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O MITO DE NARCISO
Segundo o mito grego, Narciso era um belo jovem tespiano por quem a ninfa
Eco se apaixonou. Eco fora privada de fala por Hera, a esposa de Zeus, e só podia
repetir as últimas sílabas das palavras que ouvia. Incapaz de expressar seu amor por
Narciso, foi por este rejeitada e morreu de desgosto, com o coraçao dilacerado. Os
deuses puniram então Narciso por seu tratamento desalmado para com Eco, fazendo-o
apaixonar-se por sua própria imagem. O vidente Tirésias profetizara que Narciso viveria
até ver-se a si mesmo. Um dia, quando se debruçava sobre as àguas cristalinas de uma
fonte, Narciso viu sua própria imagem refletida na àgua. Ficou perdidamente
enamorado de sua imagem e recusou-se a abandonar o local. Morreu de debilidade e
metamorfoseou-se numa flor — o narciso que cresce à beira das fontes e mananciais.
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Qual é a importância da profecia proferida pelo vidente Tirésias — a de que
Narciso morreria quando visse a si mesmo? Que bases poderiam existir para tal
predição? Acredito que tinha de ser a excepcional beleza de Naiciso. Tal beleza, num
homem ou numa mulher, prova frequentemente ser mais uma maldição do que uma
bênção. O perigo é que a consciência de ter beleza suba à cabeça da pessoa, tornando-a
uma egoísta. Outra possibilidade é que essa beleza desperte paixões violentas de desejo
e inveja em outros, redundando em tragédia. A história e a ficção contém muitos casos
de desfechos infelizes para as vidas de belas pessoas. A história de Cleópatra é uma das
mais conhecidas. Por ser uma pessoa sábia, o vidente compreende esses perigos. –
Narcisismo, Negação do Verdadeiro Self – Alexander Lowen - 1983
[Consciência sistêmica...]
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Dr. Fernando Freitas CS
Parte 1
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Meu Rei Maravilhoso
Capítulos 1-4
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Era uma vez...
“Começos são decisivos porque definem a visão, indicam o processo e influenciam o fim. Nossa
vida é cheia de começos e fins, ambos essenciais para o que ocorre no intervalo. Se o começo não fosse
importante, a gente começaria pelo meio.” - Marcos de Benedicto
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Yared tinha um longo histórico profissional de sacrifícios pessoais em busca de
um ideal com um vasto e aguçado conhecimento de linguista, do processo ensino-
aprendizagem, gestão da equipe docente e administração escolar. Sempre sonhara em
desenvolver e oferecer uma metodologia inédita que capacitasse seus alunos a lidar com
suas desafiadoras situações acadêmicas e de trabalho além do domínio do idioma que
estivessem estudando, o que o levou a criar um curso inédito de sucesso absoluto no
mercado durante décadas a fio.
Não obstante, a despeito da sua realização profissional na indústria de ensino de
idiomas, Yared sempre ansiara por conhecer melhor a mente humana, seus problemas,
percalços, desafios, traumas e enfermidades a fim de cooperar para o tratamento e cura
de corpo e espírito do semelhante. Ele sempre aceitara a verdade: “o menos doente deve
ajudar o mais doente!”
Mesmo com seu sucesso nas áreas profissional e familiar, ele sentia que ainda
lhe faltava galgar esse degrau – aquele senso de contribuir para melhorar a sanidade
mental de tantas pessoas quanto possível. Aquele anseio por realizar uma missão maior.
Yared sempre havia se feito a mesma pergunta, por mais de uma vez, no
decorrer da sua vida:
O ser humano nasce com um destino pré-determinado? Existe algum plano de
Deus para sua vida, como pregam os religiosos? Temos uma missão de vida a cumprir,
como dizem os espiritualistas da nova era?
Yared estava amargando um luto há quase oito meses pela perda da esposa. No geral, para ser
mais exato, aquele martírio pessoal já vinha se arrastando por mais de um ano e meio – tempo que lhe
parecia uma eternidade. Isso o forçara a suportar todas as vicissitudes e inconveniências de contínuas
visitas e prolongadas permanências em hospitais, clínicas e laboratórios. Em muitas ocasiões, executara
vários projetos nas alas da enfermaria, ao lado da sua mulher, usando para isso apenas seu sistema
Android num Motorola tristemente ultrapassado.
Despesas médicas constantes e elevadas, na casa de três dígitos, aliadas a uma angústia e
ansiedade mortificadoras passaram a ser suas companheiras inseparáveis.
O peso de toda aquela dinâmica insidiosa o arrastava, dia a dia, semana a semana, mês a mês,
cada vez mais, para uma depressão profunda.
Estivera segurando a mão magérrima da sua esposa no seu último suspiro. Testemunhou ela se
despedir desse mundo enquanto jazia entorpecida à morfina injetada diretamente na veia – aparência
esquálida, olhos encovados, porém ainda cheios de amor, como de costume tinham sido.
Sem mais conseguir se mover, à beira da morte, sobre uma cama de ferro pintada com um frio
branco hospitalar, a senhora Lovingdale piscou o olho direito pela derradeira vez. Aquela fora a única
forma que ela pôde usar para dizer adeus ao seu marido. Sua respiração esvaeceu. Seu batimento cardíaco
despencou para o zero absoluto – pôde-se ouvir o ruído do sinal contínuo do monitor multiparâmetro a
anunciar sua saída desse mundo – sua alma partira em paz!
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a pessoa doente for algum ente querido. E nada é tão atroz como perder alguém que
tiver passado a maior parte da sua vida ao seu lado. É um sofrimento humanamente
inconcebível!
As incertezas da vida e as vicissitudes da existência sempre mais cedo ou mais
tarde batem à nossa porta. Intrometem-se na nossa vida mesmo sem serem convidadas.
Como tal, somos assediados por certas inevitabilidades. O falecimento com seu terrível
golpe parece ser o pior, no entanto! Queiramos ou não, envelhecemos, sofremos perdas
e vivemos à sombra da morte. Essa é uma fatalidade inerente à condição humana – sem
exceção. Ninguém pode salvar ninguém da arrepiante garra da morte, quando na
sepultura, coberto de vermes!
Paradoxalmente, devemos tentar viver feliz num mundo onde a alternativa da
dor e a probabilidade de aflições são possibilidades experienciais reais sempre a nossa
espreita.
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“Este é um tipo de câncer maligno. Ela tem de ser operada o mais rápido possível. Por favor,
tome as medidas necessárias!” – advertiu o médico sem papa na língua. No estilo Super Sincero. O tom
da sua voz foi fatídico.
Aquela informação, numa fração de segundos, causou em Yared uma vertigem e mal estar
indizíveis. Ele ficou deveras assustado, e começou a se perguntar como aquela maldita moléstia poderia
ter acometido sua esposa desavisadamente – logo ela que era bastante atenta à sua saúde e à da sua
família.
Os dois estavam juntos num casamento harmonioso e longevo – por mais de três décadas. A
construção sólida do relacionamento com sua admirável esposa havia sido inteiramente feita em pedaços
e ruíra em questão de minutos!
“Já pedi uma biópsia de emergência para certificar o tamanho e o tipo do tumor.” – comentou
o médico de forma técnica.
“Tudo bem doutor, vou providenciar.” – respondeu-lhe Yared com a voz embargada.
Yared sentiu uma pontada aguda nas têmporas ao ouvir aquela verdade impalatável. Ficou
apático e gélido diante da perspectiva da sua vida conjugal bem-aventurada não poder perdurar por muito
tempo mais. A sentença final parecia ter sido decretada. E quem a teria decretado? As maiores verdades
da vida são as mais desagradáveis de ouvir.
Yared foi invadido por uma dor lancinante. Seu coração pareceu estar sendo transpassado lenta e
repetidamente por um punhal. Uma avalanche de imagens de sua vida pretérita de casado assaltou o seu
cérebro erraticamente. Precisava reorientar seus pensamentos para agir da forma certa.
Quando se recuperou do choque, pediu licença ao médico e caminhou com passos largos até à
área externa da clínica. Buscou mais ar nos pulmões. Respirou fundo. E decidiu procurar um ombro
amigo em que se apoiar. Ligou para o seu irmão.
“Meu irmão, estou inconformado com o que ouvi do médico agorinha mesmo. Acabo de receber
o resultado do exame de Lovingdale. Ela tá com câncer. No estômago. É maligno. Precisa de cirurgia
com emergência!” – informou falando de forma acelerada e nervosa.
Pôde sentir que seu irmão fez uma pausa no outro lado da linha, antes de responder.
“Brother, você tem certeza?” – perguntou o rapaz.
“Sim, tenho. Tenho que encontrar o tratamento certo para minha mulher, meu irmão.”
“Você quer que eu vá até aí? Posso te apanhar na clínica e a gente pode conversar.” – ofereceu
o seu irmão.
“Muito obrigado, brother! Mas tenho de ir pra sala de repouso ficar com ela. Depois vou levá-
la direto pra casa. Mas quero conversar com você ainda hoje. Me dá essa força aí?” – perguntou a ponto
de entrar em desespero.
“Com certeza, brother! Estamos juntos.” – conformou-lhe seu familiar.
Uma das amigas mais próximas de Yared era psicóloga. Ela o aconselhara a
começar a se envolver com algum tipo de atividade pois percebera que ele estava
prestes a ficar gravemente doente da cabeça.
Ao longo de todos os dias, seus pensamentos e pronunciamentos eram voltados
para a perda da esposa. E pelas noites adentro, chorava amargamente, e não havia quem
o consolasse dentre todos que o amavam. Estava esgotado de tanto prantear. Noite após
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noite molhava sua fronha com seu pranto, inundando com lágrimas o lugar do seu
repouso. Seus olhos se mostravam consumidos, envelhecidos por força da tragédia do
traspasse recente.
Depois do diálogo com essa terapeuta, o professor decidiu ministrar um curso de
inglês gratuito. Em resultado disso, escolheu uma comunidade religiosa carente para
esse propósito. E uma terapia ocupacional para sua cura foi iniciada.
“O tempo e o espaço também são muito importantes como referenciais para o terapeuta, que
deve observar o passado, atuar no presente, mas vislumbrar o futuro, a fim de orientar o novo caminho
de possibilidade que se abre.” – Fernando Freitas CS
Línguas e Artes
Cinco meses havia transcorrido desde que sua esposa havia passado para seu
descanso eterno. Numa manhã de setembro daquele fatídico ano de 2017, por meio de
uma conversa no aplicativo de troca de mensagens, Yared teve contato com Ani Lorac
pela primeira vez. Observando atentamente a foto do perfil no aplicativo
multiplataforma de mensagens instantâneas, ele depressa percebeu que ela era uma
mulher bonita. Charmosa. E ruiva!
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Yared: Bom dia!
Yared: Meu nome é Yared e sou cliente do boneco.
Yared: Lucy me deu suas informações de contato.
Lorac: Oi, Yared. Bom dia!
Lorac: Ela me deu algumas informações sobre as marionetes.
Yared: Sinta-se à vontade pra fazer qualquer pergunta que possa ter.
Lorac: Eu disse a ela que vou começar a fazê-los na próxima segunda.
Yared: Tudo bem, não tem pressa.
Yared: Por favor, lide diretamente comigo de agora em diante, ok?
Lorac: Tudo bem, Yared.
Yared: Obrigado!
O dia para a entrega das marionetes foi combinado por meio de uma conversa
entre o empreendedor de idiomas e a profissional de artes via aplicativo de mensagens.
Lorac: No sábado dia 30 nossa Associação vai realizar mais um evento de arte. Ao invés de entregar suas
peças em mãos, gostaria de levá-las para a exposição. Pode ser?
Yared: Sim, claro. Eu vou!!!
Lorac: Vai ter um concurso. Vamos ver se eu vou ganhar....
Yared: Claro que você vai!
Lorac: Obrigada!
Yared: Meu voto é seu!
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Ao cair da tarde do dia do evento, Yared acompanhado por seu irmão mais novo
e sua namorada seguiram no carro da família para o endereço do festival de arte. Estava
todo contente e motivado com sua nova aquisição – as mascotes dariam vida e alegria às
suas aulas com a meninada.
Nesse estado de boas vibes, partiu para o showroom de artes. Estava indo pegar
seus modelos novinhos em folha e ver com seus próprios olhos a ruivice daquela artista!
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pernas torneadas e bronzeadas – as panturrilhas eram salientes e rijas, demonstrando
que a artista frequentava a academia de musculação. Ela transpirava saúde e
exuberância física.
Ao passarem adiante pela soleira da porta de acesso, e uma vez no interior da
sala, preparada adrede para ser o palco da apresentação, pareceu terem cruzado um
portal tempo-espaço. Depararam-se com dúzias e dúzias de pétalas de rosas – nas cores
branca, amarela e vermelha – que haviam sido soltas por todo o assoalho. O piso se
assemelhava a um magnífico tapete persa de fina tecelagem artesanalmente trabalhado.
Estava pronto para receber maciamente os pés nus das dançarinas.
As mulheres estavam bem vestidas e ornamentadas com vestes e acessórios
indianos. Uma música instrumental tipo nova-era ressoava docemente naquele ambiente
transcendental. A iluminação era de penumbra. À luz de velas, por assim dizer. Pairava
uma certa volúpia no ar.
Lorac se sentou de pernas cruzadas bem ao lado de Yared. Seu vestido curto
ascendeu um pouco mais. Aquele movimento deixou à amostra uma porção extra de
suas coxas – tanto quanto as panturrilhas, elas estavam tostadas em comparação com a
cútis do rosto de Lorac. O intelectual de idiomas, como de camarote, não pôde deixar de
contemplar aquele incidente incitante. Afinal, estava sendo oferecido aos seus olhos
com generosidade, com liberalidade. Por que não se deleitar? Pensamentos picantes
tomaram conta da sua mente, de imediato. Como fica sua flor-de-lótus quando ela se
senta nessa posição? Ela também é ruiva lá embaixo?
Depois de instantes, após a performance de dança ter sido saudada com aplausos
entusiasmados, o irmão de Yared disse num tom de brincadeira:
“Eu pensei cá comigo mesmo. Se essa mulher subir primeiro, Yared vai transar
com ela!”
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“Quero dizer-lhe uma coisa: entre o homem e a mulher, tudo se decide no primeiro quarto de
hora. É no primeiro quarto de hora que se estabelecem todas as regras. Daí por diante, nada mais se
modifica.” – Bert Hellinger
Ao chegar em casa, Yared foi para a cama sem perder tempo. Contudo, não
conseguia se desconectar do evento e relaxar o suficiente para cair no sono. Em vigília,
impossível adormecer, sua mente estava vagando pela cadeia de reminiscências dos
bons momentos que tivera naquela noite. Ele não conseguia fazer outra coisa a não ser
pensar em Ani Lorac. Uma pessoa não esquece algo de que realmente se deseje lembrar.
Aquela frase ficara na sua cabeça:
“Ela não vem jantar com a gente?”
Desde a primeira troca de olhares, ele havia sido atraído magneticamente àquela
ruiva. Ela possuía um certo que em sua maneira de andar, no tom da voz e no modo de
exprimir-se. Decidiu ligar para ela pelo App de mensagens. Enviou-lhe uma mensagem
de boa noite e muito obrigado.
Ani Lorac respondeu imediatamente. Tinha acabado de chegar à casa da sogra.
Yared aproveitou para conferir aquela pergunta que a namorada do seu irmão havia
feito e que não queria calar. Em razão disso, por via das dúvidas, apressadamente, lhe
enviou o seguinte texto com uma carinha de pensativo:
- Era um pouco tarde e você ainda estava trabalhando. Mas pensei em
te convidar pra jantar com a gente.
Para seu assombro sem tamanho, a resposta da artista confirmou a proposta
tentadora que sua cunhada havia feito. Digitou Lorac acrescentando animes com
carinhas de felicidade e meiguice:
- Seria uma ótima ideia, mesmo!!! Preciso conhecer novas pessoas.
Preciso de um pouco de lazer. Da próxima vez, quem sabe?!”
A mente de Yared foi arrastada por um tsunami de pensamentos e sentimentos
contraditórios. Ele estava sucumbindo a uma paixão física avassaladora. Haveria
realmente uma chance de se aproximar daquela dona?
- Essa mulher tá brincando com fogo! – pensou ele sorrindo consigo mesmo.
“Cuidado Yared!” – lhe falou sua voz interior. “Ela é uma senhora casada.
Tem uma família. Você está no seu juízo normal para não se aproximar dela, não
está?”
Para o fim e com o propósito de pacificar suas elucubrações em turbulência, ele
deu uma bronca no seu cérebro:
“Você é viúvo e tem uma vida social e profissional estável. Tem mantido uma
grande família. Tem filhos e netos. E a propósito, você não é mais um adolescente, não
é mesmo?!”
Imediatamente sua mente respondeu com um ressonante: NÃO! Yared estava
sendo carregado e impulsionado por uma força que podia mais do que ele, à qual o lado
racional do seu cérebro relutava em se entregar.
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Nessa altura da vida, não era nenhum aventureiro para largar casa, filha solteira
ainda dependente financeiramente, seu conforto e seu conceito na sociedade, para ir
viver como amante de uma mulher doidivana na instabilidade e no descrédito.
Entretanto, o encontro com Ani Lorac, na livraria, veio reascender-lhe de súbito aquela
necessidade antiga de lar, de vida de família, mesa posta, cama de lençóis limpos.
Aquele raciocínio lógico fora em enorme medida persuasivo para conter seus
sentimentos sobre aquele primeiro encontro com Lorac.
Não obstante, os sentimentos, de maneiras não totalmente compreensíveis, são
fortes o suficiente para insurgir o tempo todo. De forma consistente e persistente! Eles
tomam conta de todo o nosso ser assim que nossa mente controladora descuida apenas
um pouquinho. Como resultado, ela deixa de exercer sua autoridade sobre nós, fazendo
aflorar nossos desejos contidos.
Lorac estava mexendo com sua cabeça. Ele estava caído por ela. A lembrança
constante dela não havia diminuído seu jugo sobre ele. Tinha achado seu aspecto
feminino tão poderoso, tão atraente e tão insinuante que lhe estava sendo difícil
renunciar a ele. Yared estava cerceado pelos limites da carne e do espírito.
Ele teria que afrontar o dilema: tentar conhecer melhor aquela mulher, ou
simplesmente esquecê-la e levar sua vida como se nunca a tivesse visto antes. Assumi-la
seria uma mudança de atitude radical.
Seria sair do seu mundo ordinário, comum, de sempre, o qual estava adaptado
rumo a um novo mundo fantástico, talvez imaginário, onde não se sentiria seguro, nem
no controle de si mesmo. Como poderia seguir seu coração se isso significava que seu
status quo estaria arrostando um iminente perigo?
Que fique claro que aquela última alternativa acabou sendo uma iniciativa
inconcebível para Yared. Seu ímpeto e motivação interiores eram de aproximar-se da
artista de cabelos castanhos avermelhados.
Daí, ele elaborou um plano de ação a fim de conciliar as duas alternativas – no
bom inglês fight or flight – traduzindo: lutar ou fugir!
Estava ansiando ardentemente se achegar a Lorac. Queria saber mais sobre ela.
De uma forma ou de outra, daria um jeito de disfarçar a irrupção vulcânica daquele
desejo. Talvez, tudo pudesse começar com uma possível futura parceria profissional.
O professor ficara dividido entre dois valores de vida muito em desacordo entre
si. Dois caminhos irreconciliáveis a seguir.
Em certa ocasião, Yared lera num dos seus livros preferidos:
“Há muitos caminhos errados, mas somente um correto; e neste
ninguém pode nos guiar exceto Deus.”
Por conseguinte, uma decisão obrigatória e pendente precisava ser tomada. Ele
não tinha como ficar indiferente.
Yared estava plenamente consciente de que agir era responder a estímulos.
Sendo esses de diversas naturezas: morais, econômicos, jurídicos, afetivos... toda ação
exerce um estímulo reclamando uma decisão, uma resposta. A decisão é uma tomada de
posição – por vezes demanda coragem, como intrepidez diante das situações!
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“...alguns valores e parâmetros são melhores que outros. Alguns conduzem a problemas bons
(do tipo fácil e simples de resolver), enquanto outros levam a problemas ruins (do tipo difícil e complexo
de resolver).” – Mark Manson
Seu desejo original e real, imergindo do seu id, era conhecer melhor aquela dona
com grande sexy appeal.
Sentiu-se provocado a ver se, por acaso, ou por iniciativa, poderia conquistá-la
amorosamente para si.
A essa altura, estava inteiramente possuído pela ideia de começar uma paquera
com aquela mulher de cabelo de cobre.
“O papel crucial que a sexualidade desempenha na união dos casais evidencia o primado da
carne sobre o espírito, bem como a sabedoria da carne. Somos tentados a desvalorizar a carne em
comparação com o espírito, como se o que se faz a partir da necessidade física, do desejo e do amor
sexual tivesse menos valor que os benefícios da razão e da moralidade.” – Bert Hellinger
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Afora essas duas forças a virem cobrar espaço de ação na nossa vida cotidiana,
sofremos o freio ou o controle do superego. Aquela “voz interior” que sopra nos nossos
ouvidos as “regras do bom viver” que papai, mamãe e a professorinha nos ensinaram.
Aquela obrigação que sentimos de ter que ficar sorrindo e parecer feliz.
“Lembro-me de me sentar recatadamente enquanto me tiraram o retrato. Ainda tenho essa foto.
A imagem é: 'Vejam que menina encantadora eu sou’. Meu pai costumava dizer: 'Tudo o que uma moça
tem que fazer é sorrir, e terá tudo o que quiser’. Assim, continuei a vida sorrindo enquanto meu coração
se despedaçava por dentro.” – Alexander Lowen
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I ndependentemente de toda aquele embaraço, chegara o dia D e a hora H do primeiro
encontro marcado pelo par enamorado.
Por meio de um bate-papo no app de mensagens, Yared ofereceu pagar uma
corrida de táxi para Lorac voltar para casa.
Ela confirmou que, se desse modo fosse, estaria disponível para ficar com ele
por aproximadamente cinco horas. Cinco horas?
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Nem de longe aquilo era o que ele havia previsto. Era tempo de sobra para tratar
ideias de trabalho e planos de marketing. Além do mais, se essa chance, por um lado,
reacendera sua expectativa de um flerte com a ruiva, por outro, despertara no seu peito
uma profunda vontade de reviver a vida em família como fora numa época passada.
Ambos estavam cientes de sua autojustificativa para a reunião. Era um
analgésico mental para a dor da culpa.
Para ser realista, em certo sentido, os dois tinham o desejo sincero de estudar um
ao outro melhor. E muito mais profundamente – em todos os detalhes possíveis.
Yared não parava de pensar no compromisso. Seus nervos tinham passado a
semana inteira em incessante, diuturna, insaciável e arguta atividade e sua cabeça
parecia que ia explodir com tantas ideias e elucubrações.
Na tarde do seu primeiro encontro com Yared, Ani Lorac estava usando um
longo vestido preto. Seu cabelo ruivo desalinhado estava preso num coque descuidado,
mas ainda assim charmoso no alto da cabeça, deixando à amostra seu pescoço bem
torneado e com sardas. Yared se viu diante de um par de penetrantes olhos azuis. Ela
estava carregando um par de pesadas sacolas reutilizáveis de algodão bege com vetores
logo reciclagem verdes característicos.
A artesã tinha comprado uma abundância de materiais para seus trabalhos de
arte. A quantidade sem tamanho de itens era bem perceptível pela protuberância e a
projeção de alguns papeis coloridos pelas bocas das sacolas.
Portando-se com todo cavalheirismo e atenções, Yared pegou seus pertences da
sua mão e assumiu o peso das suas compras.
Cumprimentaram-se cordialmente com um polido “boa tarde!”. Beijaram-se nas
faces e caminharam até à praça da alimentação a convite do gentleman.
O linguista e a artista sentaram-se a uma mesa de café e, na maior parte do
tempo, levaram um papo sobre negócios, família, projetos profissionais e muitos outros
assuntos.
O vestido longo que Lorac estava usando tinha um cavado decote em “V” na
parte da frente que se repetia na parte de trás deixando um palmo das costas da moça à
amostra. Ela o havia colocado sem sutiã. Aquilo era com facilidade discernível aos
olhos atentos e libidinosos de Yared.
Ela estava usando uma corrente fina de prata. E algum tipo de joia dependurada
estava aninhada por dentro da roupa. Seguramente, repousava com delicadeza entre seus
bustos.
Os olhos cautelosos e cobiçosos de Yared, vez por outra, fitavam-nos se
esforçando para obter qualquer vislumbre que fosse da beleza desnuda daquela mulher
desconhecida.
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Lorac tinha planos para uma Feira Internacional de Arte que iria acontecer em
breve – num segmento de tempo de poucos meses – talvez três ou quatro. Ela pretendia
aumentar e atualizar suas atividades profissionais, como todo bom empreendedor.
Sentindo seu coração extasiado com admiração pelo empreendedorismo
apresentado pela artesã, Yared mantinha uma atitude solícita de apoio naquele colóquio
que era uma mescla de negócios com um caso amoroso em gestação. Ofereceu-lhe
alguma ajuda, caso ela o quisesse como sócio.
“Você sabe?” – começou ele.
“Tenho algumas economias guardadas para qualquer emergência. Também
para o caso de surgir uma grande oportunidade. E eis que estou diante de uma, e
pretendo mudar meus planos pessoais iniciando um projeto com você.”
“Humm... é mesmo? Como o quê, por exemplo?” – perguntou curiosamente a
artesã.
“Se você não se importar muito eu poderia investir algum valor no evento da
Feira Internacional de Arte. Talvez pudéssemos começar uma parceria de negócios.” –
ofereceu generosamente o coach de idiomas, e apurou seus ouvidos com uma atenção
respeitosa.
Lorac o olhou pensativamente e se pronunciou aquiescendo:
“Bem, nesse caso, acho essa uma excelente ideia. Além disso, você pode
conseguir um grande lucro com seu investimento.”
Com lisonjas apropriadas, ela pareceu fascinada pelo que ele dissera, por algum
motivo que ele não podia imaginar. Yared percebeu perfeitamente que ambos estavam
abrindo as portas para uma aproximação cada vez maior.
“Fechado! Alegra-me saber que você tem interesse. Pode significar a abertura
para grandes oportunidades e bênçãos!” – assentiu ele com um aceno de cabeça e
sorriso largo.
“Tem alguma outra proposta a fazer em prol da minha felicidade financeira,
Yared?” – inquiriu Lorac de forma jocosa.
“Não. Por agora, isso é tudo. Quem sabe no futuro?” – comentou ele
igualmente irônico.
O fetiche da calcinha
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O empresário linguista, já cheio de desejo, ficou olhando para aquela mulher
com cabelo acobreado. Seus olhos viajaram de cima a baixo no seu corpo. Ela quase
dançando, enquanto caminhava devagar por entre os espaços das estantes de livros, era
uma atração imperdível para os seus olhos.
Mesmo usando um vestido longo e solto, o volume arredondado dos seios e
quadris eram visíveis por baixo daquela peça singular de roupa. Yared estava bem
atento para não perder um segundo sequer daquele desfile cheio de charme e
sensualidade proporcionado pela sua marchand.
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A crença da calcinha bem comportada tinha a ver com suas aventuras de
adolescente nos anos 70. Naquela época, ele costumava conversar com meninos mais
velhos sobre as meninas e a vida sexual. Aprendera com esses camaradas de mais idade
que a moral de uma mulher poderia ser medida pelo tamanho da calcinha que ela vestia.
Por um bom tempo, tal ensinamento foi sendo autenticado ao longo dos
relacionamentos amorosos de Yared. Como resultado, ele estava em tudo convencido de
que Lorac era sem a menor dúvida uma mulher para se envolver caso isso pudesse se
tornar cabível.
“Temos um campo de probabilidade, que seriam as escolhas que eu tenho na vida, aquilo que
eu escolho fazer. Como isso vira realidade, vai depender do que “eu” defino de fato fazer. Entretanto,
são os referenciais de vida que vão definir o que você vai fazer. Referenciais são aquilo que está no seu
consciente, e também no seu inconsciente, mas, que delimitam o seu querer, suas escolhas. Eles são
essenciais para que tomemos as decisões.” – Fernando Freitas CS
A viúva negra
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Já estavam ultrapassando o limite de tempo de cinco horas previstas quando
Lorac inesperadamente, atirou uma confissão desconcertante diante de Yared.
E num tom de confidência, num segredo só dela e do novo amigo, ela se abriu:
“Às vezes, sinto vontade de ficar viúva!”
Aquela revelação pareceu ser um contrassenso para um primeiro encontro com
um total desconhecido. Uma esposa lhe dizendo que tinha o desejo oculto de que seu
marido morresse era uma atitude muito arriscada e leviana!
No que dizia respeito a Yared, essa era uma observação de todo inusitada. Ele
mais uma vez teve a nítida impressão de que aquela mulher estaria num relacionamento
em enorme medida perturbado. À beira da falência. Prestes ao rompimento. Ela estaria
de todo insatisfeita com seu parceiro atual. Sua vida estava um marasmo e talvez
desejasse fazer uma nova experiência.
Sem volta
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Lorac: Fiquei envergonhada.
Yared: Desculpe, eu não queria – foi uma coisa de amigos.
Yared: Eu não quis fazer isso.
Yared: Fiquei feliz com sua companhia.
Yared: Senti vontade de te abraçar.
Yared: Foi isso. Eu sinto muito.
Yared: Quando o assunto é entre um homem e uma mulher é sempre uma situação complicada.
Yared: Você sorriu, chorou, se emocionou, confessou assuntos íntimos, então senti uma grande empatia
por você.
Yared: Foi uma coisa de amigos, acredite.
Yared: Eu não tinha outra intenção.
Yared: Fiquei feliz com nossa amizade.
Yared: Eu me sinto muito mal. Na verdade, me sinto horrível.
Yared: Nunca pensei que te causaria algum constrangimento.
Yared: Pensei até agora que aquele tinha sido um bom encontro pra nós dois.
Yared: Mas, eu estava enganado.
Yared: Como tudo é complexo e às vezes sem sentido.
Yared: Deus do céu, Lorac! Eu não sei o que dizer.
Lorac: Yared, adorei conversar com você também. Estávamos muito em sintonia. Foi tudo muito
interessante. Eu não queria que você se sentisse mal.
Lorac: Mas eu fiquei envergonhada por vários motivos. Além de casada, tipo se algum conhecido
aparecesse, tenho certeza que não interpretaria como uma simples amizade.
Yared: Estou extremamente envergonhado.
Lorac: Há coisas que você não pode explicar pelo zap.
Lorac: Mas é bom conversar pessoalmente.
Lorac: Não fique assim.
Lorac: Você foi super legal comigo.
Lorac: Cuidadoso.
Lorac: Vamos nos encontrar pra falar sobre nossa parceria.
Lorac: Então vamos falar sobre tudo pessoalmente.
Yared: Não sei.
Yared: A parceria continua.
Lorac: Sério?
Yared: Mas, eu vou ter dificuldade em olhar pra você novamente.
Yared: Não sei.
Yared: Oh, meu Deus!
Lorac: Uau, Yared!
Lorac: Nada a ver... você ficar assim.
Yared: A vergonha foi a última coisa...
Yared: ... Eu queria causar a você.
Yared: Eu estava tão feliz com tudo.
Yared: Por você.
Lorac: Eu também estava feliz.
Yared: Por sua filha.
Lorac: E no clima pra mais conversa.
Yared: Pelas ideias.
Yared: Projetos possíveis.
Lorac: Já que estou na casa da minha sogra, não posso nem te enviar um áudio.
Lorac: Desculpe te deixar assim... Eu não queria te deixar triste. Nem envergonhado.
Yared: Tudo bem.
Yared: É melhor assim.
Yared: Você foi sincera.
Yared: O erro foi meu.
Lorac: É como eu te disse... às vezes eu falo com rodeios. Outras vezes sou muito direta... não sei usar o
meio termo. Isso é um defeito meu.
Yared: Eu deixei a sensação de ternura que eu estava sentindo no momento ir longe demais.
Yared: Desculpe!
Lorac: Posso ter interpretado mal sua afeição... mas é porque isso nunca aconteceu antes.
Lorac: Sou muito intensa em tudo que faço.
Lorac: E então...
25
Lorac: Isso é tudo o que é preciso.
Yared: Eu também.
Lorac: Eu posso ser incompreendida ou ser o contrário.
Yared: Não, tudo bem.
Yared: Eu te entendo.
Yared: E eu aceito.
Lorac: Eu realmente gostaria de poder falar com você para explicar melhor.
Lorac: E não te deixar assim.
Lorac: Do jeito que você está agora.
Lorac: Se interpretei mal sua afeição... me desculpe também.
Yared: Vou refletir profundamente sobre isso.
Aquela conversa mexeu muito com a cabeça de Yared. Lorac não poderia ser
mais aberta sobre sua intenção de se aproximar dele. E do jeito que ela falava não
parecia ter a ver com uma parceria comercial. Era explicitamente um caso de um
relacionamento romântico à vista.
Além disso, a confissão de Lorac ainda permanecia fixa em seu cérebro.
“Às vezes, tenho vontade de ficar viúva!”
Aquela revelação se somava à de um possível ensejo de jantarem juntos. E agora
havia a possibilidade de um novo encontro para explicação dos fatos que ficaram em
aberto. Todas essas mensagens eram claras para ele. Lorac estava lhe acenando a
possibilidade para um romance entre ambos.
Aquilo, de forma alguma, poderia ser um acidente ou uma mera coincidência.
Afinal, eles se encontraram apenas uma vez. Além disso, ela levava uma vida conjugal
com o outro cara há muito tempo. Eles tinham uma menina para criar. Como é que uma
mulher revelaria um assunto tão reservado a um homem desconhecido no seu primeiro
encontro com ele?
Por mais estranho que possa ter parecido ao julgamento racional de Yared, o seu
lado emocional decidira ignorar qualquer possível resultado doloroso. No entanto,
estava além de toda controvérsia o fato de que qualquer relacionamento com aquela
mulher estaria condenado a uma avalanche de problemas, dificuldades e agruras
próprias. Seria uma experiência arriscada considerada singularmente audaz e perigosa.
26
Yared: E então que plano você tem em mente?
Yared: Rsrsrsrs.
Lorac: Não sei o que dizer.
Lorac: Sem pensamentos no momento.
Yared: Diga o que quiser.
Lorac: Mas você poderia pensar por mim... e me propor.
Yared: Você quer me ver?
Lorac: Acho que seria interessante... como foi antes.
Lorac: Temos coisas pra conversar.
Yared: Sim.
Yared: De fato.
27
O ônibus estava lento e a atrasou por cerca de uma hora. No decorrer da viagem,
Lorac ligou para Yared duas ou três vezes para se desculpar pela demora. Ele pôde
perceber que a marchand estava impaciente e aflita. Então lhe prometeu que estaria
esperando o tempo necessário para vê-la mais uma vez.
Para ajudar matar o tempo, Yared pegou um livro de uma das fartas estantes e
começou a folhear a capa e a contracapa da obra de Diana Gabaldon – OUTLANDER
– A Viajante do Tempo:
“Ao conhecer Jamie, um jovem guerreiro das Terras Altas, sente-se cada vez mais dividida entre
a fidelidade ao marido e o desejo pelo escocês. Será ela capaz de resistir a uma paixão arrebatadora e
regressar ao presente?”
28
Entretanto, o linguista já estava cativado pela beleza, excentricidade e atitudes
desprendidas, por que não dizer, imprudentes da bela artista.
Parecia que ela estava revisitando seus sonhos de mulher. Aqueles encontros a
estavam colocando mais próxima de seus desejos íntimos. E estava pronta para investir,
pronta para estar linda nos compromissos com o coach de idiomas era indispensável.
Gostar de se maquiar para encantar era algo do qual ela não devia nunca abrir mão.
Ficou bem claro para o professor, sem dúvida nenhuma, que as mulheres são muito mais
cuidadosas, ardilosas e sutis quando se trata de toda a trama que envolve sedução, conquista e
relacionamentos com o sexo oposto.
Já os homens cometem erros grosseiros e reveladores nas suas aventuras extraconjugais, ou
mesmo nas suas relações afetivas.
29
No entanto, uma ou duas horas depois, com um movimento rápido, Lorac sacou
seu celular da bolsa e discou para uma amiga. Segundo ela, uma membra da mesma
igreja que frequentava. Pelo bate-papo, deu a impressão de que elas haviam combinado
de se encontrar mais tarde naquela noite.
O coração de Yared desfaleceu à perspectiva de ter que deixar Lorac. Afinal,
eles poderiam ficar mais tempo juntos. De maneira especial, agora que tinham bebido e
seus ânimos estavam altos.
Ele teve o leve pressentimento de que aquilo era um teste – um jogo mental.
Lorac não queria parecer fácil demais. Queria elevar em alguma medida o seu valor
sexual de mercado.
