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Antonio Godino Cabas O sujeito na psicandlise de Freud a Lacan Da questao do sujeito ao sujeito em questado 2! edicao 201307 9514 160,964.2 GOD /suj 2.ed. 17114042 4 yY ZAHAR Rio de Janeiro Cis red Copyright © 2009, Antonio Godino Cabas Copyright desta edi¢do © 2010: Jorge Zahar Editor Ltda. rua México 31 sobreloja 20031-144 Rio de Janeiro, RJ tel: (21) 2108-0808 / fax: (21) 2108-0800 e-mail: jze@zahar.com.br site: www.zahar.com.br Todos os direitos reservados. A reprodugio ndo-autorizada desta publicacao, no todo ou em parte, constitui violagao de direitos autorais. (Lei 9.610/98) Edigao anterior: 2009 Projeto grafico: Carolina Falcéo Capa: Bruna Benvegnit CIP-Brasil. Catalogagao-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ Cabas, Antonio Godino O sujeito na psicandlise de Freud a Lacan: da questo do sujeito ao sujeito em questao / Antonio Godino Cabas. — 2.ed. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010. Inclui bibliografia ISBN 978-85-378-0120-8 2. Freud, Sigmund, 1856-19; 3 1 jeito (Filosofia) — Aspectos Pscoldgices Fae. 2 Lacan, Jacques, 1901-1981. 3. Sujeito (1 ) Sumario Prélogo Introdugao: A questo ... parTe | Freud e a questo do sujeito ......... 1. Em Freud : ‘Anota de Strachey, 21 + O texto freudiano, 22 « O comentario de Lacan, 23 2 Sobre Freud eet een nea Sua obra e o século, 26 » A obra eseu legado, 28 3. Freud e a antecipacao do sujeito .... fi Tornar consciente 0 inconsciente, 30 « O desejo inconsciente. -..€ 0 insuportavel, 35 + A questdo subjetiva, 39 4. Freud, a pulsao e 0 sintoma : a Tornar consciente... 0 inconsciente, 43 + Os sintoma ea pulséo, 46° Para uma analitica do sintoma, 49 + O sujeito em questao, 51 + Do sintoma a pulsdo: uma nota sobre o sujeito, 52 5. O conceito de pulsao e os avatares da vida pulsional ... A pulsao e sua fungao de causa, 56 + A estrutura pulsional, 58 + Uma nota epistémica, 61 + Algumas notas freudianas sobre otema, 64 + A forma da pulsio, 67 » A propésito da gramitica e acerca da tor¢éo, 70 3 19 21 26 30 - 42 55 6. O Issoeo Eu Osantecedentes clinicos, 75 + Acerca da repetigt retigio, 7; da repetigio €0 880, 80 + Isso a divisio da personstide rativo nalidade Pslquica, 45 7. Para concluir: uma pontuagdo Um esbogo, 87 + Uma nota, 90 + Uma pontuacao, 91 parte i! Lacan eo sujeito em questao 8. Situagdo da psicandlise em 1950 Medicalizacao e andlise leiga, 98 + Uma adverténcia critica, 102 + Metafisica e filosofia politica, 104 + Os dois campos, 112 g. Dos antecedentes con A fungio do Eu, 18 + Da psicandlise eda criminologia, 122 10. A retificacao subjetiva A intervengao, 129 + Sobre a transferéncia, 132 + Do que ressoa na transferéncia, 135 + Do sujeito em questio, 137 11, Aassungao subjetiva oncn A cisio de 1953, 140 + A primazia do simbélico, 142 + Dora, o algoritmo e a questo, 145 + A assungao subjetiva ea subjetivagao, 147 + Osujeito do desejo, 152 12. A realizacao do sujeito e a razdo socratica Sécrates com Freud, 155 + Sécrates com Lacan, 158 © A circunstancia, 163 43. De Sécrates a Lacan: um passo .. Da transmissio socratica, 165 + Uma nota sobre o des set, 167 + Do semblante, 169 14. O impasse na formalizacao... A psicose: uma excegao, 173 + A relagio de objeto: zuma objeio, B+ O impasse em questio, 189 95 7 us 8 140 155 165 172 15; Do real em causa ‘O real na ciéncia, 199 + Do real na psicanilise..., 202 + _..e a fungao da causa, 208 16) Do sujeito, enfim, em questao Da subversio, 238 + Da materialidade significante, 220 « Da causa real, 223 + A modo de conclusio, 227 17. Para concluir: uma nota de atualidade. . Os novos sintomas, 230 + Os novos sintomas ¢ a contemporaneidade, 233 + Do novo sujeito, 235 Notas Bibliografia Agradecimentos 197 216 230 238 249 255 Freud e a antecipaga0 do sujeito que acaba de ser dito se deduz que nogs, aradoxo e que esse paradoxo re mma. Em todo caso, nos coloca dia Resumindo. De tudo © ponto de partida contém um P% senta um impasse. Ou um proble1 ’ de um desafio: o de estabelecermos as vias quel a freudiano a questao do sujeito. Dessa prance: nos : le! rontamos com algo de dificil solucao, j4 que, pelas evidéncias até aqui recolhidas esse caminho s6 pode ser estabelecido por meio de uma longa redu- cao. Em outras palavras, s6 pode ser extraido de um trabalho dedu- tivo. E como deduzir de uma experiéncia tao vasta um elemento tao pontual e tao preciso? Nao seria como procurar uma agulha em um palheiro? Ocorre que nao parece haver outra op¢ao. Portanto, partiremos de um ponto incidental, escolhido ao acaso dentre a série dos enunciados. Com esse propdsito, optaremos por uma frase genérica, dessas que amitide empregamos para resumir © conjunto de uma experiéncia. Por certo, com a esperanga de en- contrarmos subsidios que nos permitam cingir 0 objeto da operac4o analitica - a agulha em questao. E por esse motivo que tomaremos como ponto de partida essa frase que diz que a psicandlise é uma ex- periéncia que tem por finalidade “tornar consciente o inconsciente” Tornar consciente o inconsciente A rigor, a expresso tornar conscie1 i: inte o inconsciente é ormula. Quer dizer, fe é uma fo: se hi que uma frase é uma sentenca. . ntudo, é um 5 . A mum ou um ritornelln. eee {ao repetida que parece um lugar-co- - Um dito sem relevo, Como se tivesse saido d2 peg ee Freud e a antecipagao do sujeito : 31 boca de um poeta de rua ou de um autor anénimo. Ou seja, dé a impressao de ser uma frase t4o aparentada com o ditado popular, tao préxima dos ditos de rua que acaba por integrar o acervo cultural, causando a impressio de fazer parte dos enunciados mais arraigados da tradicao analitica. Mesmo porque tem a estrutura de uma frase feita, construida para exprimir um puro saber. Um saber a esmo, sem pé nem cabe¢a ou, ainda, uma lei-sem-mais: ‘tornar consciente o inconsciente’ 9544 /8D Tem mais. Ela é retomada com tanta freqiiéncia na histéria do ensino — na maior parte das vezes com fins meramente ilustrativos ~ que nao éraro encontré-la sob a rubrica dos mais diversos ensinantes. De Otto Fenichel a Sandor Rado é uma consigna que retorna insistente e reiterativa como uma sentenca um tanto gasta e meio esvaida pelo passar do tempo: “tornar cons- ciente o inconsciente”. $6 que, antes de ter sido empregada por uns e outros, a frase é de Freud. Alids, era a sentenca que lhe servia para definir a meta do trabalho analitico. Dal ser tio comum encontré-la repetida em varios dos seus escritos e a inter- valos regulares. E é por essa razdo que a tomaremos como referéncia, muito embora - e por motivos ligados a construgao do nosso argumento - optemos por extrai-la de um texto de 1920. Basicamente porque 1920 éuma data que sinaliza um corte. Uma ruptura. Com essa ruptura Freud introduz um principio que modifica e subverte a diregio da cura. Trata-se de um princfpio que diz que a elaboragéo analitica ~ e, conseqiientemente, o trabalho do deciframento - deve poder atingir um fundamento que est mais além do princ{pio do prazer. E tendo em vista que 0 principio do prazer era ~ até entdo — a base material e o ponto de mira da luz em 1920 é a idéia de que existe “um prazer interpretagao, o que Freud introd libidinal, que é necessdrio atingir, mobilizar mais além’, um ponto de fixacao, e, num certo sentido, fazer bascular. Por tudo isso, 1920 representa um corte e uma. ruptura. Quer dizer, um momento de concluir. “Além do principio do prazer” é 0 titulo do escrito em questo. E é nele que podemos ler a frase que segue: “... 