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O MITO DE NARCISO
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SEGUNDO O MITO GREGO, NARCISO
ERA UM BELO JOVEM TESPIANO POR
QUEM A NINFA ECO SE APAIXONOU. Eco
fora privada de fala por Hera, a esposa de Zeus,
e só podia repetir as últimas sílabas das palavras
que ouvia. Incapaz de expressar seu amor por
Narciso, foi por este rejeitada e morreu de
desgosto, com o coração dilacerado. Os deuses
puniram então Narciso por seu tratamento
desalmado para com Eco, fazendo-o apaixonar-
se por sua própria imagem. O vidente Tirésias
profetizara que Narciso viveria até ver-se a si
mesmo. Um dia, quando se debruçava sobre as
àguas cristalinas de uma fonte, Narciso viu sua
própria imagem refletida na àgua. Ficou
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perdidamente enamorado de sua imagem e
recusou-se a abandonar o local. Morreu de
debilidade e metamorfoseou-se numa flor — o
narciso que cresce à beira das fontes e
mananciais.
O significativo é que Narciso só se
apaixonasse por sua imagem depois de ter
rejeitado o amor de Eco. Enamorar-se da própria
imagem — isto é, tornar-se narcisista — é visto
no mito como uma forma de punição por ser
incapaz de amar. Mas levemos a lenda um passo
mais além. Quem é Eco? Ela poderia ser a nossa
própria voz que nos está sendo devolvida.
Assim, se Narciso pudesse dizer “Eu te amo”,
Eco repetiria essas palavras e Narciso sentir-se-
ia amado. A incapacidade para dizer essas
palavras identifica o narcisista. Tendo retirado
sua libido das pessoas no mundo, os narcisistas
estão condenados a enamorar-se de sua própria
imagem — isto é, a dirigir sua libido para o
próprio ego.
Outra possível interpretação é interessante.
Ao rejeitar Eco, Narciso rejeitou também sua
própria voz. Ora, a voz é a expressão do ser
íntimo da pessoa, o self corporal, em oposição à
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aparência superficial da pessoa. A qualidade da
voz é determinada pela ressonância do ar nas
passagens e câmaras internas. A palavra
“personalidade” reflete essa ideia. Persona
significa que, pelo seu som, pode se conhecer a
pessoa. De acordo com essa interpretação,
Narciso negou seu ser interior, em favor de sua
aparência. E essa é uma manobra típica dos
narcisistas.
Qual é a importância da profecia proferida
pelo vidente Tirésias — a de que Narciso
morreria quando visse a si mesmo? Que bases
poderiam existir para tal predição? Acredito que
tinha de ser a excepcional beleza de Narciso. Tal
beleza, num homem ou numa mulher, prova
frequentemente ser mais uma maldição do que
uma bênção. O perigo é que a consciência de ter
beleza suba à cabeça da pessoa, tornando-a uma
egoísta. Outra possibilidade é que essa beleza
desperte paixões violentas de desejo e inveja em
outros, redundando em tragédia. A história e a
ficção contém muitos casos de desfechos
infelizes para as vidas de belas pessoas. A
história de Cleópatra é uma das mais
conhecidas. Por ser uma pessoa sábia, o vidente
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compreende esses perigos. — Narcisismo,
Negação do Verdadeiro Self — Alexander
Lowen — 1983
Apresentação
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pode estar muito próxima de você. Em sua
família. Entre seus amigos. No trabalho.
Ou dormindo em sua cama!”
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Parte 1
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o Tudo resolvido num quarto de hora
o Conflito: Razão versus emoção
Θ CAPÍTULO 2 — Mudança de planos
o Propostas indecentes
o O fetiche da calcinha
o A viúva negra
o Sem volta
o “Meu cliente merece o melhor de
mim.”
Θ CAPÍTULO 3 — Troca de amantes
o Lábios de mel...propósitos de absinto
o Don Juan
o Migalhas de prazer
o “Como amantes, meu rei!”
o Parceiro descartado
o Tempestade num copo d’água
o Ensaio fotográfico sensual
Θ CAPÍTULO 4 — Encenando o script
o “Era apenas uma ideia.”
o Natal e Réveillon
o Economia, privacidade e prazer
o Água mole em pedra dura...
9
1
Era uma vez...
“Começos são decisivos porque definem a
visão, indicam o processo e influenciam o fim.
Nossa vida é cheia de começos e fins, ambos
essenciais para o que ocorre no intervalo. Se o
começo não fosse importante, a gente
começaria pelo meio.” — Marcos de
Benedicto
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PROFISSÃO. Tinha cerca de cinquenta e tantos
anos de idade. Porém, feições de um trintão. Era
muito bem conservado. Não tinha sido dado aos
vícios, nem à vida boêmia tão comum à maior
parte dos homens de sua geração.
Um metro e sessenta e sete centímetros de
altura. Compleições físicas de afrodescendente.
Esguio e com uma vitalidade corporal invejável.
Não tinha qualquer quantidade de tecido
adiposo em excesso com o qual ter de se
preocupar. Grandes olhos castanhos escuros e
cabelos pretos com alguns fios, que já haviam
assumido a coloração de prata, branca brilhante,
espalhados por sobre sua grande cabeça. Sua
pele era morena bronzeada. Como seu pai
costumava dizer: cor de jambo. Esbanjava saúde
e vigor na sua quinta década de vida.
Usava um par de óculos um tanto
ultrapassado. Estilo nerd. Exibia
inequivocamente sua condição de intelectual.
Era amante da leitura. Havia aprendido grande
parte das verdades sobre a vida na companhia
dos seus livros amigos.
De preferência, invariavelmente estava em
roupas sociais ao invés dos usados e abusados
jeans e camisetas casuais de seus colegas de
trabalho.
Era reputado entre seus amigos mais
chegados e mais íntimos pelos apelidos de
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peace-maker — aquele que faz a paz, numa
tradução livre. Ou monge Dalai Lama.
Cognomes que lhe foram atribuídos por detestar
se envolver em conflitos pessoais de qualquer
natureza.
De um modo geral, não tardava a se
destacar nos empregos que assumia porque
sabia como trabalhar bem. Com pouco tempo
ele logo tomava a frente dos melhores postos
nas escolas em que chegava para lecionar.
Assumia as incumbências mais responsáveis.
Isso em virtude da sua dedicação, proatividade e
inteligência emocional em lidar, no trato diário,
com os alunos, companheiros de trabalho e com
a direção. Sentia-se um pouco responsável por
todo mundo. Era a providência da escola. Suas
palavras tinham a força de convicção.
Ademais, era o tipo de cara conservador.
No fundo, tinha uma natureza de inclinação
mais retraída e tímida. Vivia notadamente
dentro de sua própria pele. Levava sua vida um
pouco retirada das luzes do palco. Era um
homem recatado e cioso da sua intimidade. Não
apreciava aglomerações. Balbúrdias. Conversas
fiadas. Para alguns, um cara chato. Um tanto
antissocial. Até certo ponto, um indivíduo a ser
evitado.
Mas, em contraste, para muitos, uma
pessoa amigável, empata e altruísta. Portador de
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uma certa vocação para salvador da pátria. Uma
vez que a amizade fosse estabelecida, se podia
contar com ele para o que desse e viesse. Tinha
um sorriso sem malícia de homem bom e
direito.
Vivenciara uma trajetória profissional com
um turbilhão de desafios. Começara jovenzinho
a ministrar aulas para sua própria sobrevivência
e da família que constituíra logo ao alvorecer
dos seus vinte anos. Trabalhara duramente,
ganhando com dificuldade o pão de cada dia.
Moço, tendo a conquistar o seu lugar ao sol,
mostrou-se ousado, lutou sem tréguas para
subir.
Sua carreira cheia de obstáculos e
dificuldades tivera início três decênios atrás. Seu
pai parece ter-se assustado com a perspectiva de
ver o filho abraçar uma profissão tão pouco
rendosa. E esse desapontamento do seu genitor
se materializou numa frase. Aquelas palavras
lhe foram atiradas numa conversa de barzinho
para nunca mais esquecer:
“Professor de inglês não é nada!”
Palavras duras. Preconceituosas.
Pejorativas. Destruidoras da autoestima. Yared
viveu toda sua carreira envidando todos os
esforços para provar o contrário. A si mesmo e
ao seu pai.
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Contudo, em nenhum momento perdera a
paz de espírito. Sequer mudara seu modo de agir
e sua personalidade permanecera incólume.
Soubera vencer todos os obstáculos que tinham
aparecido à sua frente.
Ainda que tivesse passado por infortúnios,
traições e dissabores, sem conta, não guardava
mágoas ou ressentimentos.
Yared era profissional de larga experiência
da vida acadêmica com sacrifícios pessoais em
busca de um ideal. Com um vasto e aguçado
conhecimento de linguista, do processo ensino-
aprendizagem, gestão da equipe docente e
administração escolar tinha enormes
perspectivas pela frente.
Desde cedo, sonhara em desenvolver e
oferecer uma metodologia inédita. Desejava
capacitar seus alunos a lidar com suas
desafiadoras situações acadêmicas e de trabalho.
Queria que eles fossem além do domínio do
idioma que estivessem estudando. Isso o levou a
criar um curso inédito de sucesso absoluto no
mercado durante décadas a fio.
