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Dedicado a

todos os sobreviventes de pseudo-relações com pessoas


narcisistas;
todos os terapeutas dedicados que se esforçam para
amenizar-lhes a dor pós-traumática;
todos os portadores de narcisismo, no desejo sincero de
que busquem sua cura para seu próprio bem e o bem da
humanidade.
O MITO DE NARCISO

Segundo o mito grego, Narciso era um belo jovem tespiano por


quem a ninfa Eco se apaixonou. Eco fora privada de fala por Hera,
a esposa de Zeus, e só podia repetir as últimas sílabas das
palavras que ouvia. Incapaz de expressar seu amor por Narciso,
foi por este rejeitada e morreu de desgosto, com o coraçao
dilacerado. 0s deuses puniram então Narciso por seu tratamento
desalmado para com Eco, fazendo-o apaixonar-se por sua própria
imagem. O vidente Tirésias profetizara que Narciso viveria até
ver-se a si mesmo. Um dia, quando se debruçava sobre as àguas
cristalinas de uma fonte, Narciso viu sua própria imagem refletida
na àgua. Ficou perdidamente enamorado de sua imagem e recusou-se
a abandonar o local. Morreu de debilidade e metamorfoseou-se numa
flor — o narciso que cresce à beira das fontes e mananciais.

O significativo que Narciso só se apaixonasse por sua imagem


depois de ter rejeitado o amor de Eco. Enamorar-se da própria
imagem — isto é, tornar-se narcisista — é visto no mito como uma
forma de punição por ser incapaz de amar. Mas levemos a lenda um
passo mais além. Quem é Eco? Ela poderia ser a nossa própria voz
que nos está sendo devolvida. Assim, se Narciso pudesse dizer “Eu
te amo”, Eco repetiria essas palavras e Narciso sentir-se-ia
amado. A incapacidade para dizer essas palavras identifica o
narcisista. Tendo retirado sua libido das pessoas no mundo, os
narcisistas estão condenados a enamorar-se de sua própria imagem
— isto é, a dirigir sua libido para o próprio ego.

Outra possível interpretação é interessante. Ao rejeitar


Eco, Narciso rejeitou também sua própria voz. Ora, a voz é a
expressão do ser íntimo da pessoa, o self corporal, em oposição à
aparência superficial da pessoa. A qualidade da voz é determinada
pela ressonância do ar nas passagens e câmaras internas. A palavra
“personalidade” reflete essa ideia. Persona significa que, pelo
seu som, pode se conhecer a pessoa. De acordo com essa
interpretação, Narciso negou seu ser interior, em favor de sua
aparência. E essa é uma manobra típica dos narcisistas.

Qual é a importância da profecia proferida pelo vidente


Tirésias — a de que Narciso morreria quando visse a si mesmo? Que
bases poderiam existir para tal predição? Acredito que tinha de
ser a excepcional beleza de Naiciso. Tal beleza, num homem ou numa
mulher, prova frequentemente ser mais uma maldição do que uma
bênção. O perigo é que a consciência de ter beleza suba à cabeça
da pessoa, tornando-a uma egoísta. Outra possibilidade é que essa
beleza desperte paixões violentas de desejo e inveja em outros,
redundando em tragédia. A história e a ficção contém muitos casos
de desfechos infelizes para as vidas de belas pessoas. A história
de Cleópatra é uma das mais conhecidas. Por ser uma pessoa sábia,
o vidente compreende esses perigos. – Narcisismo, Negação do
Verdadeiro Self – Alexander Lowen - 1983
SINOPSE

Imperdível história reveladora das nuances, intrigas, segredos e


dinâmicas ocultas do relacionamento com uma pessoa narcisista. Essa
pessoa pode estar bem perto de você. Na sua família. Entre seus amigos.
No trabalho. Ou dormindo na sua cama!

Y
ared está sofrendo um luto pela sua amada esposa com a qual vivera uma feliz
união por três décadas.

É aconselhado a fazer terapia ocupacional e inicia um curso de inglês


para evitar a depressão profunda. Precisando de uma mascote para o curso ele é apresentado
a uma linda artesã ruiva - Ani Lorac pela qual se apaixona.

Tem seu interesse pela artista correspondido, e ela decide se separar do companheiro
e viver aquele caso amoroso com ele.

Seis meses depois de tórridos e intensos momentos de amor, Yared percebe


mudanças profundas na mulher. Quando tenta terminar a relação, se sente incapaz. Está
completamente dependente do charme e sensualidade da artista ruiva.

No que seria a despedida do casal, Yared descobre que Lorac está grávida. Eles voltam
e tentam viver como uma família.

