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Y
ared está sofrendo um luto pela sua amada esposa com a qual vivera uma feliz
união por três décadas.
Tem seu interesse pela artista correspondido, e ela decide se separar do companheiro
e viver aquele caso amoroso com ele.
No que seria a despedida do casal, Yared descobre que Lorac está grávida. Eles voltam
e tentam viver como uma família.
Quando a bebê estava com cinco meses de idade, Yared descobre que Lorac o havia
traído com seu ex-companheiro. Não suportando aquela revelação, ele se separa da parceira
e começam uma guerra jurídica para ajustar as questões pendentes.
Com o intenso sofrimento pela separação e alienação parental causada por Lorac,
Yared fica gravemente doente.
Conseguirá ele sobreviver? Saber se é o pai de Flor de Lótus? Reconstruir sua vida? Ou
irá sucumbir a mais um desastre emocional?
Yared
Parte 1
Y
ared era um empreendedor, instrutor de idiomas e curso designer
por profissão. Tinha cerca de cinquenta e tantos anos de idade.
Porém, feições de um trintão. Era muito bem conservado por não ter
sido dado aos vícios, nem à vida boêmia tão comum à maior parte dos homens
de sua geração.
Um metro e sessenta e sete centímetros de altura. Afrodescendente,
esguio e com uma resistência física invejável. Grandes olhos castanhos escuros
e cabelos pretos com alguns fios que já haviam assumido a coloração branca
brilhante espalhados por sobre sua grande cabeça. Sua pele morena bronzeada
– como seu pai costumava dizer – cor de jambo - esbanjava saúde e vitalidade
na sua quinta década de vida.
Usava um par de óculos um tanto ultrapassado – estilo nerd – exibindo
inequivocamente sua condição de intelectual. Amante da leitura, havia
aprendido grande parte das verdades sobre a vida com seus livros amigos.
De preferência, sempre estava em roupas sociais ao invés dos usados e
abusados jeans e camisetas casuais de seus colegas de trabalho.
Era conhecido entre os amigos mais achegados pelos apelidos de peace-
maker – aquele que faz a paz, numa tradução livre. Ou monge Dalai Lama.
Cognomes que lhe foram dados por detestar se envolver em conflitos pessoais
de qualquer natureza.
De um modo geral, ascendia rapidamente de posto nas escolas em que
chegava para lecionar devido à sua dedicação, proatividade e inteligência
emocional em lidar com os alunos, colegas de trabalho e com a direção.
Ademais, era o tipo de cara conservador. Pacato. Reservado. Na verdade,
tímido. Não apreciava aglomerações, balbúrdias, conversas fiadas. Para muitos,
um cara chato. Um tanto antissocial. Um indivíduo a ser evitado.
Mas, por outro lado, uma pessoa amigável, empata e altruísta – com uma
certa vocação para salvador da pátria. Uma vez que a amizade fosse
estabelecida, se podia contar com ele para o que desse e viesse.
Vivenciara uma trajetória profissional com muitos desafios, pois
começara jovenzinho a ministrar aulas para sua própria manutenção e da
família que constituíra logo ao entrar na segunda década de vida. Sua carreira
cheia de obstáculos e dificuldades tivera início três décadas atrás.
Contudo, em nenhum momento perdera a paz de espírito, nem mudara
seu modo de agir e sua personalidade permanecera incólume. Soubera superar
todos os obstáculos que apareceram à sua frente.
Embora tivesse passado por vários infortúnios, traições e dissabores,
não guardava mágoas ou ressentimentos.
Yared estava amargando um luto há quase oito meses pela perda da esposa.
No geral, para ser mais exato, aquele martírio pessoal já vinha se arrastando
por mais de um ano e meio – tempo que lhe parecia uma eternidade. Isso o forçara
a suportar as dificuldades e as inconveniências de contínuas visitas e
prolongadas permanências em hospitais, clínicas e laboratórios. Muitas vezes,
executara vários projetos nas alas da enfermaria, ao lado da sua mulher, usando
para isso apenas seu sistema Android num Motorola tristemente ultrapassado.
Despesas médicas constantes e elevadas, na casa de três dígitos, aliadas
a uma angústia e ansiedade mortificadoras passaram a ser suas companheiras
inseparáveis.
O peso de toda aquela dinâmica insidiosa o arrastava, dia a dia, semana
a semana, mês a mês, cada vez mais, para uma depressão profunda.
“Este é um tipo de câncer maligno. Ela tem de ser operada o mais rápido
possível. Por favor, tome as medidas necessárias!” – advertiu o médico sem papa
na língua. No estilo Super Sincero.
Yared sentiu uma pontada aguda nas têmporas ao ouvir aquela verdade
impalatável. Ficou apático e gélido diante da perspectiva da sua vida conjugal
bem-aventurada não poder perdurar por muito tempo mais. A sentença final parecia
ter sido decretada. E quem a teria decretado? As maiores verdades da vida são
as mais desagradáveis de ouvir.
