituía
republicana, moderna e civilizada, uma representação de mulher e o seu papel social
também eram forjados. Um modelo profissional feminino era construído no calor das
transformações políticas que mudaram a face administrativa deste país. Fomos buscá-las
na revisão de uma literatura específica do Rio Grande do Norte. Este corpus
bibliográfico nos solicitou um guia, e as perguntas de Silva (2004, p. 27) tornaram-se
este guia por sobre a própria bibliografia pesquisada: “O que sabemos sobre a educação
nas primeiras décadas do século XX? Que práticas adotaram? Como era a organização
escolar?”. Em uma proposição anterior, Morais (1998, p.71) se perguntava: “o que se
sabe acerca das leituras femininas no Brasil da segunda metade do século XIX?”. Em
dez anos – 1998-2008 – foi possível identificar o quanto esta pergunta pôde
desmembrar-se em várias outras, na tentativa de capturar as dimensões existenciais da
mulher em sua constituição histórica.
Estas perguntas deslizaram por nossa alma como ecos de uma história sobre
mulher, educação e profissão feminina. A partir deste movimento intelectual, outras
perguntas se organizaram para buscar o perfil ou os perfis de educadoras que estas
pesquisas apontavam: O que já se sabe sobre essas mulheres professoras, esposas, mães,
escritoras? Podemos descortinar seus desejos, suas necessidades, seus anseios,
utilizando estas pesquisas como fonte histórica? Acreditamos que se pode vislumbrá-los

7
Assumimos esta nomenclatura por não encontramos, à época em estudo, um termo único para o
conjunto de práticas educativas desenvolvidas pelas mulheres. Educação era instrução. E esta só era
ministrada em escolas e por professoras. Consideramos, no entanto, que existiam outros espaços para
além da escola, que educavam como livros, revistas e artigos de jornal e, nestes, as mulheres atuavam
como educadoras, sendo professoras ou não. E mesmo nas Igrejas, através das associações beneficentes
de que faziam parte, elas estavam educando outras mulheres e a si mesmas.
53

através dos discursos sobre o feminino produzidos por homens e mulheres em várias
configurações. E por meio dos trabalhos de pesquisa que trazem professoras, relações de
gênero e educação feminina, tentamos estabelecer um perfil das educadoras no Rio
Grande do Norte no final do século XIX.
Assim, chegamos ao nosso recorte. O ponto de partida foram as dissertações e
teses apresentadas ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, pela linha Cultura e História da Educação.
Escolhemos os trabalhos que traziam perfis de mulheres que nasceram ou viveram entre
a última década do século XIX até segunda do século XX. Considerando o período de
análise deste trabalho – 1889 – 1914 –, estas mulheres estariam imersas no mesmo jogo
de representação cultural e territorial. Nesse sentido, nosso segundo passo foi buscar as
monografias de Graduação que, nessa mesma linha, pudessem ampliar o escopo que
buscávamos, entre os anos de 1999 e 2008.
Ao final, optamos por oito trabalhos acadêmicos entre Monografias, Dissertações
e tese, que se caracterizaram pela focalização na história de mulheres que estiveram
presentes na organização e consolidação do projeto educacional republicano no Rio
Grande do Norte. Os perfis foram construídos a partir desses trabalhos que destacam
práticas de professoras, de escritoras e de jornalistas neste Estado e que se unem ao
nosso próprio trabalho em suas vertentes teóricas, metodológicas e temáticas, ligados à
base de pesquisa Gênero e Práticas Culturais: abordagens históricas, educativas e
literárias.
A pujança do trabalho desta base de pesquisa encontra nos congressos de História
da Educação sua consolidação como um grupo atuante e socialmente relevante nesta
área de pesquisa e ensino. Quando nos debruçamos na produção dos três primeiros
Congressos Brasileiros de História da Educação, realizados no Rio de Janeiro em 2000,
Natal em 2002 e Curitiba em 2004, a categoria gênero – foco principal das pesquisas
deste grupo - apareceu enfeixando um dos eixos temáticos.
O aumento significativo na inserção de trabalhos de gênero no Rio Grande do
Norte chama a atenção sobre a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e
a base coordenada pela professora Maria Arisnete Câmara de Morais. A Base de
Pesquisa Gênero e Práticas culturais: abordagens históricas, educativas e literárias foi
responsável por um terço das comunicações publicadas no II Congresso Brasileiro de
História da Educação (CBHE).
54

No entanto, é flagrante a presença da UFRN em todos os certames


nacionais, carreando 37,6% das inserções na temática. Maria Arisnete
Câmara de Morais e Rosanália de Sá Leite Pinheiro8 emergem como
as principais orientadoras da pesquisa sobre gênero na instituição.
Cabe ao nordeste, aliás, o destaque na produção apresentada no eixo
gênero nos vários Congressos (VIDAL, 2006, p.16).

Percebemos, pela leitura dos anais dos congressos citados, que a discussão sobre
gênero alargou as fronteiras do eixo em que vinha se limitando e marca presença em
outras temáticas, como profissão docente. Este fato configura um reconhecimento de
que a área de educação não apenas é densamente frequentada por mulheres, mas que
esta realidade acontece numa relação estrita com a outra parte do gênero humano. Sendo
gênero uma categoria relacional por excelência, compreendemos que entender a cultura
escolar passa pela percepção deste movimento relacional também a partir das
professoras e da feminização do magistério, desde meados do século XIX até hoje
Seguramente isto decorre do fato de que os estudos de educação vêm percebendo
que a supremacia feminina na profissão docente é algo que deva ser considerado como
relevante para as pesquisas sobre educação, particularmente educação escolar. Estuda-se
a mulher porque é de mulheres que tem sido feita nas últimas décadas a educação.
Acreditamos que um entendimento mais amplo sobre a cultura escolar está intimamente
ligado à compreensão da constituição desta profissional que impregna a instituição
educacional. Só se entenderá a mentalidade escolar quando entendermos a mentalidade
de quem nela atua: mulheres e homens e a relação entre ambos.
Não deixa de ser intrigante observar que as mulheres estejam mais bem sucedidas
que os homens no espaço escolar, seja apresentando permanência maior e progressão
mais regular nos bancos escolares, seja assumindo majoritariamente os postos no
magistério e na arena educacional. Isto convida a indagar sobre as especificidades dessa
cultura escolar, seu funcionamento, as relações de poder estabelecidas e os significados
de gênero aí constituídos. Sem esquecer que este espaço, hoje tão feminizado, é o lugar
de socialização de grande parcela da infância brasileira. Hoje, e desde fins do século
XIX, as mulheres estão à frente da educação dos futuros cidadãos. Há que se perguntar
sob qual modelo de profissional se organiza este pensamento educacional e o quanto
este intervém na prática docente atual.

8
A grafia correta do nome da professora referida é Rosanália de Sá Leitão Pinheiro.
55

Este trabalho ruma na direção de uma história das mulheres-professoras adultas e


de sua educação, atenta às tensões, ambiguidades, relações de poder e de gênero e a
constituição das identidades docentes para além dos quadros da educação formal nos
limites que unem mulher e docência. Em certa medida, pesquisamos, escrevemos,
falamos de nós. Por isso a ideia de Morais (2003c, p.17) nos parece tão cara: pesquisa e
história de vida caminham juntas. Talvez estejamos procurando o unicórnio dourado
quando a realidade é mais simples: as pesquisas privilegiam as mulheres porque são
feitas por mulheres. Se cruzarmos as informações referentes a temas de pesquisas e
gênero de pesquisadores, isto vai ficar muito claro.
Nietzsche (2000) nos lembra que somos nosso rebanho. Nossa verdade é a do
nosso grupo. Bem ou mal, verdade ou mentira é apenas uma forma de inclusão ou
exclusão dos indivíduos em cada formação social. Por isso, buscamos os discursos no
interior deste universo social, ou seja, nas relações sociais e de gênero no Rio Grande do
Norte do final do século XIX e nas pesquisas (nosso “rebanho”, afinal) que oferecem
perfis de educadoras deste Estado.
O que temos nestas pesquisas é a representação dos modos de existência das
mulheres natalenses do fim do século XIX. Estas representações foram percebidas nos
diversos estudos e ajudam a entender esta constituição do ser professora, do ser esposa,
do ser mulher, a partir também dos perfis traçados pelas pesquisas em história da
educação norte-rio-grandense.
Começamos por destacar a presença da professora Guiomar de Vasconcelos no
cenário educativo norte-rio-grandense a partir do trabalho de Silva (2004). Ao enfocar
as práticas educativas de professoras do início do século XX, a autora sugere um
modelo de mulher discreta, destituída de vaidades e dedicada ao trabalho docente e à
religião católica. Guiomar de Vasconcelos é lembrada por ex-alunos seus.

Era uma moça solteira, de vida reservada e dedicada ao ensino, à


família e à igreja. Encontrava-se sempre em companhia da irmã
Georgina, e principalmente das amigas Iná e Agá Calafange. De
aparência severa, vestida de cores e modelos discretos, essa imagem
ainda é lembrada por pessoas que a conheceram. Maria Alves Pessoa,
ex-aluna e afilhada, fala a respeito da mestra: “Guiomar era uma moça
fina e educada, de modos sérios e discretos. Respeito e admiração ela
tinha bastante. Muito discreta com os vestidos e penteados, ela era
menos vaidosa que as Calafanges” (SILVA, 2004, p.34).
56

Essas características da professora são tão lembradas por esses ex-alunos quanto
as informações acerca dos seus métodos de ensino e os materiais utilizados em sala de
aula. Isso demonstra que as práticas sociais (e morais) estavam interligadas com as
práticas pedagógicas. A representação de boa professora era condicionada tanto ao
conteúdo programático e à didática de sala de aula, como a um modo de vestir e de
portar-se.
Guiomar de Vasconcelos nasceu em Recife, em 1888, e fez o ensino primário no
Colégio Americano9, em Natal/RN. Permaneceu nesta escola durante quatro anos e teve
acesso a um modelo de educação alicerçado em princípios como cientificidade,
pragmatismo e moral cristã protestante. Privilegiava os processos intuitivos de ensino, a
co-educação dos sexos e disciplinas que elevavam a educação escolar para além do
aspecto instrucional.
A formação da mulher estava embasada em um modelo idealizado de filha, mãe,
esposa, moralmente digna, com condições intelectuais para contribuir de modo efetivo
na ordenação social, a partir do cuidado em princípios de liberdade, individualismo,
ordem e superação. Além das disciplinas notadamente escolares, os preceitos morais e
cristãos, as prendas domésticas, as línguas valorizavam o papel do sexo feminino na
família e na sociedade.
O pensamento progressista do Colégio Americano apontava para um modelo de
participação feminina, alicerçado em uma idéia cristã de companheira do marido,
auxiliando-o nas atividades da vida prática, para além do universo privado. A exemplo
da própria Katherine Porter, que ajudava na missão do marido de propagar a fé
evangélica através de ações educativas institucionais.
Para Costa (1995), a opinião dos americanos causava desconfiança na sociedade
local. Mas reconheciam que a concepção dos americanos sobre o papel das mulheres na
sociedade vinha contribuindo para melhorar a vida das moças e mudar a mentalidade
dos pais que ali matriculavam as filhas. O caráter modelador da educação se fazia
presente no modo de conceber o mundo de suas ex-alunas. Depois de concluir seus
estudos neste Colégio, Guiomar tornou-se normalista, de onde saiu professora em 1913.

9
Esta primeira escola evangélica do nordeste localizava-se no bairro da Cidade Alta e foi fundada por
Katherine Porter, esposa do Rev. Willian Calvin Porter, em 1895 (MATOS, 2008). Segundo Costa
(1995), coube naquele período à professora Rebecca Morrisette assumir a condução do Colégio, auxiliada
pela brasileira Sidrônia Carvalho, membro da Igreja Presbiteriana de Natal.
57

No ano seguinte assumiu a vaga de professora primária no Grupo Escolar Pedro Velho
em Canguaretama/RN.
Silva (2004, p.94) destaca que, ao ler e reler as entrevistas de seus informantes, as
imagens mais vívidas sobre esta professora eram o traje desprovido de excessos de
vaidade, o porte reservado e a moral destacável. Um exemplo de mulher e de
professora. “Vestida de vestido tubinho, bem acinturado e de mangas longas, ela lia alto
com toda a turma, diz Maria Alves Pessoa, ex-aluna de Guiomar”. O gosto pelas roupas
escuras, como o azul, o preto e o marrom, era um sinal de luto pela morte dos parentes e
de seu noivo. Na fotografia em que aparece entre duas amigas – as irmãs Calafange de
Canguaretma-RN –, não conseguimos perceber os tons escuros que ficaram impressos
na memória de suas ex-alunas.

Guiomar de Vasconcelos entre as irmãs Calafange10


(SILVA, 2004, p.35)

10
Silva (2004) não traz em seu texto a data desta da foto. Mas se considerarmos que Guiomar de
Vasconcelos sempre residiu no solar Calafange no tempo em que residiu e lecionou em
Canguaretama/RN, estimamos a data entre 1914, data de sua chegada no município, e 1943, ano de sua
volta para Natal. Numa busca de imagens através da web, tomando como base as roupas e os penteados
das moças, podemos auferir esta data constituindo a década de 1920.
58

O penteado e a postura sérios, bem como as roupas fechadas, caracterizavam o


estilo da época para as moças em geral. Mas as vestes da professora Guiomar
acompanhavam o tom claro das suas parceiras de domicílio. Isto sugere que na
fotografia acima Guiomar, destacada entres as irmãs Calafanges, ainda não parecia ter
aderido à imagem da senhora Maria Alves Pessoa. Este modo de vestir que em Guiomar
é atribuído ao luto e à tradição que este estado acarreta, podemos verificar em outras
professoras do final do século XIX e início do século XX. Uma predisposição a este
tipo de vestuário.

Dolores Cavalcanti11, entre amigas (MELO, 2002, p.36)

11
A data da fotografia não é precisada pela pesquisadora. Os modelos de roupas inserem possivelmente
Dolores e suas amigas no final do século XIX, na década de 1900.
59

Um pouco anterior a Guiomar, Dolores Cavalcanti aparece na fotografia, também


entre duas amigas. Esta professora tem a fisionomia séria, nenhum sorriso ou sinais
esfuziantes lhe enfeitam o rosto. Os cabelos estão presos singelamente num coque sobre
a nuca e um vestido escuro de mangas compridas complementa o visual. No trabalho
que discute a atuação desta mulher na sociedade ceará-mirinense, Melo (2002) provoca
uma discussão entre os fazeres profissionais de uma mulher da elite ceará-mirinense.
Suas práticas deixam perceber uma mulher intelectualizada, que acredita no trabalho e
na religião católica como a força motriz para a felicidade terrena.
Como escritora, utiliza o jornal como meio educacional para defender a instrução
como mecanismo de independência e valorização feminina; como religiosa, acredita no
trabalho paroquial e no serviço a exemplo de Maria, mãe de Jesus, e no seu exemplo de
virtude; como professora, condensa na execução das práticas docentes preceitos de
mulher cristã-católica e cidadã norte-rio-grandense.
Dolores Cavalcanti nunca casou. Perante a condição de celibato assumiu uma vida
de dedicação à Igreja Católica e ao trabalho de educadora. Na Igreja Matriz de sua
cidade, fazia parte de um grupo de senhoras denominadas Filhas de Maria, devotas de
Nossa Senhora da Conceição, padroeira da cidade. Entre seus manuscritos, ela deixou
um caderno intitulado Mês de Nossa Senhora das Dores. Nele escreveu a história de
Nossa Senhora junto a seu filho Jesus e passagens da Bíblia. Este caderno possui uma
seqüência a ser seguida e é composto de ladainhas e de exemplos de boa conduta. Seus
escritos refletem sua aliança com Maria Nossa Senhora, tomada pelas senhoras da
sociedade como exemplo a ser seguido em todas as virtudes.

Eis o modelo para imitarmos. Eis a Mãe de Deus, pura nos costumes,
paciente nas dores, nos dizendo sereis salvos se fordes meus devotos;
a vossa devoção vos salvará, se com a inocência no viver e a paciência
no sofrer, preparardes vossa imortal coroa (MELO, 2002, p. 44).

Dolores Cavalcanti nasceu em 1885 e entrou para o Colégio Interno Nossa


Senhora das Neves, em João Pessoa/PB, em 1892. No ano de 1896 foi para o Colégio
São Vicente de Paula, em Recife/PE. Em 1902 assumiu como professora a Escola
Pedro de Oliveira Correia e, depois, o Grupo Escolar Felipe Camarão. Lecionou
também no Colégio Santa Águeda, uma escola de orientação católica dirigida pelas
freiras da Congregação Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora do Bom Conselho.
Todas em Ceará-Mirim/RN. Iniciou-se como docente em 1902 em Ceará-Mirim, onde
60

ministrou aulas até 1951, e se aposentou em Natal em 1960. Como outras professoras
no início do século, Dolores estava preocupada em formar as crianças para serem os
homens do amanhã. “Procurava garantir, através da transmissão de bens culturais e de
um conjunto de normas e valores, a prática de todas as virtudes, a obediência às leis, a
sujeição e a honra aos poderes constituídos, à dedicação ao país” (MELO, 2002, p.75).
Segundo Lima (1937, p. 346) além desse grupo, existiam vários outros semelhantes na
igreja de Ceará-Mirim. Este fato ocorria em muitas paróquias espalhadas pelo Rio
Grande do Norte, como é possível percebermos, tanto nos jornais do final do século
XIX como nos relatos de professoras do início do século XX.
Esses valores faziam parte de um universo simbólico que formava almas, no dizer
de Carvalho (2001). A versão positivista da República encontrou no Brasil um solo
fértil. A lei de três estados, evidenciada pelo sistema filosófico comteano, previa a
superação da Monarquia, enquanto um sistema político relacionado à fase teológico-
militar, pela República, melhor encarnação da fase positiva de um projeto
governamental. O progresso e o desenvolvimento da Nação são atrelados ao sentido da
República como a verdadeira democracia. E esta só seria possível através de um esforço
coletivo de uma educação balizada em um conjunto de normas e valores legítimos. Este
conjunto de valores encontrava nas professoras e na educação ofertada por elas este
mecanismo de difusão. Mas uma difusão que, longe de ser laica como pretendia a
educação constitucional, associava normas pátrias a valores religiosos.
Dolores, tal qual Guiomar, é lembrada por seus ex-alunos a partir de uma
formação que unia a instrução e a religiosidade: uma professora séria12 e exemplar.
Inácio Sena, entrevistado por Melo (2002, p.36), acrescenta a este perfil a amabilidade,
a docilidade, a simplicidade e a elegância no vestir.

12
Pelo que pudemos depreender dos trechos a que tivemos ter acesso através do trabalho lido, esta
seriedade era sinônimo de sisudez.
61

Dolores Cavalcanti13
(MELO, 2002, p. 96)

Seu sobrinho e filho adotivo, entrevistado por Melo (2002, p. 34), afirma que esta
elegância registrada na fotografia acima era buscada na França e chegava pelo porto de
Recife/PE. Uma elegância a serviço de um modo particular de ser e de viver. A
elegância atribuída a Dolores, por meio das memórias do seu filho/sobrinho, nós
podemos apreender na análise desta imagem. O mesmo cuidado com o vestir pode ser
percebida na fotografia abaixo, que traz a professora caicoense Júlia Medeiros. Ambas
trazem a moda de seu tempo, as preferências de seus modelos e a relação destas com o
meio social a que estavam expostas.

13
Utilizando os mesmos padrões de referência e busca das fotos anteriores vamos inserir Dolores a partir
desta foto no contexto da década de 1910.
62

Júlia Medeiros, 1926


(ROCHA NETO, 2005, p. 112)

Duas décadas as separavam, assim como uma grande distância territorial e


formativa. Dolores não cursou Escola Normal como Júlia Medeiros, mas ambas
estavam unidas por serem mulheres professoras, jornalistas, religiosas e celibatárias. Do
litoral ao sertão, do final dos oitocentos até muito além da década de 1920, encontramos
permanências nos modos de fazer e ser docente no Rio Grande do Norte.
63

Na fotografia, a seguir, é importante destacar algumas peculiaridades. Todas as


moças se encontram bem vestidas. Acompanhando a moda, as roupas assumem um
comprimento menor nesta década de 1920. Assumem a mesma postura séria na
fotografia que Dolores e o corpo reto e perfilado deixa transparecer a austeridade
feminina. No entanto, Júlia Medeiros, assinalada na foto, assume uma postura mais
leve, com as pernas um pouco afastadas e o corpo mais relaxado. Também é a única
entre elas que está sorrindo. À exceção de uma fotografia aos 74 anos de idade, esta é
uma constante em todas as fotografias dispostas no trabalho de Rocha Neto (2003),
como podemos verificar nesta imagem:

Festa de Sant’Ana em Caicó/RN, 1927


(ROCHA NETO, 2005, p. 111)

Júlia Lopes Medeiros nasceu em Caicó, sertão do Rio Grande do Norte, em 1896.
Numa região conhecida como Seridó e vinda de uma família abastada, foi lhe permitida
uma educação mais completa, que incluía línguas, piano, canto, dança. Típica instrução
oitocentista para as meninas da elite brasileira.
64

Veio para Natal14 na intenção de ampliar seus estudos. Manteve-se


financeiramente amparada pela herança material da mãe. Este pecúlio lhe fora destinado
por ser a única dentre as cinco irmãs que não tinha pretendentes ao casamento. Às irmãs
estava garantida a sobrevivência pelo matrimônio.
Estudou inicialmente no Colégio da Imaculada da Conceição, fundado em 1902,
pela Congregação de Santa Dorotéia de Paula Frassineti. Este colégio foi a primeira
escola religiosa particular de Natal.

As irmãs Dorotéias, já estabelecidas em Recife, Belém do Pará e São


Luís do Maranhão, iniciam sua missão na cidade do Natal. A vinda
das Dorotéias para a capital do Rio Grande do Norte, a pedido do
Bispo Diocesano D. Adauto de Miranda Henriques, teve o objetivo de
abrir uma Casa de Educação - a primeira Escola Católica e Particular
da cidade. A missão de educar as meninas e as jovens da sociedade do
Natal foi confiada a Rvda. Madre Luiza Lucentti – Provincial da
Congregação de Santa Dorotéia no Brasil e Superiora do Colégio de
São José, em Recife (FRANCERLE, 2008, p.1).

Paula Frassinetti, fundadora da Congregação, entregou sua vida a Maria, após a


morte dos pais, e se dedicou a cuidar do processo educativo de meninas, em Lisboa e no
Brasil. O catolicismo ultramontano do século XIX se insere no contexto de
recristianiação católica por meio de instituições educativas-religiosas, das quais
participavam muitas ordens e congregações ligadas ao culto mariano, como os Irmãos
Maristas e as Filhas de Maria Auxiliadora, depois conhecidas como Irmãs Salesianas.
Rocha Neto (2005) deixa entrever que a educação primária de Júlia Medeiros foi
completada neste colégio religioso de orientação católica. No ano de 1921, com 25 anos
de idade, ingressou na Escola Normal de Natal, onde se formou docente em 1925,
voltando em seguida para Caicó/RN.
Os ex-alunos de Júlia se referem a ela como inteligente, mas desligada.
Maneirosa, mas com personalidade forte e firme. Vaidosa e preocupada com a
aparência, estava sempre atenta aos catálogos das modistas e atendia aos ditames da

14
Rocha Neto (2003) não especifica a data desta vinda. Vamos considerar alguns dados para tentar
aproximar a uma data deste evento na vida de Júlia Medeiros. Ela veio estudar em uma escola religiosa e
paga. Mesmo não sendo estatal, as escolas privadas sempre tenderam a seguir os Regulamentos da
Instrução Pública, entre outros motivos, para referendar e dar credibilidade às suas instituições. O
regulamento em voga trazia o primário composto de seis (06) anos, consistindo de quatro (04) anos do
primário e mais dois (02) de complementar. Terminado o primário fazia-se o Exame de Admissão para
cursar a Escola Normal de Natal. Rocha Neto aponta o ano de 1921 como a data de entrada de Júlia nesta
Escola. Sendo assim, estimamos a vinda de Júlia entre 1915, se considerarmos os seis anos de primário e
1919, se considerarmos os dois anos complementares para o Exame de Admissão.
65

moda, particularmente durante os dias da Festa de Santana15. Sua reconhecida


intelectualidade a chamava a ser representante dos colegas nas festividades do Grupo
Escolar Senador Guerra, onde lecionou durante muitos anos (FÉLIX, 1997).
Estes atributos a levaram a assumir diversos cargos na cidade, incluindo dois
mandatos como vereadora. No processo de expansão e feminização do magistério,
normalistas como Guiomar, Júlia e Myrtilla Lobo contribuíram na interiorização maciça
da educação primária no Estado. A contribuição destas normalistas foi inegável.
Myrtilla Moura Lima Lobo foi estudante de escolas públicas elementares até
entrar na Escola Normal de Natal. Sua história como mulher e docente na região do
Seridó, das primeiras décadas do século XX, é contada em uma narrativa auto-
biográfica e dada a conhecer por Morais (2004). Este trabalho apresenta depoimentos
transcritos de entrevistas coletadas, entre os anos de 2001 e 2003, e reflete sobre o
ensino e a atuação de professoras primárias no século XX, na Região do Seridó/RN.
Através das narrativas de professoras que figuraram como alunas ou docentes nessa
região do Estado, estes depoimentos reconstituem o modelo educacional utilizado na
região em diversos momentos da nossa historia educacional. A autora trabalha com três
gerações de mulheres, alocando-as como alunas ou docentes em três períodos históricos,
compondo o mosaico de todo o século XX.
A valorização da escolaridade, os castigos corporais, os rituais cívicos no interior
das escolas, são aspectos ressaltados pela autora em relação à primeira metade do século
XX. As memórias das professoras descortinam o cotidiano de uma escola baseada nos
princípios da escola tradicional, preocupada em disciplinar e ordenar uma população de
alunos que se destinavam a ocupar funções sociais compatíveis com o ideal republicano
de ordem e progresso.
Myrtilla Lobo nasceu em Natal, em 1914. Fez o primário no Grupo Escolar
Augusto Severo entre, 1922 e 1927. Em 1928, aos 14 anos, ingressou na Escola Normal.

Quando eu terminei o primário, fui fazer Escola Normal. Eu queria


ser professora. Também havia poucas possibilidades. Tinha a Escola
do Comércio, tinha a Escola Doméstica e a Escola Normal. A Escola
Doméstica era só pra gente rica, aquele povo do interior. (MORAIS,
2004, p. 126).

15
Esta festa é a mais importante da região sendo objeto de devoção particular de duas cidades: Caicó e
Currais Novos. Sobre a tradição e a relação de pertencimento dos seridoenses a esta festa, ver ARAÚJO;
MEDEIROS (2003)
66

Ela lembra que sua turma no Normal iniciou com 34 alunos e terminou com 05.
Sobre essa evasão, Aquino (2007) deixa pistas: os anos na Escola Normal requeriam
disponibilidade e persistência. Os exames escolares tornavam difícil a ascensão das
alunas e dos alunos. Segundo o relato de Myrtilla Lobo, “os professores tinham energia
e moral, dirigiam bem a classe, os alunos obedeciam” (MORAIS, 2004, p.125).
Acreditamos que esta forma de tratamento pedagógico, ao mesmo tempo em que
cuidavam dos aspectos próprios de suas salas de aula, estabeleciam um padrão para as
práticas pedagógicas das futuras e dos futuros professores: trabalhariam com energia e
moral para que seus alunos os obedecessem e, dessa forma, adquirissem o saber escolar.
Depois de diplomada ela, foi trabalhar em São João do Sabugi. Era uma cidade
pequena e, apenas uma vez por mês um padre, vinha celebrar missa. Segundo a
professora, o padre era muito intransigente; para ele, fora do catolicismo, só existia
pecado e maldição. Myrtilla Lobo era protestante.

Fiquei na casa de um casal muito católico. A senhora era muito carola,


conversou com o padre e depois comigo. Disse que estava cometendo
pecado mortal dando hospedagem a uma protestante. – Se a senhora
fosse ensinar catecismo, eu podia ficar com a senhora aqui. Mas eu
disse que não sabia dar catecismo. Ela disse: então pode procurar
outro lugar [...] Só tinha 18 anos (MORAIS, 2004, p. 126).

Com uma formação toda em escolas estatais, esta professora não teve “ensino
religioso nem no primário” (Ibid, p.126). Sua formação religiosa advinha da casa
materna. Ela atribui o preconceito ao fato dela ser da capital. Mas se bem nos
lembramos, no início da nossa travessia rumo aos perfis das educadoras, vimos que a
professora Guiomar de Vasconcellos tinha uma boa relação com os moradores da
também pequena Canguaretama. As pessoas talvez tivessem medo era de quem não
seguisse a religião tradicional do Brasil, a doutrina católica. Myrtilla se configura em
uma exceção do ponto de vista doutrinário religioso em nossas educadoras aqui
caracterizadas.
Uma tradição de duzentos e dez anos de jesuíta impregnou os fazeres educativos
dos preceitos e da moral cristã tomasina (AQUINO, Tomás, 2004). Estes preceitos
atravessam a Reforma Pombalina (SILVA, 2006), os projetos laicos republicanos e
encontram terreno fértil nos recônditos do sertão norte-rio-grandense. Mesmo depois da
expulsão dos jesuítas, mais um século foi vivenciado na escola brasileira sob a doutrina
67

do catolicismo conservador de inspiração jesuítica. O traço religioso católico exerceu


forte influência na educação e no sistema organizacional escolar brasileiro.
Com uma demanda crescente de salas de aula no final do século XIX, as Escolas
Isoladas e as Escolas Reunidas foram a solução para minimizar os efeitos da falta de
escolas, particularmente nas cidades menores e sítios isolados da zona rural do Estado.
Mal aprendiam a ler e escrever, as meninas já se tornavam professoras de seus irmãos e
irmãs. Iam se formando no exercício da profissão e se configurando como professora
leiga, ou seja, aquelas que aprendiam no próprio fazer docente, sem nunca frequentar
uma instituição de formação para esta prática profissional.
Foi o caso de Nathercia Cunha de Morais, que iniciou a dar aulas no final século
XIX em Jardim do Seridó. Ao ler os depoimentos das professoras transcritos pela
pesquisadora, tem-se de imediato a noção de como se compreendia a educação e o papel
das professoras nas comunidades configuradas. Estas narrativas trazem em si o contexto
social, os modos de ser e de viver das mulheres no fim do século XIX.
Nathercia Morais atribui a si a invenção da palmatória na cidade e conta como
“expulsava” os alunos que não queriam estudar fora da sala de aula. “Botei ele pra fora
e disse: você vá embora e não volte mais. Eu sou a dona da escola, sou quem mando”.
(MORAIS, 2004, p.86). A professora Nathercia iniciou suas atividades docentes em
1912 e se aposentou em 1967; casou-se em 1917 e teve dezoito filhos. Como a
remuneração de professora particular não era suficiente, ela ainda costurava pra fora
para ajudar ao marido.
Uma geração de professoras que fizeram a educação das primeiras décadas do
século XX traz, no conjunto das histórias contadas, perfis de professoras e uma
representação da docência norte-rio-grandense. Além de Myrtilla Lobo e Nathercia
Morais, temos Floripes Medeiros e Maria Calixto como parte deste conjunto de que
falávamos acima.
A professora Floripes Medeiros nasceu em 1919 e Maria Calixto em 1920, ambas
na região do Seridó norte-rio-grandense. Enquanto Floripes Medeiros carrega o mérito
da professora valente, mas que ensinava de verdade, Maria Calixto tem da população o
atributo de santa, por ser católica fervorosa e lidar pacientemente com os problemas da
vida. “A pessoa tem que sofrer pra ser feliz” (MORAIS, 2004, p. 109).
Ambas não saíram do ensino elementar, estudando apenas até o quarto ano
primário. Floripes casou-se e constituiu família. Maria Calixto mora com um irmão
deficiente mental que ela chama “o penitente”. Ambas ensinavam o catecismo como
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parte do conteúdo oficial de suas aulas. Estes aspectos religiosos não eram apenas parte
de sua vida social ou uma re-ligação com o divino, como sugere o termo. Comportam
aspectos da relação social, de gênero e de poder estabelecida nos contextos pesquisados.
Floripes diz que

Chico Quinino era primo legítimo de papai. Fundou a cidade e era


proprietário. Quando indicou meu nome pra ser professora,
determinou logo que eu tinha que também tirar o terço [...] eu
ensinava catecismo, a rezar e a dar a lição.Eu aprendia logo. Mas o
importante não era apenas saber, era ter autoridade. Minha felicidade
era Chico Quinino. Ele tinha moral. Mas aluno tinha medo do
professor, respeitava (MORAIS, 2004, p.97).

Se as normalistas de Natal aprendiam em seus cursos de formação o rigor e o


controle de sala de aula como recurso didático às suas praticas, estas professoras
aprendiam com suas antecessoras (talvez leigas como elas) que o saber e a dor
caminhavam juntos na trilha do conhecimento. Uma característica dessas professoras do
sertão, privilegiadas por Morais (2004), era este rigor por meio de punições físicas
caracterizadas, entre outras coisas, pelo uso da palmatória, mas também pelo castigo e
mesmo pela supressão da liberdade de ir e vir.
Galvão (1998) aborda estes aspectos acontecendo na escola primária paraibana
indicando ser uma característica da escola da transição do século XIX para o XX a
convivência com práticas educativas já abolidas pelos compêndios e legislações
educacionais. “Professor bom era o que tinha moral. Os pais achavam bom” (MORAIS,
2004, p.99).
Floripes Medeiros tinha o prestígio e o reconhecimento da comunidade paroquial.
E ela assume que este lhe é devido por ter dedicado toda a sua vida à Igreja. Também o
devotamento que dirigiu para a escola mereceu o reconhecimento da população que a
elegeu a Educadora do Século em sua cidade, Ipueira/RN. Curiosamente, apesar de ser
casada e ter filhos, a família não é evocada como espaço de dedicação, nem de
reconhecimento. Este espaço é privilegiado por Maria Calixto.

Não morei em colégio de freira porque não quis ir [...] Apareceu


casamento, convite pra ir pra colégio de freira, passou um missionário
que queria me levar, mas eu não fui não. Eu tinha minha família pra
cuidar (MORAIS, 2004, p.106).
69

Ela começou seu trabalho em escolas como merendeira da Escola Dom Delgado.
Sua memória não alcança o ano em que isto aconteceu e para nós esta data ficou perdida
nas brumas do relato lacunar de uma memória octogenária. Considerando o período em
que nasceu, vamos pensar nesta atuação ocorrendo no início da década de 1940. Longe
dos oitocentos, mas ainda muito perto de alguns dos seus conceitos.
Ela conta que, certa vez em que o lanche a ser servido era rapadura, haviam se
formado duas filas: uma para meninos e outra para meninas. Uma menina tirou uma
bandinha da rapadura e ela a repreendeu duramente porque a regra era dar primeiro aos
meninos. A menina retrucou que estava com fome e por isso havia pegado o doce. Ela
ficou com pena da menina e não brigou mais. Mas era algo que não saía da lembrança o
fato dela ter repreendido a menina. No relato não é possível perceber por que o evento
marcara sua memória. Indica, no entanto, uma tendência feminina a priorizar o cuidado
com o masculino neste período. As razões para isto talvez estivessem em um discurso
maternal ou simplesmente uma categorização que supunha ser o sexo forte o primeiro
em qualquer ambiente e por qualquer coisa, ainda que fosse um pedaço de rapadura. A
segurança traduzida em confiança e depositada nos homens atravessa o século e
encontra Floripes Medeiros votando em um candidato homem porque ela não confia nas
mulheres para cargos políticos. Se tivermos como referência suas próprias existências,
elas são confiáveis apenas em assuntos de família, de igreja e de escola.
A conduta social era tão ou mais importante que o saber do conteúdo programado.
“O que contava no perfil da professora, além do conjunto de saberes que ela devia
dominar (matemática, leitura, escrita), era a decência, a moral, a fidelidade aos
costumes e à boa educação, as normas, regras e rituais da sociedade e da Igreja
Católica” (MORAIS, 2004, p.134).
As condutas no interior do Estado se repetiam na capital, como na atuação da
professora Leonor Barbosa de França. Esta mulher associou ao seu ofício de professora
o de mãe-esposa. Mais do que isto: o casamento lhe proporcionou a entrada no
magistério e este lhe deu o suporte financeiro para o sustento da família.
Leonor Barbosa de França nasceu em Natal em 1900, casou com o primeiro
marido, em 1919; tornou-se professora na Escola Isolada, em Ponta Negra, assumindo a
cadeira do marido quando este estava debilitado e não conseguia ministrar as aulas.
Com essa formação, conquistou a vaga de professora leiga na Escola Municipal
Rudimentar, depois na Escola Rudimentar Estadual. Em 1923 assumiu a Cadeira de
Ensino Misto da Escola Municipal Rudimentar e em 1932 assumiu como professora da
70

Escola Rudimentar Estadual (Escola Isolada Jerônimo de Albuquerque). Casou com o


segundo marido em1933 – três anos após a morte do primeiro marido -, aposentou-se
em 1946 e faleceu cercada de filhos e netos, em 1975.
A identidade nominal da professora vai se transmutando também pela relação
doméstica e o nome paterno substituído pelo conjugal. Sua vida, como seu nome,
transmuta-se na relação com o gênero oposto. Nasceu Leonor Alves. Como era órfã, foi
adotada por irmãs de caridade. Com as Irmãs Dorotéias, no Colégio Imaculada
Conceição, aprendeu a ler e a escrever, as prendas domésticas, bordados, costuras,
atividades da catequese e dedicação à liturgia. Estes traços religiosos vão compor esta
educadora por toda sua vida.
Agregou Barbosa ao nome através do casamento com o primeiro marido. Com o
segundo casamento, tornou-se a professora Leonor Barbosa de França, como ficou
conhecida entre seus contemporâneos. De Leonor Alves a Leonor Barbosa de França, a
trajetória dessa mulher se fez na confluência que moldara seu ser mãe-esposa e
professora.
Estava sempre lendo. Suas ex-alunas lembram que, quando chegavam para a aula
particular, ela estava lendo um livro ou o jornal da missa. Entre os títulos do seu acervo,
estavam a Seleta de Autores Modernos, o Livro de Leitura de Felisberto de Carvalho e
romances como Direito de Nascer, do cubano Félix Caignet, o preferido segundo as
netas (SILVA, 2004, p.41).
As leituras dessas mulheres diziam muito das suas formas de apreensão. Se
considerarmos essas práticas de leitura como práticas educativas por excelência e essa
educação literária como um meio difusor de valores, compreendemos o modo como
essas mulheres concebiam o seu entorno e, por serem educadoras, o reproduziam a
outros de sua espécie. O texto literário, particularmente, assumia neste contexto um
caráter prescritivo e muitas obras literárias funcionavam como livros de leitura ou
literatura didática, na fala de Barreto16 (1915). Objetivavam a formação do caráter, tais
como Coração de Amicis (1949) ou Através do Brasil, de Bilac e Bonfim (2000). Os
livros de leitura de Carvalho (1934a) ou a coletânea de Barreto (1915) traziam uma
seleção de textos literários que acabavam por ter dupla função; ao mesmo tempo em que

16
Arnaldo de Oliveira Barreto nasceu em Campinas em 1869 e morreu em São Paulo em 1925. Foi
redator da Revista de Ensino em 1902 e autor de obras pedagógicas como Cartilha Analytica, publicada
em 1909. Foi professor em São Paulo, entre os anos de 1892 e 1914 e diretor da Escola Normal da Praça
da República entre 1924 e 1925. De 1915 a 1925 organizou a Coleção Biblioteca Infantil, da Companhia
Melhoramentos de São Paulo (BERNARDES, 2008).
71

treinavam a mente para a decodificação do texto escrito, pululavam de ensinamentos


sobre civilização, hábitos modernos e valores pátrios.
A professora Isabel Urbana de Albuquerque Gondim percebia como essas práticas
de leitura influenciavam os modos de vida das mulheres. Talvez por ter sido uma leitora
proficiente ou talvez por ter sido uma professora atenta. As leituras femininas eram por
isso objeto de preocupação desta professora. Professora e literata ela era ciente da força
educacional desse meio. No seu entendimento, a leitura de bons livros era essencial e
os romances realistas figuravam como um deturpador de caráter para futuras mães de
família. Esta educadora nasceu em 1839, na Vila Imperial de Papari. Hoje este vilarejo
transformou-se no município de Nísia Floresta e fica a 33 quilômetros da capital do
Estado. Permaneceu solteira cuidando da família, ensinando e escrevendo. Iniciou sua
carreira docente em 1866, ao assumir a cadeira de ensino primário feminino no bairro
da Ribeira (MORAIS, 2003b). Aposentou-se após 33 anos nesta mesma cadeira, em
1890.
Tomando a si o encargo de ajudar a família, a professora Isabel Gondim
costurava peças exclusivamente para a Capitania dos Portos, para ampliar os recursos de
suporte financeiro necessário. A situação financeira pessoal se tornou mais confortável
quando, a partir de sua aposentadoria, pôde se dedicar a corrigir e publicar seus livros,
ampliando seu pecúlio. Declarava pertencer à Igreja Católica Apostólica Romana. Mas
Morais (2003b, p. 37) percebe, a partir das fontes analisadas, uma compreensão de
mundo para além dos princípios meramente religiosos; uma formação calcada na ética e
no culto da justiça; uma mulher preocupada com a família, os valores pátrios e o
conhecimento.
Em 18 de março de 1898 escreve ao redator do Jornal A República para corrigir a
omissão da fonte utilizada por Zepherino Arruda para descrever a derrocada da Bastilha,
na Revolução Francesa. O autor agradece em nota “a esmola do quinau”, prometendo
“com a mais sincera das contrições, não mais cair em semelhante pecado de lesa-
história francesa”. Já aposentada, suas preocupações educativas se manifestam através
dos tipos da folha de jornal.
O perfil da professora trazida por Morais (2003b, p.45) a caracteriza como uma
mulher que “escreveu até morrer, impassível, superior, fidalga, desdenhosa dos gabos,
dos afagos e dos amavios” (MORAISb, 2003, p.45). Não casou e não teve filhos seus.
Mas era reconhecidamente mãe no sentido que lhe atribui a sociedade, no cuidado, no
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aconselhamento, no suporte financeiro e intelectual aos irmãos menores, sobrinhos e


sobrinhos-netos.
As teorias oitocentistas, particularmente o evolucionismo e o positivismo,
apontam para a fragilidade feminina e a predestinação da mulher para a maternidade.
Isabel Gondim, uma mulher do seu tempo, escreve o poema A mulher, sua desdita e
referenda este papel. Alguns versos:

Contra o nosso infortúnio nada intento,


Curvado lhe serei o frágil peito,
Embora do martírio o duro efeito
Da própria vida faça meu tormento.