O seu verdadeiro gênio linguístico e
empreendedorismo iriam se manifestar em toda
a sua amplitude com o seu famoso curso. Um
curso de leitura e compreensão de texto na
língua inglesa. Um programa de ensino
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destinado aos estudantes e profissionais das
mais variadas áreas.
Com toda a força da sua jovem ambição,
com todo o ardor da sua ávida inteligência,
agarrou-se a essa oportunidade. Nunca havia
acolhido uma ideia com tanto entusiasmo.
Aproveitou-a, explorou-a, tirou dela tudo o que
lhe foi possível tirar. Tinha muito sangue nas
veias e um entusiasmo e otimismo insuperáveis.
Empreendimento altamente rentável que
lhe ensejou a oportunidade de fundar uma escola
de idiomas. Tal instituição de ensino chegou a
ter quinhentos alunos. O sossego material
estava assegurado. Colocava-lhe $ 1.000,00
dólares na conta bancária como pro labore de
sócio naquela época. Empreitada de sucesso.
Arrojada. Inusitada para um simples professor
que partira da estaca zero. Por sua conta e risco.
Não obstante, a despeito da sua realização
profissional na indústria de ensino de idiomas, e
a vida estável e feliz no seio familiar, Yared
sempre ansiara por conhecer melhor a mente das
pessoas. Interessava-se por saber o que havia de
intraduzível na alma humana. Seus problemas.
Percalços. Desafios. Traumas e enfermidades.
Era a fim de cooperar para o tratamento e cura
de corpo e espírito do semelhante. Ele
invariavelmente aceitara a verdade: “o menos
doente deve ajudar o mais doente!”
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Mesmo com seu sucesso nas áreas
profissional e familiar, sentia que ainda lhe
faltava galgar esse degrau. Aquele senso de
contribuir para melhorar a sanidade mental das
pessoas. De tantas pessoas quanto possível. Era
aquele anseio por realizar uma missão maior.
Era uma alma inquieta, à procura de uma
razão de ser. De um motivo de existir. Era um
homem voltado para dentro. Para as suas
dúvidas. Para o seu interminável diálogo com a
vida.
Yared continuamente havia se feito as
mesmas perguntas, por vezes sem conta, no
decorrer da sua existência:
Para que teria vindo ao mundo, com essa
insaciável sede de saber? Por que vivia? Por que
viviam os outros homens? O homem é um ser
livre, e, portanto, responsável, ou um boneco de
engonço nas mãos do destino, da natureza, de
alguma força desconhecida?
O ser humano nasce com um destino pré-
determinado? Existe algum plano de Deus para
sua vida, como pregam os religiosos? Temos
uma missão de vida a cumprir, como dizem os
espiritualistas da nova era?
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ele previa um risco de morte para a sua amada
consorte.
“Porventura é um cân.. câncer, doutor?”
— balbuciou ele com os nervos à flor da pele.
“Eu não tenho dúvida alguma!” —
confirmou asperamente o clínico.
“Mas é maligno ou benigno?” — a testa de
Yared havia se franzido na horizontal e suas
sobrancelhas estavam levemente erguidas.
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“Este é um tipo de câncer maligno. Ela
tem de ser operada o mais rápido possível. Por
favor, tome as medidas necessárias!” —
advertiu o médico sem papa na língua. No estilo
Super Sincero. O tom da sua voz foi fatídico.
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“Tudo bem doutor, vou providenciar.” —
respondeu-lhe Yared com o medo nos olhos e na
voz.
A CAROLINA
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“Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
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facilidade. O professor Yared era do tipo de
profissional que defendia o slogan: trabalho
que é feito com amor perde metade de
seu tédio e dificuldade.
Em razão disso, ele se motivou a expandir
seu ensino. Dessa vez, para os filhos dos seus
estudantes. Planejava desenvolver um programa
de inglês infantil — um curso de English kids.
Como resultado, o experiente designer de
cursos teve a ideia de ter algumas mascotes
como personagens principais para representar o
curso da garotada. Quis fabricar bonecos de mão
— marionetes. Esses seriam uma espécie de
atores e atrizes para suas aulas com as crianças.
Tomara conhecimento que uma das suas alunas
trabalhava com as artes manuais — era uma
artesã. De tal modo, conversou com ela para ver
se poderia fazer os bonecos que pretendia usar
na sala de aula infantil.
Numa conversa pelo aplicativo de
mensagens, a moça lhe disse que não era sua
especialidade fazer aquela modalidade de
fantoches, entretanto. Ainda assim, ela conhecia
uma amiga artífice que era especialista em
projetar e fabricar aquele tipo de peças de arte.
Línguas e Artes
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Cinco meses havia transcorrido desde que
sua esposa havia passado para seu descanso
eterno. Numa manhã de setembro daquele
fatídico ano de 2017, por meio de uma conversa
no aplicativo de troca de mensagens, Yared teve
contato com Ani Lorac pela primeira vez.
Observando atentamente a foto do perfil no
aplicativo multiplataforma de mensagens
instantâneas, ele depressa percebeu que ela era
uma mulher bonita. Charmosa. E RUIVA!
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Yared: Por favor, lide diretamente comigo
de agora em diante, ok?
Lorac: Tudo bem, Yared.
Yared: Obrigado!
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Lorac: No sábado dia 30 nossa Associação vai
realizar mais um evento de arte. Ao invés de
entregar suas peças em mãos, gostaria de levá-
las para a exposição. Pode ser?
Yared: Sim, claro. Eu vou!!!
Lorac: Vai ter um concurso. Vamos ver se eu
vou ganhar....
Yared: Claro que você vai!
Lorac: Obrigada!
Yared: Meu voto é seu!
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modelos novinhos em folha e ver com seus
próprios olhos a ruivice daquela artista!
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Aparentava seus trinta e tantos anos de idade.
Um metro e cinquenta e cinco centímetros de
altura. De aparência jovial, do tipo bem com a
vida. Era bem atraente. Rosto bem formado,
queixo firme, boca bem desenhada, lábios
cheios com um sorriso cordial e convidativo.
Olhos castanhos miúdos e apertados de míope.
Seu corpo era mais para o tipo mignon, muito
esbelto, de pernas bem torneadas. Pele
sobremodo clara com sardas salpicadas aqui e
ali no rosto e pelo pescoço. Seus cabelos eram
vermelhos como uma brasa incandescente e lhe
caíam sobre os ombros como cascatas de cobre.
Tornou-se de imediato evidente para Yared
que aqueles cachos cor de âmbar avermelhado
eram obra exclusiva da natureza, e não resultado
de qualquer tintura mal feita num salão de
beleza de terceira categoria.
A mulher tinha feições ainda mais
formosas do que ele tinha visto na fotografia de
perfil do aplicativo multiplataforma de
mensagens instantâneas.
A linda fornecedora se aproximou do seu
cliente com um sorriso encantador e
educadamente perguntou:
“Yared?!”
“Lorac?!” — Yared devolveu-lhe a
pergunta e o sorriso.
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“Boa noite!” — aquela saudação foi
oferecida de uma forma gentil e vibrante.
Trocaram beijinhos nos rostos e se abraçaram.
“Boa noite!” — ele ecoou para a artista, já
demonstrando estar embevecido com aquele
encontro e com a primeira impressão que estava
tendo da moça de cabelo acobreado.
Ele pensou:
- Pareceu-me que um fluxo de energia tinha
varrido nossos corpos por inteiro. Em se
tratando daquele momento, ambos tivemos a
mesma sensação, sobre a qual conversamos
mais tarde.
Ali jazia um mistério — o segredo das
raízes. Era notório, por conseguinte, que havia
laços profundos entre as raízes das almas dos
dois. Destino é destino, traçado no céu. Certa
ocasião, num de seus livros da sua vasta
biblioteca pessoal, Yared lera e aprendera: De
quando em vez, dois amigos são mais
intimamente ligados do que dois irmãos.
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tratando do que estava acontecendo naqueles
meros minutos dentro daquele amplo e agitado
resort de arte, estavam construindo seu próprio
ajuizamento e veredicto.
Fazia horas que Yared e seus familiares
mantinham uma estada no interior do casarão.
Podia-se encontrar comida e bebida disponíveis
para que os visitantes comprassem. A música
estava inundando aquele espaço festivo com um
ar um tanto psicodélico.
Uma extraordinária alegria reinava em toda
casa. As pessoas arrumadas casualmente eram
risonhas, barulhentas e expansivas. Desfrutavam
de divertimentos simples como ouvir músicas
em vitrolas antigas, bate-papos descontraídos e
estridentes, e contação de piadas e lorotas em
meio a risadas claras e soltas.
Era um povo que, conforme os valores de
Yared, diga-se de passagem, um estranho em
meio a estranhos, poderia ser professado como
de estilo e gosto alternativos, digamos. Na
vanguarda da moda, da arte e dos costumes.
A anfitriã se aproximou perturbadoramente
de Yared e chamou os seus convidados para
subir até o piso de cima. Haveria uma
apresentação de dança exótica de uma dupla
feminina. Ela cortesmente meneou a cabeça
indicando o caminho e os guiou até as escadas
que levavam ao palco no andar superior.
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Lorac estava usando um vestido amarelo
salpicado de flores vermelhas, verdes e azuis.
Era um tanto curto — ligeiramente acima do
joelho. Havia colocado um sutiã firme e
modelador. Essa peça íntima fazia seus seios
parecerem duros e arredondados.
