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Dedicado a

todos os sobreviventes de pseudo-relações com


pessoas narcisistas;
todos os terapeutas dedicados que se esforçam
para amenizar-lhes a dor pós-traumática;
todos os portadores de narcisismo, no3 desejo
sincero de que busquem sua cura para seu
próprio bem e o bem da humanidade.

O MITO DE NARCISO
1
SEGUNDO O MITO GREGO, NARCISO
ERA UM BELO JOVEM TESPIANO POR
QUEM A NINFA ECO SE APAIXONOU. Eco
fora privada de fala por Hera, a esposa de Zeus,
e só podia repetir as últimas sílabas das palavras
que ouvia. Incapaz de expressar seu amor por
Narciso, foi por este rejeitada e morreu de
desgosto, com o coração dilacerado. Os deuses
puniram então Narciso por seu tratamento
desalmado para com Eco, fazendo-o apaixonar-
se por sua própria imagem. O vidente Tirésias
profetizara que Narciso viveria até ver-se a si
mesmo. Um dia, quando se debruçava sobre as
àguas cristalinas de uma fonte, Narciso viu sua
própria imagem refletida na àgua. Ficou

2
perdidamente enamorado de sua imagem e
recusou-se a abandonar o local. Morreu de
debilidade e metamorfoseou-se numa flor — o
narciso que cresce à beira das fontes e
mananciais.
O significativo é que Narciso só se
apaixonasse por sua imagem depois de ter
rejeitado o amor de Eco. Enamorar-se da própria
imagem — isto é, tornar-se narcisista — é visto
no mito como uma forma de punição por ser
incapaz de amar. Mas levemos a lenda um passo
mais além. Quem é Eco? Ela poderia ser a nossa
própria voz que nos está sendo devolvida.
Assim, se Narciso pudesse dizer “Eu te amo”,
Eco repetiria essas palavras e Narciso sentir-se-
ia amado. A incapacidade para dizer essas
palavras identifica o narcisista. Tendo retirado
sua libido das pessoas no mundo, os narcisistas
estão condenados a enamorar-se de sua própria
imagem — isto é, a dirigir sua libido para o
próprio ego.
Outra possível interpretação é interessante.
Ao rejeitar Eco, Narciso rejeitou também sua
própria voz. Ora, a voz é a expressão do ser
íntimo da pessoa, o self corporal, em oposição à
3
aparência superficial da pessoa. A qualidade da
voz é determinada pela ressonância do ar nas
passagens e câmaras internas. A palavra
“personalidade” reflete essa ideia. Persona
significa que, pelo seu som, pode se conhecer a
pessoa. De acordo com essa interpretação,
Narciso negou seu ser interior, em favor de sua
aparência. E essa é uma manobra típica dos
narcisistas.
Qual é a importância da profecia proferida
pelo vidente Tirésias — a de que Narciso
morreria quando visse a si mesmo? Que bases
poderiam existir para tal predição? Acredito que
tinha de ser a excepcional beleza de Narciso. Tal
beleza, num homem ou numa mulher, prova
frequentemente ser mais uma maldição do que
uma bênção. O perigo é que a consciência de ter
beleza suba à cabeça da pessoa, tornando-a uma
egoísta. Outra possibilidade é que essa beleza
desperte paixões violentas de desejo e inveja em
outros, redundando em tragédia. A história e a
ficção contém muitos casos de desfechos
infelizes para as vidas de belas pessoas. A
história de Cleópatra é uma das mais
conhecidas. Por ser uma pessoa sábia, o vidente
4
compreende esses perigos. — Narcisismo,
Negação do Verdadeiro Self — Alexander
Lowen — 1983

Apresentação

A Falsa Rainha e Seus


Múltiplos Amantes

Sinopse por Yared

“História inesquecível revelando as


sutilezas, as complexidades secretas e a
dinâmica oculta de uma relação com uma
pessoa narcisista. Uma criatura assim

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pode estar muito próxima de você. Em sua
família. Entre seus amigos. No trabalho.
Ou dormindo em sua cama!”

Y ARED ESTÁ DE LUTO POR SUA


AMADA ESPOSA COM QUEM ELE
VIVEU UM CASAMENTO FELIZ
POR MAIS DE TRÊS DÉCADAS.
Ele é aconselhado a fazer terapia
ocupacional e inicia um curso de inglês para
evitar uma depressão profunda.
Quando ele precisa de uma mascote para o
curso, é apresentado a uma bela artesã ruiva —
Ani Lorac — por quem ele se apaixona.
Seu interesse pela artista é correspondido, e
ela decide separar-se de seu parceiro e viver esse
love affair com ele.
Seis meses após tórridos e intensos
momentos de amor, Yared percebe mudanças
profundas em sua companheira. Quando ele
tenta romper a relação, sente-se impotente. Está
completamente dependente do charme e da
sensualidade da artista ruiva.
No que seria o adeus do casal, Yared
descobre que Lorac está grávida. Eles voltam na
relação e tentam viver como uma família.
Quando a bebê está com cinco meses de
idade, Yared descobre que Lorac o traíra com
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seu ex-parceiro. Incapaz de suportar a revelação
devastadora, ele se separa de sua amada e eles
começam uma batalha judicial para resolver as
questões pendentes.
Na intensa dor da separação e alienação
parental causada por Lorac, Yared fica
gravemente doente.
Será que ele conseguirá sobreviver? Saber
se ele é o pai de Flor de Lótus? Reconstruir sua
vida? Ou ele sucumbirá a mais um desastre
emocional?

Um conto sobre a relação de uma pessoa


narcisista rica em detalhes e histórias
impactantes fazendo com que “A Falsa
Rainha e Seus Múltiplos Amantes”
pareçam uma biografia ou um
documentário dramático.

QUALQUER SEMELHANÇA COM


QUALQUER PESSOA VIVA OU MORTA É
UMA MERA COINCIDÊNCIA.

7
Parte 1

Meu Rei Maravilhoso


Capítulos 1-4
Θ CAPÍTULO 1 — Era uma vez...
o ...E aí ela morreu
o Línguas e artes
o Uma ruiva na minha vida

8
o Tudo resolvido num quarto de hora
o Conflito: Razão versus emoção
Θ CAPÍTULO 2 — Mudança de planos
o Propostas indecentes
o O fetiche da calcinha
o A viúva negra
o Sem volta
o “Meu cliente merece o melhor de
mim.”
Θ CAPÍTULO 3 — Troca de amantes
o Lábios de mel...propósitos de absinto
o Don Juan
o Migalhas de prazer
o “Como amantes, meu rei!”
o Parceiro descartado
o Tempestade num copo d’água
o Ensaio fotográfico sensual
Θ CAPÍTULO 4 — Encenando o script
o “Era apenas uma ideia.”
o Natal e Réveillon
o Economia, privacidade e prazer
o Água mole em pedra dura...

9
1
Era uma vez...
“Começos são decisivos porque definem a
visão, indicam o processo e influenciam o fim.
Nossa vida é cheia de começos e fins, ambos
essenciais para o que ocorre no intervalo. Se o
começo não fosse importante, a gente
começaria pelo meio.” — Marcos de
Benedicto

...E aí ela morreu

Y ARED ERA UM VIÚVO,


INTELECTUAL E EMPATA DE
TEMPERAMENTO.
EMPREENDEDOR, INSTRUTOR
IDIOMAS E CURSO DESIGNER POR
DE

10
PROFISSÃO. Tinha cerca de cinquenta e tantos
anos de idade. Porém, feições de um trintão. Era
muito bem conservado. Não tinha sido dado aos
vícios, nem à vida boêmia tão comum à maior
parte dos homens de sua geração.
Um metro e sessenta e sete centímetros de
altura. Compleições físicas de afrodescendente.
Esguio e com uma vitalidade corporal invejável.
Não tinha qualquer quantidade de tecido
adiposo em excesso com o qual ter de se
preocupar. Grandes olhos castanhos escuros e
cabelos pretos com alguns fios, que já haviam
assumido a coloração de prata, branca brilhante,
espalhados por sobre sua grande cabeça. Sua
pele era morena bronzeada. Como seu pai
costumava dizer: cor de jambo. Esbanjava saúde
e vigor na sua quinta década de vida.
Usava um par de óculos um tanto
ultrapassado. Estilo nerd. Exibia
inequivocamente sua condição de intelectual.
Era amante da leitura. Havia aprendido grande
parte das verdades sobre a vida na companhia
dos seus livros amigos.
De preferência, invariavelmente estava em
roupas sociais ao invés dos usados e abusados
jeans e camisetas casuais de seus colegas de
trabalho.
Era reputado entre seus amigos mais
chegados e mais íntimos pelos apelidos de

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peace-maker — aquele que faz a paz, numa
tradução livre. Ou monge Dalai Lama.
Cognomes que lhe foram atribuídos por detestar
se envolver em conflitos pessoais de qualquer
natureza.
De um modo geral, não tardava a se
destacar nos empregos que assumia porque
sabia como trabalhar bem. Com pouco tempo
ele logo tomava a frente dos melhores postos
nas escolas em que chegava para lecionar.
Assumia as incumbências mais responsáveis.
Isso em virtude da sua dedicação, proatividade e
inteligência emocional em lidar, no trato diário,
com os alunos, companheiros de trabalho e com
a direção. Sentia-se um pouco responsável por
todo mundo. Era a providência da escola. Suas
palavras tinham a força de convicção.
Ademais, era o tipo de cara conservador.
No fundo, tinha uma natureza de inclinação
mais retraída e tímida. Vivia notadamente
dentro de sua própria pele. Levava sua vida um
pouco retirada das luzes do palco. Era um
homem recatado e cioso da sua intimidade. Não
apreciava aglomerações. Balbúrdias. Conversas
fiadas. Para alguns, um cara chato. Um tanto
antissocial. Até certo ponto, um indivíduo a ser
evitado.
Mas, em contraste, para muitos, uma
pessoa amigável, empata e altruísta. Portador de

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uma certa vocação para salvador da pátria. Uma
vez que a amizade fosse estabelecida, se podia
contar com ele para o que desse e viesse. Tinha
um sorriso sem malícia de homem bom e
direito.
Vivenciara uma trajetória profissional com
um turbilhão de desafios. Começara jovenzinho
a ministrar aulas para sua própria sobrevivência
e da família que constituíra logo ao alvorecer
dos seus vinte anos. Trabalhara duramente,
ganhando com dificuldade o pão de cada dia.
Moço, tendo a conquistar o seu lugar ao sol,
mostrou-se ousado, lutou sem tréguas para
subir.
Sua carreira cheia de obstáculos e
dificuldades tivera início três decênios atrás. Seu
pai parece ter-se assustado com a perspectiva de
ver o filho abraçar uma profissão tão pouco
rendosa. E esse desapontamento do seu genitor
se materializou numa frase. Aquelas palavras
lhe foram atiradas numa conversa de barzinho
para nunca mais esquecer:
“Professor de inglês não é nada!”
Palavras duras. Preconceituosas.
Pejorativas. Destruidoras da autoestima. Yared
viveu toda sua carreira envidando todos os
esforços para provar o contrário. A si mesmo e
ao seu pai.

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Contudo, em nenhum momento perdera a
paz de espírito. Sequer mudara seu modo de agir
e sua personalidade permanecera incólume.
Soubera vencer todos os obstáculos que tinham
aparecido à sua frente.
Ainda que tivesse passado por infortúnios,
traições e dissabores, sem conta, não guardava
mágoas ou ressentimentos.
Yared era profissional de larga experiência
da vida acadêmica com sacrifícios pessoais em
busca de um ideal. Com um vasto e aguçado
conhecimento de linguista, do processo ensino-
aprendizagem, gestão da equipe docente e
administração escolar tinha enormes
perspectivas pela frente.
Desde cedo, sonhara em desenvolver e
oferecer uma metodologia inédita. Desejava
capacitar seus alunos a lidar com suas
desafiadoras situações acadêmicas e de trabalho.
Queria que eles fossem além do domínio do
idioma que estivessem estudando. Isso o levou a
criar um curso inédito de sucesso absoluto no
mercado durante décadas a fio.
O seu verdadeiro gênio linguístico e
empreendedorismo iriam se manifestar em toda
a sua amplitude com o seu famoso curso. Um
curso de leitura e compreensão de texto na
língua inglesa. Um programa de ensino

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destinado aos estudantes e profissionais das
mais variadas áreas.
Com toda a força da sua jovem ambição,
com todo o ardor da sua ávida inteligência,
agarrou-se a essa oportunidade. Nunca havia
acolhido uma ideia com tanto entusiasmo.
Aproveitou-a, explorou-a, tirou dela tudo o que
lhe foi possível tirar. Tinha muito sangue nas
veias e um entusiasmo e otimismo insuperáveis.
Empreendimento altamente rentável que
lhe ensejou a oportunidade de fundar uma escola
de idiomas. Tal instituição de ensino chegou a
ter quinhentos alunos. O sossego material
estava assegurado. Colocava-lhe $ 1.000,00
dólares na conta bancária como pro labore de
sócio naquela época. Empreitada de sucesso.
Arrojada. Inusitada para um simples professor
que partira da estaca zero. Por sua conta e risco.
Não obstante, a despeito da sua realização
profissional na indústria de ensino de idiomas, e
a vida estável e feliz no seio familiar, Yared
sempre ansiara por conhecer melhor a mente das
pessoas. Interessava-se por saber o que havia de
intraduzível na alma humana. Seus problemas.
Percalços. Desafios. Traumas e enfermidades.
Era a fim de cooperar para o tratamento e cura
de corpo e espírito do semelhante. Ele
invariavelmente aceitara a verdade: “o menos
doente deve ajudar o mais doente!”
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Mesmo com seu sucesso nas áreas
profissional e familiar, sentia que ainda lhe
faltava galgar esse degrau. Aquele senso de
contribuir para melhorar a sanidade mental das
pessoas. De tantas pessoas quanto possível. Era
aquele anseio por realizar uma missão maior.
Era uma alma inquieta, à procura de uma
razão de ser. De um motivo de existir. Era um
homem voltado para dentro. Para as suas
dúvidas. Para o seu interminável diálogo com a
vida.
Yared continuamente havia se feito as
mesmas perguntas, por vezes sem conta, no
decorrer da sua existência:
Para que teria vindo ao mundo, com essa
insaciável sede de saber? Por que vivia? Por que
viviam os outros homens? O homem é um ser
livre, e, portanto, responsável, ou um boneco de
engonço nas mãos do destino, da natureza, de
alguma força desconhecida?
O ser humano nasce com um destino pré-
determinado? Existe algum plano de Deus para
sua vida, como pregam os religiosos? Temos
uma missão de vida a cumprir, como dizem os
espiritualistas da nova era?

O desenvolvedor do curso de leitura e


compreensão de textos em língua inglesa estava
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amargando um luto há quase oito meses pela
perda da esposa. No geral, para ser mais exato,
aquele martírio pessoal já vinha se arrastando
por mais de um ano e meio. Tempo que lhe
parecia uma eternidade. Isso o forçara a suportar
todas as vicissitudes e inconveniências. Tinham
sido contínuas visitas e prolongadas
permanências em hospitais. Clínicas.
Laboratórios. Em muitas ocasiões, executara
vários projetos de tradução nas alas da
enfermaria. Sempre ao lado da sua mulher,
usando para isso apenas seu sistema Android
num Motorola tristemente ultrapassado.
Tinha despesas médicas constantes e
elevadas. Cifras na casa de três dígitos. Tudo
isso aliado a uma angústia e ansiedade
mortificadoras. Estas passaram a ser suas
companheiras inseparáveis.
O peso de toda aquela dinâmica insidiosa o
arrastava. Dia a dia. Semana a semana. Mês a
mês. Cada vez mais. Ele beirava uma depressão
profunda.