Quando a bebê estava com cinco meses de idade, Yared descobre que Lorac o havia
traído com seu ex-companheiro. Não suportando aquela revelação, ele se separa da parceira
e começam uma guerra jurídica para ajustar as questões pendentes.

Com o intenso sofrimento pela separação e alienação parental causada por Lorac,
Yared fica gravemente doente.

Conseguirá ele sobreviver? Saber se é o pai de Flor de Lótus? Reconstruir sua vida? Ou
irá sucumbir a mais um desastre emocional?

Um conto do relacionamento com uma pessoa narcisista rico em detalhes e impecável


narrativa fazendo A Falsa Rainha e Seus Múltiplos Amantes parecer uma biografia ou um
documentário dramático.

QUALQUER SEMELHANÇA COM QUALQUER PESSOA VIVA OU FALECIDA É MERA COINCIDÊNCIA.

Yared
Parte 1

Meu Rei Maravilhoso


Capítulos 1-4

Θ CAPÍTULO 1 – Era uma vez...


o ...E aí ela morreu
o Línguas e artes
o Uma ruiva na minha vida
o Tudo resolvido num quarto de hora
o Conflito: Razão versus emoção
Θ CAPÍTULO 2 – Mudança de planos
o Propostas indecentes
o O fetiche da calcinha
o A viúva negra
o Sem volta
o “Meu cliente merece o melhor de mim.”
Θ CAPÍTULO 3 – Troca de amantes
o Lábios de mel...propósitos de absinto
o Don Juan
o Migalhas de prazer
o “Como amantes, meu rei!”
o Parceiro descartado
o Tempestade num copo d’água
o Ensaio fotográfico sensual
Θ CAPÍTULO 4 – Encenando o script
o “Era apenas uma ideia.”
o Natal e Réveillon
o Economia, privacidade e prazer
o Água mole em pedra dura...
Era uma vez...
“Começos são decisivos porque definem a visão, indicam o processo e
influenciam o fim. Nossa vida é cheia de começos e fins, ambos essenciais para
o que ocorre no intervalo. Se o começo não fosse importante, a gente começaria
pelo meio.” - Marcos de Benedicto

...E aí ela morreu

Y
ared era um empreendedor, instrutor de idiomas e curso designer
por profissão. Tinha cerca de cinquenta e tantos anos de idade.
Porém, feições de um trintão. Era muito bem conservado por não ter
sido dado aos vícios, nem à vida boêmia tão comum à maior parte dos homens
de sua geração.
Um metro e sessenta e sete centímetros de altura. Afrodescendente,
esguio e com uma resistência física invejável. Grandes olhos castanhos escuros
e cabelos pretos com alguns fios que já haviam assumido a coloração branca
brilhante espalhados por sobre sua grande cabeça. Sua pele morena bronzeada
– como seu pai costumava dizer – cor de jambo - esbanjava saúde e vitalidade
na sua quinta década de vida.
Usava um par de óculos um tanto ultrapassado – estilo nerd – exibindo
inequivocamente sua condição de intelectual. Amante da leitura, havia
aprendido grande parte das verdades sobre a vida com seus livros amigos.
De preferência, sempre estava em roupas sociais ao invés dos usados e
abusados jeans e camisetas casuais de seus colegas de trabalho.
Era conhecido entre os amigos mais achegados pelos apelidos de peace-
maker – aquele que faz a paz, numa tradução livre. Ou monge Dalai Lama.
Cognomes que lhe foram dados por detestar se envolver em conflitos pessoais
de qualquer natureza.
De um modo geral, ascendia rapidamente de posto nas escolas em que
chegava para lecionar devido à sua dedicação, proatividade e inteligência
emocional em lidar com os alunos, colegas de trabalho e com a direção.
Ademais, era o tipo de cara conservador. Pacato. Reservado. Na verdade,
tímido. Não apreciava aglomerações, balbúrdias, conversas fiadas. Para muitos,
um cara chato. Um tanto antissocial. Um indivíduo a ser evitado.
Mas, por outro lado, uma pessoa amigável, empata e altruísta – com uma
certa vocação para salvador da pátria. Uma vez que a amizade fosse
estabelecida, se podia contar com ele para o que desse e viesse.
Vivenciara uma trajetória profissional com muitos desafios, pois
começara jovenzinho a ministrar aulas para sua própria manutenção e da
família que constituíra logo ao entrar na segunda década de vida. Sua carreira
cheia de obstáculos e dificuldades tivera início três décadas atrás.
Contudo, em nenhum momento perdera a paz de espírito, nem mudara
seu modo de agir e sua personalidade permanecera incólume. Soubera superar
todos os obstáculos que apareceram à sua frente.
Embora tivesse passado por vários infortúnios, traições e dissabores,
não guardava mágoas ou ressentimentos.

