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Dedicado a

todos os sobreviventes de pseudo-relações com pessoas narcisistas;


todos os terapeutas dedicados que se esforçam para amenizar-lhes a dor
pós-traumática;
todos os portadores de narcisismo, no desejo sincero de que busquem sua
cura para seu próprio bem e o bem da humanidade.
O MITO DE NARCISO

Segundo o mito grego, Narciso era um belo jovem tespiano por quem a ninfa
Eco se apaixonou. Eco fora privada de fala por Hera, a esposa de Zeus, e só podia
repetir as últimas sílabas das palavras que ouvia. Incapaz de expressar seu amor por
Narciso, foi por este rejeitada e morreu de desgosto, com o coraçao dilacerado. Os
deuses puniram então Narciso por seu tratamento desalmado para com Eco, fazendo-o
apaixonar-se por sua própria imagem. O vidente Tirésias profetizara que Narciso viveria
até ver-se a si mesmo. Um dia, quando se debruçava sobre as àguas cristalinas de uma
fonte, Narciso viu sua própria imagem refletida na àgua. Ficou perdidamente
enamorado de sua imagem e recusou-se a abandonar o local. Morreu de debilidade e
metamorfoseou-se numa flor — o narciso que cresce à beira das fontes e mananciais.

O significativo que Narciso só se apaixonasse por sua imagem depois de ter


rejeitado o amor de Eco. Enamorar-se da própria imagem — isto é, tornar-se narcisista
— é visto no mito como uma forma de punição por ser incapaz de amar. Mas levemos a
lenda um passo mais além. Quem é Eco? Ela poderia ser a nossa própria voz que nos
está sendo devolvida. Assim, se Narciso pudesse dizer “Eu te amo”, Eco repetiria essas
palavras e Narciso sentir-se-ia amado. A incapacidade para dizer essas palavras
identifica o narcisista. Tendo retirado sua libido das pessoas no mundo, os narcisistas
estão condenados a enamorar-se de sua própria imagem — isto é, a dirigir sua libido
para o próprio ego.

Outra possível interpretação é interessante. Ao rejeitar Eco, Narciso rejeitou


também sua própria voz. Ora, a voz é a expressão do ser íntimo da pessoa, o self
corporal, em oposição à aparência superficial da pessoa. A qualidade da voz é
determinada pela ressonância do ar nas passagens e câmaras internas. A palavra
“personalidade” reflete essa ideia. Persona significa que, pelo seu som, pode se
conhecer a pessoa. De acordo com essa interpretação, Narciso negou seu ser interior, em
favor de sua aparência. E essa é uma manobra típica dos narcisistas.
Qual é a importância da profecia proferida pelo vidente Tirésias — a de que
Narciso morreria quando visse a si mesmo? Que bases poderiam existir para tal
predição? Acredito que tinha de ser a excepcional beleza de Naiciso. Tal beleza, num
homem ou numa mulher, prova frequentemente ser mais uma maldição do que uma
bênção. O perigo é que a consciência de ter beleza suba à cabeça da pessoa, tornando-a
uma egoísta. Outra possibilidade é que essa beleza desperte paixões violentas de desejo
e inveja em outros, redundando em tragédia. A história e a ficção contém muitos casos
de desfechos infelizes para as vidas de belas pessoas. A história de Cleópatra é uma das
mais conhecidas. Por ser uma pessoa sábia, o vidente compreende esses perigos. –
Narcisismo, Negação do Verdadeiro Self – Alexander Lowen - 1983

Prefácio à edição em língua portuguesa

[Consciência sistêmica...]
Dr. Fernando Freitas CS

Parte 1
Meu Rei Maravilhoso
Capítulos 1-4

Θ CAPÍTULO 1 – Era uma vez...


o ...E aí ela morreu
o Línguas e artes
o Uma ruiva na minha vida
o Tudo resolvido num quarto de hora
o Conflito: Razão versus emoção
Θ CAPÍTULO 2 – Mudança de planos
o Propostas indecentes
o O fetiche da calcinha
o A viúva negra
o Sem volta
o “Meu cliente merece o melhor de mim.”
Θ CAPÍTULO 3 – Troca de amantes
o Lábios de mel...propósitos de absinto
o Don Juan
o Migalhas de prazer
o “Como amantes, meu rei!”
o Parceiro descartado
o Tempestade num copo d’água
o Ensaio fotográfico sensual
Θ CAPÍTULO 4 – Encenando o script
o “Era apenas uma ideia.”
o Natal e Réveillon
o Economia, privacidade e prazer
o Água mole em pedra dura...
1
Era uma vez...
“Começos são decisivos porque definem a visão, indicam o processo e influenciam o fim. Nossa
vida é cheia de começos e fins, ambos essenciais para o que ocorre no intervalo. Se o começo não fosse
importante, a gente começaria pelo meio.” - Marcos de Benedicto

...E aí ela morreu

Y ared era um empreendedor, instrutor de idiomas e curso designer por profissão.


Tinha cerca de cinquenta e tantos anos de idade. Porém, feições de um trintão.
Era muito bem conservado por não ter sido dado aos vícios, nem à vida boêmia
tão comum à maior parte dos homens de sua geração.
Um metro e sessenta e sete centímetros de altura. Compleições físicas de
afrodescendente, esguio e com uma vitalidade corporal invejável. Ele não tinha
qualquer quantidade de tecido adiposo em excesso com o qual ter de se preocupar.
Grandes olhos castanhos escuros e cabelos pretos com alguns fios que já haviam
assumido a coloração branca brilhante espalhados por sobre sua grande cabeça. Sua pele
morena bronzeada – como seu pai costumava dizer – cor de jambo - esbanjava saúde e
vigor na sua quinta década de vida.
Usava um par de óculos um tanto ultrapassado – estilo nerd – exibindo
inequivocamente sua condição de intelectual. Amante da leitura, havia aprendido grande
parte das verdades sobre a vida na companhia dos seus livros amigos.
De preferência, sempre estava em roupas sociais ao invés dos usados e abusados
jeans e camisetas casuais de seus colegas de trabalho.
Era reputado entre os companheiros mais achegados pelos apelidos de peace-
maker – aquele que faz a paz, numa tradução livre. Ou monge Dalai Lama. Cognomes
que lhe foram dados por detestar se envolver em conflitos pessoais de qualquer
natureza.
De um modo geral, ascendia rapidamente de posto nas escolas em que chegava
para lecionar devido à sua dedicação, proatividade e inteligência emocional em lidar
com os alunos, companheiros de trabalho e com a direção.
Ademais, era o tipo de cara conservador. Na verdade, tinha uma natureza de
inclinação mais retraída e tímida. Vivia notadamente dentro de sua própria pele. Não
apreciava aglomerações, balbúrdias, conversas fiadas. Para muitos, um cara chato. Um
tanto antissocial. Um indivíduo a ser evitado.
Mas, em contraste, uma pessoa amigável, empata e altruísta – com uma certa
vocação para salvador da pátria. Uma vez que a amizade fosse estabelecida, se podia
contar com ele para o que desse e viesse.
Vivenciara uma trajetória profissional com muitos desafios, pois começara
jovenzinho a ministrar aulas para sua própria sobrevivência e da família que constituíra
logo ao alvorecer dos seus vinte anos. Sua carreira cheia de obstáculos e dificuldades
tivera início três décadas atrás.
Contudo, em nenhum momento perdera a paz de espírito, sequer mudara seu
modo de agir e sua personalidade permanecera incólume. Soubera vencer todos os
obstáculos que tinham aparecido à sua frente.
Ainda que tivesse passado por infortúnios, traições e dissabores, sem conta não
guardava mágoas ou ressentimentos.
Yared tinha um longo histórico profissional de sacrifícios pessoais em busca de
um ideal com um vasto e aguçado conhecimento de linguista, do processo ensino-
aprendizagem, gestão da equipe docente e administração escolar. Sempre sonhara em
desenvolver e oferecer uma metodologia inédita que capacitasse seus alunos a lidar com
suas desafiadoras situações acadêmicas e de trabalho além do domínio do idioma que
estivessem estudando, o que o levou a criar um curso inédito de sucesso absoluto no
mercado durante décadas a fio.
Não obstante, a despeito da sua realização profissional na indústria de ensino de
idiomas, Yared sempre ansiara por conhecer melhor a mente humana, seus problemas,
percalços, desafios, traumas e enfermidades a fim de cooperar para o tratamento e cura
de corpo e espírito do semelhante. Ele sempre aceitara a verdade: o menos doente deve
ajudar o mais doente!
Mesmo com seu sucesso nas áreas profissional e familiar, ele sentia que ainda
lhe faltava galgar esse degrau – aquele senso de contribuir para melhorar a sanidade
mental de tantas pessoas quanto possível. Aquele anseio por realizar uma missão maior.
Yared sempre havia se feito a mesma pergunta, repetidas vezes, ao longo da sua
vida:
O ser humano nasce com um destino pré-determinado? Existe algum plano de
Deus para sua vida, como pregam os religiosos? Temos uma missão de vida a cumprir,
como dizem os esotéricos da nova era?

Yared estava amargando um luto há quase oito meses pela perda da esposa. No geral, para ser
mais exato, aquele martírio pessoal já vinha se arrastando por mais de um ano e meio – tempo que lhe
parecia uma eternidade. Isso o forçara a suportar todas as vicissitudes e inconveniências de contínuas
visitas e prolongadas permanências em hospitais, clínicas e laboratórios. Muitas vezes, executara vários
projetos nas alas da enfermaria, ao lado da sua mulher, usando para isso apenas seu sistema Android num
Motorola tristemente ultrapassado.
Despesas médicas constantes e elevadas, na casa de três dígitos, aliadas a uma angústia e
ansiedade mortificadoras passaram a ser suas companheiras inseparáveis.
O peso de toda aquela dinâmica insidiosa o arrastava, dia a dia, semana a semana, mês a mês,
cada vez mais, para uma depressão profunda.

Estivera segurando a mão magérrima da sua esposa no seu último suspiro. Testemunhou ela se
despedir desse mundo enquanto jazia entorpecida à morfina injetada diretamente na veia – aparência
esquálida, olhos encovados, porém ainda cheios de amor, como sempre tinham sido.
Sem mais conseguir se mover, sobre uma cama de ferro pintada com um frio branco hospitalar, a
senhora Lovingdale piscou o olho direito pela última vez. Aquela fora a única forma que ela pôde usar
para dizer adeus ao seu marido. Sua respiração esvaeceu. Seu batimento cardíaco despencou para o zero
absoluto – pôde-se ouvir o ruído do sinal contínuo do monitor multiparâmetro a anunciar sua saída desse
mundo.
Em particular, as pessoas que alguma vez tenham assumido o papel de cuidador de um paciente
gravemente enfermo conhecem o sofrimento excruciante envolvido nesse processo. Acima de tudo, se
esse paciente for um familiar. Num grau extremo, se a pessoa doente for algum ente querido. E nada é tão
atroz como perder alguém que tiver passado a maior parte da sua vida ao seu lado. É um sofrimento
humanamente inconcebível!
As incertezas da vida e as vicissitudes da existência sempre mais cedo ou mais tarde batem à
nossa porta. Intrometem-se na nossa vida mesmo sem serem convidadas. Como tal, somos assediados por
certas inevitabilidades. O falecimento com seu terrível golpe parece ser o pior, no entanto! Queiramos ou
não, envelhecemos, sofremos perdas e vivemos à sombra da morte. Essa é uma fatalidade inerente à
condição humana – sem exceção. Ninguém pode salvar ninguém da arrepiante garra da morte, quando na
sepultura, coberto de vermes!

Paradoxalmente, devemos tentar viver feliz num mundo onde a alternativa da dor e a
probabilidade de aflições são possibilidades experienciais reais sempre a nossa espreita.

“Quem é o acompanhante da Sra. Lovingdale?” – perguntou o médico apressadamente.


Esticando o pescoço rapidamente para espiar para além do balcão, Yared respondeu de pronto:
“Aqui, doutor.”
“Ok! Siga-me até o meu consultório, senhor.” – acrescentou o profissional de saúde numa voz
de comando – quase militar.
Yared havia notado que alguma coisa havia dado errado com os exames da sua esposa. E ficou
olhando para o médico espantado como se tivesse visto assombração.
Em primeiro lugar, a jovenzinha enfermeira, com o braço direito sobre o ombro da senhora
Lovingdale, tinha saído da sala de procedimentos levando-a para a sala de repouso, devagar e
cuidadosamente, muito antes do tempo previsto. Em segundo lugar, o médico o chamou num humor
grave e num tom de voz alarmada.
Antes mesmo de se sentar, ele informou o acompanhante com frieza:
“Ela tem um tumor de aproximadamente 3 centímetros e meio no estômago! É obrigatório que
seja operada com emergência!”
Yared puxou para o lado uma pesada cadeira de madeira antiga, estilo colonial. Pressurosamente,
repousou seu corpo trêmulo sobre aquele assento imponente. Estava transtornado com aquela notícia de
morte à vista. Sentiu como se estivesse recebendo um forte soco no estômago. As palavras agourentas do
médico tinham o peso de chumbo. Afinal, era para ser meramente um exame de rotina. Agora, ele previa
um risco de morte para a sua amada esposa.
“É um cân.. câncer, doutor?” – balbuciou ele com os nervos à flor da pele.
“Eu não tenho dúvida alguma!” – confirmou asperamente o clínico.
“Mas é maligno ou benigno?” – a testa de Yared havia franzido na horizontal e suas
sobrancelhas estavam levemente erguidas.

O esposo, com as mãos suadas e um calafrio na espinha, esperava desesperadamente ouvir a


última alternativa como resposta. O passado já o havia golpeado com o falecimento precoce de três
cunhadas para aquela mesma enfermidade nefasta. Existia uma síndrome pós-traumática perseguindo
aquela família de geração em geração. Agora, seu coração estava batendo acelerada e
descompassadamente com o medo de enfrentar mais um velório, mais um funeral. Dessa vez, envolvendo
sua própria mulher como a vítima. Sofrera um desmesurado impacto emocional e consequentemente tinha
entrado em desespero.
Porém, devemos parar de tentar resistir à dor e à perda, pois são inevitáveis.