Estivera segurando a mão magérrima da


sua mulher no seu último suspiro, ao pé do seu
leito derradeiro. Testemunhou ela se despedir
desse mundo enquanto jazia entorpecida à
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morfina injetada diretamente na veia —
aparência esquálida, olhos encovados, porém
ainda cheios de amor, como de costume tinham
sido.
Sem mais conseguir se mover, à beira da
morte, sobre uma cama de ferro pintada com um
frio branco hospitalar, a senhora Lovingdale
piscou o olho direito pela derradeira vez. Aquela
fora a única forma que ela pôde usar para dizer
adeus ao seu marido. Sua respiração esvaeceu.
Seu batimento cardíaco despencou para o zero
absoluto — pôde-se ouvir o ruído do sinal
contínuo do monitor multiparâmetro a anunciar
sua saída desse mundo — sua alma partira em
paz!

Em particular, as pessoas que alguma vez


tenham assumido o papel de cuidador de um
paciente gravemente enfermo conhecem o
sofrimento excruciante envolvido nesse
processo. Acima de tudo, se esse paciente for
um familiar. Num grau extremo, se a pessoa
doente for algum ente querido. E nada é tão
atroz como perder alguém que tiver passado a
maior parte da sua vida ao seu lado. É um
sofrimento humanamente inconcebível!
As incertezas da vida e as vicissitudes da
existência invariavelmente mais cedo ou mais
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tarde batem à nossa porta. Intrometem-se na
nossa vida mesmo sem serem convidadas. Como
tal, somos assediados por certas
inevitabilidades. A vida é cheia de infortúnios.
O mundo não é um lugar inocente onde se pode
obter o prazer que se deseja.
O falecimento com seu terrível golpe
parece ser o pior, no entanto! Queiramos ou não,
envelhecemos, sofremos perdas e vivemos à
sombra da morte. Essa é uma fatalidade inerente
à condição humana — sem exceção. Ninguém
pode salvar ninguém da arrepiante garra da
morte, quando na sepultura, coberto de vermes!
Paradoxalmente, devemos tentar viver feliz
num mundo onde a alternativa da dor e a
probabilidade de aflições são possibilidades
experienciais reais sempre a nossa espreita.

“Quem é o acompanhante da Sra.


Lovingdale?” — perguntou o médico de
maneira precipitada.
Esticando o pescoço rapidamente para
espiar para além do balcão, Yared respondeu de
pronto:
“Aqui, doutor.”
“Ok! Siga-me até o meu consultório,
senhor.” — acrescentou o profissional de saúde
com palavras que foram pronunciadas em tom
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mais forte, numa voz de comando — quase
militar.
Yared havia notado que alguma coisa havia
dado errado com os exames da sua esposa. E
ficou olhando para o médico espantado como se
tivesse visto assombração.
Em primeiro lugar, a jovenzinha
enfermeira, com o braço direito sobre o ombro
da senhora Lovingdale, que caminhava devagar
e penosamente, tinha saído da sala de
procedimentos levando-a para a sala de repouso,
muito antes do tempo previsto. Em segundo
lugar, o médico o chamou num humor grave e
num tom de voz alarmada.
Antes mesmo de se sentar, ele informou o
acompanhante com frieza:
“Ela tem um tumor de aproximadamente 3
centímetros e meio no estômago! É obrigatório
que seja operada com emergência!”
Yared puxou para o lado uma pesada
cadeira de madeira antiga, estilo colonial.
Pressurosamente, repousou seu corpo trêmulo
sobre aquele assento imponente. Estava
transtornado com aquela notícia de morte à
vista. Sentiu como se estivesse recebendo um
forte soco no estômago. As palavras agourentas
do médico tinham o peso de chumbo. Afinal, era
para ser meramente um exame de rotina. Agora,

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ele previa um risco de morte para a sua amada
consorte.
“Porventura é um cân.. câncer, doutor?”
— balbuciou ele com os nervos à flor da pele.
“Eu não tenho dúvida alguma!” —
confirmou asperamente o clínico.
“Mas é maligno ou benigno?” — a testa de
Yared havia se franzido na horizontal e suas
sobrancelhas estavam levemente erguidas.

O esposo, com as mãos suadas e um


calafrio na espinha, esperava desesperadamente
ouvir a última alternativa como resposta. O
passado já o havia golpeado com o falecimento
precoce de três cunhadas para aquela mesma
enfermidade nefasta. Existia uma síndrome pós-
traumática perseguindo aquela família de
geração em geração. Agora, seu coração estava
batendo acelerada e descompassadamente,
acossado pelo medo de enfrentar mais um
velório, mais um funeral. Dessa vez, envolvendo
sua própria companheira como a vítima. Sofrera
um desmesurado impacto emocional e
consequentemente tinha entrado em desespero.
Porém, ele sabia que devemos parar de tentar
resistir à dor e à perda, pois são inevitáveis.

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“Este é um tipo de câncer maligno. Ela
tem de ser operada o mais rápido possível. Por
favor, tome as medidas necessárias!” —
advertiu o médico sem papa na língua. No estilo
Super Sincero. O tom da sua voz foi fatídico.

Aquela informação, numa fração de


segundos, causou em Yared uma vertigem e mal
estar indizíveis. Ele ficou deveras assustado, e
começou a se perguntar como aquela maldita
moléstia poderia ter acometido sua esposa
desavisadamente — logo ela que era bastante
atenta à sua saúde e à da sua família.
Os dois estavam juntos num casamento
harmonioso e longevo — por mais de três
décadas. A construção sólida do relacionamento
com sua admirável esposa havia sido
inteiramente feita em pedaços e ruíra em
questão de minutos!

“Já pedi uma biópsia de emergência para


certificar o tamanho e o tipo do tumor.” —
comentou o médico de forma técnica.

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“Tudo bem doutor, vou providenciar.” —
respondeu-lhe Yared com o medo nos olhos e na
voz.

Yared sentiu uma pontada aguda nas


têmporas ao ouvir aquela verdade impalatável.
Ficou apático e gélido diante da perspectiva da
sua vida conjugal bem-aventurada não poder
perdurar por muito tempo mais. A sentença final
parecia ter sido decretada. E quem a teria
decretado? As maiores verdades da vida são as
mais desagradáveis de ouvir.
O empresário de idiomas foi invadido por
uma dor lancinante. Seu coração pareceu estar
sendo transpassado lenta e repetidamente por
um punhal. Uma avalanche de imagens de sua
vida pretérita de casado assaltou o seu cérebro
erraticamente. Precisava reorientar seus
pensamentos para agir da forma certa.
Quando se recuperou do choque, pediu
licença ao médico e caminhou com passos
largos até à área externa da clínica. Buscou mais
ar nos pulmões. Respirou fundo. E decidiu
procurar um ombro amigo em que se apoiar.
Ligou para o seu irmão.
“Meu irmão, estou inconformado com o
que ouvi do médico agorinha mesmo. Acabo de
receber o resultado do exame de Lovingdale.
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Ela tá com câncer. No estômago. É maligno.
Precisa de cirurgia com emergência!” —
informou falando de forma acelerada e nervosa.
Pôde sentir que seu irmão fez uma pausa no
outro lado da linha, antes de responder.
“Brother, você tem certeza?” — perguntou
o rapaz.
“Sim, tenho. Tenho que encontrar o
tratamento certo para minha mulher, meu
irmão.”
“Você quer que eu vá até aí? Posso te
apanhar na clínica e a gente pode conversar.”
— ofereceu o seu irmão.
“Muito obrigado, mano! Mas tenho de ir
pra sala de repouso ficar com ela. Depois vou
levá-la direto pra casa. Mas quero conversar
com você ainda hoje. Me dá essa força aí?” —
perguntou a ponto de entrar em desespero.
“Com certeza, brother! Estamos juntos.”
— conformou-lhe seu familiar.

A CAROLINA

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“Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro


Que, a despeito de toda a humana lida
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.

Trago-te flores - restos arrancados


Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos


Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.” —
MACHADO DE ASSIS

Uma das amigas mais próximas de Yared


era psicóloga. Ela o aconselhara a começar a se
envolver com algum tipo de atividade, pois
percebera que ele estava caminhando a passos
largos para ficar gravemente doente da cabeça.
Ao longo de todos os dias, seus
pensamentos e pronunciamentos eram voltados
para a perda da esposa. Orava para que Deus o
livrasse mesmo daquela angústia. Daquela
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vontade de chorar que o tomava nas noites de
solidão. Estava esgotado de tanto prantear.
Noite após noite molhava sua fronha com seu
pranto. Inundava com lágrimas o lugar do seu
repouso. Seus olhos se mostravam consumidos,
envelhecidos por força da tragédia do traspasse
recente.
Depois do diálogo com essa terapeuta, o
professor decidiu ministrar um curso de inglês
gratuito. O fato deu pretexto a que escolhesse
uma comunidade religiosa carente para esse
propósito. E uma terapia ocupacional para sua
cura foi iniciada.

“O tempo e o espaço também são muito


importantes como referenciais para o terapeuta,
que deve observar o passado, atuar no presente,
mas vislumbrar o futuro, a fim de orientar o
novo caminho de possibilidade que se abre.” —
Fernando Freitas CS

Os alunos do instrutor de idiomas —


animados, inteligentes, ousados e difíceis —
eram apaixonados pelas suas aulas —
invariavelmente cheias de atividades dinâmicas
e divertidas. Isso os fazia aprender com muita

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facilidade. O professor Yared era do tipo de
profissional que defendia o slogan: trabalho
que é feito com amor perde metade de
seu tédio e dificuldade.
Em razão disso, ele se motivou a expandir
seu ensino. Dessa vez, para os filhos dos seus
estudantes. Planejava desenvolver um programa
de inglês infantil — um curso de English kids.
Como resultado, o experiente designer de
cursos teve a ideia de ter algumas mascotes
como personagens principais para representar o
curso da garotada. Quis fabricar bonecos de mão
— marionetes. Esses seriam uma espécie de
atores e atrizes para suas aulas com as crianças.
Tomara conhecimento que uma das suas alunas
trabalhava com as artes manuais — era uma
artesã. De tal modo, conversou com ela para ver
se poderia fazer os bonecos que pretendia usar
na sala de aula infantil.
Numa conversa pelo aplicativo de
mensagens, a moça lhe disse que não era sua
especialidade fazer aquela modalidade de
fantoches, entretanto. Ainda assim, ela conhecia
uma amiga artífice que era especialista em
projetar e fabricar aquele tipo de peças de arte.

Línguas e Artes

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Cinco meses havia transcorrido desde que
sua esposa havia passado para seu descanso
eterno. Numa manhã de setembro daquele
fatídico ano de 2017, por meio de uma conversa
no aplicativo de troca de mensagens, Yared teve
contato com Ani Lorac pela primeira vez.
Observando atentamente a foto do perfil no
aplicativo multiplataforma de mensagens
instantâneas, ele depressa percebeu que ela era
uma mulher bonita. Charmosa. E RUIVA!

Yared: Bom dia!


Yared: Meu nome é Yared e sou cliente do
boneco.
Yared: Lucy me deu suas informações de
contato.
Lorac: Oi, Yared. Bom dia!
Lorac: Ela me deu algumas informações
sobre as marionetes.
Yared: Sinta-se à vontade pra fazer
qualquer pergunta que possa ter.
Lorac: Eu disse a ela que vou começar a
fazê-los na próxima segunda.
Yared: Tudo bem, não tem pressa.

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Yared: Por favor, lide diretamente comigo
de agora em diante, ok?
Lorac: Tudo bem, Yared.
Yared: Obrigado!

Para bem dizer, aquela artesã era habilidosa


o suficiente para assumir o trabalho de projetar e
fazer os bonecos mascotes que Yared tanto
precisava usar em sala de aula. Partindo desse
princípio, ele contratou seu serviço. Preço,
condições de pagamento e data de entrega foram
combinados entre cliente e fornecedora.
Após aquele primeiro contato virtual, as
coisas iriam moldar o resto da sua vida, e, de
igual modo, daqueles que lhe eram próximos.

Uma ruiva na minha vida


O dia para a entrega das marionetes foi
combinado por meio de uma conversa entre o
empreendedor de idiomas e a profissional de
artes via aplicativo de mensagens.

29
Lorac: No sábado dia 30 nossa Associação vai
realizar mais um evento de arte. Ao invés de
entregar suas peças em mãos, gostaria de levá-
las para a exposição. Pode ser?
Yared: Sim, claro. Eu vou!!!
Lorac: Vai ter um concurso. Vamos ver se eu
vou ganhar....
Yared: Claro que você vai!
Lorac: Obrigada!
Yared: Meu voto é seu!

Lorac havia se divulgado. Estava se


vendendo. Atuara como seu próprio marchand
— “ars longa vita brevis”, afinal! — ela
precisava agenciar suas obras de arte
autonomamente, o que teve o pronto apoio e
incentivo do homem de negócios do ramo de
idiomas.
Ao cair da tarde do dia do evento, Yared
acompanhado por seu irmão mais novo e sua
namorada seguiram no carro da família para o
endereço do festival de arte. Estava todo
contente e motivado com sua nova aquisição —
as mascotes dariam vida e alegria às suas aulas
com a meninada.
Nesse estado de boas vibes, partiu para o
showroom de artes. Estava indo pegar seus

30
modelos novinhos em folha e ver com seus
próprios olhos a ruivice daquela artista!

O recinto se assemelhava a uma casa


senhorial admirável com dois andares. Era um
casario de construção antiga, bem no estilo
colonial. A fachada barroca de cor forte aderente
aos demais prédios numa mescla multicolorida
era o destaque daquela construção arquitetônica
assobradada clássica. Situava-se na zona alta da
cidade turística vizinha com ruas e ladeiras
calçadas de pedras.
Podia-se ver um leque de pluralidade e
variedade de peças de arte. A despeito de muito
diversas entre si, todas reunidas numa
disposição bem próxima. Tinham sido colocadas
sobre dezenas de pequenas mesas de madeira
desmontáveis por todos os lados.
Os artefatos dos obreiros abrilhantavam
aquele evento. Destaque para os galhos, raízes e
troncos de madeira que tornaram a ganhar vida
nas mãos de artistas habilidosos. Haviam sido
transformados de galhos em bichos da região,
pessoas e instrumentos musicais. Havia a
produção tanto de camponeses em madeira,
como também de peças religiosas e carros de
boi. A principal matéria-prima era a madeira
umburana, bem característica da região. Podia-
31
se contemplar carrancas de anjos barrocos
alegres e gordinhos. Havia artista que fizera
esculturas humanas, animais e figuras do
imaginário. Produções feitas em raízes e troncos
de árvores descartadas. Bonecos de Mamulengo
em madeira também podiam ser admirados.
Havia trabalhos maravilhosos por “dar vida” aos
olhos dos bonecos de barro, utilizando o alto-
relevo e a pintura.
Observando o movimento, o vaivém dos
participantes, Yared escaneava o interior do
salão. Num abrir e fechar de olhos, pôde captar
a visão dos seus bonecos. Estavam trajados e
pintados de uma forma admirável. Suas
encomendas artísticas haviam sido organizadas
no centro de uma daquelas inúmeras mesas
expositoras. Arrodeadas por outras peças de arte
de Ani Lorac, se destacavam pelo brilho e
disposição das cores. Eram verdadeiras obras-
primas!
A artista não estava no local naquele
momento. Até que... nesse meio tempo, num
intervalo de quinze minutos mais ou menos, os
olhos deles se encontraram pela primeira vez.
Pareceram trocar o olhar mais longo e mais
íntimo naqueles breves segundos. Finalmente,
ele pôde vê-la em carne e osso.
Já à primeira vista, a artesã se apresentou
como uma mulher muito bonita e bem cuidada.