0 fim proposto, de tornar consciente o inconsciente ...”" Essa formula que lhe servia para descrever a cura analitica, é também a formula que lhe permitia estabelecer a premissa de que No sentido mais pleno da palavra, A saber, que a psigandlise é uma experiéncia que faz. Implica uma transformagao e nao ape-~ nas uma explica¢do destinada a fornecer um recobrimento ideativo do real, Portanto, acarreta conseqiténcias. Isso nos leva a concebé-la como uma ope- ao menos de 1900 a 1920, a psicandlise é uma pratica. . Freud a Lacan’ . sicandlise de £ o syjeito na psi HY x Foti, y de uma transformacio efetiva, Transform. tengo A meta é a obtenci al e absoluta. fe ee ecatace De forma radic ~~ Como? s er o inconsciente, lembrando gue Pelo simples expediente ee desde 0 inicio ~ oe Freud denominou “inconsci¢! uma série de pensamentos (Gedanken), terpretagio dos sonhos - Se labaie pendentes, sob a fachada do , trama de idéias em estado dé 0 e contraditério. Entretanto, ¢ . ‘encia de um conjunto esparso € = » & Con. com apar ‘éncias, essa trama que a livre associacao revela no Curso da LN ee a cadeia, Uma cadeiaarticulada cujos _ éa See cgasesneacl toma a forma de um debate Singular, Estruturado como uma disputa, esse debate apresenta cada argumento lado g lado com o seu contrario, junta os pensamentos mais Spostos €0s entrecruz, ah 6 manto aparentemente equ{voco das imagens que compdem o COntetidg Nesse contexto, tornar consciente o inconsciente significa substituir as imagens manifestas pelas idéias latentes que o trabalho da livre associagig expée a céu aberto. Mas também significa que, uma vez exposta a trama, cabe ao paciente a tarefa de reconhecer e assumir a inequivoca existéncia desse debate que o implica ¢ diz respeito.a ele. Em outras palavras, uma vez exposta 4 questdo que representa a causa do sonho, cabe a ele a tarefa de assumir e subjetivar as conseqiiéncias. Uma assungao cujo efeito éa transformacio real ~ € nao apenas ideativa ou virtual - dos dados da consciéncia. Tais eram os termos com os quais Freud definia 0s objetivos clinicos do trabalho analitico. Tal era o Principio que servia de referéncia A sua direcao da cura. Tal é, por fim, 0 espirito que o animou a Publicar A interpretacao dos sonhos. Um texto capital, fundador, cujas Paginas recolhem a anilise do sonho da injegao de Irma* 0 primeiro a ser decifrado na histéria da transmissio Que in. Uma ‘Onh O desejo inconsciente.., Por certo, a anilise nstra Outro sonho ~ & mics ae dhe esté em jogo ~ neste e em qualquer Plo em questio o elemento dese de um desejo, Verdade é que no exem- acteditou entrever nas ras ee foi a velada reprovacao que Freud RoR ~ Por sinal pouco alentadorag Otto, ae Na véspera, lhe trouxer estado de satide de Irma, Ors Me eee Freud e a antecipagao do sujeito : uma ex-paciente sua. Trata-se de uma reprovacao que - como ele observa ~ vai ao encontro do descontentamento que ele proprio experimentava ante ‘os magros resultados obtidos nesse tratamento. Diante desse antecedente, o sonho da inje¢ao de Irma parece ter sido feito para reduzir ou minimizar o mal-estar. Eliminar 0 desgosto. Suprimir 0 des- contentamento. Como se o sentido tiltimo da realizagao do desejo fosse a pro- cura de alivio. Sendo assim, como sustentar entao que o desejo inconsciente €0 motor da formagao dos sonhos quando, a primeira vista, esse exemplo nos faz ver que 0 propésito é a obtencao de um alivio e, em conseqiiéncia, a satisfacao de um desejo evidentemente pré-consciente? Para melhor abordarmos essa questao convém lembrar a andlise no seu passo a passo.? O sonho encena uma festa. Por ser amiga da familia, Irma est entre os convidados. Apenas a vé chegar, Freud se aproxima dela fazendo reproches: “ sua culpa; se vocé me escutasse as coisas andariam bem melhores” Ao que Irma responde com queixas. Alids, nao sio poucas. Dores na garganta, no ventre, no estémago e um sufocamento. Preocupado, ele a conduz até a janela para melhor examinar sua garganta, ao que ela opde uma leve resisténcia. Quando finalmente ela cede e colabora com o exame, o que Freud descobre é um espetaculo assustador. Algo como 0 avesso das coisas, a carne sofrente. Disforme. Uma visio de angustia. (Um breve a parte, apenas para sublinharmos esse ponto central que re- presenta o pivd do texto onirico: “Um espetdculo assustador. O avesso das coi- sas. A carne sofrente. Disforme.” Serd que essas expresses definem o desejo em questo? Serd que elas definem o desejo inconsciente? E se assim for qual a relagdo com a angiistia? Porque este fragmento revela - sem sombra de diivida - estarmos diante de um momento de anguistia.) Entretanto - e para nossa surpresa - 0 que se desenvolve a seguir é um fe- némeno desconcertante que irrompe e muda 0 rumo do relato. Subitamente, num instante: uma brusca virada. Pois eis que, nesse ponto, o cendrio se altera e se transforma. O dr. M. - uma autoridade - entra em cena junto com Otto e Leopoldo numa animada troca de impressdes. Os pareceres se entrecruzam como se se tratasse de uma discussao clinica. Mas 0 mais importante é que esse pretenso debate segue um curso cuja conclusao inocenta Freud. No ato sabe-se que Otto é culpado. De ter administrado - e sem tomar os devidos cuidados — uma injegao de... propyl... propyleno... trimetilamina... E isso! Trimetilamina! Uma substancia cuja formula aparece em destaque em meio as imagens que compdem a trama final do contetido manifesto. 3 anise de Frou = Co syjeto na sane crer que 0 sonho tenha sido feito para sa. anular 2 acusacao que se instalara na inculpar Otto. De curso da conversa com ‘o colega, surgira no animo de we 10 obscuro sentimento de estar sendy inculpado, cosa que ele desei# re, esse anseio, entre 0 momento social ou uma festa) e 0 des ini do sono (que comes erode una reunio de notéveis emitind fecho do a ara tum intervalo mudo. Um intervalo onde nao h uw . eee! falar do horror que provoca ess dros bas ey por que Freud afirmava haver por tras do Ea, sim ica desejo. Um desejo mais além, por evocar esse 0 fundo de uma caverna dificil de encarar. sinaliza um ponto crucial. O encontro com concerne ao proprio sonhante até o carne que acolchoa os mean- Porque o fato é que esse encontro o“si mesmo’ Isto é, com um desejo. que mais intimo do seu ser. £ 0 desejo inconsciente. , Dessa maneira impée-se a conclusao de que se Freud se apdia no desejo pré-consciente ¢ para, partindo dele, tomar a via que leva até esse ponto de horror que é 0 desejo inconsciente. De resto, basta reler o relato manifesto para notar que a fenomenologia do texto nos obriga a distinguir duas etapas na composicao do sonho. + A primeira parte comera com uma reunido, ou melhor, uma festa que logo se desvanece - era nada mais que um preambulo - para dar lugar ao cerne da questo. Ao que interessa de fato. E 0 que verdadeiramente importa a Freud - que, no fim das contas, é o autor do sonho - ¢ 0 enigma da histeria €4 pergunta em torno da questao feminina, Um tema no qual ele estava mergulhado com afinco. Com todas as suas forcas. E quanto a esse ponto cabe dizer que tamanha paixao ndo era alheia a sua ambicao. Freud era um \nvestigador febril. Portanto, € quase certo que uma gana tao intensa s6 po- GiaetaPur expres de sus ambico de saber, de sua ambicd de curt Bass den pene conan o. que sonhs revela é hace dass ies impulsiona o leva para esse canal que desem- eae Seen. imagem terrorifica e angustiante. Que dizer? Que camer avtlmente ese fundo de garganta ¢ um abismo feito para evocat 08 do érgio feminino — logo, ae também lage da morte, onde ted eng en ee 2 vida, mas * termina. Mas nao s6. Porque se der- Freud e a antecipagdo do sujeito ! mos um passo para além dos estreitos limites da dimensao imagindria - tao afetada pela tendéncia a representacao ~ e ousarmos ultrapassar o plano das significagdes, descobriremos que esse fundo de garganta est posto af, no meio do sonho, para fazer aparecer uma figuracdo angustiante que resume ¢ presentifica um real impenetravel, um real sem mediagao, um real ultimo. Um objeto tao essencial que nem é mais um objeto.! Um ponto, enfim, onde todas as palavras se detém e todas as categorias fracassam. Esse inomindvel € 0 objeto da angustia. + Em contrapartida, a segunda parte do sonho comega no exato momento em que a primeira atinge o dpice. Ao que tudo indica, com o propésito de aplaind- la, simplesmente porque representa uma virada. Subita e repentina. Mudam os personagens do sonho e mudam as relacdes em pauta. E ai a massa — isto é, a multidao — entra em cena. Numa despreocupada algazarra. Sobretudo por- que, a partir desse momento, nao ha mais ninguém para assumir a respon- sabilidade pelos dizeres que percorrem o contetido do sonho. Ninguém que possa assumir o dito. Ninguém para assinar o texto. Ninguém para subjetivar o sentido. Ninguém, enfim, em condigées de dizer “eu” em meio a um debate sem pé nem cabega que afirma que o culpado foi Otto, mas que nao foi coisa séria, haja vista que houve desleixo, sim, mas nada muito grave. Enfim, um debate que culmina quando um prognéstico consolador e otimista (“sobrevira uma disenteria que eliminaré 0 veneno”’) vem dizer com toda a desfacatez e desenvoltura que “nao foi nada ... que j4 vai passar ... alids, j4 passou”. No fim, impée-se a evidéncia de que o voto pré-consciente - de alegar inocéncia pelo répido expediente de inculpar 0 outro ~ vem recobrir um outro desejo. O desejo inconsciente. Um desejo cujo.curso pressupde uma verdade dificil de sustentar e cuja estrutura implica um real imposstvel de suportar, ..