“Este é um tipo de câncer maligno. Ela tem de ser operada o mais rápido possível. Por favor,
tome as medidas necessárias!” – advertiu o médico sem papa na língua. No estilo Super Sincero. O tom
da sua voz foi fatídico.
Aquela informação, numa fração de segundos, causou em Yared uma vertigem e mal estar
indizíveis. Ele ficou deveras assustado, e começou a se perguntar como aquela maldita enfermidade
poderia ter acometido sua esposa desavisadamente – logo ela que era bastante atenta à sua saúde e à da
sua família.
Os dois estavam juntos num casamento harmonioso por mais de três décadas. A construção
sólida do relacionamento com sua admirável esposa havia sido inteiramente feita em pedaços e ruíra em
questão de minutos!

“Já pedi uma biópsia de emergência para certificar o tamanho e o tipo do tumor.” – comentou
o médico de forma técnica.
“Tudo bem doutor, vou providenciar.” – respondeu-lhe Yared com a voz embargada.

Yared sentiu uma pontada aguda nas têmporas ao ouvir aquela verdade impalatável. Ficou
apático e gélido diante da perspectiva da sua vida conjugal bem-aventurada não poder perdurar por muito
tempo mais. A sentença final parecia ter sido decretada. E quem a teria decretado? As maiores verdades
da vida são as mais desagradáveis de ouvir.
Yared foi invadido por uma dor lancinante. Seu coração pareceu estar sendo transpassado lenta e
repetidamente por um punhal. Uma avalanche de imagens de sua vida pretérita de casado assaltou o seu
cérebro erraticamente. Precisava reorientar seus pensamentos para agir da forma certa.
Quando se recuperou do choque, pediu licença ao médico e caminhou com passos largos até à
área externa da clínica. Buscou mais ar nos pulmões. Respirou fundo. E decidiu procurar um ombro
amigo em que se apoiar. Ligou para o seu irmão.
“Meu irmão, estou inconformado com o que ouvi do médico agorinha mesmo. Acabo de receber
o resultado do exame de Lovingdale. Ela tá com câncer. No estômago. É maligno. Precisa de cirurgia
com emergência!” – informou falando de forma acelerada e nervosa.
Pôde sentir que ele fez uma pausa no outro lado da linha, antes de responder.
“Brother, você tem certeza?” – perguntou o rapaz.
“Sim, tenho. Tenho que encontrar o tratamento certo para minha mulher, meu irmão.”
“Você quer que eu vá até aí? Posso te apanhar na clínica e a gente pode conversar.” – ofereceu
o seu irmão.
“Muito obrigado, brother! Mas tenho de ir pra sala de repouso ficar com ela. Depois vou levá-
la direto pra casa. Mas quero conversar com você ainda hoje. Me dá essa força aí?” – perguntou a ponto
de entrar em desespero.
“Com certeza, brother! Estamos juntos.” – conformou-lhe seu irmão.

Uma das amigas mais próximas de Yared era psicóloga. Ela o aconselhara a
começar a se envolver com algum tipo de atividade pois percebera que ele estava
prestes a ficar gravemente doente da cabeça.
Ao longo de todos os dias, seus pensamentos e pronunciamentos eram voltados
para a perda da esposa. E pelas noites adentro, chorava amargamente, e não havia quem
o consolasse dentre todos que o amavam. Estava esgotado de tanto gemer. Toda noite
molhava sua fronha com seu pranto, inundando com lágrimas o lugar do seu repouso.
Seus olhos se mostravam consumidos, envelhecidos por causa da tragédia do
falecimento recente.
Depois desse diálogo com essa terapeuta, o professor decidiu ministrar um curso
de inglês gratuito. Em resultado disso, escolheu uma comunidade religiosa carente para
esse propósito. E uma terapia ocupacional para sua cura foi iniciada.

“O tempo e o espaço também são muito importantes como referenciais para o terapeuta, que
deve observar o passado, atuar no presente, mas vislumbrar o futuro, a fim de orientar o novo caminho
de possibilidade que se abre.” – Fernando Freitas CS

Os alunos do instrutor de idiomas – animados, inteligentes, ousados e difíceis –


eram apaixonados pelas suas aulas – sempre cheias de atividades dinâmicas e divertidas.
Isso os fazia aprender com muita facilidade. O trabalho que é feito com amor perde
metade de seu tédio e dificuldade.
Por consequência, ele se motivou a expandir seu ensino. Dessa vez, para os
filhos dos seus estudantes. Planejava desenvolver um programa de inglês infantil – um
curso de English kids.
Como resultado, Yared teve a ideia de ter algumas mascotes como personagens
principais para representar o curso da garotada. Quis fabricar bonecos de mão –
marionetes. Esses seriam uma espécie de atores e atrizes para suas aulas com as
crianças. Soube que uma das suas alunas trabalhava com as artes manuais – era uma
artesã. De tal modo, conversou com ela para ver se poderia fazer os bonecos que
pretendia usar na sala de aula infantil.
Numa conversa pelo aplicativo de mensagens, a moça lhe disse que não era sua
especialidade fazer aquela modalidade de personagem, entretanto. Ainda assim, ela
conhecia uma amiga artífice que era especialista em projetar e fabricar aquele tipo de
peças de arte.

Línguas e artes

Cinco meses havia transcorrido desde que sua esposa havia passado para seu
descanso eterno. Numa manhã de setembro daquele fatídico ano de 2017, por meio de
uma conversa no aplicativo de troca de mensagens, Yared teve contato com Ani Lorac
pela primeira vez. Observando atentamente a foto do perfil no aplicativo
multiplataforma de mensagens instantâneas, ele depressa percebeu que ela era uma
mulher bonita. Charmosa. E ruiva!

Yared: Bom dia!


Yared: Meu nome é Yared e sou cliente do boneco.
Yared: Lucy me deu suas informações de contato.
Lorac: Oi, Yared. Bom dia!
Lorac: Ela me deu algumas informações sobre as marionetes.
Yared: Sinta-se à vontade pra fazer qualquer pergunta que possa ter.
Lorac: Eu disse a ela que vou começar a fazê-los na próxima segunda.
Yared: Tudo bem, não tem pressa.
Yared: Por favor, lide diretamente comigo de agora em diante, ok?
Lorac: Tudo bem, Yared.
Yared: Obrigado!

Na realidade, aquela artesã era habilidosa o suficiente para assumir o trabalho de


projetar e fazer os bonecos mascotes que Yared tanto precisava usar em sala de aula.
Dessa forma, ele contratou seu serviço. Preço, condições de pagamento e data de
entrega foram combinados entre cliente e fornecedora.
Após aquele primeiro contato virtual, as coisas iriam moldar o resto de sua vida
bem como as dos que lhe eram próximos.

Uma ruiva na minha vida

O dia para a entrega das marionetes foi combinado por meio de uma conversa
entre o empreendedor de idiomas e a profissional de artes via aplicativo de mensagens.

Lorac: No sábado dia 30 nossa Associação vai realizar mais um evento de arte. Ao invés de entregar suas
peças em mãos, gostaria de levá-las para a exposição. Pode ser?
Yared: Sim, claro. Eu vou!!!
Lorac: Vai ter um concurso. Vamos ver se eu vou ganhar....
Yared: Claro que você vai!
Lorac: Obrigada!
Yared: Meu voto é seu!

Lorac havia se divulgado. Estava se vendendo. Atuara como seu próprio


marchand – precisava agenciar suas obras de arte autonomamente, o que teve o pronto
apoio e incentivo do homem de negócios do ramo de idiomas.
Ao cair da tarde do dia do evento, Yared acompanhado por seu irmão mais novo
e sua namorada seguiram no carro da família para o endereço do festival de arte. Estava
todo contente e motivado com sua nova aquisição – as mascotes dariam vida e alegria às
suas aulas com a meninada.
Nesse estado de boas vibes, partiu para o showroom de artes. Estava indo pegar
seus modelos novinhos em folha e ver com seus próprios olhos a ruivice daquela artista.

O recinto se assemelhava a uma casa senhorial enorme com dois andares. Bem
no estilo colonial. A fachada barroca de cor forte colada com os demais prédios numa
mescla multicolorida era o destaque daquela arquitetura clássica.
Situava-se na zona alta da enladeirada cidade turística vizinha. Podia-se ver
muitas peças de arte de todos os tipos dispostas sobre dezenas de mesas por todos os
lados.
Galhos, raízes e troncos de madeira tornaram a ganhar vida nas mãos de artistas
habilidosos, transformando esses galhos em bichos da região, pessoas e instrumentos
musicais. Havia a produção tanto de camponeses em madeira, como também de peças
religiosas e carros de boi. A principal matéria-prima era a madeira umburana, bem
característica da região. Podia-se contemplar carrancas de anjos barrocos alegres e
gordinhos. Havia artista que fizera esculturas humanas, animais e figuras do imaginário.
Produções feitas em raízes e troncos de árvores descartadas. Bonecos de Mamulengo
em madeira também podiam ser admirados. Havia trabalhos maravilhosos por “dar
vida” aos olhos dos bonecos de barro, utilizando o alto-relevo e a pintura.
Ao escanear o interior do salão, de imediato, Yared pôde captar a visão dos seus
bonecos. Estavam trajados e pintados de uma forma admirável. Suas encomendas
artísticas estavam no centro de uma daquelas inúmeras mesas expositoras. Arrodeadas
por outras peças de arte de Lorac, se destacavam pelo brilho e disposição das cores.
Eram verdadeiras obras-primas!
A artista não estava no local naquele momento. Até que... naquele meio tempo,
num intervalo de quinze minutos mais ou menos, os olhos deles se encontraram pela
primeira vez. Finalmente, ele pôde vê-la em carne e osso.
Já à primeira vista, a artesã se apresentou como uma mulher muito bonita e bem
cuidada. Era muito atraente — rosto bem formado, queixo firme, boca bem desenhada,
lábios cheios, olhos espaçados; seu corpo era mais para o tipo mignon, muito esbelto, de
pernas bem torneadas. Seu sorriso era cordial e convidativo.
Aparentava seus trinta e tantos anos de idade. De aparência jovial, do tipo bem
com a vida. Um metro e cinquenta e cinco centímetros de altura. Pequenos olhos
castanhos. Pele muito clara com sardas salpicadas aqui e ali no rosto e pelo pescoço.
Seus cabelos eram vermelhos como uma brasa incandescente e lhe caíam sobre os
ombros como cascatas de cobre.
Tornou-se de imediato evidente para Yared que aqueles cachos cor de âmbar
avermelhado eram obra exclusiva da natureza, e não resultado de qualquer tintura mal
feita num salão de beleza de terceira categoria.
A mulher tinha feições ainda mais formosas do que ele tinha visto na fotografia
de perfil do aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas.
A linda fornecedora se aproximou do seu cliente com um sorriso encantador e
educadamente perguntou:
“Yared?!”
“Lorac?!” – Yared devolveu-lhe a pergunta e o sorriso.
“Boa noite!” – aquela saudação foi oferecida de uma forma gentil e vibrante.
Trocaram beijinhos nos rostos e se abraçaram.
“Boa noite!” – ele ecoou para a artista, já demonstrando estar embevecido com
aquele encontro, com a primeira impressão que estava tendo da moça de cabelo
acobreado.
Ele pensou:
- Pareceu-me que um fluxo de energia tinha varrido nossos corpos por inteiro.
Ambos tivemos a mesma sensação, sobre a qual conversamos mais tarde.
Ali jazia um mistério – o segredo das raízes. Era notório, por conseguinte, que
havia laços profundos entre as raízes das almas dos dois. Às vezes, dois amigos são
mais intimamente ligados do que dois irmãos.

Tudo resolvido num quarto de hora

O outro casal – seu irmão e sua namorada – mantinha os olhos atentos e os


ouvidos bem apurados aos episódios em sua volta. Estavam construindo seu próprio
ajuizamento sobre o que estava acontecendo naqueles meros minutos dentro daquele
amplo resort de arte.
Yared e seus familiares fizeram uma estada de cerca de duas horas no interior do
casarão. Podia-se encontrar comida e bebida disponíveis para que os visitantes
comprassem. A música estava inundando aquele espaço festivo com um ar um tanto
psicodélico.
As pessoas arrumadas casualmente eram alegres, barulhentas e expansivas.
Desfrutavam de divertimentos simples como ouvir músicas em vitrolas antigas, bate-
papos descontraídos e estridentes, e contação de piadas e lorotas em meio a gargalhadas
estrepitosas. Era um povo que, conforme os valores de Yared, poderia ser considerado
como de estilo e gosto alternativos, digamos. Na vã guarda da moda, da arte e dos
costumes.
A anfitriã se aproximou perturbadoramente de Yared e chamou os seus
convidados para subir até o piso de cima. Haveria uma apresentação de dança exótica de
uma dupla feminina. Ela cortesmente meneou a cabeça indicando o caminho e os guiou
até as escadas que levavam ao palco.
Lorac estava usando um vestido amarelo salpicado de flores vermelhas, verdes e
azuis. Era um tanto curto – ligeiramente acima do joelho. Havia colocado um sutiã
firme e modelador. Essa peça íntima fazia seus seios parecerem duros e arredondados.
Esticando seu braço direito em direção à escadaria, a mulher tomou à dianteira e
Yared a acompanhou logo atrás. A artista de cabelos castanhos avermelhados passou à
frente dos visitantes e começou a escalar com elegância os estreitos e sinuosos degraus.
Eles eram de madeira antiga e extremamente desgastados pelo tempo. Mesmo assim,
por terem sido lustrados para a ocasião, embelezavam a escada em espiral que dava
acesso ao pavilhão superior. A despeito da balbúrdia dos esfuziantes participantes do
evento, podia-se ouvir os golpes dos saltos da anfitriã sobre os degraus de madeira a
ecoar no ambiente.
A cada passo de Lorac na sua subida, seus olhos aguçavam-se para acompanhar
aquele desfile na passarela em forma de escada. Sem piscar! Estava focado na altura da
barra da saia do vestido da dona. Ficou todo motivado a ver mais daquelas pernas
torneadas e bronzeadas – as panturrilhas eram salientes e rijas, demonstrando que a
artista frequentava a academia de musculação. Ela transpirava saúde e exuberância
física.
Ao passarem adiante pela soleira da porta de acesso, e uma vez no interior da
sala, preparada adrede para ser o palco da apresentação, pareceu terem cruzado um
portal tempo-espaço. Depararam-se com dúzias e dúzias de pétalas de rosas – nas cores
branca, amarela e vermelha – que haviam sido soltas por todo o assoalho. O piso se
assemelhava a um magnífico tapete persa de fina tecelagem artesanalmente trabalhado.
Estava pronto para receber maciamente os pés nus das dançarinas.
As mulheres estavam bem vestidas e ornamentadas com vestes e acessórios
indianos. Uma música instrumental tipo nova-era ressoava docemente naquele ambiente
transcendental. A iluminação era de penumbra. À luz de velas, por assim dizer. Pairava
uma certa volúpia no ar.
Lorac se sentou de pernas cruzadas bem ao lado de Yared. Seu vestido curto
ascendeu um pouco mais. Aquele movimento deixou à amostra uma porção extra de
suas coxas – tanto quanto as panturrilhas, elas estavam tostadas em comparação com a
cútis do rosto de Lorac. O intelectual de idiomas, como de camarote, não pôde deixar de
contemplar aquele incidente incitante. Afinal, estava sendo oferecido aos seus olhos
com generosidade, com liberalidade. Por que não se deleitar? Pensamentos picantes
tomaram conta da sua mente, de imediato. Como fica sua flor-de-lótus quando ela se
senta nessa posição? Ela também é ruiva lá embaixo?
Depois de instantes, após a performance de dança ter sido saudada com aplausos
entusiasmados, o irmão de Yared disse num tom de brincadeira:
“Eu pensei cá comigo mesmo. Se essa mulher subir primeiro, Yared vai transar
com ela!”