Muito pouco se pede à divindade


Mas para ele em graças tudo dera
Essa infeliz porção de humanidade (GONDIM apud MORAIS, 2003b,
p.56).

Os padrões morais por ela eleitos reserva à mulher o papel de coadjuvante, cuja
participação deve priorizar uma conduta social recatada. Dentro dessa linha de recato e
rigor, aconselha as mulheres através de sua obra a um comportamento moderado e
modesto, conforme ela conduz sua própria vida. Este modo de ser mulher está presente
no manual de conduta Reflexões às minhas alunas (1910). Publicado em 1874 este livro
foi destinado à instrução feminina na Província do Rio Grande do Norte. Teve mais
duas edições – 1879 e 1910 – e, com a segunda edição, teve uma tiragem de cinco mil
exemplares (MORAIS, 2003b, p.75). Se a conduta social era tão importante nesta
configuração, este manual conduzia as mulheres por essas sendas desde a infância até a
vida adulta.
Ciente do efeito educacional que tinham os meios impressos, parece ser também o
caso de Palmyra Wanderley. Sem formação pedagógica e mesmo quase nenhuma
experiência na docência de crianças ou jovens, seus textos apresentam aspectos
prescritivos, próprios da intenção educacional. Como jornalista, Palmyra Wanderley
também ofereceu a esta cidade contribuições à educação feminina. Talvez por ter tido
acesso à educação e talvez por perceber desde cedo o quanto pudesse se informar,
alimentar um ideal, legitimar formas, modelar pensamentos e, mesmo, assumir e
provocar novas posturas em um século que se iniciava. Sua família, reconhecidamente
de intelectuais atuantes no Estado com figuras como Sandoval Wanderley ou
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Sinhazinha Wanderley, eram nomes presentes na literatura, teatro e educação escolar


potiguar. As experiências de professoras como Dolores Cavalcanti e Adelle de Oliveira
(BARBOSA, 1999) e seus respectivos jornais manuscritos A Esperança e O Sonho
permitiram a jovem Palmyra advogar para si a constituição da primeira revista feminina
natalense. A Via-láctea iniciou em 1914, tendo o seu primeiro número em outubro deste
ano. A edição fac similar de Duarte e Macedo (2003) nos dá a conhecer os oito números
da revista que circulou até junho de 1915.
Palmyra Wanderley era uma dessas mulheres que, mesmo não exercendo a
docência, contribuiu através de seus escritos jornalísticos como educadora em Natal. “A
imprensa constitui um canal facilitador de comunicação e é através dela que os
moradores de Natal têm acesso às expectativas de transformações que a chegada do
novo século vinha provocando” (CARVALHO, 2004, p.20).
O caráter educativo dos seus textos pode ser percebido na revista Via Láctea. Sob
o pseudônimo de Ângela Marialva, Palmyra revela às suas leitoras, de modo singular e
crítico, a leitura que fez de um autor português sobre a educação da mulher. No intento
de resolver os problemas da educação voltada às moças casadoiras, prescreve, em março
de 1915:

Para a educação moral, uma escola verdadeira: o cristianismo. Para a


educação doméstica, as escolas de donas de casa, as escolas de noivas
– no dizer poético. Estas escolas influem de tal modo sobre a
sociedade que um inspetor belga dizia à Sra. Condessa de Diesbach
“pretendemos resolver o problema social por meio da mulher feita
verdadeira mãe de família”, confiando nas 300 escolas que lá havia
(DUARTE; MACÊDO, 2003).

O texto prescritivo e o tom de ensinamento do artigo sugerem um modo de fazer


educativo através da imprensa jornalística. Ao mesmo tempo sugerem uma
representação feminina – a verdadeira mãe de família – e um modelo de educação para
elas – a mulher feita nas escolas de dona de casa - através da qual iriam resolver o
problema social. O problema social belga não nos cabe aqui analisar. Mas o problema
social brasileiro, no momento histórico a que nos dedicamos neste trabalho, para estas
pessoas aqui configuradas era a organização de uma nação ordenada, moderna e
civilizada. Elementos que serviriam ao progresso e desenvolvimento nacional.
O sobrinho de Palmyra faz uma descrição de sua tia. A memória de Jayme
Carmelo é atraída para uma figura baixinha, gorda, “loira, cabelos encaracolados, olhos
74

muito azuis, pele muito branca e de face corada.” Era reservada, muito sofisticada e
nunca falava dela mesma ou demonstrava sentimentos. Fatos que ele atribui a um hábito
de família. Ressalta ainda que, embora devota a Deus, não era carola. Ela mesma o diz
numa das edições da Via Láctea que não fazia parte de nenhuma dessas organizações
pias, mas que contribuía sempre e com o que podia para a obra dos desvalidos
(CARVALHO, 2004).
Estas organizações eram muito comuns. Segundo Lima (1937), uma característica
entre as mulheres de sociedade era cuidar dessas instituições e as atividades que elas
desenvolviam. Os indícios dessas associações estão noticiados no jornal A República,
desde chás beneficentes às comissões para ajuda aos necessitados, organização de festas
de padroeira, beneficentes e novenários a santos de devoção.
Deste mesmo quadro de beneficiárias para a Igreja Católica participava
Magdalena Antunes. Talvez sua percepção quanto ao caráter educativo de seus escritos
não fosse tão intencionais como os de Isabel Gondim ou Palmyra Wanderley, mas ainda
assim é possível perceber como os escritos ressoavam nelas próprias e em suas
contemporâneas.
Sobre Magdalena, sua neta, Lucia Helena Pereira, diz como esta se configurou em
presença marcante na família.

Era meiga e educada, um tanto conventual em suas atitudes – sempre


preservando o culto religioso com as missas domingueiras e a
fervorosa fé em sua protetora, N. Sra. Da Conceição. Manteve-se
lúcida e forte até o fim, conservando peculiar serenidade. Era
inteligente e leitora assídua de autores diversos, chamando a atenção
de todos como a figura estóica, comovente e resignada a uma cadeira
de rodas, decorrente da amputação de sua perna esquerda, acometida
de trombose (ANTUNES, 2003, p. 16).

No espaço público era vista por figuras como Câmara Cascudo, no final da década
de 1950, como mãe e avó, cuja existência evocava a vida doce e tranquila da sinhá moça
do início do século XX. “Criada em engenho de açúcar, com mãe preta, educada em
colégios do Recife, plantando sua casa nos ritos da aristocracia rural do Ceará - Mirim”.
Uma senhora afeita aos trabalhos domésticos, carregando em si a formação básica das
sinhás moças de outrora, quituteiras inigualáveis, fazedoras de bolo, de renda de
almofada de crivo. O romance memorialista desta escritora é tratado pelo seu sobrinho,
Nilo Pereira como uma
75

obra erguida pelo coração e pela inteligência” em carta dirigida a tia


em 1947 classificando-a como cronista da civilização rural do Ceará -
Mirim. Da Embaixada Brasileira no Uruguai, Iolanda Gama classifica
Oiteiro como “uma obra educacional e profundamente humana
(ANTUNES, 2003, p.19-26).

Estas representações da escritora no final de sua vida, já senhora idosa e longe do


engenho e da cidade que a formou, nos remete a buscar esta sinhá moça de que fala
Cascudo e, por meio dessas memórias, encontrarmos este modelo feminino no final do
século XIX em Ceará-Mirim.
Menina de engenho, Maria Magdalena Antunes Pereira pertencia a uma família de
prestígio. Era filha do coronel José Antunes de Oliveira e Joana Soares Antunes de
Oliveira. Dizia-se estouvada e pouco afeita ao estudo durante a meninice. Com
dificuldade avançou pelos Livros de leitura escolares. Sua primeira escola foi a casa
paterna. O pai era o professor, o tutor, o preceptor moral. Sobre ela, seu pai dizia ser
“ardilosa” no trato com as obrigações escolares e que estava sempre a criar estratagemas
para não fazer os exercícios escolares e não estudar.
Foi condenada, em suas próprias palavras, em 1891, a entrar para um colégio. O
martírio inicial foi sendo substituído pelo sabor das descobertas, como a biblioteca da
escola. Três anos de reclusão e o pai a mandara buscar, junto com os irmãos menores,
todos internos de escolas do Recife, para passar as férias em casa. Numa conversa com
o pai sobre os sacrifícios por ele e sua mãe engendrados para oferecer aos filhos uma
educação esmerada, chega à compreensão de que “a instrução é precioso combustível
que penosamente angariamos para trazer sempre crepitante a fogueira do espírito”
(ANTUNES, 2003, p.188). O pai é a figura central na narrativa de Magdalena Antunes
e, em seu regresso à escola, toma a atitude de uma aluna compenetrada com suas
obrigações escolares.
Seu livro de memórias Oiteiro (ANTUNES, 2003) descreve seu período como
escolar. Sendo um livro memorialista, as lembranças de Magdalena nos levam à
educação do final do século e traduz o universo da educação feminina naquele período.
Foi educada em colégio religioso, o Colégio São José em Recife. Esta escola se
destinava à educação moral, física e intelectual de crianças do sexo feminino
(NOGUEIRA, 1999). Era da mesma congregação que o Colégio Imaculada Conceição
em Natal, fundado em 1902, que abrigou outra de nossas perfiladas, a professora Júlia
Medeiros.
76

O Colégio São José foi fundado em 1866, pela Congregação de Santa Dorotéia,
destinado a educação de mulheres no Brasil. Foi fundado pela Irmã Paula Frassineti,
uma missionária italiana, hoje Santa da Igreja Católica. Funcionava em um prédio do
bairro da Soledade, em Recife/PE, e estava relacionado ao esforço missionário de várias
congregações e ordens religiosas de difundir o ideal mariano pela América (HISTÓRIA,
2008).

A educação feminina, de marcada influência católica, processava-se


principalmente nos colégios e internatos religiosos reservados as filhas
das camadas privilegiadas. O pensamento conservador da Igreja
Católica conseguia opor obstáculos à educação e profissionalização
das mulheres, sob o argumento da necessidade de preservá-las
moralmente e mantê-las ao abrigo dos desvios de condutas que o
excesso de instrução poderia possibilitar (ALMEIDA, 1999, p.120).

Permaneceu estudante neste colégio até 1896, “levando a alma impregnada


daquela fé que me tem feito forte diante da adversidade, que só se consegue pelos
princípios da moral cristã e católica” (ANTUNES, 2003, p. 244). O livro de memórias
de Magdalena Antunes nos permitiu conhecer o cotidiano e a educação de uma mulher
do final do século.
Magdalena não foi professora. Teve a existência de uma sinhazinha educada para
tanto. Pouco saiu da categoria mãe-esposa. Oiteiro revela uma mulher feliz com suas
não-escolhas, afinal, dedicada às atividades da Igreja e participando da vida pública no
possível que lhe era acessível fazer.
Termina seu relato relembrando os artigos escritos nos jornais femininos de
Adelle de Oliveira, O sonho, e de Dolores Cavalcanti e Isaura Carrilho, A Esperança.
Imputa este traço da sua biografia a irmã Etelvina, sendo “ela a Vitória-Régia e eu, a
flor do vale sem perfume” (ANTUNES, 2003, p.328). Sua relação com a Igreja, seus
cultos e figuras sagradas são percebidas ainda menina, no final do século XIX, em 1887.
77

Eu fazia 7 anos de idade. Logo pela manhã as camponesas


mimosearam-me com flores que eu pus no altar de Nossa Senhora,
improvisado no alpendre de nossa velha casa de campo, de biqueiras
e janelões envidraçados. Mãos piedosas adornavam de leques de
palmeira e ramos verdes de estefanotes brancos, as paredes da
capelinha rústica, em honra do santo mês mariano. As crianças, à
hora do terço, levavam arcos de boninas enfiados em palitos de
coqueiro. As camponesas sorriam para Nossa Senhora, ela sorria para
as camponesas (ANTUNES, 2003, p. 30).

Esta relação continua pela vida toda e no seu relato ela deixa perceber que tinha o
desejo de se tornar religiosa católica. Aos dezesseis anos, ainda no Colégio São José,
entrou para a Congregação Mariana Filhas de Maria. Sobre essa entrada recebeu uma
carta de uma antiga mestra, Madre Portugal:

Ser Filha de Maria não é só uma divisa, é também uma predestinação.


Quantas jovens hei visto, no meu longo tirocínio de educadora, bem
comportadas, espírito religioso e que tentaram em vão merecer
tamanha graça? Apareciam diversos obstáculos, contanto que não
realizassem aquilo que você tão suavemente talvez tenha conquistado
(ANTUNES, 2003, p.241).

Uma de suas amigas de colégio, a quem ela se refere sempre com afeição, tornou-
se religiosa na Congregação de Santa Dorotéia. As escolas religiosas cumpriam seu
papel: formavam meninos e meninas para o sacerdócio, dentro e fora de suas ordens
religiosas.
As histórias dessas mulheres, os perfis que seus pesquisadores trazem, a
configuração em que viveram provocaram reflexões sobre seus modos de ser e de fazer
como educadoras no Rio Grande do Norte. Mesmo aquelas que não tiveram uma
instrução religiosa católica formal, como as que estudaram em escolas católicas ou
evangélicas, tinham sua orientação religiosa vinda de outra instituição: a Igreja. A “uma
escola verdadeira: o cristianismo” para a educação moral, retomando aqui a fala de
Ângela Marialva ou Palmyra Wanderley.
E esta Igreja cristã era, em sua maioria, de orientação Católica Apóstolica
Romana. Fomentadora de normas, hábitos e valores, ditava, particularmente nas cidades
pequenas, o teor instrutivo (e prescritivo) das escolas. E quem não se adequasse não
encontraria nela lugar, como no caso da professora Myrtila Lobo, vítima da
78

animosidade da cidade de São João do Sabugi, por ser protestante. De acordo com o
padre local, como ela não ministrava aulas de catecismo, qualquer um que a recebesse
estaria vivendo em pecado. No entanto, ela não o sabia, porque nunca havia estudado
em escola religiosa e nem seguia a doutrina católica. Ensinar o catecismo era premissa
para todas as professoras poderem lecionar, mesmo sendo o Estado laico e republicano.
Não bastava ser cristã, tinha que ser católica para corresponder ao perfil estabelecido
para uma educadora naquele momento histórico.
Dolores, Guiomar, Nathercia, Floripes e tantas outras difundiam os valores
republicanos e católicos apostólicos romanos em instituições educacionais, como as
escolas femininas, a imprensa ou a Igreja. Nos jornais e revistas femininos, manuscritos
ou não, as poesias e os artigos de jornal educavam outras mulheres no sentido de
ampliar seu universo intelectual e suas funções nesta sociedade.
Fazendo uma leitura dos perfis das educadoras, encontramos a tradição católica
como uma marca constante à vida pessoal das mulheres privilegiadas neste capitulo. À
exceção de Myrtilla Lobo, que era protestante, e de Guiomar, que estudou em uma
escola evangélica, todas tiveram uma formação doutrinária católica. Ainda assim, todas
assumiam o ideal de mulher cristã, católica ou não.
A submissão à doutrina religiosa, representada principalmente pela Igreja
Católica, e a figura da Virgem Maria, ressaltada e tomada como exemplo, instalou o
mito da mãe que redimia e perdoava. A mulher redentora, possuidora de pureza e
espírito de sacrifício, isenta de qualquer pecado (ALMEIDA, 1998, p.118). Maria, mãe
de Jesus, é exemplo de uma grande mulher. Ela se dispôs a dar de si mesma para servir
humildemente a Deus. De acordo com o Evangelho de Mateus, Maria recebeu a visita
de um anjo portador de uma mensagem divina. Esta mensagem enviada pelo Deus de
Abraão anunciava que ela seria a mãe do filho deste Deus.

Maria perguntou ao anjo: “Como se fará isso, pois não conheço


homem?” Respondeu-lhe o anjo: “O Espírito Santo descerá sobre ti e
a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso o ente
santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus. Também Isabel,
tua parenta, até ela concebeu um filho na sua velhice; e já está no
sexto mês aquela que é tida estéril: porque a Deus nenhuma coisa é
impossível .” Então disse Maria: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se
em mim segundo a tua palavra.” E o anjo afastou-se dela (BÍBLIA,
1999, p.1.344).
79

O caráter servil de Maria é respaldado por outros atributos na relação com as


outras imagens femininas, se não mais fortes que a mãe de Jesus Cristo, tão eloqüentes
na sua forma de representação como nas atitudes sobre elas narradas. A funcionalidade
feminina no texto católico17 também incluía o cuidado do marido e do lar, na figura dos
filhos ou da descendência do marido.
Os exemplos femininos católicos – como Sarah ou Esther18 – ganham força a
partir do século XIV, com os cultos a Maria. A necessidade de se vincular o elemento
feminino à Trindade Cristã católica eleva Maria à condição de mãe do Deus católico e
mediadora entre o pai e o filho. Mais uma virtude e uma função feminina foram
agregadas às atividades feminis.
O culto mariano demandou, no curso do século XIX, uma série de ordens
religiosas com esta base mítico-feminina, em instituições educativas que cumpriam a
dupla função de instruir e difundir este ideal religioso. O modelo mariano ganhou força
no Brasil, a partir dessa educação marista na confluência de uma renovação da fé
católica e das sucessivas visões de Nossa Senhora por diversos devotos no curso do
século XIX.
Nesta perspectiva é que os Irmãos Maristas, as Irmãs Dorotéias e as Irmãs
Salesianas criam Institutos de Educação voltados à educação de meninas e meninos pelo
mundo. No Brasil, essas instituições educacionais chegam como o Colégio São José em
Recife/PE, ligado às Irmãs Dorotéias, em 1866, e como o Instituto Marista, ligado aos
Irmãos Maristas, em 1897 na cidade de Congonhas do Campo/MG.
As Irmãs Dorotéias, por meio do Colégio Imaculada Conceição de Natal, fundado
em 1902, dedicavam-se a cuidar da educação das meninas norte-riograndenses na
cidade de Natal, enquanto os Maristas, voltando-se à educação de meninos, iniciam suas
atividades na cidade em Natal, apenas em 1930, ao assumir o comando do Colégio
Santo Antônio, depois de estar presente em praticamente todas as cidades do nordeste
brasileiro (NUNES, 2006, p. 121).
A Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora ou Salesianas de Dom Bosco
chegaram ao Brasil em 1892. Vieram da Itália para São Paulo, com o objetivo de iniciar
uma obra educativo-religiosa no país. Além do Ensino Elementar e Secundário, também
ofereciam o Ensino Normal. Natal passa a fazer parte do quadro da Congregação

17
As relações religiosas serão feitas sempre a partir do texto sagrado da Igreja Católica Apostólica
Romana por entender que as educadoras aqui elencadas seguiam estes preceitos, freqüentavam as missas
dominicais católicas e ensinavam o catecismo a partir desta doutrina.
18
Sobre as histórias dessas mulheres conferir Aviner (2004).
80

somente a partir de 1951, com a inauguração do Instituto Maria Auxiliadora destinado à


educação das meninas (SANTOS, 2006).
A orientação dessa educação cumpria a expectativa para mulheres no fim do
século XIX: formação de mulheres para o lar e a vida cristã. Se o projeto educativo
partia do lema “Formação de bons cristãos e de honestos cidadãos”, inspirados no
projeto dos irmãos maristas. O fundamento desse modelo educacional também se
organizava a partir do símbolo mariano. Por isso, as meninas eram estimuladas a ser
como a mãe de Jesus, exemplo de simplicidade, discrição e pureza.
Esses atributos, associados unicamente às mulheres, tornaram-se expressão de
possibilidade civilizatória e educativa, tanto a partir da família como da escola. Fraisse e
Perrot (1998, p.12) percebem esse processo como sendo forjado na transmutação da
mãe preceptora para a preceptora mãe. Se concordarmos com essa hipótese, estaremos
invalidando uma na criação da outra, quando o que este trabalho procura demonstrar é
que estes dois modelos, tendo o cuidado maternal como base, combinam no público e
no privado a educação ofertada a meninos e meninas no final do século XIX. Portanto, o
que as pesquisas referenciadas nos dão a conhecer é um perfil feminino que se orientava
por duas representações: uma que era a mãe-educadora e a outra que era a educadora-
mãe. Por vezes, essas facetas se entrelaçavam com professoras que também assumiam
este ser mãe-esposa e por vezes estavam atuando apenas em uma das frentes de
trabalho. De um modo ou de outro, estavam cuidando maternalmente dos futuros
republicanos.
Os preceitos cristãos tornavam claro o papel da mulher na família e na sociedade.
E estavam presentes em todos os meios de educação deste período: na igreja, na escola,
nos jornais, no lar. No modelo inglês, a expectativa de uma sociedade justa estar inscrita
nos textos sagrados e no modelo americano assume uma relação entre o público e o
religioso (NUNES, 2006). E este último parece ser o modelo assumido pelas
instituições educativas no Rio Grande do Norte.
Segundo esse principio filosófico, as mulheres assumem para si atributos como
ternura, docilidade, sacrifício e abnegação como próprios (e apropriados) à conduta
social da mulher (NUNES, 2006, p. 64). A confluência entre a constituição do ser
mulher educadora de futuros cidadãos encontra uma relação direta com um perfil
feminino que correspondia a este modelo mítico-religioso presente no cotidiano das
mulheres norte-rio-grandenses. No caso da educação e da docência, esse modelo ligava-
81

se à construção deste trabalho como sagrado, feminino, mediante um ideal mariano


defendido pela Igreja Católica.
As leituras que fizemos foram orientadas por uma pergunta: o que já se sabe sobre
essas mulheres professoras, esposas, mães, escritoras? Buscávamos perfis de educadoras
no Rio Grande do Norte. E identificamos mulheres que passaram uma vida dedicada à
Igreja e à educação, como Guiomar de Vasconcelos, Maria Calixto e Floripes Medeiros;
Júlia Medeiros e Dolores Cavalcanti associaram a isto as atividades jornalísticas, como
Palmyra Wanderley. Magdalena Antunes associou atividades jornalísticas e religiosas à
maternidade. Deixou ainda a sua vida em legado para que pudéssemos conhecer as
instituições que a forjaram. Outras como Myrtilla Lobo, Leonor de França e Nathercia
Morais associaram seu trabalho de educadoras na escola ao de educadoras do lar,
tornando-se, além de professoras, mães-esposas. Isabel Gondim dedicou-se à educação
na escola, na vida doméstica e na literatura. Deixou para a posteridade um manual de
conduta que nos permite perceber quais atributos femininos eram próprios e apropriados
às mulheres do final do século XIX.
O que estas pesquisas evidenciam é uma diversidade considerável de perfis para
as mulheres que educavam na transição do século XIX para o XX. Mas em todas elas,
há o traço religioso cristão, o culto à figura de Maria, o modelo mariano de virtude, a
moral católica e uma tendência a implantar estes princípios no seio das suas práticas
educativas. A relação entre a vida pessoal e o trabalho que desenvolviam é forte no
campo religioso, mas esse traço religioso, essa devoção a Maria ainda confluía para um
rumo: o cuidado materno com aquelas e aqueles que usufruíam de sua educação.
Este cuidado materno irá permear toda representação em torno do ensino escolar
como extensão do trabalho da mulher celibatária, ou não, fora do ambiente doméstico.
As virtudes feminis, a função divina da maternidade, os zelos da dona-de-casa seriam
institucionalizados em uma profissão que gradativamente se tornara feminina: a
profissão docente.
Estes perfis de educadoras – professoras, mães-esposas, jornalistas, escritoras –
indiciam mais do que ideais republicanos, de modernidade ou civilização. O fim do
século XIX, grávido de um modelo de virtude e moralidade trazia no seu cerne a
castidade de corpo e de alma, tal e qual Maria, mãe de Jesus. Como esses ideais
participavam da construção do projeto educacional republicano para a mulher do século
XX? Para responder a esta questão, enveredamos por sendas que permitam dizer que
projeto social era este na configuração que ora se apresenta.
82

Capítulo IV
República, Modernidade e Civilização em Natal

Você sabe melhor do que ninguém, sábio


Kublai, que jamais se deve confundir uma
cidade com o discurso que a descreve.
Contudo, existe uma ligação entre eles. A
mentira não está no discurso, mas nas coisas
(CALVINO, 1998, p. 61-62).

Ao entrar em Tamara, o viajante de Calvino percebe uma cidade carregada de


símbolos. “Os olhos não veem coisas, mas figuras de coisas que significam outras
coisas” (1998, p.17). Ou, ainda, a representação das maneiras pelas quais homens e
mulheres produzem e existenciam a vida cotidiana. Ao entrarmos na Natal do século
XIX, através de suas narrativas, dos seus discursos, percebemos o mesmo que o
personagem acima: nossos olhos não viam coisas, mas figurações e representações que
significavam outras coisas; coisas que queríamos conhecer, saber. E nos
perguntávamos: o que significavam, por exemplo, república, civilização e modernidade
para as mulheres e homens natalenses de fim de século?
Partimos da premissa de que um cadinho de ideias filosóficas organizava, no Rio
Grande do Norte e no Brasil, um projeto republicano para toda a sociedade brasileira.
Um projeto social que englobava as particularidades econômicas, culturais e de gênero
para as unidades federadas deste país, que se queria nação civilizada e moderna pela
educação. Como este projeto se organizava na cidade de Natal?
Entramos em Natal pelos olhos e discursos de intelectuais como Henrique
Castriciano ou Januário Cicco, que veem a cidade através de suas percepções de mundo.
Cicco (1920, p. 7), por exemplo, caracteriza Natal como “a cidade mais saudável do
Norte do Brasil”.

À margem do Oceano e cercada por montanhas de areia ou dunas,


cobertas de exuberante vegetação, é batida pelo vento éste-sueste
constante e moderado, trazendo à cidade as riquezas de um ar
marinho, leve, puro e tonificador. De clima temperado, a sua
temperatura não excede de 32° à sombra (CICCO, 1920, p.7).
83

A descrição feita por Cicco dimensiona a cidade no início do século XX, com os
bairros da Cidade Alta e da Ribeira como ponto de partida à expansão urbana da cidade.
A Ribeira era a cidade comercial. Separada dela por uma faixa alagadiça de terra de 400
metros, estava o bairro dos operários e pescadores. A Cidade Alta se estendia pela
Cidade Nova, que se desdobrava nos bairros de Tirol, Petrópolis e Alecrim. O bairro do
Alecrim se desdobrava em Boa Vista, Baixa da Beleza e Refoles. Este conjunto urbano
foi organizado com a Resolução n. 55, de 30 de dezembro de 1901, que criou o terceiro
bairro de Natal: Cidade Nova.
A ideia deste novo bairro, Cidade Nova, posta em execução no Governo Alberto
Maranhão (1900-1904), tinha sido idealizada ainda no Governo Pedro Velho (1892-
1896), mas não passou de um projeto (CASCUDO, 1999). Nossas análises nos
conduzem a pensar sobre os idealizadores deste bairro, suas características urbanísticas
ou o nome dado a ele. Dizem de gestores que deixavam a cidade antiga e toda a
representação que a palavra “antiga” trazia, como ultrapassado ou monárquico, para
apostar num futuro moderno e arrojado como as linhas que projetaram o novo bairro da
cidade.
Cidade Nova se expandia na direção leste da cidade, indo encontrar as dunas e o
Atlântico em ruas largas e projetadas. Era uma marca de modernidade na expansão
urbana de Natal. Partia da Rua Nova (hoje Av. Rio Branco) e ia até os arredores da
Praia do Meio. As medidas e todo o plano urbanístico apresentado na Resolução faziam
cumprir várias funções: um modelo de salubridade na estética urbana, um desenho
moderno e regular, o que sugeria ordenamento e civilidade, como também os anseios de
uma elite dominante que desejava exilar-se da parte antiga e insalubre da cidade.
O custo social das transformações da cidade é apresentado em reportagem do
Diário de Natal em 1904, em trecho transcrito por Ferreira (2008, p.65), sob o sugestivo
título “Cidade das Lágrimas”, parodiando o nome do novo bairro e caracterizando-o
como excludente e segregador nesse primeiro ciclo de reformas urbanas:

Estamos na pior fase desta maldita cidade das lágrimas, os últimos


pobres estão saindo a pulso, arrasando-lhes as suas casas, quintais,
fruteiras nos concerne a salubridade e a higiene, quanto aos aspectos
da estética urbana. As que as têm. Choram os míseros para morrer e
com seu pranto regam este bairro amaldiçoado que constituem as
delícias do grão senhor da terra (CIDADE..., apud FERREIRA, 2008,
p. 65)
84

De um lado e de outro os discursos favoreciam ou desfavoreciam as mudanças. A


República traz considerações sobre o novo bairro, atribuindo-lhe características como
salubridade e aspecto físico agradável.

Vê-se dessa resolução que o Governo Municipal compreendeu as


vantagens e o futuro grandioso da Cidade Nova, como o bairro desta
capital destinado a ser o núcleo da grande cidade que, neste século,
será Natal, talvez uma das maiores do Brasil, uma das cidades mais
importantes do mundo. Com efeito, a lei municipal tomou as
providências básicas da edificação urbana, providenciando sobre a
orientação das ruas, grande largura das avenidas e ruas transversais,
separação das casas, concessões de atoramentos, grande extensão das
praças (CIDADE NOVA, 1902).

O papel dos impressos, ou dos intelectuais através dessa imprensa nesse período,
foi relevante para a difusão dos novos modelos culturais do mundo: o intelectual era o
cosmopolita, circulando entre os lugares e as ideias novas, funcionando como um filtro
que capta as sensações e as retransmitem em seus escritos, formando (ou tentando
formar) uma opinião coletiva (TOURAINE, 1995).
Henrique Castriciano também colaborou para que nossos olhos pudessem ver os
natalenses nesta Natal figurada que se apresentava pelo discurso de Januario Cicco ou
dos jornais do período. O papel de Castriciano nessa configuração é este indicado por
Touraine: difusor do ideal moderno de sociedade do mundo para Natal. Sua crítica dos
costumes da cidade traça uma radiografia do modelo cultural de Natal no fim do século
XIX, destacando as características culturais dos natalenses.
Sob o pseudônimo de José Braz, Castriciano descreve Natal a partir do olhar de
um viajante imaginário. Na metáfora em que ele elabora, um viajante, ao chegar à barra
do rio Potengi, ver uma paisagem com dunas à distância, branqueando o horizonte com
o mangue emoldurando as laterais do rio. A partir do perfil dos edifícios distanciados de
si, ele constrói a visão de uma aldeia pitoresca, cheia de graça e movimento.
Mas, ao aportar na cidade, a imagem apreendida por este viajante imaginário se
desfaz. Andando pelas ruas encontrara armazéns antigos de aspecto sinistro e insalubre;
habitantes sonolentos, mal trajados, de aspecto doentio de quem “não tem dinheiro para
comprar tônicos”; senhoras recolhidas às casas sem poder emprestar à cidade a beleza
dos vestidos claros e de coloridos para-sóis seguros por delicadas mãos femininas. Esse
passeio pelas ruas da cidade apresentava ao viajante um
85

Povo sem comércio, sem arte, sem literatura e, por conseguinte, sem
intuição clara da vida moderna, a nossa existência parece a de um
corpo sem cabeça, sem capacidades volitivas, sem órgãos de
sentimento, sem vontade (BRAZ, 1903).

O texto deixa perceber que a crítica é sobre a ausência de um espírito moderno na


cidade. A falta desse espírito fazia existir algo semelhante a um corpo sem cabeça, pois
para José Braz ou Henrique Castriciano, uma existência sem arte, sem flores, sem
música, “estiola a alma e endurece o coração, amolecendo a vontade”. A vontade era a
de ser capital federada de uma nação em desenvolvimento, a exemplo de outras capitais,
como Porto Alegre no outro Rio Grande, o do sul.
Este modelo de cidade sã e bela, com suas instituições preocupadas com o aspecto
sanitário, o lazer, o acesso cultural, carregava em si a confluência simbólica dos
conceitos essenciais neste período: ordem, progresso, civilização e modernidade. E
mulheres cultas e educadas eram parte desse processo. Por isso critica, através de José
Braz, os modos de viver das mulheres natalenses.

As mulheres ficam em casa, algumas espreitando a vizinhança, muitas


nos pesados trabalhos do lar, todas entediadas, amolecidas pelo calor e
pela nevrose19, ansiosas pelo domingo, único dia em que têm
liberdade de sair e isto mesmo durante o tempo necessário para ouvir
missa, por que marido gosta de almoçar cedo e “papai briga se eu não
voltar logo” (BRAZ, s/ data).

Para este intelectual, a falta do gênero feminino no ambiente público, seus leques,
risos maliciosos e perfumes, candura alada e delicadeza inconsciente resulta na falta de
estética no meio natalense e na aversão às artes e normas de socialização. E sentencia:
“tais são os nossos costumes de povo que se presume civilizado”. O tom irônico dado
ao texto segreda em si a crença de que na mudança de mentalidade sobre a inserção
social da mulher estaria o elemento civilizador mais importante para a modernidade que
se almejava. Ao mesmo tempo em que busca esta modernidade, envida esforços no
sentido de fazer espelho aos seus leitores sobre como devem ser tais costumes
modernos.
O período entre a metade do século XIX até o início do século XX caracterizou-se
por mudanças econômicas, culturais e políticas engendradas pelo discurso da civilização

19
Nevrose significava
86

e da modernidade. Estas mudanças ocorreram em meio a ferramentas ideológicas que


concebiam o progresso como o vetor da história. Um vetor que apontava na direção de
novos sistemas de governo, novas formas de relações sociais e novos ambientes
culturais, a exemplo da imprensa e da escola. Estas novidades chegavam da França e de
Portugal e se manifestavam através da combinação de elementos importados nas ações
dos políticos imperiais.

Todas essas importações serviam à preocupação central que era a


organização do Estado em seus aspectos políticos, administrativo e
judicial. Tratava-se, antes de tudo, de garantir a sobrevivência da
unidade política do país, de organizar um governo que mantivesse a
união das províncias e a ordem social (CARVALHO, 2001, p.23).

Esta ordenação social passava também pela construção de uma identidade


nacional, vinculada à solução de problemas sociais específicos com a colonização, a
escravidão índia, a escravidão negra, a imigração. Situações correlatas que envolviam a
criação do Estado-Nação e desse ser brasileiro na confluência de uma mistura de raças,
culturas e modos de vida.
Em 1857 o romance O Guarani de Alencar (1980) trazia a relação entre uma
jovem branca e um chefe indígena, sugerindo uma identidade nacional através da
miscigenação a partir do colono português e do humano nativo, quando da descoberta
do Brasil pelos portugueses, em 1500. Este romance enfocava a miscigenação étnica e
cultural como um elemento para se buscar a identidade nacional. Estas misturas são
ampliadas no curso dos séculos posteriores com a inserção do escravo negro vindo da
África a partir de 1533 e dos imigrantes não-portugueses a partir de 1818.
Ainda que a escravidão tenha sido abolida um ano antes da Proclamação da
República, as demandas que motivaram a assinatura da Lei Áurea, em 1888, foram mais
de ordem pública – evitava-se a debandada em massa dos escravos das lavouras de café
– e econômica – atraía-se mão-de-obra livre e consumidora – do que social, ou seja,
mais preocupada com as relações de produção do que com a incorporação dessas etnias
ao Estado-Nação brasileiro. Esta reordenação ficou mesmo a cargo dos republicanos,
depois de 1889.

Substituir um governo e construir uma nação, esta era a tarefa que os


republicanos tinham de enfrentar. Eles a enfrentaram de maneira
diversificada, de acordo com a visão que cada grupo republicano tinha
da solução desejada (CARVALHO, 2001, p.24).
87

Três grupos se apresentavam: os proprietários rurais, os militares e um grupo que


reunia profissionais liberais, estudantes, jornalistas e pequenos proprietários. O modelo
positivista serviu aos interesses dos grupos no vértice de discussões sobre liberdade,
evolução social, ordem e progresso.
A República, em sua versão positivista, encontrou no Brasil um solo fértil. No
entanto, ser positivista no Brasil de fim de século era muito mais do que conhecer ou
aplicar a Lei dos Três Estados. Era ser um cientificista, era acreditar, como Comte20, que
as leis da ciência é que regiam o mundo e que as explicações espiritualistas eram parte
da infância da humanidade. A busca pela maturidade mental provocava a busca pela
maturidade política, econômica e tecnológica.
A lei de Três Estados evidenciada pelo sistema filosófico comteano previa a
superação da Monarquia, enquanto um sistema político relacionado à fase teológico-
militar, pela República, melhor encarnação da fase positiva de um projeto
governamental (CARVALHO, 2001). O progresso e o desenvolvimento da Nação são
atrelados ao sentido de república como a verdadeira democracia associada à idéia de
novo, moderno e civilizado.
O Império era visto, portanto, como algo carcomido e a ser ultrapassado. A visita
do Conde D’Eu a Natal, em agosto de 1889, é tratada de maneira jocosa pelos redatores
do jornal A República.

O Brasil está farto de governos paternais; está muito crescido para


andar de calças curtas de cortesão; já não brinca com bonecas: não
acha mais nenhuma graça, nem se deslumbra com os papos de tucano
(A REPÚBLICA, 1889).

A recepção ao conde D’Eu, segundo esse periódico, envidou muitos esforços do


Governo Provincial diante da indiferença da população, “afinal Sua Alteza não tem
culpa do detestável físico com que o castigou a natureza. O que repelimos é a sua
pretensão de ser o Imperador do Brasil” (A REPÚBLICA, 1889). Esse tipo de discurso
traduz a atmosfera do período. A poucos meses da Proclamação da República, a
movimentação e insatisfação nas hordas políticas republicanas prenunciavam as
modificações político-sociais que estavam por vir.

20
Seu sistema filosófico é publicado em 1822 na esteira de seu primeiro opúsculo Prospectos dos
trabalhos científicos necessários para reorganizar a sociedade. Aproximava-se, portanto, dos anseios
daqueles que estavam pretendendo reorganizar a sociedade brasileira no final do século XIX.
88

E as notícias que chegaram à Província do Rio Grande do Norte trouxeram a nova


configuração política aos natalenses pelas páginas dos jornais. A Proclamação da
República, pelas tropas de Deodoro da Fonseca em 15 de novembro de 1889,
possibilitou que as discussões e teorias sobre desenvolvimento, ordem e progresso
fossem traduzidas em uma nova legislação, tanto no âmbito nacional como local.
No Rio Grande do Norte, Pedro Velho assumiu o cargo de Presidente Aclamado,
nomeando de imediato uma Comissão Executiva pronta a pôr em funcionamento a nova
modalidade política e econômica. No entanto, a República Federativa do Brasil chega
em Natal, oficialmente, sob a administração do Dr. Adolpho Affonso da Silva Gordo,
Governador Provisório indicado pelo Governo Federal, vindo de São Paulo. Através do
Decreto n. 1, de 7 de dezembro de 1889, a Província adere à República Federativa
Brasileira “nos termos em que foi proclamada provisoriamente pelo Governo, no
Decreto n. 1 de 15 de novembro último” (1889-1895), tornando-se Unidade Federada
ou, ainda, Estado da Federação Brasileira.
Segundo Basbaum (1986, p.15), os primeiros cinco anos do novo regime são
extremamente intrincados e difíceis para o país. É um período de agitação permanente
em uma República que se fez pela imposição de um exército que nem republicano era.
Deposição de Presidentes aconteceram tão logo chegada a notícia por meio dos
telégrafos e autoempossamento daqueles que haviam liderado. Em suas províncias, o
movimento Republicano provocou uma alta rotatividade no executivo de todos os novos
municípios do país. “O Rio Grande do Sul bate todos os ‘records’ com dezenove
presidentes em três anos”. No Rio Grande do Norte foram sete governadores provisórios
e uma junta governativa, antes que Pedro Velho de Albuquerque Maranhão assumisse o
Governo do Estado, em 1892.
Nesse momento de efervescência política e consolidação de um modelo nascente
de sociedade, o jornal se caracterizava como fonte e veículo educativo que propagava
idéias e ideais, a partir de discursos que divulgavam o pensamento dos republicanos
baseando-se no tripé modernidade, ordem e progresso.
O jornal A República funcionava, nesta configuração, como um catalisador e
divulgador do Governo Republicano no Rio Grande do Norte. Com títulos fortes e
atuais como A força da civilização, esse periódico veiculava opiniões em torno do povo
brasileiro, revelando o espírito da época.
89

O espírito republicano, que é também o espírito da civilização, já


invadiu todos os diques da opinião pública, já se abrigou na maioria
generosa dos corações brasileiros, já avassalou todas as resistências
condenadas e inúteis e já assinalou uma era de civilização que vai
avante, levando enobrecidos seus adeptos e deixando esmagados no
mundo dos desenganos os mochos piadores e os cegos de espírito que
não podem fitar a luz que os afugenta (A FORÇA DA
CIVILIZAÇÃO, 1890).