Esticando seu braço direito em direção à
escadaria, a mulher tomou à dianteira e Yared a
acompanhou logo atrás. A artista de cabelos
castanhos avermelhados passou à frente dos
visitantes e começou a escalar com elegância os
estreitos e sinuosos degraus. Eles eram de
madeira antiga e extremamente desgastados pelo
tempo. Mesmo assim, por terem sido lustrados
para a ocasião, embelezavam a escada em
espiral que dava acesso ao pavilhão de cima.
A despeito da balbúrdia dos esfuziantes
participantes do evento, podia-se ouvir os golpes
dos saltos da anfitriã sobre os degraus
emadeirados a ressoar no ambiente.
A cada passo de Lorac na sua subida, os
olhos de Yared aguçavam-se para acompanhar
aquele desfile na passarela em forma de escada.
Sem piscar! Estava focado na altura da barra da
saia do vestido da dona. Ficou todo motivado a
ver mais daquelas pernas torneadas e bronzeadas
— as panturrilhas eram salientes e rijas,
demonstrando que a artista frequentava a
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academia de musculação. Ela transpirava saúde
e exuberância física.
Ao passarem adiante transpondo a soleira
da porta de acesso, e uma vez no interior da sala,
preparada adrede para ser o palco da
apresentação, pareceu terem cruzado um portal
tempo-espaço. Depararam-se com dúzias e
dúzias de pétalas de rosas — nas cores branca,
amarela e vermelha — que haviam sido soltas
por todo o assoalho. O piso tomara o aspecto de
um magnífico tapete persa de fina tecelagem
artesanalmente trabalhado. Estava pronto para
receber maciamente os pés nus das dançarinas.
As mulheres estavam bem vestidas e
ornamentadas com roupas e acessórios indianos.
Uma música instrumental tipo nova-era ressoava
docemente naquele ambiente transcendental. A
iluminação era de penumbra. À luz de velas, por
assim dizer. Pairava uma certa volúpia no ar.
Lorac se sentou com as pernas em posição
de lótus. A posição da meditação oriental ou de
Buda. Achegou-se bem ao lado de Yared. Seu
vestido curto ascendeu um pouco mais. Aquele
movimento deixou à amostra uma porção extra
de suas coxas. Tanto quanto as panturrilhas, elas
estavam tostadas em comparação com a cútis do
rosto de Lorac. O intelectual de idiomas, como
de camarote, não pôde deixar de contemplar
aquele incidente incitante. Afinal, estava sendo
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oferecido aos seus olhos com generosidade, com
liberalidade. Por que não se deleitar?
Pensamentos picantes tomaram conta da sua
mente, de imediato. Como fica sua flor-de-lótus
quando ela se senta nessa posição? Ela também
é ruiva lá embaixo?
Certa hora, após a performance de dança
ter sido saudada com aplausos entusiasmados, o
irmão de Yared disse num tom de brincadeira:
“Eu pensei cá comigo mesmo. Se essa
mulher subir primeiro, Yared vai transar com
ela!”
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Conflito: Razão versus emoção
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“Ela é uma senhora casada. Tem uma
família. Você está no seu juízo normal para não
se aproximar dela, não está?”
Para o fim e com o propósito de pacificar
suas longas ruminações em turbulência, ele deu
uma bronca no seu cérebro:
“Você é viúvo e tem uma vida social e
profissional estável. Tem mantido uma grande
família. Tem filhos e netos. E a propósito, você
não é mais um adolescente, não é mesmo?!”
Imediatamente sua mente respondeu com
um ressonante: NÃO! Yared estava sendo
carregado e impulsionado por uma força que
podia mais do que ele, à qual o lado racional do
seu cérebro relutava em se entregar. Teria que
escolher entre Lorac, emoção — o futuro, e a
razão — o passado.
Nessa altura da vida, não era nenhum
aventureiro para largar casa, filha solteira ainda
dependente financeiramente, seu conforto e seu
conceito na sociedade, para ir viver como
amante de uma mulher desconhecida na
instabilidade e no descrédito.
Entretanto, o encontro com Ani Lorac, na
feira de artes, veio reascender-lhe de súbito
aquela necessidade antiga de lar, de vida de
família, mesa posta, cama de lençóis limpos.
42
Na alma do linguista um conflito estava se
travando, um doloroso drama íntimo, entre a
razão e a emoção.
Por fim, foi vencido pelo sono. Todavia seu
coração se manteve acordado, em expectativa.
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pudesse começar com uma possível futura
parceria profissional.
O professor ficara dividido entre dois
valores de vida muito em desacordo entre si.
Dois caminhos irreconciliáveis a seguir.
Em certa ocasião, Yared lera num dos seus
livros preferidos:
“Há muitos caminhos errados, mas
somente um correto; e neste ninguém
pode nos guiar exceto Deus.”
Por conseguinte, uma decisão obrigatória e
pendente precisava ser tomada. Ele não tinha
como ficar indiferente.
Yared estava plenamente consciente de que
agir era responder a estímulos. Sendo esses de
diversas naturezas: morais, econômicos,
jurídicos, afetivos... toda ação exerce um
estímulo reclamando uma decisão, uma
resposta. A decisão é uma tomada de posição —
por vezes demanda coragem, como intrepidez
diante das situações!
45
ruins (do tipo difícil e complexo de resolver).”
— Mark Manson
47
conflitantes, como se ele fosse dois. Mas essa
separação estanque é lá possível?
Ter experimentado um convívio
pequeníssimo que fosse com aquela mulher de
cabelo acobreado lhe colocara diante de uma
nova conjuntura — um desafio.
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Exteriormente, eles estavam
definitivamente em desacordo entre si. De tantas
formas. Quanto a tantos princípios e valores.
Com relação à forma de encarar a vida e vivê-la.
Suas perspectivas davam a impressão de diferir
tão marcadamente como diferem o óleo da água
— os quais também não podem se misturar.
Interiormente, entretanto, ambos possuíam
características estritamente análogas — um
traço em comum. Buscavam uma nova
experiência de vida. Um relacionamento que
valesse a pena. Cada um a seu próprio modo.
Um oásis afetivo. Um amor verdadeiro, quem
sabe?
E eram aquelas semelhanças que estavam
atraindo um para o outro como um potente ímã.
Os corações e as mentes do linguista e da
artista estavam vinculados de uma forma ou de
outra.
50
2
Mudança de planos
51
I NDEPENDENTEMENTE
AQUELE EMBARAÇO, CHEGARA O
DIA D E A HORA H DO PRIMEIRO
ENCONTRO
ENAMORADO.
MARCADO
DE
PELO
TODA
PAR
53
Lorac: Rsrsrsrs!
Lorac: Obrigada!
Lorac: Até mais!
Yared: Eu disse: não vou aceitar não como
resposta!
Yared: Boa noite!
Lorac: Rsrsrsrs!
Lorac: Tudo bem!
Yared: Ok!
Lorac: Ótimo!
Lorac: Obrigada!
Yared: Meu prazer!
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meses — talvez três ou quatro. Ela pretendia
aumentar e atualizar suas atividades
profissionais, como todo bom empreendedor.
Sentindo seu coração extasiado com
admiração pelo empreendedorismo apresentado
pela artesã, Yared mantinha uma atitude solícita
de apoio naquele colóquio que era uma mescla
de negócios com um caso amoroso em gestação.
Ofereceu-lhe alguma ajuda, caso ela o quisesse
como sócio.
“Você sabe?” — começou ele.
“Tenho algumas economias guardadas
para qualquer emergência. Também para o
caso de surgir uma grande oportunidade. E eis
que estou diante de uma, e pretendo mudar
meus planos pessoais iniciando um projeto com
você.”
“Humm... é mesmo? Como o quê, por
exemplo?” — perguntou curiosamente a artesã.
“Se você não se importar muito eu poderia
investir algum valor no evento da Feira
Internacional de Arte. Talvez pudéssemos
começar uma parceria de negócios.” —
ofereceu generosamente o coach de idiomas, e
apurou seus ouvidos com uma atenção
respeitosa.
Lorac o olhou pensativamente e se
pronunciou aquiescendo:
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“Bem, nesse caso, acho essa uma excelente
ideia. Além disso, você pode conseguir um
grande lucro com seu investimento.”
Com lisonjas apropriadas, ela pareceu
fascinada pelo que ele dissera, por algum
motivo que ele não podia imaginar. Yared
percebeu perfeitamente que ambos estavam
abrindo as portas para uma aproximação cada
vez maior.
“Fechado! Alegra-me saber que você tem
interesse. Pode significar a abertura para
grandes oportunidades e bênçãos!” — assentiu
ele com um aceno de cabeça e sorriso largo.
“Tem alguma outra proposta a fazer em
prol da minha felicidade financeira, Yared?” —
inquiriu Lorac de forma jocosa.
“Não. Por agora, isso é tudo. Quem sabe
no futuro?” — comentou ele igualmente
irônico.
O fetiche da calcinha
58
Como agradecimento pela gentileza de ter
aceito seu convite, Yared tinha prometido
comprar um livro para a pequena filha de Lorac.
No térreo, o reservado professor observava
a artesã com atenção. Ele não conseguia tirar os
olhos de cima dela.
Num meneio de ancas, ela andava a passo
lento e elegantemente em meio às estantes a fim
de escolher a melhor opção para sua menina.
Movia-se com a graça surpreendente de uma
bailarina.