Yared estava amargando um luto há quase oito meses pela perda da esposa.
No geral, para ser mais exato, aquele martírio pessoal já vinha se arrastando
por mais de um ano e meio – tempo que lhe parecia uma eternidade. Isso o forçara
a suportar as dificuldades e as inconveniências de contínuas visitas e
prolongadas permanências em hospitais, clínicas e laboratórios. Muitas vezes,
executara vários projetos nas alas da enfermaria, ao lado da sua mulher, usando
para isso apenas seu sistema Android num Motorola tristemente ultrapassado.
Despesas médicas constantes e elevadas, na casa de três dígitos, aliadas
a uma angústia e ansiedade mortificadoras passaram a ser suas companheiras
inseparáveis.
O peso de toda aquela dinâmica insidiosa o arrastava, dia a dia, semana
a semana, mês a mês, cada vez mais, para uma depressão profunda.

Estivera segurando a mão magérrima da sua esposa no seu último suspiro.


Testemunhou ela se despedir desse mundo enquanto jazia entorpecida à morfina
injetada diretamente na veia – aparência esquálida, olhos encovados, porém
ainda cheios de amor, como sempre tinham sido.
Sem mais conseguir se mover, sobre uma cama de ferro pintada com um frio
branco hospitalar, a senhora Lovingdale piscou o olho direito pela última vez.
Aquela fora a única forma que ela pôde usar para dizer adeus ao seu marido.
Sua respiração esvaeceu. Seu batimento cardíaco despencou para o zero absoluto
– pôde-se ouvir o ruído do sinal contínuo do monitor multiparâmetro a anunciar
sua saída desse mundo.
Somente as pessoas que já assumiram o papel de cuidador de um paciente
gravemente enfermo conhecem o sofrimento excruciante envolvido nesse processo.
Destacadamente, se esse paciente for um familiar. Num grau extremo, se a pessoa
doente for algum ente querido. Inimaginável quando este alguém tiver passado a
maior parte da sua vida ao seu lado. É um sofrimento humanamente inconcebível!
As incertezas da vida e as vicissitudes da existência sempre mais cedo
ou mais tarde batem à nossa porta. Intrometem-se na nossa vida mesmo sem serem
convidadas. Como tal, somos assediados por certas inevitabilidades. A morte
parece ser a pior, no entanto!
Paradoxalmente, devemos tentar viver feliz num mundo onde a alternativa
da dor e a probabilidade de aflições são possibilidades experienciais reais
sempre a nossa espreita.

“Quem é o acompanhante da Sra. Lovingdale?” – perguntou o médico


apressadamente.
Esticando o pescoço para espiar por cima do balcão, Yared respondeu de
pronto:
“Aqui, doutor.”
“Ok! Siga-me até o meu consultório, senhor.” – acrescentou o profissional
de saúde numa voz de comando – quase militar.
Yared havia notado que alguma coisa havia dado errado com os exames da
sua esposa.
Em primeiro lugar, a jovenzinha enfermeira, com o braço direito sobre o
ombro da senhora Lovingdale, tinha saído da sala de procedimentos levando-a
para a sala de repouso, devagar e cuidadosamente, muito antes do tempo previsto.
Em segundo lugar, o médico o chamou num humor grave e num tom de voz alarmada.
Antes mesmo de se sentar, ele explodiu em palavras:
“Ela tem um tumor de aproximadamente 3 centímetros e meio no estômago!
É obrigatório que seja operada com urgência!”
Yared puxou para o lado uma pesada cadeira de madeira antiga, estilo
colonial. Pressurosamente, repousou seu corpo trêmulo sobre aquele assento
imponente. Estava transtornado com aquela notícia de morte à vista. Sentiu como
se estivesse recebendo um forte soco no estômago. As palavras agourentas do
médico tinham o peso de chumbo. Afinal, era para ser apenas um exame de rotina.
Agora, ele previa um risco de morte para a sua amada esposa.
“É um cân.. câncer, doutor?” – perguntou ele com os nervos à flor da
pele.
“Eu não tenho dúvida alguma!” – confirmou o clínico.
“Mas é maligno ou benigno?” – a pergunta foi feita num tom misto de
preocupação e esperança.

O esposo, com as mãos suadas e um calafrio na espinha, esperava


desesperadamente ouvir a última alternativa como resposta. O passado já o havia
golpeado com o falecimento precoce de três cunhadas para aquela mesma
enfermidade nefasta. Existia uma síndrome pós-traumática perseguindo aquela
família de geração em geração. Agora, seu coração estava batendo acelerada e
descompassadamente com o medo de enfrentar mais um velório, mais um funeral.
Dessa vez, envolvendo sua própria mulher como a vítima. Sofrera um grande
impacto emocional e consequentemente tinha entrado em desespero.
Porém, devemos parar de tentar resistir à dor e à perda, pois são
inevitáveis.