32
Aparentava seus trinta e tantos anos de idade.
Um metro e cinquenta e cinco centímetros de
altura. De aparência jovial, do tipo bem com a
vida. Era bem atraente. Rosto bem formado,
queixo firme, boca bem desenhada, lábios
cheios com um sorriso cordial e convidativo.
Olhos castanhos miúdos e apertados de míope.
Seu corpo era mais para o tipo mignon, muito
esbelto, de pernas bem torneadas. Pele
sobremodo clara com sardas salpicadas aqui e
ali no rosto e pelo pescoço. Seus cabelos eram
vermelhos como uma brasa incandescente e lhe
caíam sobre os ombros como cascatas de cobre.
Tornou-se de imediato evidente para Yared
que aqueles cachos cor de âmbar avermelhado
eram obra exclusiva da natureza, e não resultado
de qualquer tintura mal feita num salão de
beleza de terceira categoria.
A mulher tinha feições ainda mais
formosas do que ele tinha visto na fotografia de
perfil do aplicativo multiplataforma de
mensagens instantâneas.
A linda fornecedora se aproximou do seu
cliente com um sorriso encantador e
educadamente perguntou:
“Yared?!”
“Lorac?!” — Yared devolveu-lhe a
pergunta e o sorriso.

33
“Boa noite!” — aquela saudação foi
oferecida de uma forma gentil e vibrante.
Trocaram beijinhos nos rostos e se abraçaram.
“Boa noite!” — ele ecoou para a artista, já
demonstrando estar embevecido com aquele
encontro e com a primeira impressão que estava
tendo da moça de cabelo acobreado.
Ele pensou:
- Pareceu-me que um fluxo de energia tinha
varrido nossos corpos por inteiro. Em se
tratando daquele momento, ambos tivemos a
mesma sensação, sobre a qual conversamos
mais tarde.
Ali jazia um mistério — o segredo das
raízes. Era notório, por conseguinte, que havia
laços profundos entre as raízes das almas dos
dois. Destino é destino, traçado no céu. Certa
ocasião, num de seus livros da sua vasta
biblioteca pessoal, Yared lera e aprendera: De
quando em vez, dois amigos são mais
intimamente ligados do que dois irmãos.

Tudo resolvido num quarto de hora

O outro casal — seu irmão e sua namorada


— mantinha os olhos atentos e os ouvidos bem
apurados aos episódios em sua volta. Em se

34
tratando do que estava acontecendo naqueles
meros minutos dentro daquele amplo e agitado
resort de arte, estavam construindo seu próprio
ajuizamento e veredicto.
Fazia horas que Yared e seus familiares
mantinham uma estada no interior do casarão.
Podia-se encontrar comida e bebida disponíveis
para que os visitantes comprassem. A música
estava inundando aquele espaço festivo com um
ar um tanto psicodélico.
Uma extraordinária alegria reinava em toda
casa. As pessoas arrumadas casualmente eram
risonhas, barulhentas e expansivas. Desfrutavam
de divertimentos simples como ouvir músicas
em vitrolas antigas, bate-papos descontraídos e
estridentes, e contação de piadas e lorotas em
meio a risadas claras e soltas.
Era um povo que, conforme os valores de
Yared, diga-se de passagem, um estranho em
meio a estranhos, poderia ser professado como
de estilo e gosto alternativos, digamos. Na
vanguarda da moda, da arte e dos costumes.
A anfitriã se aproximou perturbadoramente
de Yared e chamou os seus convidados para
subir até o piso de cima. Haveria uma
apresentação de dança exótica de uma dupla
feminina. Ela cortesmente meneou a cabeça
indicando o caminho e os guiou até as escadas
que levavam ao palco no andar superior.

35
Lorac estava usando um vestido amarelo
salpicado de flores vermelhas, verdes e azuis.
Era um tanto curto — ligeiramente acima do
joelho. Havia colocado um sutiã firme e
modelador. Essa peça íntima fazia seus seios
parecerem duros e arredondados.
Esticando seu braço direito em direção à
escadaria, a mulher tomou à dianteira e Yared a
acompanhou logo atrás. A artista de cabelos
castanhos avermelhados passou à frente dos
visitantes e começou a escalar com elegância os
estreitos e sinuosos degraus. Eles eram de
madeira antiga e extremamente desgastados pelo
tempo. Mesmo assim, por terem sido lustrados
para a ocasião, embelezavam a escada em
espiral que dava acesso ao pavilhão de cima.
A despeito da balbúrdia dos esfuziantes
participantes do evento, podia-se ouvir os golpes
dos saltos da anfitriã sobre os degraus
emadeirados a ressoar no ambiente.
A cada passo de Lorac na sua subida, os
olhos de Yared aguçavam-se para acompanhar
aquele desfile na passarela em forma de escada.
Sem piscar! Estava focado na altura da barra da
saia do vestido da dona. Ficou todo motivado a
ver mais daquelas pernas torneadas e bronzeadas
— as panturrilhas eram salientes e rijas,
demonstrando que a artista frequentava a

36
academia de musculação. Ela transpirava saúde
e exuberância física.
Ao passarem adiante transpondo a soleira
da porta de acesso, e uma vez no interior da sala,
preparada adrede para ser o palco da
apresentação, pareceu terem cruzado um portal
tempo-espaço. Depararam-se com dúzias e
dúzias de pétalas de rosas — nas cores branca,
amarela e vermelha — que haviam sido soltas
por todo o assoalho. O piso tomara o aspecto de
um magnífico tapete persa de fina tecelagem
artesanalmente trabalhado. Estava pronto para
receber maciamente os pés nus das dançarinas.
As mulheres estavam bem vestidas e
ornamentadas com roupas e acessórios indianos.
Uma música instrumental tipo nova-era ressoava
docemente naquele ambiente transcendental. A
iluminação era de penumbra. À luz de velas, por
assim dizer. Pairava uma certa volúpia no ar.
Lorac se sentou com as pernas em posição
de lótus. A posição da meditação oriental ou de
Buda. Achegou-se bem ao lado de Yared. Seu
vestido curto ascendeu um pouco mais. Aquele
movimento deixou à amostra uma porção extra
de suas coxas. Tanto quanto as panturrilhas, elas
estavam tostadas em comparação com a cútis do
rosto de Lorac. O intelectual de idiomas, como
de camarote, não pôde deixar de contemplar
aquele incidente incitante. Afinal, estava sendo

37
oferecido aos seus olhos com generosidade, com
liberalidade. Por que não se deleitar?
Pensamentos picantes tomaram conta da sua
mente, de imediato. Como fica sua flor-de-lótus
quando ela se senta nessa posição? Ela também
é ruiva lá embaixo?
Certa hora, após a performance de dança
ter sido saudada com aplausos entusiasmados, o
irmão de Yared disse num tom de brincadeira:
“Eu pensei cá comigo mesmo. Se essa
mulher subir primeiro, Yared vai transar com
ela!”

Depois de momentos aprazíveis na


companhia da artista, chegara a hora de se
despedir daquele show de artes. A marchand
retirou as marionetes de sobre a mesa e as
embalou meticulosamente em sacolas
personalizadas ostentando a logomarca da sua
empresa. Juntou alguns dos seus cartões de
visita e entregou a encomenda nas mãos do seu
cliente acompanhada de um sorriso afável.
Depois de se despedir de Lorac, Yared
encaminhou-se ao automóvel da família. A
cunhada perguntou na hora com um sorriso que
se transformou num riso sonoro, contagioso:
“A menina solícita não vem jantar com a
gente? ”
38
Boquiaberto e mostrando-se um tanto
surpreso, ele disse de maneira atrapalhada:
“Como assim? Não, não, claro que não.”
“Ela ainda tá trabalhando na venda das
suas bonecas. E além disso, ela é uma mulher
casada.” — afirmou de maneira pouco
convincente.
Ambos soltaram uma larga, livre e ruidosa
gargalhada. Seu irmão acrescentou:
“Cuidado pra que você mesmo não faça
uma boneca nela! ”
Para ambos, aquela troca de energia se
tornara com bastante clareza e de todas as
formas evidente — um flagrante de uma baita
atração mútua: linguista-artista.
Eles passaram o resto da noite provocando
o coach de idiomas com piadas e lorotas sobre a
tal garota ruiva solícita.
Depois do jantar, levaram Yared para casa.

“Quero dizer-lhe uma coisa: entre o


homem e a mulher, tudo se decide no primeiro
quarto de hora. É no primeiro quarto de hora
que se estabelecem todas as regras. Daí por
diante, nada mais se modifica.” — Bert
Hellinger

39
Conflito: Razão versus emoção

Ao chegar em casa, Yared foi para a cama


sem perder tempo. Contudo, não conseguia se
desconectar do evento e relaxar o suficiente para
cair no sono. Em vigília, dentro do silêncio da
noite, numa insônia agitada, impossível
adormecer. Sua mente estava a vagar pela cadeia
de reminiscências dos bons momentos que
tivera naquela noite. Ele não conseguia fazer
outra coisa a não ser pensar em Ani Lorac.
Mesmo que ele não quisesse, não tinha outro
jeito senão pensar na ruiva.
Uma pessoa não esquece algo de que
realmente se deseje lembrar. Aquela frase havia
se enraizado na sua cabeça:
“Ela não vem jantar com a gente? ”
Desde a primeira troca de olhares, ele havia
sido atraído magneticamente àquela dona. Ela
possuía um certo charme em sua maneira de
andar, no tom da voz e no modo de se expressar.
Decidiu ligar para ela pelo App de
mensagens. Enviou-lhe uma mensagem de boa
noite e muito obrigado.
Ani Lorac respondeu imediatamente. Tinha
acabado de chegar à casa da sogra. Yared
aproveitou para conferir aquela pergunta que a
40
namorada do seu irmão havia feito e que não
queria calar. Em razão disso, por via das
dúvidas, apressadamente, lhe enviou o seguinte
texto com uma carinha de pensativo:
- Era um pouco tarde e você ainda
estava trabalhando. Mas pensei em te
convidar pra jantar com a gente.
Para seu assombro sem tamanho, a resposta
da artista confirmou a proposta tentadora que
sua cunhada havia feito. Digitou Lorac
acrescentando animes com carinhas de
felicidade e meiguice:
- Seria uma ótima ideia, mesmo!!!
Preciso conhecer novas pessoas. Preciso
de um pouco de lazer. Da próxima vez,
quem sabe?!”
A mente de Yared foi arrastada por um
tsunami de pensamentos e sentimentos
contraditórios. Ele estava sucumbindo a uma
paixão física avassaladora. Haveria realmente
uma chance de se aproximar daquela dona?
- Essa mulher tá brincando com fogo! Veja
como se comporta sua ruiva gostosa porque eu
não sou homem de duas conversas! — pensou
ele sorrindo consigo mesmo.
“CUIDADO YARED!” — lhe falou sua
voz interior.

41
“Ela é uma senhora casada. Tem uma
família. Você está no seu juízo normal para não
se aproximar dela, não está?”
Para o fim e com o propósito de pacificar
suas longas ruminações em turbulência, ele deu
uma bronca no seu cérebro:
“Você é viúvo e tem uma vida social e
profissional estável. Tem mantido uma grande
família. Tem filhos e netos. E a propósito, você
não é mais um adolescente, não é mesmo?!”
Imediatamente sua mente respondeu com
um ressonante: NÃO! Yared estava sendo
carregado e impulsionado por uma força que
podia mais do que ele, à qual o lado racional do
seu cérebro relutava em se entregar. Teria que
escolher entre Lorac, emoção — o futuro, e a
razão — o passado.
Nessa altura da vida, não era nenhum
aventureiro para largar casa, filha solteira ainda
dependente financeiramente, seu conforto e seu
conceito na sociedade, para ir viver como
amante de uma mulher desconhecida na
instabilidade e no descrédito.
Entretanto, o encontro com Ani Lorac, na
feira de artes, veio reascender-lhe de súbito
aquela necessidade antiga de lar, de vida de
família, mesa posta, cama de lençóis limpos.

42
Na alma do linguista um conflito estava se
travando, um doloroso drama íntimo, entre a
razão e a emoção.
Por fim, foi vencido pelo sono. Todavia seu
coração se manteve acordado, em expectativa.

Na sequência dos dias, aquele raciocínio


lógico mantinha-se em enorme medida
persuasivo para conter seus sentimentos sobre
aquele primeiro encontro com Lorac.
Não obstante, os sentimentos, de maneiras
não totalmente compreensíveis, são fortes o
suficiente para insurgir o tempo todo. De forma
consistente e persistente! Eles tomam conta de
todo o nosso ser assim que nossa mente
controladora descuida apenas um pouquinho.
Como resultado, ela deixa de exercer sua
autoridade sobre nós, fazendo aflorar nossos
desejos contidos.
Lorac estava mexendo com sua cabeça. Ele
estava caído por ela. A lembrança constante dela
não havia diminuído seu jugo sobre ele. Tinha
achado seu aspecto feminino tão poderoso, tão
atraente e tão insinuante que lhe estava sendo
difícil renunciar a ele. Yared estava cerceado
pelos limites da carne e do espírito.
Do fundo de seu coração, ele desejara
aquela dona para ele. Ele queria, ah como ele
43
queria. E não havia jeito de tê-la para si, se
deixasse a razão prevalecer.
Ele teria que afrontar o dilema: tentar
conhecer melhor aquela mulher, ou
simplesmente esquecê-la e levar sua vida como
se nunca a tivesse visto antes. Assumi-la seria
uma mudança de atitude radical. Estava num
constante confronto consigo mesmo.
Seria sair do seu mundo ordinário, comum,
de sempre, o qual estava adaptado rumo a um
novo mundo fantástico, talvez imaginário, onde
não se sentiria seguro, nem no controle de si
mesmo. Como poderia seguir seu coração se
isso significava que seu status quo estaria
arrostando um iminente perigo?
Que fique claro que aquela última
alternativa acabou sendo uma iniciativa
inconcebível para Yared. Seu ímpeto e
motivação interiores eram de aproximar-se da
artista de cabelos castanhos avermelhados.
Daí, ele elaborou um plano de ação a fim
de conciliar as duas alternativas — no bom
inglês fight or flight — traduzindo: lutar ou
fugir!
Estava ansiando ardentemente se achegar a
Lorac. Queria saber mais sobre ela. De uma
forma ou de outra, daria um jeito de disfarçar a
irrupção vulcânica daquele desejo. Oxalá, tudo

44
pudesse começar com uma possível futura
parceria profissional.
O professor ficara dividido entre dois
valores de vida muito em desacordo entre si.
Dois caminhos irreconciliáveis a seguir.
Em certa ocasião, Yared lera num dos seus
livros preferidos:
“Há muitos caminhos errados, mas
somente um correto; e neste ninguém
pode nos guiar exceto Deus.”
Por conseguinte, uma decisão obrigatória e
pendente precisava ser tomada. Ele não tinha
como ficar indiferente.
Yared estava plenamente consciente de que
agir era responder a estímulos. Sendo esses de
diversas naturezas: morais, econômicos,
jurídicos, afetivos... toda ação exerce um
estímulo reclamando uma decisão, uma
resposta. A decisão é uma tomada de posição —
por vezes demanda coragem, como intrepidez
diante das situações!