Ela tinha pleno conhecimento de seus objetivos e intenções, e sabia que havia
naquele possível relacionamento uma margem boa de realização para encaixar suas
metas e vontades.
Há coisas que se guardam a sete chaves, mas, uma vez que se tenha ciência
disso, o próximo passo fica mais fácil.
A artista disse que não poderia ficar por mais tempo de forma alguma. Aquela
afirmação veio sem qualquer desculpa ou explicação. Mesmo assim, Yared lhe ofereceu
uma carona de táxi até o local onde ela deveria se encontrar com a amiga. Embarcaram
num táxi e partiram.
Por volta das 8:00 da manhã do dia seguinte, Lorac enviou uma mensagem de
texto via WhatsApp. Ela postou uma foto sua em anexo. Deu a impressão de que
apreensiva e esgotada.
Yared perguntou:
30
“Onde você está agora? Não foi pra casa?”
“Não! Ainda estou na casa da minha amiga. Não estou com vontade de voltar
pra casa. E afinal, sei que a briga vai ser grande!”
Yared lhe deu o seguinte conselho:
“Não! Vá pra casa! Você ainda tem um parceiro. Uma filha pequena. E uma
casa pra cuidar. Diga ao seu companheiro que se atrasou. Diga que não pôde voltar
pra casa tarde da noite. Fala que decidiu dormir na casa de uma amiga. Vai ficar tudo
bem.”
Assim fez Lorac. E mais tarde naquele mesmo dia, ela lhe enviou outra
mensagem. Tudo estava sossegado.
No que dizia respeito a Yared, ele não tinha a menor dúvida. Lorac estava
prestes a terminar com seu companheiro. Ficou evidente, por esta razão, que ela estaria
livre para começar um relacionamento amoroso com ele. Aquilo era apenas uma
questão de tempo. Muito pouco tempo por sinal.
31
3
Troca de amantes
“A separação leviana é vivenciada como um crime grave, pelo qual alguém tem de pagar.” –
Bert Hellinger
Lábios de mel...propósitos de absinto
Don Juan
32
“A letra “A” é a inicial de abertura. O número “3” representa as três fases da
conquista bem sucedida.” – iniciou o linguista.
“A primeira etapa, ou o primeiro “A” – o “1ª” – é para a “abertura dos
lábios”. Isso significa que o bom conquistador precisa inicialmente fazer com que a
mulher se sinta bem em sua companhia. Sinta-se à vontade. Sinta-se feliz. E sorria
bastante. Esse estado de espírito alegre e descontraído quebra as barreiras
psicológicas da complexa teia mental feminina reprimida pela sociedade patriarcal e
machista em que vivemos.” – continuou.
“Na época da estrita moralidade vitoriana até o riso da mulher era criticado
como falta de pudor. As mulheres daquele tempo desenvolviam um sintoma psicológico
que foi chamado de histeria. Era uma reação anormal à intensa repressão sexual que
lhes era imposta. Freud explica!” – sorriu o linguista.
“Quando o conquistador perceber que sua pretendente já desfruta da sua
companhia por causa do clima solto e divertido, sorrindo livremente com suas
histórias, papos e até piadas, ele sabe que chegou o momento de iniciar a segunda
etapa – o segundo “A”, o “2ª”.” – elaborou ainda mais.
“Essa é a fase em que a mulher irá dar ‘abertura do coração’. Pois, estarão
removidos os empecilhos e as limitações psicológicas que a impedem da proximidade
com o sexo masculino. Ela se encontra pronta e disposta para falar as coisas que
guarda na sua intimidade. Uma verdadeira confiança e amizade se estabelecem entre
ambos. É muito prazeroso compartilhar sentimentos e pensamentos além da
trivialidade do dia-a-dia.” – continuou Yared com sua explicação.
“Agora, depois de superadas as fases 1 e 2, a terceira, qual seja, o terceiro “A”
– o “3ª” – simboliza a ‘abertura das pernas’. Invariavelmente, se o homem conseguir
com habilidade, paciência e acolhimento conduzir a mulher pelas duas primeiras
etapas, terá como prêmio e recompensa a entrega sexual de sua namorada.” – detalhou
ele.
“Daí, existe técnica até para se conquistar uma mulher. Aliás, técnica pode ser
definida como uma melhor maneira de fazer alguma coisa.” – finalizou com um
sorriso.
33
“Fase 2ª querida!” – respondeu o linguista com um sorriso alto do outro lado da
linha.
“Mas aí, quer dizer que só me resta o 3ª? ”
“Um...hum...” – respondeu Yared numa gargalhada.
Migalhas de prazer
Era quase Natal daquele ano. Yared tinha uma filha morando em outra cidade.
Ela estava vindo com suas netas para vê-lo nas festas natalinas. Pai e filha marcaram um
encontro em um shopping próximo. Eles se encontrariam. Conversariam. Fariam uma
refeição leve, juntos em família. E o avô compraria alguns presentes de Natal para as
meninas também.
Yared aproveitou a oportunidade para marcar um novo e decisivo bate-papo com
Lorac. Eles se encontrariam no mesmo shopping e sairiam para jantar.
Desse modo, após a celebração doméstica, o casal voltaria a se ver.
Lorac estava esperando por Yared numa das lojas de artigos femininos. Tinha
um lindo vestido preto nas mãos.
Como prometido antes, ele pagou por suas roupas novas. Ela também cuidou de
que suas unhas fossem cuidadosamente manicuradas. Além disso, recebera uma
massagem relaxante nos pés naquele final de tarde. Feito isso, foi ao banheiro trocar de
roupa.
Meia hora mais tarde, a ruiva apareceu para ele com um olhar sedutor. Aquele
vestido preto estava posicionado no meio das pernas. Era apertado. Sua parte superior
era ainda muito mais justa. Os seios de Lorac estavam espremidos na parte de dentro
insinuando seus pequenos mamilos. O perfil dos seus quadris se destacava.
Ela deu uma rápida voltinha para a apreciação do seu admirador. A artista tinha
uma bunda bem definida. Firme e empinada. Aquela visão acendeu os instintos sexuais
de Yared como eles jamais haviam sido despertos antes.
Havia sido quase dois anos inteiros sem ver uma mulher. A interrupção da sexualidade de Yared
se devia ao fato de que a doença de sua falecida esposa, tratamento e luto o tinham mantido totalmente
abstêmio. Por conseguinte, estava com uma acentuada vulnerabilidade nessa área – naquela situação,
migalhas de prazer significavam um banquete para sua libido.
Yared, de forma alguma, tinha sido dado a relações extraconjugais. Sequer tampouco tinha
mantido relacionamentos com amantes no decorrer do seu casamento.
Por exceção, tinha havido alguns raros casos de flerte. Pega-aqui-pega-ali. Amassos e beijos
rápidos com algumas alunas mais oferecidas. Todavia, para seu padrão de princípios e valores ele tinha
sido fiel até que a morte os separe. Literalmente. Como de fato acontecera.
34
Agora, mais do que nunca, lá estava uma mulher só para ele. Bonita. Jovem.
Ruiva. Estava olhando só para ele. Estava vestida só para ele. Estava pronta só para ele.
Estava sensualmente sorrindo só para ele.
Esse fato alvoroçou o sangue em suas veias com uma descara de adrenalina
misturada com dopamina. Quase podia ouvir o TUM-TUM do seu próprio coração
batendo aceleradamente.
Como ele havia imaginado antes – não haveria mais volta a partir dali.
Yared tinha sido policial tempos atrás. Durante essa época, tinha sido treinado para reconhecer
narcóticos e pessoas viciadas em drogas. Fazia parte do seu trabalho naquela fase da sua vida. Sabia
muito bem, por experiência própria, que a fumaça e o odor vinham dos cigarros de maconha. E sabia
muito bem que os supostos inocentes usuários de drogas eram de fato sócios de traficantes.
Havia largado a carreia de policial a pedido da sua mulher. Sua noiva naquela época. A Sra.
Lovingdale tinha um espírito pacífico. Altruísta. Cordial. Abominava violência e conseguira convencer
seu noivo a fazer a migração de carreira.
Desse modo, Yared pediu afastamento do serviço público. E escolheu se dedicar exclusivamente
à educação como professor de idiomas.
É uma dádiva a capacidade singular do ser humano de escolher sua senda e descobrir um
significado em toda experiência empreendida.
35
“Como amantes, meu rei!”
“O vínculo entre parceiros exige que o homem deseje a mulher como mulher e que a mulher
deseje o homem como homem. O vínculo não se estreita completamente quando os parceiros se desejam
por motivos diferentes: por passatempo ou adorno, como provedores, por ser um deles rico ou pobre,
católico ou protestante, judeu ou muçulmano, hindu ou budista; porque um quer conquistar, proteger,
melhorar ou salvar o outro; porque um quer o outro seja, sobretudo, pai ou mãe dos seus filhos.
Parceiros que se juntam com esses objetivos em vista não consolidam uma união capaz de resistir a
crises graves.” – Bert Hellinger
36
Parceiro descartado
“Quando alguém se decide por uma coisa, geralmente precisa abrir mão de outra. A coisa pela
qual se decide é aquilo que é, que se realiza. A coisa de que se abre mão comporta-se, em relação ao que
é e que se realiza, como um não-ser.” - Bert Hellinger.
No dia seguinte, Lorac entrou em contato com Yared por telefone. À tarde, lhe
disse que era realmente o dia em que comunicaria o rompimento. Continuou lhe
enviando mensagens até que finalmente desabafou:
“Está feito! Está acabado! Estou livre pra ser sua, meu rei maravilhoso!”
Yared disse que estava tudo certo. Ela não deveria se dar ao trabalho de se
preocupar com mais nada. No final do dia, tudo ficaria bem.
Agora Lorac era uma mulher livre. Ele poderia vê-la como sua companheira.
Poderia começar um love affair com ela. E o mundo os envolveu pleno de novas
possibilidades.
Yared postou uma música no zap de Lorac em homenagem ao início daquele
romance entre as línguas e as artes.
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When you’re down and troubled
And you need some lovin’ care
And nothin’, nothin’ is goin’ right
Close your eyes and think of me
And soon I will be there
To brighten up even your darkest night
You just call out my name
And you know, wherever I am
I’ll come runnin’
To see you again
Winter, spring, summer or fall
All you need to do is call
And I’ll be there
You’ve got a friend
If the sky above you
Grows dark and full of clouds
And that old north wind begins to blow
Keep your head together
And call my name out loud
Soon you’ll hear me knockin’ at your door
You just call out my name
And you know, wherever I am
I’ll come runnin’, runnin’, yeah, yeah
To see you again
Winter, spring, summer or fall
All you have to do is call
And I’ll be there, yes, I will
Now, ain’t it good to know that you’ve got a friend
When people can be so cold?
They’ll hurt you, yes, and desert you
And take your soul if you let them
Oh, but don’t you let them
You just call out my name
And you know, wherever I am
I’ll come runnin’, runnin’, yeah, yeah
To see you again
Winter, spring, summer or fall
All you have to do is call
And I’ll be there, yes, I will
You’ve got a friend
You’ve got a friend
Ain’t it good to know you’ve got a friend
Ain’t it good to know, ain’t it good to know
Ain’t it good to know
You’ve got a friend
Oh, yeah, now, you’ve got a friend
Yeah baby, you’ve got a friend
Oh, yeah, you’ve got a friend
JAMES TAYLOR
“Você não é produto das circunstâncias, você é produto das suas decisões.” – Viktor Frankl
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Na quarta-feira, dois dias depois que Lorac terminara com seu companheiro, o
novo par se encontrou num shopping da zona sul abastada da cidade. Ao pôr do sol,
fizeram uma refeição leve. Conversaram um pouco – olho no olho, como um casal
apaixonado. Passearam de mãos dadas contemplando as vitrines.
Yared beijou Ani Lorac pela primeira vez. Foi um beijo romântico e com muita
paixão. A ruiva sentiu o membro ereto roçando sobre sua coxa. Sorriu sorrateiramente e
o arranhou, deslizando as unhas sobre as costas do seu homem.
Dali a instantes, depois de trocarem algumas palavras a mais, partiram para um
hotel costeiro da cidade, que de improviso Yared tinha escolhido através do seu celular.
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Lorac pediu sem rodeios a Yared que chamasse o gerente à sua mesa. Ele para
tanto o fez para impedir que as coisas se agravassem.
Quando chegou, o gerente tentou soar o mais amigável possível ao explicar o que havia
acontecido. No entanto, Lorac interrompeu sua explicação jogando um monte de
palavras duras contra aquele estabelecimento.
“Sentimos muito, senhora!” Por favor, aceite as nossas desculpas. Vou pedir
outro prato igual para a senhora de graça.” – colocou o funcionário da empresa.
Yared se pronunciou:
“Pelo amor de Deus, Lorac! Pare com isso! Você tá fazendo uma tempestade
num copo d´água! Olha aqui! Relaxe! É claro que o restaurante cometeu uma falha.
Mas o gerente já se desculpou educadamente. Como se já não bastasse, ele nos
ofereceu outro prato de graça ou nosso dinheiro de volta. Isso é o suficiente. Não é?”
A mulher respirou fundo. Deu um suspirou abafado de exasperação. Recuperou
a postura. E disse:
“Ok! Ok! Vamos receber o nosso dinheiro de volta e sair daqui agora mesmo.
Que assim seja! Ainda me sinto muito afrontada. Poderia ter tido um problema de
saúde. Vamos embora!”
A massagem tântrica
Numa de seus inúmeros bate-papos por meio do aplicativo de mensagens, Yared contara a Lorac
que era um massagista tântrico. A marchand ficara muito excitada em saber sobre essa sua aptidão.
Ela lhe fez muitas perguntas sobre o assunto. E o linguista recheou sua explicação com detalhes
lhe contando os tabus. Prazeres. E deleite das clientes. A partir da qual ele percebeu o grande interesse da
sua namorada pelo tema.
“Bem, esse tipo de massagem é mais terapêutico do que qualquer outra coisa.” – começou o
linguista em sua explanação.
“Para a mulher, se chama ‘massagem yoni’ – ou massagem na área genital. Pode-se usar óleos
relaxantes e aromáticos a gosto e escolha da cliente.” – prosseguiu o massagista.
“Essa prática não significa fazer sexo. Não é um coito. Existe técnica e seriedade. Com vistas a
quê? Com o objetivo é fazer com que a mulher relaxe. Descarregue as tensões nervosas acumuladas.
Acima de tudo, se ela tiver vivenciado períodos de anorexia de intimidade prolongada.” – acrescentou
Yared.
“Meu rei!” – exclamou Lorac.
“Você tem tantas habilidades excelentes. Essa me surpreendeu que é uma beleza! Não sabia
nem que existia esse tipo de massagem, muito menos que você soubesse aplicar.”
“Sim, sei. Fiz curso para isso. Já atendi várias clientes. Ficaram satisfeitas, viu?” – disse ele
com um sorriso maroto.
“E elas...? Elas...?” – a cabelo ruivo acobreado já bem agitada iniciou a pergunta que Yared
completou:
“Gozaram? É essa sua pergunta, né?” – indagou ele com uma risada.
A artista deu uma gargalhada surpreendentemente profunda e imoral do outro lado da linha.
“Sim. Algumas sim. Outras não.”
“Algumas com gritos de prazer!” – acrescentou ele rindo.
“Seu tarado safado!” – exclamou a artista. Quase gritando.
“Minha querida Lorac, não seja tão preconceituosa. Esse tratamento nada tem a ver com tara
ou safadeza.” – tentou acalmá-la o massagista.
“Este é um método de cura interior e exterior indiano milenar. Seu objetivo é a liberação de
tensões congestionadas. O massoterapeuta apenas serve de instrumento para o alívio da paciente.” –
explicou mais detalhadamente.
“Sei não, viu?! Tenho muita coisa ainda pra aprender na vida.” – se lamentou ela.
“Vivendo e aprendendo minha querida.” – finalizou Yared sorrindo.
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Depois de tudo apaziguado no restaurante, o par seguiu para seu quarto no hotel.
Lorac pediu licença e foi até ao toilette. Yared aproveitou sua ausência
momentânea. Tirou a calça comprida e a camisa. Atirou-se na cama, se esticando
relaxadamente de costas sobre aquele leito de casal king size duplo.
Cerca de 30 minutos mais tarde, depois de uma chuveirada quentíssima,
daquelas que deixam os espelhos embaçados por causa do vapor da água extremamente
abrasadora, Lorac voltou devagarzinho para o dormitório da suíte.
Estava vestida num sumaríssimo maiô na estampa plantas do mar com um lindo
detalhe semi transpassado no busto e em tecido de malha resistente e de toque macio.
Trazia na mão direita um pequeno frasquinho de vidro marrom escuro. Os olhos do
coach de idiomas estavam a ponto de saltar para fora das órbitas.
Yared se sentou ereto na cama com um impulso repentino. Ele já havia admirado
os dotes físicos daquela dona arruivada usando roupa. Agora sua forma delineada,
saudável e exuberante se tornara algo que nenhum homem poderia se decepcionar ao
contemplar ao vivo e a cores.
Lorac se aproximou sem pressa da cama. Entregou de maneira delicada o
frasquinho que estava parcialmente oculto na sua mão direita. Deitou na posição de
bruços ao lado do seu massagista. Cruzou os tornozelos no ar, com um brilho malicioso
nos olhos e esboçando um sorriso mal-intencionado, se declarou:
“Estou pronta pra minha primeira massagem yoni, meu rei!”
“Vou lhe dar a melhor massagem que você já teve na vida, sua ruiva gostosa e
tarada!” – respondeu Yared àquele estímulo provocador esboçando um sorriso
libidinoso.
Yared, com o pequeno vidro na mão, tirou a tampa e sentiu o recipiente exalar
um irresistível perfume afrodisíaco à base de essência de ervas. Impresso em letras
maiúsculas destacadamente no rótulo, se lia: ÓLEO PERFUMADO – IDEAL PARA
MASSAGEM RELAXANTE.
Daí em diante, não restou nada mais a fazer. Agora tinha que exercer sua função
de massoterapeuta tântrico com a sua cliente de cabelo vermelho acobreado que estava
deitada sensualmente ao seu lado. A sua disposição.
O massagista deixou cair um fino fio daquele líquido oleoso e aromatizado sobre
as pernas da sua namorada.
Começou a massageá-las suavemente. Deslizou suas mãos pelas rijas
panturrilhas sentindo a musculatura malhada. Concentrou a pressão sobre as solas dos
pés, macias e cor-de-rosa. Deu uma firme compressão no estilo shiatsu. Depois
pressionou ainda mais fortemente. Quando seus dedos subiram até a altura da bunda,
Lorac deixou escapar um grito de prazer bem baixinho, porém audível.
Mais óleo foi derramado sobre as costas da ruiva. Yared deslizava com
suavidade. Depois com mais pressão. Em seguida, com mais força. Lorac soltou um
gemido alto.
Ele soltou o fecho da parte de cima do maiô, deixando os seios completamente
livres e expostos. As auréolas eram rosadas e de círculos perfeitos em torno de bicos
pequenos e eriçados.
Agora, a cliente já estava deitada de costas, com as pernas ligeiramente
entreabertas. O massagista derramou mais do líquido do prazer sobre os seios da artista.
Tomou-os em suas mãos. Acariciou os mamilos que já estavam duros pela excitação
41
provocada pelo frescor e perfume do óleo combinados com o contato físico da pegada
do massagista. A mulher soltou um gritinho enquanto se contorcia com aquelas carícias
extasiantes.
Yared escorregou suas mãos pela barriga e pela pélvis da cliente. Ela estava
trêmula e ofegante. Seu corpo se contorcia com o toque macio. Com o toque lento. Com
o toque forte. Com o toque acelerado. Seus olhos se reviravam. Aquele toque abrasava
sua pele e preenchia suas veias de fogo.
Yared baixou seu traje de banho por inteiro, e deixou de fora a púbis da sua
mulher. Quando os primeiros pingos daquele óleo paradisíaco caíram sobre sua região
genital – devidamente depilada para a ocasião – a artista deu um grito alto de tesão.
Rapidamente, o massoterapeuta aproveitou a oportunidade e começou a esfregar
seu clítoris todo lubrificado e perfumado com a mistura do óleo e do mel vaginal. Lorac,
numa sequência de gritos, gozou loucamente.
Aquele foi o primeiro contato físico íntimo do casal.
Ani Lorac teve um orgasmo intenso e ruidoso com aquela massagem yoni que
seu namorado a havia proporcionado com esmero.
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“Pela consumação do amor cria-se, entre o homem e a mulher, um vínculo real. Este, por seus
efeitos, é ainda mais forte do que o vínculo real dos filhos aos pais. É absolutamente o mais forte dos
vínculos.” – Bert Hellinger
43
4
Encenando o script
“Sempre haverá, na sociedade e no mundo em geral, gente mais agressiva do que nós somos,
que encontra um jeito de conseguir o que quer, por bem ou por mal.” – Robert Greene
44
“É melhor mantermos as coisas desse jeito como estão. Você não concorda?” –
perguntou ele suavemente ao notar a frustração indisfarçável estampada no semblante
da sua mulher.
Medindo as palavras, e sem qualquer bate-boca a mais, ela retorquiu:
“OK. Sem problemas! Era apenas uma ideia. Na verdade, eu amo tudo isso.
Estou encantada com nosso relacionamento, meu rei.”
Deu a impressão de que Lorac não queria ser pegajosa. Não queria encrencas
com Yared. E tudo indicava que os dois queriam viver experiências relaxantes, sem
cobranças e apegos de um casamento.
Natal e Réveillon
45
Prata também é usado por quem quer se destacar em meio à multidão do ano
novo. O prateado simboliza inovação e distinção, trazendo, assim, estas energias para o
ciclo que se inicia.
Laranja é para quem busca força e energia para o próximo ano, o laranja é a
escolha certa. A cor forte e marcante carrega o simbolismo enérgico e vibrante.
Amarelo é uma das colorações mais aceites, depois do branco. O amarelo atrai
prosperidade e riqueza. É a opção de quem quer ter mais dinheiro no próximo ano.
Verde é para pessoas que estejam atrás de novas fontes de esperança, podendo
usar esta cor como atrativo. Além disso, ele também é a escolha de quem busca um ano
com mais saúde.
Azul é a cor da serenidade e da harmonia. Passar o Réveillon com tons azulados,
dessa forma, atrai um novo ano sereno e harmônico.
À meia-noite em ponto, houve uma maravilhosa exibição de fogos-de-artifício –
um esplêndido cenário pirotécnico no decorrer de mais de trinta minutos. As pessoas
abraçaram-se, beijaram-se e gritaram para desejar um ano bom e saudável.
Lorac e Yared abraçaram-se com força e partilharam as suas bocas e línguas
naquela tão profunda comoção e agitamento mesmo no meio da rua.
Dormiram no seu hotel costumeiro, localizado numa zona costeira da cidade, a
poucos passos da multidão, em celebração ao primeiro dia do novo ano que estava a
amanhecer.
Mais uma vez, Lorac teve a ideia de propor que eles se encontrassem em sua
casa em vez de reservar quartos de hotel. Numa conversa do app de mensagens, ela
enviou um texto com uma foto dela de biquini na piscina do condomínio:
- Eu quero você aqui comigo nessa piscina maravilhosa, meu rei!
Recorreu aos mesmos argumentos. Economia de dinheiro. Privacidade. Ficar
mais tempo juntos para o prazer mútuo do casal. Para ela era um argumento muito
sedutor, mas para Yared nem um pouco razoável.
Novamente, o empresário linguista se manteve irredutível e recusou sua oferta.
- Temos as belas praias para explorar. E falando sério, nem gosto de
banho de piscina.
Ela não discutiu e aceitou sua decisão.
“As pessoas são sutis e evasivas, disfarçando suas intenções, fingindo estar a seu lado. Você
precisa de clareza.” – Robert Greene
46
Janeiro do Ano Novo chegara. Yared começou a frequentar a igreja de Lorac.
Essas reuniões aconteciam sempre às sextas-feiras à noite. Esse era o dia em que ela
auxiliava com seus serviços.
Numa determinada semana, depois do culto, a artista convidou Yared para
visitar seu apartamento. Dessa vez, sem forças para maior resistência, ele não opusera
objeções em conhecer a moradia da namorada. A sarará ficou radiante de alegria.
Foram a um grande supermercado vizinho à instituição religiosa. O casal fez
uma grande feira. Incluíram vinho. Frutos do mar – camarões e peixes. Um novo jogo
de roupas de cama e toalhas. Velas especiais – aromatizadas e incensos. Flores. Tudo
foi comprado como preparativo para uma extraordinária noite de amor. E assim foi.
Lorac preparou camarões grelhados a alho e óleo. Para abrir a garrafa de vinho
tinto, Yared usou o saca-rolha, que estava sem uso há muito tempo numa gaveta do
armário da cozinha da artista sedutora. Acendeu as velas perfumadas – a luz indireta
deixou o ambiente mais aconchegante. As flores deram um toque romântico na decor. A
trilha sonora foi regida a base de música celta medieval. E eles tiveram o jantar mais
sensual de todos os tempos.
Aquela foi a primeira vez que Yared entrou no apartamento da garota.
Era um espaço pequeno e aprazível, meros 35 metros quadrados. Uma pequena
sala-copa-cozinha americana conjugada, um banheiro e dois quartos. Tinha móveis
minimalistas – uma mesa improvisada com tampo de mármore e pernas de madeira
colonial, um sofá de dois lugares bem surrado, uma estante e rack reaproveitados de um
escritório falido, uma geladeira bem desgastada, um fogão simples e uma máquina de
lavar roupas fora de linha.
O espaço também tinha algumas peças de arte penduradas nas paredes da sala.
Aquarelas pintadas pela própria dona do apartamento, pratos de barro decorados com
pinturas variadas e bonecas de pano sem conta – criações da artista.
Fizeram amor a noite toda, vararam a madrugada e dormiram até bem tarde na
manhã seguinte. Yared sentiu-se como se estivesse no paraíso. Por fim, a felicidade o
atingira depois de dois anos de amargura e falta de uma companhia feminina.
Em sua cabeça, os pensamentos eram de que Lorac estava certa desde o início.
Sua casa era o lugar perfeito para desfrutar de economia, privacidade e prazer.
Um pouco mais tarde, à mesa do café da manhã, Lorac decidiu colocar a questão
financeira em pauta. Ela sabia que não podia esperar o empreendedor de idiomas tomar
a dianteira. A questão financeira era de fundamental importância. E tentou mais uma
vez quebrar o gelo e falar desse assunto com sutileza. Estaria estabelecendo suas
necessidades e expectativas.
“Sabe, o valor que você pode economizar com a gente aqui na minha casa é
muito mais do que eu pago à hipoteca do apartamento e às taxas de condomínio. Se
você pudesse me emprestar esses pagamentos pra esse mês, seria uma grande ajuda,
querido.”
Yared lançou um olhar perscrutador, mas perguntou compreensivamente:
“Quanto você precisa?”
47
“Serão apenas seiscentos reais! Com isso eu posso pagar as duas contas – a
hipoteca e as taxas de condomínio, meu amor!”
“OK! No entanto, para que não receba esse dinheiro de graça, você poderia
fazer duas peças de arte pra mim? Eu gostaria de ter um unicórnio chinês. Seu nome é
Ki-Lin. E também gostaria que você fabricasse um cavalinho de brinquedo pra meu
neto. Tá certo?”
Ela disse, sorrindo:
“Certo! Isso é fácil! Sem problemas!”
Como tal, Yared pagou as duas contas de Lorac em janeiro daquele ano. O
homem apaixonado ficou enlevado por poder ajudar sua companheira.
Noutra oportunidade, numa conversa com sua namorada, Yared ficou sabendo que ela tinha sido
empregada por quatro anos numa empresa de artesanato.
Depois de um acidente de trabalho, quando precisou fazer cirurgia na perna esquerda e se
afastara do serviço por cerca de 45 dias, a artista foi demitida e ingressara com uma ação na justiça
trabalhista.
Ganhou a causa. O valor que lhe deveria ser indenizado foi dividido em 12 vezes. No mês de
dezembro do ano do primeiro encontro com Yared, Lorac havia recebido sua derradeira parcela do
acordo. A partir de então, ficaria sem renda fixa.
Parte 2
48
Você sob meu script
Capítulos 5-7
5
49
Campanha difamatória
“Quando, num relacionamento, um parceiro dá mais e recebe menos que o outro, o
relacionamento fracassa. Só devo dar ao outro na medida em que ele possa u queira retribuir. Se
ultrapasso essa medida, ele tem que ir embora. Não devo dar-lhe mais do que ele queira ou possa
retribuir. Com isso se estabelece de antemão, um limite para o dar.” – Bert Hellinger
Repescagem
Y ared morava a uma longa distância de Lorac. Sua casa ficava cerca de 30
quilômetros do apartamento da namorada. Era uma longa viagem que levava
aproximadamente entre duas e duas horas e meia de carro.
Por força dos pesados gastos com a saúde da sua esposa, naquela época, ele não
tinha ainda seu carro próprio.
Tinha se desfeito do Celta branco antigo para complementar as despesas médicas
elevadas com medicamentos e acessórios, tais como assento especial, colchão de ar para
descanso da coluna vertebral, meias Kendall para alívio das pernas, colar cervical, etc.
Desta maneira, tinha que pegar o metrô na última estação da linha, que ficava
distante da sua casa em cerca de 300 metros, para viajar aproximadamente 17,2
quilômetros naquele subway brasileiro.
A seguir, completava de ônibus seu trajeto até ao apartamento da sua mulher.
Este segundo percurso tomava em média mais 10 quilômetros. Em acréscimo, ele ainda
tinha uma caminhada de uns 500 metros até finalmente entrar na área do condomínio da
ruiva.
Aquela peregrinação era um tanto penosa e austera. O metrô e o ônibus
costumavam estar superlotados. Havia sempre um exército de vendedores ambulantes
dentro desses coletivos.
Eles usavam técnicas de vendas bem agressivas e com uma algazarra infernal.
Circulavam de cima para baixo do transporte sem parar. Tentavam se equilibrar com o
veículo em movimento num loop frenético e barulhento. Eram gritos. Vozearias. E
insistências inquietantes.
Aqueles coletivos eram verdadeiros mercados públicos ambulantes. Vendiam de
tudo, desde bombons, água mineral, refrigerantes, sanduíches, sucos de frutas, até
planos de saúde, peças de reposição e acessórios para celulares. Yared se sentia assaz
constrangido naqueles trajetos.
Tinha de viajar em pé, do terminal de passageiros inicial até o seu último ponto
de parada. Mas mesmo assim, fazia todo aquele sacrifício e suportava o aborrecimento
com alegria em seu coração. Não era nenhum incômodo insuperável, aliás. A
recompensa do reencontro com sua linda namorada em seguida valia muito a pena.
50
Lua de sangue
51
Por fim, Yared conseguiu vencer a maratona e adentrou a área comum do
condomínio do apartamento da sua mulher. Ao entrar, seus olhos se depararam com a
ruiva sentada numa das cadeiras de madeira antiga, estilo colonial da mesa com tampo
de mármore que ficava de frente para a porta de entrada. Lorac irrequieta estava
balançando a perna.
Sua namorada lhe lançou um olhar de intensa antipatia e desdém. Falou-lhe com
uma rispidez de incomodar. Entregou-lhe todas as coisas que tinha preparado para o
piquenique daquela noite. Levantou-se e virou a cara como se ele tivesse cheiro ruim.
Em seguida, pegou na mão da filha e caminhou para o elevador, deixando-o um pouco
para trás.
Yared se sentiu desapontado. E uma tristeza indefinida invadiu seu coração.
Todavia, a expectativa de um bom momento a dois era suficiente para ele esquecer
aquela falta de empatia de sua companheira.
Cerca de trinta minutos depois chegaram à praia que estava repleta por uma
multidão incontável de curiosos. Amantes. Cientistas. Quanto às idades, se podia ver –
idosos, jovens, adolescentes e crianças. Famílias inteiras estavam acampando
temporiamente na beira do mar para apreciar o espetáculo anunciado.
Yared se deu conta de que Lorac havia levado poucas coisas para comer e beber.
Eles sem a menor dúvida após uns instantes precisariam de mais desses itens. Foi por
isso que ele foi a um supermercado próximo e comprou um monte de artigos básicos
para aquela ocasião. Refrigerantes. Bolos. Chocolates. E água mineral.
Yared sentiu outra frustração com Lorac. Dessa vez, quando tentou pegar uma
frutinha entre as quais ela trouxera:
“Ei! Essas frutas são minhas! Coma de sua comida!”
“Ah, então é assim, hein?” – exclamou Yared indignado.
“Você tem alguma desordem de múltipla personalidade? Não tem juízo?” –
perguntou ele surpreso e irritado.
Não se dando ao trabalho de responder, Lorac passou uma daquelas frutinhas
para sua filha e mudou de assunto.
O linguista notara que não era uma partilha justa das coisas que o casal havia
reunido para o lazer de todos naquela noite especial.
Por um lado, um detalhe que lhe chamou a atenção foi o quê Lorac havia dito.
Por outro lado, ela tampouco havia se importado com a forma que havia falado. Havia
arrogância. Desprezo. Forte egoísmo e indelicadeza nas suas palavras. Ele se sentiu
subitamente oco por dentro.
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Dava a impressão de que o céu e o inferno lhe eram oferecidos com certa
regularidade. Quando seu cérebro se sentia inundado de prazer e felicidade, uma onda
de desprazer e tristeza lhe era também ofertada.
Que uma relação abusiva possa causar extensas e terríveis formas de dependência não é uma
novidade ou um mistério. Porém, pensarmos que esse emaranhamento sistêmico se dá única e
exclusivamente através daquilo que foi bom na relação, pode ser um equívoco.
Numa relação abusiva a dependência ou, se preferirmos, o vício, se dá pela dor, e não pelo amor.
Fica mais fácil de entender porque uma pessoa permanece num pseudo-relacionamento desses se
olharmos desse jeito, embora os mecanismos por trás dessa dinâmica doentia possam não ser tão claros à
primeira vista.
Toda relação abusiva é uma dinâmica doentia intensa. Intenso, talvez, nem seja a melhor palavra
para se utilizar. Digamos extrema. Extrema porque, além de levar a terríveis extremos de dependência e
tolerância – essa é outra palavra chave. Isso alude também a um conceito pouco conhecido cunhado pelo
psicanalista Bruno Bettelheim, o de situação extrema.
Para Bettelheim, uma situação extrema é aquela capaz de abalar o psiquismo de tal forma que
impacta sua própria estrutura. E, veja bem, não é qualquer evento traumático que tem este potencial. Para
se ter uma ideia, o psicanalista cunha esse conceito através e para pensar a sua experiência nos campos de
concentração nazistas.
Esta intensidade que vai constituir tal relação como extrema se dá em dois polos: o polo bom,
geralmente sentido e interpretado como amor e presente nos momentos comumente descritos como love-
bombing; e o ruim, que surge nas erupções do parceiro abusivo.
Estas erupções, por si só, são em demasia traumáticas, uma vez que não costumam ter qualquer
previsibilidade, colocando a vítima num estado de constante tensão, já que nunca sabe quando ou o que
pode causar uma explosão dessas.
O mais comum, nos relatos de quem habitou este verdadeiro campo de guerra, é que essas
explosões comecem aos poucos e que aumentem com o passar do tempo.
Junho era a época do ano para celebrar o dia dos namorados na região onde
Yared morava. Como havia prometido, apresentou Lorac ao dono de uma loja que era
uma combinação de papelaria, serviços de impressão e de venda de sortidos artigos para
presentes.
Esse estabelecimento ficava situado no entorno da sua casa apenas a alguns
metros de distância. Ele pretendia ajudar a ruiva a vender suas peças de arte e faturar
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uma grana extra. E, é certo que ela conseguiu um grande pedido para o dia dos
namorados. Foi contratada para fazer lembranças em forma de pequenos corações para
os casais apaixonados celebrarem seu Valentine´s Day.
No dia combinado para a entrega, Yared não pôde acompanhar Lorac até à loja
do seu amigo. Ainda assim, a ajudou no decorrer de todo o processo de entrega. Passou-
lhe informações de como chegar, e até pagou a conta pré-paga do seu telefone.
Ele tinha de visitar sua filha caçula internada na maternidade. Dessa vez, uma
menininha se tornara o próximo descendente na sua árvore genealógica.
Era uma sexta-feira, logo após o cair da noite. Yared depois de se despedir da
sua namorada, disse que ligaria para ela mais tarde, quando chegasse em casa. Porém,
essa foi a resposta que ele recebeu da sarará:
“Não há necessidade! Vou chegar em casa muito cansada. Eu te ligo a qualquer
hora depois. Confie em mim!”
Por volta das 8:00 da manhã seguinte, Yared chamou Lorac através do seu
Motorola. Ela atendeu o telefone imediatamente. Mas quando a conversa estava apenas
começando, ele pôde ouvir o DIN-DONG da campainha berrando dentro do
apartamento.