Este espírito da civilização necessitava ser iluminado por leis específicas. E estas
leis precisavam estar ao alcance de todos para que a luz atingisse tanto aqueles que por
ela esperavam – abrindo caminhos – como os que dela fugiam – expulsando aqueles que
fossem contrários à nova ordem, como o Arraial de Canudos21.
Por este motivo, a Constituição do Governo Provisório é veiculada em
exemplares do jornal natalense A República a partir do dia primeiro de junho de 1890
até o dia doze de agosto do mesmo ano. Desta mesma forma são apresentados à
população o Projeto de Constituição do Rio Grande do Norte (A CONSTITUIÇÃO,
1890) e a Constituição Política do Estado do Rio Grande do Norte (1892), entre outros
documentos legais que orientam o Estado de Direito. O jornal se responsabilizava por se
constituir em um ambiente político e educativo que orientava o Estado.
Essa dimensão política e educativa do jornal encontra eco em proposições de
além-mar. O texto de Victor Hugo é publicado no jornal A República, na coluna Artes e
Letras, e indicia o sentido que a imprensa assumia para os seus colaboradores.

A imprensa é a voz do mundo. Onde há luz, está a providência. Quem


reprime o pensamento, atenta contra o homem. Falar, escrever,
imprimir e publicar são círculos sucessivos à inteligência ativa são
essas as ondas sonoras do pensamento. De todos esses círculos, de
todos esses esplendores do espírito humano, o mais largo é a
imprensa. O seu diâmetro é o próprio diâmetro da civilização. A
imprensa é a santa e imensa locomotiva do progresso que leva a
humanidade para a terra de Canaã, a terra futura onde não teremos em
torno de nós, senão irmãos e, por cima, o céu (HUGO, 1897).

Mais uma vez, a luz do conhecimento surge como este farol que orienta o
navegante para a segurança de um futuro promissor. Este texto evidencia elementos

21
Este foi o primeiro grande conflito armado dos soldados republicanos. Com duração de cerca de um
ano, entre 1896 e 1897, levou mais de cinco mil soldados ao interior da Bahia. Tratado como “um antro
de fanatismo e de obsessão moral”, a matéria do jornal A República classificava o sucesso da empreitada
bélica como uma “vitória da República” (VITÓRIA DA REPÚBLICA, 1897).
90

fundamentais da modernidade: luz, escrita, imprensa, locomotiva. Assim, a imprensa é


apresentada como o veículo material que assimila e anuncia o novo mundo. O mundo
moderno e civilizado. É a saída da caverna platônica em direção à luz do conhecimento;
sendo a própria medida da civilização, leva o espírito humano a esta terra de Canaã
evocando a terra da prosperidade da mítica cristã. Nossa Canaã teria mais que
fertilidade e abundância de alimentos para o corpo; teria antes, porém, o alimento da
alma e da inteligência ativa, a abundância de conhecimento. E conhecimento aplicado,
ou seja, tecnologia e desenvolvimento.
Os anos de 1890 foram carregados de novidades para a sociedade natalense.
Novidades organizadas pelo novo regime que implicava em mudanças profundas de
mentalidade, como as que encontramos nos decretos n. 510, de 22 de junho e n. 914, de
23 de outubro, de 1890. Eles determinavam que o casamento civil precedesse às
cerimônias religiosas em qualquer culto (CAVALCANTI, 2002).
Esses Decretos são incorporados à Constituição Federal, promulgada em vinte e
quatro de fevereiro de 1891, em seu artigo 72, parágrafo 4º. Na República Brasileira o
casamento somente teria valor legal se fosse reconhecido por um Juiz de Direito.
Mas, como os lírios não nascem das leis, era preciso um ambiente educativo que
materializasse as leis do mundo moderno e civilizado nos cidadãos e cidadãs a que se
destinavam. Essas necessidades encontram no jornal um dos ambientes que
redesenhavam o comportamento dos natalenses. O primeiro casamento civil do Rio
Grande do Norte ganha destaque no jornal A República. Um casamento que aconteceu
na presença de várias autoridades, incluindo Pedro Velho Albuquerque Maranhão,
enquanto Governador em exercício do Estado.

Na presença de distintos cavalheiros, entre outros o dr. Governador do


Estado, o dr. Pedro Velho, foi celebrado o primeiro casamento civil do
Estado. Os contraentes foram o cidadão Felippe Pereira do Lago e D.
Maximina Symphorosa de Castro Barroca. [...] seguindo-se um
delicado copo d’água que os contraentes ofereceram aos convidados.
(CASAMENTO CIVIL, 1890).

O acontecimento destacado com presenças de autoridades políticas se explicava


pela controvérsia causada pelo matrimônio civil, em detrimento do religioso. Meses
antes, em 11 de março, a explicação desta obrigatoriedade indiciava as reformas do
novo regime político “n’uma organização social, civil e política, que quer ser complexa
91

e completa” (A REPÚBLICA 1890). A matéria argumentava ainda que, dada a


separação da Igreja do Estado, o casamento civil se tornara uma consequência
necessária. Também dava a conhecer aos leitores que ele era mais válido que o
religioso; afinal, casando-se no religioso o cidadão se tornava casado de fato em uma
sociedade que já era de direito.
Os acontecimentos políticos e sociais ocorridos em todo o país tomavam fôlego e
se propagavam principalmente através dos jornais, um instrumento de divulgação de
ideias escritas que faziam emergir a necessidade de um público apto na habilidade da
leitura. “O grande veículo do espírito moderno era o próprio jornal, esse ‘novo animal’
que se fortalecia no século XIX, contribuindo fartamente para a consolidação da
sociedade letrada” (MORAIS, 2002, p.45). O jornal exaltava e estimulava a habilidade
da leitura. Assim a imprensa, por sua própria forma escrita, incitava a se criar a
necessidade da instrução escolar, do aprender a ler e escrever, que era também da ordem
política e social republicana.
O discurso republicano exalava, pois, o cheiro da modernidade. Essas duas
concepções relacionadas organizavam um ideal de cidade. O meio para este ideal de
urbanidade nascente? Educação. Instrucional ou escolar, mas também cultural e social.
Esse ideário se propagava nos instrumentos de mídia do período, na forma de discursos
e símbolos que garantiam as benesses do sistema político para o desenvolvimento e o
progresso do país.
No espaço público e privado era responsabilidade da mulher exercer uma
influência benéfica que contribuiria para a moralização da sociedade. Ela não seria
apenas a educadora das crianças, mas um exemplo de conduta para toda a sociedade.

A educação é o que constitui a formação moral do homem; lhe


aperfeiçoa as faculdades, impele as suas ações para o bem, e molda-
lhe o procedimento durante a vida, formando-lhe o caráter; a vós
compete dirigir a de vossos filhos em sua primeira fase, e assim
traçar-lhes a carreira na sociedade, em cujo meio serão tanto mais
considerados, quanto melhor lhe tenha sido a educação (GONDIM,
1910, p.66).

Isabel Urbana de Albuquerque Gondim escreveu este livro, intitulado Reflexões às


minhas alunas, em 1874, destinando-o à educação nas escolas primárias do sexo
feminino. Professora da instrução pública em Natal,
92

A preocupação da mais antiga escritora residente no Estado consistia


em orientar a educação da mocidade. Notando a falta de um livro em
Língua Portuguesa, destinado à educação da mulher, resolveu
aproveitar-se dos conceitos do Sr. Padre Roquette e Visconde
d’Almeida Garrett, ‘esses dois grandes vultos da literatura moderna,
distintos amigos da humanidade’ e escreve ‘Reflexões às minhas
alunas’ (MORAIS, 2001, p.20).

Entre os conselhos dessa escritora está como deve ser o comportamento da


menina para com os seus mestres, como também o papel da mãe na educação de suas
filhas, para que estas respeitassem os mais velhos e os mestres. Respeito e dignidade
são valores que devem ser adquiridos em tenra infância e passados de mãe para filha,
em um processo de educação doméstica. Essas eram características que estavam
presentes tanto na educação escolar como na educação desenvolvida para além desse
espaço específico.
Outros mecanismos civilizatórios eram exaltados como essenciais para o salto
qualitativo da cidade, como o aformoseamento e higienização da cidade. O projeto
higienista no século XIX aparece como uma necessidade premente à expansão urbana e
aos inchaços das cidades.
Com uma população de 6.454 (Cascudo, 1999) na década de 1850, Natal atingiu,
em 1899, mais de 13.000 habitantes. O aumento populacional, pelo que pudemos
apreender das fontes analisadas, não tinha um correspondente na melhoria estrutural da
cidade. Hospitais, aterros sanitários e mesmo residências ainda se organizavam em
torno da população existente cinquenta anos antes.
Em 1896 a varíola, procedendo de Pernambuco, espalhou-se pela capital,
contaminando alguns pontos no interior do Estado. Numa atitude preventiva, a
Inspetoria de Higiene mandou fazer a desinfecção em várias casas da cidade. Mas a
própria Inspetoria admite que sem um serviço de limpeza organizado, incluindo a
higiene dos esgotos, bem como o abastecimento de água regular e abundante, não era
possível a manutenção da salubridade no município (RIO GRANDE DO NORTE,
1896).
O problema sanitário da cidade, segundo o jornal A República, foi agravado a
partir de 1904, quando quase 4.000 imigrantes, vindos do interior do Estado,
provocaram um inchaço nos principais bairros da cidade, Cidade Alta e Ribeira. Para
além destes, Rocas, Alecrim e Passo da Pátria, que aparece como “um bairro de
operários, de pequeno comércio”, cujas condições de vida, Cicco afirma, se oporem “a
93

qualquer prosperidade”, são os bairros em que podemos encontrar a população de baixa


renda de Natal, margeando a cidade

De habitações úmidas e baixas, sob cujos tetos vivem promiscuamente


e em excesso os seus moradores, o Passo da Pátria é também uma
zona de plantações de capim e criação de porcos. O Bairro do Alecrim
se subdivide, como disse, em Baixa da Beleza e Boa Vista [...] que é
seu prolongamento, construída pelos mais humildes e pobres da
cidade. Os terrenos de toda essa parte de Natal são arenosos e
grandemente permeáveis ao ar e à água (CICCO, 1920, p. 11)

Esses terrenos foram ocupados por imigrantes e foram se constituindo em


conglomerados populacionais que se tornaram bairros no curso das primeiras décadas
do século XX. Esta configuração populacional inédita provocou, entre outras medidas,
a criação de instrumentos legítimos de fiscalização, elaboração e organização da
estrutura básica da cidade, como a Repartição Sanitária criada pela Lei n. 14, de 11 de
junho de 1892; a contratação de subsidiárias privadas como a Empresa Melhoramentos
de Natal em 1908 e, posteriormente a Diretoria de Terras, Viação e Obras Públicas em
1910. Um decreto de 1914, no universo do Regulamento Geral de Saúde Pública, criou
“na sede de cada inspetoria um serviço de defesa sanitária, com hospitais, isolamentos e
gabinetes anexos” (CICCO, 1920, p.3).
No governo Tavares de Lyra (1904-1906) a migração foi o aspecto que mais
impulsionou as obras sanitaristas. Foram mais de quinze mil pessoas, imigrantes
fugindo da seca no interior do Estado (Cascudo, 1999), dobrando o efetivo populacional
da cidade fazendo-a parecer ainda menor, com uma estrutura que não havia
acompanhado o desenvolvimento populacional. Mas o ano de 1904, por exemplo,
também viu o alagado da Ribeira, cenário de odores pútridos e insalubres, ser
transformado em um jardim e em uma praça, a Praça Augusto Severo. Os retirantes
fizeram valer sua chegada infortuna, transformando-se em mão-de-obra para a cidade
que se estruturava (RIO GRANDE NORTE, 1904).
94

Praça Augusto Severo, sem data


Fonte: IPHAN

No plano alto da fotografia é possível ver o canal que tentou resolver um


problema centenário. Encontramos relatos da década de 1850 sobre a percepção de tal
problema pelas autoridades sanitárias (RIO GRANDE DO NORTE, 1851). Em
novembro de 1889, o alagado da Ribeira foi aterrado pelo Governo Provincial do Rio
Grande do Norte. As críticas do jornal atribuíam ao Império e suas “meias obras” o
atraso no desenvolvimento do país. Ainda que as obras fossem realizadas, não se
obtinha o efeito desejado.

Meias obras. Serviços incompletos. São trabalhos perdidos e dinheiro


gasto à toa. Com o dispendioso aterro feito no alagado fronteiro à
estação da estrada de ferro. A elevação do nível do terreno foi
insuficiente, as marés entram e alagam a vasta campina que se
pretendeu dissecar (A REPÚBLICA, 1889).

O canal construído em 1904, ao mesmo tempo em que tentou minimizar os efeitos


das águas marinas, reordenou e embelezou o espaço daquela parte da cidade, tornando-
se mesmo um ponto de passeio domingueiro para as pessoas do lugar. As águas do mar
que se misturavam com o rio não mais se misturavam com as pessoas. Havia-se
construído um caminho para as águas e outro para as pessoas e ambas participavam da
95

constituição física e moral de uma nova configuração urbanística. Tentava-se reordenar


a cidade de acordo com os projetos urbanísticos que condensavam beleza e salubridade.
Defesa sanitária era um problema de ordem nacional e que já era herdeiro da
colônia portuguesa. Não apenas as imigrações do interior à capital ou do meio rural para
o centro urbano agravou isto em todo o país, como a imigração estrangeira transformou
um problema antigo num caos de resolução imediata. No entanto, estas disposições
legislativas não se faziam ver no cotidiano das cidades. Particularmente sobre Natal,
Cicco destaca o pouco interesse do Governo Federal em ampliar verbas para resolver os
problemas sanitários do “pequeno Estado do Norte” (1920, p.6), estabelecendo um
contra-ponto nas ações do Governo local.

Nas escolas, nos desportos, nos campos, os nossos educadores


aperfeiçoam a geração de amanhã, preparando as suas resistências
para a luta do mais forte e contra as moléstias, ao mesmo tempo em
que o Governo do Estado mantém, sem outro auxílio, diversas casas
de assistência pública, os assistidos recebem o mais seguro tratamento
das diversas moléstias (CICCO, 1920, p.6).

A associação da cura de moléstias físicas através de ações sanitárias e o


aperfeiçoamento da inteligência através dos educadores relacionam o projeto sanitário
do final do século dentro do projeto social republicano de civilização, ordem e ciência.
Este era o caminho para a modernidade e o progresso rumo às nações referências nesta
matéria: Estados Unidos da América do Norte, França, Inglaterra e Itália.
A crença na ciência associava este movimento higienista ao projeto positivista.
Seu aspecto cientificista se dava principalmente pelos sucessos da bacteriologia na
Europa e provocaram um movimento campanhista centrado na fiscalização de hábitos
de higiene, na limpeza das cidades e nas imunizações (SEVCENKO, 1989). Essa
campanha atribuía a difusão de doenças por microorganismos oriundos de material
putrefato decorrente da estagnação de resíduos em lixos domiciliares, hospitalares e
urbanos.
Na coluna Casos e coisas, uma matéria ocupava três colunas do jornal A
República do dia 23 de janeiro de 1902 dando destaque a uma política de
aproveitamento e destino do lixo produzido nas cidades.
96

Por lixo não entendemos apenas as varreduras domésticas ou urbanas,


senão também os detritos, rebutalhos e desperdícios de toda ordem de
que nas indústrias se não tira nenhum partido e que, se acreditarmos
no professor Peter T. Austen, que ao assunto se consagra um curioso
artigo no Forum, tem um importante valor mercantil, desde o
momento em que se saiba utilizá-los. Tudo serve, nada é
inaproveitável (CASOS E COISAS, 1902).

A matéria continua destacando os produtos recicláveis que indústrias e pessoas


em diversas partes do mundo, como Antuerpia, Mulhouse, Estados Unidos e Canadá
,realizavam. Espaços e pessoas reaproveitavam as águas de sabão, por exemplo, e as
transformavam com a precipitação de cal em ladrilhos compactos em iluminação para
fábricas; pele de ratos para fazer luvas de senhoritas, mais finas de que a de um cabrito,
o que era muito mais econômico em termos de criação; ossos que se transformavam em
botões e uma gama de dicas do citado professor que nos remete à preocupação constante
de diversas cidades educarem seus cidadãos sobre a forma de lidar com seus detritos, já
no final do século XIX. No dia 24 de janeiro lá está o jornal denunciando “montões de
lixo” (A REPÚBLICA, 1902) na rua do Meio e instigando o governo municipal a
limpar.
Em abril de 1902, na primeira página do jornal, A República noticia dois óbitos
em Recife causados pela peste bubônica. Associava a esta notícia um texto instrucional
sobre a relação da doença com a falta de higiene nas casas. O conhecimento no final do
século XIX sobre o que causava a epidemia e os meios de combatê-la é que faziam o
jornal declarar a doença como benigna.

Com os recursos de que a ciência hoje dispõe, e em virtude das


providências tomadas pelos governos federal e local, é de crer que a
peste fique circunscrita à cidade de Recife. A peste bubônica é a
epidemia por que se faz proficuamente com a limpeza e com a
higiene. Na iminência da sua invasão, deve-se conservar a maior
calma, a inalterabilidade absoluta de hábitos; porém cada qual deve ir
tratando de premunir-se por meio da higiene na sua habitação, higiene
no corpo e higiene na alimentação (PESTE BUBÔNICA, 1902).

A repetição na última frase da palavra higiene não é à toa. O projeto higienista do


século XIX chegava a seu auge. Todo esse movimento fazia parte de um processo
civilizador que buscava nos modos de fazer cotidiano outro modo de ser através de
práticas culturais desenvolvidas pelas instituições educacionais, como o jornal. As
97

autoridades faziam pessoalmente inspeções sanitárias a fim de coibir os excessos de


sujeira na cidade e promover a limpeza necessária para a conservação da saúde de seus
cidadãos.

Os nossos amigos coronel Joaquim Manoel, presidente da Intendência,


e major Joaquim Soares, delegado de polícia da Cidade Alta,
percorreram hoje, pela manhã diversas ruas da capital, matadouro,
baldo e fontes públicas em observação, e tomaram em seguida serias
providências para se proceder rigorosa limpeza em todas as ruas da
capital (LIMPEZA DAS RUAS, 1908).

O lixo era todo transportado para o local designado pelo Departamento de


Higiene, junto ao matadouro, onde ocorria a sua incineração. Mas eram comuns as
denúncias de incineração individualizada em terrenos devolutos (A REPÚBLICA,
1908b). Ainda que o intendente e o delegado percorressem as ruas para observar o nível
de higiene da cidade, este jornal denunciava:

A nossa capital está imunda. É o qualificativo que cabe, em vista dos


montões de lixo que se acumulam, até nas ruas de maior circulação.
Na iminência de uma peste, o primeiro cuidado deve ser o asseio
completo e meticuloso das casas e das ruas. Esperar pelo serviço de
limpeza pública para a remoção do lixo é uma utopia. Além disso,
remover o lixo de lugares onde está espalhado para amontoá-lo em um
lugar só, parece-nos, será formar um perigoso foco de infecção.
Sugerimos uma idéia: mandar-se já incinerar os lixos nos próprios
lugares em que estão acumulados. Adicionando-se um pouco de
alcatrão, será até um excelente meio de desinfecção geral da cidade (A
REPÚBLICA, 1908c).

Os leitores do jornal A República eram incitados a observar as regras da higiene


independente dos hábitos de outros possíveis grupos sociais. O asseio de cada um era
posto como “a couraça impenetrável” (A REPÚBLICA, 1908c) que evitaria a chegada e
proliferação da epidemia.
A ressonância das teorias científicas, as experiências e os resultados positivos,
bem como as epidemias de febre amarela, cólera, varíola e a alta mortalidade que essas
doenças trouxeram, provocaram a preocupação da população e sua consequente
cobrança de providências ao poder público. No Brasil, os engenheiros foram os
profissionais que ofereceram soluções técnicas para os problemas de insalubridade. A
Escola Politécnica do Rio de Janeiro, em 1874, configurou-se como um centro difusor
98

para o Brasil do positivismo e da ideologia cientificista, a partir dos quais a técnica


servia para atingir o progresso material do país e educar a população para a vida
moderna e constituir-se em uma nação moderna (FERREIRA, 2008). A salubridade,
portanto, tornou-se marca da civilização moderna no Brasil Republicano.
A República no Brasil trouxe a herança de um processo civilizatório europeu. As
mudanças ocorridas no Rio Grande do Norte reverberaram uma situação mais ampla
que ocorria no país. As cidades, enquanto lócus de uma nova civilidade forjada à
européia, foram se estruturando em torno de um processo de modernização que
conjugava regeneração, reforma e saneamento moral e físico da sociedade brasileira.
Para se inscrever como nação deveria civilizar-se, isto é, assumir o viés europeu de
civilidade. A cidade buscava melhoramentos e ampliava sua estrutura com edifícios
públicos como escolas, penitenciárias, casas de saúde, a exemplo do asilo de
mendicidade que veio a substituir o antigo Hospital da Caridade da Rua da Salgadeira e
a Casa de Detenção, onde atualmente funciona o Centro de Turismo de Natal, na
Cidade Alta. As imagens abaixo são encimadas com o sugestivo título de
“Melhoramentos na Capital”. Um indício de que essa estrutura predial era também parte
do esforço de tornar a capital do Rio Grande do Norte com maiores recursos e atividade
urbana dentro da concepção de modernidade do período.

Casa de Detenção, 15 de Nov. de 1911.


Fonte: A República
99

Asilo de Mendicidade Padre João Maria, 15 de Nov. de 1911.


Fonte: A República

A construção da cidade moderna se materializava em um discurso que previa


alguns aspectos estruturais para a cidade.

Bonde e poços tubulares terão como conseqüência o povoamento dos


subúrbios. Mas é necessário pensar desde logo em duas coisas:
arborizar as avenidas e praças e limitar as concessões de aforamento a
pequenas áreas. A primeira quer dizer salubridade, fixação de areias e
embelezamento. Com a segunda providencia, evitaremos que poucos
proprietários monopolizem grandes faixas de terras, convertidas em
sítios de coqueiros com edifícios limitados [...] Não temos dúvida do
progresso de Natal, sob a influência dos derradeiros melhoramentos
(NOTAS E REPAROS, 1908).

Os bondes chegam a Natal sem eletricidade ou gasolina, a exemplo de outras


cidades, como Porto Alegre. Ainda assim, o meio de transporte coletivo à tração animal
100

chega como um elemento do progresso. A expansão da capital pela Cidade Nova


provoca a necessidade de “carros economizando os passos e encurtando as distâncias”,
como declara a matéria Notas sobre transporte, na coluna Notas e reparos, de 1908.
Em 1911, a Empreza Melhoramentos de Natal realizou suas primeiras
experiências com bondes elétricos. O transporte das pessoas se realizou em dois
horários e pontos diferentes da cidade; às sete da manhã, da Cidade Alta à Santa Cruz
da Bica e, ao meio dia, da Cidade Alta à Ribeira. A utilização dos serviços dessa
empresa garantiu aos seus usuários o beneficiamento dos cupons usados em prol dos
necessitados, como faz ver a nota neste mesmo exemplar: “A senhorita Guiomar de
Vasconcellos enviou-nos 700 cupons da Empreza Melhoramentos para os pobres
beneficiados pela Sociedade São Vicente de Paula” (A REPÚBLICA, 1911). As fontes
analisadas não deixaram muito claro como exatamente se chegava a esses cupons. Mas
a prática desenvolvida, particularmente pelas mullheres em Natal, deixou entrever que
se tratava de troca pelos tickets de uso nos bondes da empresa. Havia, inclusive, certa
concorrência entre a Empreza Melhoramentos de Natal e a Férrea Carril, detentoras
dos meios de transporte da cidade; ora evidenciavam os cupons de uma, ora de outra,
mas sempre pelas mãos de mulheres.
O envio de cupons foi uma prática cultural muito presente entre as mulheres que
apareciam no jornal. Senhoras, senhoritas e meninas eram sempre mencionadas
prestando esse serviço e atendendo às mais diversas instituições de cuidado aos
desprovidos de bens materiais da cidade. As mulheres natalenses figuravam nesta
configuração como cuidadoras dos desvalidos. Elas eram convidadas aos cuidados do
corpo e da alma através de suas específicas “virtudes feminis”, lembrando as palavras
do deputado Pedro Américo22. Estas virtudes se configuravam em torno de
transformações econômicas e sociais que reverberavam pelo mundo ocidental, com o
desenvolvimento do modo capitalista de produção.
Na Europa, essas mudanças refletiam sobre o controle de natalidade, expansão da
educação escolar, desenvolvimento da indústria e aumento da população urbana
(HOBSBAWN, 2006). O trabalho agrícola exigia da mulher tanto quanto do homem.
Numa pequena economia agrícola familiar, por exemplo, ficava difícil definir de onde
os ganhos vinham. Ainda que a figura dominante do homem fosse uma realidade, o
trabalho era da família e para a família, sem distinção de gênero. Somente com a

22
Fizemos referência à fala desse deputado no primeiro capítulo desta tese.
101

industrialização, as comunidades urbanas crescentes do século XIX instituíram o


trabalho assalariado como aquele que assegurava as condições materiais da família.
Usualmente eram os homens que vendiam sua força de trabalho no mercado oficial; às
mulheres destinava-se o mercado informal de faxineira, lavadeira, costureira, que não
raro se confundia com o seu próprio fazer de dona-de-casa. “A masculinizacao dos
negócios, no dizer de Hobsbawn (1999, p. 281), não permitiu que as mulheres
aparecessem nas estatísticas europeias na categoria de “ocupadas”, ou seja, suas
atividades para fora do lar se confundiam com seus modos de fazer dentro do lar e tanto
uma como outra não se apresentavam como remuneração válida aos olhos da Europa
industrial moderna. Mas esta “masculinização”, em sua narrativa mais forte, aparecia
em uma prática cada vez mais feminina que se organizava.
Esta nova mulher, forjada no interior oitocentista, configurava-se como uma dona-
de-casa, mãe e esposa que, nos intervalos de sua função principal – cuidar dos filhos –
fornecia um suporte financeiro com pequenas atividades de natureza doméstica, mas
que não se constituíam como fonte principal de renda. “De longe, sua melhor chance de
conseguir bons rendimentos era a de ligar-se a um homem capaz de os ganhar”
(HOBSBAWN, 1999, p.280). As personagens de Austen (1995, p.07) evidenciavam
exatamente esta problemática, como a Sra. Bennet no cuidado com as cinco filhas em
Orgulho e Preconceito. O casamento delas, como elemento de subsistência futura, era
sua única preocupação. “Quando uma mulher tem cinco filhas crescidas, deve deixar de
pensar em sua própria beleza” para pensar em como realçar a das filhas e assim
conseguir-lhes um casamento vantajoso. Um pensamento também valorizado pelas
demais personagens femininas, a exemplo de Miss Lucas que considerava o casamento
seu objetivo último na vida.

Era, a seus olhos, a única precaução respeitável suscetível de ser


tomada pelas jovens educadas e de pequena fortuna, e embora, nem
sempre garantisse a felicidade, não deixaria de ser o refúgio mais
agradável perante a iminência de uma vida necessitada (AUSTEN,
1995, p. 111).

Em toda a Europa o incremento da imprensa fez circular ideias e ideais que


forjavam um modelo de família e de sociedade que correspondesse a esta nova ordem
urbana. No Brasil, as primeiras décadas republicanas coincidiram com o final do século
XIX e foram marcadas pelo incremento da imprensa em todo país. Um número
considerável de jornais e revistas, em geral de curta duração, foi criado; um dado
102

peculiar se considerarmos o número altíssimo de analfabetos e uma oferta escolar ainda


bastante precária.
O ano de 1898 trouxe à público a Revista do Rio Grande do Norte, órgão literário
do Grêmio Polimático e dirigida por Antônio de Melo e Souza, Diretor da Instrução
Pública do Estado. Deste ano também são os jornais O Estudo,de Moisés Soares, A
Catita, de José Ramos e o jornal protestante A Mensagem, dirigido por Samuel Ramos.
Circulavam ainda o jornal católico Oito de Setembro, O Diário de Natal e revistas como
Oásis, A Revista e O século, uma revista protestante (FERNANDES, 2007). A profusão
de jornais provocava comentários até mesmo de quem estava lançando também seu
órgão da imprensa, como a redatora da Via-Láctea, Maria Carolina Wanderley, sob o
pseudônimo de Fanette.

Em Natal assola a febre dos jornais da mesma forma que a guerra


assola a velha Europa – e a quebradeira – o Brasil inteiro. Raro é o
domingo que a voz dos garotos não nos anuncia um novo jornal. Foi
participando dessa influência da época que uma noite convidei
Myriam, para fundarmos um jornal: seria manuscrito e apenas sairia
um número aos domingos que nós mesmas leríamos. A proposta foi
aceita (DUARTE; MACEDO, 2003, p.40).

A República circulava já há quinze anos e, em 1914, oferecia a seus leitores os


rocamboles de Poison de Terrel em formato especial para encadernação posterior, como
Os dramas de Paris. A tradição dos folhetins neste jornal traz uma versão de Manuel
Dantas para Coração de Edmundo Amicis, em 1890. Este último texto depois irá figurar
na lista de livros da Instrução Pública do ano de 1896 como subsidio para a disciplina
de Moral e Cívica nas Escolas Elementares do Estado, quando Manoel Dantas foi
Diretor da Instrução Pública do Rio Grande do Norte (RIO GRANDE DO NORTE,
1899). O caminho da literatura folhetinesca para as salas de aula norte-rio-grandenses
era encurtado pela adoção de livros de monta internacional pelos educadores do Estado.
A literatura, portanto, chegava também através dos jornais; os de casa com suas
traduções de romances europeus ou poesias e contos de intelectuais locais e nacionais, a
exemplo de Júlia Lopes de Almeida ou Arthur Azevedo, mas também os de outros
estados. Impressos que “chegavam atrasados”, segundo Fernandes, como O Estado de
1902 (FERNANDES, 2007, p.21) “publicando excertos de um livro inédito, depois
reunidos com o título ‘Os Sertões’, de Euclides da Cunha”. Mas também se compravam
103

livros na Livraria Cosmopolita que, conforme o anúncio abaixo, prometia leituras


quentes para pessoas frias.

Anúncio da Livraria Cosmopolita, 12 de set. de 1911.


Fonte: A República

Para as tertúlias se valiam as moças e senhoras dos acessórios vendidos na Casa


Londres e os tecidos vendidos pela Alfaiataria Paris, cujos nomes já indicavam de onde
saíam os padrões de elegância a serem copiados. Os anúncios ofereciam a quem pudesse
pagar os elementos para tecer de realidade a indumentária elegante das revistas
parisienses. Sonhos tecidos, talvez, pelas mãos da senhorita Domitilla no Ateliê de
Costuras da Praça André de Albuquerque, Cidade Alta (ATELIER DE COSTURAS,
1914) ou da modista Hermina Mendonça, da Rua 13 de Maio, Ribeira (atual Frei
Miguelinho), que anunciava no A República seus préstimos.

MODISTA
Hermínia Mendonça oferece seus servcos de modista para filhas e
mães podendo ser procurada na R. 13 de maio n. 30 (MODISTA,
1914, p.4).

Então, podemos visualizar um cenário hipotético; um quadro que as fontes


permitem pintar e que as categorias permitiram erigir como campo de possibilidades à
104

construção dessa cidade de fim de século. Aos domingos, as senhoras da mais fina
sociedade natalense, de corpinho e mantilhas com vestidos de caxemira azul seguiam
para o cinema. Em 1898 Nicolau Parente realizou a primeira exibição cinematográfica
do Estado, no interior de um depósito de açúcar à Rua do Comércio (atual Rua Chile),
na Ribeira.

Foram exibidas cenas do ‘Jubileu da Rainha Vitória’, onde viam-se


todos os movimentos do grande cortejo, os ‘Os Banhos da Alvorada’,
‘A Catedral de Milão’, ‘O Casamento do Príncipe de Nápoles’, ‘O
Panorama de Veneza, ‘A Chegada em Gôndola’, ‘A comida dos
pombos na praça de São Marcos’ e ‘A chegada do trem’ (PALCOS E
SALÕES, 1898).

O jornal destaca a naturalidade com que são representadas as cenas permitindo


uma ilusão de realidade. Este foi o aspecto, segundo o colunista Verascopo, mais
surpreendente para a plateia assistente. Eles descobriam no final do século a magia da
sétima arte e seus efeitos sobre a alma humana através de cenas documentadas no outro
lado do Oceano Atlântico. Lulu Capeta, pseudônimo de José Mariano Pinto, gerente do
A República e Diretor do Natal Club, publicou uma quadrinha sobre a nova tecnologia
em forma de diversão para a cidade.

Dessa bela novidade


Fui à primeira função
E saí pensando mesmo
Ser aquilo arte do cão (CAPETA, 1898).

A temporada durou quinze dias. De tempos em tempos – entre novembro e


dezembro de 1898 e em anos subsequentes – voltava o cinematógrafo a dourar os fins
de semana de alguns dos natalenses. Apenas em 1906 os espetáculos cinematográficos
ganharam regularidade, com a exibição de filmes no Teatro Carlos Gomes. Foi exibido
no mês de abril de 1906, entre outros, o filme O que vejo no meu andar, que valeu um
comentário de Verascopo no jornal A República. Descrevendo o filme, ele conta um
pouco da reação da plateia com as cenas representadas.
105

Uma mulherzinha apetitosa recolhe-se do seu aposento de volta da rua


ou do teatro, acende a lamparina, abre a janela e – previa ela que o
Verascopo andava por aquelas alturas, quase perto do céu? – começa a
livrar-se desses acessórios importunos, que comprimem as carnes, no
desafogo suave dos membros com liberdade. Chapéus, botinas,
casacos, saias, vai tudo para o chão. Quando ela se agarra aos atilhos
do espartilho, muitos olhares vão se esbraseando e muitos cavalheiros
do meu conhecimento, já num pé e noutro, vão sendo
convenientemente beliscados pelas execelentissimas senhoras deles;
coisas daquela tentação (INSTANTÂNEOS, de 1906).

Os ingressos custavam 1.000R$000 (hum mil réis). Os camarotes para um


espetáculo no Carlos Gomes saíam a 30$000 (trinta contos de réis) e as cadeiras por
5$000 (cinco) contos de réis. Os dados analisados indicam como era dispendiosa a nova
diversão da cidade para a maioria da população natalense.
Numa dimensão salarial dos docentes temos o salário de um professor ou
professora de um grupo escolar de segunda classe era 1.800$000 (hum mil e oitocentos
réis). No grupo escolar modelo – o Augusto Severo – este valor subia para 24.000$000
(vinte e quatro mil réis). Se fosse do Atheneu Norte Rio Grandense recebia 2.700$000
(dois mil e setecentos mil réis), mas se fosse da Escola Normal recebia 900$000
(novecentos contos de réis)23. Divertir-se era bem caro para a população em geral,
inclusive para os professores.
De qualquer modo, o divertimento se ampliou e se consolidou cada vez mais na
cidade. A flor da calçada e O Conde de Monte Cristo inauguraram o cinema de enredo e
em 1911 é posto em funcionamento o Polytheama. Este cinema se configurava mais
como uma casa de diversão exibindo, além dos filmes, espetáculos circenses e peças
teatrais.

23
Estes dados foram construídos a partir de alguns exemplares do jornal A República do ano de 1906 e do
ano de 1908 a que tivemos acesso e que dispunham das informações de que precisávamos. Alguns dados,
como o valor do ingresso, utilizamos o livro de Fernandes (2007). Utilizamos ainda a tabela de
vencimentos da Diretoria de Instrução Pública do ano de 1909 para criar um parâmetro para o leitor atual
na relação do custo de vida, com o lazer disponível à população e à categoria de professores, objeto de
nossas preocupações neste trabalho.
106

Programação do Polytheama de 11 de novembro de 1911


Fonte: A República

Música, cinema, teatro faziam parte do programa de diversões do estabelecimento.


Contava ainda com uma sala para jogos, serviço de bar e sorveteria. Os rapazes e moças
enchiam as salas da Casa.

Algumas delas como Chiquita Barros e Joanita Gurgel compareciam,


não só para assistirem aos filmes, mas também para tocarem o piano
do cinema nas sessões (FERNANDES, 2007, p.83).

O aprendizado da música era parte da educação das meninas da elite das cidades
durante o século XIX. O fato delas estarem se apresentando em público difere da
concepção de uma educação estética voltada unicamente para o papel de anfitriã no lar
107

doméstico. Por outro lado, demonstrar seus dotes em locais públicos, como soirées ou
jantares, era uma maneira de a menina conseguir amealhar um bom casamento, pela
exposição de seus talentos. Não sabemos aqui qual o caso, mas decerto temos um
indício de que não só para o lar – seu ou de outros – servia a educação musical dessas
duas meninas.
Conviviam com o teatro Carlos Gomes, a casa de diversão Polytheama e o Royal
Cinema. Este último, inaugurado em 1913, foi o primeiro cinema da parte alta da
cidade, funcionando onde hoje se localiza a intersecção da rua Vigário Bartolomeu e da
Ulisses Caldas, no bairro Centro. Nem mesmo o espaço original existe mais desse
cinema que inspirou a valsa homônima do compositor seridoense Tonheca Dantas.
O perfil de espectadores e os preços dos ingressos sugerem que esta tecnologia em
forma de diversão era para poucos natalenses. As classes populares se divertiam
andando pelo corredor da Junqueira Ayres em direção a Rua do Comércio, baldeando
suas passadas pela Praça Augusto Severo, de onde emanava música do coreto da praça.

Coreto da Praça Augusto Severo, sem data


Fonte: IPHAN

As atividades domingueiras neste coreto se voltavam para as famílias de todas as


classes. As misturas de extratos diferenciados da economia ainda era novidade.
108

Misturavam-se também modos de ser e de viver, de vestir e de falar, gostos e portes.


Um artigo da Via-Láctea nos dava uma visão dos acontecimentos nesse espaço, através
da escrita de Zanze, pseudônimo de Carolina Wanderley.

Lá cheguei, exatamente quando a banda de Segurança executava a


primeira parte do programa – um desses tangos que são agora a
música predileta dos natalenses. Havia naquela tarde muita
concorrência... Mas, a maior parte dela, valha a verdade, compunha-se
de amas de crianças e rapazolas mal educados que a cada instante nos
tolhiam a passagem e nos deixavam atônitas pelo barulho
ensurdecedor (DUARTE; MACEDO, 2003, p. 42)

A escritora da revista feminina não gostou do seu passeio através da nova


diversão da cidade. A música do coreto não lhe era agradável aos ouvidos, o público
presente não lhe parecia suficientemente educado e o bulício do “povaréu” lhe deixara
atônita. Mas, ao que parece, a diversão era apreciada por muitos considerando, como dá
a conhecer o artigo. As diversões noturnas ficavam por conta das serenatas de
Heronides França a sonorizar as ruas enluaradas da cidade com a mística poética de
Auta de Souza, cujos versos ele musicava (FERNANDES, 2007).
Na cidadela do início do século figuravam outras personagens que nos permitiram
absorver o cotidiano dessa cidade. As máquinas agrícolas e industriais ocupavam a
quarta página do jornal A República ao lado de anúncios de professoras que buscavam
novos alunos para as primeiras letras, para uma segunda língua ou para aulas de música.
109

Anúncios: Emulsão Scott e afinação de piano, 18 de Nov. de 1911.


Fonte: A República

Dividindo o espaço comercial com instrumentistas que ofereciam afinação de


piano conviviam nas páginas de anúncios do jornal, médicos, dentistas, advogados. As
farmácias e os boticários vendiam seus produtos utilizando representações válidas no
período – “Toda criança tem lombriga. Use Ascaridil” (A REPÚBLICA, 1908e) –
focando homens, mulheres e crianças na sua publicidade de fim de século.
110

Anúncio: Segredo da beleza, 11 de Jan de 1902.