“...alguns valores e parâmetros são


melhores que outros. Alguns conduzem a
problemas bons (do tipo fácil e simples de
resolver), enquanto outros levam a problemas

45
ruins (do tipo difícil e complexo de resolver).”
— Mark Manson

Seu desejo original e real, imergindo do seu


id, era conhecer melhor aquela dona com grande
sexy appeal.
Sentiu-se provocado a ver se, por acaso, ou
por iniciativa, poderia conquistá-la
amorosamente para si.
A essa altura, estava inteiramente possuído
pela ideia de começar uma paquera com aquela
mulher de cabelo de cobre.

“O papel crucial que a sexualidade


desempenha na união dos casais evidencia o
primado da carne sobre o espírito, bem como a
sabedoria da carne. Somos tentados a
desvalorizar a carne em comparação com o
espírito, como se o que se faz a partir da
necessidade física, do desejo e do amor sexual
tivesse menos valor que os benefícios da razão e
da moralidade.” — Bert Hellinger

Em última análise e na compreensão final,


aquela arquitetada proposta de parceria
46
profissional era tão-somente um pretexto para se
avistar com a artista. Em última instância, ele
precisava ficar de bem com sua cabeça.
Essa ideia era capaz de compensar sua
mente disciplinadora. Sem dúvida nenhuma,
com muito senso da verdade, ela tinha a ver com
o que ele ansiava por fazer.
Estava tudo acontecendo tão rápido, tão
fora de controle que Yared estava bem ciente de
que, se não pusesse freio em seus impulsos, e
deixasse as coisas correrem frouxas, poderia
acabar tendo um envolvimento amoroso com
Ani Lorac.
Sabia que se fosse encarar seus prazeres
mais profundos, as consequências poderiam ser
devastadoras por viver um amor proibido.
Inegavelmente, a existência do linguista
não fora das mais movimentadas, nem das mais
ricas em situações dramáticas, até
que...conheceu a artista ruiva.
Por dias a fio lutou contra aquela
dualidade. Aquela neurose. Aquela luta titânica
entre o id e o superego. Pensamento e
sentimento. Razão e emoção. Aquele binômio:
lado racional versus lado emocional do seu
cérebro se digladiavam no seu universo
psíquico. Uma agitação dentro da alma onde
pensamentos e emoções se atropelavam,

47
conflitantes, como se ele fosse dois. Mas essa
separação estanque é lá possível?
Ter experimentado um convívio
pequeníssimo que fosse com aquela mulher de
cabelo acobreado lhe colocara diante de uma
nova conjuntura — um desafio.

Inconscientemente, somos movidos por


forças desconhecidas que irrompem da nossa
psique. Aquele impulso considerado “negativo”
seria o id da ciência de Freud? Ou a Yetser
Harah da religião judaica? Ou ainda os
anarthas da filosofia védica indiana?
De uma forma ou de outra, todos
reconhecemos que temos disposições internas
que nosso eu consciente se recusa a aceitar, ou
pôr em prática. Esse nosso lado “bonzinho
fingido” seria o ego do psicanalista vienense ou
a Yetser Hatov do povo judeu ou as atividades
piedosas védicas?
Afora essas duas forças a virem cobrar
espaço de ação na nossa vida cotidiana,
sofremos o freio ou o controle do superego.
Aquela “voz interior” que sopra nos nossos
ouvidos as “regras do bom viver” que papai,
mamãe e a professorinha nos ensinaram. Aquela
obrigação que sentimos de ter que ficar sorrindo
e parecer feliz.
48
“Lembro-me de me sentar recatadamente
enquanto me tiraram o retrato. Ainda tenho
essa foto. A imagem é: 'Vejam que menina
encantadora eu sou’. Meu pai costumava dizer:
'Tudo o que uma moça tem que fazer é sorrir, e
terá tudo o que quiser’. Assim, continuei a vida
sorrindo enquanto meu coração se despedaçava
por dentro.” — Alexander Lowen

Enquanto dialogava mais tarde por meio do


aplicativo de mensagens, não podendo mais
resistir ao impulso de ver Lorac, Yared marcou
um encontro com ela.
Usou o argumento de que tinha um possível
acordo comercial para apresentar. A reunião foi
marcada para uma livraria sofisticada e famosa
no centro da cidade — um verdadeiro shopping
center do livro.
Interessante o suficiente e digno de nota,
ambos estavam reciprocamente aspirando por se
avistarem de novo.
Homem e mulher alimentavam seus
próprios interesses e intenções. Entretanto,
compartilhavam uma verdade. Para ser realista,
os dois ansiavam por estar juntos mais uma vez.

49
Exteriormente, eles estavam
definitivamente em desacordo entre si. De tantas
formas. Quanto a tantos princípios e valores.
Com relação à forma de encarar a vida e vivê-la.
Suas perspectivas davam a impressão de diferir
tão marcadamente como diferem o óleo da água
— os quais também não podem se misturar.
Interiormente, entretanto, ambos possuíam
características estritamente análogas — um
traço em comum. Buscavam uma nova
experiência de vida. Um relacionamento que
valesse a pena. Cada um a seu próprio modo.
Um oásis afetivo. Um amor verdadeiro, quem
sabe?
E eram aquelas semelhanças que estavam
atraindo um para o outro como um potente ímã.
Os corações e as mentes do linguista e da
artista estavam vinculados de uma forma ou de
outra.

“... ´o semelhante atrai o semelhante´,


essas pessoas se encontram e partilham do
problema mútuo.” — Barbara Ann Brennan

50
2
Mudança de planos

“...te guardes de uma mulher iníqua e de


aspecto macio de uma língua estranha. Não
cobices sua beleza em teu coração, e não te
deixes cativar pelo piscar de seus olhos, pois
por causa de uma mulher licenciosa se pode ver
o homem em situação de implorar por seu
pão...” — Shelomo
Propostas indecentes

51
I NDEPENDENTEMENTE
AQUELE EMBARAÇO, CHEGARA O
DIA D E A HORA H DO PRIMEIRO
ENCONTRO
ENAMORADO.
MARCADO
DE

PELO
TODA

PAR

Por meio de um bate-papo no app de


mensagens, Yared ofereceu pagar uma corrida
de táxi para Lorac voltar para casa.
Ela confirmou que, se desse modo fosse,
estaria disponível para ficar com ele por
aproximadamente cinco horas. Cinco horas?

Yared: Qual é o melhor horário pra você?


Lorac: Eu pretendo ir ao centro na segunda-
feira... pra comprar algum material. Poderíamos
nos encontrar ali perto, tipo no Centro de Artes.
Yared: Onde ficaria melhor pra você?
Lorac: Pra mim é melhor lá.
Yared: Ok!
Lorac: Porque vou fazer uma entrega... lá no
Centro de Artes. É ótimo lá, tem várias opções
de lugares pra gente conversar...
Yared: Perfeito!
Lorac: Pode ser de manhã... Chego por volta das
10:00 e vou comprar algumas coisas. Acho que
52
às 11:00 terei terminado, então poderemos nos
encontrar.
Lorac: Por lá...
Lorac: Está bom pra você?
Yared: Vamos almoçar juntos?
Lorac: Se for de manhã eu tenho mais tempo...
porque à tarde tenho que voltar.
Lorac: Sim, podemos.
Yared: Combinado.
Lorac: Tudo bem então!
Lorac: Combinadíssimo!
Lorac: Até mais!
Yared: Até que horas podemos conversar?
Lorac: Até cerca de 2:30.
Lorac: Porque às 3:00 pretendo voltar pra não
ter que pegar um ônibus lotado... e
engarrafamentos.
Yared: Podemos discutir metade dos nossos
planos!
Lorac: Onde moro o transporte é difícil. Tem
ônibus apenas até um determinado horário.
Lorac: Ótimo!
Lorac: Então até breve!
Yared: Qualquer problema, posso arranjar um
Uber pra você — não aceito não!
Lorac: Pra você também.
Lorac: Rsrsrsrs!
Lorac: Tudo bem então. De repente, eu poderia
até aceitar.

53
Lorac: Rsrsrsrs!
Lorac: Obrigada!
Lorac: Até mais!
Yared: Eu disse: não vou aceitar não como
resposta!
Yared: Boa noite!
Lorac: Rsrsrsrs!
Lorac: Tudo bem!
Yared: Ok!
Lorac: Ótimo!
Lorac: Obrigada!
Yared: Meu prazer!

Nem de longe aquilo era o que ele havia


previsto. Era tempo de sobra para tratar ideias
de trabalho e planos de marketing. Além do
mais, se essa chance, por um lado, reacendera
sua expectativa de um flerte com a ruiva, por
outro, despertara no seu peito uma profunda
vontade de reviver a vida em família como fora
numa época passada.
Ambos estavam cientes de sua
autojustificativa para a reunião. Era um
analgésico mental para a dor da culpa.
Para ser realista, em certo sentido, os dois
tinham o desejo sincero de estudar um ao outro
melhor. E muito mais profundamente — em
todos os detalhes possíveis.
54
Yared não parava de pensar no
compromisso. Seus nervos tinham passado a
semana inteira em incessante, diuturna,
insaciável e arguta atividade e sua cabeça
parecia que ia explodir com tantas ideias e
elucubrações.

Na tarde do seu primeiro encontro com


Yared, Ani Lorac estava usando um longo
vestido preto. Seu cabelo ruivo desalinhado
estava preso num coque descuidado, mas ainda
assim charmoso no alto da cabeça, deixando à
amostra seu pescoço bem torneado e sardento.
Yared se viu diante de um par de
penetrantes olhos azuis. Ela estava carregando
um par de pesadas sacolas reutilizáveis de
algodão bege com vetores logo reciclagem
verdes característicos.
A artesã tinha comprado uma abundância
de materiais para seus trabalhos de arte. A
quantidade sem tamanho de itens era bem
perceptível pela protuberância e a projeção de
alguns papeis coloridos pelas bocas das sacolas.
Portando-se com todo cavalheirismo e
atenções, Yared pegou seus pertences da sua
mão e assumiu o peso das suas compras.
Cumprimentaram-se cordialmente com um
polido “boa tarde!”. Beijaram-se nas faces e
55
caminharam a passo lento até à praça da
alimentação a convite do gentleman.
O linguista e a artista sentaram-se a uma
mesa de café e, na maior parte do tempo,
levaram um papo sobre negócios, família,
projetos profissionais e muitos outros assuntos.

O vestido longo que Lorac estava usando


tinha um cavado decote em “V” na parte da
frente que se repetia na parte de trás deixando
um palmo das costas da moça à amostra. Ela o
havia colocado sem sutiã. Aquilo era com
facilidade discernível aos olhos atentos e
libidinosos de Yared.
Ela estava usando uma corrente fina de
prata. E algum tipo de joia dependurada estava
aninhada por dentro da roupa. Seguramente,
repousava com delicadeza entre seus bustos.
Os olhos cautelosos e cobiçosos de Yared,
vez por outra, fitavam-nos se esforçando para
obter qualquer vislumbre que fosse da beleza
desnuda daquela mulher desconhecida.

Lorac tinha planos para uma Feira


Internacional de Arte que iria acontecer dentro
em pouco — num segmento de tempo de poucos

56
meses — talvez três ou quatro. Ela pretendia
aumentar e atualizar suas atividades
profissionais, como todo bom empreendedor.
Sentindo seu coração extasiado com
admiração pelo empreendedorismo apresentado
pela artesã, Yared mantinha uma atitude solícita
de apoio naquele colóquio que era uma mescla
de negócios com um caso amoroso em gestação.
Ofereceu-lhe alguma ajuda, caso ela o quisesse
como sócio.
“Você sabe?” — começou ele.
“Tenho algumas economias guardadas
para qualquer emergência. Também para o
caso de surgir uma grande oportunidade. E eis
que estou diante de uma, e pretendo mudar
meus planos pessoais iniciando um projeto com
você.”
“Humm... é mesmo? Como o quê, por
exemplo?” — perguntou curiosamente a artesã.
“Se você não se importar muito eu poderia
investir algum valor no evento da Feira
Internacional de Arte. Talvez pudéssemos
começar uma parceria de negócios.” —
ofereceu generosamente o coach de idiomas, e
apurou seus ouvidos com uma atenção
respeitosa.
Lorac o olhou pensativamente e se
pronunciou aquiescendo:

57
“Bem, nesse caso, acho essa uma excelente
ideia. Além disso, você pode conseguir um
grande lucro com seu investimento.”
Com lisonjas apropriadas, ela pareceu
fascinada pelo que ele dissera, por algum
motivo que ele não podia imaginar. Yared
percebeu perfeitamente que ambos estavam
abrindo as portas para uma aproximação cada
vez maior.
“Fechado! Alegra-me saber que você tem
interesse. Pode significar a abertura para
grandes oportunidades e bênçãos!” — assentiu
ele com um aceno de cabeça e sorriso largo.
“Tem alguma outra proposta a fazer em
prol da minha felicidade financeira, Yared?” —
inquiriu Lorac de forma jocosa.
“Não. Por agora, isso é tudo. Quem sabe
no futuro?” — comentou ele igualmente
irônico.

O fetiche da calcinha

Depois de passar algum tempo visitando as


elevadas estantes abarrotadas de livros no andar
superior, o curso designer e a artista desceram as
onduladas e estilosas escadas daquela
formidável livraria.

58
Como agradecimento pela gentileza de ter
aceito seu convite, Yared tinha prometido
comprar um livro para a pequena filha de Lorac.
No térreo, o reservado professor observava
a artesã com atenção. Ele não conseguia tirar os
olhos de cima dela.
Num meneio de ancas, ela andava a passo
lento e elegantemente em meio às estantes a fim
de escolher a melhor opção para sua menina.
Movia-se com a graça surpreendente de uma
bailarina.
O empresário linguista, já cheio de desejo,
ficou olhando para aquela mulher com cabelo
acobreado. Seus olhos viajaram de cima a baixo
no seu corpo. Ela quase dançando, enquanto
caminhava sem se apressar por entre os espaços
das estantes de livros, era uma atração
imperdível para os seus olhos.
Mesmo usando um vestido longo e solto, o
volume arredondado dos seios e quadris eram
visíveis por baixo daquela peça singular de
roupa. Yared estava bem atento para não perder
um segundo sequer daquele desfile cheio de
charme e sensualidade proporcionado pela sua
marchand.