“Este é um tipo de câncer maligno. Ela tem de ser operada o mais rápido
possível. Por favor, tome as medidas necessárias!” – advertiu o médico sem papa
na língua. No estilo Super Sincero.

Aquela informação, numa fração de segundos, causou em Yared uma vertigem


e mal estar indizíveis. Ele ficou deveras assustado, e começou a se perguntar
como aquela maldita enfermidade poderia ter acometido sua esposa
desavisadamente – logo ela que era bastante atenta à sua saúde e à da sua
família.
Os dois estavam juntos num casamento estável por mais de três décadas.
A construção sólida do relacionamento com sua admirável esposa havia sido
inteiramente feita em pedaços e ruíra em questão de minutos!

“Já pedi uma biópsia de emergência para certificar o tamanho e o tipo


do tumor.” – comentou o médico de forma técnica.
“Tudo bem doutor, vou providenciar.” – respondeu-lhe Yared com a voz
embargada.

Yared sentiu uma pontada aguda nas têmporas ao ouvir aquela verdade
impalatável. Ficou apático e gélido diante da perspectiva da sua vida conjugal
bem-aventurada não poder perdurar por muito tempo mais. A sentença final parecia
ter sido decretada. E quem a teria decretado? As maiores verdades da vida são
as mais desagradáveis de ouvir.
Yared sentiu uma dor lancinante. Seu coração pareceu estar sendo
transpassado lenta e repetidamente por um punhal. Uma avalanche de imagens de
sua vida pretérita de casado invadiu o seu cérebro erraticamente. Precisava
reorientar seus pensamentos para agir da forma certa.
Quando se recuperou do choque, pediu licença ao médico e caminhou com
passos largos até à área externa da clínica. Buscou mais ar nos pulmões.
Respirou fundo. E decidiu procurar um ombro amigo em que se apoiar. Ligou para
o seu irmão.
“Meu irmão, estou inconformado com o que ouvi do médico agorinha mesmo.
Acabo de receber o resultado do exame de Lovingdale. Ela tá com câncer. No
estômago. É maligno. Precisa de cirurgia urgente!” – informou falando de forma
acelerada e nervosa.
“Brother, você tem certeza?” – perguntou o rapaz do outro lado da linha.
“Sim, tenho. Estou levando a coleta do material para biópsia para
identificarem o tumor.”
“Você quer que eu vá até aí? Posso te apanhar na clínica e a gente pode
conversar.” – ofereceu o seu irmão.
“Muito obrigado, brother! Mas tenho de ir pra sala de repouso ficar com
ela. Depois vou levá-la direto pra casa. Mas quero conversar com você ainda
hoje. Me dá essa força aí?” – perguntou quase em desespero.
“Com certeza, brother! Estamos juntos.” – conformou-lhe seu irmão.

Uma das amigas mais próximas de Yared era psicóloga. Ela o


aconselhara a começar a fazer alguma coisa para que não ficasse gravemente
doente da cabeça. Depois desse diálogo com essa terapeuta, o professor decidiu
ministrar um curso de inglês gratuito. Em resultado disso, escolheu uma
comunidade religiosa carente para esse propósito. E uma terapia ocupacional
para sua cura foi iniciada.
Os alunos do instrutor de idiomas eram apaixonados pelas suas aulas –
sempre cheias de atividades dinâmicas e divertidas. Isso os fazia aprender com
muita facilidade.
Por consequência, ele se motivou a expandir seu ensino. Dessa vez, para
os filhos dos seus alunos. Planejava desenvolver um programa de inglês infantil
– um curso de English kids.
Como resultado, Yared teve a ideia de ter algumas mascotes como
personagens principais para representar o curso da garotada. Quis fabricar
bonecos de mão – marionetes. Esses seriam uma espécie de atores e atrizes
para suas aulas com as crianças. Soube que uma das suas alunas trabalhava
com as artes manuais – era uma artesã. De tal modo, conversou com ela para
ver se poderia fazer os bonecos que pretendia usar na sala de aula infantil.
Numa conversa pelo aplicativo de mensagens, a moça lhe disse que não
era sua especialidade fazer aquele tipo de personagem, entretanto. Ainda assim,
ela conhecia uma amiga artífice que era especialista em projetar e fabricar
aquele tipo de peças de arte.

Línguas e artes

Cinco meses havia se passado desde a morte da sua esposa, e numa


manhã de setembro daquele fatídico ano de 2017, por meio de uma conversa no
WhatsApp, Yared teve contato com Ani Lorac pela primeira vez. Observando
atentamente a foto do perfil no aplicativo de comunicação, ele depressa
percebeu que ela era uma mulher bonita. Charmosa. Ruiva!

