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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO


INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
ANTROPOLOGIA SOCIAL
Professora Patricia Reinheimer

Bárbara de Freitas Guimarães - 20220027949

AUTOETNOGRAFIA: “Desconstruindo o amor romântico: as mudanças


na minha forma de amar.”

Rio de Janeiro
2023
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 3
2. METODOLOGIA ....................................................................................................... 4
3. REVISÃO DA LITERATURA .................................................................................. 4
3.1 O mito do andrógino ................................................................................................... 4
3.2 O amor romântico ....................................................................................................... 5
3.3 A individualidade ........................................................................................................ 6
3.4 O amor como categoria que dá sentido à vida .......................................................... 6
4. ANÁLISE DOS DADOS ............................................................................................. 7
5. REFLEXÕES PESSOAIS .......................................................................................... 9
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 11
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 12
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Resumo: Ao longo dos séculos, o amor romântico tem sido uma das principais formas de
expressão da afetividade humana. Desde a ascensão do movimento romântico na Europa, no
século XVIII, até os dias de hoje, o amor romântico tem sido amplamente idealizado,
promovido e celebrado em todo o mundo. No entanto, por trás dessa idealização, há uma
complexa rede de relações de poder e restrição da liberdade individual que afetam
profundamente as percepções pessoais e as vidas amorosas. Através das experiências analisadas
e reflexão pessoal, buscarei entender como a pressão social para encontrar um parceiro
romântico como metade complementar pode levar a uma sensação de perda da individualidade,
bem como a sentimentos de vulnerabilidade e ansiedade. Por fim, abordarei como a busca pelo
amor romântico pode ser vista como uma forma de encontrar significado e propósito na vida,
mas também como pode ser prejudicial para o desenvolvimento da autopercepção e da
autonomia emocional. Esta autoetnografia pretende, portanto, lançar luz sobre as
complexidades e os desafios do amor romântico na sociedade contemporânea, bem como sobre
suas potenciais consequências para a saúde emocional e para as relações interpessoais.

1. INTRODUÇÃO
O amor romântico é uma construção cultural que se tornou uma das principais formas de
relacionamento afetivo nas sociedades ocidentais. A idealização do amor romântico pode trazer
consigo uma série de influências nas redes de relações de poder e restrição da liberdade
individual, afetando profundamente as percepções pessoais e as vidas amorosas. Além disso, a
pressão social para encontrar um parceiro romântico como metade complementar pode levar a
uma sensação de perda da individualidade, bem como a sentimentos de vulnerabilidade e
ansiedade. Foi a partir do poema "Minta pra Mim" do ator e poeta Alexandre Nero que surgiu
o interesse por investigar os efeitos as expectativas relacionadas ao amor. A partir desse ponto,
decidi utilizar uma abordagem autoetnográfica para analisar as influências do amor romântico
em minha própria vida amorosa.
Como mulher bissexual, me encontro em uma posição social que desafia os padrões
heteronormativos de relacionamento e amor romântico. Nessa perspectiva, meu objetivo com
esta autoetnografia é refletir sobre as mudanças geradas pelo convívio com as concepções de
amor da minha mãe e ex-namorada, além de explorar as conexões entre a individualidade,
vulnerabilidade e amor como forma de dar sentido à vida.
Por meio da análise de minhas próprias experiências, esta autoetnografia visa contribuir para
uma compreensão mais ampla das influências do amor romântico nas relações pessoais e na
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construção da identidade individual, bem como para uma discussão crítica sobre as formas de
amor que são valorizadas em nossas sociedades.

2. METODOLOGIA
Essa autoetnografia foi baseada em sujeitos próximos, como a mãe e a ex-namorada, para
explorar como a construção social do amor romântico pode modular as perspectivas e formas
de experienciar amor nas relações conjugais. A faixa etária dos sujeitos é de 57 e 21 anos. Esse
critério foi adotado para compreensão do impacto das diferentes concepções influenciaram a
construção das minhas visões e vivências nas interações interpessoais.
Para Gaskell (2007), a entrevista individual é uma interação de díade, indicada quando o
objetivo da pesquisa é conhecer em profundidade os significados e a visão da pessoa
entrevistada. Para a coleta de dados, o método utilizado foi a história oral temática com
entrevista semiestruturadas para obtenção de informações qualitativas sobre as histórias de vida
no âmbito dos relacionamentos. Essa metodologia busca uma narração de micro-histórias dos
participantes, a ênfase está presente nas expectativas, os receios, as sensações e as motivações
a partir da inserção nesses sentimentos. Os relatos foram recolhidos com gravação em áudio
dos diálogos alcançados pessoalmente e virtualmente, com a mãe e a ex-namorada
respectivamente.
3. REVISÃO DA LITERATURA
Nesta revisão de literatura, exploraremos as principais contribuições teóricas relacionadas à
autoetnografia, com foco em como essa abordagem pode ser utilizada para explorar questões
pessoais e culturais.