Depois de momentos aprazíveis na companhia da artista, chegara a hora de se


despedir daquele show de artes. A marchand retirou as marionetes de sobre a mesa e as
embalou meticulosamente em sacolas personalizadas ostentando a logomarca da sua
empresa. Juntou alguns dos seus cartões de visita e entregou a encomenda nas mãos do
seu cliente acompanhada de um sorriso afável.
Depois de se despedir de Lorac, Yared seguiu em direção ao automóvel. A
cunhada perguntou na hora com um sorriso maroto:
“A menina solícita não vem jantar com a gente?”
Mostrando-se um tanto surpreso, ele disse de maneira atrapalhada:
“Como assim? Não, não, claro que não.”
“Ela ainda tá trabalhando na venda das suas bonecas. E além disso, ela é uma
mulher casada.” – afirmou de maneira pouco convincente.
Ambos abriram um largo e sonoro sorriso. Seu irmão acrescentou:
“Cuidado pra que você mesmo não faça uma boneca nela!”
Para ambos, aquela troca de energia se tornara de todas as formas evidente – um
flagrante de uma baita atração mútua: linguista-artista.
Eles passaram o resto da noite provocando Yared com piadas e lorotas sobre a
tal garota ruiva solícita.
Depois do jantar, levaram Yared para casa.
“Quero dizer-lhe uma coisa: entre o homem e a mulher, tudo se decide no primeiro quarto de
hora. É no primeiro quarto de hora que se estabelecem todas as regras. Daí por diante, nada mais se
modifica.” – Bert Hellinger

Conflito: Razão versus emoção

Ao chegar em casa, Yared foi imediatamente para a cama. Contudo, não


conseguia se desconectar do evento e relaxar o suficiente para cair no sono. Sua mente
estava vagando pela cadeia de reminiscências dos bons momentos que tivera naquela
noite. Ele não conseguia fazer outra coisa a não ser pensar em Lorac. Uma pessoa não
esquece algo de que realmente se deseje lembrar. Aquela frase ficara na sua cabeça:
“Ela não vem jantar com a gente?”
Desde a primeira troca de olhares, ele havia sido atraído magneticamente àquela
ruiva. Ela possuía um certo quê em sua maneira de andar, no tom da voz e no modo de
exprimir-se. Decidiu ligar para ela pelo App de mensagens. Enviou-lhe uma mensagem
de boa noite e muito obrigado.
Ani Lorac respondeu imediatamente. Tinha acabado de chegar à casa da sogra.
Yared aproveitou para conferir aquela pergunta que a namorada do seu irmão havia
feito e que não queria calar. Então, por via das dúvidas, apressadamente, lhe enviou o
seguinte texto com uma carinha de pensativo:
- Era um pouco tarde e você ainda estava trabalhando. Mas pensei em
te convidar pra jantar com a gente.
Para seu grande assombro, a resposta da artista confirmou a proposta tentadora
que sua cunhada havia feito. Digitou Lorac acrescentando animes com carinhas de
felicidade e meiguice:
- Seria uma ótima ideia, mesmo!!! Preciso conhecer novas pessoas.
Preciso de um pouco de lazer. Da próxima vez, quem sabe?”
A mente de Yared foi arrastada por um tsunami de pensamentos e sentimentos
contraditórios. Ele estava sucumbindo a uma paixão física avassaladora. Haveria
realmente uma chance de se aproximar daquela dona?
- Essa mulher tá brincando com fogo! – pensou ele sorrindo consigo mesmo.
“Cuidado Yared!” – lhe falou sua voz interior. “Ela é uma senhora casada.
Tem uma família. Você está no seu juízo normal para não se aproximar dela, não
está?”
Para o fim e com o propósito de pacificar suas elucubrações em turbulência, ele
deu uma bronca no seu cérebro:
“Você é viúvo e tem uma vida social e profissional estável. Tem mantido uma
grande família. Tem filhos e netos. E a propósito, você não é mais um adolescente, não
é mesmo?!”
Imediatamente sua mente respondeu com um ressonante: NÃO! Yared estava
sendo carregado e impulsionado por uma força que podia mais do que ele, à qual sua
mente racional relutava em se entregar.

Aquele raciocínio lógico fora em enorme medida persuasivo para conter seus
sentimentos sobre aquele primeiro encontro com Lorac.
Não obstante, os sentimentos, de maneiras não totalmente compreensíveis, são
fortes o suficiente para insurgir o tempo todo. De forma consistente e persistente! Eles
tomam conta de todo o nosso ser assim que nossa mente controladora descuida apenas
um pouquinho. Como resultado, ela deixa de exercer sua autoridade sobre nós, fazendo
aflorar nossos desejos contidos.
Lorac estava mexendo com sua cabeça. A lembrança constante dela não havia
diminuído seu jugo sobre ele. Tinha achado seu aspecto feminino tão poderoso, tão
atraente e tão insinuante que lhe estava sendo difícil renunciar a ele.
Ele teria que afrontar o dilema: tentar conhecer melhor aquela mulher, ou
simplesmente esquecê-la e levar sua vida como se nunca a tivesse visto antes. Assumi-la
seria uma mudança de atitude radical.
Seria sair do seu mundo ordinário, comum, de sempre, o qual estava adaptado
para um novo mundo fantástico, talvez imaginário, onde não se sentiria seguro, nem no
controle de si mesmo. Como poderia seguir seu coração se isso significava colocar seu
status quo em perigo?
Que fique claro que aquela última alternativa acabou sendo uma iniciativa
inconcebível para Yared. Seu ímpeto e motivação interiores eram de aproximar-se da
artista de cabelos castanhos avermelhados.
Daí, ele elaborou um plano de ação a fim de conciliar as duas alternativas – no
bom inglês fight or flight – traduzindo: lutar ou fugir!
Estava ansiando ardentemente se achegar a Lorac. Queria saber mais sobre ela.
De uma forma ou de outra, daria um jeito de disfarçar a irrupção vulcânica daquele
desejo. Talvez, tudo pudesse começar com uma possível futura parceria profissional.
O professor ficara dividido entre dois valores de vida muito em desacordo entre
si. Dois caminhos irreconciliáveis a seguir.
No entanto, uma decisão obrigatória e pendente precisava ser tomada. Ele não
tinha como ficar indiferente.

“...alguns valores e parâmetros são melhores que outros. Alguns conduzem a problemas bons
(do tipo fácil e simples de resolver), enquanto outros levam a problemas ruins (do tipo difícil e complexo
de resolver).” – Mark Manson

Seu desejo original e real, imergindo do seu id, era conhecer melhor aquela dona
com grande sexy appeal.
Sentiu-se provocado a ver se, por acaso, ou por iniciativa, poderia conquistá-la
amorosamente para si.
A essa altura, estava inteiramente possuído pela ideia de começar uma paquera
com aquela mulher de cabelo de cobre.

“O papel crucial que a sexualidade desempenha na união dos casais evidencia o primado da
carne sobre o espírito, bem como a sabedoria da carne. Somos tentados a desvalorizar a carne em
comparação com o espírito, como se o que se faz a partir da necessidade física, do desejo e do amor
sexual tivesse menos valor que os benefícios da razão e da moralidade.” – Bert Hellinger
Em última análise e na compreensão final, aquela arquitetada proposta de
parceria profissional era tão-somente um pretexto para reencontrar a artista. Em última
instância, ele precisava ficar de bem com sua cabeça.
Sem dúvida nenhuma, essa ideia era capaz de compensar sua mente
disciplinadora sobre o que ele ansiava por fazer.
Estava tudo acontecendo tão rápido, tão fora de controle que Yared estava bem
ciente de que, se não pusesse freio em seus impulsos, e deixasse as coisas correrem
frouxas, poderia acabar tendo um envolvimento amoroso com Ani Lorac.
Sabia que se fosse encarar seus prazeres mais profundos, as consequências
poderiam ser devastadoras por viver um amor proibido.
Por dias a fio lutou contra aquela dualidade. Aquela neurose. Aquela luta titânica
entre o id e o superego. Pensamento e sentimento. Razão e emoção. Aquele binômio se
digladiava no seu universo psíquico.
Ter conhecido aquela mulher de cabelo acobreado lhe colocara diante de uma
nova conjuntura – um desafio.

Inconscientemente, somos movidos por forças desconhecidas que irrompem da


nossa psique. Aquele impulso considerado “negativo” seria o id de Freud? Ou a Yetser
Harah da filosofia judaica?
De uma forma ou de outra, todos reconhecemos que temos disposições internas
que nosso eu consciente se recusa a aceitar, ou pôr em prática. Esse nosso lado
“bonzinho fingido” seria o ego do psicanalista vienense ou a Yetser Hatov do povo
judeu?
Afora essas duas forças a virem cobrar espaço de ação na nossa vida cotidiana,
sofremos o freio ou o controle do superego. Aquela “voz interior” que sopra nos nossos
ouvidos as “regras do bom viver” que papai, mamãe e a professorinha nos ensinaram.
Aquela obrigação que sentimos de ter que ficar sorrindo e parecer feliz.

“Lembro-me de me sentar recatadamente enquanto me tiraram o retrato. Ainda tenho essa foto.
A imagem é: 'Vejam que menina encantadora eu sou’. Meu pai costumava dizer: 'Tudo o que uma moça
tem que fazer é sorrir, e terá tudo o que quiser’. Assim, continuei a vida sorrindo enquanto meu coração
se despedaçava por dentro.” – Alexander Lowen

Enquanto dialogava mais tarde por meio do aplicativo de mensagens, não


podendo mais resistir ao impulso de ver Lorac, Yared marcou um encontro com ela.
Usou o argumento de que tinha um possível acordo comercial para apresentar. A
reunião foi marcada para uma livraria sofisticada e famosa no centro da cidade – um
verdadeiro shopping center do livro.
Interessante o suficiente e digno de nota, ambos estavam reciprocamente
aspirando por se verem de novo.
Homem e mulher alimentavam seus próprios interesses e intenções. Entretanto,
compartilhavam uma verdade. Para ser realista, os dois ansiavam por estar juntos mais
uma vez.
Exteriormente, eles estavam definitivamente em desacordo entre si. De tantas
formas. Quanto a tantos princípios e valores. Com relação à forma de encarar a vida e
vivê-la. Suas perspectivas pareciam diferir tão profundamente como diferem o óleo da
água – os quais também não podem se misturar.
Interiormente, entretanto, ambos eram muito semelhantes. Buscavam uma nova
experiência de vida. Um relacionamento que valesse a pena. Cada um a seu próprio
modo. Um oásis afetivo. Um amor verdadeiro, quem sabe?
E eram aquelas semelhanças que estavam atraindo um para o outro como um
potente ímã.

“... ´o semelhante atrai o semelhante´, essas pessoas se encontram e partilham


do problema mútuo.” – Barbara Ann Brennan

2
Mudança de planos
“...te guardes de uma mulher iníqua e de aspecto macio de uma língua estranha. Não cobices
sua beleza em teu coração, e não te deixes cativar pelo piscar de seus olhos, pois por causa de uma
mulher licenciosa se pode ver o homem em situação de implorar por seu pão...” – Shelomo
Propostas indecentes

I ndependentemente de toda aquele embaraço, chegara o dia D e a hora H do primeiro


encontro marcado pelo par enamorado.
Por meio de um bate-papo no app de mensagens, Yared ofereceu pagar uma
corrida de táxi para Lorac voltar para casa.
Ela confirmou que, se assim fosse, estaria disponível para ficar com ele por
aproximadamente cinco horas. Cinco horas?

Yared: Qual é o melhor horário pra você?


Lorac: Eu pretendo ir ao centro na segunda-feira... pra comprar algum material. Poderíamos nos encontrar
ali perto, tipo no Centro de Artes.
Yared: Onde ficaria melhor pra você?
Lorac: Pra mim é melhor lá.
Yared: Ok!
Lorac: Porque vou fazer uma entrega... lá no Centro de Artes. É ótimo lá, tem várias opções de lugares
pra gente conversar...
Yared: Perfeito!
Lorac: Pode ser de manhã... Chego por volta das 10:00 e vou comprar algumas coisas. Acho que às 11:00
terei terminado, então poderemos nos encontrar.
Lorac: Por lá...
Lorac: Está bom pra você?
Yared: Vamos almoçar juntos?
Lorac: Se for de manhã eu tenho mais tempo... porque à tarde tenho que voltar.
Lorac: Sim, podemos.
Yared: Combinado.
Lorac: Tudo bem então!
Lorac: Combinadíssimo!
Lorac: Até mais!
Yared: Até que horas podemos conversar?
Lorac: Até cerca de 2:30.
Lorac: Porque às 3:00 pretendo voltar pra não ter que pegar um ônibus lotado... e engarrafamentos.
Yared: Podemos discutir metade dos nossos planos!
Lorac: Onde moro o transporte é difícil. Tem ônibus apenas até um determinado horário.
Lorac: Ótimo!
Lorac: Então até breve!
Yared: Qualquer problema, posso arranjar um Uber pra você – não aceito não!
Lorac: Pra você também.
Lorac: Rsrsrsrs!
Lorac: Tudo bem então. De repente, eu poderia até aceitar.
Lorac: Rsrsrsrs!
Lorac: Obrigada!
Lorac: Até mais!
Yared: Eu disse: não vou aceitar não como resposta!
Yared: Boa noite!
Lorac: Rsrsrsrs!
Lorac: Tudo bem!
Yared: Ok!
Lorac: Ótimo!
Lorac: Obrigada!
Yared: Meu prazer!