O Dalai-lama conquistador tinha algumas


particularidades quando o assunto era flerte de
59
uma nova conquista. Entre essas: ele tentava por
todos os meios, tanto quanto possível e, assim
que a ocasião o deixasse, tocar com discrição a
pretendente pela cintura. O roço servia para
constatar se ela estava realmente usando uma
calcinha.
Como se já não bastasse, ele queria medir o
tamanho e a forma da peça íntima feminina de
baixo. Quando possível esperava ser ligeiro e
hábil o bastante para bater aquela meta. Era-lhe
uma espécie de desafio.

Depois de alguma pesquisa cuidadosa,


Lorac escolheu um livro de inglês para sua
criança. Era uma obra muito interessante e
educativa. Nas diversas páginas do livro,
divididas por temas, se tinha imagens fartamente
coloridas e um botão logo abaixo. Ao se acionar
esses botões, o livro emitia o som da pronúncia
em língua inglesa correspondente à figura.
O professor elogiou a escolha e lhe disse
que seria muito útil para a iniciação da criança
no estudo do novo idioma.
Lorac ficou muito grata. E Yared estava
deveras otimista com aquela aproximação
amigável.

60
Havia-se passado algumas horas desde o
início daquele primeiro cordial encontro. O
linguista ainda estava decidido a não perder a
chance de tocar o corpo da artista movido pela
curiosidade e pelo desejo.
À medida que Lorac caminhava em direção
ao caixa, Yared, já aceso, não conseguindo se
conter, deslizou a sua destra rapidamente pelo
lado direito do quadril da mulher. Ele estava
apenas aparentando guiá-la pelo caminho até o
caixa. Varria o corpo da dona com os olhos
apertados, se detendo nas coxas, nos peitos, na
bunda.
Aqueles simples cinco ou dez segundos de
contato físico foram suficientes para Yared
detectar que Lorac estava usando uma calcinha
tamanho M.
As pessoas na região onde eles moravam
costumavam zombar ao chamar essas peças
íntimas jocosamente de “calcinhas bem
comportadas”.
Conforme o rastreamento do seu radar,
Lorac poderia ser levada em conta como uma
dona de casa de boa índole. Esse era o tipo de
mulher a ser aceita como uma futura parceira
romântica. Em sua mente, havia uma tremenda

61
quantidade de evidências para admitir tal
“vaticínio”.

A crença da calcinha bem comportada tinha


a ver com suas aventuras de adolescente nos
idos dos anos 70. Por esse tempo, ele costumava
conversar com meninos mais velhos sobre as
meninas e cedo conheceu os mistérios do sexo.
Aprendera com esses camaradas de mais idade
que a moral de uma mulher poderia ser medida
pelo tamanho da calcinha que ela vestia.
Por um bom tempo, tal ensinamento foi
sendo autenticado ao longo dos relacionamentos
amorosos de Yared.
Como resultado, ele estava em tudo
convencido de que Lorac era sem a menor
dúvida uma mulher para se envolver caso isso
pudesse se tornar cabível.

“Temos um campo de probabilidade, que


seriam as escolhas que eu tenho na vida, aquilo
que eu escolho fazer. Como isso vira realidade,
vai depender do que “eu” defino de fato fazer.
Entretanto, são os referenciais de vida que vão
definir o que você vai fazer. Referenciais são
aquilo que está no seu consciente, e também no

62
seu inconsciente, mas, que delimitam o seu
querer, suas escolhas. Eles são essenciais para
que tomemos as decisões.” — Fernando
Freitas CS

A viúva negra

O tempo tinha passado rápida e


desapercebidamente aos dois enamorados. As
horas correram depressa, tão depressa, que eles
não haviam sentido e já eram 8 horas da noite
— duração limite de cinco horas combinada
para aquela primeira conferência.
Antes de ir para casa, Lorac pediu para
visitar o toilette. Voltou em dez minutos, e
levaram o derradeiro bate-papo naquele fim de
reunião.
Yared aproveitou o ensejo para conferir se
Lorac estaria disponível para um encontro mais
reservado. Em determinado momento,
perguntou com muita curiosidade:
“Eu estava imaginando se você gostaria de
ir ao cinema qualquer dia desse?”
“Sinto muito. Eu não posso fazer isso.
“Ah, é? Não gosta de filmes?” —
perguntou o linguista com certa bisbilhotice.

63
Eu definitivamente não gostaria que meu
companheiro fosse flagrado numa sala de
cinema com outra mulher.” — respondeu ela
com seriedade.
Esse rebate pegou Yared de surpresa. Ele
ainda guardava na mente o comentário de Lorac
sobre sua proposta de jantar fora.
“Seria uma ótima ideia. Preciso conhecer
novas pessoas. Preciso de um pouco de lazer.
Da próxima vez, quem sabe?”
Como tal, ingenuamente esperara por uma
resposta positiva de sua possível futura
companheira comercial. Ou seria parceira
romântica?
No entanto, no fundo, ele estava
plenamente ciente de que aquilo era apenas um
toque de sensualidade envolto numa falsa
moralidade. Essa última observação da artista
não batia de forma alguma com a resposta sobre
um possível jantar a dois.

Já estavam ultrapassando o limite de tempo


de cinco horas previstas quando Lorac
inesperadamente, atirou uma confissão
desconcertante diante de Yared.
E num tom de confidência, mandando a
prudência não falar, sendo recomendável

64
guardar silêncio, num segredo só dela e do novo
amigo, ela se abriu:
“Às vezes, sinto vontade de ficar viúva!”
Aquela revelação pareceu ser um
contrassenso para um primeiro encontro com
um total desconhecido. Uma esposa lhe dizendo
que tinha o desejo oculto de que seu marido
morresse era uma atitude muito arriscada e
leviana! Que absurdo tudo aquilo!
No que dizia respeito a Yared, essa era uma
observação de todo inusitada. Ele mais uma vez
teve a nítida impressão de que aquela mulher
estaria num relacionamento em enorme medida
perturbado. À beira da falência. Prestes ao
rompimento. Ela estaria de todo insatisfeita com
seu parceiro atual. Sua vida estava um marasmo
e talvez desejasse fazer uma nova experiência.

Depois de alguns momentos, Yared


chamou um táxi como havia apalavrado.
Negociou o valor da corrida e recomendou a
passageira aos cuidados do motorista — um
senhorzinho de aproximadamente sessenta e
tantos anos e bem educado.
Yared abriu a porta traseira do carro para
que Lorac entrasse. Quando ela se acomodou
com suas novas compras, ele se inclinou para
lhe oferecer um beijo. A ruiva decidida e
65
imediatamente virou o rosto na direção oposta.
Porém, ele conseguiu beijá-la na bochecha
esquerda, e esboçou um leve sorriso. Ela
colocou uma expressão um tanto séria.
Despediram-se e foram para suas casas.

Sem volta

Mais tarde naquela noite, Yared contatou


Lorac novamente através do Messenger. Ela
chegara em casa em segurança, e sua filha
adorara o presente.
Dera a impressão a Yared de que aquela
criança era o único elo de ligação entre a ruiva e
a realidade da vida. A derradeira razão de ela se
sentir alguém de verdade. Sentir que tinha
alguma conexão que valesse a pena.
Eles agradeceram um ao outro pelo tempo
que tinham passado juntos. Outros dois assuntos
vieram à tona: o toque na cintura que Yared
havia passado na artista e um segundo encontro
por vir.

Lorac: Foi muito bom mesmo!


Lorac: Mas eu gostaria de confessar uma coisa.

66
Yared: Sim.
Lorac: Posso realmente falar?
Yared: Sim.
Lorac: Espero que você não fique triste.
Yared: Não.
Lorac: Mas eu fiquei um pouco envergonhada às
vezes quando você...
Lorac: Você me tocou...
Lorac: Fiquei envergonhada.
Yared: Desculpe, eu não queria — foi uma coisa
de amigos.
Yared: Eu não quis fazer isso.
Yared: Fiquei feliz com sua companhia.
Yared: Senti vontade de te abraçar.
Yared: Foi isso. Eu sinto muito.
Yared: Quando o assunto é entre um homem e
uma mulher é sempre uma situação complicada.
Yared: Você sorriu, chorou, se emocionou,
confessou assuntos íntimos, então senti uma
grande empatia por você.
Yared: Foi uma coisa de amigos, acredite.
Yared: Eu não tinha outra intenção.
Yared: Fiquei feliz com nossa amizade.
Yared: Eu me sinto muito mal. Na verdade, me
sinto horrível.
Yared: Nunca pensei que te causaria algum
constrangimento.
Yared: Pensei até agora que aquele tinha sido
um bom encontro pra nós dois.

67
Yared: Mas, eu estava enganado.
Yared: Como tudo é complexo e às vezes sem
sentido.
Yared: Deus do céu, Lorac! Eu não sei o que
dizer.
Lorac: Yared, adorei conversar com você
também. Estávamos muito em sintonia. Foi tudo
muito interessante. Eu não queria que você se
sentisse mal.
Lorac: Mas eu fiquei envergonhada por vários
motivos. Além de casada, tipo se algum
conhecido aparecesse, tenho certeza que não
interpretaria como uma simples amizade.
Yared: Estou extremamente envergonhado.
Lorac: Há coisas que você não pode explicar
pelo zap.
Lorac: Mas é bom conversar pessoalmente.
Lorac: Não fique assim.
Lorac: Você foi super legal comigo.
Lorac: Cuidadoso.
Lorac: Vamos nos encontrar pra falar sobre
nossa parceria.
Lorac: Então vamos falar sobre tudo
pessoalmente.
Yared: Não sei.
Yared: A parceria continua.
Lorac: Sério?
Yared: Mas, eu vou ter dificuldade em olhar pra
você novamente.

68
Yared: Não sei.
Yared: Oh, meu Deus!
Lorac: Uau, Yared!
Lorac: Nada a ver... você ficar assim.
Yared: A vergonha foi a última coisa...
Yared: ... Eu queria causar a você.
Yared: Eu estava tão feliz com tudo.
Yared: Por você.
Lorac: Eu também estava feliz.
Yared: Por sua filha.
Lorac: E no clima pra mais conversa.
Yared: Pelas ideias.
Yared: Projetos possíveis.
Lorac: Já que estou na casa da minha sogra, não
posso nem te enviar um áudio.
Lorac: Desculpe te deixar assim... Eu não queria
te deixar triste. Nem envergonhado.
Yared: Tudo bem.
Yared: É melhor assim.
Yared: Você foi sincera.
Yared: O erro foi meu.
Lorac: É como eu te disse... às vezes eu falo
com rodeios. Outras vezes sou muito direta...
não sei usar o meio termo. Isso é um defeito
meu.
Yared: Eu deixei a sensação de ternura que eu
estava sentindo no momento ir longe demais.
Yared: Desculpe!

69
Lorac: Posso ter interpretado mal sua afeição...
mas é porque isso nunca aconteceu antes.
Lorac: Sou muito intensa em tudo que faço.
Lorac: E então...
Lorac: Isso é tudo o que é preciso.
Yared: Eu também.
Lorac: Eu posso ser incompreendida ou ser o
contrário.
Yared: Não, tudo bem.
Yared: Eu te entendo.
Yared: E eu aceito.
Lorac: Eu realmente gostaria de poder falar com
você para explicar melhor.
Lorac: E não te deixar assim.
Lorac: Do jeito que você está agora.
Lorac: Se interpretei mal sua afeição... me
desculpe também.
Yared: Vou refletir profundamente sobre isso.

Aquela conversa mexeu muito com a


cabeça de Yared. Propositadamente, Lorac não
poderia ser mais aberta sobre sua intenção de se
aproximar dele. E do jeito que ela falava não
parecia ter a ver com uma parceria comercial.
Era explicitamente um caso de um
relacionamento romântico à vista. De outra
forma não se explicaria que estivesse se
insinuando daquela maneira para o linguista.
70
Junte-se a isso a confissão de ruiva que
ainda permanecia afixada em seu cérebro:
“Às vezes, tenho vontade de ficar viúva!”
Aquela revelação se somava à de um
possível ensejo de jantarem juntos. E dessa vez
havia a possibilidade de um novo encontro para
explicação dos fatos que ficaram em aberto.
Todas essas mensagens eram claras para ele.
Lorac estava lhe acenando a possibilidade para
um romance entre ambos.
Aquilo, de forma alguma, poderia ser um
acidente ou uma mera coincidência. Afinal, eles
se encontraram apenas uma vez.
O mais desconcertante nisso tudo era que
apesar de ela levar uma vida conjugal com o
outro cara desde longa data, e terem uma
menina para criar, se portava como uma mulher
solteiríssima.
Como é que uma dona revelaria um assunto
tão reservado a um homem desconhecido no seu
primeiro encontro com ele?
Por mais estranho que possa ter parecido ao
julgamento racional de Yared, e enquanto essas
coisas lhe passavam pela cabeça, o seu lado
emocional decidira ignorar qualquer possível
resultado doloroso.
No entanto, estava além de toda
controvérsia o fato de que qualquer
relacionamento com aquela mulher estaria

71
condenado a uma avalanche de problemas,
dificuldades e agruras próprias. Seria uma
experiência arriscada considerada singularmente
audaz e perigosa.

E, de modo repentino, contraditoriamente,


naquela noite, antes de adormecer, uma
conclusão veio à sua mente:
“...se o segundo encontro acontecer, não
terá mais volta.”
Ele estava convencido de que Lorac lhe
havia dado um sinal verde. Foi por isso que ele
aceitou aquela mensagem com prazer e numa
ânsia que era quase febre.
Aliás, já estava desejando tanto a mulher de
cabelo cor de âmbar que sentia um aperto no
peito. Yared desejava Lorac do mesmo modo
como desejava comida ao ter fome, como
desejava dormir ao ter sono.
Passou-se um lapso de tempo não muito
prolongado. Talvez mais ou menos dez dias para
que eles marcassem um outro compromisso. A
segunda data foi combinada por meio de dois
chats que se mostraram mais íntimos e picantes.

72
Yared: E então que plano você tem em mente?
Yared: Rsrsrsrs.
Lorac: Não sei o que dizer.
Lorac: Sem pensamentos no momento.
Yared: Diga o que quiser.
Lorac: Mas você poderia pensar por mim... e
me propor.
Yared: Você quer me ver?
Lorac: Acho que seria interessante... como foi
antes.
Lorac: Temos coisas pra conversar.
Yared: Sim.
Yared: De fato.

Yared: Mas, tudo vai ficar bem, acalme-se.


Lorac: Mas eu disse a ele que planejava voltar
amanhã... de manhã cedo.
Yared: Se não podemos conversar hoje,
podemos conversar outro dia.
Yared: O mais importante é que você não fique
estressada.
Lorac: Mas eu gostaria de conversar hoje para
não ficar estressada. Rsrsrsrs.
Yared: Sim, eu também. Se você acha que pode,
podemos jantar juntos.

73
Lorac: Se for à noite, como eu chegaria em
casa?
Lorac: Você me traria?
Yared: Você pode pegar um Uber de onde
estivermos.
Yared: Até o seu apartamento.
Yared: Sem problemas com o horário.
Lorac: Hum... Tudo bem.
Lorac: O final da tarde seria melhor?
Yared: No final da tarde, e teremos a noite
também?
Lorac: Sim.
Yared: Um...
Yared: Com uma ruiva tanto tempo?! Rsrsrsrs.
Lorac: Ohhhh, você deve se controlar! Rsrsrsrs.
Yared: Isso é muito irresistível pra mim! Mas
vou me esforçar.
Lorac: Pare com isso... Isso me deixa
envergonhada.
Yared: Não precisa, estou brincando com você.
Lorac: Vejo você às 5:00hs na Livraria.
Yared: Se você for maquiada e ficar linda como
uma daquelas bonecas que você faz, eu não sei.