O empresário linguista, já cheio de desejo,
ficou olhando para aquela mulher com cabelo
acobreado. Seus olhos viajaram de cima a baixo
no seu corpo. Ela quase dançando, enquanto
caminhava sem se apressar por entre os espaços
das estantes de livros, era uma atração
imperdível para os seus olhos.
Mesmo usando um vestido longo e solto, o
volume arredondado dos seios e quadris eram
visíveis por baixo daquela peça singular de
roupa. Yared estava bem atento para não perder
um segundo sequer daquele desfile cheio de
charme e sensualidade proporcionado pela sua
marchand.
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Havia-se passado algumas horas desde o
início daquele primeiro cordial encontro. O
linguista ainda estava decidido a não perder a
chance de tocar o corpo da artista movido pela
curiosidade e pelo desejo.
À medida que Lorac caminhava em direção
ao caixa, Yared, já aceso, não conseguindo se
conter, deslizou a sua destra rapidamente pelo
lado direito do quadril da mulher. Ele estava
apenas aparentando guiá-la pelo caminho até o
caixa. Varria o corpo da dona com os olhos
apertados, se detendo nas coxas, nos peitos, na
bunda.
Aqueles simples cinco ou dez segundos de
contato físico foram suficientes para Yared
detectar que Lorac estava usando uma calcinha
tamanho M.
As pessoas na região onde eles moravam
costumavam zombar ao chamar essas peças
íntimas jocosamente de “calcinhas bem
comportadas”.
Conforme o rastreamento do seu radar,
Lorac poderia ser levada em conta como uma
dona de casa de boa índole. Esse era o tipo de
mulher a ser aceita como uma futura parceira
romântica. Em sua mente, havia uma tremenda
61
quantidade de evidências para admitir tal
“vaticínio”.
62
seu inconsciente, mas, que delimitam o seu
querer, suas escolhas. Eles são essenciais para
que tomemos as decisões.” — Fernando
Freitas CS
A viúva negra
63
Eu definitivamente não gostaria que meu
companheiro fosse flagrado numa sala de
cinema com outra mulher.” — respondeu ela
com seriedade.
Esse rebate pegou Yared de surpresa. Ele
ainda guardava na mente o comentário de Lorac
sobre sua proposta de jantar fora.
“Seria uma ótima ideia. Preciso conhecer
novas pessoas. Preciso de um pouco de lazer.
Da próxima vez, quem sabe?”
Como tal, ingenuamente esperara por uma
resposta positiva de sua possível futura
companheira comercial. Ou seria parceira
romântica?
No entanto, no fundo, ele estava
plenamente ciente de que aquilo era apenas um
toque de sensualidade envolto numa falsa
moralidade. Essa última observação da artista
não batia de forma alguma com a resposta sobre
um possível jantar a dois.
64
guardar silêncio, num segredo só dela e do novo
amigo, ela se abriu:
“Às vezes, sinto vontade de ficar viúva!”
Aquela revelação pareceu ser um
contrassenso para um primeiro encontro com
um total desconhecido. Uma esposa lhe dizendo
que tinha o desejo oculto de que seu marido
morresse era uma atitude muito arriscada e
leviana! Que absurdo tudo aquilo!
No que dizia respeito a Yared, essa era uma
observação de todo inusitada. Ele mais uma vez
teve a nítida impressão de que aquela mulher
estaria num relacionamento em enorme medida
perturbado. À beira da falência. Prestes ao
rompimento. Ela estaria de todo insatisfeita com
seu parceiro atual. Sua vida estava um marasmo
e talvez desejasse fazer uma nova experiência.
Sem volta
66
Yared: Sim.
Lorac: Posso realmente falar?
Yared: Sim.
Lorac: Espero que você não fique triste.
Yared: Não.
Lorac: Mas eu fiquei um pouco envergonhada às
vezes quando você...
Lorac: Você me tocou...
Lorac: Fiquei envergonhada.
Yared: Desculpe, eu não queria — foi uma coisa
de amigos.
Yared: Eu não quis fazer isso.
Yared: Fiquei feliz com sua companhia.
Yared: Senti vontade de te abraçar.
Yared: Foi isso. Eu sinto muito.
Yared: Quando o assunto é entre um homem e
uma mulher é sempre uma situação complicada.
Yared: Você sorriu, chorou, se emocionou,
confessou assuntos íntimos, então senti uma
grande empatia por você.
Yared: Foi uma coisa de amigos, acredite.
Yared: Eu não tinha outra intenção.
Yared: Fiquei feliz com nossa amizade.
Yared: Eu me sinto muito mal. Na verdade, me
sinto horrível.
Yared: Nunca pensei que te causaria algum
constrangimento.
Yared: Pensei até agora que aquele tinha sido
um bom encontro pra nós dois.
67
Yared: Mas, eu estava enganado.
Yared: Como tudo é complexo e às vezes sem
sentido.
Yared: Deus do céu, Lorac! Eu não sei o que
dizer.
Lorac: Yared, adorei conversar com você
também. Estávamos muito em sintonia. Foi tudo
muito interessante. Eu não queria que você se
sentisse mal.
Lorac: Mas eu fiquei envergonhada por vários
motivos. Além de casada, tipo se algum
conhecido aparecesse, tenho certeza que não
interpretaria como uma simples amizade.
Yared: Estou extremamente envergonhado.
Lorac: Há coisas que você não pode explicar
pelo zap.
Lorac: Mas é bom conversar pessoalmente.
Lorac: Não fique assim.
Lorac: Você foi super legal comigo.
Lorac: Cuidadoso.
Lorac: Vamos nos encontrar pra falar sobre
nossa parceria.
Lorac: Então vamos falar sobre tudo
pessoalmente.
Yared: Não sei.
Yared: A parceria continua.
Lorac: Sério?
Yared: Mas, eu vou ter dificuldade em olhar pra
você novamente.
68
Yared: Não sei.
Yared: Oh, meu Deus!
Lorac: Uau, Yared!
Lorac: Nada a ver... você ficar assim.
Yared: A vergonha foi a última coisa...
Yared: ... Eu queria causar a você.
Yared: Eu estava tão feliz com tudo.
Yared: Por você.
Lorac: Eu também estava feliz.
Yared: Por sua filha.
Lorac: E no clima pra mais conversa.
Yared: Pelas ideias.
Yared: Projetos possíveis.
Lorac: Já que estou na casa da minha sogra, não
posso nem te enviar um áudio.
Lorac: Desculpe te deixar assim... Eu não queria
te deixar triste. Nem envergonhado.
Yared: Tudo bem.
Yared: É melhor assim.
Yared: Você foi sincera.
Yared: O erro foi meu.
Lorac: É como eu te disse... às vezes eu falo
com rodeios. Outras vezes sou muito direta...
não sei usar o meio termo. Isso é um defeito
meu.
Yared: Eu deixei a sensação de ternura que eu
estava sentindo no momento ir longe demais.
Yared: Desculpe!
69
Lorac: Posso ter interpretado mal sua afeição...
mas é porque isso nunca aconteceu antes.
Lorac: Sou muito intensa em tudo que faço.
Lorac: E então...
Lorac: Isso é tudo o que é preciso.
Yared: Eu também.
Lorac: Eu posso ser incompreendida ou ser o
contrário.
Yared: Não, tudo bem.
Yared: Eu te entendo.
Yared: E eu aceito.
Lorac: Eu realmente gostaria de poder falar com
você para explicar melhor.
Lorac: E não te deixar assim.
Lorac: Do jeito que você está agora.
Lorac: Se interpretei mal sua afeição... me
desculpe também.
Yared: Vou refletir profundamente sobre isso.
71
condenado a uma avalanche de problemas,
dificuldades e agruras próprias. Seria uma
experiência arriscada considerada singularmente
audaz e perigosa.
72
Yared: E então que plano você tem em mente?
Yared: Rsrsrsrs.
Lorac: Não sei o que dizer.
Lorac: Sem pensamentos no momento.
Yared: Diga o que quiser.
Lorac: Mas você poderia pensar por mim... e
me propor.
Yared: Você quer me ver?
Lorac: Acho que seria interessante... como foi
antes.
Lorac: Temos coisas pra conversar.
Yared: Sim.
Yared: De fato.
73
Lorac: Se for à noite, como eu chegaria em
casa?
Lorac: Você me traria?
Yared: Você pode pegar um Uber de onde
estivermos.
Yared: Até o seu apartamento.
Yared: Sem problemas com o horário.
Lorac: Hum... Tudo bem.
Lorac: O final da tarde seria melhor?
Yared: No final da tarde, e teremos a noite
também?
Lorac: Sim.
Yared: Um...
Yared: Com uma ruiva tanto tempo?! Rsrsrsrs.
Lorac: Ohhhh, você deve se controlar! Rsrsrsrs.
Yared: Isso é muito irresistível pra mim! Mas
vou me esforçar.
Lorac: Pare com isso... Isso me deixa
envergonhada.
Yared: Não precisa, estou brincando com você.
Lorac: Vejo você às 5:00hs na Livraria.
Yared: Se você for maquiada e ficar linda como
uma daquelas bonecas que você faz, eu não sei.