Lorac avisou gaguejando:
“É...é minha vizinha. Eu tenho de atender e..e..la agora. M...m...mas te ligo
mais tarde, po...po...de ser?”
Ele respondeu:
“Tá certo! Sem problemas! Podemos conversar mais tarde.”
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“Elas vieram da minha casa de campo. Você sabe que eu tenho outro imóvel
rústico, não sabe?”
Yared retorquiu energicamente:
“Sem essa ladainha, Lorac! Eu sei dessa tal casa! Minha pergunta é – como
você conseguiu trazer todas essas coisas sozinha?”
“Eu fiz isso de ônibus, é claro. Levei várias viagens para terminar!”
Ele mordeu os lábios, e sem acreditar numa só palavra, falou furiosamente:
“Ah, é mesmo? Quer dizer então que você agora tem superpoderes?! É a
própria Mulher Maravilha?!”
“Todas essas coisas que não me deixam mentir Lorac! Você sabe que eu sei que
você pediu a ajuda daquele cara. Que diabos pretende mentindo desse jeito?!”
Ela estava tirando uma calcinha de uma gaveta do guarda-roupa antiquado que
ocupava a parte posterior do quarto de canto a canto.
Arregalou os olhos, se virou, sem pressa, fitou o rosto do namorado
pensativamente, hesitou em busca da palavra certa, e assentiu envergonhada e surpresa
com a perspicácia dele:
“Sim, você tá certo. Pedi a ajuda dele pra buscar tudo isso. Eu precisei!”
“É mesmo? O problema não é que ele tenha te ajudado. Um grande problema
aqui é a mentira que você tentou me fazer engolir goela abaixo! Qualquer coisa, menos
isso. Isso não dá pra aturar!”
Já com lágrimas nos olhos, ela lhe disse com a voz um tanto embargada
buscando admitir honestamente seu equívoco:
“Eu não queria que você ficasse com raiva de mim. Eu não queria incomodar
você, querido!”
Yared interrompeu aquele lenga-lenga e acrescentou sem titubear:
“Pra começo de conversa, vamos pular essa frescura toda de justificativa
esfarrapada. E em segundo lugar, eu prefiro ficar fervendo de raiva e ter a verdade do
que ficar tranquilo e ouvir mentiras. Sempre fale a verdade. Entendeu?”
Ela, com seu choro mal contido, acenou com a cabeça e respondeu que sim.
Prometeu que aquilo nunca mais iria acontecer outra vez. Desculpou-se dando um forte
abraço em Yared. Ele ficou mais calmo e tranquilo quando ela lhe disse assertivamente:
“É você que eu escolhi, não ele! Eu o deixei pra ficar com você, meu amor! Eu
só precisava do carro dele pra me fazer esse favor.”
“Tomara que você esteja certa, tomara mesmo.” – falou-lhe Yared
esperançosamente.
A mentira não tem pés: a verdade sim. A verdade pode dar a uma pessoa base
firme e estabilidade. Com a verdade, uma pessoa pode por-se de pé e enfrentar o
mundo inteiro!
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“Verdades desagradam. Inverdades agradam. O certo é inconvincente. O convicente é incerto.”
– Confúcio
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“Não há piores inimigos do que aqueles que receberam a maior bondade e então se tornam
crueis. Como o vinagre mais azedo é feito do vinho mais puro e as carnes mais agradáveis se
transormam em humores amargos no estômago; assim o amor mais elevado concedido a amigos, sendo
mal dirigido ou corrompido, transforma-se em ódio mais hostil.” – Abraham Wright
Não obstante, Yared se sentia tão obcecado com os encantos e a conduta sexual
da dona que se lhe tinha tornado dificílimo se separar dela e seguir em frente sozinho.
Parecia que ela o havia amarrado em grilhões de modo que o ferro penetrava sua própria
alma. Toda sua reflexão, por mais racional que fosse, não podia abrir o portão de aço,
arrancar as algemas e o libertar do cativeiro afetivo, no qual se encontrava.
Ele não estava dispondo do equilíbrio necessário para fazer frente e se opor à
influência sedutora daquela mulher, e não havia espaço na mente dele para cogitar a
separação do casal.
Sim, de modo algum é fácil se livrar de um vício, como bem é conhecido na área
terapêutica. Indivíduos adictos são incapazes de largar seus maus hábitos sem uma
ajuda externa.
No fundo, e em última análise, ele sabia que aquele relacionamento
diferentemente do que ele pensara no início, estava fadado ao fracasso. Aquela mulher
havia mudado. Havia se tornado um apático poço cinzento de egocentrismo e
autopiedade. Ou então, ela estava realmente mostrando sua personalidade genuína.
Lorac não conseguia mais fingir ser aquela pessoa de então.
Nos dias iniciais do romance, ela se mostrara o pináculo da delicadeza,
amorosidade, afeição e solicitude. Todas eram qualidades femininas além dos sonhos
mais loucos de Yared. Agora, sob a superfície cintilante, fervilhava um caldeirão de
emoções escusas – ganância, inveja, luxúria, ódio.
Parecia que a pessoa por quem ele tinha se apaixonado já não era a mesma.
Aquela personagem, de forma alguma, existira, quem sabe? Aquela indivídua fora
apenas uma miragem com muita probabilidade.
De qualquer jeito, ela era o que era e não havia nada que ele pudesse fazer a
respeito.
Yared entendeu que Lorac poderia ter percebido que ele havia descoberto sua
verdadeira persona interior. Sua maneira de funcionar por trás da sua fachada externa.
Dava a impressão de que existiam duas personagens numa só – era um caso de dupla ou
de múltiplas personalidades?
“Se indagamos qual era a realidade da personalidade de Mary, devemos responder que a
imagem da boneca dançarina é tão real quanto a imagem da menininha patética. Com efeito, Mary tem
dupla personalidade, uma vez que apresenta duas faces diferentes ao mundo. Uma face é uma máscara,
como a face de uma boneca desprovida de sentimentos. A outra face expressa seus verdadeiros
sentimentos e é, portanto, uma genuína representação do self. A face da boneca reflete uma imagem do
ego, e a face da menininha patética reflete a autoimagem, a imagem do self. Uma face é assumida por
um esforço da vontade, enquanto a outra é uma manifestação espontânea do ser íntimo. Essa divisão da
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personalidade de Mary justificaria o diagnóstico de condição de fronteira. Embora, do ponto de vista de
diagnóstico, Mary fosse vista como personalidade de fronteira, na minha opinião o diagnóstico é menos
importante do que compreender Mary — quem ela é, quem «u rege ser e por que desenvolveu uma
divisão em sua personalidade. A imagem é realmente uma parte do self. É a parte do self que enfrenta o
mundo e assume sua forma através dos aspectos superficiais do corpo (postura, movimento, expressão
facial etc.). Como essa parte do corpo está submetida a controle consciente pela vontade ou ego, ela
pode ser modificada para ajustar-se a uma imagem particular. Podemos falar de um falso self
organizado contra o verdadeiro self, mas prefiro descrever a divisão em termos de uma imagem que
contradiz o self e considerar o distúrbio básico um conflito entre a imagem e o self corporal.” –
Alexander Lowen
Entretanto, agora, em vez de tentar disfarçar sua pessoa real, ela começara um
jogo sutil de agressão passiva, instilando culpa como uma arma secreta. Começou a
agredi-lo. Gostava de lhe contar episódios toscos no que dizia respeito a sua vida
passada. As ações sinistras que tinha praticado antes de conhecê-lo. E tentava por todos
os meios justificar sua conduta desabonadora o tempo todo.
Num número demasiado de vezes tinha sido a vítima nos relacionamentos
frustrados do passado. Todas as pessoas lhe eram censuráveis. Ela era a única sensata.
Todo mundo era vilão e ela a vítima naquele repertório inesgotável de histórias que ela
expunha a Yared.
“Quase todos nós repetimos padrões de comportamento em que somos vítimas porque, como
tais, sempre colhemos um lucrozinho adicional para explicar porque não triunfamos, simulamos ser os
bonzinhos que poderiam tê-lo feito em vida se alguém não tivesse metido os pés pelas mãos.” – Barbara
Ann Brennan
Era uma certa manhã em meados de fevereiro daquele primeiro ano de uma vida
a dois. O casal tinha acabado de tomar o café da manhã. Lorac, retirara as almofadas do
assento do sofá duplo da sala e se deitara bem no centro do seu apartamento. Vestia um
curtíssimo short de algodão e uma camiseta de seda fina sem sutiã.
De certo, assuntos luxuriosos e nudismo, bem como brincadeiras indecentes e
especulações obscenas eram sempre abordados pela dona de cabelo ruivo acobreado que
tinha inclusive o hábito de andar por dentro de casa como viera ao mundo. Era
diplomada em safadeza, e como verdadeira doutora em luxúria não tinha seu pudor e
comedimento muito em conta. Costumava dizer com palavras irônicas acompanhadas
por um movimento da boca que provocava uma ruga na bochecha:
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“Eu gosto de ficar nua. Gosto de me sentir livre.”
Lorac, abertamente, começou a contar a Yared sobre seu envolvimento com o
vício das drogas. Na maioria das vezes, ela havia feito uso de cannabis. Experimentara
seu primeiro cigarro de maconha já na época da escola, quando adolescente ainda.
Havia fumado cigarros dessa droga na companhia do playboyzinho, na calçada da sua
casa de campo depois de ter largado o sexagenário. E até na fase adulta, com uma certa
amiga e aluna sua de arte chamada Anne. Até mesmo experimentara cocaína! Disse-lhe
que podia discernir entre as ervas de maconha boas e ruins.
“O ser humano é uma criatura muito imitativa. Ele absorve de seu ambiente os valores e
padrões de comportamento daqueles que estão à sua volta, e tende a se ajustar a estes modos.” – Irving
M. Bunim
Sua mulher era uma ex-usuária de drogas. Enquanto aquilo fora algo terrível de
escutar e digerir por parte de Yared, ela podia contar todos os pormenores sem nenhum
traço de constrangimento ou culpa. Falava de uma maneira natural. Sem embaraço. Seu
senso da presença de remorso ou apreensão era inexistente. Os sentimentos e as reações
do seu namorado não tinham qualquer significado para ela. Quem sabe fosse apenas o
lenitivo de contar a verdade a alguma pessoa?
Sua falta de sentimento não a incomoda. Passava perfeitamente bem sem. O
único pensamento em que Yared atinava era:
- Os mortos não têm dor e nada os incomoda. Ela simplesmente havia
se apagado. Parecia que Lorac sabia que estava “morta”.
Certa vez, ela partilhou circunstanciadamente com Yared que tinha comprado
um plano de serviço pós-vida completo que incluía: mortuária com visor e alças,
vestuário padrão (mortalha), jogo de paramentação para câmara ardente, velas, flores
para ornamentação do ataúde, carro fúnebre para remoção e cortejo funerário e jarros
candelabros com flores. Ela tinha feito essa aquisição quando conseguiu seu primeiro
emprego estável no auge dos seus vinte anos!
“Certa vez, num feriado de carnaval, eu tava com meu ex-parceiro num grupo de amigos numa
casa. Alugamos aquele lugar pra o fim de semana. Começamos uma rodada de maconha. Todo mundo
fumou daquele cigarro. Então, um cara colocou um pouco de pó branco em cima da mesa. Todos nós
fomos convidados a cheirar. Eu cheirei três carreiras. Mas fiquei bem. Depois disso, saí da casa sem
rumo. Peguei um frasco de lança-perfume de uma pessoa estranha que encontrei na rua se drogando.
Inalei forte. Quase desmaiei. Meu ex-companheiro me ajudou. Achei que ia morrer!”
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sido usuária de drogas. E esse já era outro problema – aquela situação para ele era em
enorme medida grave e irreconciliável.
Não era uma questão de pequena dificuldade processar toda aquela história
sinistra do passado de Lorac, e como dali para frente eles poderiam continuar num
relacionamento equilibrado e sadio. Pairava no horizonte temporal daquele casal uma
separação inevitável por incompatibilidade de valores e princípios. O óleo não se
mistura com a água, já afirma um dito popular.
Com toda essa ruminação mental, Yared se sentiu fatigado, meio desfalecido. E
era o tipo de fadiga que não podia ser curada numa noite de sono. Carecia sentir ar puro
revigorante nos pulmões. Necessitava sorver oxigênio limpo mais profundamente.
Precisava pensar com clareza. Tinha a necessidade mais do que urgente de resgatar sua
capacidade de pensar de dentro do nevoeiro em que se encontrava. A proximidade da
namorada vinha lhe causando uma certa náusea. Uma sensação de constrição no peito.
Uma inexplicada e insidiosa confusão espiritual.
“Vou descer.” – comunicou Yared.
“Aonde você vai?” – perguntou apreensivamente sua mulher.
“Vou dar uma caminhada. Preciso de ar fresco.” – respondeu-lhe ele.
Pediu licença à garota e desceu em direção à área comum do condomínio. Não
usou o elevador. Precisava evitar se encontrar com pessoas por não estar se sentindo
bem e ter que dar explicações que ele mesmo não teria. Por outro lado, seria bem
melhor começar seu exercício aeróbico desde já. Descer cinco lances de degraus seria
sem a menor dúvida após uns instantes um bom começo antes da sua caminhada em
torno dos blocos de apartamento. Com aquilo em mente precisava recuperar o
pensamento racional e decidir sobre o que iria fazer.
Havia se passado alguns poucos dias sem que o casal se encontrasse fisicamente.
Todavia, continuavam se falando no telefone e no aplicativo de mensagens.
Num desses chats, Lorac se queixou de dores nas costas e disse a Yared que
estaria indo para o médico. Era uma consulta com um ortopedista. Estava sentindo
fortes dores na coluna vertebral.
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“Dores nas costas, em termos psicológicos, têm sempre a mesma origem e se curam de modo
muito simples: fazendo uma profunda reverência. A quem ela deveria ser feita?” – Bert Hellinger
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6
Hoovering
“Se o desejo sexual de um dos parceiros não é correspondido, ele ou ela se vê numa posição
frágil porque o outro tem o poder de rejeitar.” – Bert Hellinger
Reconciliação de casal
H avia se passado meramente quatro ou cinco dias desde que Yared estivera
longe de Lorac depois da consulta médica. Movido pela saudade que sentia da
sua namorada, ligou para ela desejando marcar um novo encontro no hotel em
que costumavam ficar.
“Oi, querida! Vamos nos encontrar? Não posso ficar longe de você por muito
tempo. Estou com saudades dos nossos momentos. E você?” – perguntou o professor
Don Juan com curiosidade.
Houve um breve silêncio. A artista fez uma pausa para ordenar os pensamentos e
lhe respondeu deliberadamente:
“Nossa história ainda não acabou. Ainda guardo você no meu coração! Tenho
igreja amanhã, e depois do culto poderemos nos encontrar. O que acha?”
Ao ouvir aquelas palavras de reconciliação e de esperança, Yared se sentiu
inclinado a propor um novo encontro inesquecível para o casal como sempre havia sido
antes.
Ao que parecia, ambos ansiavam por se rever.
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Puxou-a mais para junto de si, e deu-lhe um abraço apertado por alguns
instantes. Em seguida, beijou o alto da sua cabeça, abençoou-a e se despediu. Entrou no
ônibus e prosseguiu em direção ao hotel escolhido para o compromisso agendado com
aquela branquela com traços genéticos de afrodescendentes.
Seu coração estava com uma pulsação mais rápida. Batia mais intensamente. Era
uma grande expectativa em torno da oportunidade de ver Ani Lorac mais uma vez. Seus
pensamentos, num estado de loop, rememoravam, sem parar, ininterruptamente, toda
aquela carga intensa de sensualidade e erotismo que o casal houvera intercambiado.
Segundo consta na gematria hebraica, temos: 4+0+3=7. O número sete é tido como o símbolo da
Divindade. O número que expressa perfeição e plenitude. A ciência da gematria ensina que quando duas
coisas existentes possuem o mesmo valor numérico, elas estão associadas indissoluvelmente e partilham
das mesmas qualidades boas ou ruins.
E aquelas eram as qualidades que ele atribuía ao seu relacionamento com Lorac.
Havia encontrado a mulher “perfeita” e estava vivendo o “amor verdadeiro”. O amor
verdadeiro se assemelha a um grão de mostarda. A semente da mostarda é pequena, mas
produz uma árvore grande, e as aves aninham-se nos ramos.
Foi até o banheiro, e tomou uma chuveirada refrescante. Abriu sua pequena
mochila surrada de lona, sacou duas das poucas peças de roupas que havia socado lá
dentro apressadamente e começou a se vestir. Enquanto ainda se trocava, ouviu seu
telefone tocando em cima da mesinha de cabeceira. Era a ruiva. Queria saber se ele já
tinha chegado ao hotel:
“Meu rei, estou chegando daqui a pouco. Estou doida pra te ver de novo. Tô
com saudades do seu abraço, da sua pegada e dos seus beijos. Sem falar daquele
membro marrom maravilhoso que você encaixa na minha caverninha ruiva. O
contraste de cores me deixa louca! Adoro tudo isso. Sinto um tipo de choque elétrico
quando você entra em mim!”
Na sala de espera, para matar o tempo, Yared, por falta de opção, começou a
folhear algumas revistas de moda feminina que estavam espalhadas sobre uma pequena
mesa no canto da parede.
Relanceava os olhos mais ou menos a cada trinta segundos aos ponteiros do
relógio Garneck grande antigo de madeira – tipo cucu – pendurado na parede oposta ao
lounge. Estava na expectativa da chegada iminente da sua parceira.
Lorac ligou para ele mais três ou quatro vezes naquele ínterim. De modo similar,
também parecia apreensiva para revê-lo. Aquele pensamento, com muito mais razão, o
fez se sentir bem-aventurado pela oportunidade de ver sua namorada novamente.
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A atenção de Yared foi atraída pelas luzes dos faróis de um carro que estacionou
defronte do hotel. Sem dúvida nenhuma, deveria ser sua mulher chegando para aquele
tão esperado momento.
O coach de idiomas se levantou precipitadamente, e conseguiu avistar a
passageira no banco de trás. Realmente, Lorac havia chegado.
Yared jogou a revista de volta sobre a mesinha. Passou com pressa pelo balcão
da recepcionista e seguiu para a área externa da hospedaria.
O professor Don Juan abriu a porta traseira do carro e lançou-se para dentro em
direção à passageira. O rosto de Lorac se iluminou ao vê-lo. Soltou o cinto de segurança
e apressou-se para alcançar o corpo do seu amante. Virou a cabeça ao encontro do roço
tão esperado. Yared a beijou apaixonadamente, comprimindo-a com força contra o
banco traseiro do veículo. Sua namorada retribuiu aquele beijo com ardor. Aquilo
pareceu uma dose de bebida energética injetada diretamente nas suas veias, estimulando
seu metabolismo com taurina – tipo Monster Energy erótico!
Em seguida, Yared pegou a única mala sobre rodas da ruiva, sacou sua carteira e
pagou sua viagem. Quando estava se distanciando do carro rumo à entrada do hotel, ela
pediu melosamente:
“Me abrace por favor, meu rei!”
Daí, Yared já tomado de uma atração desenfreada pela mulher, a envolveu em
seus braços e apertadamente a trouxe contra seu corpo. Permaneceram abraçados por
algum tempo, sem se mover. Pôde até sentir o coração dela batendo em seu peito, o
calor do seu corpo e a firmeza das suas coxas contra as suas. Lorac sentindo seu
membro se enrijecer ao contato físico, o apertou ainda mais para si e vasculhou sua boca
com uma língua quente e ávida por prazer.
Ela estava usando aquele vestido preto, curto, apertado e sensual novamente.
Parecia que o escolhia para circunstâncias românticas especiais. A noite prometia um
festival de amor e intimidade.
Desse modo, passaram pelo balcão para confirmar as informações do check-in e
subiram para o quarto que Yared tinha reservado para aquele encontro.
Estranhas revelações
Fizeram amor durante a noite toda. Fora uma noite de exaltado ímpeto, feérica
noite de prazer. Houve meramente umas poucas interrupções. Para comidas – frutas:
maçãs, peras e uvas. Para bebidas: água mineral e sucos de frutas naturais. Para banhos:
duchas quentes. Para conversas: picantes e íntimas.
No meio de um daqueles diálogos provocantes, Lorac começou a contar algo
deveras esquisito. Aquela narrativa inusitada deixou Yared atordoado. Confuso.
Atônito.
Ela lhe contou que certa vez, depois de uma briga com o ex-companheiro, fora
ajudada por algumas amigas. E que durante a tal conversa, havia chorado copiosamente
e manifestado um desejo camuflado de mudar sua opção sexual.
Assim se expressara, Lorac sem rodeios:
“Agora, entendo porque algumas mulheres mudam de preferência sexual e se
voltam para as meninas. Os homens são criaturas malignas. Nenhum homem vale o
amor de uma mulher!”
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Aquela revelação o deixou atordoado por um instante. As coisas pareciam ser
mais complicadas do que ele havia concebido antes. Aquelas palavras de Lorac o
levaram a sua própria interpretação dos episódios. Seu profundo senso da presença de
promiscuidade era duplo.
Por um lado, sua namorada parecia nutrir uma espécie de ressentimento
generalizado contra o gênero masculino. Por outro lado, ela havia mostrado um sinal de
bissexualidade. Esse já era outro problema.
Ele estava fantasiando?
E esse relato lésbico não parou com essa primeira revelação.
Lorac lhe disse que começara a se sentir atraída por garotas morenas – perfil
feminino preferido de seu ex-parceiro – desde que ele tinha começado a rejeitá-la e
abandoná-la sozinha quando saia em busca de aventuras com outras mulheres.
Ainda contou que certa vez, na ocasião em que eles estavam passeando por um
ponto turístico da cidade alta, uma linda garota olhara direta e demoradamente nos olhos
dela, ao que ela tinha correspondido.
Esse foi um fato surpreendente e até então ignorado que chegou a mexer com a
cabeça de Yared. Todavia, ele não levara aquilo muito a sério.
Na maioria das vezes, notara que as mulheres tendem a elogiar profusamente a
beleza, a elegância e as qualidades das demais.
Também Lorac confessou que, de forma alguma, tivera uma experiência
homossexual em toda a sua vida.
“Eu nunca fiquei com uma mulher, nem mesmo beijei uma.” – contou-lhe ela
assertivamente.
Ela havia lhe falado aquilo de uma forma tão séria que ele tinha ficado
prontamente persuadido.
Yared estava um tanto encafifado pelo fato de ela ter mostrado uma espécie de
aversão aos homens.
Além do mais, sua namorada havia começado uma campanha de acusações,
culpas e críticas contra ele, independentemente do esforço que ele fizesse para agradá-
la. Logo ele, que a enchia de mimos e excessos de atenção. Um número sem tamanho de
alertas vermelhos havia sido visivelmente disparado bem na sua frente.
“Os aplausos do perverso geralmente denotam alguma maldade e sua crítica implica algo
bom.” – Thomas Watson
Após o contratempo sentido por aquela confissão que lhe fora atirada na cara
sem qualquer preparação, desprovida da menor cerimônia e sem drama, Yared, sem
mais delongas, pôs um fim àquele bate-papo sinistro.
Convidou a artesã para descer e jantar num restaurante próximo que servia seus
clientes em mesas ao ar livre.
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À medida que comiam, a mulher compartilhou outro assunto surpreendente e
inusitado com o namorado que o deixou absolutamente intrigado. Contou-lhe que havia
sido convidada por uma amiga para ir a uma praia de nudismo num estado vizinho.
Como se já não bastasse, falou que tinha ficado doida com aquela ideia. Disse-lhe que
estava se preparando para ir muito em breve para o tal espaço de naturismo.
Yared tinha estado casado com a mesma mulher por mais de trinta e dois anos ininterruptos.
Ainda que não tenha sido uma união perfeita, ele mantivera um relacionamento estável e sossegado com
sua consorte. Seu casamento lhe havia dado três filhos, todos adultos agora.
O instrutor de idiomas era um homem não dado a grandes aventuras. Mantinha valores e
princípios em sua vida que sempre havia professado um padrão de bons costumes e normas da boa
convivência em sociedade.
Aquela ideia de sua mulher ficar completamente nua diante dos olhos de outras
pessoas era um troço difícil de engolir. Sua mente estava girando de tão confusa.
Aquele assunto tinha azedado completamente o clima do jantar que se tornou um
evento silencioso a partir de então. Yared sentiu um desalento agudo com aquela
revelação que ia de encontro aos seus valores quanto à moralidade e à sexualidade
sadias. Na sua opinião, Lorac pareceu devassa e exibicionista de todas as formas.
“E sabe de uma coisa? É melhor a gente dar essa conversa por acabada.” –
afirmou Yared de maneira decisiva.
“Nosso valores determinam o parâmetro segundo o qual avaliamos as outras pessoas e nós
mesmos.” – Mark Manson
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O fim de semana chegara ao fim. Era hora de o casal retomar suas vidas à parte
um do outro.
Segunda de manhã Yared chamou um táxi via app em seu celular. Assim que o
motorista parou na área de embarque do hotel, Lorac entrou no carro e foi para casa sem
dizer muito.
Yared morava a dois ou três quarteirões da hospedaria. Pegou seu caminho de
volta para casa, pensativo e pesaroso.
O homem apaixonado estava no relacionamento novamente. Mas, o humor que
estava permeando a relação era ambivalente. Tudo era o mesmo. Tudo era diferente.
Tudo estava diretamente em conflito com o princípio de tudo. Era difícil de entender e
explicar.
Sentia vontade de deixar Lorac. Todavia, ao mesmo tempo, sentia que não era
possível realizar tal façanha. Havia uma espécie de grude que o unia àquela mulher.
Ele começou a refletir sobre sua verdade interior. Estava além de toda
controvérsia o fato de que aquele sentimento nem de longe era amor. Possivelmente,
luxúria e sexo fossem o único adesivo que o prendia a ela. Yared tornara-se viciado na
provisão sexual de Lorac.
Podemos assimilar melhor o conceito de verdade, imaginando-a como um
poliedro, a figura geométrica de várias faces. O observador jamais consegue ver todas
as faces do poliedro ao mesmo tempo, não importa a posição que tome. É preciso que
ele se desloque em várias posições para conseguir enxergar todas as faces da figura – ou
da verdade.
Fingindo o clímax
67
em examinar com mais atenção um deles que lhe despertou a curiosidade mais
intensamente.
A capa estampava a imagem de uma mulher usando sapatos vermelhos de saltos
incrivelmente altos. Tinha um homem aos seus pés numa posição de submissão
completa lhe oferecendo um ramalhete de flores.
O ilustrador não poupara esforços para transmitir a ideia de superioridade do
sexo feminino. O desenho da mulher era em escala bem maior do que a do homem. A
dona, que mais parecia uma meretriz, exibia suas longas e bem torneadas pernas em
meias pretas e cinta-liga. Já a figura masculina fora retratada numa forma humilde –
quase uma figura de Lilliput diante daquela “deusa”.
Ao abrir o livro, Yared percebeu que tinha uma página com a ponta superior
virada para dentro marcando onde a leitura tinha parado da última vez.
Tema daquele subcapítulo: COMO FINGIR UM ORGASMO.
“Caramba!” – gritou ele para si mesmo.
“´Mas aí, existe um manual ensinando à mulher a representar um orgasmo fake
ao seu homem?!” – exclamou de maneira estupefata na sua reflexão à viva voz.
“Porra! Pensava que era uma estratégia exclusiva das prostitutas e garotas de
programa!”
No entanto, lá estava, bem nas suas mãos – o manual da ilusão orgástica
feminina. E aquele exemplar pertencia a sua amada Lorac.
Folheou algumas páginas numa leitura dinâmica. Havia vários trechos
sublinhados com marcador de texto de tinta vermelha. Engoliu em seco. Parou. Sentou-
se na beira da cama e se concentrou na leitura para descobrir os segredos daquele tipo
de farsa do chamado sexo frágil.
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Yared ficou boquiaberto, olhando incrédulo para aquele texto, e teve uma
sequência de flashbacks percorrendo sua mente como um filme acelerado sendo
projetado de trás para a frente.
As instruções do livro se assemelhavam quase cem por cento ao comportamento
sexual que sua amante vinha apresentando na cama. Não podia ser uma mera
coincidência. Havia muitos pontos em comum.
De ímpeto, Yared lembrou da primeira transa que tivera com Lorac na noite da
massagem tântrica. Naquela foda, e unicamente naquela vez, ela tinha gozado de uma
forma muito intensa e com gritos.
Ficou em dúvida. Fora fingimento? Ela não tinha sentido prazer verdadeiro?
Fora tudo uma encenação? Um teatro, talvez? Uma cena de filme pornô caseiro? Uma
mentira?
E é certo que depois de um certo tempo na relação, Lorac vinha mostrando uma
certa anorexia de intimidade. Na maior parte das vezes, evitava as preliminares. Pedia a
Yared para ir direto para a penetração. Parecia ter pressa em finalizar o coito.
Seu comportamento se assemelhava àquele ensinado no manual, e logo depois
que eles terminavam o ato sexual, ela se levantava. Ia ao banheiro, e tomava uma
chuveirada. Trocava de roupa e saía do quarto para seus afazeres de rotina.
Faltava conexão com o seu parceiro. Era um liga-desliga mecânico. Automático.
Sem entrega genuína.
Como um relâmpago que havia caído sobre sua cabeça, trazendo-lhe a luz do
esclarecimento, Yared se conscientizou que estava vivendo um pseudo-relacionamento
com aquela companheira. Estava enleado numa rede de equívocos sobre a personalidade
dela.
Buscou com afinco por uma visão mais amadurecida e mais clara da realidade, a
qual lhe desse condição de compreender aquele cenário que se descortinava diante de si.
Necessitava retirar o véu que encobria seus olhos.
Repentinamente, entendeu que nada havia sido real. Tudo era falso. Apenas um
jogo em que ele estava sendo usado. Yared estava envolvido em meio a uma larga teia
de manobras indiretas e sutis perpetrada pela ruiva, tornando difícil perceber suas
manipulações. Até a gozada da sarará tinha sido puro fingimento?! Estava possesso de
ira e de desonra, fora ludibriado.
“Puta merda!” – berrou ele dentro do quarto com rugas entre as sobrancelhas
caídas e lábios apertados.
“Como tenho sido um idiota! Isso é um jogo. Essa narcisista tem planos
escusos. Cai numa arapuca. Ela tem uma agenda, e conquistou minha mente e coração
encobrindo todos os seus atos em cortinas de fumaça.” – continuou ele, levando em
conta o que vira, pensando em voz alta e de maneira furiosa.
Yared estava angustiado, seu espírito desolado e seu coração perturbado por ele
ter se rebelado contra os alertas que havia soado estrondosamente na sua frente ao longo
daquele love affair.
Estava chegando à conclusão de que independentemente do que ele dissesse ou
de como agisse, aquela mulher de modo algum o amara ou viria a amá-lo de verdade.
TRACTRACTC!
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A maçaneta da porta de entrada do apartamento soltou um ruído de metais se
atritando. E esse rangido trouxe Yared de volta à realidade: seu convencimento de que
“as coisas são como são” se fazia necessário.
Era Lorac que tinha chegado das suas pedaladas. Ele rapidamente colocou o
livro de volta na estante e se dirigiu para sua mesa de trabalho. E aquela casa que antes
lhe parecera um paraíso, agora tinha se transformado no seu inferno na Terra.
Provocando ciúmes
O casal enamorado adorava sair para dançar nas noites de final de semana. Eram
momentos prazerosos regrados a cervejas para Yared, e coquetéis
multicoloridos alcoolizados para Lorac. Apreciavam também frutos do mar
para acompanhar os drinks – camarões fritos no alho e óleo ou agulhinhas grelhadas
com batatas.
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Certa noite, ao chegarem no seu espaço de happy hour predileto, se sentaram a
uma mesa próxima e em frente à banda que estava tocando e cantando músicas
populares para entreter os clientes da casa.
Num determinado momento, Yared olhou para Lorac que estava fitando o
vocalista do grupo.
“Opa, que exibição de charme é esse? E essa cara? Parece que tá gozando!
Que porra é essa, Lorac!? Na minha frente?!” – reclamou ele indignadamente.
“Nada a ver. Me deixe curtir as músicas que eu amo. Lá vem você com esses
ciúmes exagerados.” – procurou se justificar ela num tom de crítica.
“Nada a ver digo eu. Isso não é curtir, minha querida. Isso é: Você quer transar
comigo depois do show?” – devolveu ele sarcasticamente.
“Que saco, Yared! Você não me deixa me expressar como eu quero.” –
protestou a ruiva.
“Você pode se expressar como quiser, mas ficar dando em cima do cara na
minha frente, não aceito.” - se posicionou decididamente o linguista.
“Caralho! Isso não é liberdade de expressão. É desejo de libertinagem. Não é
assim que a banda toca não minha querida!” - afirmou o homem com os olhos
apertados de irritação e voz entrecortada de revolta.
Lorac, fulminando de raiva, se levantou e foi para o toilette. Passaram-se quinze
minutos e ela não voltou. Mais quinze minutos sem retorno. Mais meia hora e nada.
Yared continuou na mesa bebendo e comendo. Depois de uma hora de ausência,
aquela dona de cabelo de cobre voltou com um sorriso desavergonhado no rosto como
se nada tivesse acontecido.
“Pede mais uma bebida colorida daquela pra mim, meu rei.”
Yared acenou para o garçom e pediu mais uma bebida alcoólica doce para a sua
namorada. E mais uma cerveja estupidamente gelada para ele. Precisava digerir melhor
aquela cena toda.
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Violência gratuita
“Os narcisistas odeiam se sentir desafiados ou confrontados e qualquer tentativa de conversar
ou mesmo assinalar o seu mau comportamento pode causar uma explosão de fúria. Qualquer ameaça
intencional ou não, ao seu falso eu idealizado, ou seja, a sua auto-imagem de perfeição e superioridade,
pode detonar a sua ira.” – Lucy Rocha
O anel perdido
A ruiva contou a Yared que quando muito jovem, ainda na casa de sua mãe, havia se
envolvido num caso muito violento.
Dessa vez, não com sua irmã adotiva, como era de praxe, porém com a
empregada doméstica da família.
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Uma certa joia sua fora dada por perdida ou desaparecida, por ela não a ter
achado quando precisou usá-la.
A jovem procurara o anel no seu guarda-roupa na gaveta onde costumeiramente
o colocava depois do uso. Em vão. Sobre os armários. Sem resultado. Na estante de
livros. Sem sucesso.
Em determinado momento, lhe ocorreu que a serviçal deveria ter roubado seu
pertence.
Daí, decidiu resolver aquele problema confrontando sua secretária doméstica
cara a cara.
Certa tarde, depois que a sua mãe havia saído com a sua irmã, e a casa estava
vazia, a patroa chamou a empregada para o interrogatório.
“E aí? Confessa! Foi você que roubou meu anel, não foi? Desembucha sua
ladra safada!” – gritou a cabelo vermelho.
“Não patroa. Eu não peguei nada. Deve tá em algum lugar. A senhora já
procurou com cuidado?” – tentou se proteger a moça.
“Tá me chamando de mentirosa sua escrota?” – berrou a dona da casa
dominada pela raiva.
“Meu Deus! Não, patroa. Perdão, não disse isso. Vamos procurar direitinho?”
– implorou a secreatria do lar já em pranto.
“Nada disso! Vou resolver essa parada do meu jeito! Vou te ferrar!” –
vociferou Lorac ameaçadoramente.
Pouco se lixando com as palavras da doméstica, a sarará foi até a porta da
frente. Trancou-a. Tirou a chave. Jogou-a para dentro da blusa. E partiu para as vias de
fato.
“Quebrei ela toda no pau. Vi o sangue escorrer pela cara dela. Me vinguei
daquela ladra sem-vergonha. Afinal de contas, meu taekendô servia para alguma coisa.
Depois mandei ela ir embora antes que minha mãe chegasse.”
trauma de Beth
Numa de tantas conversas que costumava ter com Yared no que dizia respeito a
sua vida pregressa, Lorac se pôs a narrar um ato de violência que tinha praticado contra
o então parceiro bem na frente da sua filha.
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“Tirei minha filha pequena do colo. Ela acordou. Botei ela sentada de lado.
Pulei pra o banco da frente.”
“Soquei a cara dele com toda força. Detonei o nariz dele com vários socos.
Aquele cabra safado começou a sangrar. Os óculos dele viraram pedaços.” – contou
ela com certo orgulho e um sorriso sádico característico.
“Tomei a chave do carro e levei minha família pra casa em segurança. Não me
arrependo daquilo não. Ele teve o que mereceu.” – concluiu a mulher triunfalmente.
Yared precisou levar aquela criança que presenciara tamanha violência da mãe contra o pai para
sessões de terapia infantil. A menina tinha distúrbio do sono e acordava nas madrugadas com pesadelos
devido ao trauma por presenciar aquele ataque de fúria gratuito.