€ 0 insuportavel Mas, entao, que é 0 desejo? Essa pergunta tem o estatuto de uma carta forcada. Basicamente porque se torna incontorndvel quando constatamos que, com base nos termos com 0s quais Freud o apresenta e formaliza, o desejo representa um desafio ao en- tendimento. Até porque é muito dificil entender uma realizado desiderativa que, ao invés de produzir o prazer de uma satisfacao, como era de se esperar, produz angistia, justamente uma das formas mais agudas do desprazer. 36: O sujeito na psicandlise de Freud a Lacan De resto, sdio perguntas ou até mesmo objegdes que falam da dificuldade que almejamos defender a tese de que 0 sonho &~ sempre e em todos 0s casos ~ a realizagio de um desejo. Simplesmente por mostrarem que o desejo comporta um paradoxo. Com mais razo ainda quando constatamos que no exemplo recém-analisado 9 saldo da operagao é um fend. meno de angiistia, Um saldo que exprime uma verdade inassimilavel. Um saldo, enfim, que revela a presenga de um real dificil de suport®s Vale dizer: um des tino funesto, Um desses que, se nao for digno de Atreu, & digno de Thyeste’ B claro que sempre cabe a possibilidade de supormos que pode haver um outro tipo de sonho, com outras caracteristicas ou outros desdobramentos, que pode vir em nosso auxilio, Como? Provando que existem casos em que a realizagao. do desejo culmina numa experiéncia de prazer e nao na ecl de um estado de angistia. O fato é que, se assim fosse, 0 sonho da inje¢ao de Irma seria uma excegdo ¢ nao a expresso da regra. Mas, entao, por que nao escolhermos um outro exemplo mais direto, me- nos polémico ou menos contraditério? Seria uma solucdo. Na pior das hipéte- ses, simplificaria o panorama. Alids, é uma possibilidade que o proprio Freud nao deixou de considerar. Ao encarar a interpretagao de um outro sonho ~ um sonho préprio, o sonho dos ochiale -, cuja andlise expGe em um artigo de 1901, ele explora essa chance até esbarrar em um impasse semelhante: que encontramos toda vez No tecido cuja trama a andlise descobre ... poderia separar os ios e demonstrat que eles vao formar um inico né; mas consideracbes de natureza . privada me impedem de levar a cabo, em pablico, esse labor. Ao efetué-la revelara muits coisas {ntimas que prefiro permanecam secretas?” No fundo, trata-se do mesmo limite que 0 sonho da inje¢ao de Irma ja havia revelado e, dessa vez, com um adendo. Que.o limite em.questdo con- cerne.o sonhante. No caso, 0 préprio Freud, No mais intimo de seu ser: ® sua posicao de sujeito. Uma dimensao que, quando assumida, ou subjetivada, o leva a defrontar-se com. indizivel, E ao pé da letra. Mesmo assim, ele nao deixou passar em branco a ocasiao de verificar a existéncia de uma alterna tiva. “Por que, pois, ndo escolher melhor outro sonho cuja andlise fosse mas comunicével e portanto mais apropriada para fazer surgir uma convicgdo sobre o sentido ... do material descoberto?”* A resposta nao se fez esperar. E a resposta ¢ “que todo sonho com ? qual STE eM ay s ilmente empreendesse a investigacdo me conduziria sem remédio a coisas dificilmen publicdveis”? Freud e a antecipacio do sujeito : Serd pois 0 caso de concluirmos que o desejo freudiano & impublicavel? Eis 0 cerne da questao: se o desejo inconsciente se revela impublicavel é por- que esta sob o peso do recalque. E 0 fato é que ele é recalcado toda vez que sua manifestacao ofende os interesses do eu e, sobretudo, seus ideais. Em outras palavras, ¢ recalcado porque sua realizacao contraria as. aspiragées da cons- ciéncia. Aspiragao tao solidaria do principio do prazer que néo hd como nao evocar a lei do menor esforco. Noli tangere.* Simplesmente porque 0 principio que impera na consciéncia é esta lei que proclama: noli nocere.** Compreende-se, pois, que a realizacdo do desejo inconsciente que tem lugar no curso da experiéncia onirica pode, certamente, redundar em um prazer inconsciente ~ 0 prazer de dizé-lo -, mas ao prego de um custo que se manifesta como desprazer para o sonhante. Entendamos: para a consciéncia € seus pressupostos, Nesse sentido, tornar consciente 0 inconsciente é uma pratica que induz uma instituicdo-do-ser (um estamento subjetivo regido pela lei do menor esforgo, como € 0 caso da consciéncia) a acolher um dizer, uma enunciagio, um sentido que introduz um desequilibrio. A partir daqui, os tinicos sonhos em condigao de mostrar uma relativa coincidéncia entre a realizacao do desejo e a experiéncia de prazer sio os sonhos infantis. Sonhos que Freud qualifica de puras e francas realizacoes de desejo aos quais acrescenta - com certa reserva ditada pela prudéncia — os sonhos de comodidade dos adultos. Lembrando que “sonhos de comodidade” é uma expressio forjada para aludir aos relatos nos quais o sonhante reinter- preta o som da campainha do despertador como o badalar dos sinos de uma igreja vizinha para continuar sonhando e, por I6gica conseqiténcia, perma- necer dormindo. Em todos os demais casos, essa aparente simplicidade desaparece. Uma observacao que Freud resume quando afirma o princfpio de que o que preva- lece nos sonhos dos adultos ¢ 0 desejo sexual infantil recalcado.” Desejo cuja tealiza¢ao, apés ter sofrido a sangao do recalque, nao pode representar uma fonte de prazer. Um desejo, enfim, cuja realizagao pode facilmente tomar a expressdo de uma crise de angustia. De resto - como nao lembrar? - toda a obra de Freud pode ser enten- dida como uma constante e incessante interrogacao sobre o desejo. Como um esforgo por destringar seu estatuto precario, que nao impede a reiteracao * Noli tangere (“ninguém toque’, “ninguém mexa’, “nao se toque nisso”) - Expressio latina de {80 cléssico na linguagem moral, refere-se aos fundamentos de uma doutrina, : “* Noli nocere (“ninguém cause dano’, “ninguém provoque prejuizo’, “nao praticar ato nocivo”) ~ Expressio de uso regular na linguagem médica, refere-se as prdticas nao recomendadas. 10 sujeito na psicandlise de Freud a Lacan — constante ~ fonte da sua perseveranga; do seu carater Paradoxal, ue bra com uma permanente inadequacio -, motivo do recalque, ¢ sag ty evanescéncia, que nao impede as mais variadas incongruéncias, : ak Uliag diante. 8M bo Conseqiientemente, seja pelo viés do simbélico, We envolve a es, 40 do complexo de Edipo (e na qual Freud isola a Castracao), seja pelo teoria pulsional, que destaca a existéncia de uma satisfacao Paradoxal (j deu o nome de pulsio de morte), a historia da obra freudiana é histone um esfogo por extri do solo da experéncia una deg do en Vgcaconseqincia, também a historia da descoberta de que xise 7 { compaibilidadeestrutural entre. a deseo eas aspracdes subjetivas ‘ae - |3 doutina psicanalticaculminapostulando um axiome. Que existe un, possibilidade estrutural no que concerne.ao desejo. Que existe no human um \ desarranjo inexoravel que afetaa sua relagao.com o prazer. Que existe, enfim, \ uma inevitavel discordancia- entre o-homeme sua. satisfacao, entre sua Apetincig € seu direito ao usufruto - digamos entao -, entre seu querer e seu desejo, como (aaa diz: entre o desejo que o habita e 0 goz0 que lhe governa a vida, Pois bem. Se & luz desses argumentos voltarmos agora ao ponto de par. (tida ea pergunta pelo significado da expressao “tornar consciente 0 incons- |ciente’, diremos que sua tradugig freudiana s6 pode ser “tornar consciente Jo.desejo inconsciente”, Tradugao que pée em relevo que o objetivo da cura | analitica consiste em levar a consciéncia a reconhecer — primeiro - ea as- sumir ~ depois - um desejo que o sonho apresenta como jé realizado, Sim- ‘bolicamente. Portanto, realizado no simbélico. Enquanto isso, convém lembrar que a consciéncia se define como uma instituicéo-do-ser, como um estamento subjetivo ou, ainda, como um con- junto de representagées de si e do mundo. Até porque, a partir dai, é possivel antecipar um dos avatares da cura analitica: o de que bastard a consciéncia encarar, ter de reconhecer e, pior, assumir esse querer que emerge a titulo de desejo inconsciente para ver ruir os alicerces das suas representacdes de sie do mundo. Isso significa que a assungio do inconsciente acarreta a queda - quando nao a destituicao - da identidade moldada pela consciéncia. A queda de uma nogao de si cujas bases esto apoiadas no principio do prazer e, pot extensdo, no principio de realidade.