Fonte: A República

No final do século XIX, as cidades buscavam uma pedagogia que se caracterizava


por um processo educativo multiforme e “que se volta para envolver indivíduos, grupos
e classes, que exaltava a função dos intelectuais e os colocava a serviço da política e da
opinião pública” (CAMBI, 1999, p. 372). Através de uma pedagogia cultural em
espaços educativos alternativos como o teatro, as festas, os romances e o cinema,
atuavam “paralelamente à escola como instâncias educativas e formativas, geradoras de
sociabildiade e regulação social” (OTHON, 2006, p.143) realizavam esta educação
menos formal para além dos muros escolares.
Várias associações foram criadas no final do século XIX em torno desses
intelectuais, com objetivos literários, beneficentes, religiosos ou educacionais. Dentre
111

elas podemos destacar O Grêmio Lítero Natalense, do qual fazia parte Auta de Souza; a
associação Damas da Caridade, presidida por Amélia Barreto; o grupo religioso
católico As Filhas de Maria e a Liga para o Ensino do Rio Grande do Norte (LERN),
organizada por Henrique Castriciano de Souza.
A cidade de Natal tinha uma população de aproximadamente 20.000 habitantes,
em 1914. Viviam entre os bairros de Cidade Alta, Ribeira, Rocas, Passo da Pátria,
Alecrim, Tirol e Petrópolis. Enterravam-se no Cemitério do Alecrim e compravam na
rua do Comércio. Subiam e desciam as ladeiras do Baldo e da Junqueira Ayres.
Economizavam passadas indo do Centro ao Alecrim, Tirol e Petrópolis nos bondes à
tração animal da Empreza Melhoramentos de Natal e da Ferro Carril. Compravam
tecidos na Alfaiataria Brasil ou na Casa Londres. Para crescerem fortes, as mães davam
Ascaridil ou Emulsão Scott às crianças. Para se sentirem melhor, estas mulheres
tomavam Gotas Salvadoras; mas quem salvava mesmo era o médico Januário Cicco,
que cuidava das parturientes no fim do século XIX natalense e anunciava seus préstimos
nas páginas do jornal natalense, A República.
Natal foi se apresentando nesta pesquisa através de recortes temporais e
documentais. Como disse o viajante de Calvino, assim como Olívia ou Tamara, as
cidades não são os seus discursos, mas existe uma clara relação entre o discurso que a
descreve e a representação que temos dela em si. O projeto republicano de sociedade se
espelhava nos modos de fazer cotidianos dessa cidade. Se aqui pudemos vislumbrar as
ações sociais desse projeto republicano, uma dessas ações nos pareceu mais peculiar e
nos convidou a outra reflexão ao término deste capítulo: qual o projeto educacional
escolar da República que reverberava nas ruas da cidade de Natal no fim do século
XIX?
112

Capítulo V
Educação e educação feminina: fim de século, início
de res-publica

Oferecei sem escrúpulos uma educação de


mulher às mulheres, fazei com que gostem
dos trabalhos de seu sexo, com que tenham
modéstia, saibam zelar por seu lar e cuidar
da casa (ROUSSEAU, 1995, p.515).

Em 1889 o Brasil ainda era um Império e a Província tentava afastar as ideias


republicanas das suas principais instituições, ou pelo menos dos que nela ocupavam
cargos estratégicos, como o de Diretor-Geral de Instrução Pública. Numa leva de
demissões de adeptos do Partido Liberal que ocupavam estes cargos, o então Diretor-
Geral de Instrução Pública, Manuel Nascimento de Castro e Silva, foi exonerado em
represália aos liberais que, como ele, não eram “bastante cordatos ou ajeitáveis, não ao
seu partido, mas a um grupo que quer ser senhor absoluto” (A REPÚBLICA, 1889, p.1).
A matéria informa ainda que “as adesões em todos os números do A República e a
rotatividade de pessoas em cargos de confiança eram demonstrativo da força do ideal
republicano nas rodas políticas da Província”. O pêndulo sócio-politico do Brasil se
voltava para outro lado e os jornais a que tivemos acesso demonstram predileção por
assuntos ligados à política partidária republicana. O progresso e o desenvolvimento da
nação são atrelados a um regime republicano, cuja representação aparece como o
regime da verdadeira democracia.
Era de se esperar que, conquistado o intento, os governantes colocassem em
andamento os projetos sociais que viabilizassem a consolidação da nova configuração
política. Era necessário tornar a perspectiva político-filosófica de res-publica em uma
realidade sócio-política de República.
Foram realizadas ações estruturais e administrativas que tentavam deixar para trás
as marcas de um sistema que atravessou todo o século XIX. Uma dessas ações foi a
tentativa de implantar a Escola Normal de Natal.

Por decreto de oito de fevereiro foi criada nesta Capital uma escola
normal organizada de conformidade com o respectivo regulamento
baseado na mesma dita (NOTICIAS DIVERSAS, 1890).
113

O ano era 1890 e o Diretor-Geral de Instrução era outra vez Manuel do


Nascimento Castro e Silva. A notícia saiu em 16 de fevereiro. Trinta dias depois, a
Diretoria ficou a cargo do Prof. Antônio de Amorim Garcia. Mas a escola voltada à
formação de professores não passou de uma tentativa administrativa; nunca saiu do
papel. A rotatividade nos cargos – que atingia até mesmo os cargos mais altos do
Estado, como o de Governador em todo o Brasil – e as ações sociais que só figuram
como decretos configuram um período de turbulência e ajuste não apenas político, mas
também econômico e cultural.
Foram três tentativas para além desta, em 1874, 1892 e 1896. A primeira, ainda
sob um regime imperial, também não saiu do papel. A segunda tentativa, já sob regime
republicano, foi instalada, mas quatro anos depois, em 1896. Caracterizava-se como
exclusivamente masculina e encerrou suas atividades em 1901. A institucionalização do
ensino normal no Rio Grande do Norte somente ocorreu a partir de 1908, como uma das
ações da Reforma Pinto de Abreu.
O Rio Grande do Norte reorganizou o ensino a partir de decretos que adequassem
o ensino às necessidades e possibilidades do momento. As incertezas políticas nos dois
primeiros anos da República fizeram escoar os anos de 1890 e 1891 sem grandes
alterações relativas ao ensino.

Com efeito, ao se organizar o Estado, as prioridades eram outras. As


leis orçamentárias, que nos últimos anos imperiais dotavam a
instrução com um terço de sua receita, somente mantiveram esse
percentual em 1890, quando de 416050$000 lhe destinaram
133422$000, para logo no ano seguinte, de 711520$000 destinaram à
educação somente 120000$000, ou seja, um pouco mais de um quinto
(ARAÚJO, 1982, p.109).

Com poucos recursos para viabilizar o ensino, a solução encontrada foi suprimir
cadeiras de Instrução Primárias e a transformação de algumas em cadeiras mistas. Em
termos econômicos a solução foi eficaz: menos cadeiras, menos recursos. O Decreto n.
15, de 03 de março de 1890, assim estava descrito:

Art. Único: Nos lugares onde houver mais de uma cadeira de 3ª


entrância diurna e mais de uma , noturna, desde que vagar uma delas,
ficará suprimida (RIO GRANDE DO NORTE, 1889-1895).
114

A política de disseminação da instrução na República se materializou no Estado


do Rio Grande do Norte também através das aulas particulares. Em 1888 eram 152
escolas públicas e 09 particulares em todo o Estado (Fala do Presidente da Província,
1889).
Cerca de uma década depois, no ano de 1899, são 126 escolas públicas, entre
estaduais, municipais subvencionadas e municipais não subvencionadas (LIMA, 1927,
p.138) e 22 escolas particulares (Relatório da Instrução Pública, 1899). Um aumento
real de mais de 100% em dez anos. A estatística escolar informa ainda que das 22
escolas particulares, 10 se encontravam na capital do Estado. Acreditamos, pelo que
pudemos observar nos anúncios dos jornais pesquisados que este número era bem
maior; se considerarmos as aulas particulares de primeiras letras, por exemplo.
Este aumento significativo de escolas particulares permite observar que Natal
presenciava a ampliação da rede escolar através de uma esfera que, naquele momento
histórico, não estava completamente condicionada pelas reformas e pela legislação do
Estado. Esse aspecto oferecia a essas instituições a possibilidade de reorganizar e
ampliar o universo da clientela atendida pela rede escolar em Natal.
No governo Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, entre os anos de 1892 e
1896, a instrução teve sua primeira reforma do governo republicano. Através do Decreto
n. 18, de 30 de setembro de 1892, a reforma previa legislação para o ensino público e
privado. O Governo Estadual reorganizou o magistério norte-rio-grandense em 1893 e
muitos dos professores do quadro docente do Estado não foram aproveitados. De acordo
com o Decreto n. 19, de 23 de janeiro de 1893, em seu artigo 3º:

Art. 3 Os professores primários não aproveitados na nova


organização e que se acharem nas condições do N.4 do Art. 6 das
disposições transitórias da constituição Estadual, são considerados
aposentados desde a data deste decreto, e o tesouro do Estado
liquidara as suas aposentadorias, de acordo com a citada disposição
constitucional (A REPÚBLICA, 1893).

Segundo o Ato Oficial, de 23 de janeiro de 1893, das 152 escolas existentes


ficaram sob a responsabilidade do Estado apenas 76; dessas, 04 eram em Natal, 02 na
Ribeira e 02 na Cidade Alta.
115

O Governador do Estado de acordo com o n.4 do Art. 6 das


disposições transitórias da Constituição Estadual e Lei n. 6 de 30 de
maio de 1892, resolve nomear para as cadeiras de ensino primário do
Estado, os seguintes professores: Natal: Cidade Alta – José Ildefonso
Emerenciano e Dona Balbina Carolina Soares da Câmara; Ribeira –
Joaquim Lourival Soares e Dona Joanna Carolina Soares da Câmara
(A REPÚBLICA, 1893).

Entre exonerados, jubilados e colocados à disposição foram 39 professoras e 33


professores. Em Natal foram duas professoras e dois professores. O último corpo
docente da Monarquia constituía-se de 05 professoras. Depois da reorganização do
ensino e dos professores a partir de 1892, duas professoras saíram dos quadros da
Instrução Pública: Antônia Rosa de Carvalho e Joanna Nazareth Barbosa, ambas
professoras da cadeira de Instrução Pública feminina na Cidade Alta. Sobre a professora
da escola primária da Ribeira constante do último professorado do Império, Isabel
Gondim, Cascudo (1999, p. 196) ressalta que esta se aposentou em 1891.
A Reforma de 1892 trazia em seu Artigo 1º a composição dos graus de ensino do
Estado: Primário, Secundário e Normal. Tornava obrigatória uma cadeira do sexo
feminino em cada cidade e assegurava liberdade ao ensino particular, desde que
atendesse a alguns critérios:

Art. 6º O ensino particular é completamente livre e independente.


Qualquer pessoa, nacional ou estrangeira, poderá abrir
estabelecimento de ensino, sujeito apenas às seguintes condições:
1ª Comunicação prévia ao Diretor Geral da Instrução Pública
declarando o nome do proprietário e Diretor, sua denominação e o
local em que funcionará;
2ª Apresentar no prazo improrrogável de oito dias, sempre que lhe for
pedido por aquele funcionário, mapas circunstanciados da matrícula e
freqüência, indicados os nomes, idades, naturalidades e classes dos
alunos;
3ª Remeter anualmente ao Diretor Geral, de 10 a 20 de dezembro, o
mapa do movimento anual do estabelecimento com as condições
acima;
4ª Exibir certificado das boas condições higiênicas do edifício,
passado por autoridade competente.
Parágrafo único: a falta de qualquer destas exigências acarretará multa
de cem mil réis pela primeira vez, de duzentos pela 2ª, e o fechamento
do estabelecimento pela 3ª (RIO GRANDE DO NORTE, 1895).

O programa do ensino primário das escolas públicas se organizava de acordo


com o Artigo 36 para ser ministrado em duas classes:
116

I – Leitura e Escrita;
II – Aritmética Elementar;
III – Geometria Elementar e Desenho Linear;
IV – Lições de Coisas;
V – Noções de Geografia e História, especialmente do Brasil;
VI – Gramática Nacional;
VII – Educação Moral e Cívica;
VIII – Elementos da Música;
IX – Ginástica;
X – Trabalhos Manuais, compreendendo os trabalhos de agulha
para o sexo feminino (RIO GRANDE DO NORTE, 1895).

Nas escolas particulares os programas de ensino não atendiam a uma


padronização rígida. As diferenças aconteciam em razão da liberdade concedida pelo
Artigo 6º, do citado decreto. Este artigo assegurava a abertura no que diz respeito a
disciplinas, conteúdos e métodos aplicados no interior dessas escolas. Tanto é possível
ver diferenças entre as escolas estatais e particulares, como no próprio universo das
escolas privadas. Isto demonstra que nem sempre os Regulamentos e Decretos escolares
se materializavam nas práticas cotidianas das escolas.
Ao comparar os currículos do Colégio Particular Natalense (1892) com o do Colégio
Natal (1894), fica evidente uma diferenciação nas disciplinas oferecidas: enquanto o Colégio
Particular Natalense desenvolve as Primeiras Letras, Trabalhos de Agulha e Noções de Música,
o Colégio Natal amplia a formação das meninas com outras disciplinas como Religião, História
e Aritmética. Mesmo assim, as professoras procuravam conquistar uma credibilidade social para
suas cadeiras em Natal, apresentando-se como egressas da Instrução Pública ou ministrando
seus cursos de acordo com o regulamento da Instrução Pública Primária.

Arcina Anizia de Figueiredo Câmara declara aos pais de família,


d’esta Capital, que ensina particularmente a meninas, não só as
primeiras letras, como também qualquer ponto de agulha e também a
meninos de 5 a 8 anos, por módico preço. Propõe-se ensinar
particularmente todas as matérias exigidas pelos Regulamentos de
Instrução Pública Primária; tratar a rua 13 de Maio, n. 3 (ENSINO
PARTICULAR, 1892, p.2).

De volta a esta cidade propõe-se ensinar particularmente todas as


matérias exigidas pelos Regulamentos de Instrução Pública Primária a
meninos de ambos os sexos, para cujo fim tem estabelecido sua escola
no Bairro da Ribeira, desta cidade, r. Formosa n. 22, garantindo aos
pais de família zelo e dedicação pelo adiantamento dos filhos que
dignarem-se confiar sua educação. Maria Luiza de França (A
REPÚBLICA, 1894).
117

São recorrentes nos jornais pesquisados anúncios que indicam o movimento de


professoras entre o ensino público e o privado neste período. Um exemplo é o da
professora Antônia Marques do Vale Carneiro que, jubilada24 do ensino público,
oferece-se para ensinar primeiras letras em sua residência (A REPÚBLICA, 1891).
Outro exemplo é o da professora Lúcia de Nazareth Barbosa. Jubilada de sua cadeira de
Instrução Primária, na cidade de Poço Limpo/RN25, anunciou no jornal A República o
ensino particular de primeiras letras na sua residência, na Cidade Alta em Natal.

Lúcia de Nazareth Barbosa, achando-se fora de sua cadeira, declara


ensinar particular as primeiras letras em casa de sua residência, rua
Visconde do Rio Branco, nº 71 (A REPÚBLICA, 09/07/1892).

Em 1897, ao lado de Cândida Cabral, através de concurso municipal, esta mesma


professora volta ao magistério público de primeiras letras, nomeada para a cadeira de Instrução
Primária na Cidade Alta.

No concurso a que se procedeu na Intendência para preenchimento das


cadeiras municipais da Cidade Alta e da Povoação de Ponta Negra,
foram plenamente aprovadas as duas únicas candidatas que
concorreram. As Exms. D. Cândida Cabral e Lúcia Nazareth Barbosa
(A REPÚBLICA, 1897).

A possibilidade de transitar entre o ensino privado e o público garantia às


professoras uma participação no espaço público, dada a ampliação desse universo de
trabalho. Além disso, a liberdade e independência das escolas particulares, garantidas
pelo Decreto n. 18, permitia às diretoras de escolas femininas organizar programas de
conteúdos que ampliavam a formação intelectual de outras mulheres em Natal, como
por exemplo, o Programa do Colégio de Nossa Senhora da Apresentação. Os conteúdos
eram Português, Francês, Alemão, História, Geografia, Aritmética, Princípios da
Geometria, Desenho, Música, Piano e Trabalhos Manuais. Esse instituto particular de
instrução primária e secundária do sexo feminino referendava-se pela prática de ensino
da Diretora, Adelina da Silva Leitão, em diversas escolas de Niterói. Ao lado de Mena
de Andrade Melo “objetivavam promover o adiantamento das moças nos diferentes
24
Segundo ARAÚJO (1982, p. 55), a jubilação havia sido estabelecida através da Resolução de 1836 para
regular o tempo de serviço dos professores públicos. De acordo com o Regulamento de 1887, o tempo de
serviço variava entre 25 e 35 anos, sendo necessários somente 10 anos de magistério para ter direito “a
aposentadoria por incapacidade física”, ou seja, ser jubilada.
25
Essa povoação fazia parte, na década de 1890, da jurisdição de São Gonçalo. Atualmente é o município
de Ielmo Marinho (CASCUDO, 1968, p.189 e 235), distante 45 quilômetros de Natal.
118

ramos do ensino, baseados nos verdadeiros princípios da moral e da religião”. A


educação física também seria observada oferecendo “boa alimentação, recreios
compatíveis e observando no seu estabelecimento quanto possível os preceitos da
higiene.” (ANÚNCIO, 1894, p.2).
Neste sentido, as mulheres que educavam mulheres contribuíam e participavam
do projeto social republicano, através do que Almeida (1999) classificou como o que era
possível ã mulher naquele momento histórico, em termos de trabalho remunerado: a
docência para meninas.
Na última mensagem do Governo Estadual, em 14 de julho de 1895, as
expectativas em torno do que a reforma poderia ter trazido em benefício da Instrução
Pública são expressamente frustradas.

Quisera anunciar-vos lisonjeiros avanços e progressos na instrução


pública do Estado. A triste realidade, porém, é que esse elemento
primeiro e mais fecundo da civilização dos povos acha-se entre nós
num estado deploravelmente rudimentar e imperfeito. E, ao meu ver, a
causa mais poderosa deste atraso é o pouco e nenhum zelo da maior
parte dos mestres: os antigos professores eram em regra, incuriosos e
inábeis; os novos, também não são muito melhores que os primeiros
(MENSAGEM DIRIGIDA AO CONGRESSO LEGISLATIVO DO
RIO GRANDE DO NORTE PELO DR. PEDRO VELHO DE A.
MARANHÃO GOVERNADOR DO ESTADO, 1895, p.1).

Foi possível identificar alguns esforços da sociedade civil para tornar a


democracia republicana ao alcance de todos, através de ações educacionais. Em 1890
um grupo de voluntários – Lourenço Correia, João de Lyra Tavares e Leonillo Tavares
de Miranda – anunciaram uma classe de primeiras letras gratuita destinada a
trabalhadores analfabetos.

Convidam, pois seus cidadãos, que não souberem ler, nem escrever e
que, pelas suas ocupações diárias não possam cursar as aulas diurnas,
a comparecerem diariamente das 7 às 9 horas no edifício 8 à R.
senador João Alfredo, em Macayba (A REPÚBLICA, 1890, p.2).

Estas ações pontuadas caracterizaram o período de expansão da educação escolar


norte-rio-grandense. O obstáculo maior para a emergência do Brasil como nação era,
neste período e por muito tempo depois como até hoje, a ausência de uma política de
119

educação escolar para todos. Na expansão do ensino estaria assegurado o progressivo


desenvolvimento do país.

A transformação desse ramo do serviço público deve ser o primeiro


cuidado de um governo patriótico e nacional porque, como bem disse
José Veríssimo, o único meio de criar um caráter brasileiro, uno e reto
e a força capaz de manter a coesão nacional no meio da diversidade de
clima, de costumes, de interesses, e mesmo de raças, alterado o tipo
brasileiro pela imigração no sul e pelo elemento indígena no norte,
seriam uma instrução sólida e nacional, onde se procurasse incutir no
espírito das crianças de par com os princípios sãos da ciência, o amor
pátrio por meio do exemplo e estudo das nossas coisas sabiamente
explicadas e desenvolvidas (A REPÚBLICA, 1892).

Veríssimo (1890, p.47-52), citado pelo autor do artigo do A República, percebia a


formação do caráter como um dos aspectos mais importantes a se considerar quando da
organização da educação em todo o país. Associava a educação instrucional ofertada
pelas escolas com a educação doméstica trabalhada no interior do lar paterno. Sua
crítica em torno deste tipo de educação o fazia enfatizar o cuidado com a formação de
quem estaria à frente dessa educação dos pequenos no final do século XIX. Colocava
ênfase na educação doméstica como sendo naturalmente função da mulher e advogava
para esta uma educação que a capacitasse para ser mãe de família e reguladora da
economia doméstica, pois a mãe brasileira com o seu “amor maternal, sem energia
deixa ver quão deficiente, senão dissolvente, era a educação doméstica como educação
do caráter” (VERÍSSIMO, 1890, p.52). Esta crítica elaborada no crepúsculo do período
imperial do Brasil ao mesmo tempo em que revelava práticas educacionais no interior
das casas brasileiras, também vislumbrava um universo de reformas para a educação
republicana que ia para além do sistema que o Governador Pedro Velho chamava a
atenção em 1896, no fim do seu mandato, em Mensagem dirigida ao Congresso
Legislativo do Estado do Rio Grande do Norte ou, ainda, para um sistema educacional
baseado na escola e em sua expansão.
Quatro anos de regulação do ensino público, com um conteúdo que trazia
inovações como Lições de Coisas, Ginástica e Educação Moral e Cívica não
melhoraram as condições de educação no Estado. A Reforma de 1896, no Governo de
Joaquim Ferreira Chaves parecia tentar sanar o problema. Com uma maior regulação
sobre os professores e as casas de ensino pretendia uma intervenção mais sólida do
Estado nessa educação escolar.
120

O ensino que se ministra nas escolas públicas primárias e em nosso


instituto oficial de humanidade está longe ainda de corresponder à
exigência social que fez consistir na instrução popular a melhor e a
mais segura base dos programas democráticos. Mantenho inalterado o
que, a propósito, expôs, perante vós, o ano passado, em sua lúcida
mensagem, o meu honrado antecessor. Folgo de consignar aqui – que
os exames realizados no Atheneu, quer os de preparatórios, quer os de
investidura no magistério primário, vão sendo uma realidade, tendo
desaparecido o sistema de aprovações em massa, tão indevidas quão
escandalosas. Acha-se instalada, em proveitoso funcionamento, a
escola-modelo anexa àquele instituto, e em via de execução várias e
importantes reformas decretastes, tendentes todas a elevar o nível do
professorado, nomeadamente o preparo dos mestres (MENSAGEM
DIRIGIDA PELO GOVERNADOR JOAQUIM FERREIRA
CHAVES FILHO AO CONGRESSO LEGISLATIVO DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO NORTE, AO ABRIR-SE A 2ª
LEGISLATURA, 1896).

De acordo com o Regulamento de 1896, o Conselho Literário decidiria quais


livros didáticos seriam utilizados nas escolas subsidiadas pelo poder público. Entre estes
destacamos o Livro de Leitura de Felisberto de Carvalho e de Hilário Ribeiro,
referendados para exercícios simultâneos de Leitura e Escrita; os exercícios de
numeração de Francisco Pinto de Abreu, para estudo de Aritmética e Coração de
Edmundo de Amicis que, ao lado da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte,
se constituíam como os livros didáticos para instrução moral e cívica na escola
elementar.

Livros didáticos aprovados e adotados pelo Conselho Literário para


uso das escolas primárias:
Para Leitura e Escrita (exercícios simultâneos) – Livros de Leitura de
Felisberto de Carvalho e os de Hilário Ribeiro;
Para Estudo de Aritmética – Exercícios de numeração de F.
Pinto de Abreu e Aritmética Primária de Trajano;
Para Geografia (ensino concreto) – Mapas murais de Olavo Freire e
Geografia Atlas de Couturier – tradução de Moreira Pinto;
Para Instrução Moral e Cívica – Coração de E. de Amicis e
Constituição do Estado do Rio Grande do Norte;
Para História do Brasil – Compêndio de Lacerda;
Para Desenho Linear – Compêndio de Abílio;
Para Língua Nacional – Gramática Elementar de João Ribeiro;
Para Música – Cânticos escolares de Menezes Vieira;
Para Ginástica – A ginástica escolar de Borges (INSTRUÇÃO
PÚBLICA, 1896).

Na reorganização do ensino primário, através do Decreto n. 60, de 14 de fevereiro


de 1896, ministrado nas escolas públicas do Estado, duas disciplinas deixaram o
121

currículo: Elementos da Música e Ginástica, ficando em seu lugar Gramática e Música


(hinos e cânticos escolares). Essas alterações sugerem talvez uma preocupação maior
dos dirigentes com a instrução formal do aluno, deixando de lado a formação geral
indicada por corpo, mente e espírito, constante no primeiro regulamento organizado
pelo governo republicano.
De acordo com o Artigo 37, no Regulamento baixado com o citado Decreto, o
Diretor Geral expediria programas circunstanciados e observações pedagógicas sobre
cada uma das matérias do ensino e sobre a distribuição dos trabalhos e tempo. Não é
lícito aos professores alterar os programas, podendo, entretanto, “representar sobre eles,
expondo as considerações que o estudo e a experiência lhes aconselharem” (RIO
GRANDE DO NORTE, 1896).
Dessa forma, o governo julgava garantir uma instrução baseada nos princípios
organizacionais do Estado. Os delegados escolares eram responsáveis pela observância
desses preceitos nos municípios, visitando escolas municipais e particulares. Além dos
conteúdos escolares, aspectos como higiene e moralidade eram observados na inspeção.
De acordo com o Regulamento da Instrução de 1896, as cadeiras primárias, vagas
ou criadas, só poderiam ser providas efetivamente por alunos-mestres, diplomados pelo
curso profissional anexo ao Atheneu. No entanto, o curso profissional nesse período
admitia apenas homens. Enquanto as mulheres não tinham acesso a esse tipo de
formação, o provimento das cadeiras do sexo feminino se dava por meio de concurso.
De acordo com esse Regulamento, a mulher poderia assumir a sala de aula a partir dos
dezoito anos, desde que comprovada moralidade e bom procedimento, independente de
ser solteira ou casada.
Ainda previa o Regulamento a obrigação dos professores de trabalharem a partir
dos livros indicados pelo Conselho Literário, sob pena de multa em caso contrário. A
julgar pela circular publicada pelo Diretor da Instrução Pública, Manoel Dantas, alguns
aspectos desse regulamento não eram respeitados pelo professores.
122

Cumpre igualmente que, sob pena da multa estabelecida no Art. 66


do Reg. Citado, remetais a esta diretoria, a 1º de Maio, 1º de Agosto e
no dia do encerramento das aulas, um mapa nominal dos alunos
matriculados nessa escola, com declaração da classe, filiação, data da
matrícula, média de aproveitamento, número de faltas e
comportamento de cada aluno e que tenhais sempre em dia a
escrituração de livros de matrícula, sendo proibido lecionar por
outros livros que não os aprovados pelo Conselho (INSTRUÇÃO
PÚBLICA, 1897).

Uma circular de 21 de janeiro exortou os professores a realizar os exames


primários públicos. Observamos nos jornais pesquisados que essa prática não era
comum entre o professorado da época, apesar de esta ser uma determinação
regulamentar do Governo. Manoel Dantas, em 1899, ainda reclama a falta de
moralidade dos exames públicos sugerindo mesmo pôr um fim neles. Atendendo à
solicitação deste Diretor três anos antes, em 1896, a professora pública primária Joanna
Carolina Carvalho de Oliveira, da cadeira feminina da Ribeira, realizou seus exames
avaliando seus alunos como aprovados com distinção, plenamente e simplesmente.

No dia 16 do corrente mês, perante o Doutor Alberto Maranhão,


Delegado Escolar do bairro da Ribeira, realizaram-se os exames
finais, na escola do sexo feminino de Instrução Primária, regida
pela professora D. Joanna Carolina Carvalho de Oliveira, dando
o seguinte resultado: Formozina da Costa Queiroz, aprovada
com distinção; Maria Anunciada Gomes e Carolina Amélia de
Vasconcellos, plenamente; Joamara da Costa Queiroz, Josina
Maria de Lima e Adélia Pereira da Silva, simplesmente
(INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1896, p.2).

Os colégios ou aulas mistas ainda eram uma novidade. No levantamento que


fizemos nas fontes pesquisadas, esse tipo de aula era uma realidade apenas no ensino
privado. Apesar da co-educação, que durante toda a Primeira República era objeto de
discussão, tendo em vista os riscos de aproximação entre os sexos, esta medida acabou
sendo adotada mais por questões econômicas do que de gênero. Primeiramente, em
escolas localizadas em municípios distantes da capital e dos centros urbanos mais
importantes, depois ampliada para todas as cidades. Mas esta foi uma medida que, além
de ampliar o acesso das meninas à educação pública, permitiu às professoras maior
espaço para o exercício do magistério (FREITAS, 2002). Consideramos que esta ação –
ampliação da rede de ensino sob a responsabilidade do poder público – provocou um
efeito colateral e favoreceu a inserção feminina no espaço público pela educação.
123

No Rio Grande do Norte, a supressão e transformação de algumas cadeiras


masculinas ou femininas da Instrução Primária em cadeiras mistas, pelo Decreto n. 15
de 03 de março de 1890, anteriormente citado, iniciou o processo de co-educação no
Estado.
Os esforços intelectuais em torno de reformas, no entanto, parecem manter o mesmo
quadro. No relatório de 1899, Antonio de Melo e Souza, Diretor de Instrução Pública do
Governo Ferreira Chaves nos permite conhecer a instrução regulada pelo Decreto acima
mencionado.

Dando-vos como me cumpre, conta do desenvolvimento geral do


Ensino Público oficial, devo declarar-vos que é menos lisongeiro que
nos anos anteriores. A seca que assolou o interior do Estado
determinou o abandono de muitas escolas por parte dos respectivos
professores, e a benevolência criminosa nos exames preparatórios
trouxe, mais uma vez, a completa desmoralização do ensino
secundário (MENSAGEM AO CONGRESSO LEGISLATIVO DO
RN - 2ª SESSÃO – ACOMPANHADO DOS RELATÓRIOS DOS
CHEFES DE GOVERNO, 1899).

Os Relatórios que constituem esta mensagem também trazem notas sobre


policiamento, sanitarismo e estrutura da cidade. Estes também não aparecem como
animadores aos relatores, principalmente, para uma cidade que buscava se afirmar como
capital de uma unidade federativa. Esta busca do que deveria caracterizar uma cidade
moderna partia de um modelo instaurado. E como expressa Hobsbawn (1999), este
modelo era apreendido em viagens de formação ou lazer pela intelectualidade brasileira
que, em última instância, se responsabilizava pela difusão de ideias pedagógicas no
Brasil.
Perceber a sociedade e a cultura a partir de um ideário europeu sempre fez parte
do universo intelectual brasileiro. Uma formação intelectual complementada por
viagens de formação e mesmo de lazer e cuidados com a saúde que se tornava de
formação ou de informação para as cidades de origem.
No Rio Grande do Norte eram comuns viagens nacionais e internacionais
custeadas pelo poder público. Essas viagens eram oferecidas como prêmios aos
professores e mesmo intelectuais objetivando conhecer outras realidades culturais e
pedagógicas. Este contexto legal especificado pelo Decreto n° 239 de 1910, que tratava
da organização do ensino público no Estado, favorecia, através do Artigo 43,
professores da rede pública de ensino que se destacassem em suas atividades docentes.
124

Art.43 – Ao que se distinguir pela sua competência e dedicação a


juízo do Conselho de Instrução, além das preferências legais em
concurso de títulos poderá o Governo conceder as seguintes
recompensas,
a) Viagem para fora do Estado para observar e relatar os
progressos de ensino;
b) Prêmio Pestalozzi, consistente em medalha de ouro como
effigie do célebre reformador;
c) Prêmio Froebel, consistente em medalha de prata com a efígie
do notável pedagogo (RIO GRANDE DO NORTE, 1910, p.125)

Este Artigo traz duas importantes considerações. A primeira era o cuidado que o
legislativo educacional tinha em observar (e talvez absorver) modelos pedagógicos de
outros espaços sociais. Um aspecto relevante para uma sociedade que se queria
civilizada pela educação e que esta educação fosse ministrada em instituições
específicas, como a escola. O professor premiado não iria apenas observar progressos de
ensino em outras paragens, mas relataria – conforme decretado – estes progressos
quando de seu retorno de tais viagens. Era mais que um prêmio: era um instrumento
formativo para o professor (ou professora) e para o movimento educacional da cidade.
Um movimento de renovação educacional que se organizava em torno das
expectativas do governo republicano e de intelectuais como Pestalozzi e Fröbel. E esta é
nossa segunda observação: o referido Decreto erguia estes pensadores da educação
escolar como símbolo de professores “notáveis e célebres”, para usar as palavras do
texto do Artigo 43. Percebe-se, por este aspecto, que o modelo educacional proposto
pelos pensadores se estabelecia nessa configuração como um paradigma válido para a
educação moderna que se queria para o Rio Grande do Norte. Ao lado de Maria
Montessori, Herbart e Dewey formava um quadro teórico que os brasileiros e os norte-
rio-grandenses adotaram nos seus modos de fazer educação escolar, atribuindo a esta o
signo de civilidade e modernidade. Palavras como liberdade, experiência, amor e
pragmatismo forjaram modelos teóricos que atravessaram todo o século XIX e serviram
de base para o pensamento educacional nos primeiros anos do século XX no mundo e
no Brasil.
No cruzamento entre a educação da humanidade e o governo iluminado do
pensamento setecentista e a visão orgânica de sociedade, bem como o papel do
sentimento e da espiritualidade na formação do homem do romantismo alemão, as
125

idéias de Pestalozzi indiciam uma instrução que valorizasse o curso da natureza, que
integrasse coração, mente e mão e trabalhalhasse a partir de experiências concretas. A
pedagogia oitocentista de Pestalozzi se ancorava nesses princípios para organizar um
modelo pedagógico que priorizasse as necessidades do povo e os objetivos de uma
Nação. Harmonizando autoridade e liberdade, o ensino mútuo e o método intuitivo,
Pestalozzi configurava a escola e a família como os dois maiores agentes educacionais
da sociedade, capaz de formar, ao mesmo tempo, o homem e o cidadão.
Dessa forma, Pestalozzi resolve o dilema posto por Rousseau sobre qual deveria
ser a preocupação do educador: ao mesmo tempo em que opta, no Contrato Social
(ROUSSEAU, 1997) por formar o cidadão, este filósofo se dedica a fazer do seu
discípulo-personagem um homem em Emílio ou da educação (ROUSSEAU, 1995).
Pestalozzi, ao que parece, compartilha esta formação em duas instituições educativas
que deveriam ter diante de si o mesmo projeto social. A família e a escola seriam as
responsáveis por formar, então, este homem-cidadão. A relevância dada a educação
doméstica será enfatizada em sua obra Como Gertrude instrui seus filhos (CAMBI,
1999). Nesta obra, não apenas enfoca a importância da educação doméstica, na relação
com a educação escolar, como ressalta o cuidado materno e a atividade feminina nesse
mérito.
A escola seria, portanto, este prolongamento do lar materno e as crianças
pequenas seriam cuidadas objetivando seu desenvolvimento natural. Fröbel traduziu isto
em uma escola específica – os jardins de infância – que antecederiam a escola de
primeiras letras. Dentro desse modelo teórico, as crianças aparecem como plantinhas a
serem cuidadas por suas professoras para florescerem belas e sadias de corpo e de
espírito. Esta perspectiva pode ser percebida já na Didática Magna na qual Coménio
(1985) traz a figura do professor como o sol que ilumina a planta (o aluno) para que ela
cresça frondosa, de raízes profundas e com um tronco seguro e forte.
A partir das idéias de Rousseau e Pestalozzi, Fröbel traduz a pedagogia romântica
em uma didática específica para crianças. A organização dos jardins-de-infância e a
concepção da necessidade de uma formação pedagógica para professores e pais são os
marcos dessa teoria. A atividade lúdico-estética é central onde a brincadeira e o jogo
constituirão o foco principal no trabalho com as crianças. Pela primeira vez o brincar
infantil será percebido como elemento de formação no universo escolar.
É perceptível que, no curso do século XIX, as teorias pedagógicas assumem um
caráter mais científico acompanhando as teorias sociológicas e as novas ciências como
126

medicina e psicologia. “À luz das indicações da psicologia e da ética” (CAMBI, 1999,


p.433) Herbart traduz a ética moral kantiana para a moralidade da natureza infantil, ou o
“governo da criança”. O objetivo é determinar esse “governo” numa relação de
autoridade e amor, implicando pais e educadores para formar o homem em totalidade,
ou seja, para si e para a sociedade.
A cientificidade pedagógica herbatiana é filtrada pela pedagogia ativa
sistematizada por Adolphe Férrière em fins do século XIX. A Escola Nova Ativa, que
associamos neste trabalho a Maria Montessori26, se inspirava nas leis da natureza e do
desenvolvimento infantil. Baseada na organização pedagógica elaborada por Fröbel
eram desenvolvidas atividades de ensino que trabalhavam desenho, leitura, escrita e
aritmética, a partir de materiais concretos. Algumas aquisições pedagógicas que
encontramos em sua obra podem ser percebidas em elaborações anteriores, como a
educação sensorial de Pestalozzi, como também a auto-atividade e a valorização do jogo
para o desenvolvimento de hábitos a partir dos instintos e dos impulsos naturais nas
crianças.

As crianças são corpos que crescem e almas que se desenvolvem, e


não crescem graças à alimentação, ao simples fato da respiração ou a
algumas condições térmicas ou borométricas favoráveis, porque a vida
potencial se desenvolve nelas e se torna ativa. O príncipio básico do
sistema é a liberdade, ao que devemos acrescentar o axioma da
atividade e da individualidade (PUJOL-BUSQUETS; VALLET, 2003,
p. 26).

O método intuitivo de Pestalozzi provocou muitas reelaborações pedagógicas. Na


América o movimento pedagógico ativo teve em Allison Norman Calkings um
sistematizador importante. Sua obra sintetiza o método intuitivo em um guia de lições
que facilitavam a compreensão e execução de um fazer pedagógico calcado nessas
ideias. O Lições de Coisas, como ficou conhecido o guia, era aplicado a todas as
disciplinas da escola primária.
No Brasil esta perspectiva foi trazida por Rui Barbosa numa adaptação que
objetivava revolucionar não apenas as aulas, mas todo o sistema escolar.

26
Ao lado de Montessori, um destaque para Decroly, que foi um dos educadores que traduziu com mais
efetividade o ideário de Férrière (CAMBI, 1999).
127

O que até hoje se distribui em nossas escolas de primeiras letras, mal


merece o nome de ensino. Tudo nelas é mecânico e estéril; a criança,
em vez de ser o mais ativo colaborador na sua própria instrução, como
exigem os cânones racionais e científicos do ensino elementar,
representa o papel de um recipiente passivo de fórmulas, definições e
sentenças, embutidas na infância a poder de meios mais ou menos
compreensivos (BARBOSA, 1950, p.8).

A crítica que compõe o Preâmbulo do autor no livro Primeiras Lições de Coisas,


manual de ensino elementar para uso de pais e professores, faz ainda uma apologia aos
méritos do ensino intuitivo enquanto uma perspectiva que reúne o cultivo dos sentidos,
da razão e da palavra a partir da observação das coisas vivas.

Circunscreve a parte catequética, didática, expositiva da missão do


professor. Restitui aos fatos, diretamente consultados pelo aluno, a
parte preponderante, que lhe cabe, na educação do homem. Não
permite que o professor veja, ouça, compare, classifique, conclua pelo
discípulo. Cinge-se, quanto se possa, a facilitar ao estudantinho
primário as condições da observação e da experiência em
comunicação viva com o mundo exterior (BARBOSA, 1950, p.13).

O ensino intuitivo estava inserido na Reforma Leôncio de Carvalho, ainda sob o Governo
de D. Pedro II, em 1879, como Noções de Coisas. Esta Reforma ensejou os Pareceres de Rui
Barbosa em 1882, particularmente o Parecer do ensino primário que já antecipa a crítica
explicitada no Lições de coisas sobre o ensino primário constituir-se de uma educação baseada
na leitura e repetição formal do livro sem que o aluno pudesse sentir “mais vivo apetite da
realidade” (BARBOSA, 1950, p.10).
As Reformas Republicanas mantiveram as marcas desse ideário. No Rio Grande do
Norte a Reforma de 1892 não deixava clara a orientação pedagógica a ser seguida; deveria estar
em conformidade com os princípios da Diretoria da Instrução Pública. Esta disposição é
mantida na Reforma de 1896, deixando-nos com uma lacuna na percepção das marcas teóricas
que a legislação propunha. A Reforma de 1892 tinha como Diretor de Instrução Pública,
Antonio José de Melo e Souza27; a de 1896 tinha como Diretor Manoel Dantas28. Talvez um

27
Antônio José de Melo e Souza nasceu em 1867, na Vila Imperial de Papari, atual município de Nísia
Floresta-RN. Foi Diretor-Geral de Instrução Pública (1892), Deputado Estadual (1892-1894), Procurador
da República (1895), Secretário de Governo (1900), Procurador Geral do Estado (1901) e foi eleito
Governador duas vezes, entre 1907 e 1908 e entre 1920 e 1924. Colaborava no jornal A República
utilizando também pseudônimos (Lulu Capeta, Francisco Macambira) e escreveu dois romances sob o
pseudônimo de Polycarpo Feitosa: Flor do Sertão, em 1928 e Gizinha, em 1930 (DIAS, 2003).
28
Manoel Gomes de Medeiros Dantas viveu entre 1867 e 1924. Foi Diretor-Geral de Instrução Pública do
Rio Grande do Norte duas vezes (1897-1905 e 1911-1924), além de Deputado Estadual (1907-1909) e
Procurador Geral do Estado (1908- 1910). Era colaborador em vários jornais do Estado, entre eles a
128

estudo ulterior sobre a vida desses indivíduos pudesse trazer à História da Educação do Rio
Grande do Norte informações que permitissem erigir o ideário pedagógico real do período.
Mas se a legislação não deixa claro, os jornais fornecem alguns indícios. Estes
colaboravam para a difusão e, talvez, a formação dos professores do Estado das novas
perspectivas educacionais. Uma coluna, no jornal A República, intitulada Pedagogia trazia os
princípios do ensino intuitivo em guias de orientação para a educação dos pequenos.

Iniciamos esta secção, dedicada aos professores públicos, com o fim


de propagar a doutrina pedagógica por meio de exercícios de obras
escolhidas. Teremos em consideração o Programa das Escolas
Públicas (INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1895, p.2).