73
Parte 3
Mulher insensata
Capítulos 8-12
74
o Plano de parto
o A senha do meu celular
8
Lorac e seus dois maridos
“...mais amarga que a morte é a mulher cujo coração está recheado de armadilhas e redes, e cujas mãos
são como grilhões.” – Cohélet
Gargalhada da bruxa
E ra uma manhã comum de um dia qualquer daquele Anno Domini de 2018. Lorac
estava muito atenta na sua máquina de costura consertando um vestido que ela
mantinha em seu guarda-roupa desde a época em que era adolescente. Yared se
encontrava debruçado sobre seu notebook para finalizar um projeto de trabalho.
A casa estava tranquila e silenciosa. Beth – a filha de Lorac – estava na escola
que ficava a uns dois quarteirões do condomínio. Yared tinha levado a criança para
estudar como costumeiramente fazia.
Podia-se ouvir nitidamente qualquer ruído à parte do barulho do motor da máquina da
estilista.
Nesses dias, a casa tinha um hóspede de sete vidas. Michael como era chamado.
Era um pet demasiadamente levado e esperto. O bichano saltava do sofá da sala para
cima da mesa, e vice-versa. Corria como um doido por dentro do restrito espaço interno
de 35m2 do apartamento. Batia malucamente a cabeça contra a porta da frente da casa.
Pulava para cima da cama do casal. Rodopiava. E voltava a correr, ziguezagueando.
Parecia o motoqueiro dando voltas e mais voltas naquela atração circense chamada de o
Globo da Morte. Eram muitas peripécias ao longo do dia, da tarde e até da noite
também.
Subitamente, o gatinho se embrenhou por debaixo das pernas da sua dona, indo
lamber seus pés. A mulher de imediato, soltou um suspiro ofegante e falou
espalhafatosamente:
“Eu adoro ter dois machos aos meus pés!”
Ato contínuo, Yared ouviu a maior, a mais estridente e fiel reprodução da
gargalhada de uma bruxa que ele jamais havia escutado. Sequer em filmes de
Hollywood! Nunca ouvira um som semelhante de nenhum ser vivo. Aquilo foi
simplesmente escandaloso e patético.
Como assim dois machos? Afinal de contas, Yared era o único homem da casa.
Ela estava colocando os representantes do sexo masculino – o felino e seu homem – no
mesmo nível? Ou?
Bem, o linguista estava muito atarefado naquele momento para tentar decifrar
aquela sinistra explosão de satisfação sádica expressa pela sua parceira em forma de um
riso escalafobético.
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Todavia, a impressão daquele estridor arrepiante ficou indelevelmente
estampada na sua memória.
Lorac não perdia ocasião de contar com riqueza de detalhes episódios no que
dizia respeito a sua vida antes de conhecer Yared. E ela não tinha limites ou barreiras
nessas narrativas. Ele não apreciava muito aquelas histórias. Acreditava que as
experiências vividas entre um casal deveriam ficar guardadas a sete chaves.
Conservadas na intimidade dos seus corações. E não eram para ser espalhadas ao vento
sem um motivo verdadeiramente importante e necessário.
Yared pouco, ou quase nunca, narrava sua vivência de outros relacionamentos –
bons ou tóxicos. Respeitava aqueles seus momentos íntimos e a memória das outras
mulheres. Por outro lado, também, se dava bem em bloquear da sua memória coisas
dolorosas e desnecessárias.
Inversamente, a ruiva sentia um certo prazer mórbido em lhe contar os
acontecimentos pretéritos, inclusive com todos os pormenores e colorido emocional.
“Sabe?” – iniciou ela, inquisitivamente.
“Numa fase da minha adolescência, eu tive um namoradinho que não era muito
no meu padrão de beleza masculina, mas ele era legalzinho. Eu me apeguei a ele.”
“Você namorava com o cara sem gostar dele?” – perguntou Yared com
curiosidade e surpresa.
“Eu gostava, mas não era apaixonada não. O cara era uma companhia legal.
Realizava meus desejos. Fazia minhas vontades. Era um babaca. Mas pra mim era bom
ficar com ele.” - foi explicando a sarará cinicamente.
Yared, a essa altura, já delineando traços de perplexidade em seu semblante,
perguntou boquiaberto:
“Tá brincando? Mas isso é ser interesseira, não acha?”
A mulher de cabelos vermelho-dourados comentou sem rodeios ou escrúpulos:
“Eu não queria saber de nada. Só queria alguém pra estar junto de mim, e que
me amasse. Aliás, eu sempre gostei de fazer o quê me desse na telha, sabe?”
Os olhos de Yared aguçaram-se repentinamente:
“Tá, mas por que vocês acabaram o namoro?”
“É o seguinte.” – continuou Lorac enfaticamente.
“A cascavel da mãe dele, certo dia, me chamou pra levar um papo. Já fiquei
cismada com aquele convite, mas fui falar com a peste. E ouvi umas coisas bem
agressivas dela.”
“Agressivas? Como assim? Por que essa tua opinião sobre ela? Explica melhor
isso aí.” – pediu Yared impacientemente.
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“Há pessoas que se apegam à sua opinião não porque seja verdadeira, mas porque é sua.” –
Agostinho
Cosméticos e o carro
“Os narcisistas estão mais preocupados com o modo como se apresentam do que com o que
sentem. De fato, eles negam quaisquer sentimentos que contradigam a imagem que procuram apresentar.
Agindo sem sentimento, tendem a ser sedutores e ardilosos, empenhando-se na obtenção de poder e
controle.” – Alexander Lowen
Além da pequena casa de sapé situada numa área afastada da vida urbana que
Lorac havia, por assim dizer, herdado do empresário sexagenário, ela contou que o cara
lhe havia investido em cursos sem conta durante a vigência do casamento.
Começando com aulas para modelo a fim de endireitar sua postura, que era um
pouco corcunda e com andar desengonçado, até formações nas áreas de maquiagem,
beleza, estética, moda e alta costura.
Ela havia prezado pelo seu conhecimento. Não era uma garotinha inocente e
alienada. Era uma jovem mulher que almejava sucesso e, por isso, estava sempre se
informando mais e mais.
Um dia, Yared acessou um blog da época em que sua companheira estava
envolvida com o universo da moda e da maquiagem.
Na seção do perfil e da bio, ele leu sobre os objetivos, gostos, hobbies, estilos
musical e cinematográfico de Lorac. No item filme preferido, lia-se: O DIABO VESTE
PRADA.
Com grande probabilidade, a predileção por aquela película não se devia
meramente ao tema que dizia respeito ao mundo da moda ou a cultura corporativa do
mundo da revista Runway. Yared estava de todo convencido que Miranda Priestly e Ani
Lorac compartilhavam personalidades extremamente afins – ambas com uma face
“diabólica”, dadas à violência psicológica e assédio moral praticados de uma forma ou
de outra.
É evidente, como consequência, que qualquer semelhança da chefe abusiva do
filme com a realidade do comportamento da estilista ruiva não era mera coincidência.
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Yared tinha percebido que o relacionamento pelo qual alguns homens sacrificar-
se-iam sua vida para ter com uma mulher daquela poderia simplesmente acabar com a
dele.
Sua convivência com o playboyzinho sempre fora conturbada e cheia de idas e
vindas. Numa dessas idas, Lorac aparentemente separada do cara, deu um jeito de
repescar o ex marido para perto de si.
Durante um intervalo de tempo que ela não tinha revelado, esse tal pedófilo
idoso, sem qualquer coisa em troca, de acordo com a versão de Lorac, lhe prestou uma
solícita ajuda para ela assumir a função de representante comercial de uma famosa
empresa de cosméticos e produtos de beleza. Deixou as chaves de um carro nas mãos da
sua ex mulher.
Reza a lenda que o empresário falido frequentava sua casa naqueles dias, e ela
usava seu carro para trabalhar.
Numa conversa, numa dessas visitas, supostamente desinteressadas, o cara lhe
fizera a proposta para que ela engravidasse de uma filha dele e a desse para ele criar!
Essa proposta conseguia ser mais indecente do que aquela do filme, no qual o
casal estava passando por uma crise financeira, e depois que tinham perdido tudo no
jogo em Las Vegas, um milionário misterioso ofereceu uma solução: um milhão de
dólares se ele pudesse dormir com a mulher do cara – PROPOSTA INDECENTE com
Demi Moore e Robert Redford.
Parece, de fato, que a arte imita a vida. E que Hollywood se inspira nas vidas de
pessoas reais para escrever seus roteiros campeões de bilheteria.
Bom, se a ajuda com o carro foi sem o menor lampejo de interesse de alguma
coisa em troca, esse cara devia ter descoberto o método de concepção pelo divino
Espírito Santo.
De acordo com a dona de cabelo ruivo acobreado, ela decidiu entregar as chaves
do carro de volta quando ele fizera um comentário com um tom um tanto erótico sobre
Beth.
No entanto, coincidentemente, ela também contou que foi quando ela havia
desistido das vendas e o playboyzinho já estava para voltar que a ajuda fora dispensada.
O contrato de escambo ou parceria tinha chegado ao fim. Desta maneira, naturalmente,
foi apenas uma questão de troca de parceiros. Lorac e seus múltiplos amantes! Que
espécie de insanidade embutida havia naquele comportamento?
A motorista
“É melhor viver numa terra deserta do que com uma mulher que reclama e resmunga.” – Shelomo
Os fieis adultos da religião professada por Lorac usavam uma espécie de talismã
pendurado no pescoço como sinal da sua fé no fundador e no seu poder de cura
milagrosa.
Da mesma forma, as crianças podiam usar tal amuleto com o consentimento dos
responsáveis e após uma cerimônia que era realizada formalmente diante do altar
daquela instituição religiosa.
Chegara o dia da filhinha de Lorac receber sua suposta proteção divina em forma
de pingente. Tudo tinha sido arranjado e preparado para aquela noite especial e
memorável.
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Yared, usando seu aplicativo de transporte, solicitou um carro ao chegar a hora
de irem para a igreja. O casal e a criança estavam elegantemente trajados para a ocasião.
Como de costume, Lorac esbanjou beleza, elegância e charme. Escolhera um
vestido com aparência vintage dentre a coleção que mantinha no seu guarda-roupa
desde a época de estilista. Yared estava formalmente vestido numa calça social preta e
uma camisa branca. Já a menininha estava usando um vestido infantil com um belo laço
na cintura e com um diadema branco que sua mãe colocara sobre sua cabeça.
Desceram do apartamento. Caminharam sorridentemente em direção ao carro.
Porém, quando Lorac viu que quem iria conduzir o veículo era uma bonita motorista, de
imediato, reclamou resmungando:
“Quem vai na frente sou eu! Você vai atrás com Beth cuidando dela na
cadeirinha.”
“De jeito nenhum. Você sabe que a menina adora ir com você. E outra, ela se
achega a você e dorme no seu colo. Pode deixar que eu vou na frente como de costume
em todas nossas viagens.”
“Não!” – disse Lorac a ponto de gritar e já com a mão na maçaneta da porta
dianteira.
Yared, se precipitou um pouco, terminou de abrir o carro, e disse decisivamente:
“Pode entrar e ocupar seu lugar junto da sua filha. Eu não vou comer a
motorista aqui na sua frente e da criança!”
Lorac lhe dirigiu um olhar fulminante. Sem dizer mais nada embarcou ocupando
o banco traseiro.
E assim permaneceu olhando pela janela emudecida – sentada ao lado da filha
durante uma hora de percurso sem abrir a boca uma só vez – desde a saída do prédio até
a chegada à igreja. No decorrer de toda a solenidade religiosa. Até chegarem tarde em
casa naquela noite.
Yared, por sua vez, não valorizou aquela falta de comunicação. Tomou banho.
Comeu alguma coisa. E foi para o quarto dormir sem também falar uma palavra sequer.
9
A dança do ventre
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“O meu tratamento de pacientes narcisistas é dirigido no sentido de ajudá-los a estabelecer contato com
seus corpos, a recuperar seus sentimentos suprimidos e a reaver sua humanidade perdida. Tal
abordagem implica trabalhar para reduzir as tensões e a rigidez musculares que refreiam os sentimentos
da pessoa.” – Alexander Lowen
As origens
A dança é universal para o ser humano. É tão crítica para o bem-estar e a identidade coletiva que
as tentativas históricas e contemporâneas dos governos e das igrejas de proibir sua prática acabam
fracassando. As mulheres dançarinas frequentemente suportam o peso dessas tentativas devido aos
códigos culturais relativos ao corpo feminino e ao seu lugar na sociedade. A dança do ventre, uma dança
tradicionalmente feminina, tem resistido a estes desafios através da tenacidade pessoal e das habilidades
de dança das mulheres que a executam. Como o gênero das dançarinas do ventre é tão fundamental para
nossa percepção e recepção da arte, é um tema recorrente nas histórias que conto. Dançarinas do Egito – o
lugar de nascimento da dança do ventre, e da América – onde assumiu um novo tom, apresentam
variedades únicas da dança.
Estas variedades foram desenvolvidas dentro de contextos e forças interligadas: econômicas,
religiosas e corpóreas, cada uma tendo um impacto sobre as relações de gênero locais e sobre o status da
dança.
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antigos rituais norte-africanos, como descrito por Dinicubrindo suas irmãs do ventre nos eventos de
nascimento. Outros se apresentam em duches de bebês e casamentos e recepções de casamento de acordo
com as práticas norte-africanas. Muitas mulheres continuam a dançar e se apresentar através de sua
gravidez como um símbolo, talvez, de sua adequação para uma mulher grávida.
Festival árabe-cigano
Yared sempre comentava com sua parceira que adorava a arte da dança do
ventre. Dança surgida no Egito com movimentos ondulatórios e batidos de quadril, em
que as mulheres reverenciavam a fertilidade e celebravam a vida.
Pela beleza dos movimentos. Sensualidade das dançarinas. Ritmo da batida. O
erotismo das roupas das mulheres. E tantos outros detalhes intensamente apreciados
daquela cultura, o empreendedor de idiomas era fã de carteirinha daquele estilo de dança.
Por sua vez, Lorac já havia feito aulas de dança do ventre. Ambos tinham
afinidade pelo tema, sobre o qual gostavam de conversar e assistir vídeos de
apresentação com belas dançarinas.
Aconteceu que surgiu uma oportunidade para Lorac fazer apresentação das suas
obras de arte num festival árabe-cigano que era realizado anualmente por integrantes de
escolas de dança, músicos e associações de artesãos e artistas plásticos. O evento estava
para ser realizado em breve. Através de uma amiga das antigas – do arco-da-velha – a
artesã tinha sido convidada para montar um estande nessa festa.
Lorac conversou com Yared e ele aceitou patrocinar seu espaço de vendas no
festival. A decisão do curso designer alegrou sobremaneira a ruiva pela oportunidade de
marketing e de rever ao vivo as performances de danças árabes e ciganas que seriam
apresentadas durante a exposição.
Na tarde do evento, Lorac já estava com todo seu repertório das melhores e mais
bonitas peças de artesanato pronto para levar para o local da exposição. O casal
juntamente com Beth seguiu rumo ao espaço que ficava situado num casarão numa área
estilosa da cidade.
Eis que ao chegarem ao lugar do evento, foram cortesmente recepcionados pela
anfitriã e conduzidos ao estande onde Lorac deveria expor suas peças de arte.
Yared não somente ajudou na montagem da exposição da sua namorada, mas
também atuou como seu representante comercial. Dava informações aos visitantes sobre
as peças, sobre a artista, e sobre os preços e forma de pagamento.
O linguista estava feliz por poder proporcionar aquela oportunidade a sua
amada.
E além do mais, o evento se mostrara muito legal. Música temática. Mulheres
lindas. Comida deliciosa. Boas bebidas. O investimento estava dando um retorno muito
além do que ele havia esperado.
Chegou o momento da exibição dos números de dança do ventre – o ápice do
show. Houve apresentação não somente solo, mas também em duplas e em grupos.
Tudo de gosto refinadíssimo e performances esmeradas.
Quando terminou o espetáculo musical e os shows de dança, o casal voltou para
seu estande. Aí, Lorac, com uma voz de gatinha manhosa, se aproximou do seu parceiro
e foi falando:
“Meu rei, compra uma roupa de dançarina do ventre pra mim. É linda! Quero
voltar às aulas de dança como te falei. Compra por favor!”
81
O professor Don Juan fitou aquele olhar apertado, aquele sorriso pedinte, aquele
cabelo tom de âmbar. Seus olhos cobriram-na de forma lenta da cabeça aos pés daquele
corpo sinuoso e respondeu-lhe maliciosamente:
“Compro! Mas só se você dançar pra mim hoje à noite. Topa?”
Lorac olhou de maneira sedutora para ele, mexeu na sua cascata de cobre e
acenou afirmativamente:
“Danço com todo prazer, meu rei!”
Tudo que Yared queria ouvir para financiar a sensual indumentária árabe-cigana
para sua parceira romântica.
Em casa, depois que a criança dormira, Lorac após ter permanecido por um
longo tempo numa ducha quente e perfumada à base de 212 Sexy Carolina Herrera Eau
de Parfum, trancou-se no quarto do casal e se demorou por cerca de duas horas, depois
das quais, Yared ouviu numa voz charmosa do outro lado da porta:
“Vem pra cá, meu rei. Tô pronta pra apresentação – vou cumprir minha parte
do acordo.”
Ele que já estava um tanto ansioso por aquele momento. Seguiu sem hesitar para
o dormitório depressa.
Tudo tinha sido preparado esmeradamente pela dançarina ruiva. O recinto estava
na penumbra. À luz de velas aromatizadas. O som de uma música árabe com uma batida
inebriante ecoava no quarto. Lorac estava deslumbrantemente vestida num traje
espetacular. Fora especialmente desenhado para a dança dos sete véus: sobressaia de
lenços de cetim soltos com moedas e guizos com o cós vermelho acompanhado por um
véu de rosto e outro véu de cabeça com testeira. A roupa caíra de forma perfeita no seu
corpo de curvas largas e reentrâncias profundas onde cruzavam-se sombra e luz num
jogo de mistérios.
Um detalhe intrigante lhe chamara a atenção – sua bela dançarina tinha
comprado uma joia. Era uma naja prateada, cujos olhos eram duas incrustações de
pedras de Ágata de Fogo, e estava ostentando uma língua escarlate projetada para fora
da boca. Lorac estava usando aquele acessório em torno da sua cintura delgada. A
cobra-peçonhenta de prata fora posicionada repousando sobre seu umbigo.
Yared ficou momentaneamente tonto naquele ambiente exalando sensualidade
por cada milímetro quadrado. A mescla da luz de penumbra, aroma afrodisíaco, música
sensual e a beleza regrada a kundalini da sua namorada, lhe fizeram ser transportado
para uma “aventura das mil e uma noites” prometendo o maior dos prazeres que um
homem poderia desfrutar aqui na terra.
Sem mais delongas, sentou-se no meio da cama e reclinou-se para trás sobre um
grande e macio travesseiro encostado contra a parede. Como um verdadeiro sultão,
estava pronto para apreciar a apresentação da sua dançatriz preferida de um harém com
uma única mulher – Lorac!
A dançarina do ventre começou a se movimentar ao ritmo daquela batida
cadenciada embriagadora. Seus quadris oscilavam para um lado e para o outro. Seus
braços se moviam para cima e para baixo numa coreografia que se assemelhava ao
passeio de uma serpente sobre a relva.
Numa parada rítmica da melodia oriental, a bailarina tirou sua minúscula
calcinha preta de renda e a atirou em direção ao seu único espectador.
82
O coração de Yared parecia querer sair pela boca. Estava com uma ereção
duríssima por baixo da almofada que tinha colocado sobre o colo. Todavia, precisava
esperar a conclusão daquela performance dos deuses antes de qualquer investida mais
arrojada.
A música tocou seu último acorde. Yared se levantou. Tomou Lorac pelos
braços. Apertou-a contra si. Ela soltou um gemido de prazer. Ele a jogou sobre a cama.
Tirou sua única peça de roupa – uma cueca box – e se enroscou na sua serpente
personificada.
Yared colocou a cabelo ruivo acobreado de quatro sobre a cama. Puxou e
segurou possessivamente sua cascata de cobre como se fosse as rédeas de uma potranca
selvagem no cio a ser domesticada. E começou a estocar a dançarina com sofreguidão.
Foram penetradas rápidas e fortes. Seu membro ocupou apertadamente todo o espaço
daquela vagina margeada de pelo âmbar vermelho e já toda lubrificada com o mel
brilhante e delicioso do prazer. Lorac gemia em êxtase. Mexeu seus quadris para
recebê-lo ainda mais fundo e falou:
“Crava, meu rei! Até o talo! Detona!”
O som daquelas palavras impediu Yared de segurar seu gozo por qualquer
segundo a mais. Ele explodiu num jato torrencial do líquido da vida.
Ambos tiveram um orgasmo intenso – pelo menos pela parte dele isso fora real.
Yared ejaculou dentro do corpo da dançarina. Foi uma experiência sexual
inesquecível não somente para Yared – mas quiçá também para Lorac igualmente.
10
Flor de Lótus
“ccccc
Bebê a bordo
83
“Afinal, seria meu quinto filho. Tenho muita experiência no ramo e posso
assumir nosso bebê do lado material e do lado afetivo. Relaxe e vamos curtir a bienal!”
– complementou ele.
O Centro de Convenções estava entupido de gente e de livros. Livros
maravilhosos que encheram as vistas de Yared. O casal passeou na maior parte do
tempo pelos estandes apreciando os mais recentes lançamentos literários do país.
Compraram três livros – um para ela e outro para ele, além de um exemplar
infantil para Beth.
No regresso para a hospedaria, Yared parou o carro numa pequena farmácia do
bairro, onde estavam hospedados. Dirigiu-se ao balcão de atendimento e perguntou pela
farmacêutica responsável antes de confirmar a compra do kit de teste para gravidez.
“Boa noite! Tenho algumas dúvidas sobre esse produto aqui e gostaria de
perguntar à responsável, pode ser?”
“Claro, senhor. Vou chama-la agora mesmo.” – respondeu a atendente com um
sorriso cordial no rosto.
“Pronto, senhor. Pois não? Posso ajudá-lo?” – inquiriu a farmacêutica com
uma voz polida.
“Minha mulher está com a menstruação atrasada. A gente quer saber se esse
teste é confiável ou não. Poderia nos dizer como funciona?”
“Esse teste deve ser feito a partir do primeiro dia de atraso menstrual. Mas, se
o resultado desse primeiro teste for negativo e a menstruação ainda estiver atrasada,
ou ela tiver sintomas de gravidez deve repeti-lo.”
“Então, funciona mesmo né doutora?”
“Esse kit que o senhor escolheu é o mais confiável e eficiente para diagnosticar
uma gestação em curso, seja ela planejada ou não.”
“Tá legal! Vou levar esse. Obrigado.”
Yared pagou. Voltou para o volante e retornaram para o hotel.
Assim que entraram no quarto, Lorac correu para o banheiro. Depois de um
momento, ela chamou seu parceiro até o toilette.
“Olha aqui! Dois tracinhos vermelhos. Você vai ser pai. O que vamos fazer?”
“Nada! Já fizemos. E tá aí dentro de você. Agora é só esperar nove meses e
receber a encomenda.” – respondeu Yared sorrindo.
Meu níver
A nota fiscal
85
Certos pensamentos de inquietude e cisma pairaram na mente de Yared. Fez as
contas da tabela menstrual de sua mulher novamente. Buscou uma retrospectiva na sua
memória. Tudo certificava a gravidez de Lorac para a noite da dança do ventre.
Todavia, era algo indefinido. Não era um pensamento lógico. Não era uma
análise ponto a ponto – passo a passo. As questões não só significativas, mas de extrema
valia para a vida contêm mais pontos que jamais poderiam ser processados! Talvez
fosse o que se chama de intuição.
Começou um monólogo consigo mesmo:
“Ah, que se lixe essa tal de intuição! Vou ser pai novamente. Isso que importa.
Vou constituir uma nova família com minha linda ruiva e seremos muito felizes.”
No entanto, tais pensamentos de novo afloravam com certa obstinação causando
uma ansiedade indefinida em Yared. Ele precisava avaliar a situação realisticamente.
Foi por isso que ele resolveu dar uma espiada no celular de Lorac. Foi direto para o
WhatsApp de conversas com o ex-parceiro da mulher. Rolou a janela do aplicativo a
fim de encontrar alguma pista que confirmasse ou negasse suas suspeitas.
Não gostou muito da troca de mensagens que leu. Pareceram muito próximos.
Quase íntimos.
Mesmo tendo sido trocado por Yared, o cara tratava a ex mulher com muito
carinho e prestatividade. Mesmo o linguista tendo ido morar com sua ex parceira e filha
apenas dois meses depois da separação, o playboyzinho se mostrava demasiadamente
solícito com a dona de cabelo acobreado. Parecia, de forma alguma, ter superado o
rompimento.
Que desapego invejável! Que generosidade exemplar! Aquela forma de aceitar
sua relação com a ex mulher por parte do cara era simplesmente enigmática para Yared.
Aquele comportamento ultrapassava a afetividade e a máxima do “amai ao próximo
como a ti mesmo”.
Porém, ele estava aliviado de não ter descoberto nenhuma prova
comprometedora. E para se fazer justiça, não havia nada de concreto que implicasse
infidelidade da parte de Lorac e desabonasse sua conduta como esposa.
Verificou que eles haviam trocado mensagens até pouco antes do raiar do dia, e
que haviam curtido bastante a festa de casamento. Nada comprometedor, todavia.
Fechou o aplicativo e pôs o aparelho de volta sobre a penteadeira.
O gato de Schröndiger
Ainda que tivesse saído da condição de alto risco para uma de risco moderado,
Lorac andava em demasia nervosa e estressada no decurso de toda a gravidez.
Num número demasiado de vezes, Yared ao seu lado, a ajudava a levar uma
gestação tranquila dentro da medida do possível. Presente em todos os exames pré-
natais e consultas, ele de fato estava exercendo sua função paterna desde a concepção da
criança.
Todavia, Michael não entendia muito a situação, e estava até demonstrando
certos ciúmes pois sua dona agora tinha diminuído sua atenção para com ele. Tornou-se
extremamente peralta, e até agressivo com Lorac.
Certa manhã, depois que ele urinou na cama do casal, coisa que jamais tinha
feito, sua dona, descontroladamente, o pegou e o surrou para valer. Descarregou sua
tensão no gato sem culpa.
86
Mas, os inocentes pagam pelos pecadores, não é mesmo? Pelo menos assim diz
o provérbio popular. E quem seriam os pecadores naquela história toda?
O casal decidiu doar o bichano para que a paz voltasse a existir naquele reino em
pé de guerra. Fizeram vários contatos. Puseram muitos anúncios. Nenhuma resposta
positiva. Até que... uma velha amiga advogada de certa idade do ex casal, desde longa
data, não opusera objeções em receber o gato para adoção.
Combinaram a entrega para um domingo. Ficou acertado que Yared iria para a
casa da sua mãe. Almoçaria com ela e voltaria na parte da tarde. Lorac iria para a casa
da tal amiga no carro do pai de Beth a fim de fazer a entrega do animal.
Três horas depois do almoço, Yared se despediu da sua mãe e pegou um coletivo
de regresso para o lar que estava se esforçando para constituir com Lorac.
Ele havia assumido todas as despesas do imóvel e das contas básicas fixas da
família. Lorac se encontrava impossibilitada de trabalhar em virtude do risco da
gestação. Sua posição naquela célula de núcleo familiar não era apenas de pai da criança
esperada, mas de esposo e dono de casa.
Já adentrando a noitinha, ainda no ônibus, o celular de Yared tocou. Era Lorac
procurando saber que horas ele iria voltar para casa. O linguista disse que já estava perto
da parada final e que iria comprar alguns itens para o jantar.
Assim que chegou em casa, ele foi até a cozinha e descarregou as compras e
enfiou elas em qualquer espaço vazio que conseguiu achar. Em seguida, colocou os
pães, manteiga, queijo e leite sobre a mesa e foi logo perguntando:
“Como foi lá na casa da sua amiga? Michael se adaptou bem?”
“Tudo tranquilo. Agora tô livre daquele sapeca.” – respondeu Lorac mostrando
satisfação e alívio.
Aquele fora um domingo tranquilo e produtivo. Yared tinha pago uma visita
atrasada a sua mãe e Lorac resolvido o problema do gatuno.
87
certa folga financeira, os pais haviam matriculado Beth numa boa escola privada de um
bairro próximo do condomínio.
O suporte financeiro dado pelo empreendedor de idiomas a sua mulher estava
proporcionando algumas vantagens e benefícios para ela e para sua filha. O condomínio
residencial tinha piscina, parque infantil, brinquedoteca e facilidade de acesso. Era uma
morada moderna, limpa, confortável e segura. A pequena casa rústica do campo onde
Lorac morava antes da união estável com Yared nem de longe se comparava a esse
apartamento.
Dessa feita, o dinheiro da pensão paga pelo pai da criança podia ser de todo
usado para lhe proporcionar uma boa educação.
A menina fora matriculada em tempo integral. Ia para suas atividades
educacionais de manhã cedo e voltava à noitinha no transporte escolar.
Numa certa tarde, Lorac recebeu um telefonema do pai de Beth. Haviam ligado
para ele da escola com uma história bem inusitada e preocupante.
Algum estranho telefonara de um celular para a escola dizendo ser o tio Yared.
Disse também que a criança não retornaria para casa na van escolar, mas sim com o tio
Yared.
Por medida de segurança, o funcionário da secretaria deixou a pessoa esperando
na linha. Pegou o telefone fixo e foi checar aquela informação.
Ligou para o pai de Beth e obteve a resposta negativa. Yared não poderia ir
buscar sua filha, tendo em vista que ele ainda não havia sido identificado na diretoria da
escola para esse fim.
O secretário voltou para dar a resposta ao desconhecido que deixara esperando
na linha. Porém, o telefone tinha sido desligado. O cara tinha sumido.
Ao saber desse acontecimento sinistro e perigoso, Yared decidiu ir para a
delegacia com Lorac a fim de preencher um boletim de ocorrência.
“Quem poderia ter feito isso, Lorac? Isso é um crime. Esse filho da puta tá
pondo em risco a vida de uma criança e querendo me ferrar.”
Lorac mordeu os lábios, hesitou um pouco, olhou pensativamente por um
instante para Yared e falou:
“Suspeito do meu ex marido.”
“Ele mora com seu filho no mesmo bairro da escola da minha filha. E me
falaram que ele ficou sabendo que eu estou casada com um cara chamado Yared.”
“Que merda de história é essa, Lorac? Como esse babaca ficou sabendo meu
nome? Como ele ficou sabendo que sou chamado de Tio Yared pela pequena Beth? E
por que você acha que foi ele que se fez passar por mim?” – Yared estava furioso com
tudo aquilo.
Lorac não mostrou nenhuma mudança de expressão à medida que Yared falava.
Estava apática. Nem de longe demonstrou qualquer reação com as palavras do padrasto
da sua filha. Em tudo indiferente ao que fora dito, parecia que a tentativa de sequestro
fora uma cena de uma série policial da Netflix. E era de todo estranho pois era uma
situação da vida real de perigo potencial contra Beth.
Em contraste, o pai da menina, de forma alguma, tomou qualquer atitude mais
enérgica com relação ao que tinha acontecido. Ambos pai e mãe pareciam ter tido
conhecimento de algo sem importância. Estavam omissos naquele sequestro frustrado –
para o bem de todos. Paradoxalmente, o padrasto se mostrou o único preocupado e
proativo. Que mundo louco é esse?
Já na sede da delegacia e perguntada acerca do que tinha algum suspeito para
que a polícia desse início ao inquérito policial, Lorac respondeu:
“Não. Eu não tenho nenhum suspeito.”
88
“Fiquem ligados. Sem dúvida nenhuma, esse suspeito queria prejudicar o Sr.
Yared. Essa foi a intenção desse malandro com esse crime.” – explicou o policial.
“A senhora tem certeza que não quer declarar nenhum suspeito? Algum
desafeto?” – desejou saber o agente.
“Não. Não tenho suspeito.” – confirmou mais uma vez a mãe da menina.
Tudo tinha sido tão rápido e confuso, não deixara a Yared tempo para pensar e
realizar por completo aquela trama – um dolo previamente calculado. Haviam usado de
astúcia para com ele. Havia ali a mente do diabo, que não se satisfaz com nada a não ser
a morte. E, por fim, aquele caso foi encerrado sem solução.
Yared levou a situação tão a sério que solicitou uma reunião extraordinária com
a direção da escola. O objetivo era se discutir a segurança dos alunos ao chegar e ao
sair, checagem mais rigorosa dos portadores e a colocação de um dispositivo de
identificação de chamadas na secretaria.
Yared compareceu juntamente com Lorac nesse encontro e participou
ativamente dando opiniões e ideias. Fora policial tempos atrás e sua contribuição foi
bem apreciada por todos os presentes.
Não obstante, aquele crime de modo algum foi desvendado. Restou apenas um
B.O. na gaveta de um agente policial numa agitada delegacia distrital da cidade.
Depois de um final de semana com seu pai na casa da sua madrasta, Beth, não
conseguindo omitir um fato novo que viera a saber, se aproximou timidamente da sua
mãe e de seu tio Yared. Olhou para eles e disse:
“Eu tenho um segredo!”
“Então conta. Vai!” – exigiu a genitora.
A criança sorriu abertamente para eles.
“Patrícia tá grávida. Ela tá esperando gêmeos mamãe.”
“Gêmeos?” – perguntou Yared, esboçando uma fisionomia mista de surpresa e
satisfação.
“Sim, tio Yared. Logo dois. E são dois meninos. Agora eu vou ganhar dois
irmãozinhos.” – Beth complementou animadamente.
Interveio a mãe, ressentida:
“Se eles nascerem!”
A pequena Beth nada entendeu daquele comentário da sua mãe. Yared, porém,
baixou a cabeça num protesto silencioso contra aquele mau agouro.
“Eis o que buscou minha alma, sem encontrar: um homem incorruptível – entre 1.000, pude
encontrar um, mas não uma mulher, entre todas elas.” – Cohélet
89
Lorac além de artesã, estilista, maquiadora, costureira e ter um diploma em
Recursos Humanos, também era uma grande desenhista.
Seus traços eram delicados, arredondados, curvilíneos e atrativos – como seu
próprio corpo – por assim dizer. Seu colorido era vivo, brilhante, cheio de vigor e
personalidade – diferentemente dos seus traços de caráter – se faz necessário frisar.
Numa certa manhã, Yared a viu concentrada num desenho de uma mocinha.
Estava de costas para o observador.
Cabelos muito longos. Seus fios negros e retos lhe caiam na altura da cintura.
Era uma gravura um tanto bucólica que retratava alguém em solidão.
A garota, completamente nua, estava imersa em contemplação. Tinha diante de
si a imensidão do azul do mar que se encontrava no longínquo horizonte com o também
azul infinito do firmamento.
“Muito lindo esse seu desenho, querida.” – elogiou o linguista.
“Obrigada. Preciso fazer muitos desses pôsteres. Quero vendê-los. Tô
precisando de dinheiro. Nossa filha ainda não tem nenhuma peça de enxoval. Ela vai
nascer daqui a alguns meses.” – reclamou ela num toque de cobrança.
“Não se preocupe. Nossa menininha terá tudo que precisar. Já pedi para a irmã
dela separar roupas e outros itens de bebê que ela não usa mais. Flor de Lótus vai ter
um rico enxoval.” – colocou o futuro pai assertivamente.
“Ah, onde estavam esses papeis de desenho? Eu nunca os vi antes por aqui.” –
perguntou Yared curioso.
“Caramba, Yared. Você também quer saber de tudo. Tim tim por tim tim.” –
reclamou mais uma vez a ruiva.
“Só fiquei curioso. Mas, não quer dizer, não diga. Tudo bem. Guarde seu
segredo.” – comentou ele esboçando um falso sorriso.
Faltavam poucos meses para a família receber seu novo membro. A futura
mamãe estava bem pesada. Com uns setenta e tantos quilos sua pressão tinha estado
alta, exigindo monitoramento constante. Yared comprara inclusive um aferidor de
pressão sanguínea para esse fim.
Sempre que podia, o dono da casa dava uma mão nas tarefas domésticas
incumbidas a ambos os cônjuges na lida do lar, além de cuidar de Beth. Aprontava seu
café da manhã, e ajudava a trocar o uniforme. Descia com ela para pegar a van escolar.
E fim de tarde quando descia para recebê-la na portaria.
À noite, após uns instantes do jantar, quando a pequena Beth já estava
cambaleando de sono, Yared a colocava para dormir contando suas estórias favoritas.
Invariavelmente, Pinóquio. Yared ficava imaginando se todas as pessoas tivessem a
mesma sina do boneco de madeira, e seus narizes crescessem com cada mentira. Mas
era assim que a vida funcionava na maioria das vezes.