Aquilo era muito mais do que ele havia previsto. Era tempo de sobra para tratar
ideias de trabalho e planos de marketing. Além do mais, essa chance de um encontro
reacendera sua expectativa de um flerte com a ruiva.
Ambos estavam cientes de sua autojustificativa para a reunião. Era um
analgésico mental para a dor da culpa.
Para ser realista, em certo sentido, os dois tinham o desejo sincero de estudar um
ao outro melhor. E muito mais profundamente – em todos os detalhes possíveis.
Yared não parava de pensar no compromisso. Seus nervos tinham passado a
semana inteira em constante atividade e sua cabeça parecia que ia explodir com tantas
ideias e elucubrações.
Na tarde do seu primeiro encontro com Yared, Ani Lorac estava usando um
longo vestido preto. Seu cabelo ruivo desalinhado estava preso num coque descuidado,
mas ainda assim charmoso no alto da cabeça, deixando à amostra seu pescoço bem
torneado e com sardas. Yared se viu diante de um par de penetrantes olhos azuis. Ela
estava carregando um par de pesadas sacolas reutilizáveis de algodão bege com vetores
logo reciclagem verdes característicos.
A artesã tinha comprado uma abundância de materiais para seus trabalhos de
arte. A grande quantidade de itens era bem perceptível pela protuberância e a projeção
de alguns papeis coloridos pelas bocas das sacolas.
Portando-se com todo cavalheirismo e atenções, Yared pegou seus pertences da
sua mão e assumiu o peso das suas compras.
Cumprimentaram-se cordialmente com um polido “boa tarde!”. Beijaram-se nas
faces e caminharam até à praça da alimentação a convite do gentleman.
O linguista e a artista sentaram-se a uma mesa de café e, na maior parte do
tempo, levaram um papo sobre negócios, família, projetos profissionais e muitos outros
assuntos.

O vestido longo que Lorac estava usando tinha um cavado decote em “V” na
parte da frente que se repetia na parte de trás deixando um palmo das costas da moça à
amostra. Ela o havia colocado sem sutiã. Aquilo era com facilidade discernível aos
olhos atentos e libidinosos de Yared.
Ela estava usando uma corrente fina de prata. E algum tipo de joia dependurada
estava aninhada por dentro da roupa. Seguramente, repousava com delicadeza entre seus
bustos.
Os olhos cautelosos e cobiçosos de Yared, vez por outra, fitavam-nos se
esforçando para obter qualquer vislumbre que fosse da beleza desnuda daquela mulher
desconhecida.

Lorac tinha planos para uma Feira Internacional de Arte que iria acontecer em
breve – num segmento de tempo de poucos meses – talvez três ou quatro.
Ela pretendia aumentar e atualizar suas atividades profissionais, como todo bom
empreendedor.
Yared mantinha uma atitude solícita de apoio naquele colóquio que era uma
mescla de negócios com caso amoroso. Ofereceu-lhe alguma ajuda, caso ela o quisesse
como sócio.
“Você sabe?” – começou ele.
“Tenho algumas economias guardadas para qualquer emergência. Também
para o caso de surgir uma grande oportunidade. E eis que estou diante de uma, e
pretendo mudar meus planos pessoais iniciando um projeto com você.”
“Humm... é mesmo? Como o quê, por exemplo?” – perguntou curiosamente a
artesã.
“Se você não se importar muito eu poderia investir algum valor no evento da
Feira Internacional de Arte. Talvez pudéssemos começar uma parceria de negócios.” –
ofereceu generosamente o coach de idiomas.
Lorac o olhou pensativamente e dirigiu-se a ele aquiescendo:
“Bem, nesse caso, acho essa uma excelente ideia. Além disso, você pode
conseguir um grande lucro com seu investimento.”
Com lisonjas apropriadas, ela pareceu fascinada pelo que ele dissera, por algum
motivo que ele não podia imaginar. Yared percebeu perfeitamente que ambos estavam
abrindo as portas para uma aproximação cada vez maior.
“Fechado! Alegra-me saber que você tem interesse. Pode significar a abertura
para grandes oportunidades e bênçãos!” – assentiu ele com um aceno de cabeça e
sorrindo largamente.
“Tem alguma outra proposta a fazer em prol da minha felicidade financeira,
Yared?” – inquiriu de forma jocosa.
“Não. Por agora, isso é tudo. Quem sabe no futuro?” – comentou ele
igualmente jocoso.

O fetiche da calcinha

Depois de passar algum tempo visitando as altas estantes abarrotadas de livros


no andar superior, o curso designer e a artista desceram as onduladas e estilosas escadas
daquela formidável livraria.
Como agradecimento pela gentileza de ter aceito seu convite, Yared tinha
prometido comprar um livro para a pequena filha de Lorac.
No térreo, o reservado professor observava a artesã com atenção. Ele não
conseguia tirar os olhos de cima dela.
Ela andava lenta e elegantemente em meio às estantes a fim de escolher a melhor
opção para sua menina. Movia-se com a graça surpreendente de uma bailarina.
O empresário linguista, já cheio de desejo, ficou olhando para aquela mulher
com cabelo acobreado. Seus olhos viajaram de cima a baixo no seu corpo. Ela quase
dançando, enquanto caminhava devagar por entre os espaços das estantes de livros, era
uma atração imperdível para os seus olhos.
Mesmo usando um vestido longo e solto, o volume arredondado dos seios e
quadris eram visíveis por baixo daquela peça singular de roupa. Yared estava bem
atento para não perder um segundo sequer daquele desfile cheio de charme e
sensualidade proporcionado pela sua marchand.
O Dalai-lama conquistador tinha algumas particularidades quando o assunto era
flerte de uma nova conquista. Entre essas: ele tentava por todos os meios, tanto quanto
possível e, assim que a ocasião o deixasse, tocar com discrição a pretendente pela
cintura. O roço servia para constatar se ela estava realmente usando uma calcinha.
Ele também queria medir o tamanho e a forma da peça íntima feminina de baixo.
Sempre esperava ser ligeiro e hábil o bastante para bater aquela meta. Era-lhe uma
espécie de desafio.

Depois de alguma pesquisa cuidadosa, Lorac escolheu um livro de inglês para


sua criança. Era uma obra muito interessante e educativa. Nas diversas páginas do livro,
divididas por temas, se tinha imagens fartamente coloridas e um botão logo abaixo. Ao
se acionar esses botões, o livro emitia o som da pronúncia em língua inglesa
correspondente à figura.
O professor elogiou a escolha e lhe disse que seria muito útil para a iniciação da
criança no estudo do novo idioma.
Lorac ficou muito grata. E Yared estava deveras otimista com aquela
aproximação amigável.

Havia-se passado algumas horas desde o início daquele primeiro cordial


encontro. O linguista ainda estava decidido a não perder a chance de tocar o corpo da
artista movido pela curiosidade e pelo desejo.
À medida que Lorac caminhava em direção ao caixa, Yared, já aceso, não
conseguindo se conter, deslizou a sua destra rapidamente pelo lado direito do quadril da
mulher. Ele estava apenas aparentando ews-la pelo caminho até ao caixa.
Aqueles simples cinco ou dez segundos de contato físico foram suficientes para
Yared detectar que Lorac estava usando uma calcinha tamanho M.
As pessoas na região onde eles moravam costumavam zombar ao chamar essas
peças íntimas jocosamente de “calcinhas bem comportadas”.
Conforme o rastreamento do seu radar, Lorac poderia ser considerada como uma
dona de casa de boa índole. Esse era o tipo de mulher a ser aceita como uma futura
parceira romântica. Em sua mente, havia uma tremenda quantidade de evidências para
admitir tal profecia.

A crença da calcinha bem comportada nascera de suas aventuras de adolescente


nos anos 70. Naquela época, ele costumava conversar com meninos mais velhos sobre
as meninas e a vida sexual. Aprendera com esses camaradas de mais idade que a moral
de uma mulher poderia ser medida pelo tamanho da calcinha que ela vestia.
Por muito tempo, tal ensinamento foi sendo autenticado ao longo dos
relacionamentos amorosos de Yared. Como resultado, ele estava por completo
convencido de que Lorac era de certo uma mulher para se envolver caso isso pudesse se
tornar cabível.
“Temos um campo de probabilidade, que seriam as escolhas que eu tenho na vida, aquilo que
eu escolho fazer. Como isso vira realidade, vai depender do que “eu” defino de fato fazer. Entretanto,
são os referenciais de vida que vão definir o que você vai fazer. Referenciais são aquilo que está no seu
consciente, e também no seu inconsciente, mas, que delimitam o seu querer, suas escolhas. Eles são
essenciais para que tomemos as decisões.” – Fernando Freitas CS

A viúva negra

O tempo tinha passado rápida e desapercebidamente aos dois enamorados, e já


eram 8 horas da noite – duração limite de cinco horas combinada para aquela reunião.
Antes de ir para casa, Lorac pediu para visitar o toilette. Voltou em dez minutos, e
levaram o último bate-papo naquele entardecer.
Yared aproveitou o ensejo para conferir se Lorac estaria disponível para um
encontro mais reservado. Então, perguntou com muita curiosidade:
“Eu estava imaginando se você gostaria de ir ao cinema qualquer dia desse?”
“Sinto muito. Eu não posso fazer isso. Eu definitivamente não gostaria que meu
companheiro fosse flagrado numa sala de cinema com outra mulher.” – respondeu ela
com seriedade.
Esse rebate pegou Yared de surpresa. Ele ainda guardava na mente o comentário
de Lorac sobre sua proposta de jantar fora.
“Seria uma ótima ideia. Preciso conhecer novas pessoas. Preciso de um pouco
de lazer. Da próxima vez, quem sabe?”
Como tal, ingenuamente esperara por uma resposta positiva de sua possível
futura companheira comercial. Ou seria parceira romântica?
No entanto, no fundo, ele estava plenamente ciente de que aquilo era apenas um
toque de sensualidade envolto numa falsa moralidade. Essa última observação da artista
não batia de forma alguma com a resposta sobre um possível jantar a dois.

Já estava ultrapassando o limite de tempo quando Lorac inesperadamente, atirou


uma confissão desconcertante diante de Yared.
E num tom de confidência, num segredo só dela e do novo amigo, ela se abriu:
“Às vezes, sinto vontade de ficar viúva!”
Ele achou aquela revelação esquisita para um primeiro encontro com um total
desconhecido. Uma esposa lhe dizendo que tinha o desejo oculto de que seu marido
morresse era uma atitude muito arriscada e leviana!
No que dizia respeito a Yared, essa era uma observação de todo inusitada. Ele
mais uma vez teve a nítida impressão de que aquela mulher estaria num relacionamento
em enorme medida perturbado. À beira da falência. Prestes ao rompimento. Ela estaria
de todo insatisfeita com seu parceiro atual. Sua vida estava um marasmo e talvez
desejasse fazer uma nova experiência.
Depois de alguns momentos, Yared chamou um táxi como havia apalavrado.
Negociou o valor da corrida e recomendou a passageira aos cuidados do motorista – um
senhorzinho de aproximadamente sessenta e tantos anos e bem educado.
Yared abriu a porta traseira do carro para que Lorac entrasse. Quando ela se
acomodou com suas novas compras, ele se inclinou para lhe oferecer um beijo. A ruiva
decidida e imediatamente virou o rosto na direção oposta. Porém, ele conseguiu beijá-la
na bochecha esquerda, e esboçou um leve sorriso. Ela colocou uma expressão um tanto
séria. Despediram-se e foram para suas casas.

Sem volta

Mais tarde naquela noite, Yared contatou Lorac novamente através do


Messenger. Ela chegara em casa em segurança e sua filha adorara o presente.
Parecera a Yared que aquela criança era o único elo de ligação entre a ruiva e a
realidade da vida. A derradeira razão de ela se sentir alguém de verdade. Sentir que
tinha alguma conexão que valesse a pena.
Eles agradeceram um ao outro pelo tempo que tinham passado juntos. Outros
dois assuntos vieram à tona: o toque na cintura que Yared havia passado na artista e um
segundo encontro por vir.

Lorac: Foi muito bom mesmo!