Yared: Bom dia!


Yared: Meu nome é Yared e sou cliente do boneco.
Yared: Lucy me deu suas informações de contato.
Lorac: Oi, Yared. Bom dia!
Lorac: Ela me deu algumas informações sobre as marionetes.
Yared: Sinta-se à vontade pra fazer qualquer pergunta que possa ter.
Lorac: Eu disse a ela que vou começar a fazê-los na próxima segunda.
Yared: Tudo bem, não tem pressa.
Yared: Por favor, lide diretamente comigo de agora em diante, ok?
Lorac: Tudo bem, Yared.
Yared: Obrigado!

Na realidade, aquela artesã era habilidosa o suficiente para assumir o


trabalho de projetar e fazer os bonecos mascotes que Yared tanto precisava
usar em sala de aula. Dessa forma, ele contratou seu serviço. Preço, condições
de pagamento e data de entrega foram combinados entre cliente e fornecedora.
Após aquele primeiro contato virtual, as coisas nunca mais seriam as
mesmas ao longo de toda a sua vida.

Uma ruiva na minha vida

O dia para a entrega das marionetes foi combinado por meio de uma
conversa entre o coach de idiomas e a profissional de artes via aplicativo de
mensagens.
Lorac: No sábado dia 30 nossa Associação vai realizar mais um evento, com
comidas, produtos naturais, artes, cervejas, plantas e muita conversa boa.
Yared: Eu vou!!!
Lorac: Vai ter um concurso. Vamos ver se eu vou ganhar....
Yared: Claro que você vai!
Lorac: Obrigada!
Yared: Meu voto é seu!

Lorac havia se divulgado. Atuara como seu próprio marchand – precisava


agenciar suas obras de arte autonomamente, o que teve o pronto apoio e
incentivo do empreendedor de idiomas.
Na tarde do evento, Yared foi acompanhado por seu irmão mais novo e
sua namorada. Estava todo contente e motivado com sua nova aquisição – as
mascotes dariam vida e alegria às suas aulas com a meninada.
Nesse estado de boas vibes, partiu para o showroom de artes. Estava
indo pegar seus modelos novinhos em folha e ver com seus próprios olhos a
ruivice daquela artista.

O lugar era uma casa enorme de dois andares. Bem no estilo colonial. A
fachada barroca de cor forte colada com outros prédios numa mescla
multicolorida era o destaque daquela arquitetura tradicional.
Situava-se na zona alta da enladeirada cidade turística vizinha. Podia-se
ver muitas peças de arte de todos os tipos dispostas sobre dezenas de mesas
por todos os lados.
Imediatamente, Yared pôde captar a visão dos seus bonecos. Estavam
admiravelmente trajados e pintados. Suas encomendas artísticas estavam no
centro de uma daquelas inúmeras mesas expositoras. Arrodeadas por outras
peças de arte de Lorac, se destacavam pelo brilho e disposição das cores. Eram
verdadeiras obras-primas!
A artista não estava no local naquele momento. Até que... naquele meio
tempo, num intervalo de quinze minutos mais ou menos, os olhos deles se
encontraram pela primeira vez. Finalmente, ele a pôde ver em carne e osso.
Já à primeira vista, a artesã se apresentou como uma mulher muito
bonita e bem cuidada. Era muito atraente — rosto bem formado, queixo firme,
boca bem desenhada, lábios cheios, olhos espaçados; seu corpo era mais para
o tipo mignon, muito esbelto, de pernas bem torneadas. Seu sorriso era cordial
e convidativo.
Tinha seus trinta e tantos anos de idade. De aparência jovial, do tipo bem
com a vida. Um metro e cinquenta e cinco centímetros de altura. Pequenos olhos
castanhos. Pele muito clara com sardas salpicadas aqui e ali no rosto e pelo
pescoço. Seus cabelos eram vermelhos como uma brasa incandescente e lhe
caíam sobre os ombros como cascatas de cobre.
Ficou logo evidente para Yared que aqueles cachos cor de âmbar
avermelhado eram obra exclusiva da natureza, e não resultado de qualquer
tintura mal feita num salão de beleza de terceira.
A mulher aparentava ainda mais formosa do que ele tinha visto na
fotografia de perfil do WhatsApp.
A linda fornecedora se aproximou e educadamente lhe desejou boa noite.
Foi uma saudação oferecida de uma forma gentil e vibrante. Trocaram beijinhos
nos rostos e se abraçaram.
Ele pensou:
“Pareceu-me que um fluxo de energia tinha varrido nossos corpos por
inteiro. Ambos tivemos o mesmo sentimento sobre o qual conversamos mais
tarde.”
Ali tinha um mistério – o segredo das raízes. Certamente, havia laços
profundos entre as raízes das almas dos dois. Às vezes, dois amigos são mais
intimamente ligados do que dois irmãos.