Um dia, há alguns meses passados, no mês de março, Yared já tendo deixado a
criança na escola, entrara no condomínio e estava se dirigindo para o elevador quando
ouviu uma voz:
“Oi. Oi.”
Virou-se e avistou o pai de Beth em cima de uma motocicleta com uma caixa na
mão.
“Bom dia.” – respondeu o linguista.
90
“Isso aqui é pra Lorac. Tem dois mil e quinhentos cartões de visita e uma
maquineta pra cartão de crédito e débito.” – explicou o playboyzinho lhe entregando a
encomenda.
“Ela sabe do que se trata?”
“Sim. Sim. Ela me pediu e eu tenho amigos na gráfica. Também sou
representante dessas máquinas. Entrega a ela, por favor.” – pediu o cara.
“Tudo bem, pode deixar. Obrigado.” – se despediu Yared, tomando o elevador e
subindo rumo ao seu apartamento.
Assim que o linguista abriu a porta, sua parceira perguntou apressadamente:
“O que é isso? O que é essa caixa?”
“Adivinha?!” – desafiou Yared.
“Não faço a mínima ideia. Nem posso ver através da caixa.” – justificou ela
furtivamente.
Yared com olhos estreitados e testa franzida foi direto e seco:
“Deixa de ser cínica, Lorac! Me diz aí como você pretende pagar essa máquina
a esse cara?”
A mulher baixou a cabeça, procurou palavras e respondeu:
“Ele facilitou o pagamento pra mim. Vou pagar em doze parcelas. E essa
maquineta vai ser muito útil.”
“Não vejo motivo pra essa ajuda aparentemente sem interesse desse fulano.
Aliás, você não tá trabalhando. Por enquanto não tá vendendo nada.”
“Mas, depois que a bebê nascer eu vou voltar à ativa e vou precisar da
maquineta para facilitar pra meus clientes. E os cartões eu vou guardar para distribuir
depois do parto.”
Yared não conseguindo concentrar o seu olhar e a sua atenção na interlocutora
pensou:
“Que justificativa mais esfarrapada!”
Todavia, para o bem da paz no lar, não pôs mais lenha naquela conversa já
inflamada. Aquilo poderia terminar numa discussão. Afinal das contas, Lorac estava
enfrentando uma gravidez de risco.
Yared não compreendia aquela forma que o playboyzinho ainda tratava sua ex
parceira. Ou era altruísta demais. Ou era desapegado demais. Ou era corno demais – o
típico cuckold dos filmes xvideos.
Porém, aquele era problema do cara. Ele estava focado unicamente em cuidar de
Lorac e deixar as coisas prontas para o parto de Flor de Lótus.
O que alguns cartões de visita e uma maquineta de cartão vendida
parceladamente tinha a ver com sua responsabilidade maior de ser chefe-de-família e
futuro pai?
“Dentro de um sistema existe uma ordem de precedência, de acordo com o início da vinculação
ao sistema. Porém, na sucessão dos sistemas, a família atual tem precedência sobre a anterior.” – Bert
Hellinger
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Yared era um homem experiente no que dizia respeito a ser pai e companheiro
de uma mulher prenha. E ainda não tinha visto uma naquele estado de nervos nas
vésperas de ser mãe. Lorac se encontrava muito irrequieta, e parecia que o feto dava
sinais de agitação.
Sem sombra de dúvida, todo o período pré-parto exige muitíssimo de qualquer
mulher que seja. Todavia ele estava presente quase 24/7 ao lado da sua parceira. Todos
os seus caprichos eram atendidos. Seus desejos de gestante eram uma ordem. As
finanças da casa estavam sob controle. Até o enxoval da bebê já havia chegado. Sua
irmã havia separado os mais novos e melhores artigos dos sobrinhos de Flor de Lótus
para que ela viesse ao mundo com todo conforto possível.
A ser assim, Yared não entendia por inteiro aquele estado de ansiedade extrema.
Consumição. Falta de sossego. Um estresse que beirava o desespero.
Ele estava certo que estava fazendo sua parte. Não de uma forma perfeita, mas se
esforçava e procurava não deixar faltar nada para sua nova família. Não somente do
lado material, mas também do lado afetivo. Não obstante, parecia haver um vazio
insaciável na vida íntima de Lorac.
Um buraco negro emocional que nenhuma quantidade de luz de empatia e amor
no mundo conseguia preencher. Toda emanação positiva em sua direção era dragada e
arrastada para dentro daquela alma faminta de equilíbrio e paz interiores sem surtir
qualquer efeito mensurável.
Esse vazio existencial desperta uma ansiedade e uma neurose por falta de um
sentido de vida. Tem-se por consequência que a cada instante devemos preencher
significativamente a nossa vida.
11
Amor verdadeiro
“As pessoas que experimentam delírios de grandiosidade se veem como grandes, altamente
realizadas, mais importantes que outras, ou mesmo mágicas. A ilusão pode ser persistente, ou pode
aparecer apenas periodicamente.
Algumas pessoas com ilusões de grandeza também experimentam outras ilusões, tais como o
medo de perseguição ou crenças religiosas incomuns.
Entretanto, uma ilusão de grandeza é mais do que apenas uma autoestima muito alta ou um
senso inflado de auto importância. Ela marca uma desconexão significativa com o mundo real. Uma
pessoa com ilusões de grandeza pode continuar a acreditar na ilusão, apesar das evidências
contraditórias.” – Medical News Today
93
Y ared nunca tinha ouvido a palavra doula antes, até sua mulher lhe contar que
desejava ter um parto humanizado e para isso iria precisar da assistência de
uma.
“Uma o quê?” – o linguista cobrou mais esclarecimentos.
“Uma doula, meu rei. É uma parteira moderna, mas muito mais bem preparada
e treinada para ajudar a mulher a parir.” – explicou a mãe de Flor de Lótus.
“A associação vai realizar um encontro de doulas e gestantes essa semana. Eu
vou. Quem sabe eu já não escolha a minha?”
No dia agendado, Yared levou sua bojuda ruiva e lhe prometeu apanhá-la no fim
do evento. Ele, de forma alguma, a deixara viajar de transporte coletivo sozinha. Na
grande maioria das vezes Lorac só andava de carro.
A doula
94
Um pouco antes do horário do jantar, o interfone soltou um som estridente como
se fosse uma daquelas sirenes de caminhão de bombeiro na corrida desesperada para
alguma ocorrência emergencial.
Lorac atendeu o chamado da portaria e confirmou. Deu autorização para a
pessoa entrar e se dirigir até seu apartamento.
“Quem foi, querida?” – perguntou Yared.
“Ah, é Agatha. Ela é a moça que te falei. A que escolhi pra ser minha doula.”
“Muito bom, então. Finalmente, vou ficar sabendo quem é essa doula e o que
ela faz.” – assentiu Yared balançando afirmativamente a cabeça.
A campainha tocou anunciando a chegada da mulher. Lorac se precipitou até a
porta para receber sua futura cuidadora de parturientes.
“Prazer. Lorac tem falado muito bem a seu respeito. Ficamos interessados em
saber mais acerca do seu trabalho. Vamos conversar. Pegue uma cadeira.” – a recebeu
cortesmente o anfitrião da casa.
“Obrigada. Eu e Lorac somos amigas de longas datas. Tô muito feliz em poder
ajudar vocês a ganharem sua bebê.” – interagiu a doula.
“Pelo que me contou, você tem estado muito estressada e ansiosa, certo
Lorac?” – quis saber Agatha.
“É sim. Ela tá parecendo uma pilha de nervos. E não sei exatamente o porquê,
pois tudo tá correndo muito bem. Ela até saiu da zona de risco de acordo com a
obstetra.” – explicou Yared.
“Então, minha amiga. Relaxa aí. Flor de Lótus vai nascer uma garotinha
saudável e feliz.” – encorajou a moça.
“Agatha, me parece que o problema com o ex dela a tem enervado demais. Ela
fica ligando pra o advogado todos os dias. Tá insegura e muito ansiosa.” – Yared foi
contando o quadro emocional da sua mulher.
“Amiga, amiga. Esse cara nunca gostou de você como companheiro, e nem
como amigo. Acho melhor você cortar contato com ele o quanto for possível.” –
aconselhou a doula, já exercendo sua função de terapeuta de gestante.
“Tá vendo aí, Lorac? Te falei. Esse playboyzinho é atraso de vida. Tá te
perturbando. Deixa a justiça resolver agora. Você já fez sua parte.” – comentou o
futuro papai.
Depois de mais alguns pormenores técnicos sobre a gestação e acertar o valor e a
forma de pagamento, Lorac serviu o jantar. Pai, mãe e madrinha comeram e
conversaram descontraidamente.
Os ponteiros do relógio tinham corrido rápido demais e já eram dez e tanta da
noite. Horário perigoso para se sair andando e pegar um ônibus naqueles arredores.
Yared se prontificou a levar a doula até a parada. Assim, fez. Ao longo do
caminho, Agatha foi contando algumas histórias de doulagem. Contou que sua avó fora
a primeira parteira da família. Aquela iniciativa abrira a senda para tantas outras
mulheres daquele clã.
Finalmente, o ônibus da moça chegou. O veículo parou e os dois se despediram
com uma mudra para o namastê.
Quando Yared entrou em casa, Lorac estava lavando louça na cozinha. Estava
num estado de humor tão contrariado que lhe era impossível disfarçar. Seu rosto, seu
semblante espelhava uma alma cheia de ciúmes, rancores e raiva.
“Que cara é essa, querida?” – perguntou o peace-maker.
“A que eu tenho. Qual é o problema?” – respondeu a grávida com uma voz
agressiva.
95
“Santo Deus! O que houve? Tá sentindo alguma dor, enjoo, incômodo ou
alguma outra coisa?” – quis saber Yared.
“Não tenho nada, Yared. Deixa de encher meu saco. Sai daqui. Ah, antes me
diga: foram falando de mim até a parada, né?”
“Hã? Falando de você? Que doidice é essa? Eu, teu parceiro, e tua amiga
doula, falando de você? Acho que você precisa de um banho, uma massagem relaxante
sobre seu corpo e dentro dele também.” – comentou Yared esboçando um sorriso
malicioso.
“Tá bom. Vou pra o banheiro. Termina de lavar a louça pra mim?”
“Claro. Vai lá. E fica bem cheirosa. Prometo que vou caprichar na massagem.”
Quando Lorac saiu do banheiro, Yared já estava esperando por ela no quarto.
Como havia prometido, aplicou duas massagens na dançarina do ventre. Uma externa –
por sobre todo o corpo dela, e outra interna – massageando sua vulva com seu bastão
marrom vigoroso.
Lorac se levantou. Foi até o toilette. Tomou uma chuveirada. Yared pôde sentir
o aroma inebriante do sabonete líquido que ela sempre usava nesses banhos. Aquele
cheiro lhe provocou uma nova e forte ereção. Preparou-se para o segundo tempo
daquele delicioso jogo do sexo.
Ao voltar para o quarto, antes mesmo de vestir sua curtíssima camisola de seda,
e ainda embrulhada na sua felpuda toalha branca, mais parecendo um delicioso
McDonald a ser saborosamente degustado, a sarará perguntou:
“T...t...Tá, não falaram de mim, mas de que modo vocês se despediram
mesmo?” – perguntou ela nervosamente com a voz um tanto acanhada.
Yared brochou na hora. Seu bastão de massagem a base de músculos se
encolheu como uma bexiga que tem seu ar esvaziado.
E não podendo se segurar, soltou uma gargalhada estrepitosa em plena 2:00 da
madrugada. Depois de admirá-la por um instante, virou-se para o outro lado em silêncio
e adormeceu.
O advogado
97
Aquela história da avó de Beth ter oferecido ajuda para o enxoval da nascitura
de modo algum ficou clara para Yared.
Plano de parto
Enfim, se completara o ciclo gestacional. Agora era uma questão de mais dias ou
menos dias. As expectativas do casal estavam elevadíssimas. Sua Flor de Lótus poderia
desabrochar a qualquer momento.
Numa manhã do mês previsto para o nascimento, Yared levou Lorac para a
última consulta de rotina com sua obstetra.
Ao pousar o estetoscópio sobre o peito da sua paciente, a médica olhou
seriamente para Yared e disse:
“Yared, vocês já têm o lugar certo para a bebê nascer?”
“Sim doutora, Temos. Inclusive já levei Lorac pra conhecer o hospital. É
especializado em atendimento da mulher.”
98
“Ela está com a pressão muito alta. Em razão disso, leve sua mulher hoje. E
tudo que não queremos é que se instale um quadro de pré-eclâmpsia. Entendeu?” –
falou gravemente a médica.
“Sim vou levá-la hoje. Vamos pra casa arrumar as malas, almoçamos e
seguiremos para a maternidade.” – assentiu Yared.
“Não, Yared. Você não entendeu direito. Lorac precisa ir agora. Vou preparar
a guia dela.” – esclareceu a obstetra.
Os futuros pais se entreolharam de certa forma assustados diante da gravidade da
orientação que haviam recebido inesperadamente.
A médica encerrou a consulta e entregou o prontuário para Yared. Saíram da
sala e Lorac pediu para ligar para sua doula. Conversaram por alguns segundos, e o
celular foi passado para Yared.
“Oi, Agatha. O que você acha? Devemos seguir daqui diretamente para a
maternidade ou esperar Lorac começar a sentir as contrações?”
“Obedeçam à médica. Leve sua mulher diretamente para o hospital. Vai ficar
tudo bem. Se ela ficar internada, me chame que eu irei de imediato.” – os tranquilizou a
doula.
Ao saírem do consultório da obstetra, Lorac ainda tentou dissuadir Yared a não
ir para a maternidade. Mas seu companheiro era um tanto espartano quanto ao
cumprimento de ordens.
“De jeito nenhum! Vamos agora mesmo para o hospital. Ponto final! Se você
for liberada, te levo de volta pra casa.” – falou ele decididamente.
No caminho para a maternidade, Yared começou a acionar a rede de apoio do
plano de parto. Primeiro da lista: o pai de Beth.
“Alô. Aqui é Yared. Lorac está indo para o hospital. Acreditamos que a irmã de
Beth vá nascer entre hoje e amanhã. Você precisa pegá-la na escola e ficar com ela
alguns dias. Tudo como combinado antes. Ok?”
“Oi. Tudo bem. Pode deixar. Pego ela na largada e fico com ela até Lorac estar
de volta. Sem problemas.”
“Ok. Muito obrigado.” – agradeceu o peace-maker.
99
No trajeto para pegar a mala, ele ligou para Agatha. Avisou-a do internamento
da sua paciente. A doula o acalmou acerca da situação e disse que estaria indo para o
hospital assim que terminasse um atendimento. Estava ajudando outra mulher a parir.
Sua nobre missão.
Já tarde da noite, o obstetra plantonista veio até o quarto. Estava com o
prontuário de Lorac na mão. Fez uma auscultação e foi logo falando:
“A senhora não tem condições de ter um parto normal. Vou preparar minha
equipe. Não quero levar a senhora para o bloco cirúrgico numa emergência.” –
explicou ele.
Mirou Yared e perguntou:
“O senhor vai assistir o parto?”
“Sim, vou.”
“Dirija-se à antessala de cirurgia para trocar de roupa e para os
procedimentos de higienização.” – determinou o médico.
Antes de sair, Lorac o chamou e pediu:
“Fique com meu celular. A senha é: AMORVERDADEIRO.”
Yared ficou com o aparelho de sua mulher e saiu do quarto para se preparar para
ver sua filha vir ao mundo.
100
Parte 4
101
o Ao inimigo, a Lei
o A pandemia
12
Amor incondicional
“O amor também precisa de uma ordem, para que possa se desenvolver. Essa ordem nos é
preestabelecida. Somente quando sabemos algo sobre as ordens do amor é que podemos superar os
obstáculos que, apesar da boa vontade de todos os envolvidos, muitas vezes se colocam no nosso
caminho.” – Bert Hellinger
E xatamente 10:35 da noite. O obstetra anuncia que vai retirar a bebê de dentro do
útero da mãe. Ela agora iria respirar, pela primeira vez, com a força de seus
próprios pulmões.
Yared estava com a câmera do seu Motorola apontada para o centro da mesa de
cirurgia. Estava pronto para registrar o primeiro click da sua filha.
“Olha ela aí!” – falou o médico entusiasmado.
Sem perder tempo, o pai apertou o botão “foto”. Havia um silêncio ensurdecedor
reinando naquela sala. Em razão disso, se ouviu nitidamente o estalido do celular.
O aparelhou gravou a imagem de uma linda bebê. Toda lambuzada pelo líquido
amniótico e enodoada pelos resquícios de placenta, oriundos do seu ex-habitat,
grudados ao longo daquele corpinho, Flor de Lótus foi sacada ao mundo exterior como
um porquinho ensebado.
Momento único e indescritível. Avistou-se um novo ser vindo à luz.
“Deus te abençoe imensamente minha filha! Bem-aventurança espiritual para
você!” – ecoou a oração proferida pelo pai dando as boas-vindas a sua filha.
Flor de Lótus, como estreante da vida, sentiu quão desconfortável é o mundo
aqui fora. E explodiu num forte e audível choro ouvido por todos naquele bloco
cirúrgico. Naquela sala de operações esterilizada. Naquele verdadeiro portal conectando
dois mundos.
Naquele exato momento, se encerrava o ciclo de formação na zona de conforto
uterina da filhinha de Yared. Ela agora surgia para receber um CPF. Receber um nome
oficial no cartório de registro de pessoas naturais. Aumentar a estatística do IBGE.
Começar sua jornada existencial.
102
“Agora o senhor pode sair da sala de cirurgia Sr. Yared.” – orientou a pediatra.
Essa médica havia pesado, medido e embrulhado a recém-nascida num lençol
verde oliva com as insígnias do hospital. Depois a levou até a mãe envolta em cobertas
e anestesiada. O pai registrou o instante – rostos da matrioska bem juntinhos, quase
colados, num instantâneo memorável.
“Vamos primeiro finalizar a cesariana. Depois, deixá-la em observação por
cerca de uma hora. Feito isso, a mãe e a bebê vão para o quarto. Aí o senhor poderá
vê-las e ficar internado junto com elas.” – completou a médica.
103
Os pais e a recém-nascida permaneceram internados por mais seis dias. Um
tempo além do usual para o mesmo tipo de parto. É que a mãe ainda apresentava
episódios de pressão arterial elevada, e a equipe médica julgou necessário sua
permanência na maternidade até seu restabelecimento total.
Nesse ínterim, Yared aproveitava ao máximo o tempo, procurando viver
integralmente cada momento naquele hospital, estando focado em conhecer melhor os
seus serviços prestados e, na medida do possível, ajudar com a filhinha recém-nascida.
Até fez um curso relâmpago: Como Dar Banho em Bebês com a enfermeira chefe.
Orgulhosamente telefonou para o irmão e lhe contou que havia tirado nota dez.
“Quem tem um `porque´ enfrenta qualquer `como´. Tudo pode ser tirado de uma pessoa, exceto
uma coisa: a liberdade de escolher sua atitude em qualquer circunstância da vida.” – Viktor Frankl
Por fim, Lorac, Flor de Lótus e Yared receberam alta. Era um belo dia de
domingo e o sol brilhava forte.
Por volta das duas horas da tarde, o pai chamou um Uber para a família regressar
para casa. Embarcaram no carro e partiram para seu lar, doce lar.
“Vá com bastante cuidado meu amigo.” – advertiu Yared.
“Nossa princesa Flor de Lótus tá a bordo. É a sua primeira viagem.” –
acrescentou orgulhosamente.
A flor de lótus é uma planta aquática que floresce sobre a água e uma das curiosidades é que
durante a noite as suas pétalas se fecham e a flor submerge. Com os primeiros raios de sol, a flor de lótus
reaparece sobre a água e abre as suas pétalas novamente.
O efeito borboleta
104
deserto, castigado pelos abrasantes dardos da crítica, da desvalorização e da
agressividade.
Yared, muitas vezes, refletia, pensando consigo mesmo:
“Eu posso ter afetado o futuro...não, é certo que eu realmente afetei o futuro.”
Daquela dança dos sete véus, a vida de tantas pessoas tinha sido alterada. Para
ser realista, em certo sentido, o futuro tinha sido mudado. Como enuncia a bela
metáfora chamada de o Efeito Borboleta: “O simples bater de asas de uma borboleta
no Brasil pode ocasionar um tornado na Irlanda.” – país das bruxas e do povo ruivo.
O playboyzinho tinha se libertado da relação tóxica com Lorac, e tinha
encontrado uma parceira mais equilibrada, a qual levava a vida de uma mãe solo com
um filho menor de idade. Essa, por sua vez, se beneficiou com o casamento, saindo da
solidão e dando um padrasto à criança, além de se tornar mãe de dois lindos meninos.
Beth ganhou mais três irmãos além de Flor de Lótus - dois meio-irmãos e um irmão
adotivo, com o qual ela se dava muito bem. Os pais do playboyzinho foram abençoados
com netos gêmeos – agora os caçulas da família – que os encheram de alegria e orgulho.
Yared, por sua vez, teve novamente a felicidade de se tornar pai numa fase da vida já
ultrapassando a meia-idade. E finalmente, Lorac, também recebeu seu bônus. Tornou-se
mãe de sua segunda filha, e muito provavelmente a última, ganhando assim mais uma
oportunidade de exercer sua função materna e desenvolver todas as qualidades inerentes
a ela.
Sim, realmente. Todos eles também afetarão o futuro. Que poder tem a união de
um homem com uma mulher, hein?! A união de um ínfimo espermatozoide com um
minúsculo óvulo pode ter resultados maiores que o conhecido Efeito Borboleta. Não é
de admirar que tantas culturas e tantas religiões protejam sobremaneira o ato sexual e o
revistam com o manto da pureza e santidade.
Em suma, um tornado passa, mas as vidas humanas e seus legados com todas
suas nuances de relacionamentos, feitos, desfeitos, amores, desamores, dores, alegrias,
tristezas, fracassos e sucessos jamais passarão!
13
105
Retrato do narcisista
“Os narcisistas apresentam várias combinações de ambição intensa, fantasias de grandeza,
sentimentos de inferioridade e excessiva dependência da admiração e aprovação externas. Também são
características desse quadro a incerteza crônica e a insatisfação consigo mesmos, exploração e
desumanidade conscientes e inconscientes em relação aos outros.” – Otto Kernberg
Já se passara seis meses que Lorac colocara um saco de lixo na cozinha para um
descarte futuro ainda permanecia no mesmo lugar.
Um saco azul. Um recipiente meio translúcido e fino daqueles que se compra na
seção de limpeza doméstica nos supermercados. Estava praticamente entupido até à
boca. Seu conteúdo? Centenas de pedacinhos picotados de fotografias. A cabelo ruivo
acobreado havia rasgado lembranças do seu passado registradas num punhado de álbuns
da época em que fora casada com o pedófilo sexagenário.
Era uma extensa coleção de fotos eróticas que fariam as mais famosas modelos
da Playboy ou da Penthouse morrer de inveja.
Álbum de strip-tease numa praia semideserta. Álbuns de ensaios fotográficos em
casas especialmente alugadas para as sessões de make-up. E sabe Deus mais para o quê.
Álbuns em diversas cidades e motéis diferentes. Encontravam-se fotos, poses e
exibicionismo para todos os gostos, fetiches e taras. Ainda que pudesse ser lido FOTOS
CONFIDENCIAIS na parte superior dos álbuns escrito com uma caligrafia feminina,
melhor título seria GALERIA PARA SWINGERS.
Yared, involuntariamente, havia esbarrado numa sacola dos pertences da
namorada. Aquela parafernália havia sido trazida pelo playboyzinho lá da casa de
campo afastada. A sacola estava tão abarrotada de fotografias que quando foi ao chão,
algumas delas voaram para o lado de fora aterrissando sobre os pés do linguista.
Yared pegou a sacola e deu uma olhada em alguns daqueles álbuns com
surpresa. Todavia, por se tratar da vida privada de uma pessoa num relacionamento
muito antes de o conhecer, ele não valorizara aquela descoberta.
No entanto, achou bem estranho. Um tanto insólito. O cara era um sexagenário.
Ocupava um cargo de autoridade eclesiástica numa igreja conhecida no centro da
cidade.
Com trinta e quatro anos a mais que Lorac poderia aproveitar seu tempo livre
para um lazer mais sadio, ao invés de ficar expondo a exuberância e a beleza do corpo
da sua mulher em fotos fesceninas e licenciosas. Já a tinha para si, por que expô-la
daquela forma tão barata? Ou obtinha algum outro tipo de lucro com aquilo?
Yared lembrou do emblemático escândalo envolvendo um famoso líder religioso
reputado John of God, denunciado e preso por crimes desde estupros de menores,
poligamia, abuso sexual das fieis, charlatanismo, contrabando e tráfico de drogas,
lavagem de dinheiro e porte ilegal de armas. Que ironia!
Por certo que os casais têm seus segredos. Seus momentos confidenciais.
Fantasias sexuais. E alguns até gostam de apimentar sua vida íntima com práticas não
convencionais.
No entanto, aquele sem-fim de fotografias, aquele leque de variedades de lugares
e ensaios, bem como aquela qualidade das imagens insinuavam algo mais do que apenas
uma curtição entre cônjuges.
106
“Em minha opinião, o distúrbio básico na personalidade narcisista é claramente a negação de
sentimento. Eu definiria o narcisista como uma pessoa cujo comportamento não é motivado pelo
sentimento. Mas, ainda assim, subsiste a interrogação: Por que é que alguém opta por negar o
sentimento?” – Alexander Lowen
Fúria vulcânica
“Yared, vai jogar o lixo da casa fora. Não podemos deixar acumular.
Precisamos evitar baratas e ratos.” – exigiu Lorac.
“Não. Não vou. Só jogo o lixo fora agora quando você limpar nossa casa dessa
baixaria picotada. Ponto final! E se livrar desse resto de pornografia picada. Há meses
que você enrola e não se desfaz dessa merda toda.” – esbravejou Yared queimando de
indignação.
“Deixa de ser chato Yared. Já te disse vezes e vezes seguidas que vou levar pra
minha casa de campo e queimar debaixo de uma árvore. Vou fazer um ritual.” –
justificou a bruxinha de cabelo vermelho.
Seu rosto estava sombrio de ódio e perguntou num tom exasperado agora:
“Então você está tentando me irritar até a morte?”
“Ritual porra nenhuma!” – contestou o linguista incomodado.
“Já disse. Só boto a droga desse lixo fora quando você limpar nossa casa dessa
sacanagem picotada. Ponto final!” – retrucou veementemente.
Ao terminar as últimas palavras, Yared presenciou uma súbita e descomunal
transformação nas feições da sua mulher.
De súbito, ele viu com seus próprios olhos uma bela se transformar numa fera
em questão de segundos.
O rosto da mulher ficou completamente avermelhado, transtornado,
transfigurado. Seus olhos mudaram de cor.
Ele testemunhou uma negritude nunca vista antes – nem em Lorac, nem em
ninguém mais. Seu colo ficou escarlate. Ela começou a espumar como um touro
raivoso. Seus punhos se cerraram. Aquilo parecia uma possessão demoníaca.
A ex-usuária de drogas pegou os sacos de lixo da cozinha, com exceção do saco
azul com pedaços dos seus ensaios fotográficos nus, deu um solavanco brutal para
frente e correu em direção ao dormitório do casal. Jogou aquela sujeira toda sobre a
cama. Com um berro arrancado do fundo das entranhas, ameaçou Yared com uma voz
esganiçada:
“Vou te matar! Vou te esfaquear!”
Disparou para o quarto das crianças. Arremessou no chão o quê encontrava pela
frente. Pulou para cima da cama de Beth. Num acesso fervendo de raiva e dor,
esperneava como uma criança numa crise de birra. Suas pernas ficaram balançando
freneticamente no ar enquanto ela socava o colchão com os dois pulsos fechados.
“Meu Deus! Eu tive uma filha com meu inimigo!” – o rogo dessa praga ressoou
dentro daqueles 35 metros quadrados como o barulho ensurdecedor de uma avalanche
de pedras e lama descendo monte abaixo.
“Vou te matar! Vou matar ele! Vou matar todos os homens!”
107
As ameaças de Lorac foram feitas aos brados misturados com engasgos, soluços
e lágrimas. Yared guardou aquela lembrança imperecível nos ouvidos e no coração.
Qual teria sido a mulher raivosa do sistema familiar da ruiva que ela estava
imitando? Era uma raiva reprimida que adotara. Estava atolada até o pescoço numa
dinâmica típica de dupla transferência. Com quem ela estava identificada?
Correu para o banheiro desesperadamente, aos tropeções. Seu movimento foi tão
brusco e descoordenado que bateu com a cabeça na porta. Curvou-se de forma
desajeitada e pegou a pedra de mármore branco de formato irregular que a segurava
como contrapeso. Atirou aquele seixo pesado contra o espelho do armário, espatifando-
o em centenas de estilhaços pontiagudos de todos os tamanhos e formas. Os cacos
cortantes encheram o toilette e alguns foram parar na sala-de-estar, com outros se
enfiando por debaixo do sofá, fogão e geladeira.
Completamente exaurida, sem forças, desenergizada e desorientada, parou de se
debater e sucumbiu numa crise de choro incontrolável.
Yared aguardou cerca de dez minutos. Entrou no quarto, e ao fixar os olhos
atentamente na sua mulher, se compadeceu ao ver aquela mesma bela ruiva dos
primeiros encontros completamente transtornada: primeiro, num monstro colérico de
força descomunal para seu gênero e tamanho, e em instantes depois, decorrente dos
acessos de confusão mental, num farrapo humano emocionalmente surtado.
Foi até à cozinha com o máximo cuidado para não pisar num daqueles
fragmentos cortantes. Colocou um pouco de açúcar num copo d’água e levou até sua
parceira combalida. Lorac verteu um pouco do líquido garganta abaixo. Suspirou
profundamente.
Uma aparência mais humana começou a retornar em seu rosto. Pediu perdão
humildemente com o rosto lavado de lágrimas. Agradeceu. E desabou em soluços
convulsivos como se fosse uma criança desamparada. Lágrimas escorriam como água
de seus olhos.
Um pouco recuperada, começou a narrar:
“Isso já aconteceu comigo antes quando eu tava com o meu ex-marido. Tive
uma crise e quebrei tudo dentro de casa. Ele teve de pedir ajuda. Precisou de dois
homens pra me controlar. Fizeram até oração na minha cabeça. Um deles, o mais
velho e líder do grupo, disse que eu tava possuída.”
108
“Da próxima vez que você enlouquecer daquela maneira, eu vou fotografar ou
filmar para pedir ajuda. Também vou chamar algum vizinho.” – disse Yared a sua
companheira num tom que não admitia oposição.
Lorac ouviu aquela repreensão emudecida – de uma forma que jamais havia
feito antes e que sequer Yared poderia imaginar. Coisa rara ou completamente
inexistente quando se tratava de crítica a algo de errado que tivesse feito. Todavia, não
teve qualquer contra-argumento diante dos fatos que tinha acabado de vivenciar.
Cabisbaixa se retirou da sala. E seguiu quase cambaleando direto para o quarto.
A mulher agora endoidara com certeza; nem ela mesma tinha consciência da
extensão dessa insanidade toda, mas ficou deveras assombrada por não ter ninguém a
quem recorrer para confortá-la.
Ele e ela não conseguiam mais dividir o mesmo espaço, não conseguiam sequer
olhar nos olhos um do outro.
14
Nada fica oculto
“Para tudo existe uma época determinada, e para cada acontecimento há um tempo apropriado
sob os céus:
um tempo para nascer e outro para morrer,
um tempo para plantar e outro para erradicar,
um tempo para exterminar e outro para curar,
um tempo para destruir e outro para construir,
um tempo para chorar e outro para sorrir,
um tempo para lamentar e outro para dançar,
um tempo para jogar pedras e outro para juntá-las,
um tempo para abraçar e outro para se afastar,
um tempo para buscar e outro para abandonar,
109
um tempo para guardar e outro para jogar fora,
um tempo para rasgar e outro para cozer,
um tempo para manter oculto e outro para revelar,
um tempo para amar e outro para odiar,
um tempo para a guerra e outro para a paz.
- Cohélet
Fatídico telefonema
Ainda era bem cedo da manhã, quando o celular de Yared tocou alto.
“Alô! Tudo bem doutor? – falou Yared ao atender seu Motorola.
“Sr. Yared, você está em casa?” – perguntou o advogado do outro lado da linha
com uma voz precipitada.
“Sim, doutor. Algum problema no processo de Lorac? Quer falar com ela?”
“Não. Preciso falar com você. Coisa importante. Mas, não pode ser com você
em casa. Se puder me ligar de volta o mais breve possível, de algum lugar aí perto, tipo
shopping ou galeria?” – pediu um tanto nervoso o patrono de Lorac.
“Sim, vou dar uma saída e te ligo em seguida.” – combinou Yared.
Qual seria o objetivo daquele telefonema? Afinal de contas, Yared não tinha
qualquer ligação mais próxima com o advogado, exceto por estar acompanhando a ação
de pensão alimentícia de Beth.
“Quem foi, meu rei?” – inquiriu curiosamente a sarará.
“Teu advogado.” – respondeu o linguista.
“O que ele queria? Falei com ele ainda ontem, e estamos esperando o pai de
Beth ser intimado. Tem alguma novidade?”
“Não. Nada de novo. Ele só me cobrou a parcela do mês que está atrasada.”
“Já tá cobrando?” – perguntou ela.
“Não, minha querida. Ele só perguntou qual era a minha previsão para o
pagamento. Normal. Tranquilo. O cara é bem-educado.” – explicou Yared.
Com o pretexto de sacar cem reais na máquina de autoatendimento 24hs mais
próxima, Yared disse que iria dar uma saída ficando fora por cerca de trinta minutos ou
uma hora.
Assim que adentrou o shopping, Yared sacou seu telefone do bolso, e apertou a
tecla para retornar à ligação do advogado.
“Olá. Sr. Yared. Não está mais em casa, certo?”
“Não, vim para o shopping mais perto pra gente conversar. Há alguma coisa
que queira me dizer? Do que se trata?” – Yared perguntou a nu.
“Bem, é um assunto delicado e sério. Mas, me sinto na obrigação de lhe falar.
Tenho o senhor em alta estima e consideração. Como homem, penso que é a coisa certa
a fazer.” – o agente do Direito hesitou como se escolhesse as palavras cuidadosamente.
“Ok, mas poderia falar o que é?” – Yared de curioso, passou a se sentir
apreensivo. Um tanto ansioso.
Nesse ponto, o advogado prosseguiu cautelosamente:
“Bemmm, é que...É o seguinte: consta na família do pai de Beth que Flor de
Lótus seria filha dele e não sua.”
De pronto, Yared arqueou as sobrancelhas, abriu bem os olhos e baixou o
queixo, com sua cabeça bem erguida e sentiu com se tivesse sido desfechado um soco
na boca do seu estômago.
Seu plexo solar – parte do organismo sede das emoções – acabara de ter que
lidar com um trauma: evento superlativo que subjuga a capacidade do cérebro de
gerenciar os pensamentos e emoções de algum evento avassalador.
110
“Vá com calma, doutor! Que porra é essa?! De onde saiu essa história toda?” –
Yared perguntou indignadamente.
“Depois da audiência da pensão alimentícia, a advogada da outra parte me
ligou e me contou. Ela é uma amiga muito antiga do ex casal e quase parente da
família dele.” – esclareceu em miúdos o advogado-psicólogo.
“Na minha última visita a sua casa, vi o senhor com uma aparência esquálida.
Muito magro. Com feições de sofrimento. Deprimido. Apresentava sinais graves de
abalo emocional. Identifiquei que eram males da alma. Não esqueça também que sou
da área da saúde mental.” – disse o patrono de Lorac.
Ainda acrescentou instrutivamente:
“Aprendi na faculdade com um certo autor chamado Spurgeon que – o
problema da alma é a alma do problema.”
Yared fora completamente tomado de surpresa diante daquela revelação
gravíssima contra sua mulher. Aquilo envolvia não somente sua dignidade pessoal e
reputação, mas também o patrimônio moral da sua filha recém-nascida estava em jogo.
Ele tremeu só de pensar nas sequelas flagelantes advindas com o espalhamento daquela
notícia. Ele por certo seria publicamente insultado, envergonhado e desonrado.
Por ter prescindido os sinais de alerta – as red flags – que já tinha percebido, por
intuição, agora estava sendo obrigado a aceitar as informações de segunda mão do
advogado.
De imediato, em seu cérebro confuso não sabia o que fazer. Resolveu pensar e
decidir ao longo do caminho de volta para casa.
Precisava de tempo suficiente para silenciar sua mente barulhenta que não
parava de falar acerca do que ele precisava fazer, como fazer e o que estava errado
naquilo tudo.
Porém, uma certeza ele tinha. Seria uma verdade dura demais para encarar.