A primeira delas foi sobre Lições de Coisas, que aparecia como parte do programa
das escolas primárias. Trazia seu objetivo neste segmento de ensino, os tipos de
atividades a serem desenvolvidas, os materiais que poderiam ser utilizados e também os
desdobramentos do ensino, como “o ensino moral que deve ser como o fruto necessário
das lições de coisas”.

LIÇÕES DE COISAS
A expressão lições de coisas é genérica e vaga, mas conforme o uso a
tem recebido, designa uma das partes mais importantes do programa
das escolas primárias: lições orais feitas pelo professor ou professora
sobre objetos no meio dos quais vivem os meninos, sobre objetos de
que eles se servem e sobre fatos habituais da vida cotidiana. Por isso
que nos meninos a atenção do espírito tem a necessidade de ser
esclarecida e sustentada pela dos olhos, o mestre deve procurar fazer-
lhe ver, quer pela apresentação real quer por imagem ou figuras, os
objetos de que lhes fala, ou pelo menos os materiais que entram na
composição desses objetos. As lições de coisas têm por fim formar os
sentidos do menino fortificá-los, desenvolvê-los fisicamente, regulá-
los, e, pelo dizer assim, fazer-lhe a educação por exercícios metódicos
(INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1895, p.2).

Esta coluna é revitalizada em 1911 por Nestor Lima, Diretor da Escola Normal
ainda com o mesmo objetivo de dez anos passados de orientar os professores do Estado
com modelos teóricos atualizados. E mais uma vez o ensino intuitivo, ao lado da Escola

República, no qual também utilizava o pseudônimo Braz Contente (CARDOSO, 2000). Encontramos nos
jornais pesquisados várias traduções suas de romances da literatura universal que traziam a sua assinatura
e se apresentavam sob a forma de folhetim, tais como Quo Vadis, Coração e Timom.
129

Ativa, foca as orientações deste intelectual norte-rio-grandense. A matéria sobre lições


de coisas vinha sob o título Lições de coisas, sua importância, princípio e método.

As lições de coisas são rudimentos de Ciências (Física e Química) e


História Natural sob forma concreta na escola primária. Este ensino
traz-lhe uma certa soma de conhecimentos elementares, tirados do
meio local; retifica, completa as noções adquiridas, instrui sobre as
partes dos objetos e dos seres (LIMA, 1911, p.1).

A Reforma de 1908, conhecida como Reforma Pinto de Abreu, manteve a


disposição de deixar a cargo da Diretoria de Instrução Pública a orientação pedagógica
às escolas. Esta Reforma criou os Grupos Escolares no Rio Grande do Norte e o
Regimento dos Grupos trazia em seu escopo geral os princípios das teorias que vimos
falando nas últimas páginas.

Art. 4° A instrução será proporcional ao desenvolvimento das


faculdades do educando. Estimule-se criteriosamente este
desenvolvimento, a fim de que o aluno se apodere da verdade por
meio de suas próprias investigações, livre de coação de qualquer
natureza;
Art. 6° Serão rigorosamente adotados os processos intuitivos, os quais
consistem em apresentar materialmente ou pelo aspecto os objetos das
lições;
Art. 7° Os sentidos são os caminhos naturais por onde se conduzem as
explicações dos mestres ao espírito dos alunos. Dentre os meios
empregados para atingir esse fim, são as lições de coisas os que
melhor resultados produzem, desenvolvendo na criança a faculdade de
observação, preparando-a para repetir e ajuizar (REGIMENTO
INTERNO DOS GRUPOS ESCOLARES DO RIO GRANDE DO
NORTE, 1909, p.6).

O sentido pragmático que esses modelos teóricos traziam era voltado a uma
educação escolar mais apropriada ao caráter moderno de individuo e sociedade. Os
relatos de Castriciano, Secretário Administrativo (1900-1910) e Procurador Geral do
Estado (1908-1914), deixam perceber o sentido sócio-cultural que o modelo
educacional atraía.
130

A felicidade tão lembrada do povo suíço está na educação das


mulheres. Esse pequeno povo e menos de quatro milhões de
indivíduos habitando um território de um mil quilômetros quadrados,
dos quais um quarto é improdutivos, em minérios, sem colônias,
falando três línguas, com duas religiões que em toda parte do globo se
combatem, tornou-se profundamente unido de graves dissensões, um
dos primeiros do que fez do sexo feminino em sério elemento de
progresso (CASTRICIANO, 1911, p.10).

Neste relato de viagem, o então Procurador do Estado, critica a ojeriza brasileira


ao trabalho manual “sob tantos aspectos ainda colonial, não obstante o verniz de
civilização”. Sobre todos os temas abordados – estrutura ferroviária, política e economia
– a educação das suíças, assim como o fato delas serem parte atuante na força de
trabalho nacional – “contendo uma população feminina de um milhão e oitocentas
pessoas, desta mais de um milhão e meio trabalham em profissões diversas” – fazendo
da mulher um “ser útil, romântico, equilibrado, aceitando a vida como ela é”.
De acordo com Castriciano (1911, p.10-11), da educação feminina resultaria a
aptidão para o trabalho, uma ampla e clara noção de dever, ausência de preconceitos
ridículos e dessa aptidão individual sairia a energia coletiva, o civismo por norma, a
honestidade na vida social, o respeito a si próprio e aos outros. Não raro a mulher
trabalhava, ainda segundo Castriciano, na usina, sem que esse fato concorra para o
afrouxamento dos laços de família.
Este relato não somente faz uma apologia à educação feminina como elemento
propulsor do desenvolvimento econômico de uma nação civilizada, como convoca as
mulheres brasileiras – particularmente as natalenses – a “esta nova e augusta
maternidade: a formação social do Brasil do amanhã.”
A crença na educação como elemento catalizador de progresso e desenvolvimento
não era privilégio de Natal, mesmo do Brasil ou do período em foco. A peculiaridade
que trazemos para reflexão é que os esforços desses legisladores vão culminar em uma
orientação educacional em torno de uma escola feminina, no final do século XIX e sob
uma orientação laica, científica e voltada ao âmbito privado da sociedade natalense: a
Escola Doméstica de Natal.
131

Escola Doméstica de Natal, atual Posto do INSS – Ribeira


Fonte: Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo/SEMURB

Seu idealizador, Henrique Castriciano de Souza, a pensou a partir de uma


experiência cultural suíça. Em suas viagens observou, na contraposição com as
mulheres europeias, como as mulheres brasileiras não eram muito práticas e pouco
contribuíam com a formação da nação. O debate educacional promovia discussões em
torno do que deveria ser esta cidadã. A elegância, os bons costumes, o patriotismo e a
civilidade eram valores que se buscava através da educação para dar visibilidade à
modernidade e atrelá-la à idéia de república (VEIGA, 2000, p.397-422). Um ideário a
mais, percebido em todo o século XIX.
Este século é para o Rio Grande do Norte, assim como para o Brasil, marcante na
história educacional. A Lei-Geral de Ensino de 1827 regulou e favoreceu a profissão
docente, “dando-lhe garantias e vantagens que se podem, com justiça, atribuir à
importância da profissão” (LIMA, 1927, p.5). Garantia, por exemplo, vitaliciedade
salarial aos profissionais da educação sob a responsabilidade do poder público. Em seu
Artigo 1º, esta Lei manda criar escolas de primeiras letras em todos os lugares mais
populosos do país para meninos e meninas, sendo de ensino mútuo as escolas sediadas
nas capitais das províncias. Mas no Artigo 11, a Lei deixava a cargo destes presidentes a
132

criação de escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas que julgassem
necessário este estabelecimento (LIMA, 1927, p. 7-9).
Estabeleceu os critérios trabalhistas para professores e mestras29,
profissionalizando, em certa medida, o fazer docente. Até então este fazer pedagógico
estava submetido a uma ordem religiosa – a Companhia de Jesus, entre 1549 e 1759 –
ou sujeito a volubilidade de ações políticas e econômicas, já que Mestres Régios eram
pagos através de um subsídio cuja cobrança não era eficaz em todos os lugares (2000).
Institucionalizou os conteúdos para meninos e meninas estatizando a educação
ofertada e criando um locus de trabalho feminino antes inexistente

Art. 6 – Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações


de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções
mais gerais de geometria prática, gramática de língua nacional, e os
princípios de moral cristã e de doutrina da religião católica apostólica
romana, proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para
as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil.
Art. 12 – As mestras, além do declarado no Artigo 6º, com exclusão
das noções de geometria e limitando a instrução da aritmética só as
quatro operações, ensinarão também as prendas que servem à
economia doméstica (LIMA, 1927, p.10).

Há que se observar que o Artigo 13 – “As mestras vencerão os ordenados e


gratificações concedidos aos mestres” (LIMA, 1927, p. 8-10) – indica uma paridade que
não fazia parte do universo feminino oitocentista. Portanto, além de abrir um espaço de
trabalho – teriam de ser criadas escolas para as meninas e estas só poderiam ser
ensinadas por mulheres – e de instrução, esta legislação ainda percebe uma equidade
salarial que é ponto de muitas discussões feministas até hoje, a exemplo das discussões
em torno do empoderamento da mulher capitaneadas pela ONG inglesa OXFAM
(Comitê de Oxford de Combate à Fome).
Outras resoluções desta Lei de educação escolar estabeleciam o ensino mútuo e o
Método Lancaster - sistema de monitoramento pelo qual os alunos mais capazes
ensinavam, pela repetição, aos alunos mais atrasados - como procedimentos
metodológicos para os professores e mestras da Instrução Pública. Os cargos eram
vitalícios e ocupados através de concurso público.

29
A Lei-Geral trazia a diferença de gênero expressa nas categorias professores, para se referir aos
docentes masculinos e mestras, para se referir às mulheres professoras.
133

Art. 8 – Só serão admitidos à oposição e examinados os cidadãos


brasileiros que estiverem no gozo dos seus direitos civis e políticos,
sem nota na regularidade de sua conduta.
Art. 12 – [...] e serão nomeadas pelos Presidentes em Conselho,
aquelas mulheres, que, sendo brasileiras e de reconhecida honestidade
se mostrarem com mais conhecimentos nos exames feitos na forma do
art. 7º.
Art. 14 – Os provimentos dos Professores e Mestras serão vitalícios;
mas, os Presidentes em Conselho, a quem pertence a fiscalização das
escolas, os poderão suspender, e só por sentenças serão demitidos,
provendo interinamente que substitua (LIMA, 1927, p.8-10).

No ano de 1892 encontramos ainda traços dessa Lei basilar da educação


oitocentista quando vemos no Regulamento da Instrução Primária – Decreto n° 18 de 30
de setembro de 1892 – a vitaliciedade do cargo, os conteúdos propostos, a exemplo dos
Trabalhos Manuais para as meninas, a perda do cargo por atos imorais, incompatíveis
com o Magistério. Estas marcas acompanham todos os regulamentos e reformas
empreendidas no período focado por esta pesquisa. Podemos depreender, portanto, a
importância dessa Lei para a formulação de todas as reformas educacionais
empreendidas no século XIX.
A primeira cadeira feminina foi criada no inicio do século, em 1829, e funcionava
na Ribeira sob a tutela da Profª Josefa Botelho. O início da institucionalização do ensino
veio com a Lei-Geral de Ensino de 1827, pois até então

Só havia escolas nas cidades e vilas importantes [...] em 1784 com o


Vice-Rei Luiz de Vasconcellos, só havia no Rio de Janeiro, nove (9)
aulas de primeiras letras, e sob o Conde Rezende (1798) apenas 2; si
recordarmos que, só depois de 1808, é que essas aulas foram
instituídas em Recife 3, em Vila Rica, São Paulo e Bahia algumas
poucas, e que estas se reduziam todas as aulas elementares do Brasil,
antes da independência (LIMA, 1927, p.43-44).

Não podemos afirmar quantas destas aulas elementares eram dedicadas à


instrução feminina ou mesmo se algumas destas eram a este segmento destinadas. Os
dados de que dispomos surgem a partir de 1829, depois da implementação da Lei-Geral
de Ensino de 1827. No entanto, quando comparamos o universo de aulas destinadas ao
sexo feminino até 1850 e a partir deste até 1889, percebemos um aumento significativo
de 1.766,7%. Até o início do século XX, foram mais de duas mil escolas criadas,
apresentando-se sob outra forma (mistas) e outra administração (municipal). Ao final do
século XIX Natal possuía duas cadeiras do sexo feminino e o Estado do Rio Grande do
134

Norte dez femininas e oito mistas. Conviviam estas com trinta escolas masculinas de
primeiras letras em quatorze cidades do Estado (ARAÚJO, 1982). Este aumento na
educação escolar se ancorava em paradigmas conceituais que atribuíam à escolarização
o desenvolvimento pleno dos cidadãos e, consequentemente, das cidades.
A discussão sobre melhoria da educação, expansão das escolas e melhoria das
condições intelectuais dos professores encontrava respaldo nas discussões sociológicas
sobre nossa etnia ou a origem desta. Em que medida esta origem afetava os modos de
ser e de fazer do povo brasileiro foi analisada por muitos intelectuais brasileiros, como
Manoel Bomfim (2005) ou Silvio Romero (2001). Ao lado deles Euclides da Cunha
(2003), depois de analisar os principais elementos raciais do povo brasileiro, conclui
que,

Não temos unidade de raça. Não a teremos, talvez, nunca.


Predestinamo-nos à formação de uma raça histórica em um futuro
remoto, se o permitir o dilatado tempo da vida nacional autônoma.
Invertemos, sob este aspecto, a ordem natural dos fatos. Estamos
condenados a civilização. Ou progredimos ou desaparecemos
(CUNHA, 2003, p.102-103).

Civilizar-se era para esse escritor condição essencial de sobrevivência para os


brasileiros. Éramos produto não de três raças – o negro banto, o indo-guarani e o branco
– mas de vários tipos étnicos. O brasileiro seria esta junção de raças que se sucediam em
combinações binárias e que ainda encontravam na diversidade do meio físico muitas
derivações biológicas e culturais. Uma harmonia ou mesmo uma homogeneização
através de uma instrução mais diretiva talvez corrigisse estas “derivações biológicas”.
Neste período histórico as idéias evolucionistas eram parte do repertório
intelectual brasileiro. Foram teorias organizadas a partir do darwinismo e do
positivismo e consideravam a necessidade de evolução biológica e social como
condição de sobrevivência humana. As explicações dos subdesenvolvimentos de alguns
países conectavam-se com este pensamento e colocavam a responsabilidade por este ou
aquele grau de desenvolvimento social sobre as raças30 que o organizavam. Portanto,
subdesenvolvimento se relacionava com subraça. E parecia ser este o nosso caso.

30
Assumimos aqui o termo raça por ser este aquele que comumente encontramos nos escritos dos
intelectuais da época, Ainda que tenhamos clareza de que este não consegue abarcar a dimensão que etnia
encontra nas discussões posteriores.
135

Veríssimo (1889, p.35) atribuía essa responsabilidade a etnia negra – “uma raça
inferior”, segundo ele – mas acreditava que esta característica biológica poderia ser
suplantada pela educação, meio indispensável à civilização necessária ao progresso
deste povo. Antes e depois dele, muitos fizeram coro a essa crença. Imputaram a uma ou
outra etnia a responsabilidade pelo atraso e acreditando na promoção da educação
escolar e doméstica como uma possibilidade de reverter o plano natural a que estávamos
sujeitos. Veríssimo também era parte destes intelectuais.

Para reformar e restaurar um povo, um só meio se conhece, quando


não infalível, certo e seguro, é a educação, no mais largo sentido, na
mais alevantada acepção desta palavra. Nenhum momento mais
propício que este para tentar este meio, que não querem adiado os
interesses da pátria. Afirma um perspícuo e original historiador de
pedagogia, que do estudo da história e evoluimento da educação
pública resulta, entre outras, esta conclusão: “ uma reforma profunda
na educação pública e nacional presume uma reforma igualmente
radical no governo” Nós tivemos já a reforma radical no governo,
cumpre-nos completar a obra da revolução pela reforma profunda da
nossa educação nacional (VERÍSSIMO, 1889, p. x).

Não apenas a educação pública, escolar, mas a educação doméstica, a formação


do caráter. A crítica deste escritor recai sobre uma educação que não prevê a vida
prática, que “menospreza o trabalho e alimenta a indolência”. Concluía que a
escravidão, degradando o trabalho, foi um convite à letargia de comunidades, “já
enfraquecidas pelo clima e viciadas pela hereditariedade” (VERÍSSIMO, 1889, p. 35-
36). Além disso, crianças submetidas a uma educação doméstica confiada a criadas
mulatas e negras que forjavam sinhozinhos e sinhazinhas voluntariosos e despreparados
que à primeira dificuldade degeneravam. Estes eram os homens e as mulheres a quem
estava confiado o futuro da nação.
José Veríssimo apostava na educação como propulsora dessa mudança de hábitos
que se organizava na inter-relação entre o biológico e o social. Como Cunha, ele
também pensava num modelo civilizatório que pudesse suplantar os aspectos naturais
deste povo. A formação do caráter pela educação doméstica era o caminho; o gênero
feminino, na figura social da mãe, era o meio. Castriciano (1911) trazia esta mãe
vinculada ao projeto republicano de sociedade e aos conceitos de esposa e dona-de-casa.
136

Na Suíça ninguém tem vergonha de trabalhar, porque todo mundo


sabe ler. Testemunha da ordem, da simplicidade, da alegria nada
ruidosa dessa república inimitável, o que no momento me chamava a
atenção e me despertava irrequieta curiosidade não era a calma
atividade do povo em geral, mas a robustez e a tranqüila segurança
das mulheres, todas evidentemente preocupadas com uma tarefa séria
(CASTRICIANO, 1911, p.13).

Este escritor encontrava-se em uma barca, atravessando o Lago Leman, de


Genebra para Lausana no ano de 1909 quando fez estas observações. Observar o
comportamento das mulheres suíças convidou o escritor natalense a refletir sobre o
próprio comportamento de suas patrícias. Ao seu lado sentara um casal de brasileiros
que não lhe dera muita atenção. Ele os descreve como ricos, refinados e arrogantes. A
moça tinha a tez branca das reclusas e uma magreza que conferia a ela uma “beleza
mórbida das mulheres fatais”.
A certa altura da viagem entrou de forma ruidosa um grupo de educandas
acompanhadas de suas professoras “em respeitosa camaradagem”. As moças se vestiam
com simplicidade e uma delas, sacando da bolsa um caderno de notas pusera-se a
escrever com a perna direita sobre a esquerda a lhe servir de apoio. Sentara-se ao lado
da moça brasileira que, sentindo-se incomodada com sua vizinha, dá ao marido o braço
e dali aparta-se.

Talvez por que lhe fizesse mal aos nervos o ruído do lápis anotador,
talvez por que lhe magoasse a vista o grosso vestuário da jovem, o
certo é que a senhora brasileira ergueu-se arrimada ao braço do
marido, de quem consertou o laço da gravata, e murmurou fazendo
beicinho. Que gente! Ele muito superior, aquiesceu em concordar que
aquele povo era realmente atrasado, com mulheres que andavam mal
vestidas, pesadamente, como se fossem pessoas de comércio –
acrescentou sibilante (CASTRICIANO, 1911, p.8).

A comparação serve de mote para uma discussão sobre a educação feminina para
o Rio Grande do Norte capitaneada pela Liga para o Ensino do Rio Grande do Norte
(LERN). O objetivo desta Liga, fundada em 1911, era prover as cidades do Estado de
escolas domésticas, nos moldes suíços, para as camadas populares da população
(RODRIGUES, 2007). O projeto percebia ainda as nuanças do país e do Estado a que se
destinava e as mulheres que buscava atender.
137

Certo, não se deverá exigir da mulher excessivo esforço mental. Se


pudermos fundar a Escola a que nos referimos no prospecto conhecido
esta não será nos moldes do Simons College de Boston, um grande
estabelecimento em que as moças americanas podem se dedicar aos
mais elevados estudos. É cedo ainda para tanto; e nem o meio social
do Brasil tem necessidade de sábias e doutoras (CASTRICIANO,
1911).

O objetivo da LERN era propor/organizar instituições educativas voltadas a


conteúdos mais práticos do que teóricos. Castriciano, homem do seu tempo e assumindo
uma representação de mulher republicana do final do século XX, acreditava que o
esforço mental de tais empresas intelectuais extrapolaria certos limites e poria em risco
a saúde mental, já fragilizada por natureza, das mulheres e dos filhos destas sob seus
cuidados, “sendo enorme a quantidade de energia que despende com as crises e os
trabalhos de maternidade” (CASTRICIANO, 1911).
A LERN era parte de um esforço nacional de desenvolvimento da Nação,
erradicação do analfabetismo e defesa da soberania nacional, a exemplo da Liga de
Defesa Nacional (1916) e da Liga Nacionalista (1917). Eram entidades que reforçavam
o sentimento de ser republicano e a esperança no desenvolvimento e progresso da nação
brasileira (NAGLE, 2001).

A Liga de Ensino do RN antecedeu à formação de diversas Ligas no


Brasil; ela apresentou peculiaridade em relação as demais existentes
no Brasil; era na sua singularidade o que poderíamos conceituar de um
projeto republicano ambicioso, audaz e inovador para o campo
educacional, porque previa reformas no ensino a partir das bases, do
maternal ao ensino secundário (RODRIGUES, 2007, p. 55).

Os esforços intelectuais e financeiros desta Liga, no entanto, convergiram para


uma única escola: privada e de formação feminina. A Escola Doméstica de Natal foi
fundada em 01 de setembro de 1914. O prospecto da Escola, exposto no jornal A
República deixa-nos perceber por onde se encaminham seus projetos pedagógicos e
sociais.
138

Prospecto com programa da Escola Doméstica de Natal


Fonte: A REPÚBLICA, 10 de set. de 1914.

O projeto iniciado três anos antes com a fundação da Liga vinha na esteira de
outros projetos educacionais de reformas e mudanças estruturais da educação natalense.
Uma necessidade do próprio Regime Republicano.

Nada na hora presente deve envergonhar tanto a um povo e


amesquinhar uma nação como figurar nas estatísticas com a
porcentagem de analfabetos que nos rebaixou ao nível do Paraguai e
de outras nações atrasadas da América do Sul. Custa realmente crer
que tenhamos a coragem de aparecer à face do mundo como uma
República de regime representativo, baseado no sufrágio universal,
quando temos oitenta e cinco por cento de analfabetos, sobre uma
população de vinte e dois milhões de habitantes (A MENSAGEM E O
ENSINO, 1914, p.1)
139

A primeira Constituição Federal Brasileira é de 1891. Esta Constituição tinha


como princípio uma mistura do democratismo francês, do liberalismo inglês e do
federalismo americano.

Art. 1º A nação brasileira adota como forma de governo, sob o


regime representativo, a República Federativa proclamada a 15 de
Novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel
das suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brazil
(CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO
BRASIL DE 1891, 2008, p. 1).

O sistema de representatividade pressupõe a soberania que reside no povo de


determinar o modo como quer ser governado. Nomeando seus delegados o povo não
confere a estes cessão ou doação de direitos, mas apenas lhes oferece meios para
desempenhar funções em favor da causa pública (res-publica). Por isso esta delegação
deve ser renovada periodicamente e a curtos prazos. O instrumento através do qual se
opera esta mudança é o voto que deve ser universal. O artigo 70 da constituição assim o
estabeleceu.

Art. 70 São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos, que se alistarem


na forma da Lei:
§1º Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais, ou para a
dos Estados:
1º Os mendigos;
2º Os analfabetos;
3º As praças de pré, excetuados os alunos das escolas militares de
ensino superior;
4º Os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações, ou
comunidades de qualquer dominação, sujeitas a voto de obediência,
regra ou estatuto, que importe a renuncia da liberdade individual.
§ 2º São inelegíveis os cidadãos não alistáveis (CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1891,
2008, p. 1)

Desse artigo, um destaque para o inciso 2, do 1º parágrafo, que trata dos


analfabetos. No recenseamento realizado em 1897, a cidade de Natal contava com 6.053
analfabetos numa população de 10.392 habitantes. O recenseamento geral publicado no
jornal A República de 13 de março de 1899 revela que, dos 268.273 habitantes do Rio
Grande do Norte, 227.025 eram analfabetos. Esse percentual indica que uma sociedade
140

letrada ainda em processo de construção, não poderia garantir a participação popular


efetiva na eleição de suas representações, tanto em nível local quanto nacional.
Uma minoria letrada definia, portanto, o futuro de uma maioria “condenada a não
saber ler e escrever” (A MENSAGEM E O ENSINO, 1914, p.1). Este dado não
condizia com uma República e este elemento era motivador de uma série de medidas na
intenção de mudar este aspecto cultural brasileiro a partir do final do século XIX.
Em 1908 a Reforma Pinto de Abreu cria a Diretoria Geral de Instrução Pública, os
Grupos Escolares e a Escola Normal de Natal. Esta Diretoria havia sido criada ainda na
primeira reforma de ensino republicana de 1892 e sido extinta em 1900. Na Reforma de
1908 ela retoma as atividades ao ser recriada. A Escola Normal era uma tentativa de
consolidação depois de três projetos frustrados de organização desta instituição nos anos
de 1873, 1883 e 1890. Esta instituição funcionou por vinte e sete anos no Bairro da
Ribeira, na Praça Augusto Severo, tendo como primeiro diretor Francisco Pinto de
Abreu entre os anos de 1908 e 1910 (AQUINO, 2002). Neste bairro, a Escola Normal
de Natal teve como diretores Nestor dos Santos Lima (1910-1924), Teoduto Soares
Raposo da Câmara (1924-1930), Antonio Gomes da Rocha Fagundes (1930-1938) e
Clementino Hermógenes da Silva Câmara (1938-1944).
O Ato Adicional de 1834 descentralizou legalmente o ensino. A regulação e o
provimento do ensino público passaram a ser responsabilidade das províncias. Se por
um lado,este projeto constituía um projeto maior de D. Pedro II, de criar uma monarquia
constitucional com uma maior autonomia, nos moldes federalistas americanos
(CARVALHO, 2007), por outro desorganizou o já precário sistema de ensino do país.
A falta de recursos impediu muitas províncias de organizarem seus sistemas de
ensino. Configurou também o ‘cria e extingue’ (ARAÚJO, 1982) que caracterizou este
período. Muitas vezes a criação ou a extinção de escolas ou classes não acontecia pela
necessidade da vila ou cidade em foco, mas por questões de interesse político
individual. Esta característica associada à falta de recursos e de preparo dos professores
é uma marca da educação neste período histórico e por muitas décadas subsequentes.
No Rio Grande do Norte o preparo dos professores em uma escola específica vai
esperar todo o século XIX. Na segunda década da República é que o Ensino Normal vai
141

funcionar de forma efetiva e sem interrupções até tornar-se Magistério por força de Lei
em 197131.

Programa de Ensino para a Escola Normal de Natal


Fonte: Leis e Decretos do Governo -1909-1913

Na primeira turma, em 1910, 20 mulheres professoras foram diplomadas pela


Escola Normal de Natal ao lado de 07 professores homens. Antes destas, a formação da

31
A Lei 5.692/71 modifica a nomenclatura Normal para Magistério; ao mesmo tempo em que extingue
com a nomenclatura, extingue também as representações e os sentidos que carregavam as normalistas e
coloca em seu lugar as professorandas, criando novos sentidos e novas representações.
142

professora acontecia de modo diverso. Algumas traziam esta formação de escolas de


Recife ou Niterói, outras tinham a instrução elementar e, seguindo os Regulamentos da
Instrução Pública, ministravam suas aulas.
A tese defendida por Aquino em 2007 é um convite à reflexão. Suas conclusões
talvez sejam resposta a pesquisadores que elucidam questões sobre estas instituições
formativas de professores. Suas considerações nos dão a dimensão do universo que se
descortinava para a mulher do século XX. Sua questão em torno dos motivos que
fizeram uma escola de formação de professores, a despeito do esforço brasileiro para
melhoria da educação, “migrar” pela cidade sem um prédio próprio a leva a uma
configuração que investe recursos públicos em uma escola voltada às funções
domésticas femininas – a Escola Doméstica – e deixa em segundo plano a estruturação
da educação intelectual das professoras norte-rio-grandenses em Natal.
A leitura deste trabalho nos levou a tecer algumas considerações sobre a formação
para mulheres em Natal no fim do século XIX ou início do século XX. A escola de
Natal era voltada àquelas que queriam realmente exercer (e ela demonstra que
exerceram!) a profissão docente. Para aquelas a quem interessava o lar e o casamento, a
escola da LERN era um destino mais provável. Em Natal, pode-se dizer que a educação
para o público e a educação para o privado tinham destinos, e instituições, diferentes.
A Escola Normal de Natal floresce sob a afluência, principalmente, de duas
instituições formativas: o Atheneu Norte-rio-grandense e a Escola Doméstica de Natal.
É possível que juntas essas três instituições organizasse a intelectualidade jovem e de
relevante representatividade não apenas de Natal, mas do Rio Grande do Norte. A
relação com a Escola Doméstica se organizava em torno de elementos específicos de
formação feminina.

A Escola Normal primava, como substrato em sua existência, pela


formação de mulheres professoras do ensino primário, de elevado
nível intelectual, mas conformadas aos padrões de comportamento e
de atribuições familiares que lhes eram exigidas (AQUINO, 2007, p.
223).

Assumiam – Escola Doméstica e Escola Normal – o compromisso de modelar as


duas principais categorias educacionais no período. Mas as semelhanças acabavam
neste ponto. Dentre as diferenças apontadas pela pesquisadora, a mais destacada é o
destino da educação de uma e de outra, da mãe-esposa e da professora: enquanto uma se
143

voltaria aos cuidados domésticos, à vida privada, a outra se destinava ao exercício do


público, mas ambas cuidavam da educação das crianças, o futuro de Natal.
Podemos inferir que o esforço de Pinto de Abreu, com a Reforma de 1908 e
Direção da Escola Normal, de Henrique Castriciano na condução da LERN e na
fundação da Escola Doméstica, buscava esta reordenação social através de uma
instituição já consolidada historicamente como propulsora de mudança de mentalidade:
a escola.
Portanto, neste momento tão singular para esta pequena capital do nordeste a
formação da mulher se encontrava imersa numa representação feminina republicana
envolta num ideário de civilidade e modernidade. Esta formação expressava-se em duas
instituições escolares – a Escola Doméstica e a Escola Normal – institucionalizando
duas profissões femininas – esposa-mãe e professora – duas representações de mulher,
ambas importantes e necessárias à consolidação deste modelo social – a de fórum
público e a de fórum privado – duas vias para um mesmo fim: educar os futuros
cidadãos da República Federativa do Brasil.
Se considerarmos que os conteúdos propostos por um sistema escolar se
relacionam com o tipo de sociedade em que se pretende que estes formandos atuem
podemos dizer que a sociedade natalense, como a brasileira, buscava para a mulher uma
formação que permitisse um cuidar desses futuros cidadãos; um cuidado extremamente
vinculado à figura materna ou, como gostaríamos de enfatizar aqui, relacionado ao
cuidado materno.
144

Capítulo VI
Marcas de um tempo, imagens de mulheres em Natal

Realidade escondida sob papéis. Mulher de


papel, consciência de papel. Papel crepom,
papel celofane, papel de seda. Uma
embalagem aparentemente frágil, mas de
uma força imensa faz esta mulher de papel
(BUITONI, 1981, p.144).

Na perspectiva de uma sociedade que percebia o trabalho feminino acontecendo


no universo público e privado analisamos os modos de ser das mulheres na relação com
os modos de viver, conforme elas aparecem no material impresso pesquisado. O sentido
que atribuímos a estes modos de ser se relacionam com a perspectiva de Barbosa Jr.
(2002) e de Elias (2000).
Para Barbosa Jr. (2002), os modos de viver se relacionam com os modos do ser.
Esta relação estabelece um ethos, ou seja, “o modo de ser e de viver do Ser no sendo32”
(p. 21). A relação estabelecida por este autor busca estabelecer uma proposição a partir
de dois filósofos contemporâneos: Rocha (1994) e Heidegger (1999). “Para definirmos
a nossa concepção de ethos, tomamos como pressuposto a existência entre o Ser-aí
(humano) e o estar-aí (lugar), sem perdermos a singularidade do Ser” (BARBOSA Jr.,
2002, p.21).
Se considerarmos um recorte particular na obra de Elias (1993, 1995, 2000, 2001)
verificamos que ele formula sua teoria da civilização tomando como base documental a
história da transformação dos costumes e das mudanças nas ações interdependentes de
indivíduos em configurações específicas. Podemos dizer que ele busca, nas maneiras
pelas quais os indivíduos pensam e agem, os elementos estruturais para a organização e
reorganização de formações sociais. Ao estudar os costumes das sociedades européias
em oito séculos de existência, buscava compreender como ocorriam estas
transformações no interior das forças que as impulsionavam, orientando tanto a
formação das estruturas individuais como sociais. O estudo (ELIAS, 2000) realizado
numa comunidade inglesa, no final da década de 1950, demonstra de que maneira o

32
O Ser no sendo é este humano (ou o Ser-aí heideggeriano) configurado em um lugar (ou o estar-aí) no
seu fazer cotidiano. Uma realidade movente e nunca totalizada.
145

lugar e os modos de ser instaurados na representação coletiva organizam os modos de


fazer dos indivíduos e estruturam uma configuração social.
Nosso objetivo é buscar as singularidades de gênero na relação com o lugar, ou
ainda, cartografar as maneiras pelas quais as mulheres circulavam no espaço público-
privado da sociedade natalense e suas representações expressas nos impressos
analisados. Para tanto buscamos não apenas os modos de ser e de viver dessas mulheres
ou os seus modos de ser e de fazer na relação com a outra parte gênero humano em
Natal/RN.
É a partir dessas linhas teóricas que olhamos para as mulheres de Natal na
transição do século XIX para o XX. Acompanhamos o farfalhar das saias subindo e
descendo a Junqueira Ayres, em direção à Praça Augusto Severo ou à Matriz de Nossa
Senhora da Apresentação. A linha discursiva se orienta por indagações surgidas do
encontro com as fontes pesquisadas. Como estão representadas as mulheres natalenses
de fim de século? Como se anunciam ou são anunciadas nos documentos impressos
analisados? Elas surgem envoltas em várias representações: mães, esposas, viúvas,
professoras, filhas, historiadoras, poetisas, indigentes, costureiras, engomadeiras,
rendeiras, modistas, criadas, lavadeiras, noivas, atrizes, suicidas e cozinheiras. São
violentadas, seduzidas, beneméritas, virgens etéreas, proprietárias de bens imóveis,
loucas, presidentes de associações. Emergem como mulheres na relação com os homens
constituindo a configuração natalense entre 1889 e 1914.
E elas nos aparecem através dos impressos que circulavam como A República,
Via-láctea ou Almanak para o Rio Grande do Norte. No dia 02 de fevereiro de 1897,
depois de um recenseamento por rua, publicado durante todo o mês de janeiro, elas se
apresentam como 3.393 mulheres residindo na Cidade Alta ao lado de 2.491 homens,
constituindo maioria quantitativa do gênero feminino neste espaço populacional. No
total são 5.884 pessoas habitando aquele bairro residencial que abrigava 2.576
analfabetos ao lado de 3.308 leitores declarados (RECENSEAMENTO, 1897, p.1).
De acordo com este recenseamento, a Rua Voluntários da Pátria tinha 177
habitantes; metade destes não apresentou profissão. A metade ativa desta população
inclui 33 mulheres, das 112 recenseadas, distribuídas como criadas (15), costureiras
(14), engomadeiras (03) e rendeira (01). Ao lado delas, dos 65 homens, 31 deles surgem
como empregados públicos (12), militares (06), agricultores (03), catraieiros (03),
operários (02), barbeiros (01), carpinas (01), marinheiro (01), médico (01) e padeiro
146

(01). Estes dados nos deram alguns elementos para refletir e dimensionar esta
investigação.
Além da diversidade de profissões masculinas em relação com as femininas, é
relevante notar os índices mais altos em um e outro gênero. Para os homens, o
empregado público e o militar são os mais mencionados; para as mulheres, são a
costureira e a criada. Tanto os primeiros diziam de um trabalho público, como os
segundos de um trabalho privado. Nesses dados podemos ver as mulheres nas relações
com o outro gênero exatamente onde a configuração as colocava: no ambiente
doméstico. Mesmo quando trabalhava “fora”, como criada, ou “para fora”, como
costureira, seu trabalho ainda era de fórum privado.
Em um recenseamento parcial, de seis ruas da Ribeira publicadas no jornal A
República nos dias quinze e vinte de janeiro e nove de fevereiro de 1897, podemos vê-
las pela cidade, ainda, como costureiras (346), rendeiras (98), lavadeiras (97),
engomadeiras (82), cozinheiras (29), tecedeiras (04), bordadeiras (02), modistas (02),
parteiras (02); na Cidade Alta, como costureiras (24), engomadeiras (19), cozinheiras
(08), modistas (02), professora (01), rendeira (01) e lavadeira (01).
Um dado que nos chamou a atenção foi a profissão de professora. Sabemos pelos
anúncios dos jornais, pelos resultados de exames ou pelas listas de professores públicos
que existia um contingente maior de mulheres professoras. No entanto, o recenseamento
traz uma única menção a esta profissão escrita no gênero feminino, na rua Senador José
Bonifácio, atual rua Câmara Cascudo. As outras ruas recenseadas tampouco trazem
maiores informações sobre esse quantitativo nos deixando à deriva desse conhecimento
no recorte analisado. Segundo Lima (1927), entre 1900 eram em número de três as
professoras públicas da cidade. O mesmo quadro é trazido por ele relativo a 1907.
Somente a partir da década de 1920 o quantitativo de escolas públicas e de professoras
aumentaria significativamente: em 1927 são 14 professoras ministrando aulas em
Grupos Escolares, Escolas Isolada, Rudimentar e Noturna para Adultos.
As mulheres circulavam em vários espaços públicos deixando suas imagens
impregnadas das marcas de um tempo. Em 08 de maio de 1890 o jornal A República
descreveu um Concerto realizado na Intendência Municipal de Natal. O auditório era o
mais seleto: “elegantes senhoras, o cidadão Governador e os altos funcionários de
administração, homens de Letras e homens de fortuna”. Durante uma “boa meia hora”
as damas comunicavam às outras mulheres o que haviam achado da apresentação,
enquanto os cavalheiros faziam o mesmo entre si (CONCERTO, 1898, p.1). Homens e
147

mulheres no espaço público e cada um na sua categoria de conversas, nos seus


interesses de gênero.
Estávamos a poucos dias da República. A união dos Estados sob uma federação
ainda era uma novidade e muitas outras viriam. Vimos como Castriciano, sob o
pseudônimo de José Braz, malfadava o costume natalense de deixar as senhoras em
casa. Aqui, pois, temos uma exceção: as senhoras emprestavam seus modos elegantes,
na descrição do autor, ao espaço público.
A busca dessa elegância convida as moças e senhoras a olhar para fora da
cidadela. Recife, Rio de Janeiro, Paris ditavam moda e esta se espraiava pelos artigos de
jornal e pelas primeiras revistas e jornais femininos do Brasil e do mundo

Hoje que o ideal feminino consiste na beleza e elegância da toillete


não podemos deixar de recomendar as nossas estimáveis assinantes e
simpáticas leitoras a aquisição da Moda Elegante, excelente jornal de
modas, elegância e bom tom, publicado em Paris (O REINADO DA
ELEGÂNCIA, 1898, p.3).

Em outra matéria conclamava às senhoras norte-rio-grandenses a “exigir de seus


maridos, pais, uma assinatura da Moda Elegante” (MODAS FEMININAS, 1898, p.3).
Talvez, além de intencionar a divulgação da revista, a matéria julgasse aquele periódico
como portador de um padrão de elegância para as leitoras natalenses. Podemos pensar
que um universo estético, urbano, moderno, forjava-se. E nesse universo a elegância
feminina tinha seu lugar de destaque. Um universo peculiar trazido de cenário para os
romances daqui e de lá; de Natal, Rio de Janeiro ou Paris.

A imagem de Paris impunha-se como sentido de civilização e


refinamento. Essa cidade, plena de processos socialmente inovadores,
era por excelência vitrine da civilização e das transformações que se
instalavam no Brasil (MORAIS, 1996, p. 24).

Este cenário é captado por Júlia Lopes de Almeida33 em seus romances, como A falência
(ALMEIDA, 2003) ou A Silveirinha (ALMEIDA, 1997). A Silveirinha, protagonista do
romance homônimo de Almeida, era do tipo esguia, de quadris chatos, possuía um semblante
misterioso que convidava a indagar sobre uma personalidade, que trazia, ao mesmo tempo, a

33
Júlia Lopes de Almeida nasceu no Rio de Janeiro em 1862. Publicou sua primeira crônica no Gazeta de
Campinas aos 21 anos. Foi colaboradora em diversos jornais do país, incluindo O País. Sua obra inclui
contos, crônicas, romances e textos teatrais. Faleceu em 1934, aos setenta e dois anos, cinqüenta e três
deles dedicado à escritura (ALMEIDA, 2007).
148

obstinação envolta em uma aparente fragilidade feminina. E sabia vestir-se, segundo a


personagem Xaviera.

O seu traje de seda crua com bordaduras a torçal, seguro no peito por
um pequeno dragão de esmeraldas e diamantes, recendia a Paris;
assim como o chapéu, de um modelo novo e ousado de que irrompia,
em desesperado alvoroço, um feixe riquíssimo de penas cor de cobre
novo (ALMEIDA, 1997, p.75).

