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CURSO EDUCAÇÃO, RELAÇÕES RACIAIS E DIREITOS HUMANOS

NAYARA DE SOUZA ARAUJO

Identidade: importância e significados

Quem sou eu? O que eu quero? Qual meu lugar no mundo?

SÃO PAULO

2012
O que define um povo não é a demarcação territorial, a cor de sua pele ou sua
língua, mas sim um conjunto de características (políticas, sociais, etc.) que faz dele um
grupo identidário, diferenciando-o de outros grupos. É a identidade que faz com que um
grupo se diferencie do outro (HALL & WOODWARD, 2000), pois propicia a sensação
de pertencimento, fazendo com que cada indivíduo divida a sociedade em dois grupos:
nós e eles. Os que são como eu e os que não são. Desse modo, sabemos quem
somos por sabermos que não somos o outro. A identidade, portanto, é definida pela
diferença, estabelecida por uma marcação simbólica relativa a outras identidades.
Os costumes ou tradições são marcas do conceito de identidade e não apenas
um produto da ação humana (DURHAM, 1984); são da própria natureza da ação: algo
padronizado e organizado por regras carregadas de significação, que na maior parte
das vezes não são percebidas por aqueles que a vivem. Os costumes (formas de
pensar, de sentir e de agir) estão fora das consciências individuais (DURKHEIM, 2007)
e as regras sociais são sutilmente impostas, só sendo possível de percebê-las se o
indivíduo tenta ir ao seu sentido contrário. A identidade, então está internalizada a um
ponto que suas características são despercebidas por aqueles que fazem parte do
mesmo grupo e apenas é possível tomar consciência que fazem parte de um grupo
quando são confrontados por um grupo identitário diferente (HALL & WOODWARD,
2000).
Para a antropologia, todas as identidades são construídas (Kabenguele). A
motivação e autoria de tal fenômeno são situadas em um contexto caracterizado pelas
relações de força, fazendo com que as identidades surjam por dois principais
caminhos: a dominação e a resistência. A primeira visa legitimar sua posição social
através da expansão de seus valores, racionalizando sua dominação. Já a segunda,
busca resistir e sobreviver, apesar de sua desvalorização e depreciação pela lógica
dominante.
A identidade dominadora sempre foi a do homem, branco, heterossexual,
proveniente de determinados países do norte. A construção dos direitos humanos
também foi baseada nesse cenário de opressão, fazendo com que aqueles que mais
possuíssem essas características listadas, mais direitos tivessem – e ainda tenham -
garantidos. Apesar de muito se falar na universalidade de direitos, seja por lei ou por
discurso, os direitos foram garantidos primeiro àqueles que tinham o poder. A questão
racial, uma das últimas a entrar em pauta, começou a avançar apenas 2001, em
Durban, na Conferência Mundial Contra o Racismo, a Xenofobia, a Discriminação e
Intolerâncias Correlatas.
No Brasil temos um difícil cenário engessado pelo mito da democracia racial,
onde se prega a farsa de que não existe racismo o que gera barreiras a ações
afirmativas e demais políticas públicas que visem a diminuição da desigualdade.
A negação da identidade negra é negada desde sua chegada as terras
brasileiras, onde ao sair de seu país de origem é forçado a construir uma nova
identidade: a brasileira. Porém, por não serem bem quistos pela população dominante
da época, os negros passam a viver um fenômeno definido por Darcy Ribeiro como
ninguendade, por serem um protobrasileiro por carência, ou seja, um ser sem
identidade, apesar de fazer parte de uma nação.
No período da escravidão e também da imigração, diferentes povos tiveram que
co-existir no mesmo espaço. Entretanto, para os imigrantes brancos a adaptação era
mais simples, já que apesar deles saírem de seus países e, desse modo, perderem
parte de suas culturas, eles tiveram espaço para manter parte dela ou de construir uma
nova aqui no Brasil. O mesmo, porém, não aconteceu com o negro, que mesmo depois
de liberto continuou marginalizado. Como podemos verificar no trecho do livro O Povo
Brasileiro, de Darcy Ribeiro:

“Temos aqui duas instâncias. A do ser formado dentro de uma etnia,


sempre irredutível por sua própria natureza, que amarga o destino do
exilado, do desterrado, forçado a sobreviver no que sabia ser uma
comunidade de estranhos, estrangeiro ele a ela, sozinho ele mesmo. A
outra, do ser igualmente desgarrado, como cria da terra, que não cabia,
porém, nas entidades étnicas aqui constituídas, repelido por elas como um
estranho, vivendo à procura de sua identidade.” (RIBEIRO, 1995, p.133)
Esse fenômeno pode ser percebido até hoje, onde tanto a cultura quanto a
aparência (cor, cabelo, formato do rosto) identificadas como negras é visto como ruim
ou fora do padrão desejado. Isso é reflexo da política de branqueamento, dominante
nas últimas décadas do século XIX, onde persistiu a ideia de que progresso do país
dependia não apenas do seu desenvolvimento econômico ou da implantação de
instituições modernas, mas também do aprimoramento racial de seu povo, o que
contribuiu efetivamente para o aprofundamento das desigualdades no país, sobretudo,
ao restringirem as possibilidades de integração da população de ascendência africana
(SOARES, OSÓRIO & JACOB, 2008).
Essa atitude política criou raízes tão profundas na estrutura da sociedade que,
devido a séculos de projeção de inferioridade da raça negra diante da elite branca,
nasceu o sentimento de autodepreciação entre os próprios negros. E tal sentimento
tornou-se um dos instrumentos mais poderosos da sua própria opressão (TAYLOR,
1994).
A falta de respeito pela cultura e pela identidade do outro marca o grupo
oprimido de forma cruel, subjugando-o através de um sentimento incapacitante de ódio
contra si mesmo (TAYLOR, 1994). O respeito não é uma questão de educação ou
gentileza, mas sim uma necessidade humana vital. Tem-se do texto de Taylor o
seguinte trecho:

“A exigência do reconhecimento adquire uma certa premência devido à


suposta relação entre reconhecimento e identidade, significando este último
termo qualquer coisa como a maneira como uma pessoa se define, como é
que as suas características fundamentais fazem dela um ser humano. A tese
consiste no fato de a nossa identidade ser formada, em parte, pela
existência ou inexistência de reconhecimento e, muitas vezes, pelo
reconhecimento incorreto dos outros, podendo uma pessoa ou grupo de
pessoas serem realmente prejudicadas, serem alvo de verdadeira distorção,
se aqueles que os rodeiam refletirem uma imagem limitativa, de inferioridade
ou de desprezo por eles mesmos. O não reconhecimento ou o
reconhecimento incorreto podem afetar negativamente, podem ser uma
forma de agressão, reduzindo a pessoa a uma maneira falsa, distorcida, que
a restringe.” (TAYLOR, 1994, p. 45)
Pensando no ponto mostrado por Darcy Ribeiro, assim como o apresentado por
Charles Taylor, pode-se perceber que a construção da identidade brasileira se deu de
forma distorcida e desigual. Os brasileiros, como povo, não tiveram igual espaço para
desenvolverem suas identidades e sua diversidade cultural. Foram sujeitos a
dominação daqueles que estavam no poder. Taylor aponta que o desrespeito é uma
forma de opressão. E a opressão, somada à ninguendade, fizeram com que diversas
culturas, principalmente as de origem negra, fossem marginalizadas. A falta de espaço
para o desenvolvimento da própria identidade faz com que o negro perdesse a crença
em si mesmo e o impedisse de ser alguém. Se a identidade existe, como visto no
início, como a diferença entre nós e o outro, e diversos condicionantes impedem o
indivíduo de ser o que é, e também de fazer parte da cultura do outro; isso faz com que
ele seja ninguém. E um “ser ninguém” não possui rosto, identidade, direitos ou poder.
É uma tendência do ser humano em se naturalizar a própria cultura – ou aquela
que desejamos nos inserir – como o normal. Quando se faz parte do grupo dominante,
é mais simples se naturalizar a cultura própria. Porém quando se faz parte do grupo
reprimido, a busca para ser identificado como o grupo dominante é constante, mesmo
que de forma inconsciente. Isso é perceptível no dia a dia, onde, o padrão de beleza,
por exemplo, são os cabelos lisos e olhos claros são sinônimos de olhos bonitos.
Dentro desse contexto, se fazem necessárias ações coletivas e políticas
públicas que visem mudar o status quo de exclusão da sociedade. É preciso que as
regras sociais presentes no inconsciente comum mudem e a diversidade torne-se o
novo padrão. Dentro da ilusão da democracia racial, no Brasil todo mundo é igual, em
tom de discurso apaziguador. Mas, na prática, cada um que “ocupe o seu devido lugar”.
A cada nova política afirmativa temos um bloqueio reacionário, levantado por aqueles
que não aceitam o outro. Eu e o outro. Nós e eles.
Todas as ações de promoção ou violação de direitos ocorrem em um
determinado contexto cultural, onde valores ou tradições se veem em confronto.
Enquanto esse confronto existir, a formação das identidades das demais camadas da
sociedade se verão em posição de resistência e não de liberdade. Só a partir da
mudança de pensamento que as respostas poderão ser: sou o que quero e, apesar de
diferente, sou igual e estou no mesmo lugar que você.
Referências Bibliográficas
DURHAM, Eunice Ribeiro. Produzindo o Passado: estratégias de construção do
patrimônio cultural. Antonio Augusto Arantes (org.). Secretaria de Estado da Cultura –
Governo Democrático de São Paulo CONDEPHAAT. Editora Brasiliense, 1984.

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 3ª edição. Editora Martins


Fontes. São Paulo, 2007

HALL, Stuart & WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a perspectiva dos


Estudos Culturais. Editora Vozes. Petrópolis, 2000.

MUNANGA, Kabengele. Diversidade, identidade, etnicidade e cidadania.


RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. Companhia das
Letras. São Paulo, 1995.

SOARES, Sergei; OSÓRIO, Rafael Guerreiro & JACCOUD, Luciana. As políticas


públicas e a desigualdade racial no Brasil: 120 anos após a abolição. Ipea, novembro
de 2008.

TAYLOR, Charles. A política do Reconhecimento. In: Multiculturalismo: Examinando a


política do Reconhecimento. Coleção Epistemologia e Sociedade. Instituto Piaget.
1994.

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