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PSICANÁLISE
A3 – PSICANÁLISE E QUESTÕES RACIAIS
Há mais de 130 anos a escravidão era abolida no Brasil, o último país a libertar
negros de uma serventia que manchou a história do território nacional e do mundo.
No entanto, não há o que comemorar, já que a população afro ainda sofre com
resquícios desse passado cruel. Segundo o Jornal da USP cerca de 54% da
população brasileira é de afrodescendente (PRUDENTE, 2020), e como compreender
tanta discriminação com os mesmos? Mesmo com todos os avanços do qual o preto
conquistou lutando, como abolição da escravidão, ser presidente de um país, ser líder
de movimentos sociais e lutar por direitos, ser ator, atleta, musico e ser reconhecido
por isso, o preconceito ainda é latente na sociedade, tão vivo como em 1500. No
entanto, hoje existe uma estruturação e manutenção desse problema social, a
estrutura é toda a história que aumenta ano após ano e a manutenção é a omissão,
no mais, já está enraizado na nossa cultura, ensinado de pai para filho e assim
sucessivamente brancos irão continuar discriminando pretos... e pretos discriminando
pretos em busca de um ideal branco, como canta o Rapper Djonga em uma de suas
músicas: “[...] nem o próprio preto, tá pronto pra ver o preto livre”. Mas afinal, muitas
pessoas, artistas, atletas, influenciadores de forma de geral se posicionam contra o
preconceito racial, mas o que uma das três maiores vertentes da psicologia, a
psicanálise, tem a dizer sobre o tema? Existe um posicionamento? O que a teoria
freudiana tem para contribuir contra o racismo?
2 DESENVOLVIMENTO
“Eu me interessei muito cedo por esse lado social. Não foi
por acaso que procurei psicanálise e sociologia. Veja bem o que
fiz: eu fui buscar defesas científicas para o íntimo, o psíquico,
para conciliar a pessoa de dentro com a de fora. Fui procurar na
sociologia a explicação para questões de status social. E, na
psicanálise, proteção para a expectativa de rejeição. Essa é a
história” (BRAGA, 2018 apud. Virgínia Bicudo, entrevista a Anna
Verônica Mautner, 1998)
Bicudo manteve o trabalho clínico e o envolvimento com a área até três anos
antes de morrer. No entanto, sua contribuição para a psicanálise no Brasil é pouco
lembrada: sua tese de mestrado, por exemplo, só foi publicada 65 anos depois, e tanto
a Sociedade Brasileira de Psicanálise quanto a Fundação Escola de Sociologia
Política só a homenagearam em 2010, no centenário de seu nascimento. A data
precisa de sua morte, aliás, nem sequer foi registrada (BRAGA, 2018).
Pouca, ou quase nada foram às contribuições psicanalíticas para relações
raciais até o momento. Na instituição psicanalítica até os dias atuais não há
reconhecimento de que racismo produz sofrimento psíquico. Quando uma pessoa
negra traz no consultório de um psicanalista branco esse tema em relação ao seu
sofrimento diário, o assunto não é reconhecido, nem mesmo tratado da maneira e com
a importância necessária. Na grande maioria é tratado de maneira superficial. E para
os psicanalistas brancos, na grande maioria, esse problema social é observado como
mania de perseguição e vitimismo.
Esse indicativo faz com que pacientes negros, prefiram psicanalistas da mesma
cor de pele. Isso é suficiente para mostrar como a psicanálise trata a questão sem a
devida importância, e caminha a passos lentos para o reconhecimento necessário da
causa.
Com isso reforçamos a ideia de sintoma social por causa do passado histórico.