3.1 O mito do andrógino


No diálogo “O Banquete” de Platão, um grupo de homens se reúne para um banquete e decide
falar sobre o amor. Cada um deles apresenta um discurso sobre o tema, e é nesse contexto que
o personagem Aristófanes apresenta o mito do andrógino:
Em primeiro lugar, três eram os gêneros da humanidade, não como agora, o
masculino e o feminino, mas também havia mais um terceiro, comum a estes dois,
do qual resta agora um nome, desaparecida a coisa; andrógino era então um gênero
distinto (...). Depois, inteiriça era a forma de cada homem, com o dorso redondo, os
flancos em círculo; quatro mãos ele tinha, e as pernas o mesmo tanto das mãos, dois
rostos opostos um ao outro era um só, e quatro orelhas, dois sexos, e tudo o mais
como desses exemplos se poderia supor. (...) Eram (...) de uma força e de um vigor
terríveis, e uma grande presunção eles tinham; mas voltaram-se contra os deuses (...)
Depois de laboriosa reflexão, diz Zeus: "Acho que tenho um meio de fazer com que
os homens possam existir, mas parem com a intemperança (...) eu os cortarei a cada
um em dois (...). Por conseguinte, desde que a nossa natureza se mutilou em duas,
ansiava cada um por sua própria metade e a ela se unia (...). É então de há tanto
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tempo que o amor de um pelo outro está implantado nos homens, restaurador da
nossa antiga natureza, em sua tentativa de fazer um só de dois e de curar a natureza
humana. (189e, 190a-d, 191a, 191d) (Platão, 1995, p. 125-129)

Aristófanes sugere que essa busca pelo parceiro ideal é, na verdade uma busca pela metade
que foi perdida. Ele afirma que, quando os seres humanos encontram sua outra metade,
sentem uma profunda sensação de amor e união. Ele sugere que essa busca pelo amor é uma
busca pela totalidade, que só pode ser alcançada quando duas pessoas se unem em um
relacionamento verdadeiro e profundo. No entanto, o mito do andrógino também sugere que
essa busca por uma união completa pode levar a uma dependência excessiva do parceiro.
Platão usa o mito do andrógino para explorar a natureza humana e a busca pelo amor e pela
união, mas também sugere que é importante manter a individualidade e a autonomia em um
relacionamento saudável e equilibrado.

3.2 O amor romântico


O amor romântico pode ser entendido como uma construção social, visto que é uma ideia que
foi desenvolvida e disseminada em determinado contexto histórico e cultural. Na antiguidade,
o amor era visto de maneira mais pragmática e utilitária, como uma questão de interesse mútuo.
No final da Alta Idade Média, a ênfase era dada na ideia de amor platônico, em que não se
limitava apenas à atração física ou ao desejo sexual, mas que era capaz de elevar a alma e
conectar as pessoas em um nível mais profundo e espiritual. No entanto, no final do século
XVIII e início do século XIX, ocorreu uma mudança no entendimento do amor com o
movimento romântico na Europa. O Romantismo se desenvolveu em um contexto sociocultural
que incluía a ideia de individualidade e valorização da liberdade pessoal como uma resposta às
mudanças decorrentes da Revolução Industrial. A ideia de que cada indivíduo tem o direito de
buscar sua própria felicidade e realização pessoal se fortaleceu, e o amor romântico foi visto
como uma expressão dessa busca individual. Uma característica marcante do movimento
romântico foi o “escapismo”. Esse sentimento é marcado por uma fuga da realidade, de forma
que o sujeito que está amando sente a necessidade de fugir do seu entorno, uma vez que apenas
seus sentimentos importam e possuem valor. Essa ideia foi reforçada por livros e pela mídia,
como filmes e novelas, que criavam expectativas irreais sobre o amor e o relacionamento.
Disserto acerca dessa particularidade do movimento, pois durante minhas pesquisas, sobre as
quais me apoiarei mais a frente, esse caráter de fuga foi percebido, ainda que nos encontremos
num contexto histórico-cultural completamente diferente.
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3.3 A individualidade
Para George Simmel, à medida que um grupo cresce em tamanho, seus membros tendem a se
tornar mais independentes e individualizados. Nas suas palavras,
A evolução das sociedades costuma começar com um grupo relativamente pequeno,
que mantém seus elementos em estreita vinculação e igualdade e avança para um
grupo mais amplo que garante liberdade, autonomia e diferenciação recíproca de
seus elementos. (Simmel, 1977, p.422).