Tudo resolvido num quarto de hora

O outro casal – seu irmão e sua namorada – mantinha os olhos e ouvidos


atentos aos acontecimentos. Tinham seu próprio julgamento sobre o que estava
acontecendo naqueles meros minutos dentro daquele grande resort de arte.
Yared e seus familiares passaram cerca de duas horas no interior
daquele casarão. Havia comida e bebida disponíveis para os visitantes comprar.
A música estava inundando aquele espaço festivo com um ar um tanto
psicodélico.
As pessoas arrumadas casualmente eram alegres, barulhentas e
expansivas. Estavam se divertindo com bate-papos estridentes e gargalhadas
soltas. Era um povo que, de acordo com os valores de Yared, poderia ser
considerado como de estilo e gosto alternativos, digamos. Na vã guarda da
moda, da arte e dos costumes.
A anfitriã se aproximou perturbadoramente de Yared e chamou os seus
convidados para subir até o andar de cima. Haveria uma apresentação de dança
exótica de uma dupla feminina. Ela os guiou até as escadas que levavam ao
palco.
Lorac estava usando um vestido amarelo salpicado de flores vermelhas,
verdes e azuis. Era um tanto curto – ligeiramente acima do joelho. Havia
colocado um sutiã firme e modelador. Essa peça íntima fazia seus seios
parecerem duros e arredondados.
A artista de cabelos castanhos avermelhados passou à frente dos
visitantes e começou a escalar com elegância os estreitos e sinuosos degraus
de madeira antiga e desgastados que davam acesso ao pavilhão superior. A
despeito da balbúrdia dos esfuziantes participantes do evento, podia-se ouvir o
clique dos saltos nos degraus de madeira ecoando no ambiente.
Yared a acompanhou logo atrás. A cada passo de Lorac na sua subida,
seus olhos aguçavam-se para acompanhar aquele desfile na passarela em
forma de escada. Sem piscar! E focado na altura da barra da saia do vestido da
mulher. Ficou todo motivado a ver mais daquelas pernas torneadas e
bronzeadas – as panturrilhas eram avolumadas e rijas, demonstrando que a
artista frequentava a academia de musculação. Ela transpirava saúde e
exuberância física.
Ao atravessarem a porta de acesso, e uma vez dentro da sala do palco,
pareceu terem cruzado um portal tempo-espaço. Podia-se ver centenas de
pétalas de rosas – brancas, amarelas e vermelhas - que haviam sido salpicadas
por todo o assoalho. O piso se assemelhava a um magnífico tapete persa
artesanalmente trabalhado e de fina tecelagem. Estava pronto para receber
maciamente os pés nus das dançarinas.
As mulheres estavam bem vestidas e ornamentadas com roupas e
acessórios indianos. Uma música instrumental tipo nova-era ressoava
docemente naquele ambiente transcendental. A iluminação era de penumbra. À
luz de velas. Pairava uma certa volúpia no ar.
Lorac se sentou de pernas cruzadas bem ao lado de Yared. Seu vestido
curto ascendeu um pouco mais. Aquele movimento deixou à amostra uma
porção extra de suas coxas - tanto quanto as panturrilhas estavam bem
escurecidas em comparação com a cútis do rosto de Lorac. O coach de idiomas
não pôde deixar de contemplar aquela cena incitante. Afinal, estava sendo
oferecida aos seus olhos com generosidade, com liberalidade. Por que não se
deleitar? Pensamentos picantes tomaram conta da sua mente, de imediato.
Como ficam seus genitais quando ela senta nessa posição? Ela é ruiva lá
embaixo?
Mais tarde, após a apresentação de dança ter sido saudada com aplausos
entusiasmados, o irmão de Yared disse num tom de brincadeira:
“Eu pensei cá comigo mesmo. Se essa mulher subir primeiro, Yared vai
transar com ela!”

Depois de momentos aprazíveis na companhia da artista, chegara a hora


de se despedir daquele show de artes. A marchand retirou as marionetes de
sobre a mesa e as embalou meticulosamente em sacolas personalizadas
ostentando a logomarca da sua empresa. Juntou alguns dos seus cartões de
visita e entregou a encomenda nas mãos do seu cliente.
Depois de se despedir de Lorac, Yared seguiu em direção ao automóvel.
A cunhada perguntou na hora:
“A menina solícita não vem jantar com a gente?”
Ao que ele retrucou um tanto surpreso:
“Como assim? Não, não, claro que não – afirmou de maneira pouco
convincente. Ela ainda tá trabalhando na venda das suas bonecas. E além disso,
ela é uma mulher casada.”
Ambos abriram um largo e sonoro sorriso. Seu irmão acrescentou:
“Cuidado pra que você mesmo não faça uma boneca nela!”
Para ambos, aquela troca de energia se tornara totalmente evidente – um
flagrante de uma baita atração mútua.
Eles passaram o resto da noite provocando Yared com piadas e lorotas
sobre a tal garota ruiva solícita.
Depois do jantar, levaram Yared para casa.