Nesse momento procurou racionalizar. E a verdade é como o óleo na água, está sempre
em sobreposição. Tem-se por consequência que qualquer que fosse ela, viria à tona.
Também pensou:
- Aquilo não seria uma trama maquiavélica daquela advogada velhaca?
Não era possível que Lorac o tivesse traído e engravidado do playboyzinho nas
suas fuças. Depois jogado toda a droga do lixo para debaixo do tapete, acreditando que
fora um crime perfeito.
Yared se recusava a acreditar que aquela revelação fosse autêntica.
Mas, desconsiderar essa realidade seria o mesmo que dizer que ele estava
alimentando alguma doidice. A multiplicidade das informações recebidas e colhidas no
decorrer daquele relacionamento apontavam para um diagnóstico. Um veredicto. Uma
conclusão final.
Estava a ponto de descobrir toda aquela rede de enganos, pondo a claro todos os
detalhes da farsa, não deixando persistir uma sombra sequer de dúvida.
- E as contas da menstruação, gravidez, ultrassonografia?
Todos os dados apontavam a concepção de Flor de Lótus para a noite da
performance da dança do ventre.
- E agora? Em contraste com isso, como uma pessoa iria inventar toda essa
história do nada?
E tem mais, em alguma parte nos recessos profundos da sua mente pairavam as
perguntas:
- E a ajuda para o enxoval oferecida pela avó de Beth?
- E os desenhos, cartões de visita e maquineta de cartão de crédito e débito?
- E o pedido para ver a foto da recém-nascida na mesma noite do parto?
111
- E aquele excesso de nervosismo, estresse e desmesurado desespero de Lorac
às vésperas de ir para a maternidade?
- E aquela parafernália toda trazida da outra casa para o apartamento?
Como um raio cortando o horizonte depois do barulho ensurdecedor do trovão,
Yared uniu os pontos. Ele estava reunindo todas as coisas em uma. Percebeu
subitamente a teia da realidade. E viu um quadro estarrecedor de robustas evidências
formado bem diante da sua tela mental. Ele não podia jogar tudo no fundo da mente e
relegar ao limbo de assuntos irrelevantes.
Lorac jamais havia se separado de fato do playboyzinho!
Repentinamente se lembrou de um comentário que a pequena Beth havia feito na
mesa do café da manhã certo dia:
“Mamãe tá separada de papai por fora, mas ainda tá casada com ele por
dentro!”
Aquela expressão da criança pareceu uma piada naquele momento. Uma
bobagem infantil. Um certo desejo inconsciente de que seus pais jamais tivessem se
separado. Mas, Yared devia ter em mente que, agora parecia coerente com a realidade.
Lorac vivia uma vida dupla. Manipulava dois homens ao mesmo tempo. A
risada estridente do “gato de Schröndiger” fazia o maior sentido. Sua cabeça estava
começando a zumbir com todas essas suposições.
Isso já se passara antes quando ela atraíra o velho pedófilo novamente quando
precisou dele para começar uma nova carreira. A ruiva precisava manter duas fontes de
suprimento simultaneamente para atender os caprichos infindáveis de sua persona
insaciável.
Uma pergunta que não queria calar:
- E todos esses relacionamentos threesome teriam sido com o conhecimento e a
liberação do empresário falido e ou do motoqueiro movido a marijuana? Esses caras
seriam autênticos cuckold – estilo filme pornô?
Esse parecia ser o modus operandi daquela mulher. Descartava os amantes e os
repescava, a seu bel prazer, à pura mercê das suas necessidades e caprichos – ficavam
de backup para uso em caso de alguma falha do suprimento principal do momento.
Os homens eram meros marionetes em suas mãos – coisas. Exatamente como
aqueles que ela havia fabricado para Yared há dois anos. Novamente a arte imita a vida!
Para ela os homens não tinham vida própria. E seu fatídico destino se resumia a
duas alternativas: ou obedecê-la sem nunca questionar, ou enfrentar a morte – o “gato
de Schröndiger” novamente!
Lembrou da gargalhada da bruxa, e do que a ex-usuária de droga de uma figa
havia dito antes:
“Adoro ter dois machos aos meus pés!”
Lembranças do comportamento na cama também afloraram. – E o manual
ensinando a fingir o orgasmo?
Yared esteve quebrando a cabeça para entender, mas ficara muito na cara que ele
tinha sido usado num dos tantos jogos daquela mulher. Agora era seu dever descobrir
toda a verdade.
Seu descarte estava próximo. A mulher de cabelo ruivo acobreado já estava
repescando o playboyzinho novamente.
Era o mesmo ciclo abusivo se repetindo. Idealização, desvalorização, descarte e
repescagem. De novo, e de novo. Os amantes mudavam, mas a protagonista vilã em
série era sempre a mesma – a ex-usuária de drogas Lorac!
Agora, tinha de se preparar para segurar a barra. Ele estava hesitando entre dois
pensamentos: ou se separar da mulher e amargar mais um luto emocional, dessa vez
112
com uma filhinha à qual se apegara, ou ter que aceitar as ilicitudes de Lorac, perdoá-la e
tentar levar uma vida a dois como se nada tivesse acontecido.
Ele não tinha certeza qual das duas alternativas possíveis era a pior. De um lado,
não adiantava se recusar a acreditar que tudo aquilo era verdade. E que o advogado não
estivesse falando sério. De outro, seu coração se dilacerava apenas em pensar em
romper com Lorac.
De modo óbvio, havia muita coisa passando por sua cabeça. Ele reuniu seus
pensamentos cuidadosamente. Todavia uma coisa era certa – seu relacionamento
amoroso com Ani Lorac havia ido de mau a pior, e a separação entre eles iria acontecer
de qualquer jeito e era inadiável, infelizmente.
Não obstante, aquela decisão deveria ser considerada não como o desejo pessoal
do linguista em sangue frio, mas como seu derradeiro recurso face aos acontecimentos
que o levaram a vivenciar a noite escura da sua alma.
Por fim, Yared tinha se dado conta de que ele fora apenas uma mini peça
naquele maxi mecanismo movimentado por Lorac com suas manipulações, ideias de
grandiosidade, senso de direito absoluto – a tudo e a todos – fantasias de metas
irrealizáveis e falta de empatia.
Verdade impalatável
113
Ao chegar em casa, Yared se aproximou de Lorac que estava sentada no sofá da
sala com a bebê no colo e, quase esfregando a tela do seu Motorola na cara da mulher,
foi logo falando:
“O que significa essa merda aqui?”
Ainda que Lorac, primeiramente, numa aparente onda de vergonha, tenha
baixado seus olhos, na mesma hora, reagiu e ergueu a cabeça. Seus olhos castanhos
escuros apertados e arrogantes, com letras maiúsculas, encararam o homem sem
pestanejar. Desta vez, todos os fingimentos, todos os jogos, iriam ser colocados de lado.
Cerrou o maxilar com força, determinada a não deixar transparecer nada em suas
feições. Rosto impassível e indecifrável como uma parede. E começou a vociferar num
tom amargo e vingativo de partir para o tudo-ou-nada ou o seja-lá-o-que-Deus-quiser:
“Uma verdade impalatável, meu querido!” – primeiro disparo.
“Você não estava por aqui. Fiz e pronto! E quer saber? Você foi o pior homem
que eu já tive.” – segundo disparo contra o seu atual amante, ou seria futuro ex?
Yared, completamente fora de si, fixou na mulher um olhar feroz e com o dedo
em riste disparou uma rajada de sete tiros:
“Sua vadia! O que você está querendo dizer?”
Diante dessa explosão, Lorac levantou as sobrancelhas, abriu levemente a boca e
arregalou os olhos.
“Você não pode manipular as pessoas como faz com suas bonecas de pano!”
“Queria viver com dois homens ao mesmo tempo?!”
“Eu tinha te falado que não tinha vocação para ser traído!”
“Se você não quisesse mais essa droga de relação era só falar, e a gente
resolvia nossas vidas!”
“Resolvia de outra maneira!”
“Só digo uma coisa, um dia a casa cai, sua ordinária!”
Yared se precipitou em direção à mesa da sala. Pegou o celular de Lorac. Acaso
numa tentativa de conseguir mais provas da traição? A mulher pulou em pé, e mesmo
com a bebê nos braços tomou o aparelho e saiu correndo como uma desvairada pelo
corredor do prédio levando consigo Flor de Lótus.
É complexo descrever com detalhe e minúcia o que adveio em seguida,
principalmente porque acontecera no calor das emoções e logo cedo da manhã, quando
ainda estavam organizando nossa agenda do dia.
Ani Lorac havia se envolvido num emaranhado de mentiras, disfarçando-as com
histórias imaginárias. Uma mentira conduz a outra e antes que ela se desse conta, tinha
ficado enredada em seus próprios embustes.
Ai mesmo, naquela mesma hora, Yared entendeu que estava selado o destino
daquele casal. Daquela família em potencial. Aquela união instável acabara de se
romper por completo. Ou melhor, acabara de se consolidar como um pseudo-
relacionamento. Agora era apenas o clímax do ATO III como nos enredos de cinema.
Por um instante, Yared pensou consigo mesmo:
“Tudo na vida pode ser tirado de você e, geralmente, o será em algum
momento.”
Vestido apenas numa bermuda caseira, numa T-shirt e calçando chinelos, Yared
saiu com sua pasta na mão, completamente desiludido e longe da trilha que pensara
estar seguindo. Havia sido insultado, envergonhado e desonrado.
Rua a fora, andando a esmo, sem saber se seguiria para a direita ou para a
esquerda, sentiu-se desamparado e sem rumo. Tinha cruzado a porta da frente do
apartamento de Lorac. Para dessa vez de modo algum voltar no curso da sua vida.
114
Yared acreditava que era um rico sinal de graça interior quando a caminhada
externa é transformada e quando a impiedade é lançada para longe de nossas ações.
Aqui estava uma experiência passada que seria usada como encorajamento futuro para
não mais realizá-la.
As consequências? Foda-se. Era demasiado tarde para qualquer tipo de
arrependimento. Era tudo ou nada.
“Tomem como princípio que as separações acontecem sem culpa. São, via de regra, inevitáveis.
Quem procura pelo culpado ou pela culpa, em si ou no parceiro, recusa-se a encarar o inevitável.
Procede como se pudesse ter havido uma outra solução, se... E não é verdade. Separações são
consequências de envolvimentos, e cada parceiro está enredado da sua própria maneira.” – Bert
Hellinger
“Assim como há uma maldição envolta nas misericórdias do homem perverso, há uma bênção
oculta para o homem justo em suas cruzes, perdas e tristezas.” – C.H. Spurgeon
Máscara – persona irreal, falso ego que a pessoa utiliza como mecanismo de defesa para
encobrir as sombras e poder conviver em sociedade.
Sombras – todas as artimanhas, mentiras, farsas e estratégias antiéticas que a pessoa desenvolveu
desde tenra idade para agradar os pais e responsáveis, por eles não a deixarem expressar sua essência:
self.
115
O ponto crítico para o falso ego de Ani Lorac fora atingido. Chegara ao epílogo.
Não era mais possível ocultar suas sombras diante daquele espelho chamado Yared. Sua
máscara caíra.
Esvaíam-se com ela todos os sonhos, planos e projetos de vida que o linguista
estivera construindo ao seu lado. Ou melhor, pensava estar construindo.
Nada fora real. Lorac jamais estivera ao lado dele. Ombro a ombro. A rainha era
falsa. Tampouco existia algum rei. Aquele pseudo-reinado caíra por terra.
“A Consciência que Vela pelos Relacionamentos respeita apenas a qualidade real do vínculo e
a ecologia do dar e receber.” – Bert Hellinger
116
15
Guerra jurídica
“Diante do que é certo, ninguém é livre.” – Bert Hellinger
117
“Obrigado, doutor. Mas, antes de tudo, preciso colocar minhas ideias em
ordem. Vou ficar nesta cidade mesmo. Numa pousada. Preciso repensar minha vida.”
“Certo. Faça isso. Fico a sua disposição para qualquer dúvida ou orientação
que o senhor precisar. Só não posso atuar como seu advogado porque a representei
recentemente.”
“Muito obrigado. O senhor me fez um favorzão” – agradeceu Yared
“Cuide-se. Monte uma rede de apoio formada por pessoas que te amam e
possam te ajudar a superar essa crise. Esteja alerta para reagir à situação conforme
ela se desenvolva. Boa sorte!” – desejou o advogado
Era uma vez o caso de amor de um linguista com uma artista. Ele e ela haviam
criado um falso reino. Sonharam em poder satisfazer seus desejos, ambições e interesses
sem pagar o preço. Haviam construído um ilusório castelo no ar.
Lorac era Yared de saia, e Yared era Lorac de calças – a falsa rainha e o falso rei
haviam gerado uma princesa real. Seus falsos egos se aproximaram, se atraíram na
tentativa de realizar seus verdadeiros eus. No entanto, sem o processo de cura
concluído, tudo havia acabado e, essa tentativa fora vã.
Por consequência desse desconhecimento das suas realidades interiores e de que
estamos todos sempre interligados – não somos seres separados, somos seres
individualizados – não entenderam que jamais poderiam reinar sobre pessoas e
acontecimentos agindo de uma forma egoísta. Insensata. Leviana. Separada do todo.
Entre idealizar algo e realmente alcançar seus frutos vai larga distância.
O tal falso reinado havia sido destruído na guerra contra a Realidade como Ela
É. Agora restava contar seus “mortos” e “feridos” – priorizando o bem-estar e a
felicidade da princesa herdeira que havia nascido daquele pseudo-relacionamento
naquele pseudo-reino. Nada mais importava, para que esclarecer, tirar a limpo, acusar e
lastimar-se?
Yared estava com os olhos turvos de lágrimas, seu espírito perturbado, seu
coração envolto em angústia. Uma tristeza avassaladora tinha se apoderado dele. Isso se
devia ao fato de ter advindo a destruição da sua história de amor com a artista ruiva –
sua sugar baby.
Por vezes, nossas melhores ações resultam em acontecimentos lamentáveis. É
possível nos comportar em absoluta harmonia com as leis do Universo e com a própria
consciência, e ainda assim enfrentarmos dificuldades e tragédias. Estas sempre vêm em
bando. A dor tem uma família numerosa.
Flor de Lótus era a única realidade existente que restara daquela infrutífera
combinação de idiomas e artes.
Agora, o “contato zero” seria uma cerca. Uma cerca serve a duas finalidades. Por
um lado, proteger aquilo que encerra dos elementos externos. Por outro lado, evitar que
aquilo que encerra transborde suas fronteiras. Yared deveria evitar que Lorac agisse
para lhe repescar para o relacionamento mais uma vez. Em contrapartida a isto, ele
deveria se conter e se abster de qualquer aproximação com Lorac.
118
Sugar baby love, sugar baby love
I didn’t mean to make you blue
Sugar baby love, sugar baby love
I didn’t mean to hurt you
All lovers make
Make the same mistakes
Yes they do
Yes, all lovers make
Make the same mistakes
As me and you
Sugar baby love, sugar baby love
I didn’t mean to make you blue
Sugar baby love, sugar baby love
I didn’t mean to hurt you
People, take my advice
If you love someone
Don’t think twice
Love your baby love, sugar baby love
Love her anyway, love her everyday
THE RUBETTES
A sala pastoral
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Ao inimigo, a Lei
119
Vinte e sete dias havia transcorrido desde a separação. Yared recebera uma carta
convite da assistência judiciária. Lorac já havia movido o sistema judiciário para ter
acesso à pensão alimentícia da criança.
Sem mesmo tentar um acordo amigável com o pai, que havia lhe enviado uma
proposta, a mulher recorrera à força da justiça.
Um acordo que Yared havia lhe enviado por e-mail foi totalmente recusado de
plano sem nem sequer uma contraproposta.
O dia 27 de novembro daquele ano fora agendado no convite para a tentativa de
conciliação. Yared foi até o escritório público na companhia do seu advogado.
Depois de duas horas de negociação, finalmente um acordo consensual foi
alcançado entre as partes.
No dia estipulado para a assinatura da avença jurídica, o conciliador perguntou
sobre os termos de visita e convivência entre o genitor e a menor para concluir o
documento.
Diferentemente da postura conciliadora de Yared, Lorac criou o maior problema.
Reclamou. Resmungou. Protestou. Ela era o tipo de pessoa que se irritava com as coisas
mais idiotas e triviais. Como se tudo tivesse a obrigação de ser exatamente como ela
queria.
Não quis sequer conversar sobre esse ponto de peso numa lide de direito familiar
envolvendo menor em tenra idade – assegurar o direito de Flor de Lótus de conviver
com o pai dela.
E o mais doido nisso tudo era que a genitora estava assinando em baixo sua
alienação parental e reforçando a versão da velhota advogada concernente à dúvida de
paternidade da bebê.
Yared achou melhor parar a conversa por ali antes que as coisas saíssem do
controle. E informou ao conciliador que, naquele momento, seria prioritário assinar o
acordo de alimentos. Ele ingressaria na justiça posteriormente para ver sua filha.
Por essa maneira, os genitores assinaram o contrato e se dirigiram para o cartório
a fim de reconhecer firmas e tirar cópias autenticadas para cada uma das partes.
Ao terminar a legalização dos documentos, Yared entregou uma cópia para a
mãe da criança. Guardou a sua cópia na pasta.
Caminhou até a porta de saída e se despediu:
“Boa sorte!”
“Obrigada.” – respondeu Lorac saindo do prédio sem olhar para trás.
Acaso, exatamente da mesma maneira que fizera ao entregar a carta de
despedida àquele namorado, a vida do qual ela estava destruindo? Chegara a vez de
Yared.
“Na vida, encontramos pessoas que são más, inquestionavelmente más sem sombra de dúvida.
Quando você descobrir que seu vizinho é iníquo, mantenha-se distante dele. O efeito da associação com
o mal é frequentemente fatal. O que a Mishná está rejeitando é a ingenuidade idealista que se recusa a
crer que existam mesmo pessoas más, e o otimismo ingênuo de que, mesmo se alguns são
momentaneamente iníquos, nós poderemos emendá-los em pouco tempo. Quando a proximidade do mal
afeta você diretamente em sua vida pessoal e emocional, então a discrição é a melhor política: ponha
distância entre você e seu vizinho malvado.” - Irving M. Bunim
A pandemia
120
Em meados de janeiro de 2020 Yared teve um sonho que o perturbou.
Despertou um tanto abalado, se levantou, ligou seu notebook DELL e começou a
digitar:
- Encontrava-me na praia do litoral da nossa cidade. Estava usando
meu uniforme militar. Tinha centenas de homens ao meu comando para
defender nossa capital de uma invasão que estava acontecendo pelo mar.
Avistava uma grande quantidade de submarinos emersos, dos quais
centenas de soldados desembarcavam em botes infláveis se dirigindo para a
cabeça de praia.
De repente... Rat-rat-rat! rá-tá-tá! Nossa trincheira era alvejada por
uma rajada de um fuzil Kalashnikov de assalto de calibre 7,62x39mm –
conhecido como AK-74. Empurrei um dos meus homens para baixo,
fazendo-o mergulhar de cara no buraco que havíamos escavado para nos
proteger, e eu mesmo me joguei como um gato para dentro do fosso feito no
solo cuja profundidade e parapeito servia como abrigo aos nossos
combatentes. Porém, antes do salto, tinha fitado de soslaio o inimigo – era
um soldado chinês! Estava usando um respirador N95 branco, além de estar
armado até os dentes no seu uniforme de combate multi CAM.
Fora um sonho extremamente realístico, com riqueza de detalhes –
colorido, com odores e barulho do alvoroço de uma batalha típica.
Impressionado com o realismo daquele sonho, Yared contou para
dois dos seus irmãos e para um youtuber famoso que fixou o texto na sessão
de comentários.
121
A profissão de Yared inextricavelmente ligada ao turismo, meio universitário e
viagem testemunhou uma queda de noventa e cinco por cento no seu aporte de clientes e
fluxo de caixa.
Os serviços públicos ficaram uma lesma. O acesso passou a ser exclusivamente
virtual. O sistema judiciário passou a atender tão-somente casos considerados de
urgência.
A ação de averiguação de paternidade que Yared havia ingressado ficou travada
porque a clínica conveniada com o tribunal de justiça tinha paralisado suas atividades
por falta de verba.
O linguista teve de esperar pacientemente por quase dois anos. Aguardava a
prova científica concernente ao fato de que seria ou não realmente o pai biológico de
Flor de Lótus.
Durante esses “dois séculos” de espera insidiosa, Yared ficou completamente
afastado da sua filha. Afastamento imposto pela genitora, contra o quê ele não podia se
opor pessoalmente. Frontalmente.
A mulher, após ter o acordo de pensão alimentícia assinado pelo genitor, naquele
mesmo dia em que ele desejara boa sorte e ela havia agradecido, atravessou a rua e foi
até uma delegacia especializada da mulher.
Moveu um processo contra o excompanheiro. Fez uso da famigerada Lei Maria
da Penha criada para proteger as supostas frágeis mulheres contra seus supostos
monstros e agressores homens. A suposta vítima, preencheu três páginas completas com
difamações, calúnias e injúrias.
Envergonhar um semelhante em público mediante uma falsa notícia crime em
sede de uma delegacia. Esta é uma grave e violenta ruptura do pudor nas relações
humanas, tipificada como crime contra a honra no Código Penal.
Mas que crime ele havia cometido para ser tratado daquela maneira?
Levando em conta sobre toda aquela situação, Yared lembrou do que lera num
dos seus livros favoritos:
“A pessoa que se entrega ao hábito da calúnia é um hipócrita vil. A
saúde de tal persona é facilmente julgada por sua língua. Boca imunda,
coração imundo. Alguns caluniam quase com tanta frequência quanto
respiram. Sua língua trama enganos. Este é um tipo de calúnia mais
intencional, em que a pessoa elabora falso testemunho com destreza e
inventa métodos de difamação.”
Ele precisou recorrer a advogados para se defender legalmente. Pois, se ele não
fosse por ele quem o seria? Seria documento a merecer crédito a palavra de uma homem
num caso jurídico contra uma mulher?
Aquilo era apenas o começo da sua via crucis.
Qual é de fato o sexo fragilizado na nossa sociedade supostamente machista?
“Se você quiser encontrar algum mérito numa pessoa, julgue-a como um todo. Você certamente
encontrará alguma característica redentora, alguma realização louvável, algum traço de caráter digno
de elogio.” – Irving M. Bunim
122
“Os homens estão em retirada. São cada vez mais desprezados pelas mulheres;
com isso, aumentam os casos de vício. É um fenônemo absolutamente normal. As
mulheres não podem simplesmente excluir os homens.”
“O papel da vítima é a mais refinada forma de vingança.”
“Na luta pelo poder, quem vence são as vítimas.” - Bert Hellinger
Marco Antonio Heredia Viveros, ex-marido de Maria da Penha, na sinopse do seu livro A VERDADE
NÃO CONTADA NO CASO MARIA DA PENHA, se expressa:
“Havendo sido escandalosamente ludibriados e desrespeitados os pilares da Constituição pátria,
os artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e a opinião social do país por mais de duas
décadas, através de convenientes fraudes processuais vimos hoje através destes trabalhos, retirar as
mordaças que haviam sido colocadas na boca do autor, tanto pelo poder judiciário e executivo cearenses,
como pelos Meios Sensacionalistas de comunicação, Expressão e Informação em massas alencarinos, e
assim trazer a público os fatos delitos e transgressões chamadas crimes, apresentadas num processo, cuja
única finalidade foi a de forjar e incriminar com falsidades e condenar um inocente. Desta maneira
levamos ao conhecimento dos níveis superiores dos poderes executivo, legislativo e judiciário estaduais e
federais, das pouquíssimas Comissões dos Diretos Humanos, que ainda contam com profissionais de bom
caráter, competentes e de indiscutíveis valores éticos e morais, a verdade que permaneceu escondida e
que trata sobre as razões que concorreram para que um inocente útil e vulnerável fosse sumária e
injustamente condenado e encarcerado como se fosse o pior dos seres humanos por um “Tribunal de
Estado”. Tudo isto promovido através de uma dissimulada encenação dantesca do Ministério Público e
Poder judiciário onde eu residia em conluio com os meios sensacionalistas de comunicação, expressão e
informação em massas, com a Comissão dos Direitos Humanos e da Mulher e com uma perversa e
demoníaca Jezebeth que anos depois por interesses políticos fora transformada de maneira equivocada na
fada madrinha da Lei 11.340. Com certeza as pessoas sentirão satisfação ao conhecer, finalmente esta
dolorosa realidade e quais os fraudadores que as enganaram e manipularam por tantos anos!.
Todas as ilegalidades e imoralidades praticadas pelas autoridades processantes em conluio com
os Meios Sensacionalistas de comunicação, expressão e informação em massas durante a ação penal
0001958267 transitada na 1ª. Vara do Júri da comarca de Fortaleza, vieram a descaracterizar dita ação
penal a convertendo numa GRANDE FARSA!”
“A miséria causada a um bom homem por relatos caluniadores não pode ser concebida por coração
algum exceto aquele que por eles é ferido. Em todo o arsenal de Satanás não há armas piores do que
línguas enganosas. Ter uma reputação pela qual vigiamos com cuidado diário repentinamente
123
esborrifada com as mais sujas aspersões, é doloroso de modo que não se pode descrever; mas quando
homens perversos e enganosos abrem por completo suas bocas, dificilmente podemos ter mais esperança
que outros, de que escaparemos.” – H.C. Spurgeon
Parte 5
124
16
Matemática e amor
“Existe um direito básico da criança a seus pais e a seu grupo familiar. Na Alemanha, este
direito é assegurado por lei: a criança tem o direito de saber quem é seu pai. A mãe precisa revelar à
criança o nome do pai.” – Bert Hellinger
99,9999
“Bom dia! Pois não senhor, posso ajudá-lo?” – perguntou polidamente a moça
do outro lado do balcão de atendimento da clínica. Esse estabelecimento de serviços
médicos estava localizado no interior de um grande shopping center na zona norte da
região metropolitana da cidade.
“Bom dia! Meu nome é Yared. Gostaria de saber se o resultado do meu teste de
DNA já está disponível.” – respondeu o suposto pai apreensivamente.
“Por favor, me passe seu documento de identificação pessoal e o número de
protocolo do exame, senhor.” – solicitou a atendente.
Dois ou três minutos depois, uma mulher alta, esguia e elegante, trajando um
jaleco longo e alvíssimo veio até o balcão, cumprimentou Yared e lhe entregou um
envelope grande, tamanho ofício, lacrado.
“Senhor, aqui está. Muito obrigada pela preferência.” – falou gentilmente a
perita labratorial.
Yared recebeu o envelope, agradeceu e se retirou apressadamente para a área de
circulação do shopping.
Era bem cedo da manhã, as lojas ainda todas fechadas, movimento de pessoas
muito reduzido, se limitando apenas a funcionários que estavam chegando para iniciar
sua jornada de trabalho e pacientes de clínicas e laboratórios que ficavam dentro do
conglomerado de estabelecimentos comerciais.
O suposto pai colocou sua pasta sobre um balcão externo de um quiosque ainda
fechado e abriu o envelope que tinha a informação se ele de fato teria engravidado
Lorac naquela noite da dança-do-ventre.
Puxou quatro folhas de papel A4 meio enegrecidas de tantas letras, números e
tabelas. Passou pelas páginas, rapidamente, tentando localizar onde estava a seção:
resultado. Encontrou, e leu a primeira vez. A segunda. A terceira. Engoliu em seco.
Suspirou e resolveu compartilhar a conclusão do teste com sua mãe. Desta maneira,
abriu os contatos e pressionou em MAMÃE. Mas, não conseguiu contato e resolveu ir
pessoalmente até ela para lhe contar.
125
Material Biológico
Material: Sangue Total Impregnado em Papel de Filtro
Informações Técnicas
A investigação de vínculo genético de filiação por DNA permite inferir com alta probabilidade
se um indivíduo é ou não o pai biológico de outro indivíduo.
Este é baseado no fato de que cada indivíduo possui 23 pares de cromossomos, sendo que para
cada par, um cromossomo é proveniente da mãe e outro do pai biológico.
A maioria das informações genéticas é identica para os diferentes indivíduos da espécie humana
e, por este motivo, somos muito parecidos. No entanto, para algumas informações genéticas existem
pequenas diferenças que são denominadas polimorfismos. O estudo das regiões polimórficas,
denominadas locos, permite avaliar as relações de vínculo genético entre duas pessoas.
O laboratório optou por utilizar o kit comercial GlobalFiler Express PCR Amplification da
Applied Biosystems que analisa um conjunto de locos autossômicos e a amelogenia (marcador sexual).
Este este é realizado pela metodologia da PCR (“Polymerase Chain Reaction”) seguida de eletroforese
capilar fluorescente através do equipamento “AB Phome Genetic Analyzer”.
Cada indivíduo possul dois alelos para cada loco (um proveniente da mãe e outro do pai). O teste
identifica quais são os dois alelos presentes em cada individuo analisado. Partindo do perfil do (a) filho
(a) e assumindo que a mãe é de fato mãe biológica, é possivel identificar qual alelo é proveniente da mãe
e qual obrigatoriamente é provenieme do pai biológico. Com base nestes dados é realizada a análise para
cada um dos locos estudados, gerando um laudo que poderá concluir que:
Se se a análise para um conjunto de locos, quatro ou mais alelos obrigatórios paternos não
estiverem presentes no suposto pai em questão, a hipótese de vínculo genético é rejeitada com
100% de certeza. Caso isto não ocorra um número maior de locos é analisado. O resultado de
exclusão só é liberado após repetição do procedimento.
Se em todos os locos estudados, os alelos presentes no (a) filho (a) e não provenientes da mãe
são encontrados no suposto pai em questão, a hipótese de vínculo genético não pode ser
excluída. Isto leva à conclusão de que o suposto pai é de fato, o pai biológico. Além disso, um
cálculo é realizado para determinar a probabilidade de este individuo ser realmente o pai da
criança, ou seja, qual seria a chance de encontrar na população outro indivíduo que apresentasse
o mesmo perfil de alelos compartilhados que do suposto pai. Os cálculos de probabilidade são
baseados nas frequências alélicas da população brasileira, previamente publicadas na literatura.
Ocasionalmente, pode ser detectada inconsistência genética em um único loco (raramente em
dois) do total de locos analisados. Nessa situação, considera-se que houve mutação durante a transmissão
do alelo peterno. Como as taxas de mutação para cada loco são conhecidas, os cálculos dos Índices de
Paternidade para cada loco podem ser ajustados comespondentemente.
A inclusão só é aceita quando a Probabilidade de Paternidade for de no mínimo 99,99%, para
testes entre filho e suposto pai e 99,999 para testes entre mãe, filho e suposto pai, (considerando-se
sempre uma probabilidade a priori de 0.5). Caso isto não ocorra, um número maior de locos é analisado
até a probabilidade adequada ser atingida.
O resultado é apresentado na forma de uma tabela onde para cada loco gênico são descritos os
alelos encontrados na mãe, filho(a) e suposto pai. A última coluna refere-se ao Índice de Patemidade, que
avalia para cada loco, quantas vezes é mais provável que o indivíduo analisado seja o pai biológico em
relação a um homem qualquer na população (é uma razão entre duas hipóteses mutuamente excludentes).
O Índice de Paternidade acumulado é obtido pelo produto dos índices de cada região analisada. No final
existe a conclusão da análise e a Probabilidade de Paternidade.
Circunstâncias especiais:
O exame não pode ser realizado em amostra de sangue quando uma pessoa foi submetida a
transplante de medula óssea. Em casos de transfusão sanguínea recente (há menos de três meses) o
laboratório, quando necessário, poderá solicitar nova coleta de material biológico. Nestes casos poderá ser
coletado outro material, como por exemplo, células epiteliais da boca (“raspado de bochecha”).
Conclusão
126
A partir das frequências destes alelos numa amostra representativa das populações estudadas e da
combinação de alelos nos examinando, verifica-se que o índice de paternidade acumulado é de
18.476.930.88.
Concluímos, portanto, que Yared é o pai biológico de Flor de Lótus com probabilidade de
paternidade de 99,9999 por cento.
“...cada indivíduo possui 23 pares de cromossomos, sendo que para cada par, um
cromossomo é proveniente da mãe e outro do pai biológico.”
Não deveria também essa simetria se estender a todos os âmbitos dos relacionamentos
entre os gêneros masculino e feminino?
“Um dos principais problemas na psicoterapia é que muitas mulheres agem como se os homens
e os pais não tivessem direitos. Não são, nem ao menos, levados em conta, como se tudo o que se diz
respeito às crianças fosse um assunto exclusivo das mulheres.” – Bert Hellinger
127
- Infelizmente, não tem acordo. Minha cliente mandou o senhor
procurar a justiça se quiser ver sua filha.
Ccc
17
Somos mortais, afinal...
128
“Tanto plebeus como os de fina estirpe, todos juntamente, ricos e pobres em breve se reunirão
na sepultura, na congregação dos mortos, onde todas as diferenças de classe serão obliteradas.” – C. H.
Spurgeon
“Ali jazem os ossos de um orgulhoso monarca, que se ornamentou como um pequeno deus,
ossos misturados às cinzas de seus súditos mais pobres! A morte apoderou-se dele em sua mais elevada
vaidade; acabara de voltar de uma conquista e sua mente soberba foi engolida com o poder e a
grandiosidade que ele possuía, quando uma flecha fatal perfurou seu coração e imediatamente acabou
com todos os seus artifícios e pensamentos em extinção; neste momento o sonho de glória desapareceu e
todo o seu império foi confinado à sepultura.
Ali, um corpo que tanto fora mimado e tão solicitamente atendido, cuja beleza e forma foram
tão tolamente admiradas, agora corpo fétido e pútrido; nada além de insetos o apreciam. Uma mudança
tão profunda causada pela morte. Agora veja, junto a isto, as ingloriosas cinzas de um pobre coitado,
rico e ganancioso, cuja alma estava atrelada a este mundo e abraçou-se em seus tesouros; com que
poderosas agonias e convulsões a morte o separou desta Terra? Como suas mãos se agarraram a seu
ouro! Com que desejos violentos se atou à sua prata! Todos estes fracos e infrutíferos!” - William
Dunlop
A lepra
Y ared estava passando por outra crise existencial. Outra fratura emocional e
psicológica. Outro luto. Outro sofrimento profundo de tristeza e pesar.
O primeiro pelo falecimento da esposa depois de 32 anos de convivência – até que a
morte os separe. Desde o primeiro encontro do casal na celebração do aniversário de
setenta anos do seu sogro até o fatídico dia do falecimento da senhora Lovingdale
naquele leito hospitalar pintado com um frio branco gelo.
O segundo pela perda do vínculo afetivo com Ani Lorac depois de 32 meses.
Desde o primeiro encontro na sofisticada livraria na área boêmia da cidade até o dia que
ouvira a verdade impalatável da boca da ruiva.
Na primeira depressão iniciara uma terapia ocupacional que, por ironia do
destino, o levou a conhecer aquela com quem, e através de quem iria mergulhar na
segunda depressão.
Na segunda iria precisar enfrentar um complexo e longo tratamento médico, que
o levou a buscar as causa profundas da moléstia física num curso de formação em
terapia sistêmica.
Ciclos. Sempre ciclos. O primeiro durara 32 anos numa escala anual – 32
rotações – um ciclo solar. O segundo 32 meses numa escala mensal – 32 translações –
um ciclo lunar. Um se fechando para a abertura de outro num encadeamento que o
estava conduzindo vida a fora.
E essa forma de funciomento do universo atinge a tudo e a todos. Sem princípio
de dias ou fim de anos.
Levamos nove meses para nascer, cumprindo todo o ciclo de desenvolvimento –
desde o momento mágico da fecundação até virmos à luz. Uma bela borboleta antes foi
uma lagarta num casulo preparatório.
Natura non facit saltus – locução latina que significa “a natureza não dá saltos”.
Aforismo de Leibniz cuja interpretação é a seguinte: a natureza não dá origem a gêneros
absolutamente separados uns dos outros; há sempre entre eles elos intermediários.
Yared estivera encerrado no seu casulo, e precisava rompê-lo para levar a cabo
sua tarefa mundial, a qual cada alma herda nesta vida física como um dom que se é
incumbido de dar ao mundo.
Dois anos e seis meses atrás, ele se encontrava completamente identificado com
sua personalidade ainda ingênua e desprovida da maturidade e força necessária para
aceitar a Realidade Como Ela É. Vivia numa zona de conforto negativa, no seu mundo
129
ordinário, no seu status quo de maridão e paizão, a despeito de nutrir no seu íntimo o
desejo de expressar mais livremente sua essência, seu Eu Real, seu Self.
Seu casamento com a senhora Lovingdale havia lhe proporcionado as condições
necessárias para realizar sua tarefa pessoal, na qual temos o propósito de aprender a
expressar uma parte nova da nossa identidade. Porém, ele precisava ampliar sua
consciência, superar seus traumas infantis, suas sombras, tirar suas máscaras e assumir
sua essência, seu Self.
