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A desigualdade entre os seres humanos é um tema amplamente estudado e debatido em

várias áreas do conhecimento, especialmente nas Ciências Sociais, das quais a Sociologia se
destaca. Um dos principais contribuidores para a compreensão da desigualdade foi Franz Boas,
na medida em que pontuou a necessidade de se distinguir a Raça (na concepção biológica) das
Culturas, demonstrando que a visão de uma “superioridade cultural” atrelada à constituição
biológica não se sustentava na realidade. A abordagem da "Antropologia Cultural",
desenvolvida por Boas, influenciou o pensamento de Gilberto Freyre, conferindo à sua busca
por um ethos brasileiro o caráter científico necessário que, posteriormente, manifestou-se na
figura da "Democracia Racial".
Essa ideia concebe que a sociedade brasileira, vista como palco de relações raciais de
convivência pacífica, miscigenação e tolerância (o que supostamente resultaria em uma
sociedade livre de preconceito racial), teria superado as divisões raciais presentes em outras
sociedades e viveria uma igualdade racial. Ocorre que essa análise tinha como lente a
segregação Estatal evidente, principalmente, nos Estados Unidos, levando à impressão de que
no Brasil, ao não haver um Estado abertamente segregacionista, haveria igualdade racial.
Historicamente, Oracy enxerga as relações de desigualdade a partir das estabelecidas no
período colonial, onde há a construção de uma hierarquização social de critério racial — tendo
o negro sido escravo do branco — que limitou a compreensão da condição social do negro a de
inferior ao branco e, portanto, naturalizou no ideário da sociedade a estratificação social que o
condiciona ao passado escravista.
Nogueira, ainda, vai além: ao comparar a sociedade estadunidense com a brasileira,
conclui que o que havia não era igualdade racial, mas um preconceito distinto onde a concepção
do negro como inferior ao branco perpetuou-se socialmente através da construção e aplicação
reiterada de condutas discriminatórias, o “Preconceito de Marca”.
Enquanto nos Estados Unidos o preconceito racial está associado com uma classificação
racial baseada na identificação da raça negra a partir do grau de parentesco de um indivíduo
com outro com ascendência, menor que seja, africana (“Preconceito de Origem”), no Brasil ele
está relacionado com a aparência física do indivíduo: há a existência de uma espécie de gradação
onde, quanto mais próximo da cor branca, maiores as chances da sua ascensão e aceitação
social.
Nesse contexto, as relações de poder — compreendendo-o como uma relação social que
permeia as interações entre os indivíduos de uma sociedade — estabelecidas na sociedade
brasileira, para Oracy, são exercidas e perpetuadas não só, mas também, nas relações raciais,
especificamente na relação do negro com o branco.
Do ponto de vista da análise feita por Oracy, o preconceito racial se apresenta como uma
forma de poder simbólico que se manifesta na sociedade brasileira a partir da marcação e
estigmatização dos negros — tendo como base, especialmente, sua aparência. Nesse sentido, o
poder está relacionado à capacidade de impor uma visão de mundo e uma hierarquia social que
privilegia determinados grupos em detrimento de outros.
Por hierarquia social se entende, do ponto de vista da análise sociológica construída por
ele e por outros, as formas como o poder se distribui na esfera social, as “regras” que
determinam o pertencimento ou a exclusão de determinado grupo e por quem são determinadas:
os grupos hegemônicos.
As estruturas sociais influenciam a distribuição desigual de recursos e oportunidades
entre negros e brancos, e ainda que, em certa medida, o poder esteja relacionado não apenas a
aspectos individuais, mas também a estruturas e instituições sociais que perpetuam
desigualdades raciais, Oracy evidencia que a segregação tem sua característica intelectual e
estética, é pensada e produzida, tem embasamento cultural e legitimação e, portanto, é cabível
de ser imposta.
Os brancos, enquanto dominantes, veem-se confortáveis em aproveitar das estruturas e
modelos que os permitem ascender socialmente, construir e estabelecer os direitos necessários
para perpetuar os seus privilégios em relação a outros grupos e, no fim, resguardar a hierarquia
exposta, em especial, nas relações entre os indivíduos dominantes e dominados.
O grupo branco é dominante na medida em que impõe aos outros grupos, dominados,
sua visão de mundo (sua Ideologia), impõe sua cultura e pensamentos de forma explícita,
suprimindo as demais. Disso surge a exclusão, que acaba por ser mais sutil, um preconceito até
mesmo “velado”, que é tão intrínseco as estruturas sociais que leva os próprios excluídos a
crerem que a ascensão é a única forma de passarem a serem aceitos pela sociedade, que é
necessário se adaptarem ao estigma a eles imposto.
Oracy comprovou a existência do preconceito racial no Brasil, dotando-o da
particularidade de variar seus modos e formas de atuação e manifestação a depender da
quantidade expressa de traços da raça negra em uma pessoa e de se apresentar, na construção
da inferioridade, desde a infância nas relações mais próximas que sejam: desde cedo se incute,
no espírito da criança branca, a noção de que características negróides enfeiam e tornam o seu
portador indesejável para o casamento" (NOGUEIRA, 1955).
A construção da raça negra como inferior foi tão inserida e legitimada socialmente que
o negro, em certa medida, é visto como se não fosse uma pessoa, de onde surgem ideias como
o embranquecimento (sob a justificativa de torna-los “gente”). O imaginário coletivo foi tão
construído sobre a pauta da discriminação e do discurso de superioridade racial que, ainda hoje,
ações e discursos nitidamente discriminatórios não são assim considerados, expondo
constantemente os indivíduos a um racismo internalizado e estrutural manifestado diariamente
nas mais diversas relações.
O preconceito de marca constitui uma hierarquia cultural e social tão opressora que a
ascensão social do negro só é possível e aceita quando esta se associa com a inserção, em si
próprios, de elementos do grupo dominante. O negro se vê na necessidade de adotar elementos
culturais brancos para poder legitimar sua ascensão, uma imposição ideológica que força o
indivíduo a negar suas características para ser socialmente aceito.

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