Paris surge desta admiração descritiva de Xaviera, como a expressão de elegância


atribuída à senhora em destaque. Silveirinha, assim como outras personagens femininas
de Almeida e de outros romancistas, integram uma galeria de mulheres ficcionais que
refletem e expressam a representação feminina do período em destaque neste trabalho.
Os modos de ser e de fazer dessas personagens surgem como ponto de reflexão
sobre as próprias mulheres natalenses do final do século XIX representadas nos
impressos. Nesta perspectiva “a relação de representação é entendida como o
relacionamento de uma imagem presente a um objeto ausente” (MORAIS, 2002, p. 25).
A relação entre o texto ficcional e a mulher nele representada com as mulheres que se
apresentam nos jornais organiza-se em torno de uma análise histórica (e cultural) sobre
imagens femininas produzidas por “práticas articuladas (políticas, sociais e discursivas),
que constroem as suas figuras” em uma historiografia entendida, também, como “o
estudo dos processos com os quais se constrói um sentido” (CHARTIER, 1990, p. 27).
A construção de sentidos também estava presente nos romances oitocentistas do fim do
século XIX, como os de Júlia Lopes de Almeida citados.
Segundo Telles (1999, p.428), a partir da década de 1880 até 1914, as redefinições
sociais que este período carrega vão refletir nas personagens femininas dos romances. A
heroína romântica representada por Carolina de A moreninha (MACEDO, 1995) dá
lugar a personagens sensuais como Ambrosina de A condessa Vésper (AZEVEDO,
1973). Um meio termo é trazido por Júlia Almeida: a mãe de família, com traquejo
social, bela, elegante e prendada, mas cuja noção de sacrifício pelo bem-estar da família
não escapa ao reforço esposa, dona-de-casa e mãe, como Ernestina de A viúva Simões.
149

Era a mulher destinada, pela sua formosura emocionadora, ao luxo, à


grandeza e ao amor! Não que o seu rosto fosse de linhas puras, nem
que as suas palavras denunciassem a volúpia; aquele ardor, aquele
domínio, vinha da sua pele, do seu olhar e do seu sorriso. Decorreram
anos depois de tudo isso; agora ele sabia-a boa e honesta; a sua vida
de casada fora doce, invejável, simples, reta! Inda assim, era sempre a
mesma impressão esquisita, meramente sensual, que essa mulher
produzia nele! (ALMEIDA, 2003, p. 180).

Neste livro os valores sociais da escritora ganham voz e corpo através de seus
personagens. A exemplo de outros intelectuais do período, como Olavo Bilac ou
Manoel Bonfim, Júlia Lopes de Almeida também estava engajada na consolidação dos
ideais republicanos e via a desarmonia familiar resultante da pouca educação ofertada às
mulheres e ao seu limitado mundo social, restrito ao ambiente doméstico e religioso.
Neste sentido, esta obra adquiria um caráter formativo na medida em que difundia
valores caros ao sistema que utilizou, como nenhum outro, o simbolismo e o conteúdo
ideológico para se afirmar.
Os positivistas foram os mais beligerantes e se envolveram em uma batalha
simbólica na tentativa de tornar o regime político aceito e amado por toda a população.
Suas armas foram os símbolos cívicos e a escrita (CARVALHO, 2001). Como símbolos
tinham a bandeira com sua faixa comandando ordem e progresso; a alegoria feminina
mariana em contraponto à imagem masculina do monarca, a instauração dos heróis
republicanos como Tiradentes e André de Albuquerque; o poderio armado no episódio
contra o arraial de Canudos. E todos esses símbolos assumiam a forma de discursos
patrióticos nas páginas escritas dos jornais pelo Brasil. Mas também se organizavam em
torno de palestras entre amigos, admoestações de professoras ou conselhos de mães nas
páginas ficcionais dos romances e peças teatrais do período, a exemplo de A Capital
Federal (2001) de Arthur Azevedo34.
Nossas análises se encaminharam a partir de um “objeto representado, nos textos
disponíveis” evocando “imagens de coisas que indicam metáforas de vida com a força
que o próprio texto possui” (MORAIS, 1996, p. 09). Tínhamos, ao mesmo tempo, o
homem e a mulher republicanos ao lado de seus personagens masculinos e femininos do
final do século XIX.

34
Arthur Azevedo nasceu em São Luís, mas passou a maior parte da sua vida no Rio de Janeiro para onde
se mudou em 1873. Jornalista, contista, teatrólogo, tinha seus trabalhos publicados em diversos jornais do
país, incluindo o natalense A República. A Capital Federal, título de uma de suas peças teatrais, era o
cenário preferido do escritor. Sua obra registra o cotidiano e evolução da capital do país.
150

Como para referendar estes rasgos de verdade encontramos a ficcionista Júlia


Lopes de Almeida nas páginas do jornal A República como escritora e colaboradora de
periódicos no Brasil. Figurava como contista, nas seções literárias (ALMEIDA, 1908,
p.3) deste jornal.

Jornal A República
(29 ago. 1908)

A escritora carioca aparecia não apenas através de sua arte ficcional, mas como
uma mulher escritora, colaboradora de reconhecimento nacional em jornais como O
Paiz, ou em revistas femininas, como A Mensageira.
151

Recebemos o número 8 da ‘Mensageira’, a excelente revista literária


dedicada à mulher brasileira, sob a direção de D. Presciliana Duarte de
Almeida. Colaboram nesse número, além de outras a conhecida
escritora Júlia Lopes de Almeida e a talentosa poetisa Áurea Pires35 (A
REPÚBLICA, 1898).

Os jornais femininos constituíam o esforço de um público que se fazia leitor e


escritor desde meados do século XIX. Buitoni, no início da década de 1980, associa o
surgimento dessa literatura escrita e dirigida às mulheres à ampliação dos papéis
femininos, inicialmente na Europa e depois se espraiando pelo ocidente, e à evolução do
modo de vida burguês que implicava em novas necessidades. Aí incluída a educação
feminina.

De qualquer modo, entre a literatura e as chamadas artes domésticas, o


jornalismo feminino já nasceu complementar, revestido de um caráter
secundário, tendo como função o entretenimento e, no máximo, um
utilitarismo prático ou didático (BUITONI, 1981, p.09).

Mas, salienta Morais (1996, p. 22), esses trabalhos eram realizados em torno de
uma coletividade feminina, “leitoras que, provavelmente se reuniam, discutiam, elegiam
suas representantes, tomavam posições”. E esta tomada de posição ao mesmo tempo em
que anunciava suas vozes ao debate público, espelhava e era espelhada por outras
mulheres. Estes nichos literários refletiam uma sociedade “em busca de letramento; se
percebe que a modernização dessa cidade passava também pela valorização da escrita”
(p.33). Tanto na cidade do Rio de Janeiro configurada por Morais, como nesta Natal que
ora apresentamos, e em todas as capitais brasileiras do fim do século XIX.
Este esforço intelectual, literário, ideológico, educativo traduzia-se em uma
diversidade de jornais e revistas femininos, alguns deles manuscritos, como A
esperança (GOMES, 1999) ou O Sonho (1908). Este último circulou na cidade de
Ceará-Mirim, a 30 km de Natal, no final do século XIX36. Fundado e organizado pela
professora Adelle Sobral de Oliveira anunciava-se como “periódico literário e
noticioso” (O SONHO, 1908, p.1). Os textos dispostos nos exemplares analisados entre
1908 e 1909 se organizavam em torno de poesias, notícias da cidade, cartas de leitoras e
respostas de suas redatoras, prosas poéticas e contos. Traduziam o esforço de uma

35
Áurea Pires nasceu em 1876 no Rio de Janeiro e também figurava como colaboradora de outros
periódicos femininos
36
Estamos considerando aqui o final do século XIX como sendo até o ano de 1914, conforme explicitado
no primeiro capítulo deste trabalho.
152

população feminina que se impunha no mundo das letras com seus limites e
possibilidades.
Embora sejam relativas as possibilidades oferecidas pelas circunstâncias, as
táticas obedecem à lei do lugar, ou ainda à ordem imposta pelas estratégias
institucionais. Certeau (2002) define estratégia como a manipulação “das relações de
forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder”
pode ser isolado. As táticas “são “maneiras de fazer”, estilos de ação que intervêm num
campo que os regula e cria um segundo nível embricado no primeiro. Não tem por lugar
senão o do outro. “Uma ação calculada”, a tática é “a arte do fraco” que se desenvolve
no terreno que lhe é imposto. “Aproveita as ‘ocasiões’ e delas depende. O que ela ganha
não se conserva. Este não-lugar lhe permite mobilidade e também a capacidade de
assimilar e se adaptar rapidamente às mudanças ocorridas no terreno cultural. Os jornais
femininos manuscritos se inseriam no veio de um sistema que permitia sem estruturar,
que não proibia, mas não estimulava. Encontrar mecanismos táticos entre um universo
masculino já historicamente consolidado consistia em um processo complexo em que as
conquistas femininas vão ampliando seus espaços de ação e de voz. Como a primeira
revista feminina impressa de Natal.
A revista Via-láctea figura em Carvalho (2004) como o primeiro periódico
dirigido às moças natalenses. Diferenciava-se de seus antecessores manuscritos como O
Sonho e Esperança (GOMES, 1999) por ser impresso, como se faz notar ao rodapé das
capas na edição fac-similar publicada por Duarte e Macedo (2003).
Este periódico cumpria em Natal o que outros faziam em outras cidades e capitais
brasileiras: ampliava a oferta de leitura contribuindo para a constituição da leitora e da
escritora no fim do século XIX. Diz Fanette, um dos pseudônimos de Maria Carolina37
Wanderley, em artigo intitulado A primeira noite da Via-lactea, publicado
originalmente em novembro de 1914.

37
Maria Carolina Wanderley foi a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Academia Norte-rio-
grandense de Letras. Nasceu em Assu-RN em 1891 e faleceu em Natal em 1975. Concluiu a Escola
Normal em 1911 e foi professora no Grupo Escolar Frei Miguelinho de 1913 até sua aposentadoria.
Colaborou nos jornais A República e A cigarra. Em 1919 lançou o livro.
153

O tresloucado Kaiser da Alemanha, no dizer de Dr. Ponciano Barbosa,


se por um fatalíssimo acaso chegasse a sair vitoriosos na atual
conflagração européia, não sentiria, estou certa, maior regozijo ao
conquistar o império universal, que sentimos nós, na memorável noite
que recebemos nossa revista. [...] Era ela, a nossa revista desejada – a
concretização do nosso ideal, a realização do nosso sonho, que
recebíamos sob o pallio aberto de onde se originara seu nome.
Tratamos logo de mandar distribuí-la aos assinantes (DUARTE;
MACEDO, 2003, p.47).

Os pseudônimos eram artifícios muito utilizados por homens e mulheres no século


XIX. Na relação com as mulheres, afirmam Duarte e Macêdo (2003, p. 22), se expor em
um jornal “era uma atitude decididamente audaciosa para qualquer mulher daquela
época” e o pseudônimo surgia como um modo de “proteger e preservar a si mesmas e
aos familiares da exposição pública e da crítica dos conterrâneos”. Por este motivo,
talvez, Fanette – e não Carolina – aparece para nos mostrar como nasceu a Via-Láctea.
Junto com mais nove colaboradoras, Palmyra Wanderley, Stella Gonçalves, Maria
da Penha, Joannita Gurgel, Anilda Vieira, Dulce Avelino, Stellita Melo, a partir do
número cinco, Sinhazinha Wanderley e, a partir do número sete, Cordelia Sylvia, fez
circular entre, 1914 e 1915, a Via-láctea. Os exemplares mesclavam poesias, prosas
poéticas, ensaios literários, cartas e crônicas sobre a educação da mulher, o ser
feminino, religião e reflexões sobre o cotidiano da cidade, a exemplo de Através do
Jardim, publicada no primeiro número do jornal, em outubro de 1914, a que fizemos
menção numa análise anterior38 sobre a configuração em foco.
Na citada crônica, Zanze – pseudônimo de Carolina Wanderley – nos convida a
refletir sobre o papel da imprensa no período – ainda que não seja sua intenção escritora
– ao relativizar a descrição dos passeios domingueiros por logradouros de Natal e o seu
próprio passeio pela cidade. “E a imaginação rica e sonhadora das distintas cronistas
reveste de atrativos essas tardes de retretas. Não as conhecia”.

A graça, a elegância, a beleza da terra, lá estavam brilhantemente


representadas em diversas senhoritas, mas a esses astros, eclipsava a
massa do pováreo desencadeado. Procurei, debalde, encontrar o
encanto que as cronistas davam às retretas (DUARTE; MACEDO,
2003, p.42).

38
Ver página 112.
154

Conclui a cronista do Via-láctea que a reunião de pessoas de todas as classes


sociais, com uma música que se assimilava a um “tango apalhaçado”, em redor de amas
de crianças e rapazolas mal educados deixaram-na triste, pois “naquela tarde (foi como)
se tivesse desvanecido a última ilusão a que me apegara”. Talvez acalentasse a ilusão de
um passeio público nos moldes elegantes de Paris ou do Rio de Janeiro. Talvez buscasse
uma tarde domingueira em concordância com o ideal de civilidade dos intelectuais do
Estado, no qual ela se incluía. De qualquer modo, a cronista nos remete aos gostos dos
natalenses do período – “um desses tangos, que são agora a música predileta dos
natalenses” – que não são os seus explícitos quando, ao abandonar o jardim “sem
saudades”, volta à sua vida “retraída e longe do bulício da cidade”.
Esta interação social de classes era parte do cosmopolitismo da urbanidade
civilizada. Se os pobres não podiam consumir ou ostentar vestuários elegantes, não
eram impedidos de participar da vida pública e do hábito moderno do footing39, a
exemplo do Rio de Janeiro, modelo de civilização para o Brasil.

Na segunda década do século, freqüentar a Avenida Central era estar


mais up-to-date40 do que flanar pela Rua do Ouvidor, apesar de esta
continuar movimentada por pessoas que falavam umas com as outras,
trocavam boatos e faziam negócios (ARAÚJO, 1995, p.327).

Reflexões, indagações a parte, o Via-láctea trazia as mulheres de Natal como


escritoras, leitoras, mas também sob uma nova categoria: jornalistas. A reclamação
sobre as limitações intelectuais das mulheres não se resumiam à educação, mas também
às formas de expressar suas idéias ou sua intelectualidade adquirida com tal educação.
Os periódicos femininos tornaram-se para essas mulheres este espaço de expressão do
gênero, como vemos em Aparecimento, publicado no primeiro número da revista, em
outubro de 1914.

Em geral, na estreiteza do meio ambiente, quando não tenha de


cumprir a nobre missão de esposa e mãe, existe como se fosse planta
de estufa. Uma relativa cultura tem-na disposto para diversos misteres
honrosos. Se o exercer com proficiência a melindrosa função de
educadora é um fato, ainda assim vêmo-la circunscrita na esfera onde
age e nenhum outro constata a energia intelectual que não raro é
dotada, de sorte que pouco lhe valerá possuir aptidões (DUARTE;
MACEDO, 2003, p.17).

39
Passeio ou caminhada
40
Expressão idiomática que significa “mais informado” ou “acrescido de dados ou informações”
155

Esta constatação da redatora da revista sobre a pouca valia do conhecimento


adquirido nos remete a uma digressão reflexiva sobre a educação dessas mulheres.
Desde o início do século XIX a educação das meninas vinha se ampliando. De forma
tímida, mas sempre crescente, essa educação contava com educadoras e escritoras do
quilate de Nísia Floresta para apregoar sobre essa necessidade. Mesmo homens
públicos como o Conselheiro José Paulino apontavam essa urgência na formação da
outra parte do gênero humano. Urgência compartilhada pelas redatoras, aqui
representadas, por Ângela Marialva, pseudônimo de Palmyra Wanderley, da Via-
láctea numa perspectiva moderna da instrução prática para o exercício da mulher no
lar doméstico.

O estudo da religião engrandece a alma [...] o estudo da literatura dá-


lhe a graça, sutileza, poesia [...] Educai o espírito da mulher nesta
escola de princípios belos e sábios; consegui que ela conserve sempre,
como guardas da sua casa a virtude e a sabedoria. E eu apresentarei a
criatura perfeita, a mulher cristã, o adorno de sua casa (DUARTE;
MACEDO, 2003, p.79).

A revista trazia além das crônicas, poesias como o soneto de abertura do número
três deste jornal feminino, de dezembro de 1914: o poema Natal, de autoria de Auta de
Souza41. Esta poetisa, falecida no ano de 1901, foi colaboradora diária da coluna Artes e
Letras do jornal A República.

Passa amanhã uma data lutuosa para as letras norte-rio-grandenses.


Foi a sete de fevereiro que apagou-se para a Terra, afim de renascer
para a imortalidade, o grande espírito de Auta de Souza, a poetisa
insigne e inspirada que soube cantar em versos imorredoiros as
grandes dores da alma humana e também o supremo conforto que os
corações angélicos sabem encontrar na crença sublime da religião do
Cristo (AUTA DE SOUZA, 1902, p.1).

Auta de Sousa tinha 25 anos quando de seu falecimento e na sua curta existência
teve seu trabalho publicado em vários periódicos, como A Mensageira, de São Paulo
(TELLES, 1999), Oásis, Revista do Rio Grande Norte e A Tribuna do Rio Grande do

41
Auta Henriqueta de Souza nasceu em Macaíba-RN em 1876. Colaborou na revista Oásis em 1894 e a
partir de 1897 passou a colaborar com a revista carioca A República e com A Tribuna, Órgão do
Congresso Literário. Em 1897 Auta reuniu os versos feitos desde 1893 até aquela data numa coletânea
que intitulou Dhálias, mas não publicou. O único livro publicado em vida, Horto, em 1901, foi prefaciado
por Olavo Bilac.
156

Norte (CARDOSO, 1999). Seu prestígio nacional era evidenciado nas páginas do A
República, tanto noticiando o lugar que ela ocupava nos jornais do Brasil como
transcrevendo notícias sobre ela fora do Estado, a exemplo do o artigo sobre ela no A
Província do Pará ou o poema dela publicado no Paiz, do Rio de Janeiro.

Agora o Rio Grande do Norte também vai configurando pouco a


pouco um lugar distinto, um lugar de honra no convívio das letras
brasileiras. Auta de Souza é, portanto digna da galeria ilustre de Júlia
Cortines, Francisca Júlia da Silva, Elvira Gama, Ibrantina Cardona,
Anna Batista e Revocata de Mello (RODRIGUES, 1898, p. 3).

O ‘Paiz’ em sua edição de sábado passado publicou em sua primeira


página o esplêndido soneto ‘A minha avó’, da nossa inteligente
colaboradora e inspiradora poetisa Auta de Souza, que assim vai
sendo consagrada pelo grande público da capital da União. (AUTA
DE SOUZA, p. 3)

O soneto A minha Avó foi publicado originalmente no Almanak para o Rio


Grande do Norte para 1897. Um almanaque deveria conter o que Queirós (2008)
chamou de verdades iniciais que a humanidade necessita rememorar para que sua
existência se regularize e se perpetue. Ou como o organizador – Renaud e Cia. Empreza
Graphica – do Almanak para o Rio Grande do Norte para 1897 prefacia:

O plano que adotamos neste Almanaque e as matérias de que ele se


ocupa só têm por fim servir de utilidade e agradar os nossos leitores.
Da aceitação que tiver o Almanak depende o seu aperfeiçoamento,
havendo da nossa parte a melhor vontade de colocá-lo a par de outras
publicações do gênero, tendo sempre em mira formar o Almanak uma
fonte de informações (ALMANAK, 1896, p. 07).

Era uma publicação anual, com uma diversidade de textos, como receitas,
crônicas e poesias. Neste almanaque encontramos o poema de Auta de Souza, A minha
avó

Minh’alma vai cantar, alma sagrada!


Raio de sol dos meus primeiros dias...
Gota de Luz nas regiões sombrias
De minha vida triste e amargurada.
Minh’alma vai cantar, velhinha amada!
Rio onde correm minhas alegrias
Anjo bem dito que me refugias
Nas tristes asas, contra a sina irada! (SOUZA, 1896, p. 461)
157

A maior parte de suas poesias publicadas trazia a indicação de que eram


produzidas para A República com exclusividade. E havia indícios de que fossem
transcritas em jornais como o Jornal do Commercio e O Paiz, ambos da Capital
Federal. Sua relação com os irmãos Eloy de Souza e Henrique Castriciano é evidenciada
nos oferecimentos que antecedem algumas dessas poesias, como Cantando.

Tão mimosa estrela,


No céu ontem vi.
Que minh’alma, ao vê-la,
Pensou logo em ti.
Pensou em ti, santo!
Vendo-a assim a brilhar...
Parecia o encanto
Do teu doce olhar (SOUZA, 1897, p.2).

Era comum vê-la, através dos seus poemas, presenteando mulheres em linhas
afetuosas com suas criações artísticas, a exemplo de Antônia Araújo (1896), Carlota
Valença (1897) e Inah (1898). Sem o saber ou sem ter esta intenção colocava no mapa
histórico não apenas a si, mas essas outras coadjuvantes da história que com ela
compartilharam tempos e espaços. Ao mesmo tempo em que este indício sugere um
grupo bem significativo de afetos, demonstra também um conjunto de poetas e poetisas
com os quais Auta de Sousa se relacionava. Intitulado Cantai, um poema é ofertado ao
“mavioso rouxinol”, “gentil e inspirada poetisa” a pernambucana Edwiges de Sá Pereira

O vós que guardas no seio


Com tanto amor e carinho
Com o mesmo doce receio
De um, a ave que guarda o ninho
As ilusões mais douradas
Que uma alma de moça encerra
Cantai as crenças nevadas que divinizam a terra (SOUZA, 1897).

Em agradecimento, a poetisa Edwiges de Sá Pereira publicou um poema intitulado


Retribuição (1897) que foi publicado no mesmo exemplar desse diário. Esta poetisa
nasceu em Pernambuco, em 1884, e foi durante sua vida ativa colaboradora em jornais e
revistas sempre defendendo “a elevação intelectual da mulher” (SCHUMAHER, 2000,
p.189). A partir de 1898 passou a compor a coluna Sciencias e Letras do A República.
158

MAIS UMA POETISA DO NORTE


Esta folha que se ufana de contar entre os seus colaboradores a
inspirada poetisa Auta de Sousa, franqueia com prazer as suas colunas
a colaboração efetiva de Edwiges de Sá Pereira, cujo estro mavioso
revela-se como verão aos leitores (MAIS UMA POETISA DO
NORTE, 1898, p.3).

Não foi possível saber, pelo acesso lacunar aos exemplares dos jornais, quando
finalizou esta colaboração. Mas encontramos poesias suas em jornais, como Esther em
1901 e Chorando em 1902.
Outras mulheres colaboravam numa aparição meteórica deixando um rastro tênue
apenas a nos indicar a presença de mulheres escritoras naquele instante de tempo. Maria
Amália (1898), Elva Serrão (1911), Maria Mendes, Leonete Oliveira, Carlinda
Fagundes (1911), Lucília Reis (1914) figuram como algumas dessas aparições.
As atividades dessas mulheres fornecem indícios de quais foram seus papéis no
período. Convidam-nos a uma reflexão mais profunda ao ler suas ações, como seus
textos na busca dessas representações. A beneficência é parte da vida de muitas delas
seja em ações isoladas como a de Guiomar de Vasconcellos (A REPÚBLICA, 1911)
arrecadando cupons da Empreza Melhoramentos de Natal, para subsidiar o Hospital da
Caridade, ao lado de meninas como Isaura, Marieta (A REPÚBLICA, 1911) ou Maria
Orione (A REPÚBLICA, 1911); e a de Júlia, quem sabe, estabelecendo o viés da
concorrência ao buscar os cupons da Ferro Carril.
Por vezes esta mulher beneficente aparecia em atividades coletivas como a
Associação das Damas de Caridade Chá das Damas, em 17 de agosto de 1908.

Realizou-se no sábado último a assembléia geral anual da Associação


“Damas de Caridade”, na Capela de São José, da fábrica de tecidos.
Depois de procedido um peditório secreto, entre os presentes, para os
pobres da associação, o qual produziu a quantia de 240 $, foi
encerrada a sessão pelo vigário Moysés Ferreira que dirigiu às
associadas uma brilhante alocução que foi bastante aplaudida
(DAMAS DA CARIDADE, 1908, p.2).

Sob o cognome de anônimas “Damas da Caridade” essas senhoras ilustres


marcam sua passagem por esse continum histórico. A notícia ocupava duas colunas do
jornal e descrevia toda a reunião: do relatório à palestra e da coleta de dinheiro aos
nomes dos presentes. Mas entre esses nomes não figurava o de nenhuma dama. Estas
ficaram entre os nomes que “escaparam” ao jornalista que, além dos citados –
governador Alberto Maranhão, senador Ferreira Chaves, H. Castriciano, Manoel
159

Dantas, Segundo Wanderley, Ezequiel Wanderley, entre outros –, somavam vinte e


cinco nomes entre desembargadores, majores, coronéis, políticos e intelectuais, homens
norte-rio-grandenses.

E outros, cujos nomes nos escaparam, além de senhoras e senhoritas


de nossa melhor sociedade que deram muita distinção à Assembléia.
A República enviando às Damas de Caridade respeitosas saudações
agradece o convite com que foi distinguida (DAMAS DA
CARIDADE, 1908, p.2).

Talvez essas senhoras e senhoritas fossem filhas, irmãs e esposas dos nomes
citados pelo jornalista. Observamos na análise do texto como a presença feminina
permeia toda escrita, do título – Damas da Caridade – à conclusão do artigo, mas
apenas se anunciando como uma sombra, uma sutil presença em algo que,
aparentemente, é seu espaço de excelência. O relatório é apresentado pelo padre Moysés
Ferreira e a palestra pelo professor Raphael Garcia, em nome da Sociedade de S.
Vicente de Paula, beneficiária do esforço daquelas damas. Esta forma de representação
da mulher no espaço público estava relacionada com o ideal feminino de filha e esposa
posto em Natal e em todo o Brasil.
Podemos destacar o discurso sobre os modos de apresentação da mulher no
espaço público a partir de um artigo do Revista Illustrada. Em um texto de 1886 sobre a
ampliação dos espaços públicos profissionais femininos a revista retrata a ideologia da
época. Sob o título O eterno feminino e ao lado de palavras e expressões como “sexo
gentil”, “melhor metade do gênero humano” passa a representação do que não é
apropriado à mulher brasileira “que a esfera de ação do sexo gentil deve ser ampliada,
mas também nos parece que o círculo não pode ter um grande raio” (BUITONI, 1981,
p.16).
Encontramos notícias da associação nos anos subsequentes nos exemplares a que
tivemos acesso do jornal pesquisado. Em 18 de agosto de 1911 A República noticia o
quinto aniversário desta associação sob “os auspícios da Exma. Sra. Ignez Barreto, sua
digníssima presidente”. Em 22 de agosto o jornal noticiava a reunião com a celebração
do bispo diocesano D. Joaquim de Almeida. Em 10 de novembro daquele mesmo ano “a
ilustre senhora” aparece novamente neste jornal encimando a notícia de sua morte. Mas
as benesses dessa associação continuam e em 1914 elas estão lá promovendo uma festa
beneficente apelidada de Chá Five O’clock. O evento aconteceu no terrasse do monte
160

Petrópolis e as mesas foram servidas por “gentis senhoritas” (SENHORAS NO FIVE


O’CLOCK, 1914, p.1).
Esta associação se organizava em torno de atividades beneficentes. Mas essas
benesses advindas do gênero feminino não se limitavam às associações. Atividades
ligadas diretamente à Igreja Matriz Nossa Senhora da Apresentação também contavam
com o trabalho voluntário das mulheres natalenses. E este era outro modo do fazer
feminino que se organizava em torno de um modo de ser mulher também no final do
século XIX em Natal, sejam senhoras de associações como Damas de Caridade, sejam
meninas do Colégio Imaculada Conceição.
O espírito do cuidado feminino envolve as atividades das meninas num artigo que
descreve uma quermesse organizada no Colégio Imaculada Conceição, na qual as
meninas da escola figuraram numa missa com cânticos e poesias sabendo “proporcionar
aos seus convidados alguns momentos deliciosamente duradouros”.

Anteontem as moças natalenses exerceram o sortilégio de sua graça


para vestir os altares das capelinhas humildes e qualquer que seja a
religião que professemos só temos louvores para esse belo movimento
de caridade. Se, entretanto, alguma coisa pudéssemos pedir às
promotoras inspiradas da quermesse de domingo, seria a repetição de
uma festa igual em favor das crianças pobres que não tem calçado
nem roupa para freqüentarem as nossas escolas primárias (A
KERMESSE DE DOMINGO, 1908, p. 2).

Algumas dessas atividades envolvendo caridade e religião evidenciam ainda como


se relacionavam com o gênero oposto, como por exemplo a organização da festa da
padroeira para o ano de 1915 anunciado no A República,

Juízas Protetoras
Exmas. esposas do desembargador Joaquim Ferreira Chaves, dos
coronéis João Tinôco, Aureliano Medeiros e Feliciano Lyra;
Juízas por Sorte
Exmas. esposas dos coronéis Avelino Freire, Francisco Casendo,
Jorge Barreto, Felinto Manso, Francisco de Paula Moreira, João Elísio
Freire e Antônio Gurgel (SOLICITADAS, p.2).

E a lista continua indicando os Escrivães por Sorte – ainda que todas sejam mulheres ou
pelo menos esposas destes homens, o jornal não publica a palavra no gênero feminino, escrivãs
–, os Noiteiros do bairro do Alecrim, dos militares e dos encarregados do comércio. Temos uma
referência nominal feminina na noite designada aos solteiros – Carmem Wanderley, Stella
161

Wanderley e Esther Pinto – e nos Escrivães por Devoção – Celina Fagundes, Rachel Pessoa de
Mello e Maria Orione.
As mulheres ocupam a função de organizadoras, mas os homens aparecem nominalmente.
Este aspecto cultural diz para nós das relações entre homens e mulheres nesse período. Com a
ampliação do feminino em suas bases conceituais e estruturais a relação público e privado fica
mais estreita, ainda que continuem esposas, filhas, irmãs são esposas, filhas, irmãs exercendo
seus papéis no espaço público.
As mulheres se movimentavam na sociedade natalense em outros papéis feminnos; alguns
bem diferentes das dimensões adotadas pela elite da cidade. Em outros espaços de Natal – o
teatro, o mercado, o baldo, o Passo da Pátria – podemos vê-las representadas a partir de outros
modos de ser e de fazer.

O Ginásio Dramático tem ensaiado para sua 2ª recita que terá lugar no
sábado próximo no Teatro Carlos Gomes, a peça em 3 atos intitulada
“O Sacrifício”, produção do escritor mineiro dr. Carlos Goés. Tomará
parte nesse espetáculo a aplaudida atriz Honória Reis (VIDA
SOCIAL, 1914a).

Honória Reis, nome artístico de Honória Santos, tinha 60 anos quando dessa
apresentação. Ela é descrita por Cascudo (1999) como uma “espécie matuta de Capitu, com
olhos de ressaca”. Era da Companhia de Teatro de Joaquim Fagundes atuando em sua
companhia como única figura feminina entre 1874 e 1877. Continuou atuando em diversas
companhias teatrais de Natal e foi vendo as palhoças se transformarem em pedra e cal, como o
Teatro Santa Cruz na última década do século XIX. Junto com a Sociedade Dramática, a
Companhia de Teatro de Segundo Wanderley encenou várias peças no Teatro Recreio Familiar.
O teatro aparecia ao lado do cinema e do jornal como aspecto educativo na perspectiva
da cidade educativa aristotélica retomada pela modernidade no que Cambi (1999, p.489)
denominou de “pedagogização da sociedade”. A imprensa divulgava a programação na forma
de anúncios ou editoriais ou mesmo notícias informativas de um observador crítico. Segundo
Othon (2006) a história do Rio Grande do Norte sob os primeiros anos do regime republicano
tornou-se a história do aperfeiçoamento cultural e educativo da população natalense. Em
particular pela ação política e intelectual dos governantes, da sociedade organizada em partidos,
órgãos de imprensa, ligas, associações, mas também de sociedades teatrais e, de modo geral,
pelo empenho de homens e mulheres, entre os quais se colocam atores, atrizes e autores
dramatúrgicos, como Luíz Carlos Lins Wanderley, Stella Wanderley, Isabel Gondim e Henrique
Castriciano.
A partir desse trabalho pedagógico-cultural da imprensa mostrando as atrizes ao lado da
sociedade ou companhia teatral a que estavam ligadas, tanto pudemos saber os modos de fazer
162

dessas mulheres no final do século XIX como tomar conhecimento das companhias teatrais,
circenses e musicais que por aqui passavam ou existiam, assim como dos dramaturgos e textos
conhecidos por esse público.
A imprensa servia como um canal de divulgação, mas também de instigação a um modelo
cultural de civilização que pressupunha nas artes um propulsor para ampliação da inteligência e
do progresso. Destacamos Lucília Silva, da Companhia de Operetas apresentando A Casa do
Diabo, no Teatro Carlos Gomes (VIDA SOCIAL, 03 de abr. de 1914b).
Outros gêneros também contavam com a participação de mulheres por vezes
protagonizando todo o espetáculo como Antoinette Villard, no Polytheama, apresentando
cançonetas como Ave Maria, de Gounot (POLYTHEAMA, 23 de dez. de 1911) ou ao lado de
um coletivo voltado ao entretenimento como Eliza Azevedo da Companhia Eqüestre, cuja
despedida de temporada na cidade lhe valeu cortejo e um embarque festejado.

Em carro triunfal, conduzido por seus partidários e precedido de um


grupo de senhoritas, percorreu a noite, acompanhada por todos os
membros do partido encarnado, por grande número de curiosos, as
ruas da Ribeira, a distinta artista eqüestre – Eliza Azevedo (ELIZA
AZEVEDO, 02 de mai. de 1897).

Sobre Eliza Azevedo, não foi possível saber mais do que nos deu a conhecer o
jornal pesquisado. Estreou seu espetáculo junto com outros integrantes da companhia no
Circo Estrella (CIRCO, 18 de abr. de 1897) e encerrou sua temporada sob o entusiasmo
de torcidas organizadas em partidos: azul e encarnado. Seu sucesso, a despeito dos
outros artistas, pode ser mensurado pela descrição que faz o jornal da festa de despedida
feita em sua homenagem e das homenagens feitas pelo público por ocasião do seu
embarque no navio Yatch, de onde seguiu para a cidade de Macau (ELIZA AZEVEDO,
02 de mai. 1897).
Eliza seguiu para Macau e voltamos nossos olhares por sobre os jornais buscando
encontrar outras mulheres – e seus modos de ser – em outros espaços da cidade. Ao
fazermos isto nos deparamos com Maria Joaquina, sua mãe indigente e Lúcia Rosa.
Encontramo-las no Forte dos Reis Magos, na casa do Alferes Eurico Guilherme e pelas
ruas de Natal alienadas, a compor o mosaico feminino, numa nuança mais escura que o
usual cor-de-rosa atribuído ao belo sexo.
Lúcia Rosa se apresentou a esta pesquisadora como uma demente que vagava
pelas ruas de Natal no ano de 1899 “a quem o infortúnio conjugal sepultara em vida nas
trevas da morte moral” (E. de S., 1899, p.2). Em fevereiro daquele ano foi encontrada
163

morta no sitio Mangabeira, em Macaíba; os urubus anunciaram sua morte e indicaram o


caminho às autoridades policiais (ENCONTRADA MORTA, 1899). Tentamos saber a
causa mortis escrutinando os obituários dos dias posteriores, mas as autoridades
policiais e sanitárias não conseguiram identificar. Um jornalista do A República, sob
pseudônimo E. de S., dedicou sua coluna Impressões à história de Lúcia Rosa, na
forma de poesia, sendo sua voz e seu lamento.

Amor, Santo de Minh’alma


Dize por que me deixastes!
Quando levaste-me a calma
Por que não me apunhalastes?
Que ‘do filhinho adorado
Que me arrancaste dos braços
Pois não temeste, malvado
Quebrar tão laços sagrados (E. DE S., 1899, p.2).

Abandonada pelo marido e tendo o filho arrancado de sua convivência vagava


pela cidade e “aos vinte e nove anos tinha os olhos amortecidos como se a noite escura
as buscasse para Deus” (E. de S., 1899, p.2). Despojada de seus misteres de esposa-mãe
e de sua casa no sertão do Estado, enlouquecera, e só a morte lhe tinha dado o benefício
da cura. Benefício buscado por outras mulheres para outros males como a vergonha
social, a exemplo de Maria Joaquina.
Ela trabalhava como criada em uma casa em Natal. Dizia-se órfã de pai e de mãe.
Mas não o era. Sua mãe era uma mulher que vivia a mendigar esmolas pelas ruas onde
ela, em pequena, também vivia. Fugiu da mãe e achou trabalho na casa do alferes
Eurico Guilherme. Quando a mãe a descobriu foi até a casa em que ela trabalhava em
busca de auxílio, mas a filha a expulsou. Em seguida encharcou o próprio corpo com
querosene e ateou fogo, morrendo em consequência das graves queimaduras provocadas
pelo intento. Tinha vinte e um anos. Pela análise de E. de S., ela se envergonhava da
mãe e percebeu que com sua descoberta não teria mais paz. Parece-nos que esta paz foi
buscada pela interrupção de qualquer forma de contato materno.
Parecendo sair de uma poesia de Coelho Neto, Maria Angélica, moradora do Paço
da Pátria teve sua criança roubada do mercado público,
164

Anteontem, as 7 horas da noite, a indigente de nome Maria Angélica,


deixando por momentos no mercado público um filho menor por
nome Theophilo, e procurando por todo aquele estabelecimento, não
encontrando-o, pelo que supôs ter sido o pequeno vitima de um
astucioso roubo (CRIANÇA ROUBADA, 1899).

O jornal destaca o desespero materno ante a perda criança. Na edição seguinte o


jornal anunciava que a criança havia sido encontrada e devolvida à mãe. Esta
representação de mãe associada ao desespero por ajuda policial surgia nas páginas dos
jornais nas mais diversas formas. A história da senhora que teve suas duas filhas
violentadas talvez nos diga algo mais.

Um indivíduo apanhou, fora de casa duas meninas, uma de oito e


outra de nove anos, e processou cevar com ambas os seus apetites
brutais de sensualidade. Conseguindo uma das vítimas escapar-se,
saciou-se na outra, não conseguindo deflorá-la por impossibilidade
absoluta, mas deixando-a num estado lastimoso. A mãe das vítimas,
uma pobre viúva procurou a justiça de Goianinha e não encontrou
uma só autoridade que quisesse sindicar e punir um crime tão odioso.
Desesperada, a infeliz mãe veio com a filha para esta capital, onde
consta que o delegado de polícia mandou fazer exame médico e tomar
outras providências (MONSTRO, 1891, p.1).

Não foi possível perceber que providencias foram tomadas ou mesmo quais queriam esta
mãe. Mas a expressão da justiça ou pelo menos da busca desse Estado de Direito estava
representada na busca pública de mulheres e homens, mães e pais pelas páginas dos jornais
analisados.
Um outro perfil feminino que se destaca, desta vez, pela voz paterna é o caso de uma
garota deflorada. O pai chama a atenção das autoridades de Natal para o crime contra uma
menor de idade na intenção de que algo possa ser feito na capital. A história se passou na
povoação da Telha, em Macaíba.

Têm sido baldados todos os esforços que tenho empregado no sentido


de salvar a honra de minha filha e minha dignidade de pai de família.
Tudo tem baqueado diante da proteção imoral e escandalosa
dispensada a Domingos Garcia pelo Comandante da Policia e por um
alto funcionário da Fazenda, que por motivos inconfessáveis estão
assim calcando aos pés as leis da moral, a justiça e o direito que me
assistem (A REPÚBLICA, 1891).

Realizado o intento, ao pai ou a mãe restava buscar a justiça pública, por


considerarem que, ao tirar a moça de casa, ainda que de forma consentida, o mínimo era
a reparação social pelo casamento. E esta parece ser a providência que se pretende que o
165

individuo Domingos Garcia tome para si com relação à moça da Telha, na cidade de
Macaíba.
O defloramento constava como crime no Código Penal dos Estados Unidos do
Brazil de 1890, em seu Art. 267, do Capítulo 1 Da Violência Carnal (BRASIL, 2008),
desde que a cópula fosse com uma mulher virgem, mediante consentimento obtido por
sedução, engano ou fraude. Caso não houvesse cópula, o delito seria considerado
atentado ao pudor, de acordo com o Art. 282, e se fosse sem o consentimento – Art. 269
– seria enquadrado como estupro. O crime de rapto, também neste Título VII era
previsto como crime contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje
público ao pudor. Previsto no Art. 270 o crime de rapto consistiria em retirar do lar
doméstico a mulher honesta, através da violência ou sedução.
A regulamentação do convívio social e disciplina do comportamento dos cidadãos
buscavam neste amparo legal a legitimação desta nova mentalidade. O Decreto n. 201,
de 1913 criou os Gabinetes Médico-legal e de Assistência Policial e o de Identificação
talvez para facilitar as resoluções dos crimes que atentavam contra a honra das famílias
brasileiras, como são os casos acima descritos.
Ambas as meninas e suas famílias parecem ser de comunidades pobres e
dominadas por um policiamento que ainda não parecia se dar conta de que o Código
Penal existia e precisava ser validado. A sua validação viria com o tempo, como vimos,
com a criação de gabinetes e departamentos específicos.
Ademais, as mulheres pobres sempre precisavam provar que seu comportamento
era de uma mulher honesta – até para se enquadrarem na Lei que poderia lhes assistir. A
vítima era primeiramente julgada socialmente, antes de se admitir o abuso do indiciado.
A honestidade masculina estava ligada ao trabalho, mas a da mulher se ligava
essencialmente ao comportamento moral associado à sua sexualidade (CAULFIELD,
2000).
Na tentativa de se fazer Estado de Direito – dentro da construção do ideário de
Estado-nação associado à modernidade (HOBSBAWN, 2006) e à consolidação da
República (CARVALHO, 2001) os cidadãos entravam na mira das autoridades legais.
De certo modo, estes eram aspectos culturais que passaram a ser incorporados por estes
mesmo cidadãos, a ponto de pedir providências públicas42 e em público, colocando as

42
É bom lembrar que antes da instauração desse Estado de Direito os crimes de honra eram “lavados com
sangue” e quando (ou se) fossem a juízo a honra era usada como atenuante e o indiciado absolvido
mesmo de crime de homicídio. “Esta noção podia ser subvertida pela ideia de que o criminoso estava
166

autoridades legais na mira desses mesmos indivíduos, numa relação de interdependência


social em que um se fazia no outro enquanto construíam uma nova configuração social.
Moreno (2008) analisa os inquéritos policiais de São Luis/MA entre os anos de
1901 e 1914 na busca por crimes de defloramento e rapto de mulheres, na virada do
século XIX. A maioria dos casos analisados indicia que os crimes eram consensuais, ou
seja, as moças consentiam na sedução, na relação sexual e nos raptos mediante a
promessa de casamento do ofensor. Os crimes de defloramento ocorriam em suas
moradias como também era de suas casas que as moças eram subtraídas. Isto indica que
elas eram cuidadas de perto, mas não tão de perto que não se permitissem táticas para
burlar a vigilância e provocar os crimes relacionados.
As mulheres nem sempre aparecem na condição de vítimas. Há situações bem
inusitadas. Casos de polícia, por vezes até divertidos, também povoavam o cotidiano da
cidade.