Em primeira instância, os indivíduos, que pertencem a círculos sociais mais estreitos, são mais
interdependentes e ligados por critérios de identificação e proximidade. No entanto, as
associações modernas permitem a participação a diversos círculos a partir de interesses e
desejos particulares, essa possibilidade atua como um estímulo para a liberdade individual. A
abertura de espaço para o crescimento da individualidade está relacionada a escolha de sujeitos
ou ideias para vinculação, viabilizando o cruzamento de diversos elementos fixos1 entre os
antigos e novos círculos. Essas combinações, por vezes de pensamentos contrastantes nas
interações interpessoais, são filtradas e internalizadas por fenômenos psíquicos, possibilitando
a síntese da subjetividade.

3.4 O amor como categoria que dá sentido à vida


Para Bell Hooks, o amor é uma categoria fundamental que dá sentido à vida. Ela argumenta que
o amor é uma força poderosa que pode nos libertar da alienação, da opressão e da violência
presentes na sociedade. Ela enfatiza que o amor não é apenas um sentimento, mas uma ação,
um compromisso com a busca pela justiça social e pela igualdade para todos. A mesma acredita
que o amor é uma força política e que pode ser usado para criar relações igualitárias e justas.
Além disso, o amor é considerado uma categoria que abrange todos os aspectos da vida,
incluindo nossos relacionamentos pessoais e nossa relação com o meio ambiente. Ela defende
a importância de cultivar empatia, cuidado e compaixão em todas as nossas relações.
Em resumo, para Bell Hooks, o amor é uma categoria que dá sentido à vida porque é uma força
poderosa que pode nos libertar da opressão e nos guiar em nossa busca pela justiça social. É um
compromisso ativo que deve ser praticado em todas as áreas da vida, incluindo nossos
relacionamentos pessoais e nossa relação com o mundo ao nosso redor.

1Alguns exemplos de elementos fixos podem incluir valores, normas, tradições, rituais, símbolos e estruturas
organizacionais. Esses elementos fornecem aos membros do grupo um senso de continuidade e pertencimento,
mesmo em face de mudanças externas ou internas.
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4. ANÁLISE DOS DADOS


Para análise dos dados, o objetivo é elaborar uma dedução ao buscar o significado explícito ou
implícito do material coletado nas entrevistas com base no referencial literário. Os nomes das
participantes são fictícios para preservação da privacidade, em que Marina é a ex-namorada e
Marta é a mãe. Segundo Triviños (1987), essa abordagem permite ir além da descrição dos
relatórios temáticos, analisando seu conteúdo e fazendo inferências de acordo com um
referencial teórico. Parte dessa análise, então, é o conteúdo explícito que serve de ponto de
partida, e o conteúdo latente que é considerado ao abrir perspectivas para descobrir as
ideologias, tendências e características dos fenômenos sociais. A análise de conteúdo latente é
fundamental para os métodos de análise de conteúdo, pois busca compreender o material
subjacente, permitindo a interpretação e contextualização do tema em estudo, garantindo
relevância. (Triviños, 1987)

4.1 A ideia de individualidade


Em contextos pós-modernos, a concepção de amor enfatiza fortemente a individualidade e
liberdade, no entanto, ainda há uma busca por completude na presença do outro, que pode ser
relacionada ao mito do andrógino e ao ideal de amor romântico. As seguintes falas de Marina
expressam tal fato. Ela demonstra o desejo de encontrar o seu oposto como forma de
preenchimento do que lhe falta para equilibrar as relações: “Eu gosto de quando a pessoa não
vê problema em tudo e tal, porque eu sou reclamona e eu preciso de uma pessoa que é o oposto.”
“Eu percebi que gosto de pessoas leves, que sejam tranquilas porque eu sou meio conturbada,
então sei lá, por ter uma cabeça cheia o tempo inteiro, eu gosto de pessoas descontraídas”