* No fim, significa que a assuncao do de- rUtura, Vis q * Lembremos que o principio de relidade pouco se distingue do Principio do prazer, a néoset p Jeve modificagio. Consiste na introdugio de um tempo de espera. Fora isso, acolhe¢ ‘ncorpora na integra, as premissas que regem o principio do prazer Freud e a antecipagao do sujeito : 39 sejo se faz ao prego de uma transformagao da consciéncia, Da representagio que o homem tem de si e de seu mundo. Pois 0 fato ¢ que, levado as ultimas conseqiiéncias, o reconhecimento do inconsciente obriga ao Eu - ao sujeito da consciéncia ~ admitir que “sou aquele que quer isso e nao sabia”. Deduz-se que 0 ato de “tornar consciente o inconsciente” representa muito mais do que um encontro com o desejo reprimido. Representa um encontro com o “si mesmo”: “Por querer algo sem saber que 0 queria, sou que nao sabia que era.” A seguirmos por essa via, temos de admitir que a assun¢ao do desejo representa uma subversao. Sim. Mas do sujeito. Pois, a medida que as idéias conscientes vo caindo por terra ao longo do tratamento analitico — e, por- tanto, acabam sendo destitufdas -, vio cedendo lugar a uma nova dimensao subjetiva, Em conseqiiéncia, nao serd o caso de falarmos de um sujeito do inconsciente? E, se assim for, nao é 0 caso de admitirmos ~ ao menos numa primeira evidéncia ~ que o desejo freudiano é um dos nomes do sujeito? Do sujeito do inconsciente? A questo subjetiva O fato é que assumir 0 desejo inconsciente equivale a subjetiva-lo. Operacao que tem efeitos. Efeitos que, por sua vez, se traduzem na assuncao de uma posi¢do subjetiva. $6 que, dito nesses termos, nosso argumento desmente 0 pressuposto de que a nocao do sujeito nao integra o horizonte de Freud. Eis, pois, uma razdo para retomarmos a anilise do sonho da injecao de Irma. Aestrutura do sonho mostra que Freud - ele mesmo ~ esta em questao. Entre a culpa e o desejo. Em um momento de profunda angustia na relacao com o préprio inconsciente. E nao é para menos, pois tem o pressentimento de estar fazendo uma perigosa descoberta. Como o sonho trata disso? O sonho diz que Freud se defronta com um abismo - 0 abismo representado por uma garganta - como quem se defronta com a esfinge. Mas também diz que nesse instante 0 “eu” ~ 0 eu inconsciente do sonhante - é substituido por uma multidao. Feita de fragmentos de identi- ficagdes passadas e presentes, essa pluralidade imagindria - que evoca a mul- tiddo retratada em “A psicologia de grupo e a andlise do ego”" - surge como uma abolicao de si, da verdade inconsciente. E a decomposicio espectral da funcao egica, a série das representagdes imagindrias, o maco das identifica- ges que representaram uma referéncia nos mais diversos momentos de sua 40 ! O sujeito na psicandlise de Freud a Lacan q vida. E quando o “eu inconsciente” é substituido Por essa massa brota fr fonia dos virios egos, que eliminam o objeto de percepio - 4 Bargang, com ele, a culpabilidade que lhe estava atrelada. Como Conseqiiéncia, Vita. a angustia. O desfecho do sonho forca o “eu inconsciente” 4 entrar no py, das identificagdes imaginérias e a eliminar o elemento tré Bico embutig, umbigo do sonho, is uma das verses do desejo realizado 0 Pois bem. E nesse ponto que Lacan observa que a etapa do Pensamento «, Freud que se segue a elaboracao da Traumdeutung é a elaboracao da teoria q, narcisismo.” Elaboracdo que o leva a afirmar que 0 narcisismo estrutura tog las as relagdes do homem com o mundo, Mesmo porque a imagem do Corpo 0 elemento que confere unidade aos objetos. Aos objetos da Percepcao, funcao disso, os objetos do mundo se estruturam em torno da sombra errante da prépria imagem, Por esse motivo, sempre tém um caréter antro € até egomérfico. Daf que o objeto d salvo em casos excepcionais. Como PoMérficg le percepsao jamais sera o obj de desrealizacio subjetiva ~ como ni jeto Ultimo, €m alguns sonhos, em certos moments, © transtorno de meméria na Acrépole¢ Sobretudo, na experiéncia de angustia. Nesses casos, 0 objeto - 0 objeto da percepcao ~ Se apresenta como irre. mediavelmente separado. Algo que o homem nio pode alcangar. Algo que o destrdi. A angustia diante desse impossivel - caso da garganta da esfinge que Se mostra no sonho da injegao de Irma - nao deixa margem para a reconcilia- $40 com os ideais da consciéncia, mas apenas Para 0 confronto com o desejo inconsciente, Eis a outra versio do desejo realizado no sonho: a tealizacio do desejo inconsciente, Uma realizacio onde o de cialmente desgarrado, com a conseqiiéncia de marca do desgarrame a questo do sujeito, Freud e a antecipagao do sujeito : E assim, desse momento, desse encontro com a garganta da esfinge que ele nao quer porque nao péde esquecer é que surge a interpretacao. E, na sua extensdo, o advento da psicanilise. No sonho da injegao de Irma, o mergulho do sonhante no caos ima- gindrio é 0 momento em que o eu se decompée e desaparece. Esse ponto é designado pelas letras da formula da Trimetilamina: A-Z. E ai que surge o “eu inconsciente” Isto 6, 0 sujeito. Ou melhor: sua questao. Uma voz que nao é mais uma voz. A voz de ninguém soletrando a formula da Trimetilamina. E Freud. Ele préprio. O sujeito em questao que nos trechos finais do sonho diz — sem querer, sem té-lo reconhecido, reconhecendo-o apenas no momento da andlise - algo que é ele, e que nao é mai: Sou aquele que quer ser perdoado por ter ousado curar esses doentes que nos eram proibidos de compreender. Sou aquele que quer nao ser 0 culpado, pois se é sempre culpado por transgredir um limite até ali imposto & atividade humana. No meu lugar hé muitos outros. Muitos mais. Eu nao sou mais que o represen- tante desse vasto movimento que esta em busca da verdade, onde me apago € desapareco. Eu nao sou mais nada. Minha ambigao foi maior que eu. Sem di- vida, a seringa estava suja. E justamente ali onde eu desejei demais, onde quis ser, eu, 0 criador. Nao sou o criador. O criador é alguém maior que eu. E 0 meu inconsciente; é essa palavra que fala em mim, para além de mim." Freud sempre sonhou ver uma placa de marmore a comemorar 0 sonho da injegao de Irma no frontispicio que emoldura a porta de entrada a psi- candlise. Como nao deixar entio essa interpretacdo, a sua, a que decifra seu si-mesmo, em letras cavadas na pedra para comemorar a entrada do sujeito - propriamente dito — nela? 4 6 i O Isso eo Eu Assim, chegamos a 1920, dpice da elaboracao clinica ¢ « da obra de Freud. Nesse ano, ele retoma 2 sua teoria aretomada o leva a produzir um corte. Isso porque, no dessa reformulacao, ele introduz um principio que : 0 principio segundo o qual o trabalho analitico deve ¢ um plano que esta mais além do principio do prazer. E co cipio do prazer era, até ent4o, 0 ponto de mira da interpre que Freud introduz ¢ a idéia de que existe “um prazer mais ai seja, um prazer ligado 4 satisfacao pulsional que € preciso z fazer bascular. Em suma, para Freud, trata-se de decifrar um fend: nico que tem conseqiiéncias teéricas € ressonancias epis: fenémeno da repeticao. E quando se vé diante da necessidade de dar conta de uma série de imperativos que ele recolhe sob 2 rubricz da “compulsao 4 repeticao”. De onde se deduz que o resultado des corte acabard por alterar a teoria pulsional, ao mudar a de& do estatuto da pulsio € ao modificar (radicalizando) 2 concepcao dualidade pulsional. Sobretudo se considerarmos que, doravante. © Pat “pulsdes sexuaise de conservacio” cederé lugar ao bindmio c Posto pelas “pulsdes de vida e de morte” Uma mudanca real ¢ n° Spenas nominal, até porque o decisivo de tal subversao ¢ que els xe aoa eee dace quanto o momento de concluir o trabalho ¢¢ Pois bem, f titres a diregao da cura. vem nos deters oe Hs eae eee ee = repetindo-se a cada ce O inicio € vem servindo de referéa“™ objetivo de uma ue ’ Como um estribilho feito para dizet see Se € “tornar consciente o inconsciente” U™ ‘sbrea qual dissemos que, por motives ligados 4 construcio® . argumento, optivamos por extrai-la de um texto datado d. * a le 1 principio do prazer”), no qual se pode lé-la como segue: 4 i, : a ae consciente 0 inconsciente:’ le ‘Ao alcangarmios esse ponto, parece chegado © momento de situar a tio citada frase 00 seu contexto e referir, na integra, Paragrafo no qual 1920 (“Além “o fim proposto se ins- creve: [Desta maneira] se fez cada vez mais claro que o fim proposto de tornar consciente 9 inconsciente* tampouco podia ser totalmente alcangado por este caminho [2 superacio da resistencia). O paciente nio consegue lembrar tudo que é recal cado, ficando obrigado a repetir 0 recalcado como um sucesso atual, em vez de Iembré-lo como um fragmento do passado. De modo que, se retomarmos agora tudo quanto tem sido dito e reco- Thermos o resumo em um unico enunciado, poderemos sintetizar o espirito do texto dizendo que, enquanto a primeira fase da clinica analitica visava apreencher as lacunas da consciéncia por meio da interpretacao (algo que Freud qualificou de “afortunada adivinhacio”), a segunda etapa visava a su- perar a resisténcia (algo que identificamos com