Lorac: Mas eu gostaria de confessar uma coisa.
Yared: Sim.
Lorac: Posso realmente falar?
Yared: Sim.
Lorac: Espero que você não fique triste.
Yared: Não.
Lorac: Mas eu fiquei um pouco envergonhada às vezes quando você...
Lorac: Você me tocou...
Lorac: Fiquei envergonhada.
Yared: Desculpe, eu não queria – foi uma coisa de amigos.
Yared: Eu não quis fazer isso.
Yared: Fiquei feliz com sua companhia.
Yared: Senti vontade de te abraçar.
Yared: Foi isso. Eu sinto muito.
Yared: Quando o assunto é entre um homem e uma mulher é sempre uma situação complicada.
Yared: Você sorriu, chorou, se emocionou, confessou assuntos íntimos, então senti uma grande empatia
por você.
Yared: Foi uma coisa de amigos, acredite.
Yared: Eu não tinha outra intenção.
Yared: Fiquei feliz com nossa amizade.
Yared: Eu me sinto muito mal. Na verdade, me sinto horrível.
Yared: Nunca pensei que te causaria algum constrangimento.
Yared: Pensei até agora que aquele tinha sido um bom encontro pra nós dois.
Yared: Mas, eu estava enganado.
Yared: Como tudo é complexo e às vezes sem sentido.
Yared: Deus do céu, Lorac! Eu não sei o que dizer.
Lorac: Yared, adorei conversar com você também. Estávamos muito em sintonia. Foi tudo muito
interessante. Eu não queria que você se sentisse mal.
Lorac: Mas eu fiquei envergonhada por vários motivos. Além de casada, tipo se algum conhecido
aparecesse, tenho certeza que não interpretaria como uma simples amizade.
Yared: Estou extremamente envergonhado.
Lorac: Há coisas que você não pode explicar pelo zap.
Lorac: Mas é bom conversar pessoalmente.
Lorac: Não fique assim.
Lorac: Você foi super legal comigo.
Lorac: Cuidadoso.
Lorac: Vamos nos encontrar pra falar sobre nossa parceria.
Lorac: Então vamos falar sobre tudo pessoalmente.
Yared: Não sei.
Yared: A parceria continua.
Lorac: Sério?
Yared: Mas, eu vou ter dificuldade em olhar pra você novamente.
Yared: Não sei.
Yared: Oh, meu Deus!
Lorac: Uau, Yared!
Lorac: Nada a ver... você ficar assim.
Yared: A vergonha foi a última coisa...
Yared: ... Eu queria causar a você.
Yared: Eu estava tão feliz com tudo.
Yared: Por você.
Lorac: Eu também estava feliz.
Yared: Por sua filha.
Lorac: E no clima pra mais conversa.
Yared: Pelas ideias.
Yared: Projetos possíveis.
Lorac: Já que estou na casa da minha sogra, não posso nem te enviar um áudio.
Lorac: Desculpe te deixar assim... Eu não queria te deixar triste. Nem envergonhado.
Yared: Tudo bem.
Yared: É melhor assim.
Yared: Você foi sincera.
Yared: O erro foi meu.
Lorac: É como eu te disse... às vezes eu falo com rodeios. Outras vezes sou muito direta... não sei usar o
meio termo. Isso é um defeito meu.
Yared: Eu deixei a sensação de ternura que eu estava sentindo no momento ir longe demais.
Yared: Desculpe!
Lorac: Posso ter interpretado mal sua afeição... mas é porque isso nunca aconteceu antes.
Lorac: Sou muito intensa em tudo que faço.
Lorac: E então...
Lorac: Isso é tudo o que é preciso.
Yared: Eu também.
Lorac: Eu posso ser incompreendida ou ser o contrário.
Yared: Não, tudo bem.
Yared: Eu te entendo.
Yared: E eu aceito.
Lorac: Eu realmente gostaria de poder falar com você para explicar melhor.
Lorac: E não te deixar assim.
Lorac: Do jeito que você está agora.
Lorac: Se interpretei mal sua afeição... me desculpe também.
Yared: Vou refletir profundamente sobre isso.
Aquela conversa mexeu muito com a cabeça de Yared. Lorac não poderia ser
mais aberta sobre sua intenção de se aproximar dele. E do jeito que ela falava não
parecia uma parceria comercial. Era explicitamente um caso de um relacionamento
romântico.
Além disso, a confissão de Lorac ainda permanecia fixa em seu cérebro.
“Às vezes, tenho vontade de ficar viúva!”
Aquela revelação se somava à de uma possível oportunidade de jantarem juntos.
E agora havia a possibilidade de um novo encontro para explicação dos fatos que
ficaram em aberto. Todas essas mensagens eram claras para ele. Lorac estava lhe
acenando a possibilidade para um romance entre ambos.
Aquilo, de forma alguma, poderia ser um acidente ou uma mera coincidência.
Afinal, eles se encontraram apenas uma vez. Além disso, ela levava uma vida conjugal
com o outro cara há muito tempo. Eles tinham uma menina para criar. Como é que uma
mulher revelaria um assunto tão reservado a um homem desconhecido no seu primeiro
encontro com ele?
Por mais estranho que possa ter parecido ao seu julgamento racional, o lado
emocional de Yared decidira ignorar qualquer possível resultado doloroso. No entanto,
sem dúvida nenhuma, qualquer relacionamento com aquela mulher estaria condenado a
uma série de problemas e dificuldades.

E, de repente, contraditoriamente, naquela noite, antes de adormecer, uma


conclusão veio à sua mente: “...se o segundo encontro acontecer, não tem mais volta.”
Ele estava convencido de que Lorac lhe havia dado um sinal verde. Por este
motivo, ele aceitou aquela mensagem com prazer e boa vontade. Aliás, já estava
desejando tanto a mulher de cabelo cor de âmbar que sentia um aperto no peito.
Passou-se um lapso de tempo não muito prolongado. Talvez mais ou menos dez
dias para que eles marcassem um outro compromisso. A segunda data foi combinada
por meio de dois chats que se mostraram mais íntimos e picantes.

Yared: E então que plano você tem em mente?


Yared: Rsrsrsrs.
Lorac: Não sei o que dizer.
Lorac: Sem pensamentos no momento.
Yared: Diga o que quiser.
Lorac: Mas você poderia pensar por mim... e me propor.
Yared: Você quer me ver?
Lorac: Acho que seria interessante... como foi antes.
Lorac: Temos coisas pra conversar.
Yared: Sim.
Yared: De fato.
Yared: Mas, tudo vai ficar bem, acalme-se.
Lorac: Mas eu disse a ele que planejava voltar amanhã... de manhã cedo.
Yared: Se não podemos conversar hoje, podemos conversar outro dia.
Yared: O mais importante é que você não fique estressada.
Lorac: Mas eu gostaria de conversar hoje para não ficar estressada. Rsrsrsrs.
Yared: Sim, eu também. Se você acha que pode, podemos jantar juntos.
Lorac: Se for à noite, como eu chegaria em casa?
Lorac: Você me traria?
Yared: Você pode pegar um Uber de onde estivermos.
Yared: Até o seu apartamento.
Yared: Sem problemas com o horário.
Lorac: Hum... Tudo bem.
Lorac: O final da tarde seria melhor?
Yared: No final da tarde, e teremos a noite também?
Lorac: Sim.
Yared: Um...
Yared: Com uma ruiva tanto tempo?! Rsrsrsrs.
Lorac: Ohhhh, você deve se controlar! Rsrsrsrs.
Yared: Isso é muito irresistível pra mim! Mas vou me esforçar.
Lorac: Pare com isso... Isso me deixa envergonhada.
Yared: Não precisa, estou brincando com você.
Lorac: Vejo você às 5:00hs na Livraria.
Yared: Se você for maquiada e ficar linda como uma daquelas bonecas que você faz, eu não sei.

“Meu cliente merece o melhor de mim.”

De qualquer maneira, chegara o dia marcado para o segundo encontro aguardado


com expectativa por Yared que estava um pouco irrequieto, mas animado. Como ele
pôde verificar por meio de um telefonema, a garota de panturrilhas salientes também
estava deixando transparecer os mesmos sentimentos.
Naquele dia, Lorac mandara alguns trabalhadores consertar sua casa de campo
na parte da tarde. Às 3:00hs, ela pegou um ônibus em direção ao local que eles tinham
combinado. Era o lugar da escolha deles. Era a mesma livraria estilosa.
O ônibus estava lento e a atrasou por cerca de uma hora. Durante a viagem,
Lorac ligou para Yared duas ou três vezes para se desculpar pela demora. Ele pôde
perceber que a marchand estava impaciente e aflita. Então lhe prometeu que estaria
esperando o tempo necessário para vê-la mais uma vez.

Lorac: Eu vou me atrasar. Estou esperando o ônibus. Leva muito tempo.


Lorac: O celular está no silencioso.
Yared: Ok.
Yared: Esperando por você.
Yared: Beijo.
Lorac: Mas eu estarei lá, espero.
Yared: Você quer vir de Uber?
Lorac: Estou no ônibus. O motorista é uma lesma. Mas, já, já eu chego.
Yared: Ok! Tá tranquilo. Não há pressa.

Para ajudar matar o tempo, Yared pegou um livro de uma das fartas estantes e
começou a folhear a capa e a contracapa da obra de Diana Gabaldon – OUTLANDER
– A Viajante do Tempo:

“Ao conhecer Jamie, um jovem guerreiro das Terras Altas, sente-se cada vez mais dividida entre
a fidelidade ao marido e o desejo pelo escocês. Será ela capaz de resistir a uma paixão arrebatadora e
regressar ao presente?”

Poucos minutos depois, ele escutou:


“Oiii!” num sussurro tão suave que mal se fez ouvir a sua voz.
Quando levantou os olhos, Lorac estava bem na sua frente, encostada
casualmente na poltrona onde ele estava sentado.
Agora era uma garota estilo top model. Aquela mulher não parecia a mesma
artesã humildemente vestida do último encontro. Ani Lorac estava usando um vestido
preto. Justo. Estiloso. Curto e sensual. Ostentava um anel graúdo e brilhante no dedo do
meio da mão esquerda. Colocara uma maquiagem sexy. Tinha os lábios perfeitamente
pintados, e sorriu para ele de forma voluptuosa. Yared a observou atentamente. Seus
olhos vasculharam-na mais e mais da cabeça aos pés.
“Oi!” – respondeu ele. “Você está linda. Valeu a pena esperar.” – acrescentou.
“Obrigada. Meu cliente merece o melhor de mim.”
A forma de vestir, falar e agir de Lorac lembrou Yared das atividades das
garotas de programa. Isso era expresso na sua postura corporal, no gestual, na expressão
facial e na voz.
Em realidade, o corpo traduz a alma para o que é visível – como já afirmara
Christian Morgenstern – autor de versos em estilo nonsense.
Entretanto, o linguista já estava cativado pela beleza, excentricidade e atitudes
desprendidas, por que não dizer, imprudentes da bela artista.
Parecia que ela estava revisitando seus sonhos de mulher. Aqueles encontros a
estavam colocando mais próxima de seus desejos íntimos. E estava pronta para investir,
pronta para estar linda nos compromissos com o coach de idiomas era indispensável.
Gostar de se maquiar para encantar era algo do qual ela não devia nunca abrir mão.

O casal conversou por algum tempo na praça da alimentação da livraria, e pouco


depois, Lorac convidou Yared para atravessar a rua e caminhar em direção à área
boêmia da cidade. E assim fizeram.
Enquanto se dirigiam ao setor de bares, caminhando pela rua, Yared tentou
segurar na mão esquerda de Lorac.
“Não!” – recusou ela. “Imagina eu andando de mãos dadas por aqui com você?”
Ficou claro para o professor, sem dúvida nenhuma, que as mulheres são muito mais cuidadosas,
ardilosas e sutis quando se trata de toda a trama que envolve sedução, conquista e relacionamentos com o
sexo oposto.
Já os homens cometem erros grosseiros e reveladores nas suas aventuras extraconjugais, ou
mesmo nas suas relações afetivas.

Ao chegarem no píer, escolheram um bar temático – anos 70-80-90 – havia


pôsteres das celebridades da época colados em todas as paredes daquele espaço. A
música era os grandes hit parades daquelas décadas fantásticas – era de ouro do rock e
do cinema.
Homem e mulher conversaram e beberam na companhia um do outro durante
um bom tempo. Yared tomou três ou quatro cervejas. Lorac tomou várias caipiroscas –
uma bebida alcoólica doce feita de cachaça e limão. Ficou um tanto embebedada. Ria à
toa. Lançava olhares lascivos em direção ao linguista e tropeçou algumas vezes quando
foi ao toilette.
Parecia que a mulher estava com muita sede ao pote. Ao voltar do banheiro,
pediu mais uma dose. Soltou o drink goela abaixo com rapidez e sofreguidão.
No decorrer da conversa, o linguista foi tomado por aquela ideia fetiche de
conferir a calcinha da sua paquera. E assim o fez com um toque rápido e suave pela
cintura da artesã, e ainda descendo em alguma medida mais para baixo.
Não é de surpreender que Yared pudesse distinguir que dessa vez Lorac não
estava usando a tal chamada “calcinha bem-comportada”. Essa descoberta colocou seus
instintos em chamas.
De imediato, em sua mente, lhe calhou a ideia de convidá-la para um jantar
dançante. Seria a oportunidade perfeita para tê-la nos seus braços. Tocá-la. Senti-la.
Possivelmente, beijá-la. E quem sabe acaso fazer amor com ela?
Sua excitação já tinha se elevado muitíssimo com o quê percebera com o toque
no quadril da sedutora mulher de preto.

No entanto, uma ou duas horas depois, com um movimento rápido, Lorac sacou
seu celular da bolsa e discou para uma amiga. Segundo ela, uma membra da mesma
igreja que frequentava. Pelo que pareceu do bate-papo, elas haviam combinado de se
encontrar mais tarde naquela noite.
O coração de Yared desfaleceu à perspectiva de ter que deixar Lorac. Afinal,
eles poderiam ficar mais tempo juntos. De maneira especial, agora que tinham bebido e
seus ânimos estavam altos.
Ele teve o leve pressentimento de que aquilo era um teste – um jogo mental.
Lorac não queria parecer fácil demais. Queria elevar em alguma medida o seu valor
sexual de mercado.
Ela tinha pleno conhecimento de seus objetivos e intenções, e sabia que havia
naquele possível relacionamento uma margem boa de realização para encaixar suas
metas e vontades.
Há coisas que se guardam a sete chaves, mas, uma vez que se tenha ciência
disso, o próximo passo fica mais fácil.
A artista disse que não poderia ficar por mais tempo de forma alguma. Aquela
afirmação veio sem qualquer desculpa ou explicação. Mesmo assim, Yared lhe ofereceu
uma carona de táxi até o local onde ela deveria se encontrar com a amiga. Embarcaram
num táxi e partiram.

Cerca de quarenta e cinco minutos depois, chegaram numa das ladeiras da


cidade vizinha. Lorac saiu do carro. Yared notou que seu vestido apertadíssimo tinha
subido um palmo acima dos joelhos. Um belo par de coxas torneadas e grossas apareceu
para seus olhos atônitos.
“Ei! Lorac” – gritou colocando a cabeça para fora da janela.
“Puxa teu vestido pra baixo. Tua calcinha tá quase aparecendo. As pessoas vão
começar a te azarar?” – acrescentou.
A mulher se virou e olhou em sua direção com um largo sorriso no rosto:
“Sim, meu rei! Você ordena e eu obedeço.”
Essa foi a primeira vez que ela se dirigira ao empreendedor de idiomas por
aquele epíteto. Uma onda de contentamento e orgulho percorreu a mente e o coração de
Yared.
Ele com bochechas arqueadas, olhos arregalados, sobrancelhas levantadas e
marquinhas enrugadas ao redor dos olhos se sentiu especial e um conquistador.
Imediatamente depois, se despediram. Lorac desapareceu por trás de algum
casarão, numa das esquinas das ladeiras da cidade alta, e Yared foi direto para casa.

Por volta das 8:00 da manhã do dia seguinte, Lorac enviou uma mensagem de
texto via WhatsApp. Ela postou uma foto sua em anexo. Parecia apreensiva e esgotada.
Yared perguntou:
“Onde você está agora? Não foi pra casa?”
“Não! Ainda estou na casa da minha amiga. Não estou com vontade de voltar
pra casa. E afinal, sei que a briga vai ser grande!”
Yared lhe deu o seguinte conselho:
“Não! Vá pra casa! Você ainda tem um parceiro. Uma filha pequena. E uma
casa pra cuidar. Diga ao seu companheiro que se atrasou. Diga que não pôde voltar
pra casa tarde da noite. Fala que decidiu dormir na casa de uma amiga. Vai ficar tudo
bem.”
Assim fez Lorac. E mais tarde naquele mesmo dia, ela lhe enviou outra
mensagem. Tudo estava sossegado.