Até certo ponto, o relacionamento relâmpago com a artista Ani Lorac havia lhe
proporcionado a oportunidade de romper com aquele marasmo, aquela estagnação em
que se encontrava, por temer o novo, a aventura e o diferente. Sob certos aspectos, foi-
lhe extremamente útil no sentido que quebrou a casca em que vivia, e o forçou a ter
contato com seu Eu Real. A experiência lhe fora bem dolorosa, mas assaz útil.
Yared percebera que o processo de amadurecimento interior não caminha numa
via linear contínua e progressiva, mas por saltos e revoluções.
Fala-se que o melhor remédio é sempre o amargo. Fora um verdadeiro “salto
quântico” na sua evolução de consciência. Depois do qual ficaram uma grande lição e
uma grande oportunidade.
Uma grande lição de aceitar tanto a Realidade como Ela É como suas leis
fenomenológicas, buscando viver de acordo com elas. Uma grande oportunidade de
exercer sua função paterna novamente. Mas, dessa vez, se tornando uma versão
revisada e ampliada do paizão do Yared antigo.
Resumidamente, em alguns aspectos, ambos os relacionamentos foram
imprescindíveis para sua história de vida. Foram etapas do seu processo evolutivo como
ser humano. As duas tinham servido para ajudá-lo a alcançar sentidos mais precisos
acerca da realidade, e ele estava agora suficientemente instrumentado para desvelar a
natureza das coisas, a Realidade como Ela É e suas verdades.
No que se refere à realidade deste mundo, é inevitável que todos vivenciamos
ciclos de encontros com o tempo. Cada novo circuito na espiral do tempo acaba dando
origem a significativas mudanças e oferece oportunidades renovadas. Um se fechando
para o outro se abrir. Por conseguinte, nossa forma de enxergar aquela realidade é
modificada, ampliada, amadurecida.
Esse fluir do tempo, estava catapultando Yared para realidades mais amplas e
verdadeiras, fazendo-o escapar da prisão do tempo pessoal limitado.
Ademais, nunca é tarde demais para se recomeçar e passar a viver de forma
diferente daquela que vivíamos anteriormente. Ele sentiu que deveria abandonar o velho
homem, como a cobra abandona sua antiga pele!
“O passado não está mais aqui, o futuro ainda não chegou. O presente dura um piscar de olhos
– então que nos preocuparmos? Se, na verdade, só vivemos no presente, então faremos bem em procurar
nossas realizações aqui e agora.” – Ibn Ezra
“Parabéns, irmão Yared pelo seu batismo em nossa congregação. Seja muito
bem-vindo!” – cumprimentou-lhe a irmã batendo com firmeza na sua mão direita, e lhe
dando um apertado abraço fraternal.
130
“Muito obrigado, irmã. Sinto-me muito acolhido e apoiado no seio dessa nova
família que ganhei no convívio com vocês.” – agradeceu Yared.
Aquele abraço fora afetuoso e cordial. Aquelas tapinhas na destra deram-lhe um
sinal de informalidade e...de que algo estava errado naquele seu membro superior
direito.
Yared sentira uma ligeira dor sobre o dorso da mão direita com as batidas da sua
irmã de fé. Não tinha sido tão fortes assim, mas a sensibilidade da pele parecia estar
exacerbada.
Porém, nada a se preocupar. Afinal, era dia de festa, e ele quase nunca estivera
doente ou se importara com seu estado de saúde.
Alguns meses transcorreram depois da solenidade de batismo. A mão
“espancada” pela irmãzinha religiosa apresentava agora uma leve mancha avermelhada
escura, quase roxa, se assemelhando a uma queimadura ou marca de nascença. Yared
continou sem levar em conta aquela sutil alteração no seu corpo, entretanto.
Certo dia foi almoçar na casa de sua mãe, que ao observar seu filho mais
atentamente, comentou:
“Yared, o que é isso na sua mão? Levou alguma queimadura, meu filho?”
“Não minha mãe. Esse troço me apareceu mais ou menos três meses atrás.”
“Me mostre aqui. Deixe-me ver mais de perto. Tô sem meus óculos.” – falou sua
mãe com um tom de preocupação e curiosidade.
“Hummmm... isso tá me parecendo hanseníase. Já foi ao médico?”
“O que, mamãe? Vira essa boca pra lá. E eu lá vou tá com essa doença
horrível?!” – exclamou ele.
“Pois, vá ao médico fazer exames. Não brinque com sua saúde, meu filho.”
“Tá bom. Vou marcar uma consulta, sim. Pode deixar.” – prometeu ele.
“Sr. Yared, por favor, sente-se naquela maca ali. Vou lhe examinar mais
detalhadamente.” – disse a jovem e bonita dermatologista.
“Vou agora fazer o teste de sensibilidade. Dê-me sua mão direita.” – instruiu a
médica.
“O que sente?” – perguntou ela.
“Nada, doutora”
A médica passou um algodão umedecido em álcool sobre algumas marcas
vermelhas arroxicadas, um tanto salientes, como nódulos ou placas que agora tinham se
espalhado da mão direita para os braços, tronco e pernas do paciente. Inclinou a cabeça,
avaliando, examinando-o com atenção.
“E agora?”
“Nadinha.”
“O senhor tem sentido algum formigamento ou dormência?”
“Sim. Tenho sentido formigamento ou dormência na mão direita, ao longo do
braço direito e também nos dois pés.”
“Sr. Yared, o diagnóstico é hanseníase. O senhor sabe de algum caso na
família?” – quis saber a médica na sua anamnese.
131
Sua testa estava franzida, tentando compreender todas as implicações daquele
diagnóstico. Uma expressão de choque e incredulidade espalhou-se pelas suas feições, e
dizer que Yared tinha ficado espantado era o mínimo. Ele olhou para a doutora como se
tivesse visto uma assombração.
“A doença, em si, é um sinal de que você está desequilibrado porque se esqueceu de quem é.
Mensagem direta dirigida a você, diz-lhe não só que você está desequilibrado, mas também lhe mostra
os passos que o levarão de volta ao verdadeiro eu e à saúde. Essa informação é muito específica; basta-
lhe saber chegar a ela.” – Barbara Ann Brennan
132
“Aproveita cinco antes que cinco:
Tua juventude antes que chegue tua senilidade;
tua saúde antes que chegue a enfermidade;
tua riqueza antes que chegue a pobreza (necessidade);
tua desocupação antes que chegue a ocupação;
tua vida antes que chege a morte.” – Muhammad
“Existem dificuldades que precisam ser enfrentadas, e o esforço, a luta e a perseverança são de
suma importância para o sucesso em qualquer que seja o empreendimento.
Não é vantajoso lutar contra a escuridão e a adversidade: é muito melhor aumentar a luz, o
bem e o conhecimento.” – Henrique Stiefelmann
Em busca da cura
“O passado não decide todo o destino do homem. O homem não é apenas aquilo que ele é, é
também aquilo que ele decide ser.” – Viktor Frankl
133
“Tá bem, senhor. Eu espero sim.” – a voz de Yared estava destituída de vigor e
determinação como costumava ser antes desse fatídico diagnóstico.
“Venha. Saia da fila. Fique sentado ali naquele banco de espera. Assim que
Sebastian chegar eu lhe encaminho.”
Quando a enfermeira saiu com a senhora Lovingdale da sala de procedimentos
bem antes do esperado e a levou para a sala de repouso, Yared havia antevisto algo de
errado naquele exame de rotina. Agora, ele também estava sendo retirado, tipo
“isolado”, da fila das pessoas com uma “doença comum”.
Num determinado momento, Yared ergueu os olhos e avistou um homem alto,
magro, barba por fazer, uma barriga protuberante caindo por cima do cinto, vestindo um
jaleco um tanto desbotado e surrado pelo uso excessivo. Era a representação
emblemática do funcionário cansado e às vésperas da aposentadoria, cumprindo seus
derradeiros dias de expediente.
O homem olhou em sua direção, e de onde estava, a alguns metros de distância,
lhe dirigiu a palavra, quase aos gritos:
“Senhor Yared?”
Yared meneou a cabeça afirmativamente.
“Senhor Yared, siga-me até minha sala de exames. Eu sou Sebastian o único
especialista em hansen nesse hospital inteiro.” – foi falando o funcionário de aparência
pitoresca.
De forma semelhante que Yared havia montado a rede de apoio para o plano de
parto de Lorac, ele agora precisava montar a sua própria rede, igualmente. Deste modo,
além de advogados, cercou-se mais estreitamente de seus familiares, amigos, uma
terapêuta transpessoal e passou a frequentar com regularidade a instituição religiosa na
qual havia se batizado e a ter longas conversas esclarecedoras com o pastor responsável.
135
“Quando a circunstância é boa, devemos desfrutá-la; quando não é favorável, devemos
transformá-la; e quando não pode ser transformada, devemos transformar a nós mesmos.” – Viktor
Frankl
Yared iniciara sua jornada para o despertamento a fim de se lembrar quem ele
era – de se recordar da sua essência. Queria sinceramente se capacitar a se tornar uma
pessoa melhor, mais saudável, como consequência, mais útil ao semelhante. Queria
levar a cabo sua missão mundial que tinha ficado para trás no seu afã de satisfazer os
desejos, aspirações, metas, prazeres e vontades do seu falso ego.
Para isso precisava ter a condição colocada num diálogo do poeta romano
Juvenal sobre o que as pessoas deveriam desejar na vida: Mens sana in corpore sano!
“No estado de saúdel, a força vital espiritual autocrática que dinamicamente anima o corpo
material, reina com poder ilimitado e mantém todas as suas partes em admirável atividade harmônica,
nas suas sensações e funções, de maneira que o espírito dotado de razão, que reside em nós, pode
livremente dispor deste instrumento vivo e são para atender os mais altos fins de nossa existência.” –
Samuel Hahnemann
O terapeuta
Havia se passado seis meses desde o início do tratamento com PQT. Yared já
apresentava melhoras significativas. Deixara de sentir o formigamento e a dormência
nos membros superiores e inferiores. E as manchas espalhadas pelo corpo começavam a
desaparecer. Seu organismo biopsíquico estava vencendo a guerra contra aquela
moléstia. Os obstáculos tinham começado a cair, as dificuldades a serem derrubadas.
E ele fazia reflexões contínuas acerca da sua enfermidade.
- Que significa essa doença para mim? Qual é a mensagem que o meu corpo me
transmite?
“Todos criamos doenças no nosso corpo físico. Se olharmos para trás, procurando-lhe a causa
original, veremos que ela tem sempre por base o fato de esquecermos quem somos. Enquanto
acreditamos que precisamos separar-nos para nos individualizar, continuaremos a criar doenças.”
136
“A dor é o mecanismo embutido que nos adverte da necessidade de corrigir uma situação,
dirigindo-nos a atenção para o fato de que algo está erradoe e nos cumpre fazer alguma coisa nesse
sentido. Se não tivermos atentado para nós mesmos antes, se continuamos a ignorar o que sabemos
desejar ou precisar fazer, a dor nos acabará ajudando a fazê-lo. A dor nos ensina a pedir ajuda, e cura e
é, portanto, uma chave para a educação da alma.” – Barbara Ann Brennan
137
Sem perder tempo, ato contínuo àquele insight, ele redigiu uma proposta e
enviou no instagram do médico que era o fundador e diretor do instituto.
- Prezado, Dr. Alexander. Meu nome é Yared e sou tradutor e
intérprete profissional. Achei seu curso de consciência sistêmica muito
interessante e importante. Acredito que deveria ser lançado a nível
mundial. O que o senhor acha da ideia de traduzir todo seu material
didático e legendar suas vídeo-aulas para que este conhecimento alcance
uma população exponencialmente maior em todo o planeta Terra. Estou a
sua disposição para conversarmos sobre o assunto. Cordialmente, Yared.
Pronto. Tinha feito a sua parte. Agora ia esperar o universo agir.
Sete dias havia transcorrido, e nenhum retorno da proposta. Absolutamente
determinado a fazer o curso, ele ponderou mais detidamente sobre qual seria o motivo
da ausência de resposta.
Ah! Aquele era um homem deveras ocupado. Uma mensagem de um
desconhecido perdida no meio de centenas de outras tinha escassa chance de ser lida.
Por esta razão, ele teria que pensar numa outra forma de chegar até o chefão. Foi
quando com mais pesquisa identificou o nome de uma moça com o mesmo sobrenome
do médico.
- Então é isso! Essa moça é filha dele. Vou escrever pra ela! – refletiu e
decidiu Yared.
Replicou o texto, mas dessa vez na janelinha de mensagens privadas do
instagram da garota. Três dias depois chegou a resposta tão esperada.
- Olá, Yared. Sou filha do Dr. Alexander. Li sua mensagem e uma
assistente nossa vai entrar em contato com o senhor.
Yared, incontinenti, digitou radiante de contentamento o texto:
- Muito obrigado. Fico feliz com isso. Vou aguardar ela fazer contato.
Que genial! Que ideia formidável! Alguém ou algo tinha lhe soprado aos
ouvidos como conseguir fazer o curso sem envolver pagamento com dinheiro. Sua
mensagem encontrara eco do outro lado. E pelo texto da moça, havia chance da
esperada permuta.
- Yared, meu nome é Greta. Tabalho como administradora do instituto. A
direção ficou muito interessada na sua proposta. Queremos fazer um teste do seu
trabalho. Pode ser? – dizia a mensagem de texto recebida no mesmo dia do contato da
filha do Dr. Alexander.
Não cabendo em si de tanta alegria, o linguista digitou de volta:
- Olá! Muito obrigado pelo contato e interesse na minha proposta. Estou pronto
para fazer o teste. Pode enviar para o meu email: yaredauthor@zohomail.com.
O teste que havia sido combinado para dali a 5 dias no primeiro contato, fora
antecipado por força da euforia e expectativa que a proposta de Yared tinha causado na
direção da empresa.
O instituto estava se preparando para lançar o curso nos Estados Unidos quando
recebeu a mensagem de parceria do linguista. Que coincidência! Ou melhor – que
sincronicidade! Ou então, como seu irmão da igreja, descontraidamente costumava se
referir a esse fenômeno: Jesuscidência!
138
A sincronicidade (do grego “syn”, junto, e “chronos”, tempo) é a designação do psicólogo suíço
Carl Gustav Jung (1875-1961) para um princípio que deveria explicar a relação significativa não causal
de acontecimentos, a “coincidência significativa” de dois ou mais fatos. Se aceita a hipótese, a adoção de
uma função psi – que tornaria possível uma explicação causal – torna-se supérflua. A hipótese foi
desenvolvida por Jung num trabalho conjunto com o físico austríaco Wolfgang Pauli (1900-1958).
139
Passados nove meses desde outubro do ano anterior – um tempo de uma
gestação – Yared concluía seu curso, se formando em Analista e Constelador Sistêmico
pelo conceituado instituto do Dr. Alexander. E nascia um novo homem. Seu Self havia
despertado. Começou a idealizar a migração de carreira. Sentiu que suas atividades de
linguistas estavam chegando ao fim. Era o fechamento de um ciclo profissional. Era a
abertura para um outro.
“Não perca a esperança diante da tirania das condições prevalecentes. Momentos de grande
alegria como períodos de desgraças escuras podem ser experimentados com comedimento, pois tudo é
efêmero e transitório. ‘Nossos dias são como a sombra que passa.’ Tanto os júbilos como o sofrimento
bem cedo terão passado.” – Irving M. Bunim
Parte 6
140
Reminiscências, reflexões e amadurecimento
Capítulos 18-22
Θ CAPÍTULO 18 – A dor
Θ “Chegou papai!”
Θ Jardim da infância
Θ Medo e insegurança
Θ A maior dor do mundo
Θ Um novo ser
Θ CAPÍTULO 19 – A cegonha
o A maior invenção da humanidade
o O livro misterioso
Θ CAPÍTULO 20 – Uma língua franca
o Um povo distante com língua estranha
o Meu primeiro livro de inglês
Θ CAPÍTULO 21 – Rito de passagem
o “Se não...pode deixar de ser macho!”
o “Ela é bem gostosa e limpinha!”
o “Tira a roupa e vem pra cima de mim!”
Θ CAPÍTULO 22 – Meu primeiro amor
o “King Kong
o Um homem completo, afinal
Θ CAPÍTULO 23 – “Vou casar com você!”
o Meu primeiro emprego
o Profecia revelada
o Profecia não revelada
Θ CAPÍTULO 24 – Rumo ao novo desafio
o Êxodo
o Meus alunos
o Alunos certos no curso errado
o Minha “Dream School”
o Necessidade e ambição
o Ciência e negócios
141
o Pioneirismo e lucros
142
18
A dor
“Quando a principal interrupção do fluxo de energia vital se verifica mais cedo, se dá o nome
de estrutura esquizoide. Nesse caso, a primeira experiência traumática se registrou antes do nascimento
ou por ocasião dele, ou ainda nos primeiros dias de vida. O trauma costuma se centrar ao redor de
alguma hostilidade recebida diretamente de um pai, como a raiva de um dos pais, o pai que não deseja o
filho, ou ainda o trauma durante o processo de nascimento – como a mãe que se desliga emocionalmente
do filho, fazendo-o se sentir abandonado. A série de eventos dessa natureza é grande; um lgeiro
desligamento entre mãe e filho pode ser muito traumático para um filho, e pode não surtir efeito nenhum
sobre outro. Isso se relaciona com a natureza da alma que chega e com a tarefa que ela escolheu para si
nesta vida.” – Barbara Ann Brennan
“Chegou papai!”
E u tinha mais ou menos uns cinco anos de idade. Era um garotinho feliz lá por
volta do início dos anos 60. Adorava brincar de carrinhos e jogar bola com meu
irmão mais novo no terraço da nossa pequena casa.
Da mesma forma, tenho boas lembranças das brincadeiras com minha irmã.
Éramos muito apegados por causa da proximidade de idade. Ela é apenas um ano mais
nova do que eu. Sou o mais velho de cinco filhos. Portanto, sou o primogênito.
Lembro que nossa casa já tinha televisão naqueles anos. Coisa rara naquela
época. Lembro que a TV só começava a funcionar a partir das 5 da tarde. Mamãe ligava
aquele grande e pesado aparelho que ficava sobre uma peça de mobília da nossa sala e
nos deixava em frente daquele monstrengo esperando as primeiras imagens aparecer.
De repente, surgia um indiozinho e ficava tocando uma música de fundo. Só
isso: um tupi guarani mirim e uma melodia monótona. Aquela inicialização da TV
demorava muito tempo. Uma eternidade para o horizonte temporal de crianças pequenas
de alguns poucos anos de vida.
Porém, a expectativa de assistirmos nossos filmes preferidos – Hércules e
Popeye – compensava a espera de ficarmos com os olhos grudados naquela tela preto e
branco durante vários minutos.
Lembro também que crianças da nossa idade menos afortunadas ficavam se
acotovelando, quase penduradas no nosso portão, tentando enxergar alguma cena
daquele aparelho ainda misterioso.
Minha mãe costumava dar banho nos meus quatro filhos no final da tarde.
Trocava suas roupas. Dava-lhes lanche e nos deixava sentados no terraço esperando
papai chegar. Era quase um ritual, ou melhor, uma rotina com a precisão e o rigor
militares.
Quando nosso pai-herói chegava no carro da polícia era motivo de imensa
alegria. E todos em coro, ao mesmo tempo, simultaneamente e em uníssono gritávamos:
“Chegou papai!” Chegou papai! Chegou papai!”
Ele descia do carro em uniforme de oficial e nos presenteava com um chocolate
Lacta. Uma delícia gastronômica paradisíaca.
Aquele momento era a apoteose, o clímax de todo o dia de brincadeiras,
travessuras e algumas reprimendas por parte da nossa mãe ou da nossa avó materna.
Não lembro de uma felicidade maior do que aquela em todo o curso dano mundo
minha existência.
143
Jardim da infância
Medo e insegurança
De repente, senti falta da minha mãe. Não consegui mais vê-la na sala. Olhei em
todas as direções e não a vi. Comecei a ficar inseguro e com medo. Um desespero foi
tomando conta de mim. Comecei a chorar.
Apesar das palavras confortantes e carinhosas da professora eu não parava de me
derramar em lágrimas. Foi quando minha mãe foi chamada na sala.
Quando a vi, meu coração voltou a calma. Finalmente, lá estava ela. Por que
tinha desaparecido e me deixado naquele lugar estranho sozinho?
144
Mãe e professora conversaram. Não entendi nada, mas pelo tom de voz era sobre
mim e minha não adaptação ao ambiente escolar no primeiro dia de aula.
Para a minha maior felicidade, minha mãe me pegou pela mão e me tirou de lá.
Que alívio! Agora podia respirar tranquilo como sempre tinha sido. Aquela sensação de
aperto no coração e abandono tinha se dissipado.
No caminho de volta para casa, rindo, lancei um olhar de baixo para cima para
ver o rosto da minha mãe.
Foi uma visão terrível! Os olhos dela pareciam estar cheios de fogo. Jamais tinha
visto ela assim antes. Fiquei sem entender e sem poder decodificar aquele semblante
nunca presenciado anteriormente. Olhei para o chão a fim de lançar para longe de mim
aquele olhar fulminante e esmagador.
De repente, recebi o primeiro golpe na cabeça – um forte cascudo que me fez ir
um pouco para a frente. Depois outro. Mais um. A dor foi intensa. Antes que eu soltasse
o choro, minha mãe começou a me xingar. Não entendia todas as palavras, mas me
lembro de algumas:
“Seu medroso! Vai ficar burro! Não vou deixar você brincar, nem assistir
televisão! Vai ficar de castigo! Você me fez uma grande vergonha hoje!” – esbravejava
ela.
Eu pensei que tinha sido salvo daquele espaço desconhecido e da presença
daquelas pessoas estranhas que tinham sido o motivo do meu primeiro sofrimento.
Todavia, o castigo físico e a violência verbal de quem eu esperava acolhimento e
proteção me infligiram uma dor mil vezes maior do que aquela que tinha sofrido na
escola.
Pela primeira vez tive um sentimento diferente e desconhecido na minha vida. E
em relação a minha própria mãe – MEDO! Minha existência estava sendo ameaçada.
Depois o segundo sentimento diferente, desconhecido e nefasto – ÓDIO!
No segundo dia de aula, por questão de sobrevivência, resolvi suportar a
angústia do afastamento da minha mãe e a insegurança do ambiente escolar, ainda não
adaptado a ele. Aquela tortura, por incrível que pareça, era menos dolorosa do que sentir
mais uma vez a dor dos cascudos sobre minha cabeça e a agressão verbal vindos da
minha genitora.
Aprendi a engolir o choro. Desconectei-me do coração, e me concentrei na
cabeça. De fato me tornei o aluno destaque. Acredito que por duas razões: primeiro eu
agora era mais mental do que sentimental. E segundo, talvez para provar a minha mãe
que ela não iria mais sentir vergonha de mim e que eu não seria burro.
Afinal de contas, eu ainda queria ter acesso ao prazer – para mim na época:
brincar e assistir televisão. Também não desejava mais ficar de castigo. Na minha casa,
consistia em ter que ficar sentado na mesma cadeira. A “sentença condenatória” poderia
ser de alguns minutos ou até horas, dependendo do “delito” cometido.
Um novo ser
145
Realmente, eu sou um homem que tenho vivido 90% com o cérebro e apenas
10% com o coração. Descobri que houve uma interrupção do fluxo de amor com relação
exatamente ao meu primeiro objeto de amor – MINHA MÃE.
19
A cegonha
“xxx
A maior invenção da humanidade
146
Um divisor de águas para o gênero humano – antes e depois do livro. Antes:
ignorância e trevas, Idade Média. Depois: luz e conhecimento, Era do Renascimento.
Não poderia ter havido escolha mais apropriada para esse período da evolução da
humanidade – renascimento.
Desde bem criança, quando aprendi ler, descobrira nos livros uma forma de
acessar verdades que eu não conseguia mediante os adultos. Ou porque sonegavam
informações ou porque não sabiam mesmo. De uma forma ou de outra, a minha
curiosidade insaciável ficava insatisfeita, forçando-me a me tornar um livre pesquisador
desde tenra idade.
Foi num livro que descobri como de fato as crianças vêm ao mundo. Aquela
velha história de cegonhas carregando os bebês pendurados num lençol e os deixando
cair pela chaminé era fake news contada pelas pessoas adultas. Não se sabe para quê e
nem porquê.
O livro misterioso
Naqueles dias a minha mãe estava grávida do seu quinto e último filho. Eu
contava com meus nove anos de idade.
Era muito curioso e vi quando minha mãe chegou das compras certa vez em
casa. Uma barriga enorme, várias sacolas de papelão abarrotadas com artigos para o
bebê na mão direita e um livro grosso de capa azulada com uma cegonha ilustrada na
mão esquerda. De imediato, minha atenção foi direcionada para aquele livro.
“Mamãe deixa eu ver esse livro!”
“Não menino! Deixe de ser intrometido. Esse livro não é para crianças. Saia
daqui! Vá brincar!” – disse ela num tom de voz irritado e autoritário.
Essa atitude teve o efeito contrário sobre mim. Então, me determinei a ter aquele
livro nas suas mãos e descobrir que tipo de segredo de abelha era aquele que era trazido
por uma cegonha num volume com tantas páginas.
O quarto de meus pais ficava no andar de cima. Por diversas vezes, remexi as
gavetas de minha mãe na tentativa de achar o livro cercado de alto grau de mistério.
Nada. Na cômoda. Absolutamente nada.
O livro tinha se evaporado, enterrando-se chão abaixo, ou voltado para o céu no
voo de regresso da cegonha.
Ah... para baixo era impossível pois se assim fosse ele teria ido parar no andar
térreo. Deste modo... só restava uma possibilidade para o paradeiro daquela obra
enigmática. Era ter subido. Mas... e o telhado?
Em determinado momento, os meus olhos se detiveram numa peça de mobília
que estava encostada no canto do quarto – o guarda-roupa.
Arrá! Então era isso! Minha mãe deveria ter escondido aquele segredo em cima
daquele móvel.
Porém, um guarda-roupa antigo era muito alto para uma criancinha de apenas
nove anos alcançar o seu topo. Só passou uma ideia na minha cabeça de menino que
poderia me dar acesso a parte de cima daquela mobília.
147
Eis que elaborei um plano. Esperaria minha mãe sair para as compras mais uma
vez.
Uma ou duas semanas depois, a futura mamãe precisou fazer exames de rotina.
Meu irmãozinho estava prestes a nascer.
Por volta das duas horas da tarde, minha mãe realmente saiu de carro para o
centro da cidade. Pronto! Chegara o momento de desvendar aquele mistério. Eu iria pôr
meu plano em prática.
Peguei uma das cadeiras altas estilo colonial retro da sala de jantar. Com muita
dificuldade, escalando os cinquenta e poucos degraus do térreo até o primeiro andar –
eu havia contado a quantidade de degraus para garantir o sucesso da mina missão de
Indiana Jones mirim, levei a cadeira para o quarto da minha mãe.
Finalmente, consegui chegar no dormitório de meus pais com o andaime
improvisado. Subi na cadeira e comecei a tatear o topo do guarda-roupa.
De repente, minhas mãos toparam com um objeto. Era um livro. Ah, só poderia
ser o tal Códex Sagrado, cuja leitura era terminantemente proibida ao povo menor de
idade.
Peguei o livro e vi a cegonha cara a cara – ou melhor, cara a bico. O pássaro de
fato carregava um bebê enrolado num lençol. Também tinha a imagem de uma chaminé.
Certamente, indicando o lar em que o recém-nascido deveria ser despejado.
Desci da cadeira. Sentei-me na beirada da cama e comecei a folhear. A obra era
ricamente ilustrada com fotos reais de uma mulher grávida. Continuei a avançar nas
páginas até que meus olhos quase pularam para fora das órbitas.
Vi a cabeça de um bebê saindo pela vagina de uma mulher. Aquela fora minha
cena primária – forte demais para uma criança de apenas nove anos de idade no início
da década de 70, filho de um lar conservador.
Passei mais algumas páginas. Sangue cobrindo o bebê. Fixei os olhos na
expressão de dor da mãe. Voltei para a capa e tinha escrito: PARTO SEM DOR!
Que mentiras deslavadas! Cegonhas parteiras não existiam. Parto sem dor uma
ova! A cara da mulher toda suada, cabelo desgrenhado, pernas arreganhadas pra cima e
gritando. Aquilo parecia mais a cena de uma câmara de tortura. Muitos anos depois vim
a compreender perfeitamente porque é chamado de “trabalho” de parto. Dar à luz era
uma empreitada assaz penosa.
Fiquei completamente chocado com as fotografias e a descoberta da realidade de
uma forma nua e crua. Também decepcionado com as enrolações do mundo adulto.
Subi mais uma vez na cadeira e coloquei o livro de volta. Para nunca mais o
abrir novamente. E nunca mais acreditar em adultos de novo.
Com dois meses passados daquele trauma visual, meu irmão caçula nasceu. Eu
já sabia como ele tinha saído da barriga da minha mãe. Agora, precisava descobrir como
ele teria entrado. Mas, isso eu só descobriria quase uma década depois.
148
20
149
Meu primeiro livro de inglês
Tal descoberta favorecida pelo meu pai mexeu com o meu lado “cientista”.
Aquela simples informação foi suficiente para disparar o gatilho da curiosidade
em mim. Fiz com que meu pai comprasse o tal livro infantil americano e o levei
alegremente para casa.
Já sabendo ler, e não sendo capaz de ter acesso ao que estava escrito naquela
obra me foi um desafio sem tamanho.
Estava iniciada a jornada de estudo de inglês que me levaria a me tornar um
linguista profissional no futuro.
21
Rito de passagem
“xxx
“Se não... pode deixar de ser macho!”
150
“Sim, claro. A gente vai. Daqui pra outubro eu vou com você. Eu sou um
homem de verdade e vou te mostrar!”
De fevereiro a outubro daquele ano, vivi um tormento. Um dilema. Um impasse.
E como seria essa tal relação sexual ao vivo e a cores com uma mulher de verdade em
carne e osso? Precisava esperar para descobrir.
Finalmente, o décimo mês do ano chegou. A data do meu aniversário se
aproximava, e aquele seria o mês programado para eu perder minha virgindade. Seria
um presente ou um desastre? Só me restava enfrentar a empreitada e conferir por mim
mesmo.
“Vou pedir uma cerveja pra gente. Você precisa ficar calmo pra não brochar na
hora H.” – disse o rapaz caipira.
“Pode pedir, eu gosto de cerveja.” – disse isso e baixei minha cabeça, olhando
para o chão. Sinal claro da linguagem não verbal de que estava mentindo.
“Aquela dona ali, tá vendo ela?” – perguntou o matuto.
Com o coração disparado, respirei fundo, engoli com força e assenti:
“Sim, tô vendo. O que tem ela? “
“É a rapariga que vou chamar pra você transar seu tolo. Ela é bem gostosa e
limpinha. Pode ir tranquilo.” – orientou ele.
Com um aceno de mão, como se chama um garçom com o cardápio dos pratos a
comer, o empregado doméstico e meu amigo convidou a meretriz a se aproximar da
gente.
Quando a mulher chegou estava a poucos passos, ele disse:
“Esse cara aqui é meu amigo. É donzelo. Vai ser a primeira vez dele. Faça o
que você sabe. Ok?” – recomendou o coach sexual improvisado.
Aquelas palavras anularam todo o efeito embriagador das cervejas que eu tinha
tomado. Fiquei mais vermelho de vergonha do que aquela luz que iluminava o
ambiente.
“Tira a roupa e vem pra cima de mim!” – disse a mulher logo depois que tinha
se despido e se atirado numa cama de casal que estava mal forrada e aparentemente
suja. Era bem baixinha e quase rente ao chão. Aquela era a única mobília que ficava
grudada no canto de uma parede. Era um minúsculo quarto parcamente iluminado por
uma lâmpada de poucos watts de potência. Que ambiente malsão, física e
psicologicamente, para um debut sexual!
Ali estava eu diante do meu ritual de passagem – chegara o momento de deixar
de ser apenas um garoto escolar para entrar na vida de homem sexualmente ativo.
Era a primeira vez que estava diante de uma mulher nua de verdade. Toda minha
experiência com o corpo feminino havia sido através de revistas pornográficas que
entravam clandestinamente lá em casa por intermédio do meu amigo e quase irmão
adotado.
151
No entanto, no auge da minha puberdade, com hormônios extravasando por
todos os poros, o toque no corpo daquela prostituta deflagrou meus instintos. Penetrei
aquela mulher meio desajeitado. Cheguei ao orgasmo em questão de poucos minutos.
A mulher me empurrou para o lado. Puxou sua única peça de roupa por cima da
cabeça e para baixo do corpo. E estendeu a mão cobrando pelos meus serviços. Abri a
carteira e lhe passei algumas cédulas. Pronto! Eu agora era um homem de verdade.
Saí daquele muquifo com o peito estufado como um pavão. Agora era macho
mesmo!
22
Meu primeiro amor
“xxxxx
King Kong
Na estreia do filme agendada para um dos maiores cinemas da cidade, fui junto
na companhia da minha irmã e da amiga dela. A irmã da amiga também estava na fila
para a compra dos ingressos naquela noite fria e chuvosa de julho.
Kate era uma moça baixinha. Tinha um metro e cinquenta e dois centímetros de
altura. Olhos pretos pequenos. Tinha uma bunda arredondada e um tanto saliente. Era
152
cinco anos mais velha do que eu. Havia acabado o namoro com um cara inflexível e
sério em excesso.
Inesperadamente, Kate se aproximou de mim, me perguntou algo e pegou na
minha mão. Ficamos de mãos coladas uma na outra até chegar a vez de entrarmos na
sala de projeção. E durante todo o filme também.
Senti um misto de ternura e excitação de estar naquele contato físico direto com
a garota. Pois, embora já tivesse tido minha primeira relação sexual e saído do rol de
adolescentes donzelos, ainda não havia embarcado num relacionamento sério ao longo
daqueles meus primeiros quinze anos de vida.
Ao chegarmos na vila onde morávamos, me detive um pouco no terraço da casa
de Kate. Sentamos num balanço e levamos uma boa conversa por cerca de duas ou três
horas.
Quando o pai da moça a chamou, avisando que já estava na hora de entrar, fui
surpreendido por aquela que seria minha primeira namorada.
A moça agarrou o meu queixo e virou o meu rosto para si, me beijando na boca.
Aquele foi o meu primeiro beijo. A sensação foi indescritível porque eu não
tinha parâmetro como referencial com o quê comparar.
Fiquei um pouco tonto. Senti um frio na espinha, e uma tremenda ereção fez
meu membro se projetar sob a calça jeans que estava usando.
Sem falar mais nada um para o outro, me levantei, disse até logo e caminhei para
casa flutuando nas nuvens devido àquela experiência inédita e prazerosa.
153
23
“Vou casar com você!”
“xxxx
Meu primeiro emprego
C hegara-se ao início dos anos 80. Estava com meus vinte anos de idade e teria
minha primeira experiência profissional como professor de inglês depois de uma
acirrada concorrência por uma vaga naquele cargo. Por isso estava em enorme
medida empolgado com a oportunidade de ganhar dinheiro fazendo algo que adorava –
o uso da língua inglesa.
Os anos 80
Essa década foi muito marcante. Quem viveu essa época, com certeza, nunca
esquece. Quem ainda não era nascido certamente reconhece a estética dessa fase. Os
cabelos eram ousados, as músicas empolgantes, o cinema, então, trouxe clássicos que
nunca saem de moda.
A década de 80 abrangeu grandes episódios nos mundos esportivo – Olímpiadas
de Moscou, Copa do Mundo na Espanha, etc., no da arte, cinema e TV – séries policiais
ganham notoriedade – Desejo de Matar, As Cores da Violência e Os Selvagens da
Noite, A Família Addams, Alf, o Eteimoso e Capitão Caverna.
E os álbuns de figurinha, uma febre dessa década, reunindo principalmente
crianças e jovens com o objetivo de completar todas as figurinhas.
Na política, a redemocratização do Brasil com o movimento Diretas Já mudou a
vida dos brasileiros de forma profunda.
Ouvir música nos anos 80 não era uma tarefa simples. Além do disco de vinil,
era necessário ter um toca-discos. As playlists eram feitas por meio das gravações de
áudio dos rádios, fazendo com que a qualquer momento surgisse a voz de um locutor.
Ser adolescente nos anos 80 também não era tarefa fácil. As baladas de hoje
eram os bailinhos de anos atrás, que aconteciam nas garagens de algum amigo, sem
bebidas alcoólicas e com hora marcada para voltar para casa.
154
Nada de selfie! Nos anos 80, além de não existirem as famosas selfies, as
câmeras não eram digitais. Você tirava a foto e esperava o filme acabar para revelar
todas e saber se algumas ficou boa.