a assungao subjetiva). Assim, em 1920, Freud aponta uma nova dimensio: a clinica da repetigao. Os antecedentes clinicos A rigor, a tendéncia a repetir, trago caracteristico da neurose, é um fenomeno que desde cedo vinha se externando como uma manifesta¢ao problematica, um obstaculo clinico, um entrave. Tanto é que em 1914 ~ portanto, seis anos antes de seu “mais além” - Freud aborda o assunto em um artigo justamente intitulado “Recordar, repetir e elaborar"* Texto que ele caracterizou como um escrito técnico dedicado a tratar do impasse que representa a repeticao na clinica analitica. Texto em que observa que, amitide, 9.ato deJembrar nao de- ségua em uma elaboracdo, como era de se esperar, mas em uma indesejadae ™monétona evocagio reiterativa. Um texto em que, enfim, constata estar diante de um proceder que neutraliza, que estagna - ou até mesmo anula a inee e qualquer efeito de cura. Entdo, apés investigar as raz6es dessa tendéncia a evocar ~ isto 6, a lembrar sem mais ~ ou dessa necessidade de evocst a pura PS are — O destaque neste trecho é de Freud. a. | perda, ele propde uma distingao: a reminiscéncia, por um lado, e $0, por outro. Isso lhe permite definir a reminiscéncia como um: lembrar fadada a evocar o jé vivido como um fato consumado, mais alternativa de simbolizacao. £ o signo da histeria.* £ a Feminiscéy. histérica que se exprime na forma de uma ladainha feta de recordacoes ‘das, postas a reiterar 0 ja sabido, mas sem chance de produzir o mais Minin efeito de saber sobre o inconsciente. : E dado que essas consideracées provém da clinica, como “Homem dos Lobos’, um caso francamente paradigmatico, cujo encerrava-se justamente nessa época? Porque o Homem dos Lobos era um desses pacientes que, conduzindo-se como um trabalhador assiduo, perm, neceu anos a fio em um constante retorno do mesmo. Como aprisionado em, um impasse que s6 se resolveu a partir de uma intervencao que teve o mérito de introduzir um ponto de basta no constante deslizamento das recordacées, Com a ressalva de que coube a Freud introduzir esse ponto. O antincio ante Gipado do término do tratamento teve 0 efeito de por em marcha 0 trabalho, A tal ponto que o relato do caso, finalmente publicado, baseia-se na anslise da neurose infantil realizada no curso desse ano, prazo dado por Freud pars sua finalizac4o. Donde se deduz que estamos diante de uma anilise produzida sob a pressio de um desfecho aprazado. Um fim antecipado. Corte ou forgamento? Tal é a pergunta que retorna, insistente, desde 1914, época em que o ti tamento foi dado por encerrado e Freud se pés a escrever sobre 0 caso. £ também a pergunta que, daqui em diante, se fard Presente em todos os seus escritos clinicos. Tanto € que, nos anos que se seguiram, nunca deixou de voltar a ela. Desde 1918, data em que teve lugar 0 Congresso de Budapeste, quando expés suas primeiras consideragdes sobre o tema, até 1937, ano em que escreve sua “Andlise terminayel e intermindvel” ele refaz a pergunta de forma incessante, uma e outra vez, sempre com o mesmo propési tigar o alcance dessa manobra e verificar quais as alternativas da cura diante darepeticio. O curioso é que em todas as ocasides Freud faz questo de sublinhar ° cardter herdico da medida adotada,** apesar de se tratar de um procediment© O sujeito na psicanslise de Freud a Lacan recor, a form de fechado, so D0 citar 5 tratament, 0 sujeito histé * Neste ponto, convém lembrar uma de suas primeiras definicdes clinicas: “O sujeit ” e rico sofre de reminiscéncias.” Cf. S. Freud, “Psicoterapia da histeria’, in Obras completas: P73. 7 Acapressio “medida herbie” provém da clinica médica da clasfcagto das trae Refere-se a uma intervencio que contém um desfecho imprevisivel, envolve riscO oe ticas cexige enamente congruente com seus postulados clini " Propier a superagao da resisténcia & necessrio 08, Niodiza ele que para nao foi ele proprio quem definiu a transf Servir-se da transferéncia? we se deve acionar toda vez que se quer pre jente a subjetivar as significacées inconscie E Q ntes a luz 2 Lembremos: 4 luz de s secordagoes i bs mos: “A questao principal passou a ser as propria resistencias do paciente e a arte consistia em descobri-las a superacao das se mové-lo, pela in- fwencia da transferéncia, a fazer cessar essas resisténcias”» Por tudo isso, resta-nos a impressao de que esse debate ocor uma atmosfera de paradoxo. Porém, acrescentamos que em meio ‘ vente ao campo investigado e €um dos elementos mas Bie ee stor dinica. Simplesmente porque 0 que da perspectiva do i a one como um corte ou um. forgamento da perspectiva do analista cites come ‘uma necessidade clinica ou uma carta forcada. a Entretanto, a evidéncia de que a repeticao intervém de forma incisiva na experiencia subjetiva nao se restringe a um caso clinico. Reaparece ao in- vestigar, em 1919, a presenga de um tipo particular de fantasia, uma fantasia inconsciente, cuja aparéncia formal é vazia de sentido, monotona ¢ repetitiva, € 0 ponto de sustentacao da satisfa¢do onanista. rey Ncla como uma alavanca levi é itar a resistencia e levar mas que, paradoxalmente, Repetindo: ao investigar a estrutura de um fantasma que ele identificou pelo enunciado impessoal e andnimo que caracteriza seu contetido - “Uma criansa é espancada” (agig) - defrontou-se com uma dimensio que revela que a.re- petico nao é apenas © pivé de um ‘obstaculo clinico, mas, ‘eminentemente, 0 signo de uma exigéncia de satisfagao. De tal maneira que, a0 voltar-se para # investigacao do “mais além”, Freud estaria as voltas com duas grandes ques- tes e ndo apenas uma. S40 elas: a fungio-da-repeticao na cura analitica ¢ © estatuto da repetigao na economia subjetiva. Acerca da repeticao A tespeito da repetigao, a primeira col vsthvem duas mpodalidades perfestamente distuni® que nem sempre é levado em consideracao nem av io : ge da expres gl sem mcs lo, Distingue sro ein medida Cujo efeito ¢ célculo. or ima, utilizada para identificar um@ esponsabilidade costuma demandar um Olssoeo Ey ente congruente com seus postulados c} eee a superacao da resistencia é necessér we al, nao foi ele proprio quem definiu a transferéncia co, & se deve acionar toda vez que se quer fazer Levit, aeons a subjetivar as significagses inconsciente oP dacbes? Lembremos: “A questio Principal passo resistencias do paciente e a arte consistia em descoby fluencia da transferéncia, a fazer cessar essas resist Por tudo isso, resta-nos a impressao de que esse debate ocorre em meioa uma atmosfera de paradoxo. Porém, actescentamos que esse Paradoxo é ine. rente ao campo investigado e é um dos elementos mais sal dinica. Simplesmente porque o que da Perspectiva do pa como um corte ou um forcamento da Perspectiva do analista emerge como uma necessidade clinica ou uma carta forcada. Entretanto, a evidéncia de que a rey eticao intervém de forma incisiva na experiéncia subjetiva nao se restringe a um caso clinico, Reaparece ao in- vestigar, m 1919, a presenca de um tipo Particular de fantasia, uma fantasia inconsciente, cuja aparéncia formal é vazia de sentido, monétona e repetitiva, mas que, paradoxalmente, é 0 ponto de Sustentaao da satisfacdo onanista. Repetindo: ao investigar a estrutura de um fantasma que ele identificou pelo enunciado impessoal e anénimo que caracteriza seu contetido - “Uma crianga éespancada” (1919) -, defrontou-se com uma dimensao que revela que a re- Peti¢éo nao é apenas o pivd de um obsticulo clinico, mas, eminentemente, 0 Signo de uma exigéncia de satisfacdo, De tal maneira que, investigacio do “mais além’, Freud estaria as voltas com toes e ndo apenas uma. Sao elas: estatuto da rep. inicos, Nao dizia ele que para i0 servir-se da transferéncia? MO uma alay; ‘ar a resisténcia ¢ S a luz de su; anca levar ‘as prdprias PUA Ser a superacio das ri-las e mové-lo, pela in Ncias.”