No que dizia respeito a Yared, não havia mais dúvidas. Lorac estava prestes a
terminar com seu companheiro. Ficou evidente, por esta razão, que ela estaria livre para
começar um relacionamento amoroso com ele. Aquilo era apenas uma questão de
tempo. Muito pouco tempo por sinal.
3
Troca de amantes
“A separação leviana é vivenciada como um crime grave, pelo qual alguém tem de pagar.” –
Bert Hellinger
Lábios de mel...propósitos de absinto

M esmo sem intimidade, mas com muita intensidade Yared e Lorac se


encontraram por quatro ou cinco vezes mais. Almoçavam e jantavam juntos
de vez em quando. Iam para shopping centers. Frequentavam espaços
festivos e dançavam, sempre com seus corpos coladinhos – peito no peito e coxa na
coxa.
Lorac costumava conversar demoradamente sobre a sua vida. Negócios. Seus
relacionamentos frustrados do passado. E seus planos para o futuro.
Com efeito, ambos não sabiam nada um sobre o outro. Da mesma forma não
conheciam nenhum de seus familiares e seu círculo íntimo. Eles eram pessoas
totalmente estranhas entre si. Todas as informações que vinham obtendo sobre suas
existências lhes chegavam mediante as suas próprias narrativas pessoais.

Don Juan

O casal conversava em tempo real via aplicativo de troca de mensagens todos os


dias. Numa frequência de duas ou mais vezes diárias. De maneira geral, de manhã cedo,
e à noite, antes da hora de dormir.
Em certo chat, Yared mencionou a Lorac sobre sua artimanha para conquistar
mulheres mediante intenções e atos. Ele havia intitulado esse seu jeito de se achegar ao
sexo feminino de Técnica 3As.
Só o fato de o professor ter lhe revelado que ele empregava uma certa estratégia
para conquistas amorosas foi suficiente para a artista manifestar grande curiosidade em
saber. Ela insistiu continuamente até ele decidir lhe explicar.
“Bem, - disse Yared. Já que você quer conhecer minhas estratégias de
conquistar mulheres, eu vou te revelar.”
“Mas só se me prometer não espalhar por aí, porque é algo confidencial. Ok?”
– perguntou ele sorrindo.
“Sim, claro, meu rei maravilhoso! Posso lhe prometer com segurança que
nunca vou falar sobre isso com alguém. Será nosso segredo. Pode confiar em mim.” –
lhe assegurou Lorac.
Yared começou a detalhar sua técnica “a la Duan Juan” para os ouvidos atentos
da sua candidata ruiva no outro lado da linha.

“A letra “A” é a inicial de abertura. O número “3” representa as três fases da


conquista bem sucedida.” – iniciou o linguista.
“A primeira etapa, ou o primeiro “A” – o “1ª” – é para a “abertura dos
lábios”. Isso significa que o bom conquistador precisa inicialmente fazer com que a
mulher se sinta bem em sua companhia. Sinta-se à vontade. Sinta-se feliz. E sorria
bastante. Esse estado de espírito alegre e descontraído quebra as barreiras
psicológicas da complexa teia mental feminina reprimida pela sociedade patriarcal e
machista em que vivemos.” – continuou.
“Na época da estrita moralidade vitoriana até o riso da mulher era criticado
como falta de pudor. As mulheres daquele tempo desenvolviam um sintoma psicológico
que foi chamado de histeria. Era uma reação anormal à intensa repressão sexual que
lhes era imposta. Freud explica!” – sorriu o linguista.
“Quando o conquistador perceber que sua pretendente já desfruta da sua
companhia por causa do clima solto e divertido, sorrindo livremente com suas
histórias, papos e até piadas, ele sabe que chegou o momento de iniciar a segunda
etapa – o segundo “A”, o “2ª”.” – elaborou ainda mais.
“Essa é a fase em que a mulher irá dar ‘abertura do coração’. Pois, estarão
removidos os empecilhos e as limitações psicológicas que a impedem da proximidade
com o sexo masculino. Ela se encontra pronta e disposta para falar as coisas que
guarda na sua intimidade. Uma verdadeira confiança e amizade se estabelecem entre
ambos. É muito prazeroso compartilhar sentimentos e pensamentos além da
trivialidade do dia-a-dia.” – continuou Yared com sua explicação.
“Agora, depois de superadas as fases 1 e 2, a terceira, qual seja, o terceiro “A”
– o “3ª” – simboliza a ‘abertura das pernas’. Invariavelmente, se o homem conseguir
com habilidade, paciência e acolhimento conduzir a mulher pelas duas primeiras
etapas, terá como prêmio e recompensa a entrega sexual de sua namorada.” – detalhou
ele.
“Daí, existe técnica até para se conquistar uma mulher. Aliás, técnica pode ser
definida como uma melhor maneira de fazer alguma coisa.” – finalizou com um
sorriso.

“Seu pervertido!” – gritou Lorac do outro lado do telefone.


“Seu Don Juan barato!” – vociferou.
“Calma, minha querida!” – pediu Yared.
“Então, eu sou apenas uma experiência? Uma cobaia? Sua próxima presa?” –
disparou ela.
Com um sorriso discreto, ele lhe respondeu:
“Não. Não. Eu já me encontro emocionalmente envolvido com você e percebo
que esse sentimento tem sido recíproco. Algo espontâneo e natural, concorda?”
“Sim, verdade. Eu também estou gostando de você. Sinto-me à vontade pra
conversarmos. Opa! Em que fase estamos mesmo nessa sua tal Técnica 3As? ”
“Fase 2ª querida!” – respondeu o linguista com um sorriso alto do outro lado da
linha.
“Mas aí, quer dizer que só me resta o 3ª? ”
“Um...hum...” – respondeu Yared numa gargalhada.

Migalhas de prazer

Era quase Natal daquele ano. Yared tinha uma filha morando em outra cidade.
Ela estava vindo com suas netas para vê-lo nas festas natalinas. Pai e filha marcaram um
encontro em um shopping próximo. Eles se encontrariam. Conversariam. Fariam uma
refeição leve, juntos em família. E o avô compraria alguns presentes de Natal para as
meninas também.
Yared aproveitou a oportunidade para marcar um novo e decisivo bate-papo com
Lorac. Eles se encontrariam no mesmo shopping e sairiam para jantar.
Desse modo, após a celebração doméstica, o casal voltaria a se ver.

Lorac estava esperando por Yared numa das lojas de artigos femininos. Tinha
um lindo vestido preto nas mãos.
Como prometido antes, ele pagou por suas roupas novas. Ela também cuidou de
que suas unhas fossem cuidadosamente manicuradas. Além disso, recebera uma
massagem relaxante nos pés naquele final de tarde. Feito isso, foi ao banheiro trocar de
roupa.
Não muito tempo depois, a ruiva apareceu para ele com um olhar sedutor.
Aquele vestido preto estava posicionado no meio das pernas. Era apertado. Sua parte
superior era ainda muito mais justa. Os seios de Lorac estavam espremidos na parte de
dentro insinuando seus pequenos mamilos. O perfil dos seus quadris se destacava.
Ela deu uma rápida voltinha para a apreciação do seu admirador. A artista tinha
uma bunda bem definida. Firme e empinada. Aquela visão acendeu os instintos sexuais
de Yared como eles jamais haviam sido despertos antes.

Havia sido quase dois anos inteiros sem ver uma mulher. Devido à doença de sua falecida
esposa, tratamento e luto, a sexualidade de Yared tinha sido interrompida. Ele estava totalmente abstêmio.
Por conseguinte, estava com uma acentuada vulnerabilidade nessa área – naquela situação, migalhas de
prazer significavam um banquete para ele.
Yared, de forma alguma, tinha sido dado a relações extraconjugais. Sequer tampouco tinha
mantido relacionamentos com amantes durante seu casamento.
Por exceção, tinha havido alguns raros casos de flerte. Pega-aqui-pega-ali. Amassos e beijos
rápidos com algumas alunas mais oferecidas. Todavia, para seu padrão de princípios e valores ele tinha
sido fiel até que a morte os separe. Literalmente. Como de fato acontecera.

Agora, mais do que nunca, lá estava uma mulher só para ele. Bonita. Jovem.
Ruiva. Estava olhando só para ele. Estava vestida só para ele. Estava pronta só para ele.
Estava sensualmente sorrindo só para ele.
Esse fato alvoroçou o sangue em suas veias com uma descara de adrenalina
misturada com dopamina. Quase podia ouvir o TUM-TUM do seu próprio coração
batendo aceleradamente.
Como ele havia imaginado antes – não haveria mais volta a partir dali.
Yared pediu um táxi e eles seguiram para um restaurante dançante e elegante ao
sul da cidade.
Por azar, o motorista – com barba por fazer e vestido em andrajos – era um
homem sem modos e um mau condutor. O veículo era velho e estrepitoso. Os assentos
cheiravam vagamente a tabaco e à gasolina. Resolveram trocar de táxi e pediram que o
cara parasse o carro assim que o tráfego de veículos o deixasse. Estavam bem no setor
boêmio do centro da cidade quando Yared deu-lhe o sinal definitivo de parada.
Ao descerem do carro, Lorac olhou em seu entorno e respirou fundo. A rua
estava empesteada com uma fumaça e um fedor pungente característico. E ela disse:
“A maconha tá solta no ar. Você pode sentir o cheiro disso?”

Yared tinha sido policial tempos atrás. Tinha sido treinado para reconhecer narcóticos e pessoas
viciadas em drogas. Fazia parte do seu trabalho naquela fase da sua vida. Sabia muito bem, por
experiência própria, que a fumaça e o odor vinham dos cigarros de maconha. E sabia muito bem que os
supostos inocentes usuários de drogas eram de fato sócios de traficantes.
Havia largado a carreia de policial a pedido da sua mulher. Sua noiva naquela época. A Sra.
Lovingdale tinha um espírito pacífico. Altruísta. Cordial. Abominava violência e conseguira convencer
seu noivo a fazer a migração de carreira.
Desse modo, Yared pediu afastamento do serviço público. E escolheu se dedicar exclusivamente
à educação como professor de idiomas.
É uma dádiva a capacidade singular do ser humano de escolher seu caminho e descobrir um
significado em toda experiência empreendida.

O olhar de alarme que brilhou em seus olhos foi extremamente pronunciado.


Yared ficara demasiadamente incomodado que sua futura companheira também
estivesse bem familiarizada com o assunto das ervas.
Se bem que, o momento não era acertado para se discutir tal tipo de caso. Afinal
de contas, estavam indo para um happy hour. Em qualquer outra ocasião. Quem sabe?

“Como amantes, meu rei!”

“O vínculo entre parceiros exige que o homem deseje a mulher como mulher e que a mulher
deseje o homem como homem. O vínculo não se estreita completamente quando os parceiros se desejam
por motivos diferentes: por passatempo ou adorno, como provedores, por ser um deles rico ou pobre,
católico ou protestante, judeu ou muçulmano, hindu ou budista; porque um quer conquistar, proteger,
melhorar ou salvar o outro; porque um quer o outro seja, sobretudo, pai ou mãe dos seus filhos.
Parceiros que se juntam com esses objetivos em vista não consolidam uma união capaz de resistir a
crises graves.” – Bert Hellinger
Já no restaurante foram servidos com o prato preferido de Yared – salmão com
salada. O garçom também trouxe cervejas para a mesa. Eles estavam desfrutando de um
magnífico jantar e momento na companhia um do outro.
Yared convidou Lorac para o salão de dança. Dançaram uma. Duas. Três
músicas juntinhos. À queima-roupa. Peito no peito. Coxas nas coxas.
Como a mulher pôde dançar sem a menor dificuldade e com grande prazer
acompanhando muito bem seus passos, ele ficou encantado por ter achado uma boa
dama. Yared era reputado nos arredores como pé-de-valsa: título usado para alguém que
domina a arte da dança.

Não obstante o prazer desfrutado a dois, como Yared percebera, uma


triangulação estava tomando forma. Por este motivo, ele começou uma conversa séria
com Lorac.
Perguntou-lhe:
“Por favor, me fala. Estamos aqui como sócios comerciais ou como um homem
e uma mulher?”
Lorac, fitando o linguista com um olhar mal-intencionado, contrapôs
imediatamente:
“Estamos aqui como amantes meu rei!”
Ela mostrou um sorriso largo ao dizer aquelas palavras. Seu rosto se iluminou
vitoriosamente.
Yared, no entanto, mais cauteloso e racional, lhe disse que não iria embarcar
num relacionamento a três. Respeitava o homem do outro lado. Não queria perturbar a
vida dela. Muito menos a sua própria. Por essa razão, se ela realmente estava prestes a
começar algo com ele, e por nenhum outro motivo, teria que resolver a situação daquele
casamento falido primeiro. Todo o resto seria consequência automática.

Parceiro descartado

Era uma manhã de domingo ensolarado e o ar anunciava um quente dia de verão


com calor causticante. Yared estava na casa da sua mãe para almoçar. Seu irmão e sua
namorada também haviam sido convidados para aquela confraternização familiar de
final de semana. Faltando ainda algum tempo para que o almoço fosse servido,
resolveram descer e seguir em direção às areias brancas das praias do seu bairro.
O litoral estava salpicado com guarda-sóis de tamanhos e cores sem conta. As
pessoas se refrescavam como podiam. Bebiam cervejas. Água de coco. Cachaças.
Mergulhavam na água azul celeste daquele mar paradisíaco. Iam para debaixo dos
chuveiros públicos. As crianças corriam alegremente de um lado para o outro com suas
pipas. Suas boias salva-vidas. Seus pets. O comércio estava tão aquecido quanto a
temperatura local. Os camelôs vendiam de tudo que se possa imaginar.
Então, o Multilaser G2 de Yared tocou. Lorac estava do outro lado da linha.
“Já decidi! Vou encarar essa experiência com você! Quero ficar com você. Não
tenho mais condições de manter esse casamento tóxico e doentio. Está me deixando
louca!”
A artista estava nervosa e chorando muito. Yared lhe pediu para se acalmar e ter
certeza da sua intenção, consideração e atitude. Ela falou que era definitivo.
Adicionou:
“Amanhã vou dizer a ele que estamos nos separando. É impossível continuar!
Não quero mais ficar nessa vida infernal!”

“Quando alguém se decide por uma coisa, geralmente precisa abrir mão de outra. A coisa pela
qual se decide é aquilo que é, que se realiza. A coisa de que se abre mão comporta-se, em relação ao que
é e que se realiza, como um não-ser.” - Bert Hellinger.