É relativo à formação do indivíduo e encontra-se em uma forma de valorizar uma vida
em detrimento a outra. Contudo, assim como a psicanálise analisa fragmentos do
passado de um sujeito para identificar traumas, aqui reforçamos a importância da
história do Brasil, onde a escravidão é uma cicatriz incurável, e que o país insiste em
simplesmente “esquecer”, ora com queima de arquivos sobre a escravidão autorizado
pelo ministro Ruy Barbosa em 1890 e ora com a omissão do tema por parte da
população. E como foi dito anteriormente, não se supera um trauma simplesmente
esquecendo ou ignorando, devemos falar sobre, utilizando as “lembranças” que
temos. Porém, conforme o Brasil avançou como sociedade, o racismo avançou
progressivamente de forma omissa, com o intuito de manutenção de privilégios
simbólicos e materiais, no qual é conhecido como branqueamento, onde ser branco é
um ideal e inconsciente (GUERRA, 2020, p.3). No artigo “O papel da psicanálise na
desconstrução do racismo à brasileira”, é exemplificado como a psicanálise explica
essa negação por meio de três defesas do inconsciente:
Muitos desses negros, após uma busca incansável pela aceitação desse
mundo branco, vai perceber que não vai conseguir, e assim vai odiar tanto quanto
amou e buscou essa idealização, e existe dois pontos que Frantz Fanon pontua com
isso, existe a desestabilização a supremacia branca, mas por outro lado ele afirma
que nenhuma luta se faz pelo ódio. A partir desse ponto existe a possibilidade do
“homem de cor” (como o autor cita diversas vezes no livro) aceitar essa divisão, e
fazer uma inversão na estrutura aceitando seus traços e rebaixando essa cultura
branca. No entanto, esse ponto impede a percepção que o ser humano é um só.
Fanon não busca a igualdade racial, mas sim a desracialização da espécie. Para ele,
a luta é pela ressignificação do que é ser humano. Ele valoriza a psicanálise no sentido
de ajudar o ser a ter consciência de si, e para ele, esse primeiro passo só pode ser
alcançado com ajuda da terapia clínica. E após essa conscientização o homem preto
deve se engajar em lutas raciais. (NKOSI, 2016)
Ainda segundo Freud, é impossível amar alguém como a si mesmo, ele diz que
para amar o outro, esse alguém deve ser merecedor, no caso a pessoa tem que ser
semelhante e tem que permitir que o ame, além de amar alguém que o Supereu julgue
ser perfeito assim poderá amar um EU ideal. O pai da psicanálise também afirma que
é difícil amar alguém estranho, cujo valores não signifique nada. No conceito
psicanalítico, o estranho indica algo familiar que foi recalcado, porém retorna ao
consciente como algo assustador.
Já Pontalis, sugere que o preconceito não surge porque é estranho a mim, mas
por que somos semelhantes, e a ideia de dois EUs ideias é perturbadora. Ainda para
o mesmo autor, existe um desejo de expulsar aquilo que é difícil de admitir e uma
forma de aliviar esse desejo é depositando o que há de ruim em mim no outro. Logo
o ódio racista é um ódio de si mesmo.
Para Koltai, o racismo é causado pela falta de projetos de vida que faça ligação
entre o singular e o social, logo o discurso racista surge para camuflar esse vazio.
E para Lacan, o racismo surge durante a fase do espelho, no qual diz que a
criança começa a construir o seu EU a partir do outro, logo a criança se identifica com
outro, e afasta “estrangeiros” com medo que esses possam quebrar seu espelho.
Ainda para Lacan:
E outro ponto que podemos citar é que como Sintoma Social, a psicanálise
entra exatamente na remediação desse problema, individualmente ou coletivamente,
fazendo com que elaboremos esse passado “esquecido” do Brasil.
BRAGA, Ana Paula; Pelas trilhas de Virgínia Bicudo: psicanálise e relações raciais
em São Paulo; 15 de jan. de 2018; pub. Revista Lacuna; Disponível em:>
https://psicanalisedemocracia.com.br/2018/01/pelas-trilhas-de-virginia-bicudo-
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Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_UbpBCA7xgY&t=804s> Acesso
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FANON, Frantz. Homens negros, mascaras brancas. São Paulo: Ubu Editora, 19
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MOTA, Erick; Bolsonaro sobre coronavírus: “Alguns vão morrer, lamento, essa
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https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/bolsonaro-sobre-coronavirus-alguns-
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VIÑAS, Diego; DURAN, Pedro e CARVALHO, Júlia. Morrem 40% mais negros
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https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2020/06/05/negros-morrem-40-mais-que-
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