> lentes da estrutura ciente se apresenta ao voltar-se para a duas grandes ques- a fungao da repetico na cura analitica e 0 ic40 na economia subjetiva. Acerca da repeticio A respeito da repeticio, a primeira coisa que convém sublinhar é o fato de existirem du, “as modalidades perfeitamente distintas na obra de Freud ~ algo ‘Henem sempre é levado em consideracao nem avaliado com justeza. Sio = naan Kequer-uum.célculo, Distingue-se da expressio “medida nobre’ sua ant6- "pena identificar uma medida cujo efeito clinico ¢ indubitavel, sem riscos e cuja costuma demandar um célculo. es n ©) sujoity va pate analion he Fl # aa yotigdd Dois names que may elas: a repetigao bneonaciente € Re ee ite ‘ald do problema. teremos provisoriament ale eae fendmen que tem ¢ Jara expressao clinic g A repetigao ineonacrente @ (nn) Te vita, Da que mansire? Cen Quer dizer que é un fendmeno que se obje Ao. Relterg ‘0 uma atividade que se desenvolve sob 0 signe da reiler a" , wo dos tomas, das idéias, das lembrangan & das representagdes: Portanto, se many festa como uma repetdneia ou) Maly precisamente, como LMA MONdton, insisténeta, Tanto que no texto de ayia, fd eltado, @ Cujo tHtulo FoF tradurido como "Recordar, repetir e elaborar’, Rrend a destaea como uma manites tagao que coineide com a interrupgao do trabalho analiticn, Acontece gue essa breve resenha nao é sufielente, se quisermos ir além da deseric: quisermos defini-la, De maneira que, para melhor situarmos o cerne da questdo, lembraremos que, no curso do trabalho da andlise, a livre associagdo realiza um desdo, bramento do contevido manifesto e que, para tanto, os fos associativos vio abrindo um leque de linhas ideativas que se amplia progressivamente, Mas o fato ¢ que essa progressdo tem um limite, S6 vai até o ponto em que as cadeias associativas tomam a configuragio de uma trama que envolve um conjunto de relacdes simbdlicas, Por sinal, profundamente solidarias ao conjunto das Preocupacdes do sujeito, Seja como for, o certo & que, em um dado momento, as associagdes ideativas iniclam um curso inverso: os fios associativos sam de expandir-se e comecam a confluir em diregio a um ponto unico, E 4 medida que se aproximam desse nicleo 0 trabalho tivesse atingido um ndo ser repetir-se A maneira di das representagdes inconscient AO € se ‘Ocorre uma saturacado, Como se patamar em que nao The cabe outra opgao a ¢-um ritornello, Ou, ainda, como se a bateria como um lembrar por que coincide com o que Freud identificou ue, Por mera repeténcia, Um movimento, enfim, ue mostra que, aps chegar perto de um nucleo ce » sq s tral, 0 ii i 5 em volta dele, ntral, o inconsciente se pée a rodar um ponto eee sca Quer diner, se pie a rodopiar como on torno de i ie de . Ss*oclativas. O impulso a refarer o Poe DeSTEL Novamente as mesmas vies saminho, * Palveacomposta do shes: Wieder alembo cuja decoy hovamente meet novamene, Kehr me inal nos deixa as seguintes significe Save, Fetorno, Enfim, retort Olss Com base nessa descricao, distinguiremos sa modalid, io da expressao “Retorno”, que, de muito bom 8rado, por a retorno do mesmo” do qual fala Nietzsche, ee que o proprio texto freudiano utiliza a mesma €xPressao, “Nao nos eee ide este perpétuo retorno do mesmo quando se trata de uma conduta ativa’s diz Freud. ica Acontece que esse modo de repeticao, ivo eincessante retorno aos caminhos jé percortidos, se instala com forca red brada e tenaz persisténcia toda vez que o trabalho de deciframento se apr ima de algo que no pode ser acolhido ou assimilado pela trama associat Um ponto de saturacio que Freud denominou © “umbigo do sonho” E, ai que 0 ritornello assinala é um ponto ego que nao remete a nada mais senaoa si proprio. Mas o mais importante é que esse umbigo marca um Ponto que é exterior a trama do inconsciente. Tao exterior como pode sé-lo a pulsa ~ Ao pé da letra. lade da Tepetican associaremos ao Sobretudo apdés consta due se traduz como um reiterati lo- O- iva. i, 0 Ocorre que o umbigo em questo nao do qual o simbético roda a pura perda, ja delimita um Ponto para além das representacoes inconscientes, para além do simbélico, Pois bem, esse ponto é 0 selo, a marca de origem que denota a presenca da cxigincia pulsional. Tal defini¢ao nos obriga a recordar que a pulsio ~ e, mais Precisamente, o fim pulsional - 6 0 motor € a causa dos movimentos incons- i torno do mesmo se afigura como um Tetorno ara demarcar as vias de acesso a satisfacdo. Visto identifica apenas o pivé a0 redor que, ao mesmo tempo, 20s caminhos que serviram p: desse angulo, este Ponto é exterior. Exterior? Sim, posto que a pulso é um conceito limite. E nessa definicao sublinhay MOS a palavra “limite”, pois, ao procedermos desse modo, estamos situando 8 pulséo como um conceito que fica na fronteira de duas dimensdes definitivamente heterogéneas. Um conceito entre: entre o soma ea psique. Entre a fonte Pulsional ea Tepresentaco inconsciente. i. &88a via, chegamos & outra forma de repeticao, & modalidade que é peembulsdo a repeticao, Lembrando que o que a compulsio repete é 0 im- © é claro que isso significa que o que a pulsio repete éum cae titivo, uma exiggncia de satisfagio que néo tem fim, Freud identiicou rade ido por meio da expressio Wiederholungscwang,* cujo significado, Taduzido 40 pé da letra, invoca um imperativo. O “imperativo de buscar Palavra yomPOsta cuja andlise nos di "B= buscar, i s: Wieder = de novo, nova- SEE Hola leixa as seguintes significacoes: Wieder mandar buscar, pescar; e Zwang = forca, pressio, obrigacao. alacan sujet na psianaise de Feud s e faz falta le ni impulsio a fisgar mais ¥ ma vez uma satist jo \ de novo”. A impulsio q cede pois, que a Wiederholungszwang determina a Wiederkehy, imperative pulsional ¢a causa da insistencia inconsciente, Ou, ainda, que queo a repetigao é a causa do retorno. © imperativo da repetigao @ 0 Isso Freud havia observado desde o principio que 0 retorno inconsciente ‘com uma indesejada fidelidade” entranha um. fragmento da vida literal. Portanto, ele tinha elementos para des- apenas, a expressio de De resto, “que aparece sexual infantil. E isso étextual, confiar de que essa forma de repeti igdo nao podia ser, uma resisténcia. ‘Ao contrario, as evidéncias clinicas o levavam a suspeitar de que se tra- tava da expresso de uma necessidade. De mais a mais, a hipdtese de uma resistencia do inconsciente é clinicamente tao indefensdvel que, levi-la a sério, induz a engano. Em conseqiiéncia, conduz a impasses clinicos. Ocorre que, se a resisténcia coloca problemas & diregao da cura, € porque aquilo que ela protege - 0 recalcado~ tem um valor decisivo. De nao poder ser dito. De tal ‘modo que para tornar mais compreensivel a repeticao, “hd que se libertar do erro que consiste em supor que, na luta contra a resistencia, se combate contra uma resistencia do inconsciente.”* Dessa maneira, e depois de sublinhar que a resisténcia procede do Bu - tanto dos estratos superficiais como dos mais profundos -, Freud observa que, na medida em que ela se encontra a servico do principio do prazer, aspire a poupar o desprazer que pode causar a liberdade do recalcado. De modo que sé 0 que a repeti¢ao faz “viver de novo” causa desgostos a um dos sistemas ~ ao Eu - também procura dar satisfa¢ao ao outro - ao Inconsciente. Diante disso, Freud abandonaa tendéncia a identificar o retorno do inconsciente com a a¢a0 da resistencia para afirmar que o que est em jogo é “uma ago das pulsbes -- que se repete por imposi¢do imperativa’? Pie he a ras que en por abrir um caminho. Ago das puls6es ica a oem ce Aide das pulsdes aspirando a tornarem- que, apés reunir essas evidén a pe ee ee ee vida antitica tne Ghageeas Ae e i vé forgado aconcluir que existe na praser sessio de repeticao que vai mais além do principio 4° mais além do Eu. Até porque o que define esse além €4 ob- >» Olss0e spe repetigao que funciona como um né, Su: ' Manifest: le uma s6 vez. Enlaga, 10 ne eee an ag a 86 ato, das te certo € qUe> nesse al ” o imperativo da Tepetic; ne acabam por fundirem-se em uma {ntima comunidade, ea a clinica mostra wn clas chegam a Se confundir, Demodo que essas pre cx enpeatte se LmMmaEeL justificam 08Sa hipétese do imperativo de repetigi, que parece ser inate Primitivo, elemental © pulsional que 0 principio do prazer que ele substitui 4 / Mas é uma hipdtese que nos obriga a reconhecer certos que, de outra maneira, passariam despercebidos. A saber, da repeticao incide no proceso da constituicao subjetiva ra consolidacao da posicao do sujeito. E que a obra de Freud introdur ame ruptura que subverte de forma irreversivel toda a tradicao sobre o tema, A partir daf impGe-se a evidéncia de que o sujeito é dividido, embora 0 que, por ora, importe a Freud nao seja propriamente a dimensio epistemol6- gicae tampouco a idéia de determinar a densidade teérica dessa nocéo, portanto, a necessidade de forjar um novo termo - por exemplo, AGd0 efetiva j ndéncias, p, 10 © a satisfac: junta orque 40 pulsional a tal ponto que desdobramentos que o imperativo eé determinante nem, o termo “sujeito” - capaz de reunir essas conclusées. Para ele, o importante ¢ registrar que a divisdo subjetiva ¢ estrutural e, a seguir, estudar a natureza das duas dimensdes que compdem a dissociacao da personalidade psiquica: o Eu e o Iss0. $6 que, para abordar essa divisao, ele repete um procedimento que lhe é caracteristico: assim como