No dia seguinte, Lorac entrou em contato com Yared por telefone. À tarde, lhe
disse que era realmente o dia em que comunicaria o rompimento. Continuou lhe
enviando mensagens até que finalmente desabafou:
“Está feito! Está acabado! Estou livre pra ser sua, meu rei maravilhoso!”
Yared disse que estava tudo certo. Ela não deveria se preocupar com mais nada.
Tudo ficaria bem.
Agora Lorac era uma mulher livre. Ele poderia ews-la como sua companheira.
Poderia começar um love affair com ela. E o mundo os envolveu pleno de novas
possibilidades.
Yared postou uma música no zap de Lorac em homenagem ao início daquele
romance entre as línguas e as artes.

You’ve Got a Friend

When you’re down and troubled


ewsri need some lovin’ care
And nothin’, nothin’ is goin’ right
Close your eyes and think of me
And soon I will be there
To brighten up even your darkest night
You just call out my name
ewsri know, wherever I am
I’ll come runnin’
To see you again
Winter, spring, summer or fall
ewsri have to do is call
And I’ll be there
You’ve got a friend
If the sky above you
Grows dark and full of clouds
And that old north wind begins to blow
Keep your head together
And call my name out loud
Soon you’ll hear me knockin’ at your door
You just call out my name
ewsri know, wherever I am
I’ll come runnin’, runnin’, yeah, yeah
To see you again
Winter, spring, summer or fall
ewsri have to do is call
And I’ll be there, yes, I will
Now, ain’t it good to know that you’ve got a friend
When people can be so cold?
They’ll hurt you, yes, and desert you
And take your soul if you let them
Oh, but don’t you let them
You just call out my name
ewsri know, wherever I am
I’ll come runnin’, runnin’, yeah, yeah
To see you again
Winter, spring, summer or fall
ewsri have to do is call
And I’ll be there, yes, I will
You’ve got a friend
You’ve got a friend
Ain’t it good to know you’ve got a friend
Ain’t it good to know, ain’t it good to know
Ain’t it good to know
You’ve got a friend
Oh, yeah, now, you’ve got a friend
Yeah baby, you’ve got a friend
Oh, yeah, you’ve got a friend
JAMES TAYLOR

“Você não é produto das circunstâncias, você é produto das suas decisões.” – Viktor Frankl

Tempestade num copo d’água

Na quarta-feira, dois dias depois que Lorac terminara com seu companheiro, o
novo par se encontrou num shopping da zona sul abastada da cidade. Fizeram uma
refeição leve e rápida – ainda estava de tardezinha. Conversaram um pouco – olho no
olho, como um casal apaixonado. Passearam de mãos dadas contemplando as vitrines.
Yared beijou Ani Lorac pela primeira vez. Foi um beijo romântico e com muita
paixão. A ruiva sentiu o membro ereto roçando sobre sua coxa. Sorriu sorrateiramente e
o arranhou, deslizando as unhas sobre as costas do seu homem.
Dali a instantes, depois de trocarem algumas palavras a mais, partiram para um
hotel costeiro da cidade, que de improviso Yared tinha escolhido através do seu celular.

Chegando ao hotel, e antes de partir diretamente para a transa com a artista, o


linguista a levou para uma grande praça que ficava a alguns quarteirões da hospedaria.
Da mesma forma, essa praça ficava a poucos metros da praia. O local de encontro
público estava lotado de pessoas eufóricas se divertindo com a celebração de um feriado
local.
Lá, Yared foi com Lorac até onde estava havendo a apresentação de uma
ciranda – uma típica dança grupal nordestina. As pessoas dançam se dando as mãos
numa roda que vai e vem. Aproximando-se para dentro do centro do círculo. Afastando-
se para fora do centro do círculo. Oscilando como as ondas do mar. Enquanto ele estava
fora da roda de dança, junto com outras pessoas, batendo palmas ao som da música
rítmica, sua namorada estava dentro dançando alegremente.

Decorridos alguns instantes depois do show de ciranda, seguiram para um


restaurante próximo. Pediram o prato de peixe favorito de Yared – salmão
acompanhado de legumes e temperado com manteiga.
O jantar corria perfeitamente bem, quando Lorac ficou extremamente aborrecida
por ter achado uma pequena espinha de peixe perdida na comida. A ruiva ficou muito
nervosa e começou a esbravejar.
A última coisa de que Yared precisava naquele momento era uma confusão em
pleno jantar romântico, e tentou acalmá-la:
“Querida, por favor. Não deixe essa pequena espinha estragar nossa grande
noite que temos pela frente.”
Ela reagiu num azedume:
“Isso é um absurdo! É insuportável. Estamos pagando uma conta cara. Isso
nunca deveria acontecer. Vamos ligar para o gerente e registrar uma reclamação.”
O homem se distingue por meio de seu copo, seu bolso e sua raiva. Por este
motivo, podemos conhecer o caráter das pessoas mediante seu comportamento quando
come, o modo como usa seu dinheiro e observando seu temperamento.
Sem sucesso, o linguista com muito tato fizera esforços tentando desviar a
conversa a fim de evitar qualquer incidente indesejável pouco antes da primeira noite de
amor do par. Afinal, a vida é curta demais para ser desperdiçada com raiva ou angústias.
Lorac pediu sem rodeios a Yared que chamasse o gerente à sua mesa. Ele para
tanto o fez para impedir que as coisas se agravassem.
Quando chegou, o gerente tentou soar o mais amigável possível ao explicar o que havia
acontecido. No entanto, Lorac interrompeu sua explicação jogando um monte de
palavras duras contra aquele estabelecimento.
“Sentimos muito, senhora!” Por favor, aceite as nossas desculpas. Vou pedir
outro prato igual para a senhora de graça.” – colocou o funcionário da empresa.
Yared se pronunciou:
“Pelo amor de Deus, Lorac! Pare com isso! Você tá fazendo uma tempestade
num copo d´água! Olha aqui! Relaxe! É claro que o restaurante cometeu uma falha.
Mas o gerente já se desculpou educadamente. E além disso, ele nos ofereceu outro
prato de graça ou nosso dinheiro de volta. Isso é o suficiente. Não é?”
A mulher respirou fundo. Deu um suspirou abafado de exasperação. Recuperou
a postura. E disse:
“Ok! Ok! Vamos receber o nosso dinheiro de volta e sair daqui agora mesmo.
Que assim seja! Ainda me sinto muito afrontada. Poderia ter tido um problema de
saúde. Vamos embora!”
A massagem tântrica

Numa de seus inúmeros bate-papos por meio do aplicativo de mensagens, Yared contara a Lorac
que era um massagista tântrico. A marchand ficara muito excitada em saber sobre essa sua aptidão.
Ela lhe fez muitas perguntas sobre o assunto. E o linguista recheou sua explicação com detalhes
lhe contando os tabus. Prazeres. E deleite das clientes. A partir da qual ele percebeu o grande interesse da
sua namorada pelo tema.
“Bem, esse tipo de massagem é mais terapêutico do que qualquer outra coisa.” – começou o
linguista em sua explanação.
“Para a mulher, se chama ‘massagem yoni’ – ou massagem na área genital. Pode-se usar óleos
relaxantes e aromáticos a gosto e escolha da cliente.” – prosseguiu o massagista.
“Essa prática não significa fazer sexo. Não é um coito. Existe técnica e seriedade. O objetivo é
fazer com que a mulher relaxe. Descarregue as tensões nervosas acumuladas. Acima de tudo, se ela tiver
vivenciado períodos de anorexia de intimidade prolongada.” – acrescentou Yared.
“Meu rei!” – exclamou Lorac.
“Você tem tantas habilidades excelentes. Essa me surpreendeu bastante. Não sabia nem que
existia esse tipo de massagem, muito menos que você soubesse aplicar.”
“Sim, sei. Fiz curso para isso. Já atendi várias clientes. Ficaram satisfeitas, viu?” – disse ele
com um sorriso maroto.
“E elas...? Elas...?” – a cabelo ruivo acobreado já bem agitada iniciou a pergunta que Yared
completou:
“Gozaram? É essa sua pergunta, né?” – indagou ele com uma risada.
A artista deu uma gargalhada surpreendentemente profunda e imoral do outro lado da linha.
“Sim. Algumas sim. Outras não.”
“Algumas com gritos de prazer!” – acrescentou ele rindo.
“Seu tarado safado!” – exclamou a artista. Quase gritando.
“Minha querida Lorac, não seja tão preconceituosa. Esse tratamento nada tem a ver com tara
ou safadeza.” – tentou acalmá-la o massagista.
“Este é um método de cura indiano milenar. Seu objetivo é a liberação de tensões
congestionadas. O massoterapeuta apenas serve de instrumento para o alívio da paciente.” – explicou
mais detalhadamente.
“Sei não, viu?! Tenho muita coisa ainda pra aprender na vida.” – se lamentou ela.
“Vivendo e aprendendo minha querida.” – finalizou Yared sorrindo.

Depois de tudo apaziguado no restaurante, o par seguiu para seu quarto no hotel.
Lorac pediu licença e foi até ao toilette. Yared aproveitou sua ausência
momentânea. Tirou a calça comprida e a camisa. Atirou-se na cama, se esticando
relaxadamente de costas sobre aquele leito de casal king size duplo.
Cerca de 30 minutos mais tarde, depois de uma chuveirada quentíssima,
daquelas que deixam os espelhos embaçados por causa do vapor da água extremamente
abrasadora, Lorac voltou devagarzinho para o dormitório da suíte.
Estava vestida num sumaríssimo maiô na estampa plantas do mar com um lindo
detalhe semi transpassado no busto e em tecido de malha resistente e de toque macio.
Trazia na mão direita um pequeno frasquinho de vidro marrom escuro. Os olhos do
coach de idiomas estavam a ponto de saltar para fora das órbitas.
Yared se sentou na cama com um impulso repentino. Ele já havia admirado os
dotes físicos daquela dona arruivada usando roupa. Agora sua forma delineada,
saudável e exuberante se tornara algo que nenhum homem poderia se decepcionar ao
contemplar ao vivo e a cores.
Lorac se aproximou sem pressa da cama. Entregou de maneira delicada o
frasquinho que estava parcialmente oculto na sua mão direita. Deitou na posição de
bruços ao lado do seu massagista. Cruzou os tornozelos no ar, com um brilho malicioso
nos olhos e esboçando um sorriso mal-intencionado, se declarou:
“Estou pronta pra minha primeira massagem yoni, meu rei!”
“Vou lhe dar a melhor massagem que você já teve na vida, sua ruiva gostosa e
tarada!” – respondeu Yared àquele estímulo provocador esboçando um sorriso
libidinoso.
Yared, com o pequeno vidro na mão, tirou a tampa e sentiu o recipiente exalar
um perfume afrodisíaco irresistível. Impresso em letras maiúsculas destacadamente no
rótulo, se lia: ÓLEO PERFUMADO – IDEAL PARA MASSAGEM RELAXANTE.
Daí em diante, não restou nada mais a fazer. Agora tinha que exercer sua função
de massoterapeuta tântrico com a sua cliente de cabelo vermelho acobreado que estava
deitada sensualmente ao seu lado. A sua disposição.
O massagista deixou cair um fino fio daquele líquido oleoso e aromatizado sobre
as pernas da sua namorada.
Começou a massageá-las suavemente. Deslizou suas mãos pelas rijas
panturrilhas sentindo a musculatura malhada. Concentrou a pressão sobre as solas dos
pés, macias e cor-de-rosa. Deu uma firme compressão no estilo shiatsu. Depois
pressionou ainda mais fortemente. Quando seus dedos subiram até a altura da bunda,
Lorac deixou escapar um grito de prazer bem baixinho, porém audível.
Mais óleo foi derramado sobre as costas da ruiva. Yared deslizava com
suavidade. Depois com mais pressão. Em seguida, com mais força. Lorac soltou um
gemido alto.
Ele soltou o fecho da parte de cima do maiô, deixando os seios completamente
livres e expostos. As auréolas eram rosadas e de círculos perfeitos em torno de bicos
pequenos e eriçados.
Agora, a cliente já estava deitada de costas, com as pernas ligeiramente
entreabertas. O massagista derramou mais do líquido do prazer sobre os seios da artista.
Tomou-os em suas mãos. Acariciou os mamilos que já estavam duros pela excitação
provocada pelo frescor e perfume do óleo combinados com o contato físico da pegada
do massagista. A mulher soltou um gritinho enquanto se contorcia com aquelas carícias
extasiantes.
Yared escorregou suas mãos pela barriga e pela pélvis da cliente. Ela estava
trêmula e ofegante. Seu corpo se contorcia com o toque macio. Com o toque lento. Com
o toque forte. Com o toque acelerado. Seus olhos se reviravam. Aquele toque abrasava
sua pele e preenchia suas veias de fogo.
Yared baixou seu traje de banho por inteiro, e deixou de fora a púbis da sua
mulher. Quando os primeiros pingos daquele óleo paradisíaco caíram sobre sua região
genital – devidamente depilada para a ocasião – a artista deu um grito alto de tesão.
Rapidamente, o massoterapeuta aproveitou a oportunidade e começou a esfregar
seu clítoris todo lubrificado e perfumado com a mistura do óleo e do mel vaginal. Lorac,
numa sequência de gritos, gozou loucamente.
Aquele foi o primeiro contato físico íntimo do casal.
Ani Lorac teve um orgasmo intenso e ruidoso com aquela massagem yoni que
seu namorado a havia proporcionado com esmero.
Em frações de segundos desavisadamente chegara a alvorada do dia! Os
primeiros raios dourados de luz do sol se intrometiam pela fresta da janela invadindo a
privacidade do quarto dos amantes.
Por fim, Yared pôde ter a resposta definitiva e prazerosa para aquela
interrogação que viera a sua mente no palco de dança do primeiro encontro:
“Ela é ruiva lá em baixo?”
Os raios ruborizados do sol nascente ao incidir sobre a penugem ruiva de Ani
Lorac deram um toque áureo àqueles fios de cobre íntimos da mulher de Yared. Seus
cabelos cacheados e avermelhados cintilavam à luz quente do astro rei.
Foi uma visão magnífica. Uma imagem artística – digna de um belo quadro.
“Estou admirando a beleza do raio do sol sobre sua pélvis cor de cobre. Muito
bonita essa visão!” – disse ele embevecido a sua namorada.
Ela moveu o rosto em sua direção e passou a olhar para ele com olhos
penetrantes. Segundos passados, lhe disse com lascívia na voz:
“Aproveita, meu rei! Desfruta! Sou toda tua agora!”
Sem dúvida nenhuma, Yared se sentiu um rei ao lado da sua rainha.