76
“Na Odisseia de Homero, a deusa Circe
adverte o viajante Odisseu sobre a voz sedutora
das Sereias e sobre como essa bela voz,
inevitavelmente, atrairá ele e sua tripulação à
morte. A natureza curiosa de Odisseu fica entre
o desejo de ouvir o som das vozes e o medo de
onde elas irão levá-lo. Por isso, conhecendo
sua própria fraqueza e desejo, e obedecendo as
instruções de Circe, ele mesmo se amarra ao
mastro, de modo que, ao ouvir a voz atraente
das Sereias, não seja tentado a segui-la para
sua destruição. Ele também cuida para que os
ouvidos de sua tripulação sejam cheios de cera
de modo que eles não ouçam a voz das sereias
nem seu próprio choro, pedindo para ser
desamarrado a fim de seguir as vozes. Odisseu
nunca deveria ter chegado tão perto das
Sereias, mas não obstante, esta história contém
muita sabedoria. Se sabemos que vamos ser
tentados por algo que nos causará problemas e
não sabemos ao certo se poderemos resistir,
podemos pensar lá na frente e colocar em seu
devido lugar coisas que irão nos coibir quando
chegar a hora de enfrentá-las.” — Graham
Tomlim
77
Dessa vez, era uma garota estilo top model.
Aquela mulher não parecia a mesma artesã
humildemente vestida do último encontro. Ani
Lorac estava usando um vestido preto. Justo.
Estiloso. Curto e sensual. Ostentava um anel
graúdo e brilhante no dedo do meio da mão
esquerda. Colocara uma maquiagem sexy. Tinha
os lábios perfeitamente pintados, e sorriu para
ele de forma voluptuosa. Yared a observou
atentamente. Seus olhos vasculharam-na mais e
mais da cabeça aos pés.
Onde estava o mastro, ao qual Yared
pudesse se amarrar?!
“Oi!” — respondeu ele. “Você está linda.
Valeu a pena esperar.” — acrescentou.
“Obrigada. Meu cliente merece o melhor
de mim.”
A forma de vestir, falar e agir de Lorac
lembrou Yared das atividades das garotas de
programa. Isso era expresso na sua postura
corporal, no gestual, na expressão facial e na
voz.
Em verdade, o corpo traduz a alma para o
que é visível — como já afirmara Christian
Morgenstern — autor de versos em estilo
nonsense.
Entretanto, o linguista já estava cativado
pela beleza, excentricidade e atitudes
78
desprendidas, por que não dizer, imprudentes da
bela artista.
Parecia que ela estava revisitando seus
sonhos de mulher. Aqueles encontros a estavam
colocando mais próxima de seus desejos
íntimos. E estava pronta para investir, pronta
para estar linda nos compromissos com o coach
de idiomas era indispensável. Gostar de se
maquiar para encantar era algo do qual ela não
devia nunca abrir mão.
79
trata de toda a trama que envolve sedução,
conquista e relacionamentos com o sexo oposto.
Já os homens cometem erros grosseiros e
reveladores nas suas aventuras extraconjugais,
ou mesmo nas suas relações afetivas.
82
torneadas e grossas apareceu para seus olhos
atônitos.
“EI LORAC!” — gritou colocando a
cabeça para fora da janela.
“Puxa teu vestido pra baixo. Tua calcinha
tá quase aparecendo. As pessoas vão começar a
te azarar!” — acrescentou.
A mulher se virou e olhou em sua direção.
Seu rosto se abriu de satisfação e murmurou:
“Sim, meu rei! Você ordena e eu
obedeço.”
Essa foi a primeira vez que ela se dirigira
ao empreendedor de idiomas por aquele epíteto.
Seu rosto se abriu de alegria e uma onda de
contentamento e orgulho varreu a mente e o
coração de Yared.
Meu rei, meu rei, meu rei, Ele repetiu
várias vezes mentalmente, determinado a jamais
esquecer aquelas duas palavras que soaram
como um melodioso elogio.
Ele com bochechas arqueadas, olhos
arregalados, sobrancelhas levantadas e
marquinhas enrugadas ao redor dos olhos se
sentiu especial e um conquistador. Considerou-
se o mais venturoso dos homens.
Imediatamente depois, se despediram.
Lorac desapareceu por trás de algum casarão,
numa das esquinas das ladeiras da cidade alta, e
Yared foi direto para casa.
83
Por volta das 8:00 da manhã do dia
seguinte, Lorac enviou uma mensagem de texto
via WhatsApp. Ela postou uma foto sua em
anexo. Deu a impressão de que estava
apreensiva e esgotada.
Yared perguntou:
“Onde você está agora? Não foi pra
casa?”
“Não! Ainda estou na casa da minha
amiga. Não estou com vontade de voltar pra
casa. E afinal, sei que a briga vai ser grande!”
Yared lhe deu o seguinte conselho:
“Não! Vá pra casa! Você ainda tem um
parceiro. Uma filha pequena. E uma casa pra
cuidar. Diga ao seu companheiro que se
atrasou. Diga que não pôde voltar pra casa
tarde da noite. Fala que decidiu dormir na casa
de uma amiga. Vai ficar tudo bem.”
Assim fez Lorac. E mais tarde naquele
mesmo dia, ela lhe enviou outra mensagem.
Tudo estava sossegado.
84
por esta razão, que ela estaria livre para começar
um relacionamento amoroso com ele. Aquilo era
apenas uma questão de tempo. Muito pouco
tempo por sinal.
3
Troca de amantes
MAIS.
E LORAC
ALMOÇAVAM
SE
ENCONTRARAM POR QUATRO OU CINCO
VEZES E
85
JANTAVAM JUNTOS DE VEZ EM
QUANDO. Iam para shopping centers.
Frequentavam espaços festivos e dançavam.
Sempre com seus corpos coladinhos. Peito no
peito. Coxa na coxa.
Verdadeiramente eles formavam um belo
par. Ele; compleições físicas de
afrodescendente, esguio e com uma vitalidade
corporal invejável, cabelos pretos com alguns
fios que já haviam assumido a coloração branca
brilhante de prata, pele morena bronzeada. Ela;
bem atraente, corpo mais para o tipo mignon,
muito esbelto, de pernas bem torneadas, cabelos
vermelhos como uma brasa incandescente que
lhe caíam sobre os ombros como cascatas de
cobre, pele sobremodo clara com sardas
salpicadas aqui e ali no rosto e pelo pescoço.
Por diversas ocasiões as pessoas se
dirigiram a eles os tomando como estrangeiros,
turistas, visitantes de outras terras.
Lorac costumava conversar tempo sem fim
sobre a sua vida. Negócios. Seus
relacionamentos frustrados do passado. E seus
planos para o futuro.
Em se tratando da vida um do outro, com
efeito, ambos não sabiam nada a respeito. Da
mesma forma não conheciam nenhum de seus
familiares e seu círculo íntimo. Eles eram
pessoas em tudo estranhas entre si. Todas as
86
informações que vinham obtendo sobre suas
existências lhes chegavam mediante as suas
próprias narrativas pessoais.
Don Juan
O casal conversava em tempo real via
aplicativo de troca de mensagens todos os dias.
Numa frequência de duas ou mais vezes diárias.
De maneira geral, de manhã cedinho, e à noite,
bem tarde, antes da hora de dormir.
Certa feita, Yared mencionou a Lorac sobre
sua artimanha para conquistar mulheres
mediante intenções e atos. Ele havia intitulado
esse seu jeito de se achegar ao sexo feminino de
Técnica 3As.
Só o fato de o professor ter lhe revelado
que ele empregava uma certa estratégia para
conquistas amorosas foi suficiente para a artista
manifestar uma curiosidade sem tamanho em
saber. Ela insistiu continuamente até ele decidir
lhe explicar.
“Bem... — disse Yared.
Já que você quer conhecer minhas
estratégias de conquistar mulheres, eu vou te
revelar.”
87
“Mas só se me prometer não espalhar por
aí, porque é algo confidencial. Ok?” —
perguntou ele sorrindo.
“Sim, claro, meu rei maravilhoso! Posso
lhe prometer com segurança que nunca vou
falar sobre isso com alguém. Sei guardar um
segredo tão bem como um cofre. Pode confiar
em mim.” — lhe assegurou Lorac.
Yared começou a detalhar sua técnica “a
la Duan Juan” para os ouvidos atentos da sua
candidata ruiva no outro lado da linha.
88
pudor. As mulheres daquele tempo
desenvolviam um sintoma psicológico que foi
chamado de histeria. Era uma reação anormal
à intensa repressão sexual que lhes era imposta.
Freud explica!” — sorriu o linguista.
“Quando o conquistador perceber que sua
pretendente já desfruta da sua companhia por
causa do clima solto e divertido, sorrindo
livremente com suas histórias, papos e até
piadas, ele sabe que chegou o momento de
iniciar a segunda etapa — o segundo “A”, o
“2ª”.” — elaborou ainda mais.
“Essa é a fase em que a mulher irá dar
‘abertura do coração’. Pois, estarão removidos
os empecilhos e as limitações psicológicas que
a impedem da proximidade com o sexo
masculino. Ela se encontra pronta e disposta
para falar as coisas que guarda na sua
intimidade. Uma verdadeira confiança e
amizade se estabelecem entre ambos. É muito
prazeroso compartilhar sentimentos e
pensamentos além da trivialidade do dia-a-
dia.” — continuou Yared com sua explicação.
“Agora, depois de superadas as fases 1 e
2, a terceira, qual seja, o terceiro “A” — o
“3ª” — simboliza a ‘abertura das pernas’.