Nesse sentido, é possível perceber que a ideia de complementaridade é essencial para a


construção de um relacionamento saudável e duradouro se relaciona a busca pela metade
perdida, que é o diferente, por um sentimento de totalidade. É importante questionar a visão de
um encaixe perfeito de duas partes complementares, visto que pode se tornar uma problemática
ao ser baseada em expectativas irreais e idealizadas, onde o parceiro é valorizado apenas pela
sua capacidade de suprir as necessidades do outro. Assim, a relevância desse questionamento é
fundamentada no valor de reconhecer a individualidade e singularidade de cada pessoa
envolvida, a fim de evitar sentimentos de repressão da própria personalidade e espaço pessoal
que podem ser desenvolvidos pela tentativa constante de suprimir as demandas do outro.
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As entrevistadas relatam sobre essa perda de individualidade e espaço pessoal, nos seguintes
dizeres da Marina e Marta, respectivamente. A Marina descreve que, em momentos com sua
ex-namorada, a sensação era de privação da própria vida, como se a partir do ideal de unicidade
de um casal, não seria viável ter experiências em particular, em suas palavras:
Às vezes eu prezo muito pela minha privacidade e meus momentos comigo mesma e
aí tipo ela queria que eu fizesse tudo com ela, então sei lá, eu já poderia estar muito
melhor no LOL porque ela não me deixava jogar e ela queria que eu assistisse ela
jogando. Eu gosto muito da minha privacidade, eu me sentia como se eu fosse duas
pessoas, não sei explicar, eu não sentia como se eu fosse eu, só sentia que podia viver
se fosse com ela, é muito estranho.

A Marta expõe como se sente obrigada a desenvolver duas personalidades, uma para manter
suas características individuais, e a outra para lidar com as vontades e expectativas do
companheiro:
Eu gosto de conversar com as pessoas e às vezes eu fico retraída, porque não posso
conversar com as pessoas porque ele me trava. Tu vê que lá na minha mãe, eu sou
uma pessoa e aqui eu sou outra, tenho duas personalidades porque sou obrigada a ter
duas personalidades. Uma vez que ele me viu na loja brincando com Otacílio e outra
vez com Adriano, ficou cheio de ignorância achando que eu estava tendo um caso
com aquelas crianças.

Com base nas descrições, é notório que moldar-se às vontades do outro pode ser uma forma de
agradar e de se ajustar às expectativas, mas também pode resultar em uma perda gradual da
individualidade. Quando cedemos constantemente às pressões externas, perdemos o controle
sobre nossas próprias vidas e nos tornamos cada vez mais dependentes da aprovação e validação
dos outros, o que pode levar até ao desenvolvimento de uma nova personalidade sem
identificação para não gerar atritos. Ao ignorar nossas próprias necessidades, desejos e
opiniões, corremos o risco de nos tornar uma versão diluída e insípida de nós mesmos. Isso
pode levar à sensação de vazio e estranheza, falta de significado e de propósito em nossas vidas,
visto que, segundo George Simmel, a troca e o cruzamento de características contrastantes que
afloram a singularidade, não há essa construção de subjetividade ao se podar pelo outro.

4.2 O amor, a ansiedade e a vulnerabilidade


Nesta categoria, pretende-se observar as reações ao se deparar com sentimentos amorosos em
uma relação de vulnerabilidade e dominação. Durante as conversas, Marina desenvolveu a
respeito de sua vontade de se distanciar quando precisa lidar com esse sentimento de paixão:

Eu vi um post no Instagram sobre como tenho que diferenciar paixão de ansiedade,


acho que o meu sentimento de paixão é muito uma ansiedade no sentido ruim mesmo,
com medo de errar e não corresponder às expectativas da outra pessoa, uma coisa bem
problemática mesmo porque eu sou insegura. Eu me sinto vulnerável, e ficar
vulnerável é uma coisa que me assusta e por me assustar, eu tento fugir um pouco.
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Em contrapartida, Marta dissertou a respeito, mas sugerindo um olhar de dominação: “É bom


quando você gosta, mas não aquele tanto, eu prefiro dominar a pessoa do que ser dominada,
então, não sou muito amante de ser apaixonada não”. Examinando essas duas perspectivas, que,
à primeira vista parecem se diferir por completo, na verdade é possível traçar uma relação:
ambas entrevistadas se sentem numa situação vulnerável. Marina usa do artifício da fuga para
mascarar essa vulnerabilidade, essa exposição de seus sentimentos, enquanto Marta admite
preferir estar numa posição de dominância, visto que para ela, como sua própria fala expõe de
maneira subtendida, estar numa maior posição de poder lhe permite controlar, sem que seja
preciso expor seus sentimentos.

4.3 O amor e a forma de encarar a realidade


O amor tem sido considerado como uma força poderosa que pode trazer alegria, significado e
propósito para nossas vidas. Neste tópico, será explorado como o amor pode alterar a forma de
encarar a realidade. Em declarações da Marina, foi comentado a respeito desse pensamento:
Eu fico muito boiola no sentido de querer fazer coisas novas com essa pessoa e
aprender mais e conhecer mais essa pessoa que eu tô apaixonada, eu sempre quero
conhecer a pessoa, testar coisas novas, fazer loucuras de amor, dá vontade de ser a
melhor pessoa do mundo, sem as questões da insegurança, eu fico assim meio
aventureira demais, quero fazer várias coisas, beberia o mar de canudinho.

Bell Hooks, pseudônimo da escritora estadunidense Gloria Jean Watkins, define o amor como
uma resposta ao niilismo, de maneira que “mesmo quando não podemos mudar a exploração e
dominação em curso, o amor dá sentido, propósito e direção à vida.” (HOOKS, Bell. Salvation:
Black People and Love). Frente a essa afirmação, configura-se o amor como o combustível para
encarar as situações adversas da vida, sendo, portanto, o que caracteriza a nossa vontade de
viver.