Poucas horas depois, após a lauta refeição do café-da-manhã servido – regrado a


iogurte, sucos naturais, croissants, docinhos, granola, frutas cortadinhas, bacon e ovos
mexidos – os namorados se despediram com um abraço apertado e um demorado beijo.
Ambos foram para suas casas. Para suas rotinas habituais. A vida real os aguardava.
Todavia, suas realidades haviam mudado com aquele encontro. Homem e mulher
estavam agora vinculados. E para sempre.

“Pela consumação do amor cria-se, entre o homem e a mulher, um vínculo real. Este, por seus
efeitos, é ainda mais forte do que o vínculo real dos filhos aos pais. É absolutamente o mais forte dos
vínculos.” – Bert Hellinger

Ensaio fotográfico sensual

Yared costumava dormir no apartamento da namorada apenas nos fins de


semana – da sexta-feira para o sábado, do sábado para o domingo, e finalmente, do
domingo para a segunda-feira, quando retornava para sua casa. Isso invariavelmente
acontecia quando a filha de Lorac ficava com o ex-companheiro para cumprir a
convivência com ele e a família paterna. Por meio desse arranjo, se encontravam num
intervalo de quinze dias. No entanto, mantinham longas conversas no Messenger e no
telefone.
Certa vez, o par se demorou quatro horas a fio numa única ligação. Lorac
aproveitou para lhe mandar um ensaio repleto de admiráveis nudes a fim de compensar
seu homem pela ausência de sexo presencial.
Foram ângulos perfeitos. Iluminação acertada. Pareciam fotografias de uma
profissional. Yared pôde perceber que estava com uma mulher libidinosa e belamente
talhada pela natureza.
Nas fotos dos seios, Lorac estava usando aquele cordão delgado de prata que ele
vira no seu pescoço no primeiro encontro e mais nada. O click se assemelhou àquele
bonito retrato vintage de Rose pintado pelo personagem Jack no filme Titanic. Uma
cena cinematográfica que se fixara indelevelmente na mente do linguista pela beleza
poética da pintura em carvão que o personagem produzira da sua amada, igualmente
ruiva – no filme representada pela belíssima atriz Kate Winslet.
As fotos de costa revelaram uma região glútea perfeitamente torneada e com um
leve bronze destacado pela marquinha de um reduzido biquini.
Noutra sequência, para sua extrema excitação e deslumbramento, o instrutor de
idiomas viu que havia uma bolha translúcida reluzente pairando sobre a vulva da artista.
Era uma gota do mel que brotara das suas entranhas. Yared se convencera que Lorac da
mesma forma estava reciprocamente excitada ao fazer aquele ensaio para ele.
Parecia que ele tinha descoberto uma parceira perfeita. Tanto no presencial como
no virtual. Aquela mulher despertava sua libido até a estratosfera.
Era jovem. Bonita. Atraente. Proativa. Ele percebeu que ela era uma excelente
profissional e tinha planos promissores para o futuro. E peculiarmente, ela era ruiva!
Esse era um atributo físico que ele desejava nas mulheres desde que era adolescente.
Esse era um fetiche real e intenso daquele homem.
E lá estava ela. Lorac era sua namorada. Yared estava repleno de energia.
Entusiasmo. Encorajamento. Pronto para encarar a vida novamente. E agora
reabastecido sexualmente de forma integral.
4
Encenando o script
“Sempre haverá, na sociedade e no mundo em geral, gente mais agressiva do que nós somos,
que encontra um jeito de conseguir o que quer, por bem ou por mal.” – Robert Greene

“Era apenas uma ideia.”

D epois de mais ou menos um mês da primeira noite intensa de amor caliente, o


casal estava tomando o desjejum em seu hotel preferido como sempre, quando
Lorac começou uma conversa sobre as despesas de Yared com seus encontros.
Hotéis. Refeições. E vários demais custos que ele tinha quando o casal se encontrava.
“Yared, você está gastando muito dinheiro com a gente.” – comentou Lorac.
Ele ergueu a cabeça, franziu a teste e olhou para a namora de soslaio enquanto
comia uma torrada de pão integral com suco de laranja.
“Eu amo tudo isso, mas estava pensando que poderíamos ficar na minha casa.”
- expôs delicadamente.
Agora, Yared olhou fixamente para a ruiva com uma expressão de que estava
estupefato com aquela declaração inesperada.
“Lá poderíamos desfrutar de mais privacidade e estadias mais longas. E
querido, pode ser mais barato para o seu bolso. O que você acha disso?”
Não se deixando levar pelos argumentos da namorada, ele respondeu:
“Minha boneca, parece tentador. Mas estou muito feliz com a maneira como
estamos levando nossas vidas.”
Lorac estreitou os olhos, examinando-o com certa irritação, como aquelas
palavras tivessem colocado uma cunha de separação inesperada entre seus planos e os
planos de Yared.
“Parece que estamos numa lua de mel permanente. Além do mais, não pretendo
iniciar uma união estável nesse momento.” – falou o linguista com um pouco mais de
veemência.
A moça sarará com um olhar penetrante era a caricatura da decepção
personificada.
“É melhor mantermos as coisas desse jeito como estão. Você não concorda?” –
perguntou ele suavemente ao notar a frustração indisfarçável estampada no semblante
da sua mulher.
Medindo as palavras, e sem qualquer bate-boca a mais, ela retorquiu:
“OK. Sem problemas! Era apenas uma ideia. Na verdade, eu amo tudo isso.
Estou encantada com nosso relacionamento, meu rei.”
Pareceu que Lorac não queria ser pegajosa. E tudo indicava que os dois queriam
viver experiências relaxantes, sem cobranças e apegos de um casamento.

Natal e Réveillon

A época do maior feriado religioso da cristandade acabara de chegar. Os novos


amantes planejavam ficar juntos na primeira noite de Papai Noel do seu love affair.
Desse modo, agendaram um encontro na véspera de Natal.
Yared fez a ceia na casa da sua mãe e Lorac foi para a casa da família do ex-
companheiro para jantar com eles e deixar sua filha aos cuidados da família paterna. De
tal modo, teriam muito mais tempo juntos e sozinhos.
Pouco depois do jantar, Lorac ligou para ele. Disse que estava indo para o
endereço da sua família.
Quando ela chegou, ele recebeu outra mensagem de texto:
- Cheguei. Tô aqui em baixo. Pode vir.
Yared se despediu dos familiares, beijou a testa da sua mãe, pediu-lhe a bênção e
desceu. Passou pela portaria desejando Feliz Natal para os funcionários de plantão,
passou pela grade dupla de segurança e entrou imediatamente no carro. Dentro do
veículo mergulhou seus lábios nos de Lorac apaixonadamente. E pediu ao motorista
para seguir rumo ao hotel que havia sido reservado para aquela noite especial.
Ficaram juntos da noite do dia 24 até a noite do dia 25 de dezembro. Fizeram o
checkout no dia seguinte, logo após o café-da-manhã. Depois daqueles momentos
maravilhosos a dois, ambos precisaram voltar para suas próprias casas a fim de assumir
suas responsabilidades e deveres.

Na virada do dia trinta e um de dezembro para o dia primeiro de janeiro, o casal


apaixonado teve outro rendez-vous para o Réveillon. Dessa vez, Lorac foi jantar com a
família de Yared. Conheceu a mãe e demais membros da família pela primeira vez.
Após o jantar compartilhado na confraternização familiar, linguista e artista
foram para as ruas a fim de se reunirem com aquelas pessoas explodindo de alegria e
empolgação. Vestidas com as cores tradicionais para celebrar a chegada do Ano Novo e
começar o ano com pé direito.
O branco representa a paz e é usado com a esperança de se ter um novo ano
harmônico e pacífico.
Dourado é para quem gosta de passar a virada com bastante glamour. A cor
dourada se assemelha um pouco ao amarelo e representa a prosperidade.
Prata também é usado por quem quer se destacar em meio à multidão do ano
novo. O prateado simboliza inovação e distinção, trazendo, assim, estas energias para o
ciclo que se inicia.
Laranja é para quem busca força e energia para o próximo ano, o laranja é a
escolha certa. A cor forte e marcante carrega o simbolismo enérgico e vibrante.
Amarelo é uma das colorações mais aceites, depois do branco. O amarelo atrai
prosperidade e riqueza. É a opção de quem quer ter mais dinheiro no próximo ano.
Verde é para pessoas que estejam atrás de novas fontes de esperança, podendo
usar esta cor como atrativo. Além disso, ele também é a escolha de quem busca um ano
com mais saúde.
Azul é a cor da serenidade e da harmonia. Passar o Réveillon com tons azulados,
dessa forma, atrai um novo ano sereno e harmônico.
À meia-noite em ponto, houve uma maravilhosa exibição de fogos-de-artifício –
um esplêndido cenário pirotécnico no decorrer de mais de trinta minutos. As pessoas
abraçaram-se, beijaram-se e gritaram para desejar um ano bom e saudável.
Lorac e Yared abraçaram-se com força e partilharam as suas bocas e línguas
naquela tão profunda comoção e agitamento mesmo no meio da rua.
Dormiram no seu hotel favorito, localizado numa zona costeira da cidade, a
poucos passos da multidão, em celebração ao primeiro dia do novo ano que estava a
amanhecer.

Economia, privacidade e prazer

Mais uma vez, Lorac teve a ideia de propor que eles se encontrassem em sua
casa em vez de reservar quartos de hotel. Numa conversa do app de mensagens, ela
enviou um texto com uma foto dela de biquini na piscina do condomínio:
- Eu quero você aqui comigo nessa piscina maravilhosa, meu rei!
Recorreu aos mesmos argumentos. Economia de dinheiro. Privacidade. Ficar
mais tempo juntos para o prazer mútuo do casal. Para ela era um argumento muito
sedutor, mas para Yared nem um pouco razoável.
Novamente, o empresário linguista se manteve irredutível e recusou sua oferta.
- Temos as belas praias para explorar. E falando sério, nem gosto de
banho de piscina.
Ela não discutiu e aceitou sua decisão.

Água mole em pedra dura...

“As pessoas são sutis e evasivas, disfarçando suas intenções, fingindo estar a seu lado. Você
precisa de clareza.” – Robert Greene

Janeiro do Ano Novo chegara. Yared começou a frequentar a igreja de Lorac.


Essas reuniões aconteciam sempre às sextas-feiras à noite. Esse era o dia em que ela
auxiliava com seus serviços.
Numa determinada semana, depois do culto, a artista convidou Yared para
visitar seu apartamento. Dessa vez ele não resistiu e concordou em conhecer a moradia
da namorada. A sarará ficou radiante de alegria.
Foram a um grande supermercado vizinho à instituição religiosa. O casal fez
uma grande feira. Incluíram vinho. Frutos do mar – camarões e peixes. Um novo jogo
de roupas de cama e toalhas. Velas especiais – aromatizadas e incensos. Flores. Tudo
foi comprado como preparativo para uma extraordinária noite de amor. E assim foi.
Lorac preparou camarões grelhados a alho e óleo. Para abrir a garrafa de vinho
tinto, Yared usou o saca-rolha, que estava sem uso há muito tempo numa gaveta do
armário da cozinha da artista sedutora. Acendeu as velas perfumadas – a luz indireta
deixou o ambiente mais aconchegante. As flores deram um toque romântico na decor. A
trilha sonora foi regida a base de música celta medieval. E eles tiveram o jantar mais
sensual de todos os tempos.
Aquela foi a primeira vez que Yared entrou no apartamento da garota.
Era um espaço pequeno e aprazível, meros 35 metros quadrados. Uma pequena
sala-copa-cozinha americana conjugada, um banheiro e dois quartos. Tinha móveis
minimalistas – uma mesa improvisada com tampo de mármore e pernas de madeira
colonial, um sofá de dois lugares bem surrado, uma estante e rack reaproveitados de um
escritório falido, uma geladeira bem desgastada, um fogão simples e uma máquina de
lavar roupas fora de linha.
O espaço também tinha algumas peças de arte penduradas nas paredes da sala.
Aquarelas pintadas pela própria dona do apartamento, pratos de barro decorados com
pinturas variadas e bonecas de pano sem conta – criações da artista.

Fizeram amor a noite toda, e dormiram até bem tarda na manhã seguinte. Yared
sentiu-se como se estivesse no paraíso. Por fim, a felicidade o atingira depois de dois
anos de amargura e falta de uma companhia feminina.
Em sua cabeça, os pensamentos eram de que Lorac estava certa desde o início.
Sua casa era o lugar perfeito para desfrutar de economia, privacidade e prazer.

Um pouco mais tarde, à mesa do café da manhã, Lorac decidiu colocar a questão
financeira em pauta. Ela sabia que não podia esperar o empreendedor de idiomas tomar
a dianteira. A questão financeira era de fundamental importância. E tentou mais uma
vez quebrar o gelo e falar desse assunto com sutileza. Estaria estabelecendo suas
necessidades e expectativas.
“Sabe, o valor que você pode economizar com a gente aqui na minha casa é
muito mais do que eu pago à hipoteca do apartamento e às taxas de condomínio. Se
você pudesse me emprestar esses pagamentos pra esse mês, seria uma grande ajuda,
querido.”
Yared lançou um olhar perscrutador, mas perguntou compreensivamente:
“Quanto você precisa?”
“Serão apenas seiscentos reais! Com isso eu posso pagar as duas contas – a
hipoteca e as taxas de condomínio, meu amor!”
“OK! No entanto, para que não receba esse dinheiro de graça, você poderia
fazer duas peças de arte pra mim? Eu gostaria de ter um unicórnio chinês. Seu nome é
Ki-Lin. E também gostaria que você fabricasse um cavalinho de brinquedo pra meu
neto. Tá certo?”
Ela disse, sorrindo:
“Certo! Isso é fácil! Sem problemas!”
Como tal, Yared pagou as duas contas de Lorac em janeiro daquele ano. O
homem apaixonado ficou enlevado por poder ajudar sua companheira.

Noutra oportunidade, numa conversa com sua namorada, Yared ficou sabendo que ela tinha sido
empregada por quatro anos numa empresa de artesanato.
Depois de um acidente de trabalho, quando precisou fazer cirurgia na perna esquerda e se
afastara do serviço por cerca de 45 dias, a artista foi demitida e ingressara com uma ação na justiça
trabalhista.
Ganhou a causa. O valor que lhe deveria ser indenizado foi dividido em 12 vezes. No mês de
dezembro do ano do primeiro encontro com Yared, Lorac havia recebido sua última parcela do acordo. A
partir de então, ficaria sem renda fixa.

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