Invariavelmente, se o homem conseguir com
habilidade, paciência e acolhimento conduzir a
mulher pelas duas primeiras etapas, terá como
89
prêmio e recompensa a entrega sexual de sua
namorada.” — detalhou ele.
“Daí, existe técnica até para se conquistar
uma mulher. Aliás, técnica pode ser definida
como uma melhor maneira de fazer alguma
coisa.” — finalizou com um sorriso.
90
“Mas aí, quer dizer que só me resta o 3ª? ”
“Um...hum...” — respondeu Yared rindo
com vontade.
Migalhas de prazer
Era de novo quase Natal daquele ano.
Yared tinha uma filha morando em outra cidade.
Ela estava vindo com suas netas para vê-lo nas
festas natalinas. Pai e filha marcaram um
encontro num shopping próximo. Eles se
encontrariam. Conversariam. Fariam uma
refeição leve, juntos em família. E o avô
compraria alguns presentes de Natal para as
meninas também.
Yared aproveitou a oportunidade para
marcar um novo e decisivo bate-papo com
Lorac. Eles se encontrariam no mesmo
shopping e sairiam para jantar.
Desse modo, após a celebração doméstica,
o casal voltaria a se ver.
91
esquerdo, e a ruiva tinha um riso de felicidade
estampado na sua clara face salpicada de sardas.
Como prometido antes, ele pagou por suas
roupas novas. Ela também cuidou de que suas
unhas fossem cuidadosamente manicuradas.
Além disso, recebera uma massagem relaxante
nos pés naquele final de tarde. Feito isso, foi ao
banheiro trocar de roupa.
Meia hora mais tarde, a dona de cabelo
acobreado apareceu diante do linguista com um
olhar sedutor. Aquele vestido preto estava
posicionado no meio das pernas. Era apertado.
Sua parte superior era ainda muito mais justa.
Os seios de Lorac estavam espremidos na parte
de dentro insinuando seus pequenos mamilos. O
perfil dos seus quadris se destacava.
Ela deu uma rápida voltinha para a
apreciação do seu admirador. O Casa Branca
poliglota apreciou a curva bem definida da
bunda da artista. Firme e empinada. Aquela
visão acendeu seus instintos sexuais como eles
raras vezes haviam sido despertos antes.
92
mantido totalmente abstêmio. Por conseguinte,
estava com uma acentuada vulnerabilidade
nessa área — naquela situação, migalhas de
prazer significavam um banquete para sua
libido.
O maridão e dedicado chefe de família de
forma alguma, tinha sido dado a relações
extraconjugais. Sequer tampouco tinha mantido
relacionamentos com amantes no decorrer do
seu casamento.
Por exceção, tinha havido alguns raros
casos de flerte. Pega-aqui-pega-ali. Amassos e
beijos rápidos com algumas alunas mais
oferecidas. Todavia, para seu padrão de
princípios e valores ele tinha sido fiel até que a
morte os separe. Literalmente. Como de fato
acontecera.
93
Quase podia ouvir o TUM-TUM dentro do
próprio peito.
Como ele havia imaginado antes — não
haveria mais volta a partir dali.
94
Yared tinha sido policial tempos atrás.
Nesse trecho da sua vida, tinha sido treinado
para reconhecer narcóticos e pessoas viciadas
em drogas. Fazia parte do seu trabalho naquela
fase da sua vida. Sabia muito bem, por
experiência própria, que a fumaça e o odor
vinham dos cigarros de maconha. E sabia muito
bem que os supostos inocentes usuários de
drogas eram de fato sócios de traficantes.
Havia largado a carreia de policial a pedido
da sua mulher. Sua noiva naquela época. A Sra.
Lovingdale tinha um espírito pacífico. Altruísta.
Cordial. Abominava violência e conseguira
convencer seu noivo a fazer a migração de
carreira.
Desse modo, Yared pediu afastamento do
serviço público. E escolhera se dedicar
exclusivamente à educação como professor de
idiomas.
É uma dádiva a capacidade singular do ser
humano de escolher sua senda e descobrir um
significado em toda experiência empreendida.
95
futura companheira também estivesse bem
familiarizada com o assunto das ervas.
Se bem que, o momento não era acertado
para se discutir tal tipo de caso. Afinal de
contas, estavam indo para um happy hour. Em
qualquer outra ocasião. Quem sabe?
96
Já no restaurante foram servidos com o
prato preferido de Yared — salmão com salada.
O garçom também trouxe cervejas para a mesa.
Eles estavam desfrutando de um magnífico
jantar e momento na companhia um do outro.
Yared convidou Lorac para o salão de
dança. Dançaram uma. Duas. Três músicas
juntinhos. À queima-roupa. Peito no peito.
Coxas nas coxas.
Como a mulher pôde dançar sem a menor
dificuldade e com grande prazer acompanhando
muito bem seus passos, ele ficou encantado por
ter achado uma boa dama. Yared era reputado
nos arredores como pé-de-valsa — título usado
para alguém que domina a arte da dança.
97
Ela tinha um ar de riso ao dizer aquelas
palavras. Seu rosto se iluminou vitoriosamente.
“Falou pouco e disse tudo!” — meneou a
cabeça triunfantemente o linguista.
Yared, no entanto, mais cauteloso e
racional, lhe disse que não iria embarcar num
relacionamento a três. Respeitava o homem do
outro lado. Era contra a sua vontade perturbar a
vida dela. Muito menos a sua própria. Por essa
razão, se ela realmente estava prestes a começar
algo com ele, e por nenhum outro motivo, teria
que resolver a situação daquele casamento falido
primeiro. Todo o resto seria consequência
automática.
Parceiro descartado
Era uma manhã de domingo ensolarado. O
límpido ar com cheiro suave de maresia
anunciava um quente dia de verão com calor
causticante. A cidade abafava de calor.
Yared, a convite, estava na casa da sua mãe
para almoçar. Seu irmão e sua namorada
também haviam sido convidados para aquela
confraternização familiar de final de semana.
Faltando ainda algum tempo para que o
almoço fosse servido, resolveram descer e
seguir em direção às areias brancas das praias do
98
seu bairro. O reflexo do sol lhes cegava os
olhos.
O litoral estava salpicado com guarda-sóis
de tamanhos e cores sem conta. As pessoas se
refrescavam como podiam. Bebiam cervejas.
Água de coco. Cachaças. Mergulhavam na água
azul celeste daquele mar paradisíaco. Iam para
debaixo dos chuveiros públicos. As crianças
corriam alegremente de um lado para o outro
com suas pipas. Suas boias salva-vidas. Seus
pets. O comércio estava tão aquecido quanto a
temperatura local. Os camelôs vendiam de tudo
que se possa imaginar.
Em determinado momento, o Multilaser G2
de Yared tocou. Lorac estava do outro lado da
linha.
“Já decidi! Vou encarar essa experiência
com você! Quero ficar com você. Não tenho
mais condições de manter esse casamento
tóxico e doentio. Está me deixando louca!”
A artista estava nervosa e chorando muito.
Yared lhe pediu para se acalmar e certificar-se
novamente da sua intenção, consideração e
atitude. Ela falou que era definitivo.
Adicionou:
“Amanhã vou dizer a ele que estamos nos
separando. É impossível continuar! Não quero
mais ficar nessa vida infernal!”
99
“Quando alguém se decide por uma coisa,
geralmente precisa abrir mão de outra. A coisa
pela qual se decide é aquilo que é, que se
realiza. A coisa de que se abre mão comporta-
se, em relação ao que é e que se realiza, como
um não-ser.” — Bert Hellinger.
100
Yared postou uma música no zap de Lorac
em homenagem ao início daquele romance entre
as línguas e as artes.
102
“Você não é produto das circunstâncias,
você é produto das suas decisões.” — Viktor
Frankl
103
Chegando à hospedaria, e antes de partir
diretamente para a transa com a artista, o
linguista a levou para uma grande praça que
ficava a alguns quarteirões da hospedaria onde
iriam pernoitar. Da mesma forma, essa praça
ficava a poucos metros da praia. O local de
encontro público estava lotado de pessoas
eufóricas se divertindo com a celebração de um
feriado local.
Lá, Yared foi com Lorac até onde estava
havendo a apresentação de uma ciranda — uma
típica dança grupal nordestina. As pessoas
dançam se dando as mãos numa roda que vai e
vem. Aproximando-se para dentro do centro do
círculo. Afastando-se para fora do centro do
círculo. Oscilando como as ondas do mar.
Enquanto ele estava fora da roda de dança, ali,
de pé, em meio a aplausos de irrequieto grupo
de outros espectadores, batendo palmas ao som
da música rítmica, sua namorada estava dentro
dançando alegremente.
104
O jantar corria perfeitamente bem, quando,
de súbito, Lorac ficou extremamente irritada por
ter achado uma pequena espinha de peixe
perdida na comida. A ruiva ficou muito nervosa
e começou a esbravejar.
A derradeira coisa de que Yared precisava
naquele momento era uma confusão em pleno
jantar romântico, e tentou acalmá-la:
“Querida, por favor. Não deixe essa
pequena espinha estragar nossa grande noite
que temos pela frente.”
Ela reagiu num azedume:
“Isso é um absurdo! É insuportável.
Estamos pagando uma conta cara. Isso nunca
deveria acontecer. Vamos ligar para o gerente e
registrar uma reclamação.”