5. REFLEXÕES PESSOAIS
A partir desse trabalho, a síntese de reflexões foi dada a partir do modo que o forte contato com
essas concepções e formas de se comportar em relações amorosas têm participação nas minhas
experiências atuais. Anteriormente, o meu desejo era voltado para um amor avassalador, com a
necessidade de comunicação constante, a tentativa de agradar e corresponder aos ideais das
outras pessoas sem valorizar as minhas vontades e gostos, além de viver em prol do
relacionamento, era como o centro da minha existência tal qual os romancistas. No entanto, o
amor romântico deixou de ser uma ideia de complementaridade, mas agora é como algo
suplementar, não há uma pressão ou exigência para que o outro seja uma fonte de felicidade,
visto que essas idealizações geram frustrações, primeiro por não condizer com a realidade, os
sujeitos não são perfeitos, e segundo porque as relações não são eternas, desse modo, ao colocar
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tanta responsabilidade da própria vida em outra pessoa, é possível que o sentido de viver se
esgote em consonância com o fim do relacionamento.
Ao conviver com as histórias trabalhadas, a minha perspectiva sobre a busca por um par
romântico está relacionada a explorar sentimentos e sensações como um encontro de diversas
percepções que serão combinados por interesse mútuo na descoberta das particularidades e
respeito pelas diferenças. Em meus relacionamentos mais recentes, percebe-se a valorização do
espaço pessoal, em que apesar de estar no mesmo espaço, as duas pessoas não têm a obrigação
de suprir as vontades e estar disponível para a outra, mas sim que a realização de desejos e
afazeres próprios deve ser prioridade. Para citar um exemplo disso, a respeito do convívio diário
com uma companheira em específico, existem momentos para jogos online, trabalhos
acadêmicos, conversas com outros amigos, saídas sem a necessidade da companhia da parceira
da relação para trabalhar a privacidade. Com base nas teorias de George Simmel, a
individualidade e singularidade são construídas por combinações entre os diferentes, desse
modo, com o peso da observação do sofrimento de pessoas próximas por foco e dependência
exacerbado em um único indivíduo, foi gerado um reconhecimento da necessidade de variadas
interações interpessoais para uma aceitação e autoconhecimento. Assim, uma importância
maior foi direcionada para as vivências fora do relacionamento que podem servir como um
modo de aprimorar a conexão dentro dos afetos, mesmo que seja para contar uma fofoca ou
sugerir algo diferente que não seria pensado sem essa ampliação das interações.
Além disso, a noção de vulnerabilidade não é associada a um risco para acarretar uma fuga, ou
relações de poder para haver dominações, mas sim como um pré-requisito para construção dos
laços. É necessário expor os sentimentos e necessidades individuais para criar uma situação
conciliadora dentro dos parâmetros para ambos, essas informações não serão usadas contra a
minha integridade ou para gerar uma ansiedade, e sim para uma tentativa de aprimorar o
convívio.
Em conclusão, esse trabalho autoetnográfico, possibilitou a reflexão sobre as mudanças dos
meus comportamentos acerca das expectativas impostas sobre o amor romântico.
Anteriormente, era viável uma comparação aos parâmetros do movimento do romantismo com
ênfase nos sentimentos como centralizador da existência, no entanto, com essas influências
próximas, a visualização do amor está mais próxima da concepção da Bell Hooks, em que o
sentimento se torna uma ação, um compromisso com a busca pela justiça social e pela igualdade
para todos, de modo a ser praticado em todas as áreas da vida, incluindo os relacionamentos
pessoais e a relação com o mundo ao redor.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desta autoetnografia, o objetivo foi analisar como a construção social do amor
romântico tem interferência nas perspectivas e sentimentos acerca dos relacionamentos. Os
estudos da literatura foram direcionados para um entendimento relativo às questões sobre a
individualidade e o ideal de amor romântico na pós-modernidade.
No que tange ao modo como as entrevistadas experienciaram o amor romântico, constatou-se
que mesmo com a diferença entre gerações, as formas de entender e lidar com as relações ainda
são similares. Ao enfrentar sentimentos e emoções relacionadas ao afeto, o comportamento
tende a ser direcionado para uma busca de satisfazer as necessidades do outro, isso pode ser
prejudicial por acarretar uma ansiedade pela tentativa excessiva de se modelar para alcançar
uma validação de outrem. Além disso, a ideia de viver para suprir as demandas alheias, pode
provocar uma perda gradual da individualidade e falta de identificação pessoal, o que gera uma
sensação de vazio e insuficiência de significado para a vida. De modo contrastante, a euforia
do amor, de forma equilibrada e política, como dito por Bell Hooks, tem o poder de dar um
propósito maior para a vida.
Percebe-se também um paradoxo na busca pela metade complementar e a necessidade da
individualidade. Os indivíduos, por um lado, buscam a felicidade e a realização pessoal em um
parceiro romântico como uma parte crucial da vida. Por outro lado, essa procura pode levar a
uma sensação de perda do espaço pessoal e autonomia emocional, o que pode acabar gerando
frustrações nos relacionamentos.
Além disso, em relação ao modo como as participantes lidam com a vulnerabilidade ao se
relacionar, é possível notar as distinções e similaridades entre as perspectivas. Para a mais velha,
o medo de se abrir para as emoções provoca uma reação para a dominação do outro, enquanto
para a mais nova está associado ao sentimento de fuga, ambas com dificuldade de confiança e
entrega.
Fica evidente, portanto, que o desafio é encontrar um equilíbrio saudável entre a busca por um
relacionamento amoroso e a manutenção do autoconhecimento e liberdade individual, para que
as relações não sejam construídas como a única fonte de felicidade e realizações pessoais. Desse
modo, será possível o desenvolvimento das individualidades com igualdade e espaço pessoal
entre os companheiros.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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banquete, de Platão. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v.
12, n. 3, p. 539-552, set. 2009.

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SANTOS, E. A. F. F. TEMPO DE AMAR: A (DES) CONSTRUÇÃO DO AMOR


ROMÂNTICO. fólio - Revista de Letras, v. 6, n. 2, 2014.

SOUZA, Jessé e ÖELZE, Berthold. Simmel e a modernidade. Brasília: UnB. 1998. p. 109-117.

TRIVIÑOS, A. N. S. (1987). Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa


qualitativa em educação. São Paulo: Atlas.

VIEIRA, É. D.; STENGEL, M. Os nós do individualismo e da conjugalidade na Pós-


Modernidade. Aletheia, n. 32, p. 147–160, 1 ago. 2010.

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