“Meu cliente merece o melhor de mim.”


De qualquer maneira, chegara o dia
marcado para o segundo encontro aguardado
74
com expectativa por Yared. Ele estava um
pouco irrequieto, mas animado. Como pôde
verificar por meio de um telefonema, a garota de
panturrilhas salientes também estava deixando
transparecer os mesmos sentimentos.
Naquele dia, Lorac mandara alguns
trabalhadores consertar sua casa de campo na
parte da tarde. Às 3:00hs, ela pegou um ônibus,
e, como de hábito seguiu em direção ao local
que eles tinham combinado. Era o lugar da
escolha deles. Era a mesma livraria estilosa.
O ônibus estava lento e a atrasou por cerca
de uma hora. No decorrer da viagem, Lorac
ligou para Yared duas ou três vezes para se
desculpar pela demora. Ele pôde perceber que a
marchand começara a ficar impaciente e aflita.
Então lhe prometeu que estaria esperando o
tempo necessário para vê-la mais uma vez.

Lorac: Eu vou me atrasar. Estou esperando o


ônibus. Leva muito tempo.
Lorac: O celular está no silencioso.
Yared: Ok.
Yared: Esperando por você.
Yared: Beijo.
Lorac: Mas eu estarei lá, espero.
75
Yared: Você quer vir de Uber?
Lorac: Estou no ônibus. O motorista é uma
lesma. Mas, já, já eu chego.
Yared: Ok! Tá tranquilo. Não há pressa.

Para ajudar matar o tempo, Yared pegou


um livro de uma das fartas estantes e começou a
folhear a capa e a contracapa da obra de Diana
Gabaldon — OUTLANDER — A Viajante do
Tempo:

“Ao conhecer Jamie, um jovem guerreiro


das Terras Altas, sente-se cada vez mais
dividida entre a fidelidade ao marido e o desejo
pelo escocês. Será ela capaz de resistir a uma
paixão arrebatadora e regressar ao presente?”

Com pouco tempo depois, ele escutou:


“Oiii!” num sussurro tão suave que mal se
fez ouvir a sua voz.
Quando levantou os olhos, Lorac estava
bem na sua frente, encostada casualmente na
poltrona onde ele estava sentado.

76
“Na Odisseia de Homero, a deusa Circe
adverte o viajante Odisseu sobre a voz sedutora
das Sereias e sobre como essa bela voz,
inevitavelmente, atrairá ele e sua tripulação à
morte. A natureza curiosa de Odisseu fica entre
o desejo de ouvir o som das vozes e o medo de
onde elas irão levá-lo. Por isso, conhecendo
sua própria fraqueza e desejo, e obedecendo as
instruções de Circe, ele mesmo se amarra ao
mastro, de modo que, ao ouvir a voz atraente
das Sereias, não seja tentado a segui-la para
sua destruição. Ele também cuida para que os
ouvidos de sua tripulação sejam cheios de cera
de modo que eles não ouçam a voz das sereias
nem seu próprio choro, pedindo para ser
desamarrado a fim de seguir as vozes. Odisseu
nunca deveria ter chegado tão perto das
Sereias, mas não obstante, esta história contém
muita sabedoria. Se sabemos que vamos ser
tentados por algo que nos causará problemas e
não sabemos ao certo se poderemos resistir,
podemos pensar lá na frente e colocar em seu
devido lugar coisas que irão nos coibir quando
chegar a hora de enfrentá-las.” — Graham
Tomlim

77
Dessa vez, era uma garota estilo top model.
Aquela mulher não parecia a mesma artesã
humildemente vestida do último encontro. Ani
Lorac estava usando um vestido preto. Justo.
Estiloso. Curto e sensual. Ostentava um anel
graúdo e brilhante no dedo do meio da mão
esquerda. Colocara uma maquiagem sexy. Tinha
os lábios perfeitamente pintados, e sorriu para
ele de forma voluptuosa. Yared a observou
atentamente. Seus olhos vasculharam-na mais e
mais da cabeça aos pés.
Onde estava o mastro, ao qual Yared
pudesse se amarrar?!
“Oi!” — respondeu ele. “Você está linda.
Valeu a pena esperar.” — acrescentou.
“Obrigada. Meu cliente merece o melhor
de mim.”
A forma de vestir, falar e agir de Lorac
lembrou Yared das atividades das garotas de
programa. Isso era expresso na sua postura
corporal, no gestual, na expressão facial e na
voz.
Em verdade, o corpo traduz a alma para o
que é visível — como já afirmara Christian
Morgenstern — autor de versos em estilo
nonsense.
Entretanto, o linguista já estava cativado
pela beleza, excentricidade e atitudes

78
desprendidas, por que não dizer, imprudentes da
bela artista.
Parecia que ela estava revisitando seus
sonhos de mulher. Aqueles encontros a estavam
colocando mais próxima de seus desejos
íntimos. E estava pronta para investir, pronta
para estar linda nos compromissos com o coach
de idiomas era indispensável. Gostar de se
maquiar para encantar era algo do qual ela não
devia nunca abrir mão.

O casal conversou por algum tempo na


praça da alimentação da livraria, e pouco depois,
Lorac convidou Yared para atravessar a rua e
caminhar em direção à área boêmia da cidade. E
assim fizeram.
Enquanto se dirigiam ao setor de bares,
caminhando pela rua, Yared tentou segurar na
mão esquerda de Lorac.
“NÃO! ” — recusou ela. “Imagina eu
andando de mãos dadas por aqui com você?”

Ficou bem claro para o professor, sem


dúvida nenhuma, que as mulheres são muito
mais cuidadosas, ardilosas e sutis quando se

79
trata de toda a trama que envolve sedução,
conquista e relacionamentos com o sexo oposto.
Já os homens cometem erros grosseiros e
reveladores nas suas aventuras extraconjugais,
ou mesmo nas suas relações afetivas.

Ao chegarem no píer, escolheram um bar


temático — anos 70-80-90. Havia pôsteres das
celebridades da época colados em todas as
paredes daquele espaço. A música era os
grandes hit parades daquelas décadas fantásticas
— era de ouro do rock e do cinema — the top of
the world !
Homem e mulher conversaram e beberam
na companhia um do outro durante um bom
tempo. Yared tomou três ou quatro cervejas.
Lorac tomou várias caipiroscas — uma bebida
alcoólica doce feita de cachaça e limão. Ficou
um tanto embebedada. Ria à toa. Lançava
olhares lascivos em direção ao linguista e
tropeçou algumas vezes quando foi ao toilette.
Deu a impressão de que a mulher estava
com muita sede ao pote. Ao voltar do banheiro,
pediu mais uma dose. Soltou o drink goela
abaixo com rapidez e sofreguidão.
No decorrer da conversa, o linguista foi
tomado por aquela ideia fetiche de conferir a
calcinha da sua paquera. E assim o fez com um
80
toque rápido e suave pela cintura da artesã, e
ainda descendo em alguma medida mais para
baixo, suas mãos desceram ao longo do seu
corpo.
Não é de surpreender que Yared pudesse
distinguir que dessa vez Lorac não estava
usando a tal chamada “calcinha bem-
comportada”. Essa descoberta colocou seus
instintos em chamas.
De imediato, em sua mente, lhe calhou a
ideia de convidá-la para um jantar dançante.
Seria a oportunidade perfeita para tê-la nos seus
braços. Tocá-la. Senti-la. Oxalá, beijá-la. E
quem sabe acaso fazer amor com ela?
Sua excitação já tinha se elevado
muitíssimo com o quê percebera com o toque no
quadril da sedutora mulher de preto.

No entanto, uma ou duas horas depois, com


um movimento rápido, Lorac sacou seu celular
da bolsa e discou para uma amiga. Segundo ela,
uma membra da mesma igreja que frequentava.
Pelo bate-papo, deu a impressão de que elas
haviam combinado de se encontrar mais tarde
naquela noite.
O coração de Yared desfaleceu à
perspectiva de ter que deixar Lorac. Afinal, eles
poderiam ficar mais tempo juntos. De maneira
81
especial, agora que tinham bebido e seus ânimos
estavam altos.
Ele teve o leve pressentimento de que
aquilo era um teste — um jogo mental. Lorac
não queria parecer fácil demais. Queria elevar
em alguma medida o seu valor sexual de
mercado.
Ela tinha pleno conhecimento de seus
objetivos e intenções, e sabia que havia naquele
possível relacionamento uma margem boa de
realização para encaixar suas metas e vontades.
Há coisas que se guardam a sete chaves,
mas, uma vez que se tenha ciência disso, o
próximo passo fica mais fácil.
A artista disse que não poderia ficar por
mais tempo de forma alguma. Aquela afirmação
veio sem qualquer desculpa ou explicação.
De qualquer maneira, Yared lhe ofereceu
uma carona de táxi até o local onde ela deveria
se encontrar com a amiga. Embarcaram num
táxi e partiram.

Cerca de quarenta e cinco minutos depois,


chegaram numa das ladeiras da cidade vizinha.
Lorac saiu do carro. Yared notou que seu
vestido apertadíssimo tinha subido um palmo
acima dos joelhos. Um belo par de coxas

82
torneadas e grossas apareceu para seus olhos
atônitos.
“EI LORAC!” — gritou colocando a
cabeça para fora da janela.
“Puxa teu vestido pra baixo. Tua calcinha
tá quase aparecendo. As pessoas vão começar a
te azarar!” — acrescentou.
A mulher se virou e olhou em sua direção.
Seu rosto se abriu de satisfação e murmurou:
“Sim, meu rei! Você ordena e eu
obedeço.”
Essa foi a primeira vez que ela se dirigira
ao empreendedor de idiomas por aquele epíteto.
Seu rosto se abriu de alegria e uma onda de
contentamento e orgulho varreu a mente e o
coração de Yared.
Meu rei, meu rei, meu rei, Ele repetiu
várias vezes mentalmente, determinado a jamais
esquecer aquelas duas palavras que soaram
como um melodioso elogio.
Ele com bochechas arqueadas, olhos
arregalados, sobrancelhas levantadas e
marquinhas enrugadas ao redor dos olhos se
sentiu especial e um conquistador. Considerou-
se o mais venturoso dos homens.
Imediatamente depois, se despediram.
Lorac desapareceu por trás de algum casarão,
numa das esquinas das ladeiras da cidade alta, e
Yared foi direto para casa.

83
Por volta das 8:00 da manhã do dia
seguinte, Lorac enviou uma mensagem de texto
via WhatsApp. Ela postou uma foto sua em
anexo. Deu a impressão de que estava
apreensiva e esgotada.
Yared perguntou:
“Onde você está agora? Não foi pra
casa?”
“Não! Ainda estou na casa da minha
amiga. Não estou com vontade de voltar pra
casa. E afinal, sei que a briga vai ser grande!”
Yared lhe deu o seguinte conselho:
“Não! Vá pra casa! Você ainda tem um
parceiro. Uma filha pequena. E uma casa pra
cuidar. Diga ao seu companheiro que se
atrasou. Diga que não pôde voltar pra casa
tarde da noite. Fala que decidiu dormir na casa
de uma amiga. Vai ficar tudo bem.”
Assim fez Lorac. E mais tarde naquele
mesmo dia, ela lhe enviou outra mensagem.
Tudo estava sossegado.

No que dizia respeito a Yared, ele não tinha


a menor dúvida. A artesã estava prestes a
terminar com seu companheiro. Ficou evidente,

84
por esta razão, que ela estaria livre para começar
um relacionamento amoroso com ele. Aquilo era
apenas uma questão de tempo. Muito pouco
tempo por sinal.

3
Troca de amantes

“A separação leviana é vivenciada como


um crime grave, pelo qual alguém tem de
pagar.” — Bert Hellinger

Lábios de mel...propósitos de absinto

M ESMO SEM INTIMIDADE, MAS


COM MUITA INTENSIDADE
YARED

MAIS.
E LORAC

ALMOÇAVAM
SE
ENCONTRARAM POR QUATRO OU CINCO
VEZES E
85
JANTAVAM JUNTOS DE VEZ EM
QUANDO. Iam para shopping centers.
Frequentavam espaços festivos e dançavam.
Sempre com seus corpos coladinhos. Peito no
peito. Coxa na coxa.
Verdadeiramente eles formavam um belo
par. Ele; compleições físicas de
afrodescendente, esguio e com uma vitalidade
corporal invejável, cabelos pretos com alguns
fios que já haviam assumido a coloração branca
brilhante de prata, pele morena bronzeada. Ela;
bem atraente, corpo mais para o tipo mignon,
muito esbelto, de pernas bem torneadas, cabelos
vermelhos como uma brasa incandescente que
lhe caíam sobre os ombros como cascatas de
cobre, pele sobremodo clara com sardas
salpicadas aqui e ali no rosto e pelo pescoço.
Por diversas ocasiões as pessoas se
dirigiram a eles os tomando como estrangeiros,
turistas, visitantes de outras terras.
Lorac costumava conversar tempo sem fim
sobre a sua vida. Negócios. Seus
relacionamentos frustrados do passado. E seus
planos para o futuro.
Em se tratando da vida um do outro, com
efeito, ambos não sabiam nada a respeito. Da
mesma forma não conheciam nenhum de seus
familiares e seu círculo íntimo. Eles eram
pessoas em tudo estranhas entre si. Todas as

86
informações que vinham obtendo sobre suas
existências lhes chegavam mediante as suas
próprias narrativas pessoais.

Don Juan
O casal conversava em tempo real via
aplicativo de troca de mensagens todos os dias.
Numa frequência de duas ou mais vezes diárias.
De maneira geral, de manhã cedinho, e à noite,
bem tarde, antes da hora de dormir.
Certa feita, Yared mencionou a Lorac sobre
sua artimanha para conquistar mulheres
mediante intenções e atos. Ele havia intitulado
esse seu jeito de se achegar ao sexo feminino de
Técnica 3As.
Só o fato de o professor ter lhe revelado
que ele empregava uma certa estratégia para
conquistas amorosas foi suficiente para a artista
manifestar uma curiosidade sem tamanho em
saber. Ela insistiu continuamente até ele decidir
lhe explicar.
“Bem... — disse Yared.
Já que você quer conhecer minhas
estratégias de conquistar mulheres, eu vou te
revelar.”

87
“Mas só se me prometer não espalhar por
aí, porque é algo confidencial. Ok?” —
perguntou ele sorrindo.
“Sim, claro, meu rei maravilhoso! Posso
lhe prometer com segurança que nunca vou
falar sobre isso com alguém. Sei guardar um
segredo tão bem como um cofre. Pode confiar
em mim.” — lhe assegurou Lorac.
Yared começou a detalhar sua técnica “a
la Duan Juan” para os ouvidos atentos da sua
candidata ruiva no outro lado da linha.