O homem se distingue por meio de seu
copo, seu bolso e sua raiva. Por este motivo,
podemos tomar conhecimento do caráter das
pessoas mediante sua conduta quando come, o
modo como usa seu dinheiro e observando seu
temperamento.
Sem sucesso, o linguista com muito tato
fizera esforços tentando desviar a conversa a fim
de evitar qualquer incidente indesejável pouco
antes da primeira noite de amor do par. Afinal, a
vida é curta demais para ser desperdiçada com
raiva ou angústias.
105
Lorac pediu sem rodeios a Yared que
chamasse o gerente à sua mesa. Ele para tanto o
fez para impedir que as coisas se agravassem.
Quando chegou, o gerente tentou soar o
mais amigável possível ao explicar o que havia
acontecido. No entanto, Lorac interrompeu seu
esclarecimento jogando um monte de palavras
duras contra aquele estabelecimento.
“Sentimos muito, senhora!” Por favor,
aceite as nossas desculpas. Vou pedir outro
prato igual para a senhora de graça.” —
colocou o funcionário da empresa.
Yared se pronunciou:
“Pelo amor de Deus, Lorac! Pare com
isso! Você tá fazendo uma tempestade num copo
d´água! Olha aqui! Relaxe! É claro que o
restaurante cometeu uma falha. Mas o gerente
já se desculpou educadamente. Como se já não
bastasse, ele nos ofereceu outro prato de graça
ou nosso dinheiro de volta. Isso é o suficiente.
Não é?”
A mulher respirou fundo. Deu um suspirou
abafado de exasperação. Recuperou a postura. E
falou com voz decidida:
“Ok! Ok! Vamos receber o nosso dinheiro
de volta e sair daqui agora mesmo. Que assim
seja! Ainda me sinto muito afrontada. Poderia
ter tido um problema de saúde. VAMOS
EMBORA!”
106
A massagem tântrica
Num de seus inúmeros bate-papos por meio
do aplicativo de mensagens, Yared contara a
Lorac que era um massagista tântrico. A
marchand ficara muito excitada e muito
enciumada em tomar conhecimento dessa sua
aptidão.
Ela lhe fez muitas perguntas sobre o
assunto. E o linguista recheou sua explicação
com detalhes referentes para dar a conhecer a
sua competência. Minudências dos prazeres e
deleite das clientes foram informadas. A partir
daquela narrativa, ele percebera o quão irritada
sua namorada havia ficado. Notara o seu grau de
interesse grande demais pelo tema.
“Bem, esse tipo de massagem é mais
terapêutico do que qualquer outra coisa.” —
começou o linguista em sua explanação.
“Para a mulher, se chama ‘massagem yoni’
— ou massagem na área genital. Pode-se usar
óleos relaxantes e aromáticos a gosto e escolha
da cliente.” — prosseguiu o massagista.
“Essa prática não significa fazer sexo. Não
é um coito. Existe técnica e seriedade. Com
vistas a quê? Com o objetivo de fazer com que a
107
mulher relaxe. Descarregue as tensões nervosas
acumuladas. Acima de tudo, se ela tiver
vivenciado períodos de anorexia de intimidade
prolongada.” — acrescentou Yared.
“Meu rei!” — exclamou Lorac.
“Você tem tantas habilidades excelentes.
Essa me surpreendeu que é uma beleza! Não
sabia nem que existia esse tipo de massagem,
muito menos que você soubesse aplicar.”
“Sim, sei. Fiz curso para isso. Já atendi
várias clientes. Ficaram satisfeitas, viu? ” —
disse ele com um sorriso maroto.
“E elas...? Elas...?” — a dona de cabelo
ruivo acobreado já bem agitada iniciou a
pergunta que Yared completou:
“Gozaram? É essa sua pergunta, né?” —
indagou ele com uma risada.
A artista deu uma gargalhada
surpreendentemente profunda e imoral do outro
lado da linha.
“Sim. Algumas sim. Outras não.”
“Algumas com gritos de prazer!” —
acrescentou ele rindo.
“SEU TARADO SAFADO!” — exclamou a
artista gritando.
“Minha querida Lorac, não seja tão
preconceituosa. Esse tratamento nada tem a ver
com tara ou safadeza.” — tentou acalmá-la o
massagista.
108
“Este é um método de cura interior e
exterior indiano milenar. Seu objetivo é a
liberação de tensões congestionadas. O
massoterapeuta apenas serve de instrumento
para o alívio da paciente.” — explicou mais
detalhadamente.
“Sei não, viu?! Tenho muita coisa ainda
pra aprender na vida.” — se lamentou ela.
“Vivendo e aprendendo minha querida.”
— finalizou Yared sorrindo.
109
semi transpassado no busto e em tecido de
malha resistente e de toque macio. Trazia na
mão direita um pequeno frasquinho de vidro
marrom escuro. Os olhos do coach de idiomas
estavam a ponto de saltar para fora das órbitas.
Yared se sentou ereto na cama com um
impulso repentino. Ele já havia admirado os
dotes físicos daquela dona arruivada usando
roupa. Agora sua forma delineada, saudável e
exuberante se tornara algo que nenhum homem
poderia se decepcionar ao contemplar ao vivo e
a cores.
Aos poucos, lentamente, pé ante pé, Lorac
se aproximou da cama sem fazer ruído. Deu um
passo adiante e entregou de maneira delicada o
frasquinho que estava parcialmente oculto na
sua mão direita. Deitou na posição de bruços ao
lado do seu massagista. Cruzou os tornozelos no
ar, com um brilho malicioso nos olhos e
esboçando um sorriso mal-intencionado, se
declarou:
“Estou pronta pra minha primeira
massagem yoni, meu rei!”
“Vou lhe dar a melhor massagem que você
já teve na vida, sua ruiva gostosa e tarada!” —
respondeu Yared àquele estímulo provocador
esboçando um ar de riso libidinoso.
Yared, com o pequeno vidro na mão, tirou
a tampa e sentiu o recipiente exalar um
110
irresistível perfume afrodisíaco à base de
essência de ervas. Impresso em letras
maiúsculas destacadamente no rótulo, se lia:
ÓLEO PERFUMADO — IDEAL PARA
MASSAGEM RELAXANTE.
Daí em diante, não restava coisa alguma
mais a fazer. A massagem yoni tinha de
acontecer... infalivelmente. Yared já não via
nada, só via seu desejo, a vontade que tinha do
corpo da ruiva. Agora tinha que exercer sua
função de massoterapeuta tântrico com a sua
cliente de cabelo vermelho acobreado que estava
deitada sensualmente ao seu lado. A sua
disposição.
O massagista deixou cair um fino fio
daquele líquido oleoso e aromatizado sobre as
pernas da sua bem-amada. Começou a
massageá-las suavemente. Deslizou suas mãos
pelas rijas panturrilhas sentindo a musculatura
malhada. Concentrou a pressão sobre as solas
dos pés, macias e cor-de-rosa. Deu uma firme
compressão no estilo shiatsu. Depois pressionou
ainda mais fortemente. Quando seus dedos
subiram até a altura da bunda, Lorac deixou
escapar um grito de prazer bem baixinho, porém
audível.
Mais óleo foi derramado sobre as costas da
ruiva. Yared deslizava com suavidade. Depois
111
com mais pressão. Em seguida, com mais força.
Lorac soltou um gemido alto.
Ele desprendeu o fecho da parte de cima do
maiô, deixando os seios completamente livres e
expostos. As auréolas eram rosadas e de círculos
perfeitos em torno de bicos miúdos e eriçados.
Agora, a cliente já estava deitada de costas,
com as pernas ligeiramente entreabertas. O
massagista derramou mais do líquido do prazer
sobre os seios da artista. Tomou-os em suas
mãos. Acariciou os mamilos que já estavam
duros pela excitação provocada pelo frescor e
perfume do óleo combinados com o contato
físico da pegada do massagista. A mulher soltou
um gritinho enquanto se contorcia com aquelas
carícias extasiantes.
Yared escorregou suas mãos pela barriga e
pela pélvis da cliente. Ela estava trêmula e
ofegante. Seu corpo se contorcia com o toque
macio. Com o toque lento. Com o toque forte.
Com o toque acelerado. Seus olhos se
reviravam. Aquele toque abrasava sua pele e
preenchia suas veias de fogo.
Yared baixou seu traje de banho por
inteiro, e deixou de fora a púbis da sua mulher.
Quando os primeiros pingos daquele óleo
paradisíaco caíram sobre sua região genital —
devidamente depilada para a ocasião — a artista
deu um grito alto de tesão.
112
Rapidamente, o massoterapeuta aproveitou
a oportunidade e começou a esfregar seu clítoris
todo lubrificado e perfumado com a mistura do
óleo e do mel vaginal. A ruiva, numa sequência
de “AIS”, gozou loucamente. Ani Lorac teve
um orgasmo intenso e ruidoso com aquela
massagem yoni que seu namorado a havia
proporcionado com esmero.
Aquele foi o primeiro contato físico íntimo
do casal. Yared estivera morto de vontade de
deitar com ela e penetrá-la. Ela também estava
querente.
113
de Yared. Seus cabelos cacheados e
avermelhados cintilavam à luz quente do astro
rei.
Foi uma visão magnífica. Uma imagem
artística — digna de um belo quadro. O
linguista, em êxtase puríssimo, ficou feito bobo
fitando a beleza desnuda da mulher.
“Estou admirando a beleza do raio do sol
sobre sua pélvis cor de cobre. Muito bonita essa
visão!” — disse ele embevecido a sua bem-
amada.