“Quero dizer-lhe uma coisa: entre o homem e a mulher, tudo se decide no


primeiro quarto de hora. É no primeiro quarto de hora que se estabelecem todas
as regras. Daí por diante, nada mais se modifica.” – Bert Hellinger

Conflito: Razão versus emoção

Ao chegar em casa, Yared foi imediatamente para a cama. Contudo, não


conseguia desconectar do evento e relaxar o suficiente para dormir. Sua mente
estava vagando pelas reminiscências dos bons momentos que tivera naquela
noite. Ele não conseguia fazer outra coisa a não ser pensar em Lorac. Aquela
frase ficara na sua cabeça:
“Ela não vem jantar com a gente?”
Desde a primeira troca de olhares, ele havia sido atraído magneticamente
àquela ruiva. Decidiu ligar para Lorac pelo WhatsApp. Enviou-lhe uma
mensagem de boa noite e muito obrigado.
Ela respondeu imediatamente. Tinha acabado de chegar na casa da sogra.
Yared aproveitou para conferir aquela pergunta que a namorada do seu irmão
havia feito. Então, apressadamente, lhe enviou o seguinte texto:
“Era um pouco tarde e você ainda estava trabalhando. Mas pensei em te
convidar pra jantar com a gente.”
Para sua surpresa, a resposta da artista confirmou a proposta tentadora
que sua cunhada havia feito.
“Seria uma ótima ideia, mesmo. Preciso conhecer novas pessoas. Preciso
de um pouco de lazer. Da próxima vez, quem sabe?” – comentou Lorac.
A mente de Yared mergulhou num tsunami de pensamentos e
sentimentos contraditórios. Havia realmente uma chance de se aproximar
daquela mulher?
“Cuidado Yared!” - lhe falou sua voz interior. “Ela é uma mulher casada.
Tem uma família. Você não está tão doido para se aproximar dela, está?”
Para o fim e com o propósito de pacificar suas elucubrações em
turbulência, ele deu uma bronca no seu cérebro:
“Você é viúvo e tem uma vida social e profissional estável. Tem mantido
uma grande família. Tem filhos e netos. E a propósito, você não é mais um
adolescente, não é mesmo?”
Imediatamente sua mente respondeu com um ressonante não. Yared
estava sendo carregado e impulsionado por uma força que podia mais do que
ele, à qual sua mente racional relutava em se entregar.
Aquele raciocínio lógico fora bastante persuasivo para conter seus
sentimentos sobre aquele primeiro encontro com Lorac.
Não obstante, os sentimentos, de maneiras não totalmente
compreensíveis, são fortes o suficiente para insurgir o tempo todo. De forma
consistente e persistente! Eles tomam conta de todo o nosso ser assim que
nossa mente controladora descuida apenas um pouquinho. Como resultado, ela
deixa de exercer sua autoridade sobre nós, fazendo aflorar nossos desejos
contidos.
Lorac estava mexendo com sua cabeça. A lembrança constante dela não
havia diminuído seu domínio sobre ele. Tinha achado seu aspecto feminino tão
poderoso, tão atraente e tão insinuante que lhe estava sendo difícil renunciar a
ele.
Ele teria que afrontar o dilema: tentar conhecer melhor aquela mulher,
ou simplesmente esquecê-la e levar sua vida como se nunca a tivesse visto
antes. Assumi-la seria uma mudança de atitude radical.
Seria sair do seu mundo ordinário, comum, de sempre, o qual estava
adaptado para um novo mundo fantástico, talvez imaginário, onde não se
sentiria seguro, nem no controle de si mesmo. Como poderia seguir seu coração
se isso significava colocar seu status quo em perigo?
Que fique claro que aquela última alternativa acabou sendo uma iniciativa
inconcebível para Yared. Seu ímpeto e motivação interiores eram de aproximar-
se da artista de cabelos castanhos avermelhados.
Logo, ele elaborou um plano de ação a fim de conciliar as duas
alternativas – no bom inglês fight or flight, traduzindo: lutar ou fugir!
Estava ansiando ardentemente se achegar a Lorac. Queria saber mais
sobre ela. De uma forma ou de outra, daria um jeito de disfarçar a irrupção
vulcânica daquele desejo. Talvez, tudo pudesse começar com uma possível
futura parceria profissional.
O professor ficara dividido entre dois valores de vida muito diferentes.
Dois caminhos irreconciliáveis a seguir.
No entanto, uma decisão obrigatória e pendente precisava ser tomada.
Ele não tinha como ficar indiferente.