“A letra “A” é a inicial de abertura. O


número “3” representa as três fases da
conquista bem sucedida.” — iniciou o linguista.
“A primeira etapa, ou o primeiro “A” — o
“1ª” — é para a “abertura dos lábios”. Isso
significa que o bom conquistador precisa
inicialmente fazer com que a mulher se sinta
bem em sua companhia. Sinta-se à vontade.
Sinta-se feliz. E sorria bastante. Esse estado de
espírito alegre e descontraído quebra as
barreiras psicológicas da complexa teia mental
feminina reprimida pela sociedade patriarcal e
machista em que vivemos.” — continuou.
“Na época da estrita moralidade vitoriana
até o riso da mulher era criticado como falta de

88
pudor. As mulheres daquele tempo
desenvolviam um sintoma psicológico que foi
chamado de histeria. Era uma reação anormal
à intensa repressão sexual que lhes era imposta.
Freud explica!” — sorriu o linguista.
“Quando o conquistador perceber que sua
pretendente já desfruta da sua companhia por
causa do clima solto e divertido, sorrindo
livremente com suas histórias, papos e até
piadas, ele sabe que chegou o momento de
iniciar a segunda etapa — o segundo “A”, o
“2ª”.” — elaborou ainda mais.
“Essa é a fase em que a mulher irá dar
‘abertura do coração’. Pois, estarão removidos
os empecilhos e as limitações psicológicas que
a impedem da proximidade com o sexo
masculino. Ela se encontra pronta e disposta
para falar as coisas que guarda na sua
intimidade. Uma verdadeira confiança e
amizade se estabelecem entre ambos. É muito
prazeroso compartilhar sentimentos e
pensamentos além da trivialidade do dia-a-
dia.” — continuou Yared com sua explicação.
“Agora, depois de superadas as fases 1 e
2, a terceira, qual seja, o terceiro “A” — o
“3ª” — simboliza a ‘abertura das pernas’.
Invariavelmente, se o homem conseguir com
habilidade, paciência e acolhimento conduzir a
mulher pelas duas primeiras etapas, terá como

89
prêmio e recompensa a entrega sexual de sua
namorada.” — detalhou ele.
“Daí, existe técnica até para se conquistar
uma mulher. Aliás, técnica pode ser definida
como uma melhor maneira de fazer alguma
coisa.” — finalizou com um sorriso.

“Seu pervertido!” — gritou Lorac do outro


lado do telefone.
“Seu Don Juan barato!” — vociferou.
“Calma, minha querida!” — pediu Yared.
“Então, eu sou apenas uma experiência?
Uma cobaia? Sua próxima presa?” — disparou
ela.
Com um sorriso discreto, ele lhe
respondeu:
“Não. Não. Eu já me encontro
emocionalmente envolvido com você e percebo
que esse sentimento tem sido recíproco. Algo
espontâneo e natural, concorda?”
“Sim, verdade. Eu também estou gostando
de você. Sinto-me à vontade pra conversarmos.
Opa! Em que fase estamos mesmo nessa sua tal
Técnica 3As? ”
“Fase 2ª querida!” — respondeu o
linguista com um sorriso alto do outro lado da
linha.

90
“Mas aí, quer dizer que só me resta o 3ª? ”
“Um...hum...” — respondeu Yared rindo
com vontade.

Migalhas de prazer
Era de novo quase Natal daquele ano.
Yared tinha uma filha morando em outra cidade.
Ela estava vindo com suas netas para vê-lo nas
festas natalinas. Pai e filha marcaram um
encontro num shopping próximo. Eles se
encontrariam. Conversariam. Fariam uma
refeição leve, juntos em família. E o avô
compraria alguns presentes de Natal para as
meninas também.
Yared aproveitou a oportunidade para
marcar um novo e decisivo bate-papo com
Lorac. Eles se encontrariam no mesmo
shopping e sairiam para jantar.
Desse modo, após a celebração doméstica,
o casal voltaria a se ver.

Lorac estava esperando por Yared numa


das lojas de artigos femininos. Um lindo vestido
preto estava dobrado à metade sobre seu braço

91
esquerdo, e a ruiva tinha um riso de felicidade
estampado na sua clara face salpicada de sardas.
Como prometido antes, ele pagou por suas
roupas novas. Ela também cuidou de que suas
unhas fossem cuidadosamente manicuradas.
Além disso, recebera uma massagem relaxante
nos pés naquele final de tarde. Feito isso, foi ao
banheiro trocar de roupa.
Meia hora mais tarde, a dona de cabelo
acobreado apareceu diante do linguista com um
olhar sedutor. Aquele vestido preto estava
posicionado no meio das pernas. Era apertado.
Sua parte superior era ainda muito mais justa.
Os seios de Lorac estavam espremidos na parte
de dentro insinuando seus pequenos mamilos. O
perfil dos seus quadris se destacava.
Ela deu uma rápida voltinha para a
apreciação do seu admirador. O Casa Branca
poliglota apreciou a curva bem definida da
bunda da artista. Firme e empinada. Aquela
visão acendeu seus instintos sexuais como eles
raras vezes haviam sido despertos antes.

Havia sido quase dois anos inteiros sem ter


uma mulher. A interrupção da sexualidade de
Yared se devia ao fato de que a doença de sua
falecida esposa, tratamento e luto o tinham

92
mantido totalmente abstêmio. Por conseguinte,
estava com uma acentuada vulnerabilidade
nessa área — naquela situação, migalhas de
prazer significavam um banquete para sua
libido.
O maridão e dedicado chefe de família de
forma alguma, tinha sido dado a relações
extraconjugais. Sequer tampouco tinha mantido
relacionamentos com amantes no decorrer do
seu casamento.
Por exceção, tinha havido alguns raros
casos de flerte. Pega-aqui-pega-ali. Amassos e
beijos rápidos com algumas alunas mais
oferecidas. Todavia, para seu padrão de
princípios e valores ele tinha sido fiel até que a
morte os separe. Literalmente. Como de fato
acontecera.

Agora, mais do que nunca, lá estava uma


mulher só para ele. Bonita. Jovem. Ruiva!
Estava olhando só para ele. Estava vestida só
para ele. Estava pronta só para ele. Estava
sensualmente sorrindo só para ele.
Esse fato alvoroçou o sangue em suas veias
com uma descarga do “quarteto da felicidade”
— endorfina, dopamina, serotonina e ocitocina.
Sentiu que se aceleravam as batidas do coração.

93
Quase podia ouvir o TUM-TUM dentro do
próprio peito.
Como ele havia imaginado antes — não
haveria mais volta a partir dali.

Yared pediu um táxi e eles seguiram para


um restaurante dançante e elegante ao sul da
cidade.
Por azar, o motorista — com barba por
fazer e vestido em andrajos — era um homem
sem modos e um mau condutor. O veículo era
velho e barulhento. Os assentos cheiravam
vagamente a tabaco e à gasolina. Resolveram
trocar de táxi e pediram que o cara parasse o
carro assim que o tráfego de veículos o
permitisse. Estavam bem no setor boêmio do
centro da cidade quando Yared deu-lhe o sinal
definitivo de parada.
Ao descerem do carro, Lorac olhou em seu
entorno e respirou fundo. A rua estava
empesteada com uma fumaça e um fedor
pungente característico. E ela logo exclamou:
“A maconha tá solta no ar. Você pode
sentir o cheiro disso?”

94
Yared tinha sido policial tempos atrás.
Nesse trecho da sua vida, tinha sido treinado
para reconhecer narcóticos e pessoas viciadas
em drogas. Fazia parte do seu trabalho naquela
fase da sua vida. Sabia muito bem, por
experiência própria, que a fumaça e o odor
vinham dos cigarros de maconha. E sabia muito
bem que os supostos inocentes usuários de
drogas eram de fato sócios de traficantes.
Havia largado a carreia de policial a pedido
da sua mulher. Sua noiva naquela época. A Sra.
Lovingdale tinha um espírito pacífico. Altruísta.
Cordial. Abominava violência e conseguira
convencer seu noivo a fazer a migração de
carreira.
Desse modo, Yared pediu afastamento do
serviço público. E escolhera se dedicar
exclusivamente à educação como professor de
idiomas.
É uma dádiva a capacidade singular do ser
humano de escolher sua senda e descobrir um
significado em toda experiência empreendida.

O olhar de alarme que brilhou em seus


olhos foi extremamente pronunciado. Yared
ficara demasiadamente incomodado que sua

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futura companheira também estivesse bem
familiarizada com o assunto das ervas.
Se bem que, o momento não era acertado
para se discutir tal tipo de caso. Afinal de
contas, estavam indo para um happy hour. Em
qualquer outra ocasião. Quem sabe?

“Como amantes, meu rei!”


“O vínculo entre parceiros exige que o
homem deseje a mulher como mulher e que a
mulher deseje o homem como homem. O
vínculo não se estreita completamente quando
os parceiros se desejam por motivos diferentes:
por passatempo ou adorno, como provedores,
por ser um deles rico ou pobre, católico ou
protestante, judeu ou muçulmano, hindu ou
budista; porque um quer conquistar, proteger,
melhorar ou salvar o outro; porque um quer o
outro seja, sobretudo, pai ou mãe dos seus
filhos. Parceiros que se juntam com esses
objetivos em vista não consolidam uma união
capaz de resistir a crises graves.” — Bert
Hellinger

96
Já no restaurante foram servidos com o
prato preferido de Yared — salmão com salada.
O garçom também trouxe cervejas para a mesa.
Eles estavam desfrutando de um magnífico
jantar e momento na companhia um do outro.
Yared convidou Lorac para o salão de
dança. Dançaram uma. Duas. Três músicas
juntinhos. À queima-roupa. Peito no peito.
Coxas nas coxas.
Como a mulher pôde dançar sem a menor
dificuldade e com grande prazer acompanhando
muito bem seus passos, ele ficou encantado por
ter achado uma boa dama. Yared era reputado
nos arredores como pé-de-valsa — título usado
para alguém que domina a arte da dança.

Não obstante o prazer desfrutado a dois,


como Yared percebera, uma triangulação estava
tomando forma. Foi por isso que ele começou
uma conversa séria com Lorac.
Perguntou-lhe:
“Por favor, me fala. Estamos aqui como
sócios comerciais ou como um homem e uma
mulher?”
Lorac, fitando o linguista com um olhar
mal-intencionado, contrapôs imediatamente:
“Estamos aqui como amantes meu rei!”

97
Ela tinha um ar de riso ao dizer aquelas
palavras. Seu rosto se iluminou vitoriosamente.
“Falou pouco e disse tudo!” — meneou a
cabeça triunfantemente o linguista.
Yared, no entanto, mais cauteloso e
racional, lhe disse que não iria embarcar num
relacionamento a três. Respeitava o homem do
outro lado. Era contra a sua vontade perturbar a
vida dela. Muito menos a sua própria. Por essa
razão, se ela realmente estava prestes a começar
algo com ele, e por nenhum outro motivo, teria
que resolver a situação daquele casamento falido
primeiro. Todo o resto seria consequência
automática.

Parceiro descartado
Era uma manhã de domingo ensolarado. O
límpido ar com cheiro suave de maresia
anunciava um quente dia de verão com calor
causticante. A cidade abafava de calor.
Yared, a convite, estava na casa da sua mãe
para almoçar. Seu irmão e sua namorada
também haviam sido convidados para aquela
confraternização familiar de final de semana.
Faltando ainda algum tempo para que o
almoço fosse servido, resolveram descer e
seguir em direção às areias brancas das praias do
98
seu bairro. O reflexo do sol lhes cegava os
olhos.
O litoral estava salpicado com guarda-sóis
de tamanhos e cores sem conta. As pessoas se
refrescavam como podiam. Bebiam cervejas.
Água de coco. Cachaças. Mergulhavam na água
azul celeste daquele mar paradisíaco. Iam para
debaixo dos chuveiros públicos. As crianças
corriam alegremente de um lado para o outro
com suas pipas. Suas boias salva-vidas. Seus
pets. O comércio estava tão aquecido quanto a
temperatura local. Os camelôs vendiam de tudo
que se possa imaginar.
Em determinado momento, o Multilaser G2
de Yared tocou. Lorac estava do outro lado da
linha.
“Já decidi! Vou encarar essa experiência
com você! Quero ficar com você. Não tenho
mais condições de manter esse casamento
tóxico e doentio. Está me deixando louca!”
A artista estava nervosa e chorando muito.
Yared lhe pediu para se acalmar e certificar-se
novamente da sua intenção, consideração e
atitude. Ela falou que era definitivo.
Adicionou:
“Amanhã vou dizer a ele que estamos nos
separando. É impossível continuar! Não quero
mais ficar nessa vida infernal!”

99
“Quando alguém se decide por uma coisa,
geralmente precisa abrir mão de outra. A coisa
pela qual se decide é aquilo que é, que se
realiza. A coisa de que se abre mão comporta-
se, em relação ao que é e que se realiza, como
um não-ser.” — Bert Hellinger.

No dia seguinte, Lorac entrou em contato


com Yared por telefone. À tarde, lhe disse que
era realmente o dia em que comunicaria o
rompimento. Continuou lhe enviando
mensagens até que finalmente desabafou:
“Está feito! Está acabado! Estou livre pra
ser sua, meu rei maravilhoso!”
O empresário de idiomas disse que estava
tudo certo. Ela não deveria se dar ao trabalho de
se preocupar com mais nada. No final do dia,
tudo ficaria bem.
Agora Lorac era uma mulher livre. Ele
poderia vê-la como sua companheira. Poderia
começar um love affair com ela.
E o mundo os envolveu pleno de novas
possibilidades!

100
Yared postou uma música no zap de Lorac
em homenagem ao início daquele romance entre
as línguas e as artes.

You’ve Got a Friend

When you’re down and troubled


And you need some lovin’ care
And nothin’, nothin’ is goin’ right
Close your eyes and think of me
And soon I will be there
To brighten up even your darkest night
You just call out my name
And you know, wherever I am
I’ll come runnin’
To see you again
Winter, spring, summer or fall
All you need to do is call
And I’ll be there
You’ve got a friend
If the sky above you
Grows dark and full of clouds
And that old north wind begins to blow
Keep your head together
And call my name out loud
Soon you’ll hear me knockin’ at your door
You just call out my name
And you know, wherever I am
101
I’ll come runnin’, runnin’, yeah, yeah
To see you again
Winter, spring, summer or fall
All you have to do is call
And I’ll be there, yes, I will
Now, ain’t it good to know that you’ve got
a friend
When people can be so cold?
They’ll hurt you, yes, and desert you
And take your soul if you let them
Oh, but don’t you let them
You just call out my name
And you know, wherever I am
I’ll come runnin’, runnin’, yeah, yeah
To see you again
Winter, spring, summer or fall
All you have to do is call
And I’ll be there, yes, I will
You’ve got a friend
You’ve got a friend
Ain’t it good to know you’ve got a friend
Ain’t it good to know, ain’t it good to know
Ain’t it good to know
You’ve got a friend
Oh, yeah, now, you’ve got a friend
Yeah baby, you’ve got a friend
Oh, yeah, you’ve got a friend —
JAMES TAYLOR

102
“Você não é produto das circunstâncias,
você é produto das suas decisões.” — Viktor
Frankl

Tempestade num copo d’água


Na quarta-feira, dois dias depois que Lorac
terminara com seu companheiro, o novo casal se
encontrou num shopping da zona sul abastada
da cidade. Ao pôr do sol, fizeram uma refeição
leve. Conversaram um pouco, olho no olho,
como um casal apaixonado. Passearam de mãos
dadas contemplando as vitrines.
Yared beijou Ani Lorac pela primeira vez.
Foi um beijo romântico e com muita paixão. A
ruiva sentiu o membro ereto roçando sobre sua
coxa. Sorriu sorrateiramente e o arranhou,
deslizando as unhas sobre as costas do seu
homem.
Certa hora, depois de trocarem algumas
palavras a mais, partiram para um hotel costeiro
da cidade, que de improviso Yared tinha
escolhido através do seu celular.