Ela moveu o rosto em sua direção e passou
a olhar para ele com olhos penetrantes.
Segundos passados, lhe disse com lascívia na
voz:
“Aproveita, meu rei! Desfruta! Sou toda
tua agora!”
Yared de fato se sentiu um rei ao lado da
sua rainha.
114
Ambos foram para suas casas. Para suas rotinas
habituais. A vida real os aguardava.
Contraditoriamente, suas realidades haviam
mudado com aquele encontro. Homem e mulher
estavam agora vinculados. E PARA SEMPRE!
FOLHETIM
Se acaso me quiseres
Sou dessas mulheres que só dizem sim
Por uma coisa à toa, uma noitada boa
Um cinema, um botequim
E se tiveres renda
Aceito uma prenda, qualquer coisa assim
Como uma pedra falsa, um sonho de valsa
Ou um corte de cetim
E eu te farei as vontades
Direi meias verdades sempre à meia luz
E te farei, vaidoso, supor
Que és o maior e que me possuis
E se tiveres renda
Aceito uma prenda, qualquer coisa assim
Como uma pedra falsa, um sonho de valsa
Ou um corte de cetim
E eu te farei as vontades
Direi meias verdades, sempre à meia luz
E te farei, vaidoso, supor
Que és o maior e que me possuis
118
estava reciprocamente excitada ao fazer aquele
ensaio para ele.
Parecia que ele tinha descoberto uma
parceira perfeita. Tanto no presencial como no
virtual. Aquela mulher despertava sua libido até
a estratosfera.
Era jovem. Bonita. Atraente. Proativa. Ele
percebeu que ela era uma excelente profissional
e tinha planos promissores para o futuro. E
peculiarmente, ela era RUIVA! Ainda sob esse
aspecto, era um atributo físico que ele desejava
nas mulheres desde que era adolescente. Esse
era um fetiche real e intenso daquele homem.
E lá estava ela. Lorac era sua namorada.
Yared estava repleno de energia. Entusiasmo.
Encorajamento. Pronto para encarar a vida
novamente. E agora reabastecido sexualmente
de forma integral.
119
4
Encenando o script
120
Com a cabeça ligeiramente inclinada para o
lado enquanto comia uma torrada de pão
integral com suco de laranja, ela disse:
“Eu amo tudo isso, mas estava pensando
que poderíamos ficar na minha casa.”
Agora, Yared olhou fixamente o rosto da
ruiva com uma expressão de que estava
estupefato com aquela declaração inesperada.
“Lá poderíamos desfrutar de mais
privacidade e estadias mais longas. E querido,
pode ser mais barato para o seu bolso. O que
você acha disso?”
Não se deixando levar pelos argumentos da
sua bem-amada, ele respondeu:
“Minha boneca, parece tentador. Mas
estou muito feliz com a maneira como estamos
levando nossas vidas.”
Lorac estreitou os olhos, examinando-o
com certa irritação, como aquelas palavras
tivessem colocado uma cunha de separação
inesperada entre seus planos e os planos de
Yared.
“Parece que estamos numa lua de mel
permanente. Além do mais, não pretendo iniciar
uma união estável nesse momento.” — o
linguista rejeitou a sugestão com um pouco mais
de veemência.
A moça sarará com um olhar penetrante era
a caricatura da decepção personificada.
121
“É melhor mantermos as coisas desse jeito
como estão. Você não concorda?” — perguntou
ele suavemente ao notar a frustração
indisfarçável estampada no semblante da sua
mulher.
Medindo as palavras, e sem qualquer bate-
boca a mais, ela retorquiu:
“OK. Sem problemas! Era apenas uma
ideia. Na verdade, eu amo tudo isso. Estou
encantada com nosso relacionamento, meu
rei.”
Deu a impressão de que Lorac não queria
ser pegajosa. Não desejava indispor-se com
Yared. Era contra a sua vontade encrencas com
ele. E tudo indicava que o que os dois queriam
era felicidade, era alegria, era escapar de toda
aquela desventura, de toda aquela adversidade
que os cercava e os sufocava.
Natal e Réveillon
A época do maior feriado religioso da
cristandade acabara de chegar. Os novos
amantes planejavam ficar juntos na primeira
noite de Papai Noel do seu love affair. Desse
modo, agendaram um encontro na véspera de
Natal.
122
Yared fez a ceia na casa da sua mãe e
Lorac foi para a casa da família do ex-
companheiro para jantar com eles e deixar sua
filha aos cuidados da família paterna. De tal
modo, teriam muito mais tempo juntos e
sozinhos.
Pouco depois do jantar, Lorac ligou para
ele. Disse que estava indo para o endereço da
sua família.
Quando ela chegou, ele recebeu outra
mensagem de texto:
- Cheguei. Tô aqui em baixo. Pode vir.
Yared se despediu dos familiares, beijou a
testa da sua mãe, pediu-lhe a bênção e desceu.
Transpôs a portaria desejando Feliz Natal para
os funcionários de plantão. Passou pela grade
dupla de segurança e, sem perder tempo, entrou
imediatamente no carro.
Dentro do veículo mergulhou seus lábios
nos de Lorac apaixonadamente. E pediu ao
motorista para seguir rumo ao hotel que havia
sido reservado para aquela noite especial.
Ficaram juntos da noite do dia 24 até a
noite do dia 25 de dezembro. Fizeram o
checkout no dia seguinte, dentro de alguns
minutos após o café-da-manhã. Depois daqueles
momentos maravilhosos a dois, ambos
precisaram voltar para suas próprias casas a fim
de assumir suas responsabilidades e deveres.
123
Na virada do dia trinta e um de dezembro
para o dia primeiro de janeiro, o casal
apaixonado teve outro rendez-vous para o
Réveillon. Dessa vez, Lorac foi jantar com a
família de Yared. Conheceu a mãe e demais
membros daquele clã pela primeira vez.
Após o jantar compartilhado na
confraternização familiar, linguista e artista
foram para as ruas a fim de se reunirem com
aquelas pessoas explodindo de alegria e
empolgação. Vestidas com as cores tradicionais
para celebrar a chegada do Ano Novo e começar
o ano com pé direito.
124
prateado simboliza inovação e distinção,
trazendo, assim, estas energias para o ciclo que
se inicia.
Laranja é para quem busca força e energia
para o próximo ano, o laranja é a escolha certa.
A cor forte e marcante carrega o simbolismo
enérgico e vibrante.
Amarelo é uma das colorações mais
aceites, depois do branco. O amarelo atrai
prosperidade e riqueza. É a opção de quem quer
ter mais dinheiro no próximo ano.
Verde é para pessoas que estejam atrás de
novas fontes de esperança, podendo usar esta
cor como atrativo. Além disso, ele também é a
escolha de quem busca um ano com mais saúde.
Azul é a cor da serenidade e da harmonia.
Passar o Réveillon com tons azulados, dessa
forma, atrai um novo ano sereno e harmônico.
126
- Temos as belas praias para
explorar. E falando sério, nem gosto de
banho de piscina.
Ela não discutiu e aceitou sua decisão.
128
simples e uma máquina de lavar roupas fora de
linha.
O espaço também tinha algumas peças de
arte penduradas nas paredes da sala. Aquarelas
pintadas pela própria dona do apartamento.
Pratos de barro decorados com pinturas variadas
e bonecas de pano sem conta — criações da
artista.
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fundamental importância. E tentou mais uma
vez quebrar o gelo e falar desse assunto com
sutileza. Estaria estabelecendo suas
necessidades e expectativas.
“Sabe, o valor que você pode economizar
com a gente aqui na minha casa é muito mais
do que eu pago à hipoteca do apartamento e às
taxas de condomínio. Se você pudesse me
emprestar esses pagamentos pra esse mês, seria
uma grande ajuda, querido.”
Yared lançou um olhar perscrutador, mas
perguntou compreensivamente:
“Quanto você precisa?”
“Serão apenas seiscentos reais! Com isso
eu posso pagar as duas contas — a hipoteca e
as taxas de condomínio, meu amor!”
“OK! No entanto, para que não receba
esse dinheiro de graça, você poderia fazer duas
peças de arte pra mim? Eu gostaria de ter um
unicórnio chinês. Seu nome é Ki-Lin. E também
gostaria que você fabricasse um cavalinho de
brinquedo pra meu neto. Tá certo?”
Ela disse, com ligeiro sorriso no rosto:
“Certo! Isso é fácil! Sem problemas!”
Como tal, Yared pagou as duas contas de
Lorac em janeiro daquele ano. O homem
apaixonado ficou enlevado por poder ajudar sua
companheira.
130
Noutra oportunidade, numa prosa
costumeira com sua namorada, Yared ficou
sabendo que ela tinha sido uma funcionária,
atuando como consultora, por quatro anos numa
empresa de artesanato.
Depois de um acidente no seu ambiente de
trabalho, quando precisou fazer cirurgia na
perna esquerda e se afastara do serviço por cerca
de 45 dias, a artista foi demitida e ingressara
com uma ação na justiça trabalhista.
Ganhou a causa. O valor que lhe deveria
ser indenizado foi dividido em 12 vezes. No mês
de dezembro do ano do primeiro encontro com
Yared, Lorac havia recebido sua derradeira
parcela do acordo. A partir de então, ficaria sem
perceber qualquer renda fixa.
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