“...alguns valores e parâmetros são melhores que outros. Alguns conduzem


a problemas bons (do tipo fácil e simples de resolver), enquanto outros levam
a problemas ruins (do tipo difícil e complexo de resolver).” – Mark Manson

Seu desejo original e real, imergindo do seu id, era conhecer melhor
aquela mulher com grande sexy appeal.
Sentiu-se provocado a ver se, por acaso, ou por iniciativa, poderia
conquistá-la amorosamente para si.
A essa altura, estava inteiramente possuído pela ideia de começar uma
paquera com aquela mulher de cabelo de cobre.

“O papel crucial que a sexualidade desempenha na união dos casais


evidencia o primado da carne sobre o espírito, bem como a sabedoria da carne.
Somos tentados a desvalorizar a carne em comparação com o espírito, como se o
que se faz a partir da necessidade física, do desejo e do amor sexual tivesse
menos valor que os benefícios da razão e da moralidade.” – Bert Hellinger

Em última análise e na compreensão final, aquela arquitetada proposta


de parceria profissional era tão-somente um pretexto para reencontrar a
artista. No final das contas, ele precisava ficar de bem com sua cabeça.
Essa ideia era capaz de compensar sua mente disciplinadora sobre o que
ele verdadeiramente ansiava por fazer.
Estava tudo acontecendo tão rápido, tão fora de controle que Yared estava
bem ciente de que, se não pusesse freio em seus impulsos, e deixasse as coisas
correrem frouxas, poderia acabar tendo um envolvimento amoroso com Lorac.
Sabia que se fosse encarar seus prazeres mais profundos, as
consequências poderiam ser devastadoras por viver um amor proibido.
Por dias a fio lutou contra aquela dualidade. Aquela neurose. Aquela luta
titânica entre o id e o superego. Pensamento e sentimento. Razão e emoção.
Aquele binômio se digladiava no seu universo psíquico.
Ter conhecido aquela mulher de cabelo acobreado lhe colocara diante de
uma nova conjuntura – um desafio.

Inconscientemente, somos movidos por forças desconhecidas que


irrompem da nossa psique. Aquele impulso considerado “negativo” seria o id de
Freud? Ou a Yetser Harah da filosofia judaica?
De uma forma ou de outra, todos reconhecemos que temos disposições
internas que nosso eu consciente se recusa a aceitar, ou pôr em prática. Esse
nosso lado “bonzinho fingido” seria o ego do psicanalista vienense ou a Yetser
Hatov do povo judeu?
Afora essas duas forças a virem cobrar espaço de ação na nossa vida
cotidiana, sofremos o freio ou o controle do superego. Aquela “voz interior” que
sopra nos nossos ouvidos as “regras do bom viver” que papai, mamãe e a
professorinha nos ensinaram. Aquela obrigação que sentimos de ter que ficar
sorrindo e parecer feliz.
“Lembro-me de me sentar recatadamente enquanto me tiraram o retrato.
Ainda tenho essa foto. A imagem é: 'Vejam que menina encantadora eu sou’. Meu
pai costumava dizer: 'Tudo o que uma moça tem que fazer é sorrir, e terá tudo
o que quiser’. Assim, continuei a vida sorrindo enquanto meu coração se
despedaçava por dentro.” – Alexander Lowen

Enquanto dialogava mais tarde por meio do aplicativo de mensagens, não


podendo mais resistir ao impulso de ver Lorac, Yared marcou um encontro com
ela.
Usou o argumento de que tinha um possível acordo comercial para
apresentar. A reunião foi marcada para uma livraria sofisticada e famosa no
centro da cidade – um verdadeiro shopping center do livro.
Interessante o suficiente e digno de nota, ambos estavam aspirando por
mais um encontro.
Homem e mulher alimentavam seus próprios interesses e intenções.
Entretanto, compartilhavam uma verdade. De fato, os dois ansiavam por estar
juntos mais uma vez.
Exteriormente, eles eram absolutamente diferentes. De tantas formas.
Quanto a tantos princípios e valores. Com relação à forma de encarar a vida e
vivê-la.
Interiormente, entretanto, ambos eram muito semelhantes. Buscavam
um relacionamento que valesse a pena. Cada um a seu próprio modo. Um oásis
afetivo. Um amor verdadeiro.
E eram aquelas semelhanças que estavam atraindo um para o outro
como um potente ímã.

“... ´o semelhante atrai o semelhante´, essas pessoas se


encontram e partilham do problema mútuo.” – Barbara Ann Brennan

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