Yared sentiu uma dor lancinante. Seu coração pareceu estar sendo
transpassado lenta e repetidamente por um punhal. Uma avalanche de imagens de
sua vida pretérita de casado invadiu o seu cérebro erraticamente. Precisava
reorientar seus pensamentos para agir da forma certa.
Quando se recuperou do choque, pediu licença ao médico e caminhou com
passos largos até à área externa da clínica. Buscou mais ar nos pulmões.
Respirou fundo. E decidiu procurar um ombro amigo em que se apoiar. Ligou para
o seu irmão.
“Meu irmão, estou inconformado com o que ouvi do médico agorinha mesmo.
Acabo de receber o resultado do exame de Lovingdale. Ela tá com câncer. No
estômago. É maligno. Precisa de cirurgia urgente!” – informou falando de forma
acelerada e nervosa.
“Brother, você tem certeza?” – perguntou o rapaz do outro lado da linha.
“Sim, tenho. Estou levando a coleta do material para biópsia para
identificarem o tumor.”
“Você quer que eu vá até aí? Posso te apanhar na clínica e a gente pode
conversar.” – ofereceu o seu irmão.
“Muito obrigado, brother! Mas tenho de ir pra sala de repouso ficar com
ela. Depois vou levá-la direto pra casa. Mas quero conversar com você ainda
hoje. Me dá essa força aí?” – perguntou quase em desespero.
“Com certeza, brother! Estamos juntos.” – conformou-lhe seu irmão.
Línguas e artes
O dia para a entrega das marionetes foi combinado por meio de uma
conversa entre o coach de idiomas e a profissional de artes via aplicativo de
mensagens.
Lorac: No sábado dia 30 nossa Associação vai realizar mais um evento, com
comidas, produtos naturais, artes, cervejas, plantas e muita conversa boa.
Yared: Eu vou!!!
Lorac: Vai ter um concurso. Vamos ver se eu vou ganhar....
Yared: Claro que você vai!
Lorac: Obrigada!
Yared: Meu voto é seu!
O lugar era uma casa enorme de dois andares. Bem no estilo colonial. A
fachada barroca de cor forte colada com outros prédios numa mescla
multicolorida era o destaque daquela arquitetura tradicional.
Situava-se na zona alta da enladeirada cidade turística vizinha. Podia-se
ver muitas peças de arte de todos os tipos dispostas sobre dezenas de mesas
por todos os lados.
Imediatamente, Yared pôde captar a visão dos seus bonecos. Estavam
admiravelmente trajados e pintados. Suas encomendas artísticas estavam no
centro de uma daquelas inúmeras mesas expositoras. Arrodeadas por outras
peças de arte de Lorac, se destacavam pelo brilho e disposição das cores. Eram
verdadeiras obras-primas!
A artista não estava no local naquele momento. Até que... naquele meio
tempo, num intervalo de quinze minutos mais ou menos, os olhos deles se
encontraram pela primeira vez. Finalmente, ele a pôde ver em carne e osso.
Já à primeira vista, a artesã se apresentou como uma mulher muito
bonita e bem cuidada. Era muito atraente — rosto bem formado, queixo firme,
boca bem desenhada, lábios cheios, olhos espaçados; seu corpo era mais para
o tipo mignon, muito esbelto, de pernas bem torneadas. Seu sorriso era cordial
e convidativo.
Tinha seus trinta e tantos anos de idade. De aparência jovial, do tipo bem
com a vida. Um metro e cinquenta e cinco centímetros de altura. Pequenos olhos
castanhos. Pele muito clara com sardas salpicadas aqui e ali no rosto e pelo
pescoço. Seus cabelos eram vermelhos como uma brasa incandescente e lhe
caíam sobre os ombros como cascatas de cobre.
Ficou logo evidente para Yared que aqueles cachos cor de âmbar
avermelhado eram obra exclusiva da natureza, e não resultado de qualquer
tintura mal feita num salão de beleza de terceira.
A mulher aparentava ainda mais formosa do que ele tinha visto na
fotografia de perfil do WhatsApp.
A linda fornecedora se aproximou e educadamente lhe desejou boa noite.
Foi uma saudação oferecida de uma forma gentil e vibrante. Trocaram beijinhos
nos rostos e se abraçaram.
Ele pensou:
“Pareceu-me que um fluxo de energia tinha varrido nossos corpos por
inteiro. Ambos tivemos o mesmo sentimento sobre o qual conversamos mais
tarde.”
Ali tinha um mistério – o segredo das raízes. Certamente, havia laços
profundos entre as raízes das almas dos dois. Às vezes, dois amigos são mais
intimamente ligados do que dois irmãos.
Seu desejo original e real, imergindo do seu id, era conhecer melhor
aquela mulher com grande sexy appeal.
Sentiu-se provocado a ver se, por acaso, ou por iniciativa, poderia
conquistá-la amorosamente para si.
A essa altura, estava inteiramente possuído pela ideia de começar uma
paquera com aquela mulher de cabelo de cobre.