quando queria investigar 0 inconsciente ele partia dos dados da consciéncia por serem mais familiares, ao investigar o Isso elege como ponto de partida o Eu, o mais conhecido. QEu é uma instancia subjetiva que emana da percepgao. Logo, ela é sua Taiz seu nédulo. Por légica, é também seu fundamento, apesar de ser parcial ¢ fragmentaria. Qcorre que seu traco essencial é ser consciente, De onde se deduz que o Eu se define por sua capacidade de consciéncia, Mas eis que, pela “Posto até aqui, a maior parte da experiéncia subjetiva é inconsciente, Entéo, como Freud da conta dessa conclusdo? Simplesmente propondo que se acolha a observagdo de um autor, G- Groddeck, que também teria observado - por outras vias ¢ com outros ins- By tS que 0 que julgamos ser a sede de nossa experiéncia cube as poi Stiduz, na verdade, passivamente, Em ver de vive “le aes “tes desconhecidos e invenciveis”? Expresses a on a esse Aheito dg ee Sc0 do enigma que representav®s Ot se feito el sublinka ue “na 40 que é a neurose de destino. - auando se trata de und Surpreende este ‘perpétuo retorno do mesmo 4} ; can 82. O sujelto na psicandlise de Freud a La iva, Mas nos espanta naqueles casos em que Os SUCESSOS Parecem 0, conduta ativa, aa i impoem como a repeti¢do passiva de um mo. r¢ it ia e se impoem ci : fora de toda influéncia Mm ry lar eels é que decide levar a sério a observacao de Groddeck e Opta por reservar o nome de Eu para o ente que emana do sistema PerCePFIO-conscién, i Ihe dar o nome de Isso ao psiquico restante iNconsciente oe saaaaaetet de um pronome impessoal para inscrever, No ponto ia intimo do Ser, um traco capital da vida animica, ‘Um trago cuja caracteristic, & ser estranho e alheio ao Eu.” E indo mais Jonge no empenho por defini: esse Isso que nos faz viver como se fossemos vividos por a Poder ignoto ¢ invencivel, ele acrescenta um dado, observando que se trata “da parte obscura e inacessivel de nossa personalidade, nao podendo ser descrita senao como antitética do Eu.” Assim, tomada ao pé da letra, a face oculta do destino do homem naoé outra sendo o lado obscuro de si. E a pulsio de morte que, doravante, é conce. bida como uma forca silenciosa, uma tendéncia nao inscrita originariamente no campo da representagao. “Portanto, no que tange a espécie humana, a vida seria algo a ser conquistado, um vir-a-ser e um destino Possivel, mas néo um valor instituido de maneira origindria, um bem a ser produzido permanente. mente em toda a existéncia do sujeito? Contudo, hé um detalhe que merece destaque: ao explicar as bases dessa reformulacio, ele se reporta & obra de Nietzsche. Com efeito, na investigacio dessa inexoravel Ananké, Freud Tecorre “ao léxico nietzschiano”, como ele pro- prio declara na Conferéncia XXXI, E nao é a primeira vez. Jé ao introduzir 0 enigma da existéncia do “Isso” ele se Preocupava em registrar em nota de ro- , precisamos sistema, nietzschiano ou outr®. Pe ico, a reiteragao dos argumentos, a repeticio pulsional ¢ esenga pessoal no mas fatim do nosso ser a + 5 e reit . Por tudo isso julgamos procedente reiterar que, nao por via ¢ peculatiy + tat 6. a especulativa, as por razoes eminentemente clinicas, a face oculta do destino do homen o do homem ais Pra seo ola obseuro de s-mexmo, ni @existéncia de simbl lssoea divisio da personalidade psiquica Entretanto, pode uma psicanilise levar o Eu do paciente ao encontro do Isso a phabita? Pode a psicandise evar alguém a subjtivagio da repetigdo? A ietivacao do que ha de mais antitético ao Eu, 4 subjetivagio do lado mais subj ‘opacoe inacessivel de sua personalidade? A subjetivagio diss se apresenta como ‘Tasos termos do desafio que Freud assume em nome da psicanilise, Por 0 que, nao raro um obscuro designio do destino? extensio, tais os termos que, doravante, definem a cura analitica, Em tese, De mnais a mais sao termos que levam até as iltimas conseqiiéncias o proposito inicial de “tornar consciente o inconsciente’. Portanto, nao se trata de um de: safio qualquer. Resta saber: seré ele exeqiivel? Bis uma pergunta que convém deixarmos em aberto. Até porque, embora a resposta seja claramente afirma- tiva, ela é muito mais dubia e incerta quando referida & realidade das curas efetivamente conduzidas e das andlises consideradas concluidas. Enquanto isso, retornando ao texto de 1923, lembramos ter dito que, nele, Freud opta por manter o nome Eu para o ente que emana do sistema percep- 1¢ de Isso ao psiquico restante incons- dividida, cons- céo-consciéncia e escolhe dar o nom ciente, A partir daqui, a personalidade psiquica se caracteriza por ser Bilateral? Melhor: heterdclita, De um lado, um Eu psiquico, conhecido e lente; de ontro, um Isso estranho, alheio e antitético. Algo assim como um estranho interior. B, diante de um quadro de contornos tio ntidos,entende- se que, tomando uma certa distancia, Freud defina a personalidade psiquica nos termos que seguem: “Um individuo é agora, para nés, um Isso pian desconhecida inconsciente em cuja superficie aparece o Eu que se desenvolve a Partr do sistema percepgdo-consciéncia, seu nddulo.”* Entende-se que, apés esse principio, ele tenha se de especficar a forma e a natureza da fronteira que os separa. Mesmo PO” dei distingao prefigura uma fenda na qual 2 guestio que se poe € come miné-la? Ou ainda, como objetivi-la? A primeira tentalv® de Freud "estringea uma consideracao simplesmente topica- Quer dizer, aproximativa, visto na necessidade eg ww 84} O sujeito na psicandlise de Freud a Lacan pois a primeira operagao que ele executa consiste em =o distingio Pury mente descritiva: “O Eu nunca retorna por completo ao Isso, limita-se q cup uma parte da sua superficie € tampouco se encontra. precisamente separadg do, pois conflui com ele na sua parte inferior?”* , Contudo, é uma distingao que permite uma compreensao pata além da, descrigdes, Representa um esboro que deixa entrever uma linha de separaci, no apenas topica e revela uma borda formada por um conjunto de linhas de da que deixa entrever que a estry forca, Em outras palavras, revela um ) tura se caracteriza pela coexisténcia »is principios. E mais do que isso, Po, | dois modos de funcionamento bem distintos. De um lado, a percepcio, que esté em estreita conexao com o principio de realidade — e, conseqiientemente, incipio do prazer que lhe & correlato. De outro, a pulsio, que ests com o prin intimamente ligada a uma satisfagao que se caracteriza por estar situada no | mais além, De tal modo que, se reunirmos esses dados em uma formulacio | tinica, é possivel estabelecer um principio funcional cujo enunciado equivale | a uma definigéo operacional da estrutura: “A percepedo é para o Eu o quea (pulsto é para o Isso?” Porque o que a citacio diz é que a diviséo da personalidade psiquica re pousa sobre o funcionamento simultaneo e concomitante de dois principios to distintos que resultam opostos: a percep¢ao e a pulsao. E o fato é que, 20 admitirmos essa distingo, somos levados a concluir que a estrutura freudiane (isto é: a nogao freudiana do que é a estrutura subjetiva) se assenta numa divisio que se manifesta na coexisténcia de dois regimes, coisa que se traduz em um modo de funcionamento. Enquanto a percepcao busca no aquém sev objeto, a pulséo procura no além seu pedaco. Seu pedaco de satisfacao. Algo que também poderia ser dito em outros termos, pois, se a percepgao é0 fun- damento do Eu, a pulsio é 0 fundamento do Isso. E, af, fica evidente que Set ¢ Percepsaio sio duas vertentes da experiéncia subjetiva. A formula “Esse = Percip? segundo a qual o Ser deriva da Percepcao e coincide com ela pete sentido. A partir daqui o Ser & coisa do Destino e o Destino é, na poesia: ¥ dos nomes da pulsio. Jé a Percepgao é outra coisa. Em suma, sejam quais forem os termos empregados e seja perspectiva para compreender essas questdes, 0 que Freud elabora co da sua clinica é uma interpretacdo do fato humano, Decerto nao ¢ uma inter” pretacdo que acompanhe ou subscreva o otimismo que envolve @ maioria 425 doutrinas que se preocupam em destacar a humanidade do homem: O% we Jembre primeiro, para exaltar depois, o seu caréter humano, dando 20 terme “humano” o sentido de um valor a mais, suplementar, préximo do sublime qual for a nossa mo fruto yr Olssoeotu : 85 o abalho de Freud poe na mesa uma definicao da subjetividade.E _ neio principio dessa subjetividade é que a divisao da eee E ° eds constitu, Alas nf 8 pine vez que os acapamos de cipio, (Ue mais que principio, é um axioma. Porque o fato é que ja a 0s a necessidade de abordar, anos atrds, esse mesmo fandamente — oda divisto da personalidade psiquica ~ a0 inquirirmos 0 estatuto e a funcao do im na experiencia subjetiva.” Ese naquela casio ° que nos Preocupava era o problema de saber como é quea divisao da personalidade podia vir a articular-se em um funcio- ‘mento subjetivo, como dois principios contraditéris, cujo funcionamento tem, na maior parte das vezes, uma direcdo diametralmente oposta, podiam resultar em uma experiencia tao singular que, apesar de tudo, podia vira ser eonhecida como uma experiéncia tnica (o Um do Uno), hoje 0 nosso pro- blema se inverte: como pode o um-do-realismo sustentar o um-do-estranho queo determina? Como pode esse ser fugaz, fugidio, que € 0 ser-da-percep- ao, vir a suportar esse ser que perdura, esse ser duro como uma pedra que é jser-da-pulsio e que o determina? Digamos. Como pode a percepgio vir a saber da pulsio? Como pode 0 fu vir a saber disso? E, no fim, como pode este Eu vir a reconhecer-se como sendo, no fundo, néo mais do que Isso af? Sio perguntas que transcendem a reflexao especulativa, Sobretudo por- que o trabalho de Freud, cujo comentario estamos em vias de concluir, desfaz o carter inefavel de certas concepcdes demasiado vagas ou aproximativas. O materialismo freudiano, sua teimosa insisténcia no real da clinica e seu inarredavel propésito de tomar como ponto de apoio unicamente os dados provenientes da pratica analitica nos permitem dar a essas quest6es um outro tratamento, Nao apenas poético. A partir da clinica, o “destino’, a “Ananké” ou 0 “lado obscuro de si-mesmo” passam a ter uma defini¢ao formal e, o que ¢mais importante, uma definigdo material. Nao apenas um nome, E que a troca de algumas expressoes vigentes (como Ananké ou Des- tino) e a adogao de alguns termos (como Retorno € Isso) nao representam mais que um primeiro passo. Porque 0 passo freudiano, 0 passo que conta, visa ase aproximar “disso” ndo apenas por meio de comparagoes ¢ metéforas ~ como quando o designamos como um caldeirao de impulsos, uma caldeira fervente, um poco de larvas, um inefavel estranho, ou uma inexordvel pressio do destino, O passo que se impoe a Freud 0 definir o objetivo iltime da curs a nec io dar conta do Isso. Mas, para assegurar essa real . sério isold-lo na pureza do seu funcionamento. E ai que surge a questdo, ad sujeito na psicandlise de Freud a Lacan i ino? O curioso ¢ amou Destino? O curios, jona 0 Isso que a poesia ch y ny m géenua. Tao elementar que s, tia y nao fosse a dificuldade inerente 4 pois como funci ; resposta é tio elementar que resulta in; i is si conquistar, das coisas mais simples de se i ica. Porque, se for verdade que 0 Eu se assenta na per, realizacao clinica. Porque, cece ese for verdade que 0 Isso se assenta nas pulsces, eae é insofismavelmen, verdadeiro dizer que o Isso é pulsional. E, af sim, dizer que o Isso é Pulsion, i i le age. bain ao “ih ne mimes da subjetividade, portanto ativa, 9 q,, significa que é uma instancia no sentido pleno da palavra. A tal ponto queé possivel dizer que o Isso insta o Eu. Como? E por qué? “Em nosso juizo, tudo o que o Isso contém sao cargas pulsionais que demandam derivagéo.’® ~~ Eaf basta sublinhar a expressao “cargas que demandam derivacio” Para termos uma idéia do que é a instancia do Isso. Mesmo porque é uma expressig que revela tratar-se de uma demanda que carece de todo e qualquer contetido e de todo e qualquer sentido, a nao ser a necessidade de derivacio. Assim, concluimos que a formula freudiana do fim da anilise, tal e quala apresenta no final da Conferéncia XXXI - a formula que diz “Onde o Isso era, Eu devo advir” -, explica com clareza que se trata de levar o Eua subjetivar oso, isto é,a reconhecer o que se expressa como demanda vinda do mais {ntimo do ser e a.assumir a responsabilidade da derivado disso que nao pode nao ser derivado. “Onde o Isso era, Eu devo advir?® Eis 0 modo freudiano de se referir 4 nocao do sujeito: situando o traco que lhe é constitutivo — a divisio - sem, contudo, atribuir-Ihe um nome pré- Prio fora do jargao consagrado, Eis Porque essa é uma dimensao que, dor- vante, a histéria da transmissao da psicandlise identificaré como 0 “Sujeito freudiano”, Para conclui uma pontuacao No inicio deste trabalho dissemos que o sujeito ¢ uma nogio que atravessa, em toda a sua extensio, a obra treudiana, Em al 5 guns mo- mentos como uma referencia implicita, Em outros, como um nticleo 5 central. Mas, em todos os casos, como um fundamento clinica, Dissemos ainda que, contudo, Freud nunca construiu uma teoria - ¢ menos ainda uma filosotia ~ sobre o tema, Ao elaborar a doutrina de sua experiéncia, ele nio parece ter sentido a necessidade de produzir uma definigao explicita. Limitou-se a acolher as nogies presentes na filosofia de seu tempo ~ de um “Eu', um *Si-mesmo’ um “Selbst” = elaboradas pela dialética de Herbart, Wundt e, sobre- tudo, Brentano. E, de um modo que lhe era muito caracteristico, lhes impds um debate critico, Em outras palaveas, fez passar essas nogdes pelo crivo da pritica analitica e as submeteu a verificagio clinica. O resultado significou uma subversio, uma redefinigdo da experiéncia humana que deu origem a um novo saber. Concretamente, um saber sobre o sentido, o aleance, a meta e a razio do ato enquanto humano., Bo que conhecemos como elaboragio freudians. . Dissemos enfim que, por tudo isso, na ‘obra de Freud a nogio de “sujeito” é uma referéncia permanente ¢ sempre presente, Uma referéncia constante. Porém, implicita. Um esboco : dente que Freud munca empregou beep ee ee estrutura da personalidade pst @ nogio de “sujeito” para referir-se terms que PS adem pare- quica e que, ao contririo, optou por alguns" mais am- cer mae genéricos e talvez, dada a complexidade do tema, 0 | Sibi/UFG_4 7 can 88} O sujeito na psicandlise de Freud a La i i imica’, a “Vida psigu im, seu vocabulirio menciona a “vida animic da psigu eee Tech) e, por veres, 0 “Si-mesmo (S ‘personalidade psiquica’, o “Eu ¢ vitgal isto &, no sentido pleno. “sujeito” ido conce! nunca 0 “sujeito” no sentis ‘ a Isso. es quer dizer que nao 0 tenha utilizado em algumas ocasi6, ndo figure de uma forma ou outra em seus artigos, aor : arti Basta ler, por exemple, 0 estudo consagrado & psicog S um caso de mossexualidade feminina para descobrir escrito ecitado de forma exp “Por outra parte, a sujeito nunca tinha sido neurética e nao aportou @ and um sirttoma histérico, de modo que as ocasides para explorar sua histéria j til nao puderam apresentar-se tao cedo.” ; Entretanto, estudando com toda a atengao a construcao da frase, dey cobrimos que, nesse caso, a expressao ¢ utilizada de um modo tal gue x emprego se resume a um uso puramente coloquial. Como um sinénimo “individuo”, Tanto que podia ter utilizado essa mesma expressao ou qu: outras, por exemplo, “a jovem’, “a moca’, “a paciente”, e todas elas teriam caixado de maneira pertinente, sem afetar um minimo que seja o sentido do enunciado, Portanto, trata-se de um emprego ocasional que nao obedece propésito conceitual definido. Em outras palavras, trata-se de um empret Puramente incidental e isso significa que nao estamos diante de uma no. no sentido forte da palavra, de uma nogao tomada em sentido epistémica. ‘Mas, se formos um pouco além nesse exercicio de anilise literaria, tataremos a existéncia de trechos em que hd um outro tipo de emprego. En- contraremos entao alguns textos — pardgrafos, ; capitulos, artigos - nos qu: esse termo (juntamente com alguns de seus derivativos, tais como suje: subjetivo, 5 ae uma de cone aa oe © Unico meio de situar os dois pélos 4 : lois importa notar que as palavras “ tas integram uma situacao dada. E# Para conclu E énica da relacao do home: ta ae a 'M Com seu entorno, Portanto, revelam Curiosamente, algo semelhante acontece os textos dedicados 4 teoria libidinal e, Sn salen ae dedicados a investigar 0 curso das evolucdes da libido, Sobretudo quando le- vamos em conta que se trata de um curso especialmente exposto a incidéncia do narcisismo. As variagdes do empuxo, oscilando entre o objeto bina, eo > € estrangeiro ao Eu, Estranho porque inconsciente; estrangeiro porque oriundo dos imperativos da pulsio. Nha se Para conclu: urns pomtuagso No fim, se 0 sujeito freudiano for “algo’, esse “algo” é a repeticao, A repeti go cio d'Isso que se impGe. Donde o sujeito se define em telacao ao Isso, Significa que nao existe por si. Sua chance (mas para tanto é necessdrio um trabalho analitico) é de advir ali onde o Isso era. A tal ponto que se fosse “alguémn” ¢ se apresentasse falando na primeira pessoa, ele - 0 sujeito freudiano ~ diria: “Isso sou.”

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