Josepha Mucuhy, solteira, ainda moça e bem robusta, vivendo em


companhia de seu amante Antônio Mucuhy soube que Maria
Francisca de Andrade, mulata moça e decidida e que ali vive em
disponibilidade, havia pedido a seu amante um nikel de tostão e, sem
proceder ao devido interrogatório, Josepha, fula de ciúmes, investiu
sobre Francisca dando-lhes três dentadas na face e na mão. Francisca
que também possui ótima dentadura dera outras tantas em sua
contendora (NO PASSO DA PÁTRIA, 1908).

As brigas entre amantes, ou entre mulheres por causa de amantes, faziam


concorrência com as brigas de marido e mulher nas páginas dos jornais. A história de
Sebastião Gomes da Silva e Josepha Olympia da Silva é um exemplo disso. Na coluna
destinada aos relatórios policiais, Chefatura de Polícia, do dia 14 de novembro de 1914
Josepha faz uma denúncia contra o marido alegando que este lhe cortou os cabelos com
uma faca, depois de aplicar-lhe “penas mais leves”, aplicou-lhe uma formidável ‘sóva’”.
Constatada a veracidade da denúncia a partir de exame corporal, o marido foi preso e
instaurado o inquérito. Dias depois, em 18 de novembro daquele mesmo ano, o marido,
na seção Solicitadas, escreve uma carta A quem me conhece. Na carta explica que a
denúncia é infundada e que a mulher – sua quarta esposa – é que é culpada: além de
mentir sobre os maltratos – lembrando que exames corporais foram feitos para a

privado da razão”, pois a traição ou a mancha social eram motivos para privar o indivíduo de sentidos e
inteligência levando-o a lavar com sangue a honra da família (BORELLI, 2008, p.07).
167

identificação da verdade – ainda havia lhe roubado o dinheiro que tinha em casa
enquanto este estava preso. Como se não bastasse,

quando segui há meses, para Pernambuco, em negócio do meu


particular interesse, ficaram os meus filhos em poder dessa
desventurada que, sem piedade, os maltratava horrivelmente. Quando
cheguei julgando encontrar todos com risos os lábios, vi-os chorosos
a me contar todo o horrível desprezo que ela lhes dava. Tudo isso
passou e eu sempre calmo e sereno (SILVA, 1914a, p.2).

Em 16 de dezembro deste mesmo ano Sebastião da Silva, mais conhecido como


Cangalha, anuncia a todos, através da coluna Solicitadas, que depois da intervenção do
delegado de polícia e da garantia da mulher de tratar bem a ele e seus filhos, ele voltara
a viver com Josepha Olympia (SILVA, 1914b).
Casos de violência masculina contra mulheres eram muito comuns nesta parte do
jornal. Outro caso nos chama a atenção pelo motivo que leva o marido a bater na
esposa. Manoel Garcia Dantas seqüestra uma menor, Maria Francisca da Conceição, de
15 anos, e com ela tem relações sexuais “despindo-a das suas flores de laranjeiras”. A
esposa saiu em defesa da menina chamando a atenção do marido. Resultado, nas
palavras do jornalista: “uma tremenda sova do braço possante do fauno”.
Apanhou em defesa de outra mulher. Há que se pensar nas táticas de
sobrevivência e de exercícios solidários em cada um dos casos exemplificados. Sobre o
primeiro caso podemos pensar se o sentimento que provocou a briga, as mordidas de
Josepha Mucuhy ao ver seu amante entregar dinheiro a outra foi ciúmes do amante ou
ver dividido o curto patrimônio que talvez lhe garantisse sustento. E qual o motivo que
levou Josepha Olympia a voltar para o marido, sob a intervenção de uma autoridade?
Saudades do companheiro de jornada ou saudades de ser a dona de sua casa, pois que o
marido foi buscá-la em uma casa de uma tia no sítio de Macahyba? Que motivos
levaram a mulher do Manuel Garcia a sair em defesa da menor deflorada pelo seu
marido? Só podemos nos perguntar e refletir sobre o que os modos de fazer dessas
mulheres, publicando suas guerras privadas no jornal, reorganizam a formação social
em que viviam de forma homeopática e não consciente.
Essas mulheres – dos bairros das Rocas, do Passo da Pátria, do Alecrim – diferiam
em seus modos de ser e de fazer das senhoras e senhoritas que se apresentavam em
outros espaços textuais dos jornais. Nos óbitos e felicitações por nascimento e
168

aniversário publicados pelo jornal A República, é possível perceber a que se destinavam


e como eram caracterizadas as mulheres na sociedade natalense.

Ontem a Exma. e virtuosa esposa de nosso ilustre chefe Dr. Pedro


Velho, deu à luz como felicidade uma interessante menina.
Felicitamos o extremoso pai um futuro cor-de-rosa à inocente nascida
que veio aumentar os encantos do lar (SALVE! 1890).

O futuro “cor-de-rosa” reservado à menina recém-nascida era semelhante ao tom


utilizado em uma mensagem de felicitações de aniversário de quinze anos considerada
pela autora do texto “uma idade poética” para a menina que acabava de “colher mais
uma primavera no jardim florido e risonho da vida” (CECÍLIA, 1894). O desenho de
uma moldura ornada de beija-flores completava o anúncio feito por Cecília a Ceci.
Os aniversários das meninas também eram celebrados com poesias como a
ofertada por Carolina Domingues a Áurea Fernandes Barros, no dia do seu quarto
aniversário.

Tu és Aurinha
Engraçada, mimosa flor bafejada
Pelas brisas matinais
Cheia de graça e ternura
És o encanto, a ventura
Dos teus carinhosos pais (DOMINGUES, 1895, p.3).

Um “anjo de candura” e a mais “bela estrela do firmamento”, a menina Áurea


aparece a nós pelas mãos escritoras de mais duas mulheres: Maria de Nazareth e
Lourença Miranda. Curiosamente, não encontramos nos jornais pesquisados qualquer
poesia ou verso, ou mesmo um anúncio mais floreado, que fizesse referencia ao
natalício de um homem. A exceção fica para Auta de Souza, nos poemas que dedica aos
irmãos, e não eram poesias de natalícios
Mas era comum encontrarmos estas relações mais afetivas nas poesias dedicadas,
tanto de mulheres como de homens, às mulheres, como a que Celestino Wanderley
dedica às filhas.
169

São três cândidas crianças,


Três formosas ideais,
Três infantes esperanças,
Três mimos angelicais.
Essas prendas divinas,
Essas graças peregrinas,
Celestiais maravilhas.
São de minh’alma as venturas
As crenças gentis e puras.
Adoro-as ... são minhas filhas! (WANDERLEY, 1894, p.3).

Os óbitos dessas mulheres também eram carregados desta áurea gentil e angelical.
Traziam constantemente o lamento pela perda da virtuosa mãe de família, da pranteada
esposa ou da nobilíssima professora ao lado de discursos que evidenciavam o papel
desempenhado pela mulher na cidade, como por exemplo a notícia da morte de Maria
Amélia, esposa do representante do Rio Grande do Norte no Congresso Federal,
Augusto Severo.

A pranteada esposa do nosso infortunado amigo finou-se na idade de


35 anos e após o fato auspicioso do nascimento de mais um fruto do
seu amor, com que vinha aumentar os tesouros inefáveis da doce e
límpida felicidade conjugal. E aquela adorável mãe e esposa, meiga e
exemplaríssima, que possuía os predicamentos das almas femininas,
finou-se na missão sublime do seu sexo. É a exemplificação mais
tocante da virtude – a que se exercita no ambiente puro e plácido do
lar, por entre os risos e beijos dos filhinhos e as expansões felizes do
esposo, ela soube dar, até os últimos momentos de sua preciosa vida.
Deixa cinco crianças, a mais velha de 7 anos (D. MARIA AMÉLIA,
25/10/1896).

O fato de ter falecido no parto – missão sublime do seu sexo – ampliava ainda
mais esta caracterização divina ou este aspecto mitificado que colocou a mulher como
santa mãezinha desde a colônia.

A maternidade se fazia no nicho onde as diferentes vozes dialogavam


sobre a obra da vida: as condições de acolhimento ou recusa do
recém-nascido, as relações do corpo com o cosmo e o tempo, o
imaginário sobre o nascimento ou a concepção. O processo de
adestramento pelo qual passaram as mulheres coloniais foi acionado
por meio de dois musculosos instrumentos de ação. O primeiro, um
discurso sobre padrões ideais de comportamento, importado da
Metrópole, teve nos moralistas, pregadores e confessores os seus mais
eloqüentes porta-vozes. [...] O outro instrumento utilizado para a
domesticação da mulher foi o discurso normativo médico, ou
‘phísico’, sobre o funcionamento do corpo feminino. Esse discurso
dava caução ao religioso na medida em que asseverava
cientificamente que a função natural da mulher era a procriação (DEL
PRIORE, 1993, p.25-27).
170

Tal discurso foi pulverizado em toda atividade religiosa da colônia desde os


sermões dominicais até os contos populares passando pelas palavras dos padres. Todo
esse ideário objetivava “o longo processo de domesticação da mulher no sentido de
torná-la responsável pela casa, a família, o casamento e a procriação, na figura da
“santa-mãezinha”.
O século XIX foi buscar na naturalização da atividade materna o respaldo
científico para esta mulher assumir seu lugar no lar e na sociedade a partir da idéia de
cuidado materno. Um discurso também pulverizado, mas desta vez contando com a
imprensa, a escola e a literatura.
Respaldados em teorias evolucionistas os intelectuais do século XIX colocavam a
mulher como a parte frágil do gênero humano; era preferível que a ela fossem
destinadas atividades que não a desgastassem física ou emocionalmente. A política seria
uma dessas atividades desgastantes. Portanto, sua instrução política não faria sentido
pela própria premissa social dada ao gênero feminino, ou seja, a de que ela estava
destinada aos assuntos domésticos e a determinados papéis sociais: mãe-esposa e dona-
de-casa.
Do nascimento à morte, as mulheres eram citadas no jornal A Republica sempre
sob a égide da virtude, da beleza e da fragilidade. Os contos e poesias registrados no
período alimentam o ideal de mulher virtuosa e abnegada no exercício de sua missão de
mulher junto aos filhos (ou alunos) e ao marido. As narrativas captam o clima social
brasileiro a partir da capital da Republica. Mas pequenas cidades serviam de cenário,
como no conto O Galã, de Arthur Azevedo (1995). O conto destaca o cotidiano das
pequenas cidades brasileiras e deixa perceber as relações entre os gêneros no fim do
século XIX.
A história se passa numa cidade pequena cuja vida social pacata se transforma
com a chegada de uma companhia de teatro. A personagem feminina, Sinhazinha Brites,
apaixona-se platonicamente pelo galã da companhia ao vê-lo atuar. O marido percebe e
arma um ardil: convida o ator para jantar em sua casa e dessa forma faz a esposa encarar
a razão de seu enlevo.

Quando às seis horas da tarde, chegou o galã ela não quis acreditar
que fosse ele: olhou para a porta como se esperasse outra visita; mas o
marido, que lhe percebeu a surpresa, insistiu na apresentação e
Sinhazinha dobrou-se a evidencia. Tinha diante de si um homem feio,
marcado de bexigas, os dentes postiços, o cabelo cortado a escovinha
e a cara inteiramente raspada...de véspera (AZEVEDO, 1995, p.93).
171

O marido, apresentado como mais velho, positivo, escrupuloso, surge na narrativa


como o tutor que deve lembrar e instruir a mulher acerca do seu papel no casamento e
na sociedade: esposa e mãe encarando a vida como ela é. “Alguns meses depois havia
naquela casa o que até então faltava: um filho que reprimisse na senhora todas as
fantasias da senhorita” (AZEVEDO, 1995, p. 94). Em sua missão de mulher junto aos
filhos e ao marido ela deveria ser virtuosa e abnegada, com todas as atenções e os
cuidados voltados para estes. E fantasias românticas não tinham lugar para os deveres
de uma senhora.
Se Arthur Azevedo traz a perspectiva da esposa e dona-de-casa, A falência,
romance de Júlia Lopes de Almeida, traz a perspectiva da mãe de família. A narrativa
conta a história da família de Francisco Teodoro, comerciante português que busca na
moça pobre e educada a continuação dos seus triunfos financeiros. Até que a trama nos
leva ao personagem Inocêncio Braga. É ele o responsável pela mudança na vida do
núcleo central da narrativa em torno do palacete, de Camila e do dr. Gervásio.
Depois de um investimento mal sucedido este comerciante entra em processo de
falência. Não aguentando ver desvanecer o sonho de perpetuação da Casa Teodoro
“feita pela sua ambição, perpetuada pela descendência” (ALMEIDA, 2003, p.265) opta
pelo suicídio deixando para trás uma esposa despreparada para tomar os rumos de sua
história e de outros que dela dependem. O lamento de Teodoro é em relação a não ter
instrução, o de suas filhas pequenas ainda não a terem (e talvez não tivessem), e a
própria Camila com sua educação de ornamento. Nina, a sobrinha agregada, é a
personagem que assume as rédeas da casa tomando para si todo o serviço doméstico.
“Cumpria sua missão de mulher adoçando sofrimentos, serenando tempestades e
conservando-se na meia sombra de um papel secundário” (p.332).
De novo a trama nos leva a um novo evento: a falta de dinheiro e a necessidade de
todos trabalharem. Neste ponto da narrativa, Camila se descobre mulher para além de
esposa para ser mãe, sua principal função social. Depois de perder as honras da
sociedade, com a morte do marido e a ilusão do amor, com a descoberta que Gervásio
era casado, restava-lhe trabalhar para distrair-se.

Com voz pausada e clara, Camila pediu que lhe dessem trabalho.
Olharam-na com espanto. – Mamãe quer mesmo fazer alguma coisa?!
– Sim, minha filha...Tudo acabou, devo começar vida nova! – Então
mande chamar as meninas e ensine-as a ler! Exclamou Ruth
(ALMEIDA, 2003, p.354).
172

Aqui a personagem feminina tem filhos, mas não tem mais o marido, como a
personagem de O Galã. O papel a ela atribuído aparece ao leitor a partir de suas
próprias ações no curso da narrativa. O sofrimento, a necessidade e a pobreza não
devem ser impedimentos para que ela dê a seus filhos a educação moral necessária e até
mesmo a educação instrucional que o dinheiro não pode pagar. O despreparo dessas
personagens mulheres ainda trazia uma discussão que permeia toda a obra de Júlia
Almeida: a importância da educação e do trabalho para as mulheres, mães de família.
Não se podia saber quando a existência de seus filhos iria depender exclusivamente
dessa mãe.
Uma situação invertida é evidenciada por Coelho Neto (1908) no conto O Rato
publicado na coluna Para Crianças, do jornal A República. A narrativa gira em torno de
um garoto de nove anos, cuja atitude desenvolvida para as tarefas de casa e da rua lhe
renderam o apelido de Rato, e sua mãe paralítica. Por considerar que o filho ainda é
muito pequeno para trabalhar, a mãe pede ao médico que lhe traga um atestado de sua
enfermidade para que o filho possa pedir auxílio às portas da igreja. Ao chegar em casa
à noite entrega a mãe as poucas moedas que conseguiu e desata num choro, que a mãe
vem a saber depois, causado pelos impropérios que escutou tomando-o como um vadio
e mentiroso. Mas no dia seguinte o garoto consegue trabalho como vendedor de jornal e
conclui que melhor que pedir é trabalhar: ganhara mais e não tinha sido mal tratado.
A atitude do garoto para com a mãe é de desvelo e de um cuidado protetor que
poderíamos qualificar de materno. O fato de antes de sair limpar o aposento em que
moravam, mudar a água das bilhas, deixar ao alcance da mãe a cafeteira e o pão dirigia
o leitor a um garoto exemplar e cuidadoso com aquela que lhe dera a vida.
Esta relação é percebida em vários contos, folhetins, poesias dos impressos
pesquisados. E essa relação mãe-filho é diretamente associada ao seu papel como
educadora moral dos filhos no lar, a exemplo do conto-folhetim Os cavaleiros do luar,
de Ponson du Terrail (28 de ago. 1911, p.4), especificamente o capítulo XL Aviso
materno; no conto O homem, de Olavo Bilac (25 de jul. de 1908, p.3), no romance-
folhetim Coração, de Edmundo Amicis (1911, p.4), ou A escola, de Júlia Almeida
(1908, p.3). Nestes dois últimos, além da relação materno-filial, a educação na forma de
instrução escolar também aparece como possibilidade de melhoria humana e material.
As marcas deixadas por essas mulheres e as imagens recuperadas através de
discursos em jornais antigos nos conduziram a pensar sobre essa representação de
173

educadora, sobre essa representação de mulher cuidadora dos futuros republicanos.


Conduziram-nos à mãe-esposa e à professora em Natal, no final do século XIX.
174

Capítulo VII
Outras marcas, outras imagens: mãe-esposa e
professora

O trabalho, cujo hábito tereis adquirido e


que em outro tempo vos era conveniente,
logo vos será sobre modo necessário, não
obstante quaisquer bons auspícios de riqueza
que existam no casal. Sem a vossa zelosa e
ativa superintendência em todos os arranjos
domésticos, jamais terão eles a ordem e boa
direção que traz à família prosperidade
(GONDIM, 1910, p.47).

A relação entre o cuidado materno, educação e trabalho no final do século XIX


faz com que o gênero feminino passe a ser a referência na função de educar a sociedade
dentro e fora do lar. O trabalho escolar da professora é motor de prosperidade na
sociedade; o trabalho doméstico feminino é motor de prosperidade na família.
Moralidade é seu discurso. Virtude a sua meta. No jogo das representações do ser
mulher, os discursos de parlamentares, médicos, clérigos, legisladores não apenas
espelharam as mulheres, mas as produziram: mãe-esposa e professora.
Na perspectiva de uma configuração que percebia o trabalho feminino como
pertinente ao seu projeto de sociedade, os modos de fazer das mulheres natalenses se
apresentavam, seja em fórum público ou privado, sempre na relação com o cuidado
materno. Este trabalho evidencia, dentre as representações aqui analisadas, a mãe-
esposa e a professora como as funções sociais femininas sob as quais este cuidado
materno mais se vinculou.
O projeto social republicano brasileiro teve forte influência do positivismo.
Concentrava seus esforços em torno da família e da mãe de família responsável pelo
cuidado moral dos filhos, os futuros cidadãos da República. Na base da estruturação da
proposta estava a família e a cidade civilizada, moralizada estava como um
prolongamento desta. “A República pôs em prática um projeto político disposto a
redefinir a ordem social com base nas idéias-chave de progresso e disciplina”
(ARAÚJO, 1995, p. 30). A família neste projeto foi vista como sustentáculo do projeto
175

normatizador que envolvia família e sociedade. Neste micro-cosmo social – a família –


se ergue a figura da mãe-esposa, rainha do lar e educadora por excelência.
Esta pesquisa ensejou uma viagem tipográfica em vários tipos de fontes. Desde
manuais como Reflexões às minhas alunas, de Gondim (1910) ou Livro das Mães de
Figueira (1926), até romances indicados como livros de leitura como Coração, de
Amicis (1949) ou Através do Brasil, de Bomfim e Bilac (2000), passando por livros de
memória como Oiteiro, de Antunes (2003) e livros escolares como Livro de leitura, de
Carvalho (1934) e Corações de Criança de Barreto (1915). Mas foram os jornais e
revistas natalenses, marcadamente A República e Via-láctea, que mais nos aproximaram
das representações que buscávamos. Todos esses impressos, de um modo ou de outro,
com os objetivos próprios de cada suporte textual serviram para delinear a configuração
que fez emergir a mulher cuidadora da nação republicana. Deixamos falar as fontes na
voz de Henriqueta, colaboradora da Via-láctea, em novembro de 1914.

Cumpramos nossa missão. Deus reservou também para a mulher


alguma coisa mais do que sua condição de esposa, mãe e mártir. Deu-
nos também um cérebro para pensar, um coração para sentir e um
feixe de nervos para vibrar na emoção dulcíssima de um sonho alado;
e acima de tudo, concedeu-nos razão suficiente, raciocínio e lógica
para, por meio do pensamento, que é a palavra estereotipada,
manifestarmos um pouco do que se passa no mundo dos fenômenos
intelectuais e adaptá-lo às modalidades do ambiente, a pari-passu
com a evolução do espírito humano (DUARTE; MACEDO, 2003, p.
53).

Importante destacar o “também” da autora, pois neste vocábulo subsistia a


possibilidade de que essas virtudes feminis pudessem, afinal, servir a toda a sociedade e
não apenas a um núcleo familiar. Com um pouco de educação, como dizia Rousseau
(1995, p.515), instrução geral e diretiva, a mulher oitocentista poderia se transformar na
educadora social do século XX.
176

Nos tempos atuais e entre nós mesmos se poderia mais de uma que
recebeu a educação prática mais ou menos metódica. E eu explico: as
exigências da vida familiar trazem às vezes com a necessidade de
encontrar solução a um problema econômico úteis experiências. [...]
Estou certa de todas as senhoras brasileiras pensarem comigo sobre a
necessidade da instrução prática e quando algumas ainda jovens
precisam ser admitidas numa escola superior como esta que a nossa
capital possui, outras tem para seu especial um guia em cada
emergência, dessas que todos os dias ocorrem na vida familiar e não
se esquivariam proclamar a utilidade do dito ensino e fazer-lhe a
propaganda, caso a isto fossem convidadas (DUARTE; MACEDO,
2003, p.82).

O “dito ensino” a que Dinah da Costa, pseudônimo de Noêmia Viveiros, se refere


é o ensino doméstico promovido pela Escola Doméstica de Natal. Compartilha com ela
Ângela Marialva ou Palmyra Wanderley que, escrevendo sobre a Educação da mulher,
no sexto número da Via-láctea finaliza dizendo que

ao Governo compete propagar no Brasil a criação de escolas


domésticas que tanto resultado tem dado no estrangeiro [...] Oxalá que
outros Estados do Brasil imitem o gesto louvável do nosso
Governador, fundando escolas como esta que temos em Natal, a
primeira e única no nosso país, de quem espero em breve ver os
melhores frutos se o ensino profissional for correspondente ao seu
vasto e útil programa (DUARTE;MACEDO,2003,p. 88)

A jornalista ainda traz uma definição de como ela percebia este ser mãe e este ser
dona de casa salientando que para ser “dona” não bastariam as escolas de “ensino
caseiro”; o fato dessas escolas formarem “verdadeiras donas”não significava dizer que
estas se tornariam por si sós “verdadeiras mães”. Logo a escola de Castriciano
necessitaria de um complemento de uma escola verdadeira, da moral ou do cristianismo.
177

Para ser mãe é preciso muito mais: estudar a ciência materna que
compreende a pedagogia, o estudo da índole humana, para saber
aplicar os calmantes e os cautérios de conformidade com a a
organização moral, isto é, aplicar a dose do carinho e da energia
convenientemente, para que depois, a médica do espírito, que deve ser
a mãe não vá inutilizá-lo. Ela é a buriladora do caráter, deve portanto
sabe incutir o bem fazendo evitar o mal. [...] Ser mãe “é renunciar a
todos os prazeres mundanos, os requintes do luxo e da elegância, é
deixar de aparecer no baile em que o espírito se cansa no gosto das
valsas; é passar as noites no cuidado incessante em sonos curtos e
leves com o pesamento sempre preso à criaturinha” que Deus lhe
confiou. [...] E assim dizendo, provo que o Cristianismo é a única
escola que ensina a mulher a renunciar os prazeres pelo dever, a se
sacrificar pelo amor tornando-a abnegada, virtuosa, sublime, perfeita
esposa e mãe como deve ser (DUARTE; MACEDO, 2003, p. 87).

Esta definição de mãe trazida por Palmyra Wanderley acompanha as imagens que
encontramos de mãe abnegada, como no conto A Partilha (1897), ou na poesia Mãe
(2008), ambos de Coelho Neto:

Ser mãe é desdobrar fibra por fibra!


Ser mãe é ter no alheio
lábio que suga, o pedestal do seio,
onde a vida, onde o amor, cantando vibra
[..]
Ser mãe é andar chorando no sorriso!
Ser mãe é ter um mundo e não ter nada
Ser mãe é padecer no paraíso! (NETO, 2009)

Os livros escolares também contribuíam com esta imagem maternal, abnegada e


sofrida no seu trabalho de mãe-esposa educadora. Corações de Criança (BARRETO,
1915) é uma coletânea de textos destinada ao ensino moral e cívico. É ainda um livro
auxiliar no ensino da leitura para crianças iniciantes nesta habilidade. O teor do livro
traduz a atmosfera do período trazendo pequenos contos, autorais e traduzidos, e poesias
que trazem valores pátrios, civilizadores e morais do final do século XIX, como a
República sendo a melhor forma de governo (Ibden, p.93) ou a indiscrição e a mentira
feminina como algo reprovável em uma sociedade civilizada (Ibden, p. 77-81). Também
a mãe ou, ainda, o ser mãe-esposa era traduzido aos pequenos em pequenos contos
como Tua mãe.
178

Nos livros, nos teatros, nos jornais, vemos todos os dias exemplos de
abnegação e de amor de mãe: aqui é uma que se lança sob um
automóvel para salvar o filho em perigo; ali é outra que se lança ao
rio, por imaginar que a sua vida possa tornar-se um óbice à felicidade
do filho; acolá é uma terceira que, numa região deserta, onde não
havia o que comer, é encontrada morta por ter aberto ela própria uma
veia, para ser sugada pelo filho pequenino que chorava de fome
(BARRETO, 1915, p.121).

Estes aspectos se apresentavam também em outros livros destinados a escola


primária, como o Livro de Leitura de Carvalho (1934). A mãe aparece como a dona de
casa também se ocupando com as lições de casa do filho (p.13), orientando a filha a
conduzir-se com prudência (p.152), ou ainda ensinando-a sobre seus deveres com a
escola ao mesmo tempo em que a auxilia na feitura da atividade não realizada da
menina escolar (p.157).
179

Lição 32
Fonte: Segundo Livro de Leitura de Felisberto de Carvalho (1934)

Mas a ternura materna não era apenas privilégio das mulheres nos textos
ficcionais que tivemos a oportunidade de analisar. O pai dos protagonistas de Através
do Brasil de Bomfim e Bilac (2000) trazia essa marca; a marca da maternidade bondosa
e abnegada.
180

Sempre fora muito carinhoso e meigo; principalmente depois de


enviuvar, tornara-se de uma bondade excessiva, como querendo
compensar com um redobramento de ternura a falta dos cuidados
maternos de que via os filhos privados. Era simples e afetuoso,
preferindo ser atendido e amado a ser obedecido e temido (BOMFIM;
BILAC, 2000, p.53)

Esta característica se espalha por quase todos os personagens do romance –


homens e mulheres do interior do Brasil – francos e “hospitaleiros, como, em geral,
todos os habitantes do sertão” (BOMFIM; BILAC, 2000, p.176). A ideia um tanto
romantizada desse Brasil de dentro é mote para se conhecer (e reconhecer) um território
que se queria nacional.
O nacionalismo dos autores brasileiros no ano de 1910, ano de publicação da
primeira edição desse romance, como também o fato dele servir de livro de leitura às
escolas elementares, já era um estilo reconhecido no século XIX, através de Edmundo
Amicis. Considera-se Coração como

uma leitura de formação, pois procura educar e moldar seus leitores na


perspectiva de ensinabilidade da moral ou das virtudes, como
apresenta uma dimensão biográfica, na forma narrativa confessional,
em que são relatadas as vivencias e os sofrimentos, as circunstancias
da vida e as experiências-chave da vida do autor narrador, isto é, a
representação de mundo dada pelo autor. É um livro de leitura com
função moralizadora e intenção educativa, cívica, patriótica e social
(BASTOS, 2009, p.3).

A literatura, enquanto expressão do artista do período, deixa entrever o modelo de


mulher doméstica na figura da esposa e da mãe, como nos contos de Arthur Azevedo e
Coelho Neto, e também a representação da professora ou da normalista como modelos
de mulheres públicas. Estas são personagens recorrentes em vários romances, como A
normalista de Adolpho Caminha ou Coração, diário de um aluno, de Edmundo de
Amicis.
Este último, publicado sob a forma de folhetim no jornal A República a partir de
16 de agosto de 1890, descreve a jornada escolar de um rapazinho italiano no seu
primeiro ano na classe adiantada. As relações com o Mestre, com os colegas, com a
família e com a antiga Mestra da escola primária conduzem o leitor por conteúdos
moralmente formadores destacando ideais de virtude, boa conduta e amor à pátria. A
professora é mostrada em retrospectiva a partir das lembranças do menino durante uma
visita da Mestra. Esta aparece sob características bem especificas.
181

É sempre a mesma, baixinha, com o seu véu verde enrolado ao


chapéu, vestida sem luxo, apenas penteada, pois não tem sequer tempo
de enfeitar-se; [...] Pobre Mestra! Tão emagrecida! Mas sempre viva.
Entusiasma-se sempre que fala da sua escola [...] recordar-me-ei do
tempo que passei na tua aula, onde aprendi tantas coisas, onde te vi
doente e fatigada, mas sempre solícita e generosa, sempre boa –
inquieta quando nos via sem saber pegar na pena; trêmula, quando os
inspetores nos interrogavam; feliz, quando nos via fazermos boa
figura; e sempre amorosa, sempre qual uma mãe (AMICIS, 1949,
p.20-22).

Nesta obra a amorosidade docente também é atribuída ao professor. A


paternidade masculina aqui tem a mesma áurea cuidadosa percebida na feminina. Os
estudantes são, para o professor, como sua família, seus filhos, sua companhia.

E o professor, devagar, devagar, devagar, com sua voz grossa, falou: -


Atendam. Nós temos que passar um ano. Estudem. Sejam bons. Sejam
a minha família que eu já não tenho. Tinha mãe, e morreu. Fiquei só.
Os meus discípulos são os meus filhos. Quero-os amigos; não quero
castigar nenhum. [...] E cheio de ternura, paternalmente, o mestre
beijou-o na testa, dizendo: - Vá, vá, meu filho! (AMICIS, 1949, p.12).

Mesmo a escola é para o autor, através da fala da mãe do protagonista Henrique,


uma mãe. Este cuidado envolto numa perspectiva maternal está presente no contexto de
todas as personagens da narrativa.

A escola é uma mãe, meu Henrique. Ela levou de meus braços uma
criança que balbuciava apenas e agora a restitui forte, robusta, boa e
estudiosa. Abençoada seja a escola, e tua não a esquecerás mais. [...]
Far-te-ás homem, viajarás o mundo, verás cidades imensas e
monumentos maravilhosos, e de muitos destes te esquecerás; mas
aquele modesto edifício branco, com aquelas persianas cerradas e
aquele pequeno jardim onde desabrochou a primeira flor de tua
inteligência, vê-lo-ás até o último dia da tua vida (AMICIS, 1949,
p.314).

Neste trecho a instituição escolar assume as características daqueles que nela


trabalham e tendem a promover os mesmos sentimentos de saudade e doce melancolia
provocados quando ele se refere a seus professores em outras passagens do livro.
182

- Os que dentre vós foram seus alunos, sabem quanto lhes queria bem:
era uma mãe para eles. [...] Ela deixou seus poucos livros aos seus
discípulos: a um, um tinteiro, a outro, um quadrinho, tudo aqui que
possuía; e dois dias antes de morrer disse ao diretor que não deixasse
ir os pequenos ao seu enterro, por que não queria que chorassem. Fez
tanto bem, sofreu tanto, e morreu (AMICIS, 1949, p.302)

O modelo de professora descrito por Amicis, o modelo de mãe apresentado por


Coelho Neto43 e o de esposa por Arthur Azevedo trazem representações de mulher.
Estas representações ajudam a perceber o sentido atribuído à educação escolar para
mulheres na transição do século XIX para o XX. A obra A normalista, evidencia através
do personagem João da Mata, a ideia corrente das expectativas em torno dessa
educação.

Queria a educação como nos colégios da Europa, segundo vira em


certo pedagogista, onde as meninas desenvolvem-se física e
moralmente como a rapaziada de calças, com uma rapidez admirável
tornando-se por fim excelentes mães de família, perfeitas donas de
casa, sem a intervenção inquisitorial da Irmã de Caridade. [...] Maria
devia educar-se no Rio de Janeiro ou num colégio particular [...] onde
ela pudesse aprender o “traquejo social” (CAMINHA, 1998, p. 22).

O desejo do personagem João da Mata de que sua afilhada Maria do Carmo


estudasse em uma escola da capital federal, talvez expressasse a existência de uma
diferenciação na educação feminina entre os Estados da Federação. Assumindo como
referência a cidade do Rio de Janeiro ou um colégio particular, o personagem apresenta
esses lugares como os espaços ideais para a educação da mulher no período em estudo.
A formação escolar em outros Estados ou em escolas de currículo mais livre talvez
contribuísse para a assimilação de costumes e idéias que ampliavam o universo
conceitual das mulheres para sua inserção na vida social pública. Mas que tipo vida
pública?
A existência pública dessa mulher era considerada diante de um sentido de
urbanidade nascente. Uma urbanidade que colocava a mulher como anfitriã e
responsável pela harmonia do lar. A escola e sua educação estética cumpriam parte
dessa função ao proporcionar conteúdos como os do Colégio Particular Natalense.

43
Conferir página 14 do capítulo De quando a ideia era apenas uma ideia
183

Colégio Particular Natalense


Sexo Feminino, Diretora D. Luiza Lima, R. da Conceição, n. 26.
Ensina primeiras letras, todos os trabalhos de agulha, noções de
música com exercícios de piano. Aceita alunas internas e externas.
Mensalidades para as primeiras 40$000 reis; para as segundas 3$000
reis. O pagamento será adiantado (COLÉGIO PARTICULAR
NATALENSE, 1892).

O que caracterizava o ensino nessas instituições era um currículo que priorizava a


educação da mulher para além do aspecto instrucional. Uma educação que se destinava
a suprir um perfil de mulher idealizado pelo discurso republicano, que era o de
educadora dos filhos e formadora dos futuros cidadãos, além de se pretender um
traquejo social e a boa representatividade da mulher junto ao esposo.
Os trabalhos de agulha, as flores, os bordados eram conteúdos imprescindíveis à
boa formação de meninas. A disciplina Trabalhos Manuais cumpria, neste contexto,
uma educação estética que envolvia as habilidades manuais, os cantos e a dança,
presentes no cotidiano das salas de aula. A educação estética figurava como parte
fundamental de uma formação integral para a mulher, útil à família e ao lar. Associada a
esta a educação moral vinha de uma formação religiosa que o Colégio Imaculada
Conceição apresentava em disciplinas como Catecismo e História Sagrada (ENSINO,
24 nov. 1911). Outras disciplinas como Português, Francês, História do Brasil,
Aritmética, Geografia, Corografia, Música e Trabalhos de Agulha completavam a
educação moral, intelectual e estética das moças norte-rio-grandenses.
No universo de uma política que se organizava em torno de valores como
moralidade, sacrifício, progresso e desenvolvimento, as mulheres, seja educando, seja
sendo educadas, contribuíam e participavam na construção da sociedade letrada. E as
professoras surgiam como uma instituição republicana, mas uma instituição simbólica,
no plano do discurso, capaz de relacionar e legitimar esses valores gerais com os
indivíduos em seus lares.
A figura educacional da mulher vincula-se à da mãe-esposa e à da professora
normatizando desde tenra infância os indivíduos desta sociedade dentro e fora da esfera
doméstica. O papel destinado à mulher, portanto, vinculava-se essencialmente à da
educadora e este se associava a um cuidado que se organizava em torno do conceito de
maternidade. E qual era a representação feminina que a sociedade republicana do século
XIX assumiu para viabilizar seu projeto político-cultural de sociedade?
184

O século XIX é apontado por Lyons (1999) como o século das mulheres e das
crianças na relação com a alfabetização e a leitura nas cidades da Europa. O incremento
na alfabetização feminina também é verificado nas Escolas Normais francesas. De
acordo com os dados trazidos pela autora, na França, as primeiras escolas normais de
professoras só foram fundadas em 1842, mas por volta de 1880 mais de dois milhões de
meninas francesas frequentavam a escola. A expansão das oportunidades de emprego
para as mulheres (por exemplo, como professoras, vendedoras nas lojas e assistentes
nos correios) e a modificação gradual das expectativas das mulheres foram fatores
adicionais no incremento da alfabetização feminina (LYONS, 1999, p.168)
Semelhante ao Brasil, cujas escolas normais começaram a aparecer na década de
1830, a profissão docente se torna a possibilidade de independência e vida pública para
muitas mulheres. A primeira escola é fundada em Niterói em 1835 e onde só eram
aceitas, inicialmente, inscrições masculinas (FREITAS, 2003). Aparentemente
contraditório um projeto de lei da Província de Sergipe, de 1830, indicava o gênero
feminino como o mais adequado a profissão. Se por um lado indicavam preferência às
mulheres para cuidar da educação nas escolas primárias, por outro não admitiam
mulheres nas instituições que deveriam formar estes professores. Talvez a educação
primária não necessitasse de habilidades intelectuais mais do que das morais. Os valores
aprendidos entre a igreja católica e a relação familiar seriam as bases sobre as quais ler,
escrever e contar se assentariam. Suas habilidades, supostamente inatas para o cuidado
infantil, ao lado de características pessoais como honestidade, boa conduta e respeito
aos padrões da época eram suficientes para habilitá-la ao serviço docente. “O ‘retrato’
da professora era socialmente construído em torno da mulher honesta, casada, boa mãe,
laboriosa, fiel e dessexualizada” (FREITAS, 2003, p.29).
As mulheres somente vão ocupar massivamente as Escolas Normais no final do
século XIX depois de instaurada a República. Em Sergipe, uma escola normal feminina
foi criada em 1877. O Curso Normal existia desde 1870 dentro do Atheneu Sergipano,
único estabelecimento público secundário. Em 1874 uma Escola Normal masculina é
criada independente do Atheneu, mas é indiretamente extinta pela Resolução n 1.326 de
1888 que determinava suspensas as aulas que não tivessem frequência mínima de 10
alunos. De acordo com os dados apresentado pela autora, mesmo depois de a Escola
Normal torna-se mista em 1901 não havia matrícula masculina e efetivamente, em suas
análises, ela conclui que somente na década de 1970 ela torna-se mista de fato com os
homens aparecendo para fazer o curso normal noturno. Em Sergipe, normalista era
185

assunto feminino. As marcas do feminino na educação de crianças atravessaram o


século XIX vinculadas à idéia de cuidado materno. E esta mãe-educadora ligava-se a
modelos pedagógicos, reais e fictícios, como Maria, Sofia e a rainha Vitória.
A Revolução tinha demonstrado os resultados possíveis - “masculinização das
mulheres desde roupas até estilos de vida, diminuindo até o número de peças de roupa,
tornando-as mais leves e soltas” Maria Antonieta, a tigresa austríaca era apresentada
como a antítese de tudo o que as mulheres deviam representar: uma besta selvagem ao
invés de uma força civilizadora, uma prostituta ao invés de uma mulher, um monstro
gerando criaturas disformes ao invés de uma mãe. Ela era a expressão última e mais
baixa daquilo que – no temor dos revolucionários – ocorreria às mulheres caso
ingressassem no universo público – já não seriam mulheres, e sim perversões do sexo
feminino.
Os eventos que colaborassem para educar essa mulher, portanto, não eram
restritos às escolas públicas e aulas particulares. Além desses espaços, existiam outros
processos que corroboravam para estruturar uma mentalidade feminina que
correspondesse aos ideais de ordem e progresso preconizados pela República. As
práticas de leitura, enquanto conteúdos culturais e ideológicos assumiam esse papel
também. Os artigos, contos e folhetins publicados nos jornais da cidade figuram nesse
estudo como o material de leitura mais acessível a esta população.
Encontramos as características maternais ficcionais também na descrição de
pessoas existentes como mães, pais e professoras; em textos memorialistas, que vamos
considerar aqui como expressão de uma realidade vivida e, portanto, não-ficcional. Esta
relação entre discursos ficcionais e não-ficcionais sugere uma sintonia entre a arte e a
existência real. Antunes (2003) ao relembrar os esforços dos seus pais para ofertar-lhe a
melhor educação escolar possível – “abandonamos festas e passeios, vivemos os dois no
Oiteiro, só trabalhando e pensando no futuro de vocês” (p.187) – ou da primeira mestra,
na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte traz as representações que evidenciamos
de mestras, professores, pais e mães ficcionais para personagens de sua vida real.
186

A escola de Dona Maria Alves era na residência do padre Félix. [...] –


A minha mestra só bate nas crianças mal comportadas. Por lição
errada, não, ela tem paciência e ensina. [...] Quanto gostei da escola da
minha mestra, com lhe chamavam as meninas. [...] A dona Maria
Alves era boníssima! Tratava-as todas por igual. Vejo-a ainda,
matrona, densos cabelos, lisos, enrolados sobre a nuca branca. Rosto
oval, nariz retilíneo, fronte larga, olhos claros, tão suaves como uma
réstia de luz ao pôr-do-sol. A palmatória, que os pequenos batizaram
de “Dona Marocas”, repousava imóvel, embora em lugar de destaque
sobre a mesa (ANTUNES, 2003, p.291)

É bom lembrar que se esse modelo é encontrado em verso e prosa nos escritos do
final do século XIX, ou que se referiam a este período, ele se antagonizava diretamente
com um modelo anterior, de cem anos passados, como atesta Badinter (1985). Esta
autora discute o instinto materno como um mito construído a partir de discursos
médicos, filosóficos, econômicos, no final do século XVIII. Ao percorrer a história das
atitudes maternas, este traço biológico vai surgindo como um aspecto cultural
importante à própria preservação e melhoria da espécie.