Profecia revelada
155
“O professor Yared tá aqui na sala dos professores?” – perguntou uma voz
feminina a outra professora que estava sentada na primeira mesa daquele recinto
reservado para o descanso, planejamento e reunião do corpo docente.
Ainda no banheiro, reconheci aquela voz.
“Ah, não!” – suspirei.
Até aqui?” – protestei falando comigo mesmo.
Procurando me esquivar do encontro com Sandy, me demorei mais alguns
segundos, até ouvir:
“Acredito que não. Ele deve estar na sala do coordenador.” – respondeu a
professora.
Ao passar pela entrada da sala, em direção ao corredor, não pude deixar de ouvir
um comentário de minha colega:
“Essa menina loirinha está apaixonada por você, Yared.”
Alguns meses já havia transcorrido desde o início das aulas do primeiro semestre
letivo. A escola havia agendado uma semana de recesso para correção de provas,
planejamento e aulas de reforço para os alunos mais lentos.
Eu estava de férias, de certa forma, e dirigindo o carro do meu pai no litoral da
praia mais badalada da cidade e com uma garota no assento do lado – Sandy.
156
pequena esgarçaram o tênue fio que nos mantinha como um casal quase de
adolescentes.
A mesma voz que inspirara Sandy a me dizer no primeiro dia de aula:
“Ela mandou eu te dizer que você vai casar comigo!” esquecera de falar a
segunda parte da profecia:
“E vocês vão se separar tão rápida e levianamente como se casaram!”
157
24
Rumo a um novo desafio
“xxxx
Êxodo
158
L á se vão trinta e dois anos [1988-2022] desde que eu havia tido a primeira ideia
de um curso de inglês específico para atender às necessidades dos meus alunos –
que se viam numa sala de aula de inglês geral por falta de opção – até ao
momento que decidi escrever um manual sobre o curso.
Para mim, o ano de 1988 fora de extremo valor e significado em virtude de
dois episódios que estavam no cerne da minha vida. O início de uma nova vida
familiar e a mudança de residência por motivo profissional. Saí da minha cidade
natal, onde nascera e me criara, e fui me estabelecer em outro estado mais ao norte.
Fatos que me levaram a enfrentar grandes desafios pessoais na época.
Primeiro, trabalhar numa instituição de ensino de inglês tradicional em tempo
integral, assumindo dez turmas de níveis variados com uma intensa carga-horária de
trabalho. Meu colega escocês que havia sido contratado na mesma seleção de
candidatos desistiu com apenas três meses de aulas. Outros colegas professores
disseram que eu chegaria ao final do semestre completamente “acabado”. Hoje o
termo usado seria síndrome de burnout.
Segundo, estava iniciando a vida de casado com minha esposa Mrs.
Lovingdale. Ambos sem experiência na condução da vida doméstica com meus
próprios desafios, dificuldades, mas prazeres e satisfações de formar um novo
núcleo familiar.
Terceiro, o casal estava prestes a começar uma nova vida distante dos
familiares, do aconchego dos amigos, dos lugares conhecidos e de outras
peculiaridades da nossa amada cidade natal.
Meus alunos
Nossas vidas podem ser marcadas por impressões indeléveis pelo convívio com certas pessoas,
ao visitarmos determinados lugares, ouvirmos algum tipo de música, assistirmos um certo filme ou
lermos algum livro especial. Bem, eu sempre fora apaixonado por leitura, e os livros tinham estado
permanentemente em minha companhia.
159
Na época em que estava trabalhando a ideia do meu curso ESP e como seria possível fundar uma
escola a partir do zero absoluto de recursos financeiros, também estava concluindo a leitura do
livro MADE IN JAPAN de Akio Morita, o grande empresário fundador da SONY – um dos maiores
impérios da indústria de aparelhos tecnológicos do Japão. Fiquei extremamente impactado com as
informações que o autor apresentou sobre como surgiu essa gigantesca empresa nipônica.
Um fato que sobremaneira me causou um certo assombro foi que Akio descobrira, quase
involuntariamente, que as pessoas estavam dispostas a investir em um serviço ou produto desde que este
lhe seja necessário ou faça parte de sua ambição pessoal. Os pré-requisitos de necessidade e ambição
são vitais para qualquer tipo de investimento, quer seja de energia, tempo ou dinheiro. Assim, me
convenci que se eu conseguisse conceber, desenvolver, estruturar e implementar um curso ESP, e o
lançasse no mercado, esse negócio estaria fadado a ser um grande sucesso empresarial – o meu curso
ESP atenderia aos critérios de necessidade e ambição pessoais daqueles alunos “mal-colocados” nas
salas de aula de inglês geral. Essa constatação do empresário japonês me encheu de entusiasmo e
determinação para continuar minha pesquisa sobre a abordagem instrumental visando à fundação de
uma escola de inglês que o oferecesse a um público necessitado e ambicioso.
Compreendi bem a situação – eles estavam num curso de inglês geral [GE],
quando, para ser realista, desejavam, e com muito mais razãocura, precisavam estar
num curso de inglês para fins específicos [ESP]. Era o caso dos alunos certos na “sala
de aula errada”, fazendo o “curso errado”.
Entretanto, como colocá-los na sala de aula certa e no curso certo? Essa era a
pergunta de um milhão de dólares. Esse questionamento me levou a encetar um
processo de pesquisa e estudo que resultou no meu incipiente curso ESP.
Naquela época, a abordagem ESP estava apenas começando no seio das
universidades do meu país. Tudo era novo e ainda um tanto desconhecido no meio
acadêmico, e completamente alienígena nas escolas particulares de ensino de
idiomas.
Percebi nesse contexto uma grande necessidade no mercado (um nicho) de
ensino-aprendizagem de inglês – uma escola que oferecesse cursos ESP. Tive a
convicção interior de que uma escola dessa seria um sucesso absoluto no setor, pois
iria atingir dois grandes objetivos.
Primeiro, atenderia às necessidades daqueles alunos misplaced (colocados
erradamente), ajudando-os imensamente a atingir suas metas de estudo – leitura de
bibliografia acadêmica em língua inglesa, e dos profissionais – qualificando-os a
atuar nos meus ambientes de trabalho com eficiência e resultados produtivos.
160
Minha “Dream School”
Passei vários meses pensando em como fazer essa proeza vir a acontecer, porque
esse tal curso ESP não existia e eu não tinha os menores recursos tanto de tempo –
dava aulas em tempo integral e a família tinha crescido; como financeiros para fundar
essa escola dos sonhos – pois todo meu dinheiro era empregado na manutenção da
família.
Por este motivo, teria que solucionar esse meu desafio pessoal de escassez do
binômio tempo-dinheiro, caso desejasse realmente vir a materializar o projeto da
escola de cursos ESP. Teria que desenvolver um curso ESP e fundar uma escola de
inglês para ministrá-lo, ambos a partir do zero absoluto! E isso sem parar de
trabalhar e sem descuidar das minhas obrigações de pai e chefe-de-família!!
Passei alguns meses daquele ano de 1988 buscando informações sobre o que se
chamava na época apenas de inglês técnico, quando, quase por coincidência, descobri
numa estante de livros e materiais de recursos para aulas da escola onde ensinava um
livreto branco e magrinho chamado The ESPecialist . O achado dessa revista foi um
divisor de águas para a solução do meu primeiro desafio, qual seja, o
desenvolvimento de um curso ESP. Li todos os volumes que encontrei disponíveis
nas estantes da escola. Essa revista científica foi minha bússola e guia para a criação
do meu ESP Course.
Necessidade e Ambição
Ciência e negócios
Pioneirismo e lucros
162
Parte 7
Anamnese
Capítulos 25-31
25
Adoção leviana
“A adoção é uma coisa perigosa. Quem a faz sem uma razão de força maior paga caro por ela,
com seu próprio filho ou com seu parceiro.” – Bert Hellinger
164
Senhora do destino
Senhora do Destino foi uma telenovela brasileira produzida pela maior companhia televisiva do
país e parece ter baseado seu enredo na história da adoção da criança ruiva. Mais um caso de “a arte imita
a vida”!
“Nazaré, uma prostituta do bordel de Madame Berthe, deseja se casar com o amante José
Carlos e mudar de vida. Assim, ela finge ser enfermeira e estar grávida, pois acredita que a gravidez é a
única maneira de separá-lo da esposa e da filha. Como ficou estéril após 5 abortos sucessivos, inventou
que estava grávida para forçar José Carlos a assumir a criança. No local abandonado, Nazaré diz a
Maria do Carmo que seu nome é Lourdes e promete tomar conta das crianças enquanto Maria do Carmo
leva Reginaldo, que em meio à confusão havia sido ferido, ao hospital. Ao ficar sozinha com a caçula de
dois meses Lindalva em seus braços, Nazaré vislumbra a chance de concretizar seu plano e sequestra a
menina. Ela arma uma farsa e finge que deu à luz a criança, sensibilizando o amante, que larga a esposa
e a filha para ficar com ela.”
Independente das circunstâncias que podem ter rodeado essa adoção, ela tirou da
mãe e também do pai os seus direitos e deveres sobre a criança. Porém, ninguém tem
culpa disso. Não se podia censurá-la. Não existem culpados. Só existem pessoas
emanranhadas, cada qual à sua maneira.
O homem não gostou nada da ideia. Rejeitou a menina desde o início e jamais a
reconheceu como filha, ou sequer a registrou.
A pequena Lorac além de ter sido arrancada do seu contexto familiar de origem
foi criada sem pai, teve uma família adotiva em que a mãe mal podia cuidar dela pela
carga intensiva de trabalho, e convivia com uma irmã mais velha, com quem não se
dava bem, pois ficara extremamente enciumada com a chegada de uma outra menina em
sua casa.
Além da rejeição, aquele médico praticava todo tipo de abuso psicológico contra
a criança. Insultava-a com palavras negativas. Degradantes. Humilhantes. Dizia-lhe que
ela jamais seria alguém na vida. Não daria para nada de bom. Seria uma pessoa infeliz,
irremediavelmente. A menina adotada estava fadada a ter uma vida de raiva, desamparo
e desespero.
“Um terapeuta que não discirna a dor em seus pacientes, que não perceba o seu medo e ignore
a intensidade da luta que travam para conservarem sua sanidade, numa situação familiar suscetível de
165
levá-los à loucura, não poderá ajudar eficazmente os pacientes a resolverem o distúrbio narcisista.” –
Alexander Lowen
Taenkendô
166
26
Primeira adicção
“O vício é portanto a vingança contra a mãe, pelo fato de tê-la impedido de tomar algo do pai.”
– Bert Hellinger
Férias escolares
A mãe de Lorac tinha algumas pessoas conhecidas nativas de uma região interiorana
não muito distante de onde morava.
Num certo período de férias escolares, Lorac ainda adolescente, foi mandada
para a casa desse pessoal amigo.
A temporada de recesso planejada fora de apenas uma semana. Todavia, se
passou a primeira semana e ela não voltou. Passou-se a segunda. A terceira. A quarta. A
ruiva, esquecida ou não, ficou um mês inteiro na residência desses conhecidos.
Teve experiências únicas e marcantes. Decidiu compartilhar duas delas com
Yared.
“No começo eu tinha medo de montar, mas depois peguei jeito e adorava
cavalgar no jumento que essa família de amigos tinha em seu quintal.” – Lorac
começou a narrativa de suas vivências naquele interior.
“Fiz longas e velozes disparadas no lombo daquele bicho. Era divertido e
excitante.” – acrescentou ela.
“Certa vez me perdi, mas o jumento era esperto demais. Sabia o caminho de
volta. E me levou para casa. Foi muito legal.” – contou ela com satisfação.
A vida no campo era simples. Sem muitas opções de diversão e regrada por
hábitos e costumes um tanto diferentes da vida na cidade grande.
Uma dessas diferenças e excentricidades era o consumo de aguardente por parte
de todos. Era uma bebida para aquecer no tempo frio. Liberada inclusive para os muito
jovens que ingeriam uma cachaça absurda como se fosse um suco de fruta.
A primeira experiência de Lorac com a cachaça foi terrível.
167
“Senti um queimor na garganta e no estômago ao engolir aquele líquido forte.”
– contou ela.
“Fiquei muito tonta. Quase desmaiei. Fui levada as pressas para o banheiro
que ficava nos fundos da casa.” – Lorac narrava aquela aventura com certo prazer
estampado no rosto.
“Vomitei tudo. Quase boto as tripas pra fora! Mas, como continuei bebendo
com o apoio de outros jovens da família e moradores locais, fui me acostumando ao
consumo daquela porcaria.” – disse ela.
Resultado? Peguei vício na bebida. Precisava beber todas as noites na
companhia dos meus amigos.” – concluiu a ruiva.
Quando Lorac voltou para casa das férias sentia a compulsão de beber. Isso se
devia ao fato de ter se viciado no sertão. Assim sendo, saiu devorando todas as garrafas
de bebida alcoólica que encontrava na coleção da sua casa. Os recipientes estavam
arrumados sobre as prateleiras da cristaleira da sala de estar.
Para disfarçar e enganar sua mãe, e não ter sua adicção interrompida, Lorac abria
várias garrafas. Bebia um pouco de uma. Colocava a tampa e botava a garrafa de volta.
Bebia um pouco de outra. Tampava e punha o recipiente no lugar. Sob tais
circunstâncias, ia ingerindo cachaça de garrafa em garrafa. Até que… porém, esse
truque não vingou por muito tempo. Sua mãe farejou a armação, afinal. E além de lhe
dar uma surra, fez desaparecer todos os exemplares da coleção de bebidas que tinha em
casa.
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27
Minha virgindade de graça
“xxx
A
inda na puberdade, Lorac deixou de brincar de bonecas para brincar de jogos
sexuais com um personagem real escolhido aleatoriamente pela aparência
física sem qualquer vínculo afetivo com o rapaz.
“Aos dezesseis anos decidi perder minha virgindade. Quis saber o que era o
sexo numa experiência pra valer.” – contou Lorac a Yared numa das conversas íntimas
do casal.
“E como foi? Sua primeira experiência foi com seu namorado?” – perguntou
ele.
Lorac esboçou um sorriso e respondeu:
“Não. Não. Eu não tinha namorado naquela época.” – respondeu ela.”
“E aí?” – inquiriu o linguista curiosamente.
A cabelo ruivo acobreado continuou narrando seu debut na vida sexual:
“Eu escolhi um cara dentre meus colegas da rua. Certo dia, me aproximei dele
e disse que achava ele um tesão e que queria transar com ele.”
“Putz! Simples assim?” – perguntou Yared.
“Sim. Simples assim. Ele ficou meio enrolado na hora. Mas eu era bonita, bem
feita e ruiva. Eu sabia que ele ia topar. Tinha certeza que ele não era gay. – falou
diretamente a mulher.
“Por favor, me poupe dos detalhes.
“Embora a história de Dorian Gray seja ficção, é válida a ideia de que uma pessoa pode
apresentar uma aparência física que contradiz o estado interior de seu ser. Impressiona-me certos
indivíduos narcisistas parecerem muito mais jovens do que são. Eles possuem até feições e compleições
suaves que não demonstram quaisquer traços de preocupação ou conflito. Essas pessoas não permitem
que a vida as toque — especificamente, não deixam que os acontecimentos íntimos da existência atinjam
a superfície de suas mentes ou a superfície de seus corpos. Isto constitui uma negação do sentimento.
Mas os seres humanos não estão imunes à vida e, nesses casos, o envelhecimento ocorre internamente.
Enfim, como no caso de Dorian Gray, a dor e a fealdade rompem a negação, e a pessoa parece
envelhecer da noite para o dia.
Em certa medida, entretanto, todos somos como Dorian Gray. Com frequência, ficamos
surpresos, até chocados, quando examinamos nosso rosto num espelho. Somos aturdidos pelas marcas
da idade que vemos, pela tristeza em nossos olhos, pela dor em nossa expressão. Não esperávamos ver-
nos assim. Nos olhos da mente, vemo-nos como jovens, a pele lisa e uma expressão descuidada. Tal como
Dorian Gray, não queremos enfrentar a realidade de nossas vidas. Essa discrepância entre o modo como
aparentamos e o modo como nos vemos também se estende ao corpo, o qual nos deveria ser mais visível
169
do que o rosto. Fechamos os olhos para a falta de harmonia em partes do nosso corpo e para a falta de
graça em nossos movimentos. As roupas ajudam-nos a ocultar essa realidade de nós próprios e dos
outros e permitem-nos formar um quadro de nossos corpos que está muito longe da realidade.
Somos ensinados desde muito cedo a encobrir os nossos sentimentos e a usar uma máscara para
o mundo. A lição que me foi dada quando criança foi esta: “Sorria, e o mundo sorrirá para você; chore,
e chorará sozinho.” Vimos como Ann foi ensinada a arrogar uma fisionomia “feliz”. – Alexander
Lowen
Compromisso? Casar?
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Um bolo de chocolate
“Procurarão se misturar por meio de casamentos, mas não se ligarão um ao outro,
assim como o ferro não se mistura com o barro.” – Daniel 2:43
Pontapé na bunda
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O amor é cego?
“Que raio de amor é esse que uniria pelo contrato matrimonial oficial uma quase
adolescente ainda com um quase sexagenário? Ela na posição social de humilde
funcionária da companhia e ele dono de tal empreendimento?”
Bom, deixemos a própria vida responder essa pergunta retórica, porque – a
semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória.
Empresa Titanic
“O acaso age em nosso benefício ou dano segundo leis cujos segredos não podemos – não
devemos – adivinhar.” – Bert Hellinger
Logo após transcorrido o primeiro ano de vida marital, a empresa do cara foi à
falência. Afundou como o Titanic, levando a falsa Rose e o falso Jack para o fundo da
região abissal financeira!
Literalmente, quase foram parar na sarjeta. Precisaram ir morar na residência da
mãe do pedófilo sexagenário para poder sobreviver.
De repente, o ex empresário, pouco se lixando para a esposa, desaparece de
cena. Deixa a lutadora de taenkendô sozinha.
Por que? Ele tinha recebido parte de uma herança de uma suposta tia falecida e
talvez não tenha desejado dar o trabalho a parceira de contar o dinheiro!
E o mais doido nisso tudo, talvez, fosse o fato de o cara ser líder religioso de
uma famosa congregação cristã e manter uma vida dupla. Para os membros da igreja era
o exemplar e fiel esposo cumpridor dos mandamentos. Na intimidade com a cabelo
ruivo acobreado era o depravado e pervertido que a levava para praias desertas para
fazer strip-tease e ensaios de nus artísticos, e enchê-la de DST por transar com
prostitutas.
Que ironia! Lobo sob pele de cordeiro à espreita de comer tantas ovelhinhas
quanto possível. Literalmente!
Quando o lobo lambe a ovelha, ele está se preparando para molhar os dentes
com sangue. Todavia, só existem enganadores porque existem pessoas que desejam ser
enganadas.
O casamento precoce de Lorac satisfez-lhe a necessidade de um homem que
cuidasse dela, uma vez que nunca tivera realmente um pai.
172
Não é incomum mulheres que buscam um relacionamento com pessoas mais
velhas e bem sucedidas que as possibilitem conhecer o melhor do mundo, através de
viagens, presentes, ajudas profissionais e mentoria – são as chamadas sugar babies.
Essa expressão é antiga e foi criada nos Estados Unidos no início do século
passado para definir um relacionamento entre um homem mais velho com dinheiro – o
“daddy”, “papai” – e uma jovem – a sugar baby.
Ao atingir o estado de desespero total, devido à penúria intensa e irremediável, o
casal formado pela adolescente e pelo sexagenário mudou de religião. Sentiam-se
humilhados pela opressão, pela adversidade e pelo sofrimento. Daí, resolveram vender o
único carro usadão que tinham – um modelo 1.0 de linhas quadradas que podia também
ser abastecido com álcool – e o ofereceram como sacrifício no altar da igreja, na
tentativa vã, e com o pensamento mágico de reverter milagrosamente sua má sorte.
Casamento estéril
173
Fora um casamento de sete anos. O número mágico da gematria hebraica
novamente. Fora um relacionamento conturbado tanto na área financeira – por um lado,
com falência, dívidas, perdas materiais e penúria, como na área afetiva, por outro – com
traições de ambas as partes.
Fora uma vida frívola e totalmente descompromissada com as responsabilidades
do lar. Estilo do oba-oba, à la HAKUNA MATATA – não há problemas, “está tudo
ótimo”, os seus problemas você deve esquecer. Isso é viver, é aprender. Os céticos ou
hereges vivem só para os prazeres físicos.
Viveram de acordo com os sofistas: “o homem é a medida de todas as coisas” –
relegando a santidade da vida e reduzindo tudo ao plano material e físico.
O idoso falso religioso conduzia a vida negando que o Criador do Universo
interferisse nos assuntos dos homens, ou que os comandasse. Negava o princípio da
Providência, de que o Todo-Poderoso regula os acontecimentos e destinos de acordo
com leis estritas e justas de recompensa e castigo.
Lorac vivera numa casinha inacabada durante os sete anos que haviam decorrido
naquele casamento. Nunca tivera, de fato, uma casa completamente terminada e
mobiliada que pudesse chamar de sua. Em seus anos de criança e adolescência,
conhecera a confusão e violência na casa materna. E qual era sua casa verdadeira agora?
Com efeito, nenhuma delas.
Ademais, fora uma relação estéril. Lorac jamais engravidara do velho pedófilo.
A única coisa que o pervertido religioso conseguiu despejar na genitália dela além de
sêmen infértil foram DSTs que ele trazia para a intimidade do lar das inúmeras transas
com prostitutas.
Não houve a benção de um descendente. Mas, para quê mesmo? Para herdar
dores, sofrimentos e dívidas?
Bom, a providência divina resolvera da forma dela, e não cabe a ninguém julgar.
Nada podia ser feito em relação àquilo. Vida que segue!
De forma alguma constituíram uma família, latu sensu. Tão somente viveram
como um homem e uma mulher em codependência: ele se utilizando dos dotes físicos
da ruiva para satisfazer seus apetites sexuais desenfreados, e ela se apoiando numa
suposta e sonhada segurança financeira que jamais aconteceu. Viveram aos trancos e
barrancos. Entre idas e vindas.
Tentando desesperadamente fugir da sua realidade de vida de escassez de bens
materiais com sua família adotiva e depois de ter sido traída e trocada por outra garota
ainda mais bonita do que ela, Lorac pensou em lançar para longe de si as penúrias
financeiras com um casamento de conveniência. Porém mergulhou noutro triângulo
dramático ainda mais insidioso.
No sétimo ano – “ano sabático” – Lorac decidiu se divorciar do cara. Ele não
aceitou a separação. Chegando a arrenegar o dia em que unira sua sorte à do boêmio, ela
ingressou na justiça com uma ação de divórcio, sendo bem-sucedida no pleito.
174
“Quando a sentença do divórcio saiu, fiquei tão feliz que fiz um bolo de
chocolate para comemorar. Comi e bebi numa celebração solo na minha casinha de
sapé.” – contou Lorac a Yared num tom de voz e fisionomia de satisfação e alívio.
29
175
Quebrei a porta do carro dele
“Seus olhos não servem de nada se seu cérebro é cego.” – Ricardo Rodriguez
Tinder fracassado
L orac estava separada. Livre para tentar uma nova experiência amorosa. Havia se
passado apenas seis meses depois da sentença do divórcio ter transitado em
julgado – termo juridiquês para significar que não cabe mais recurso algum. A
coisa estava decidida e sacramentada.
A bailarina narcisista antes havia precipitada e irrefletidamente decidido perder a
virgindade num momento qualquer da sua puberdade, com um cara qualquer da rua.
Havia também se envolvido amorosamente com seu chefe – um homem muitíssimo
mais velho do que ela, casando com o cara para fugir da penúria financeira e dos
conflitos na sua família adotiva de origem. Agora, resolvera tentar a sorte grande
fazendo o login num site de relacionamentos para enfrentar a solidão afetiva ou a sua
abstinência sexual, ou ambas. Sem dúvida nenhuma, Lorac nutria obsessivamente
expectativas pouco realistas para ser feliz.
Narcisistas vivem eternamente uma “ilusão”. Narcisistas, no afã de se libertarem, acabam presos
aos outros para sempre.
O narcisista sofreu a terrível situação do descaso, desvalia, abandono e abuso quando criança.
Acabou tendo uma cisão de personalidade. Nesta cisão, ela, incorporando a desvalia externa, culpou a
criança (ela própria) pela sua situação. Sua mente se dividiu entre aquela criança (que tinha necessidades
emocionais) e que foi culpada pelos abusos, abandonos e a outra criança que ela “constituiu”. Podemos
dizer que ela “matou o seu ID”.
Esta criança “constituída” é formada pela criança (com um “ego” não formado) e pelo seu fiel
escudeiro (um superego severo), um guardião.
Este é o modo que esta criança conseguiu para sobreviver. Isolou, aniquilou sua verdadeira
criança interior. Adotou um “guardião” que lhe ajudou a sobreviver. Ela é indissociável deste guardião,
ela confia e obedece a este guardião. Este conjunto resultante é o “falso ego” do narcisista. É com este
falso ego que o narcisista se relaciona com o mundo. É com ele que você conversa quando fala com o
narcisista.
Então, para sobreviver, o narcisista atua com este falso ego. Obedece ao “guardião” e juntos
decidiram: não sentir amor, não ter sentimentos para os demais (não ser fraco), só o que EU quero é que
importa (egoísmo exacerbado).
Inclusive, parecer forte, nobre, simpática, trabalhadora, humilde, bonita, vítima e quaisquer
outras características que, a depender do grupo em o narcisista se encontre tenha algum valor.
É por este arranjo da cabeça do narcisista que ele depende dos outros. Porque ele não sabe quem
ele é. Assim, ele (orientando pelo seu guardião) sempre estará hiper vigilante e dependente do exterior
para que lhe digam que ele tem poder, ele tem controle, ele é bonito, ele tem valor, etc.
Então é o “falso ego” que é o responsável por isso. O narcisista, como não tem possibilidade de
se validar (sua criança foi anulada), precisa de validação externa e como o filtro/ajuda do guardião sempre
precisará e se guiará por isso.
Só se libertaria se pudesse libertar sua criança interior que está ferida de morte. Mas para isso
precisaria olhar para dentro de si. E sabemos que isso não acontece.
“Estava sozinha, triste e meio deprimida. Me senti liberada. Livre, leve e solta
para amar de novo. Entrei num site de relacionamentos e fiz minha inscrição. Fiz um
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ensaio fotográfico caprichado e publiquei. Choveu pretendentes. Meus olhos foram
muito seletivos e escolhi o mais bonito e com situação financeira boa.” – falou a ex-
usuária de drogas para o linguista numa certa conversa que tiveram.
“Ele era militar. Tinha corpo atlético, alto e forte. Também ganhava bem e
tinha um baita carro. Namoramos por apenas seis meses. O cara queria me fazer de
prostituta. Prometeu alugar uma quitinete no centro da cidade para eu ficar com ele
em encontros nos finais de semana.”
“Embora Mary reconhecesse a fragilidade do seu senso do self (ficava facilmente deprimida,
era derrotada por qualquer sentimento forte), não estava preparada para renunciar à sua imagem.
Sentia o poder nela contido — um poder sobre os homens. Já tendo passado dos 35 anos, Mary se
comportava mais como uma menina do que como mulher. O que atraía os homens, e os fazia até
apaixonarem-se por ela, era uma bonequinha graciosa e abertamente sedutora. Quando se desenvolvia
um relacionamento, Mary tornava-se completamente dependente do homem. Oscilava entre a menininha
patética, que necessitava de desvelos e proteção, e a boneca-dançarina, sedutora, a quem os homens
queriam.” – Alexander Lowen
Briga provocada
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Uma filha para minha solidão
“Nenhum filho é capaz de preencher o vazio e a necessidade emocional do pai ou da mãe.” –
Bert Hellinger
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Depressão e isolamento
L orac, após descobrir ter sido adotada, entrou num estado de depressão profunda.
Foi uma realidade dura demais para ela absorver – uma verdade impalatável,
daquelas que transformam inteiramente nossa vida – havendo um antes e depois,
o chamado divisor-de-águas, fechamento de um ciclo e início de outro. Ou como o
pessoal de roteiro de cinema de Hollywood chama – Turning point – ponto de virada –
ou o expert Eric Edson intitulou: Stunning Surprise – Surpresa Assombrosa.
Ponto de virada é o episódio inesperado e sem volta quando a vida ordinária do
personagem principal, o protagonista ou heroi, independente do seu gênero, sai do seu
status quo, da sua zona de conforto e o lança num novo mundo, repleto de desafios,
obstáculos e problemas que deverão ser vencidos para que o protagonista cresça, evolua,
amadureça.
Ela estava sozinha e em isolamento. Tinha se separado do sexagenário pedófilo e
seu relacionamento relâmpago com o cara do Tinder também tinha fracassado. Nenhum
desses laços tivera a força do amor. Nunca um relacionamento a fizera sentir a vida
plena e luminosa. Foi quando se reencontrou, surpreendentemente por acaso, com
alguém do seu passado, depois de aproximadamente sete anos e tantos meses.
Enquanto Lorac estava num barzinho do bairro onde morava – aquela casinha de
sapé – um rapaz se aproximou e lhe abordou:
“Boa tarde, moça. Tudo bem? Você já percebeu esse seu sinal no canto da
boca?”
“Oi, boa tarde. Sim, por que a pergunta?”
“Sou médico. Sou cirurgião. Na próxima semana, estaremos num mutirão
comunitário – tudo de graça – para cirurgias plásticas e reparadoras. Seria muito bom
você aparecer por lá. A sua tez é muito clara. Aqui é uma área de praia. Tem muito sol.
Outra coisa, a incidência de câncer de pele tá ficando muito alta.” – explicou o rapaz.
“Sério? Você acha que isso pode ser um tumor?”
“Compareça ao hospital e faremos os exames necessários. Mas é sempre bom
prevenir do que remediar.”
“Tá certo, eu vou lá mesmo. Me passa teu nome e endereço aí, por favor.”
O rapaz buscou a carteira no bolso, sacou um cartão de visita e o entregou à
ruiva que o olhava com uma dose de curiosidade, e agora com uma certa apreensão.
“Fique tranquila. É uma cirurgia super rápida, indolor. Você fica na sala de
repouso por algumas horas e vai pra casa, ainda mais bonita e sem correr riscos
desnecessários de um diagnóstico inesperado. Ok?”
“Pra ficar mais bonita eu vou logo na segunda-feira. Pode deixar.” Comentou
Lorac esboçando um sorriso maroto.
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O cara se virou para a amiga novamente e disse:
“Tivemos uma história de amor muito bonita, não foi Lorac?”
“Namoramos sim, mas que foi uma história de amor bonita tá longe de ser
verdade.”
Depois de algumas outras trocas de palavras, o playboyzinho pegou o número do
telefone de Lorac, se despediu de ambas as pacientes e se retirou da sala.
Passados alguns dias daquele reencontro supresa, eles estavam namorando
novamente.
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Inferno astral
“Contudo, Erich não podia ser totalmente despido de sentimento. Se o fosse, não teria vindo
consultar-me a respeito de sua situação. Ele sabia que algo estava errado e, no entanto, negava qualquer
sentimento sobre isso; sabia que devia mudar, mas desenvolvera poderosas defesas para proteger-se. É
impossfvel atacar tais defesas, a menos que se entenda completamente sua função e, mesmo assim,
somente com a cooperação do paciente. Por que erguera Erich defesas tão poderosas contra o
sentimento? Por que se enterrada num túmulo caracterológico? De que tinha realmente medo?” –
Alexander Lowen
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Quanto a sentimentos interiores negativos
“Por que será que NÃO posso VIVER EM PAZ comigo mesmo e estar em paz com as
pessoas ao meu redor?”
R. “ ‘Morte de ego’ que a isso se chama. Eu tenho que matar aquilo que eu acho que sou. Só que
eu não sou isso. E a pior é que você acha que você é aquilo. Tem algumas pessoas, que à vezes, precisam
matar o ego, e elas se matam. É engraçado, não é se matar. É matar essa casca, essa prisão que você
carrega. Essa fantasia de personagem que você inventou. Você tem que matar isso porque isso está te
matando. Tem pessoas que acham: ‘isso sou eu’. Nao. É o que você criou para sobreviver.Agora está na
hora de jogar essa fantasia no lixo.” – Fernando Freitas CS
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“Sou um homem de Deus.” “Eu me realinho com a luz e continuarei enfrentando tudo o que tenho de
enfrentar a fim de reencontrar meu caminho para o meu Deus interior e para o meu lar.” - Barbara
Ann Brennan
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“Porque é que TENHO TÃO BAIXA AUTO-ESTIMA?”
R. “Quando há compreensão de si mesmo, o que vem do mundo externo é consequência.” –
Fernando Freitas CS
“Por que é que NÃO posso MANTER RELAÇÕES SAUDÁVEIS com as pessoas?”
R.
“Por que é que NÃO posso sentir a plena GRATIDÃO pela minha vida/ainda que eu
saiba que tenho tudo pelo qual devo estar grata?”
R.
“Por que SOU tão AGRESSIVA e por vezes tão INSENSÍVEL e CRUEL para
comigo e para os outros?”
R. “E muitas resoluções desequilibradas na fase adulta, são fruto dessa criança que se impõe no
lugar do adulto, nas atitudes e na tomada de decisões.” – Fernando Freitas CS
Quanto à fé e à religião
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R. “Cria-se o caráter oral quando o desenvolvimento normal é interrompido na fase oral do
crescimento. A causa disso é o abandono. Na infância, a pessoa perdeu a mãe, pela morte, pela doença
ou pelo afastamento. A mãe deu-se para o filho, mas não se deu o suficiente. Muitas vezes ela “fingiu”
dar-se – ou deu-se a despeito de si mesma. – Barbara Ann Brennan
“Por que é que NÃO fui aceita pela minha MEIA-IRMÃ E PELO SEU SUPOSTO
PAI?”
R.
Quanto à profissão
Quanto à morte
“Por que tenho tanto medo da morte/e de perder as pessoas que “amo”?”
R. “Todos nós, em algum momento, tomamos conhecimento da inevitabilidade da própria morte.
Como somos capazes de imaginar versões alternativas da realidade, também somos a única espécie que
consegue imaginar uma realidade da qual não fazemos parte. Essa percepção causa o que Becker chama
de “pavor da morte”, uma profunda ansiedade existencial que serve de base para tudo que pensameos e
fazemos.
O segundo ponto de Becker começa com a premissa de que temos dois “eus”. O primeiro é o eu
físico – aquele que come, dorme, ronca e faz cocô. O segundo é o eu conceitual – a nossa identidade, ou
a forma como nos vemos.
O argumento de Becker é o seguinte: todos sabemos que o eu físico vai acabar morrendo e que
a morte é inevitável, e essa inevitabilidade – em algum nível inconsciente – nos mata de medo. Portanto,
para compensar o medo da inevitável perda do eu físico, tentamos construir um eu conceitual, que viverá
para sempre. É por isso que as pessoas se esforçam tanto para colocar seu nome em prédios, estátuas e
lombadas de livros. É por isso que nos sentimos impelidos a dedicar tanto tempo aos outros,
especialmente às crianças, na esperança de que a nossa influência – nosso eu conceitual – dure muito
mais que o físico; na esperança de que seremos lembrados, reverenciados e idolatrados muito depois que
o nosso eu físico deixar de existir.”
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Becker chamou esses esforços de nossos “projetos de imortalidade”, aqueles que permitem que
o eu conceitual continue vivo muito depois da nossa morte física.” – Mark Manson
Existe solução?
“Seja com terror de consciência ou pragas no corpo, de um jeito ou de outro Ele arrancará
deles espólios para si, como sempre o fez com todos os perseguidores do Seu povo.” – John Trapp
“O que é que posso fazer para me melhorar como pessoa? Preciso de respostas!”
R. “ ‘Morte de ego’ que a isso se chama. Eu tenho que matar aquilo que eu acho que sou. Só que
eu não sou isso. E a pior é que você acha que você e aquilo. Tem algumas pessoas, que à vezes, precisam
matar o ego, e elas se matam. É engraçado, não é se matar. É matar essa casca, essa prisão que você
carrega. Essa fantasia de personagem que você inventou. Você tem que matar isso porque isso está te
matando. Tem pessoas que acham: ‘isso sou eu’. Nao. É o que você criou para sobreviver.Agora está na
hora de jogar essa fantasia no lixo.” – Fernando Freitas CS
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Parte 8
Epílogo
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Visões de tempo
“...o tempo é um ciclo em espiral, no qual certas coordenadas são as mesmas de antes, enquanto outras
são diferentes. Do mesmo modo como podemos visitar de novo um mesmo local no espaço, sem que
tropecemos com os seres que éramos anteriormente, assim também, a cada ano, estamos expostos a
locais de tempo equivalentes.” – Matis Weinberg
ccc
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Chegamos ao finalxxxxxxxxxxxxx
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