Foram necessários nada menos de três discursos diferentes para que as


mulheres voltassem a conhecer as doçuras do amor materno e para
que seus filhos tivessem maiores possibilidades de sobrevivência: um
alarmante discurso econômico, dirigido apenas aos homens
esclarecidos, um discurso filosófico comum aos dois sexos e, por fim,
um terceiro discurso, dirigido exclusivamente às mulheres
(BADINTER, 1985, p. 149).

Este discurso se relaciona diretamente com a orientação naturalista de Rousseau.


Elas se tornam as interlocutoras privilegiadas dos homens, as responsáveis pela saúde
moral e física da nação. Delas depende a primeira educação dos homens; os costumes
da mulheres. Tornam-se objeto de uma súplica e de acusação. São responsáveis pelo
sucesso ou fracasso da nação em seu projeto civilizador. “Essas palavras deviam ter o
mérito da novidade, pois foram repetidas com frequência até o século XX” (Ibden,
p.181). Como pudemos perceber nas fontes analisadas, estas observações da estudiosa
na (e sobre a) Europa também podem ser percebidas aqui no Brasil, particularmente no
Rio Grande do Norte.
Estes fatos referendam a dimensão que temos trabalhado da existência de modelo
educativo, maternal, que se organizava a partir de discursos datados e localizados na
intenção de forjar uma nova educadora para o século XX. Uma nova mãe-esposa, uma
187

nova professora em defesa da criança com um discurso moralizador herdado de


Rousseau em uma perspectiva social civilizadora.
A pergunta que fazíamos, no entanto, era sobre a que mãe-esposa e a que
professora estávamos exatamente nos referindo. Decerto não era a expressão do que
éramos, mas uma mesma função trabalhada, pensada, executada de outro modo. Um
modo a que, afinal, nos sentíamos conectadas. Decidimos fazer o mesmo percurso do
capítulo anterior; fomos procurá-las pela cidade de fim de século natalense. Desta vez
não queríamos todas as mulheres, mas apenas aquelas que traziam a insígnia da
educação. Voltamos as fontes consultadas, revemos as análises realizadas e buscamos
olhar mais de pertinho as representações das educadoras que encontramos em nossa
jornada.
Uma das primeiras buscas que fizemos foi em torno das teorias que poderiam
inspirar aquelas representações femininas. E foi em um jornal oitocentista, em um
anúncio de óbito, que ela apareceu. Reunindo os elementos de mãe-esposa e educadora
o óbito indicia um modelo feminino que, pelas adjetivações de seu redator, parece ser o
adequado naquele momento histórico.

D. Thereza Christina
A inditosa senhora, cujas exemplares virtudes domésticas constituíram
o melhor e mais sólido amparo da numerosa família, cuja educação e
bem estar sempre cuidou com dedicação e zelo inexcedíveis (A
REPÚBLICA, 1899).

O cuidado com a família não se apresentava como algo que se pudesse fazer de
qualquer modo. Os discursos provocavam a busca por uma formação da mulher de fim
de século como administradora dos aspectos privados no interior do lar natalense. Os
textos jornalísticos indicavam o que se esperava delas e como deveriam buscar a
excelência neste campo.
188

A Marquesa de Villete, dotada e casada por Voltaire, contou que um


momento antes de ir à igreja, este grande homem mandou levar-lhe
um magnífico adereço de diamantes com os quais quis ele mesmo
ornar sua cabeça, suas orelhas, seu pescoço e seus braços. “Isto que
acabo de dar-te é uma bagatela. A verdadeira riqueza, eis aqui.” Era
um grande livro de marroquim vermelho com as bordas douradas.
Sobre um lado estava escrito: Receita das rendas do Senhor Marquês
de Villete; sobre o outro lado: Despesas da casa do senhor Marquês
de Villete. “Os livros de contabilidade. O verdadeiro ornamento de
uma esposa e de uma mãe e uma das causas da prosperidade de uma
casa” (O VERDADEIRO ORNAMENTO DE UMA DONA DE
CASA, 1899).

Mais do que as jóias, a prudência e o zelo pelas coisas do marido e da casa


ornamentavam e embelezavam a mulher de fim de século, seja em Natal, seja em Paris.
A França foi a forja das propostas mais avançadas, mesmo que no sentido apenas
teórico, em termos de educação e sociedade do final dos setecentos. Segundo Cambi
(1999, p.344), Rousseau, filósofo francês do século XVIII, operou uma “revolução
copernicana” quando colocou no centro das suas teorias educacionais a criança com
uma educação específica, distribuída em fases e atenta às suas necessidades. Mesmo a
educação feminina se voltava principalmente para o cuidado doméstico e, em
conseqüência, das crianças.
Política e educação estão estreitamente ligadas em Rousseau: uma é o pressuposto
e o complemento da outra e, juntas, tornam possível a reforma integral do homem e da
sociedade para a recuperação da condição natural, única que pode conceder a liberdade.
Este viés filosófico foi assumido pelo ideal iluminista pouco depois e pelas formações
políticas republicanas que se seguiram, como a Proclamação da República Brasileira.
Mas voltando-nos um pouco para o pensamento educacional de Rousseau, este
pode ser articulado segundo os modelos do Emílio (1995) e do Contrato Social (1997)
ou através de uma educação indireta centralizando o papel do educador e a educação
socializada e regulada pelo Estado, além de uma reforma na família como modelado em
A Nova Heloísa (2006). Em síntese, o que ele propõe em sua obra é a reforma da
sociedade pela educação, pelo Estado e pela família.
Do contrato social é a busca da sociedade perfeita já buscada por Platão (1993) ou
Morus (1980). O contrato social, estabelecido por Rousseau, é uma metáfora que
pretende explicar o surgimento do Estado e encontrar um fundamento de legitimidade
para os mesmos. Parte da ideia de um estado de natureza, pré-social, no qual os
indivíduos são livres e iguais. Este estado será superado no momento em que for
189

firmado um pacto social voluntário, por meio de um contrato, provocando o surgimento


da sociedade política. O contrato é uma teoria consensual de legitimação política que
desemboca na democracia como princípio de legitimação.
Em Júlia ou a nova Heloísa, a paixão entre Júlia e seu jovem amante serve de
mote para discussões em torno do ser mulher, futura mãe e esposa. Uma paixão que
termina por ser domesticada e a personagem acaba casando com Wolmar, um senhor de
quase cinquenta anos, que é tudo o que o seu correspondente não é: regrado, tranqüilo,
nem alegre e nem triste. O sentimento amoroso é colocado como empecilho as
obrigações conjugais pela própria Júlia, na carta de despedida ao seu amante.

As pessoas não se casam para pensarem unicamente uma na outra,


mas para preencherem juntos os deveres da vida civil, para dirigir
prudentemente a casa, para criar bem os filhos (ROUSSEAU, 2006.
p.327).

A perspectiva familiar como instituição matricial de reforma é combinada com


uma educação apropriada aos dois sexos em Emílio ou da educação. No modelo de
educação natural e libertária do Emílio a educação do cidadão é deixada em segundo
plano uma vez que é “preciso optar entre fazer um homem ou um cidadão, pois não se
pode fazer os dois ao mesmo tempo” (ROUSSEAU, 1995, p. 10). A via para Emílio é a
educação do homem, doméstica, individualizada e através de um preceptor. O Livro V
dessa obra é dedicado à educação feminina. Um modelo para ser mãe-esposa é
delineado a partir da personagem Sofia.
Diferente de Emílio, Sofia nasce na obra já um ser social; para ela recomenda-se a
educação dos conventos. Para Rousseau as diferenças de gênero é uma distribuição
sábia da natureza para a boa convivência; complementam-se na força e na doçura, na
atividade e na passividade. A menina Sofia aprende o que convém a essa relação futura
e não lhe convém ser letrada: “uma moça intelectual é o flagelo do seu marido”. O
destino das moças excessivamente instruídas será permanecerem solteiras a vida inteira.
Sofia será mãe. E uma mãe pensada para a sociedade republicana do Contrato.
Diferente da mãe aristocrata – “mães depravadas que se negam a amamentar seus
filhos” – a mãe republicana será semelhante a mãe espartana que ele traz no início do
livro que aprendeu a controlar os sentimentos em favor da ordem civil. Ela será robusta
e forte, capaz de gerar filhos saudáveis e fortes. Dócil, amorosa e forte ela se torna o
meio para a criação da nova sociedade.
190

As três obras em foco – Emílio ou da educação, A nova Heloisa e Do contrato


social – merecem um estudo apurado e relacional posteriormente, pois assumem ao
mesmo tempo uma perspectiva integradora e contraditória. Integradora na perspectiva
de que todas querem revolucionar a mentalidade vigente a partir de uma instituição
matricial; contraditória por que, apesar de serem do mesmo filósofo, trazem
notadamente perspectivas ideológicas diferentes: ora traz o foco no coletivo, ora na
família, ora no indivíduo, chegando mesmo a afirmar no Emílio não ser possível educar,
ao mesmo tempo, o indivíduo e o ente social. De qualquer modo, elas prenunciam um
modelo de educação que percebe a mulher como parte importante e que, por isso,
deveria ter um modelo especifico a ser adotado.

Sofia foi preparada para ser educadora de seus filhos, mas foi se
tornando também um modelo de professora. Baseado em Rousseau
Napoleão Bonaparte criou escolas femininas onde se enfatizava o
papel materno. Em 1842, é aprovada na Franca uma lei que cria cinco
escolas normais para moças inspiradas em Pestalozzi. Este substitui o
preceptor de Rousseau por Gertrudes, uma mãe virtuosa, no papel de
educadora (STRECK, p.55).

A professora em Pestalozzi aparece relacionada com valores maternais. E a mãe


pestalozziana é a mãe republicana responsável pela educação primeira das crianças ou
dos futuros republicanos. Uma educação baseada em princípios burgueses e em uma
família nuclear em que todos são responsáveis pelo futuro da nação em construção.
Estas representações traduzem um esforço intelectual no sentido de um projeto que
pretendia redimensionar a sociedade a partir da educação na família e na Escola com a
intervenção do Estado. Organizava-se, portanto, um modelo educacional que
dimensionasse o público e o privado a partir da mulher. Mas uma mulher mitificada.
O mito da feminilidade tenta imobilizar no tempo um ser que é histórico. A
procura por qualidades abstratas – maternidade, abnegação, sacerdócio, beleza,
suavidade – quase nos faz perceber essas mulheres como extratos de papel de uma
sociedade distante temporalmente. A transformação da mulher em mito, pela imprensa
em geral ou pela imprensa feminina, surge para reforçar um modelo dominante
tradicional ou por se querer reformar esses conceitos para uma nova configuração
social. Este parece ser o caso aqui.
Quando as mudanças causadas pela efervescência intelectual, cultural e política no
final do século XIX a imprensa, mesmo a imprensa feminina, busca referendar um perfil
tradicional para a mulher de fim de século. A Revista Illustrada, um periódico feminino
191

de 1878, discute sobre as reivindicações da mulher e sua esfera de ampliação


profissional.

Nota-se em toda imprensa, tanto da corte como das províncias, um


princípio de propaganda sobre as reivindicações do sexo gentil.
Cremos que a esfera de ação do sexo gentil deve ser ampliada; mas
também nos parece que o circulo não pode ter um grande raio
(BUITONI, 1981, p.16).

Isto significava não tomar partido em lutas eleitorais, pedindo votos, formando
comitês ou mesmo patrocinando candidatos. A preocupação com o êxito de tais
empreendimentos a levaria “a encarar fatos passageiros, como acontecimentos
momentosos, aos quais seria um dever sacrificar o bom tempero do marido, e até os
vagidos desesperados do seu filhinho mais moço”.
O artigo A mulher, publicado no jornal A República de 26 de fevereiro de 1897,
escrito sob o pseudônimo H.S, demonstra esse conteúdo. Seu autor concebe a família
como um santuário reservado à mulher pela natureza.

Sobre tão alto pedestal deixa ela de ser o ente fisicamente fraco para
revelar toda a grandeza de seu espírito e de seu coração no variado
papel que representa e na importância da missão civilizadora para que
foi fadada. [...] A mulher, quer a consideremos na família, quer na
sociedade, exerce uma influência tão real e maravilhosa, que não cabe
num rápido esboço fazer-lhe a apologia. Mas o seu verdadeiro
santuário é a família, em que ela diretamente atua, abrindo o seu
escrínio de virtudes. Fora desse doce ambiente do lar, a sua missão
muitas vezes se deturpa e desvirtua (H.S., 1897).

A concepção de H.S. elege o espaço privado como o lugar da mulher. Elas e


somente elas poderiam realizar a tarefa de cuidar dos futuros líderes do país. Para tanto,
estaria reservada às mulheres uma vida tranquila.

Na hora presente, fala-se muito em emancipação da mulher e pedem


para ela, entre outras conquistas, o direito de voto. Grave erro. A
mulher influi mais sensivelmente nos destinos do seu país sabendo ser
mãe e preparando o caráter dos filhos do que maculando a pureza de
sua alma no atrito corrosivo das lutas partidárias. [...] Transviem-na
de sua missão de educadora da bela metade do gênero humano foi
tendo o devido cultivo, a evolução do organismo social atingirá o
maior grau de perfeição (H.S. 1897).
192

Para H.S., a sociedade natalense deveria figurar como um espelho fiel ao espírito
feminino por ele preconizado. Ele convertia a família em um espaço de educação moral
e esta como uma influência civilizadora. O processo de naturalização da cultura
expresso no artigo citado através de frases como o “altar em que a natureza a colocou”,
era complementada por um discurso que enaltecia as qualidades espirituais da mulher.
Estas qualidades maternais se revelavam em atitudes que, de outro modo,
poderiam ser condenadas, mas que eram típicas do amor materno. Este aspecto se
associa as solicitações de uma mãe que, mesmo consciente de que seu filho não é vítima
do mal que lhe aflige, busca auxílio para seu filho. A matéria é assinada por Nemo,
pseudônimo de Pedro Velho.

Uma pobre mulher, que aturou-me em criança, as rabugices e as


concomitantes irreverências hidráulicas, veio há dias falar-me, afim de
que eu fosse pedir a um dos influentes da política o seu alto patrocínio
junto ao Governador, para o perdão de um filho que se achava
encarcerado por haver morto um homem numa rixa encachaçada de
taverna (NEMO, 04 fev. de 1897).

O rapaz era culpado; pagava por seu crime e sua mãe o sabia, mas não
questionava o fato. O que ela pedia era a sua soltura, sem nenhuma justificativa senão a
de que era “uma pobre velha e minha salvação neste mundo é vê-lo livre”. Sabia que
seu filho teria fim semelhante; assume mesmo que desde criança revelava instintos
turbulentos.

A análise do autor se volta para “a imaculada e portentosa ternura


maternal, epílogo sublime de todo o drama sentimental humano”. Este
conceito fundamenta todo seu discurso. Muito valem a inocência
carinhosa das filhas, o amor tranqüilo e casto das esposas, o desvelo
solícito das irmãs, a graça comovida das nubentes, mas que há de
comparável à grandeza moral das pobres mães em cujo regaço a
cabeça do filho encontra sempre o bálsamo sagrado do perdão, traga
ele, embora, as mãos ensangüentadas do assassino ou a consciência
desonrada do falsário (NEMO, 1897).

Refere-se este trecho à análise de uma lenda árabe, A lenda do coração materno44,
na qual um homem mata a mãe por um capricho da namorada. Esta o incita a trazer o
coração da sua mãe, ainda morno, como prova de seu amor por ela. Ele realiza o desejo

44
O título da história não é dado pelo escritor. Nós a encontramos no livro Contos e lendas orientais de
Malba Tahan (2005)
193

da mulher amada e ao voltar correndo para seus braços leva um tombo e se machuca. É
nesse momento da narrativa que o personagem ouve uma voz doce e preocupada.

- Estás ferido, meu filho? O veneno da erva maldita naquele instante,


deixou de atuar sobre o seu cérebro. Halim caiu na triste realidade e
percebeu a extensão infinita do crime ignominioso que cometera. [...]
E ia o jovem cometer o suicídio, e cravar no peito a lâmina do punhal,
quando ouviu, de novo, a mesma voz, presa de infinita angústia, a voz
do coração: - Meu filho! Meu filho! Não me apunhales outra vez!
(TAHAN, 2005, p.49)

As exclamações ao final da narrativa, evidenciando que a morte do filho


equivaleria à sua própria morte, ratificam o pensamento de Nemo no sentido de atribuir
ao cuidado materno o ápice maior dessa energia transcendental que convencionamos
chamar amor. Tanto o conto como a análise deste pelo escritor do jornal tenta
demonstrar a que extremos pode atingir o amor materno, pois mesmo diante da
ingratidão do filho esta não apenas o perdoa, como se preocupa com o mesmo desvelo
natural de mãe.
Este modo de ser mulher oitocentista encontrou em profissões que se orientavam
pelo cuidado e por virtudes feminis um respaldo social para a inserção pública digna e
socialmente aceitável. Algumas dessas mulheres encontraram nas escolas de primeiras
letras o campo para atuar como educadoras dos futuros cidadãos. O magistério estava
associado à imagem da mulher pouco graciosa, da solteirona retraída. A estas estaria a
maternidade negada e, portanto, justificada sua vocação para docência de crianças que
seriam sua razão de ser ou, ainda, a única forma de dar à luz.

Ademais, para muitas jovens o trabalho remunerado se colocava como


uma exigência para sua sobrevivência, e o magistério digno e
adequado. No entanto, na medida em que a maioria dos discursos da
época apontava uma incompatibilidade entre trabalho e casamento,
essa exigência de sobrevivência iria cobrar um preço: a renúncia ao
casamento (LOURO, 1997, p. 465).

A base de argumentação que relacionava maternidade e educação aliou-se à


demanda advinda do aumento quantitativo de escolas femininas e alocou a mulher como
a mais apropriada para um melhor desempenho educacional no país. Em 1897, o
Delegado Escolar, Francisco de Albuquerque Mello, encarregado pela Diretoria Geral
de realizar visitas periódicas aos estabelecimentos de ensino no Rio Grande do Norte,
194

relatou sua visita a uma escola feminina de primeiras letras. Mantida pela Intendência
de Macaíba, a escola era gerenciada pela professora Maria Emília Botelho Lins.
A casa onde funcionavam as aulas estava em ordem, atendendo aos padrões de
higiene com uma boa circulação de ar e limpeza. Ministrando aulas para vinte e nove
alunos de ambos os sexos a sala pareceu, ao Delegado Escolar, pequena e inadequada,
no entanto com aulas que atendiam aos regulamentos do ensino, comprovando a
dedicação e competência da citada professora.

Em ordem, guardadas as necessárias distinções os alunos mantinham o


mais severo silêncio, em atitude de respeito exemplar: os meninos
liam em voz baixa, estudando; as meninas, entregues aos trabalhos de
agulhas, bordando delicadas ramagens. Não querendo, porém me
deixar levar pelas aparências, aliás as mais animadoras, procedi a um
ligeiro exame em alguns alunos, observando então o aproveitamento
resultante da solicitude e dedicação da professora, que quanto pode,
me pareceu desempenhar os seus misteres de educadora (A
REPÚBLICA, 25/03/1897).

No ano anterior, em 1896, essa mesma professora já havia recebido elogios


explícitos do diretor da instrução pública Pinto de Abreu. Destacava naquele momento a
ordem e a limpeza do estabelecimento de ensino, bem como a organização dos livros de
matrícula (A REPÚBLICA, 05/08/1896).
Nesse mesmo exemplar do jornal citado está publicada a admoestação e multa a
ser paga pelo professor da escola masculina na mesma cidade, João Joaquim de Salles e
Silva, em reprimenda pela desordem e sujeira encontradas pelo Diretor de Instrução,
Pinto de Abreu.

O Doutor Diretor Geral da Instrução Pública, tendo ultimamente


visitado a escola primária do sexo masculino da Cidade de Macaíba,
onde encontrou falta absoluta de asseio e ordem resolve, de
conformidade com o preceito do Art. 63 do Regulamento que baixou
com o decreto n. 60 de 14 de fevereiro último, admoestar o respectivo
professor, cidadão João Joaquim de Salles e Silva. Remeta-se cópia do
presente ato do professor e publique-se pela folha oficial Diretoria 1º
de agosto de 1896 (A REPÚBLICA, 04/08/1896).

Esses acontecimentos ratificavam o discurso da vocação natural da mulher para o


cuidado com as crianças. Um discurso que apontava a mulher como dotada de mais
coração e ternura a fim de contribuir para o desenvolvimento moral e intelectual dos
futuros dirigentes da nação. É perceptível uma mudança provocada pela configuração
195

em que permitia às mulheres uma atuação mais efetiva no desenvolvimento deste


esforço de se fazer Nação.
Entendemos que as mudanças na educação sempre estiveram atreladas às
mudanças sociais. E se não percebemos no período em estudo uma modificação no
plano ideológico, pois a organização republicana ainda alocava a mulher no âmbito
privado, são perceptíveis as táticas por ela utilizadas na ampliação curricular oferecida
nas escolas privadas onde se incluía o ensino de língua estrangeira e, portanto, a
ampliação de suas práticas de leitura. O aumento significativo de salas de aula para
mulheres no setor privado, expresso nos anúncios encontrados, revela a contribuição
desse setor social à educação feminina natalense.
No espaço público e privado, era responsabilidade da mulher exercer uma
influência benéfica que contribuiria para a moralização da sociedade. Ela não seria
apenas a educadora das crianças, mas deveria ser um exemplo de conduta para toda a
sociedade.

A educação é o que constitui a formação moral do homem; lhe


aperfeiçoa as faculdades, impele as suas ações para o bem, e molda-
lhe o procedimento durante a vida, formando-lhe o caráter; a vós
compete dirigir a de vossos filhos em sua primeira fase, e assim
traçar-lhes a carreira na sociedade, em cujo meio serão tanto mais
considerados, quanto melhor lhe tenha sido a educação (GONDIM,
1910, p.66).

Isabel Urbana de Albuquerque Gondim escreveu este livro, intitulado Reflexões às


minhas alunas, em 1874, destinando-o à educação nas escolas primárias do sexo
feminino. Entre os conselhos dessa escritora está como deve ser o comportamento da
menina para com os seus mestres, como também o papel da mãe na educação de suas
filhas, para que estas respeitassem os mais velhos e os mestres. Respeito e dignidade
são valores que devem ser adquiridos na tenra infância e passados de mãe para filha.
Estas eram características que estavam presentes tanto na educação escolar como na
educação desenvolvida para além desse espaço específico.
Para além da educação escolar ou da educação doméstica, outros processos
formativos, como as práticas de leitura, corroboraram para a organização do
pensamento e da ação dos indivíduos na configuração dada. O conteúdo cultural
disponível na sociedade natalense, na transição entre os séculos XIX-XX em Natal/RN,
196

trazia em si conteúdos educacionais impregnados com o perfume da modernidade, da


república e de uma representação de mulher do seu entorno.
E esse ideal de mulher mãe-esposa e de mulher professora se fazia sentir em todas
as manifestações culturais do século XIX brasileiro, ao mesmo tempo em que
disseminavam um ideário social fundamentado numa representação do ser mulher, seja
no universo público, seja no universo privado.
Esta análise de um modelo educacional, a partir de uma representação de mulher e
de sociedade, distante um século de nossas próprias atividades como educadora foi o
resultado de uma reflexão que iniciamos há oito anos, quando das nossas primeiras
inquietações sobre gênero e história da educação na nossa dissertação de mestrado
(PINHEIRO, 2003): Quem fabricou o ser professora? Quais discursos forjaram esta
educadora que despontava para o século XX, capitaneando a profissão docente no
Brasil?
Ao término daquele trabalho de dissertação refleti sobre o universo feminino.
Este universo era tão entranhado em mim que percebi, nesse instante de reflexão,
marcas de vidas antepassadas que habitavam meu comportamento. Esses devaneios nos
conduziram por alamedas e casarias distantes. E, nesses passeios, buscamos nos perder
e, no profundo da alma, nos encontrar: mãe e esposa, mulher e professora.
Estas inquietações nos encaminharam para mais uma etapa dessa construção de
sentidos. E sobre essas inquietações pairavam algumas questões envolvendo educação,
história e práticas culturais. Buscamos aquietar-nos através da construção desta tese, da
busca pela mulher por trás da professora, dos discursos que forjaram esta mulher
professora, das representações femininas no momento de expansão de ensino e
feminização do magistério no Rio Grande do Norte.
E ao buscar nos documentos estas marcas, estas imagens ou esta mulher
professora encontramos uma representação do feminino que, naquela configuração, se
organizava em torno do cuidado materno.
A profissão docente feminina aparece agregada a estes valores maternais. É justo
afirmar que estas representações – mãe-esposa e professora – são as duas metades de
um mesmo projeto; é o redimensionamento que o século XIX e os modelos
republicanos de sociedade fazem do modelo tripartido de Rousseau – família, Estado e
sociedade – se organizando de um modelo educacional que dimensione o público e o
privado a partir de uma única figura: a mulher.
197

Esta configuração se torna importante na medida em que consideramos a mãe-


esposa, enquanto expressão do modelo de mulher voltada para o fórum privado, e
a professora, voltada para fórum público, como as duas faces de uma sociedade
que se queria civilizada pela educação em todas as dimensões culturais na
transição do século XIX para o século XX.
Encontramos, em tese, a mãe-educadora e a professora-mãe. Buscamos a mulher,
mas encontramos, como em um caleidoscópio, outra faceta dela: a mãe. Quantas facetas
ainda poderemos encontrar? Surgem, outra vez, novas inquietações nesta busca
incessante para compreender este ser educadora, este ser mulher.
198

Palavras finais

É, portanto, em favor de todas as mulheres


brasileiras que escrevemos; é a sua geral
prosperidade o alvo de nossos anelos,
quando os elementos dessa prosperidade se
acham ainda tão confusamente marulhados
no labirinto de inveterados costumes e
arriscadas inovações (FLORESTA, 1989,
p.130).

Estas palavras finais não se propõem a serem conclusões de pesquisa. Estas,


acreditamos, já fizemos feito em capítulo anterior. Propõem-se muito mais a aturem
como um epílogo de uma história de pesquisa em que objeto de estudo e pesquisadora
se relacionam na própria existência de Ser. São as conclusões de uma história de
pesquisa que começa muito antes de termos consciência de a fazermos.

O desejo de compreender as trajetórias de outros sujeitos surge da


relação íntima estreita do historiador com seu objeto de estudo. Uma
intimidade construída na própria trajetória pessoal do pesquisador. A
imagem de uma constante e benéfica solidão é a marca da minha
trajetória pessoal nos limites desta existência. Essa existência solitária
e introspectiva conduziu-me ao universo literário desde o aprendizado
das primeiras letras. As histórias contadas foram um estímulo para
decodificar o universo letrado que a mim se apresentava. Depois de
dominado esse universo, os heróis e heroínas que povoavam os
romances, meu gênero preferido, passaram a me indicar maneiras de
falar, vestir, portar-me em diversas situações. Ao término da leitura
passava a rememorá-lo mentalmente reescrevendo falas, reelaborando
cenários, em uma brincadeira ociosa de “o-que-eu-faria-se-fosse-eu”.
Em situações cotidianas reproduzia algumas ações dos personagens
como se esse portal literário fosse meu preceptor, meu formador de
hábitos, de atitudes, meu educador. (PINHEIRO, 2003, p.12).

A escritora Nísia Floresta, que abre estas palavras finais, nos faz pensar a quem se
destinam essas histórias, ou ainda, a História da Educação das mulheres quando, no
livro Opúsculo Humanitário, justifica a sua escrita. Quando resolvemos perscrutar as
ruas, as escolas, os discursos dos jornais em busca da professora, não tínhamos muita
certeza do que iríamos encontrar. Buscávamos, para além da professora, a mulher
199

natalense que existia nesta professora. Como demonstramos no capítulo Marcas de um


tempo, imagens de mulheres em Natal, elas se movimentavam pela cidade sob vários
modos de fazer, diversos modos de ser e uma diversidade de representações. Mas talvez,
o fato de estarmos sintonizadas com algumas dessas representações de mulheres pelos
nossos próprios modos de fazer e ser na qualidade de mãe, esposa e professora, nos
permitiu uma relação com o objeto “que aquele que não faz parte do campo não possui”
(BOURDIEU, 1990, p.110).
Foi precisamente por isso que dentre todas as representações percebidas no curso
da investigação duas figuras prevaleciam – e não apenas quando apareciam em suas
práticas cotidianas – mas nos discursos, nas instituições, na cidade. A mãe-esposa e a
professora surgiram como as representações femininas mais brilhantes nessa alameda
povoada de mulheres.
Ordem e progresso. Civilização e modernidade. Educação doméstica e educação
escolar. Mãe-esposa e professora. Valores que se relacionam numa educação moral e
cívica em torno do cristianismo católico e do republicanismo brasileiro. Com “o Brasil
farto de governos paternais”, a figura masculina cedia lugar à figura feminina da virgem
idealizada e mítica da República de Delacroix.
200

La liberte guidant le peuple 45


Fonte: Site do Musée Du Louvre

Para além desta imagem, que mitifica o feminino no século XIX, a representação
de professora se confundia com a de mãe-esposa na medida em que ambas participavam
como educadoras dos futuros cidadãos da República nascente. O simbolismo feminino
da República sugeriu talvez uma nuança para o trabalho educativo a partir do final do
século XIX. Uma reestruturação enfocando o cuidado materno com elemento basilar
para um trabalho que se profissionalizava em Natal, na perspectiva do público associado
à Escola Normal e à profissionalização da professora e na perspectiva do privado,
relacionado à Escola Doméstica e à institucionalização da dona-de-casa. Para além de
um processo de feminização do magistério podemos pensar sobre o trabalho feminino e
a feminização da própria sociedade como um prenúncio de um novo século que se
anuncia. Se o magistério passa por um processo de feminização, a ampliação e expansão

45
A liberdade guiando o povo - Sítio do Museu do Louvre.
201

do sistema educacional já nasce com essas virtudes feminis, nas palavras de Pedro
Américo em 1891.
Ultrapassando a dimensão educacional, a própria sociedade se tendia feminina
através da reorganização de suas principais instituições educacionais – família e escola
– no fim do século XIX brasileiro. Ao mesmo tempo em que se construía República e
deixava para trás os modelos sociais que estabeleceram a mentalidade brasileira dos 400
anos até aqui. Vê-se, então, o fim de uma era: a era dos ignorantes e analfabetos. Os
próximos 100 anos sugerem uma transição: reorganizações metodológicas para modelos
educacionais explorados desde a Paidéia. A transição para outros tempos ainda se
existencia neste ano de 2009. A busca por uma nova mentalidade educacional distante
de tudo que conhecemos ou vivemos nos permite erigir como possibilidade um real
encontro das diferenças de gênero e classe social num futuro próximo.
Encontramos no material impresso pesquisado duas tendências que coexistiam.
Uma que alimentava a tradição da mãe-esposa, voltada aos cuidados domésticos
assumindo naturalmente suas funções de mulher, e a outra, mais progressista, voltada à
educação e à instrução dessa mesma mulher para o mundo moderno onde ela, inclusive,
tiraria seu sustento de um trabalho digno e remunerado, como o de professora. Em
quaisquer das duas pontas encontramos um elemento fundante para este novo século e
que as une: o cuidado como essência dessa educação. Por isso aqui, chamamos este
“cuidado” de cuidado materno, porque está ligado à ideia de mãe e se organizava tanto
em torno da mãe biológica e como da mãe social ou intelectual.
A mãe-esposa que encontramos era a mãe republicana de Rousseau, vestida com o
manto de Maria, respaldada num modelo que a indicava como a educadora dos futuros
republicanos; a professora tende a ser a versão pública dela. No florescimento da
República em Natal, da expansão do ensino no Rio Grande do Norte e das mudanças
sociais no mundo ocidental depois da Conflagração Européia em 1914, pudemos
finalmente vislumbrá-la: mater, educadora, republicana. Esta é a mulher por trás da
professora que buscávamos. Esta foi à representação feminina em Natal que
encontramos na transição do século XIX para o XX.
O que nós buscávamos? Às vezes eu acho que buscava a mim mesma; o que nos
fazia ser assim e não de outro modo. Somos as mulheres que nos antecederam e as
mulheres que antecederam as mulheres que nos antecederam. Uma afirmação óbvia,
mas, pelo que percebemos pouco percebida quando acionamos o nosso existenciar
cotidiano.
202

Esse caminho da História é, no mínimo, intrigante... Quando se começa a


desenrolar o novelo, ele é bem maior do que lhe pareceu a princípio. O que nós
queríamos era provar uma tese: uma representação de professora, baseada em uma
representação feminina e que se ancorava em um modelo civilizatório europeu. E mais:
esta representação como fundamento da própria profissão docente, ribombando em
nossos tímpanos históricos através das brumas do tempo. Uma representação feminina
que, por ser configurada, não fazia nenhum sentido ainda ser escutada, mesmo que fosse
pela audição da sensatez.
Essa maneira de portar-se, de ensinar, de falar, de se vestir, de se conduzir
socialmente sempre nos pareceu ter sido modelado, organizado e pensado em meados
do século XIX. Depois disso, o que se tinha promovido eram reformas, em cima de uma
base, em função das demandas sociais criadas para a mulher. Buscávamos essa base.
Queríamos conhecer essa base, saber seus fundamentos ou apenas descobrir que ela não
existia. Nós a queríamos, de um modo ou de outro. Simples assim. Mas as verdades não
são tão simples assim. Como diz Elias (2000), “nada é tão certo quando se fala de
figurações” E então fomos repensar. E ao repensarmos nos demos conta de que
falávamos de uma cidade que não vimos, de um país que não conhecíamos, de pessoas
que se apresentavam como sombras de uma história que se foi. E, também, nos demos
conta de que só teríamos um rasgo de verdade e com esse rasgo teríamos que viver. De
um modo ou de outro, este é o nosso rasgo de verdade.
Mas, afinal, não encontramos uma representação feminina, mas várias.
Encontramos mulheres tentando dar sentido a existência, como nós, enquanto
vivenciavam novas experiências sociais. Mas encontramos, principalmente, mulheres
que educavam outras mulheres através dos mais diversos meios; mulheres que eram
educadas por jornais, igrejas, escolas, romances que traduziam um modelo de ser e de
viver e que respondiam as questões culturais do período. Essas mulheres povoaram
meus dias e minhas noites nos últimos três anos. E na minha busca por nosso ser
educadora, nos vimos novamente, como há seis anos, com “marcas de vidas
antepassadas” procurando na História da Educação norte-rio-grandense as marcas que
nos digam quem é essa personagem feminina tão presente na educação de ontem e de
hoje e que convencionamos chamar professora.
As idas e vindas com o texto, as virtualidades que movimentam nossos dedos
agilmente e nos fazem pagar com a dor o preço da comodidade. Digitando uma hora e
203

descansando outra com o computador pousado na mesa da cozinha, na cama ou na


cadeira próxima a televisão, companheira de descanso dos dedos, da mente e da alma.
Este foi um trabalho escrito em muitos lugares e com diversos sons e tons nos
lembrando quem somos e o que fazemos, com aquela vaga sensação de “será que é isso
mesmo?”. Então Artur chega e diz: “hora do lanche”. E nem é hora do descanso, nem
hora de texto, mas hora de Artur. Lembro-me de Woolf (1985) “Ah! Um teto todo
meu!”. Mas ele sorri e tudo se desvanece. Colocá-lo-ei de volta e o teto passará a ser
nosso outra vez. E isso me chama a atenção para o texto que ora escrevo, recorda o
tempo que o tempo não esquece e me leva de volta às mulheres de fim de século. O que
somos, o que fomos, os caminhos que seguimos, as escolhas que fazemos, tudo reflete
na pesquisa historiográfica que ora fazemos. É o lugar sócio-econômico, político, plural,
ocupado pelo historiador que determina sua investigação (CERTEAU, 2002 p.67).
Venho buscado um caminho há muito tempo, hoje sei. Sei também que já
acreditei, como agora acredito, que o caminho trilhado era o certo. Hoje creio que todos
os caminhos trilhados e o conhecimento agregado me prepararam para este momento.
As coisas têm se apresentado de forma estranha... E quero entender este meu ser-estar
no mundo. Não acredito na infalibilidade humana. E sei, por experiência própria, que
tudo é efêmero. Por isso quero existenciar este momento. Por nove anos esta literatura
historiográfica da educação ocupou minha existência.
Nesse meio tempo mergulhei nas profundezas de mim e fui buscar-me mulher
professora nos confins dos oitocentos; fui descobrir-me mãe, esposa e religiosa no
extremo oriente do mundo. Percebi-me com elas e parte delas em um mundo masculino
que não me olhava de frente. Nunca o Estado de Direito me foi tão caro como quando
minhas aptidões intelectuais de nada valiam ante a tradição de um poder político e
econômico masculino: os homens simplesmente não me atendiam. Fosse num
restaurante, num posto da alfândega, numa praça de táxi. Mesmo que eu falasse os olhos
deles se voltavam ao homem ao meu lado, ao meu marido.
Vi mulheres de lipa no Timor-Leste; com mordaças douradas na Tailândia; com
sarongues coloridos em ruidosos grupos exclusivamente femininos; com altivas
sapatilhas em Bali, envoltas em véu finíssimo que ornavam as tardes orientais. E foi em
Bali, através de um Templo e da visão de um pôr-do-sol, que vislumbrei meu futuro em
minha pequena aldeia global: Natal. O mundo ficou pequeno e as causas humanitárias
não me pareceram tão humanas assim. A ONU não é tão unida, afinal. Mas ninguém
precisa aprender a ser só. Então, dei existência aos meus demônios internos e com isso
204

ativei o desconhecido de mim mesma. Busquei meus pares, minhas existências, meu
coletivo profissional.
A professora que buscávamos éramos nós mesmas; a mãe-esposa que
encontramos era apenas a versão doméstica desta. Essas representações eram parte de
um aprendizado, hoje sabemos, para algo que se organizava. Como acreditamos nos
dizeres de Saviani (2003, p.23), só poderíamos nos tornar uma educadora melhor na
medida em que nos enraizássemos na nossa própria história de formação docente; não
apenas individual, mas coletiva e histórica. E foi este enraizamento que buscamos aqui
consolidar.
“Finish”. E um sorriso brinca em meu rosto enquanto penso nessa palavra. Fim,
em bom português. Conheci uma freira australiana, Madre Michelle, há quatro anos
quando estava morando no Timor Leste. Viajamos juntas por mais de doze horas
montanha acima com meu marido e meu filho que, na época, tinha exatos três anos.
Meu inglês de mercado, o inexistente de Walter, meu marido, e a vontade de Artur, meu
filho, não foram suficientes para estabelecer uma comunicação mais ampla. Mas
acabamos ficando amigos. Ela inventou milhares de brincadeiras e jogos sonoros com
Artur: ela falava, ele repetia. Estávamos indo a um distrito chamado Suai a
aproximadamente 110 km de Dili, onde morávamos. Passamos por muitos distritos e
subdistritos. E cada um vencido, ela citava o nome e gritava animada “Bobonaro,
finish”. Em pouco tempo ela e Artur ficaram nesse jogo: ela gritava o nome da cidade e
Artur gritava “finish”. Durante muitos meses ele guardou aquele vocábulo que servia
para tudo que tinha terminado definitivamente, como o prato do almoço ou a arrumação
da caixa de brinquedo.
Curioso pensar nisso agora. Não penso que seja “finish” para qualquer daquelas
cidades. Vou voltar lá. E todos os dias o prato de Artur está cheio e a caixa de
brinquedos desarrumada. Então, pedindo licença a Madre Michelle, devo acrescentar ao
“finish” dela o meu “ for the moment” E até o próximo desdobramento desta pesquisa,
deixo assim: terminado... para o momento.
205

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