103
Chegando à hospedaria, e antes de partir
diretamente para a transa com a artista, o
linguista a levou para uma grande praça que
ficava a alguns quarteirões da hospedaria onde
iriam pernoitar. Da mesma forma, essa praça
ficava a poucos metros da praia. O local de
encontro público estava lotado de pessoas
eufóricas se divertindo com a celebração de um
feriado local.
Lá, Yared foi com Lorac até onde estava
havendo a apresentação de uma ciranda — uma
típica dança grupal nordestina. As pessoas
dançam se dando as mãos numa roda que vai e
vem. Aproximando-se para dentro do centro do
círculo. Afastando-se para fora do centro do
círculo. Oscilando como as ondas do mar.
Enquanto ele estava fora da roda de dança, ali,
de pé, em meio a aplausos de irrequieto grupo
de outros espectadores, batendo palmas ao som
da música rítmica, sua namorada estava dentro
dançando alegremente.

Decorridos alguns instantes depois do show


de ciranda, seguiram para um restaurante
próximo. Pediram o prato de peixe costumeiro
de Yared — salmão acompanhado de salada
com legumes e temperado com manteiga.

104
O jantar corria perfeitamente bem, quando,
de súbito, Lorac ficou extremamente irritada por
ter achado uma pequena espinha de peixe
perdida na comida. A ruiva ficou muito nervosa
e começou a esbravejar.
A derradeira coisa de que Yared precisava
naquele momento era uma confusão em pleno
jantar romântico, e tentou acalmá-la:
“Querida, por favor. Não deixe essa
pequena espinha estragar nossa grande noite
que temos pela frente.”
Ela reagiu num azedume:
“Isso é um absurdo! É insuportável.
Estamos pagando uma conta cara. Isso nunca
deveria acontecer. Vamos ligar para o gerente e
registrar uma reclamação.”
O homem se distingue por meio de seu
copo, seu bolso e sua raiva. Por este motivo,
podemos tomar conhecimento do caráter das
pessoas mediante sua conduta quando come, o
modo como usa seu dinheiro e observando seu
temperamento.
Sem sucesso, o linguista com muito tato
fizera esforços tentando desviar a conversa a fim
de evitar qualquer incidente indesejável pouco
antes da primeira noite de amor do par. Afinal, a
vida é curta demais para ser desperdiçada com
raiva ou angústias.

105
Lorac pediu sem rodeios a Yared que
chamasse o gerente à sua mesa. Ele para tanto o
fez para impedir que as coisas se agravassem.
Quando chegou, o gerente tentou soar o
mais amigável possível ao explicar o que havia
acontecido. No entanto, Lorac interrompeu seu
esclarecimento jogando um monte de palavras
duras contra aquele estabelecimento.
“Sentimos muito, senhora!” Por favor,
aceite as nossas desculpas. Vou pedir outro
prato igual para a senhora de graça.” —
colocou o funcionário da empresa.
Yared se pronunciou:
“Pelo amor de Deus, Lorac! Pare com
isso! Você tá fazendo uma tempestade num copo
d´água! Olha aqui! Relaxe! É claro que o
restaurante cometeu uma falha. Mas o gerente
já se desculpou educadamente. Como se já não
bastasse, ele nos ofereceu outro prato de graça
ou nosso dinheiro de volta. Isso é o suficiente.
Não é?”
A mulher respirou fundo. Deu um suspirou
abafado de exasperação. Recuperou a postura. E
falou com voz decidida:
“Ok! Ok! Vamos receber o nosso dinheiro
de volta e sair daqui agora mesmo. Que assim
seja! Ainda me sinto muito afrontada. Poderia
ter tido um problema de saúde. VAMOS
EMBORA!”

106
A massagem tântrica
Num de seus inúmeros bate-papos por meio
do aplicativo de mensagens, Yared contara a
Lorac que era um massagista tântrico. A
marchand ficara muito excitada e muito
enciumada em tomar conhecimento dessa sua
aptidão.
Ela lhe fez muitas perguntas sobre o
assunto. E o linguista recheou sua explicação
com detalhes referentes para dar a conhecer a
sua competência. Minudências dos prazeres e
deleite das clientes foram informadas. A partir
daquela narrativa, ele percebera o quão irritada
sua namorada havia ficado. Notara o seu grau de
interesse grande demais pelo tema.
“Bem, esse tipo de massagem é mais
terapêutico do que qualquer outra coisa.” —
começou o linguista em sua explanação.
“Para a mulher, se chama ‘massagem yoni’
— ou massagem na área genital. Pode-se usar
óleos relaxantes e aromáticos a gosto e escolha
da cliente.” — prosseguiu o massagista.
“Essa prática não significa fazer sexo. Não
é um coito. Existe técnica e seriedade. Com
vistas a quê? Com o objetivo de fazer com que a

107
mulher relaxe. Descarregue as tensões nervosas
acumuladas. Acima de tudo, se ela tiver
vivenciado períodos de anorexia de intimidade
prolongada.” — acrescentou Yared.
“Meu rei!” — exclamou Lorac.
“Você tem tantas habilidades excelentes.
Essa me surpreendeu que é uma beleza! Não
sabia nem que existia esse tipo de massagem,
muito menos que você soubesse aplicar.”
“Sim, sei. Fiz curso para isso. Já atendi
várias clientes. Ficaram satisfeitas, viu? ” —
disse ele com um sorriso maroto.
“E elas...? Elas...?” — a dona de cabelo
ruivo acobreado já bem agitada iniciou a
pergunta que Yared completou:
“Gozaram? É essa sua pergunta, né?” —
indagou ele com uma risada.
A artista deu uma gargalhada
surpreendentemente profunda e imoral do outro
lado da linha.
“Sim. Algumas sim. Outras não.”
“Algumas com gritos de prazer!” —
acrescentou ele rindo.
“SEU TARADO SAFADO!” — exclamou a
artista gritando.
“Minha querida Lorac, não seja tão
preconceituosa. Esse tratamento nada tem a ver
com tara ou safadeza.” — tentou acalmá-la o
massagista.

108
“Este é um método de cura interior e
exterior indiano milenar. Seu objetivo é a
liberação de tensões congestionadas. O
massoterapeuta apenas serve de instrumento
para o alívio da paciente.” — explicou mais
detalhadamente.
“Sei não, viu?! Tenho muita coisa ainda
pra aprender na vida.” — se lamentou ela.
“Vivendo e aprendendo minha querida.”
— finalizou Yared sorrindo.

Passou-se um breve momento. Tudo


apaziguado no restaurante. O par encaminhou-se
ao seu quarto no hotel.
Lorac pediu licença e foi até ao toilette.
Yared aproveitou sua ausência momentânea.
Tirou a calça comprida e a camisa. Atirou-se na
cama, se esticando relaxadamente de costas
sobre aquele leito de casal king size duplo.
Cerca de 30 minutos mais tarde, depois de
uma chuveirada quentíssima, daquelas que
deixam os espelhos embaçados por causa do
vapor da água extremamente abrasadora, Lorac
voltou sem se apressar para o dormitório da
suíte.
Estava vestida num sumaríssimo maiô na
estampa plantas do mar com um lindo detalhe

109
semi transpassado no busto e em tecido de
malha resistente e de toque macio. Trazia na
mão direita um pequeno frasquinho de vidro
marrom escuro. Os olhos do coach de idiomas
estavam a ponto de saltar para fora das órbitas.
Yared se sentou ereto na cama com um
impulso repentino. Ele já havia admirado os
dotes físicos daquela dona arruivada usando
roupa. Agora sua forma delineada, saudável e
exuberante se tornara algo que nenhum homem
poderia se decepcionar ao contemplar ao vivo e
a cores.
Aos poucos, lentamente, pé ante pé, Lorac
se aproximou da cama sem fazer ruído. Deu um
passo adiante e entregou de maneira delicada o
frasquinho que estava parcialmente oculto na
sua mão direita. Deitou na posição de bruços ao
lado do seu massagista. Cruzou os tornozelos no
ar, com um brilho malicioso nos olhos e
esboçando um sorriso mal-intencionado, se
declarou:
“Estou pronta pra minha primeira
massagem yoni, meu rei!”
“Vou lhe dar a melhor massagem que você
já teve na vida, sua ruiva gostosa e tarada!” —
respondeu Yared àquele estímulo provocador
esboçando um ar de riso libidinoso.
Yared, com o pequeno vidro na mão, tirou
a tampa e sentiu o recipiente exalar um

110
irresistível perfume afrodisíaco à base de
essência de ervas. Impresso em letras
maiúsculas destacadamente no rótulo, se lia:
ÓLEO PERFUMADO — IDEAL PARA
MASSAGEM RELAXANTE.
Daí em diante, não restava coisa alguma
mais a fazer. A massagem yoni tinha de
acontecer... infalivelmente. Yared já não via
nada, só via seu desejo, a vontade que tinha do
corpo da ruiva. Agora tinha que exercer sua
função de massoterapeuta tântrico com a sua
cliente de cabelo vermelho acobreado que estava
deitada sensualmente ao seu lado. A sua
disposição.
O massagista deixou cair um fino fio
daquele líquido oleoso e aromatizado sobre as
pernas da sua bem-amada. Começou a
massageá-las suavemente. Deslizou suas mãos
pelas rijas panturrilhas sentindo a musculatura
malhada. Concentrou a pressão sobre as solas
dos pés, macias e cor-de-rosa. Deu uma firme
compressão no estilo shiatsu. Depois pressionou
ainda mais fortemente. Quando seus dedos
subiram até a altura da bunda, Lorac deixou
escapar um grito de prazer bem baixinho, porém
audível.
Mais óleo foi derramado sobre as costas da
ruiva. Yared deslizava com suavidade. Depois

111
com mais pressão. Em seguida, com mais força.
Lorac soltou um gemido alto.
Ele desprendeu o fecho da parte de cima do
maiô, deixando os seios completamente livres e
expostos. As auréolas eram rosadas e de círculos
perfeitos em torno de bicos miúdos e eriçados.
Agora, a cliente já estava deitada de costas,
com as pernas ligeiramente entreabertas. O
massagista derramou mais do líquido do prazer
sobre os seios da artista. Tomou-os em suas
mãos. Acariciou os mamilos que já estavam
duros pela excitação provocada pelo frescor e
perfume do óleo combinados com o contato
físico da pegada do massagista. A mulher soltou
um gritinho enquanto se contorcia com aquelas
carícias extasiantes.
Yared escorregou suas mãos pela barriga e
pela pélvis da cliente. Ela estava trêmula e
ofegante. Seu corpo se contorcia com o toque
macio. Com o toque lento. Com o toque forte.
Com o toque acelerado. Seus olhos se
reviravam. Aquele toque abrasava sua pele e
preenchia suas veias de fogo.
Yared baixou seu traje de banho por
inteiro, e deixou de fora a púbis da sua mulher.
Quando os primeiros pingos daquele óleo
paradisíaco caíram sobre sua região genital —
devidamente depilada para a ocasião — a artista
deu um grito alto de tesão.

112
Rapidamente, o massoterapeuta aproveitou
a oportunidade e começou a esfregar seu clítoris
todo lubrificado e perfumado com a mistura do
óleo e do mel vaginal. A ruiva, numa sequência
de “AIS”, gozou loucamente. Ani Lorac teve
um orgasmo intenso e ruidoso com aquela
massagem yoni que seu namorado a havia
proporcionado com esmero.
Aquele foi o primeiro contato físico íntimo
do casal. Yared estivera morto de vontade de
deitar com ela e penetrá-la. Ela também estava
querente.

Em frações de segundos desavisadamente


chegara a alvorada do dia! Os primeiros raios
dourados de luz do sol e a brisa da pré-
madrugada se intrometeram pela fresta da janela
invadindo a privacidade do quarto dos amantes.
Por fim, Yared pôde ter a resposta
definitiva e prazerosa para aquela interrogação
que viera a sua mente no palco de dança do
primeiro encontro:
“Ela é ruiva lá em baixo?”
Os raios ruborizados do sol nascente ao
incidir sobre a penugem ruiva de Ani Lorac
deram um toque áureo, com vários entretons de
âmbar, àqueles fios de cobre íntimos da mulher

113
de Yared. Seus cabelos cacheados e
avermelhados cintilavam à luz quente do astro
rei.
Foi uma visão magnífica. Uma imagem
artística — digna de um belo quadro. O
linguista, em êxtase puríssimo, ficou feito bobo
fitando a beleza desnuda da mulher.
“Estou admirando a beleza do raio do sol
sobre sua pélvis cor de cobre. Muito bonita essa
visão!” — disse ele embevecido a sua bem-
amada.
Ela moveu o rosto em sua direção e passou
a olhar para ele com olhos penetrantes.
Segundos passados, lhe disse com lascívia na
voz:
“Aproveita, meu rei! Desfruta! Sou toda
tua agora!”
Yared de fato se sentiu um rei ao lado da
sua rainha.

Poucas horas depois, após a lauta refeição


do café-da-manhã servido — regrado a iogurte,
sucos naturais, croissants, docinhos, granola,
frutas cortadinhas, bacon e ovos mexidos — os
namorados se despediram com um abraço
apertado — o coração de Yared bateu junto do
coração de Lorac — e um demorado beijo.

114
Ambos foram para suas casas. Para suas rotinas
habituais. A vida real os aguardava.
Contraditoriamente, suas realidades haviam
mudado com aquele encontro. Homem e mulher
estavam agora vinculados. E PARA SEMPRE!

FOLHETIM

Se acaso me quiseres
Sou dessas mulheres que só dizem sim
Por uma coisa à toa, uma noitada boa
Um cinema, um botequim

E se tiveres renda
Aceito uma prenda, qualquer coisa assim
Como uma pedra falsa, um sonho de valsa
Ou um corte de cetim

E eu te farei as vontades
Direi meias verdades sempre à meia luz
E te farei, vaidoso, supor
Que és o maior e que me possuis

Mas na manhã seguinte


Não conta até vinte, te afasta de mim
Pois já não vales nada, és página virada
Descartada do meu folhetim
115
Se acaso me quiseres
Sou dessas mulheres que só dizem sim
Por uma coisa à toa, uma noitada boa
Um cinema, um botequim

E se tiveres renda
Aceito uma prenda, qualquer coisa assim
Como uma pedra falsa, um sonho de valsa
Ou um corte de cetim

E eu te farei as vontades
Direi meias verdades, sempre à meia luz
E te farei, vaidoso, supor
Que és o maior e que me possuis

Mas na manhã seguinte


Não conta até vinte, te afasta de mim
Pois já não vales nada, és página virada
Descartada do meu folhetim
— Chico Buarque

“Pela consumação do amor cria-se, entre


o homem e a mulher, um vínculo real. Este, por
seus efeitos, é ainda mais forte do que o vínculo
real dos filhos aos pais. É absolutamente o mais
forte dos vínculos.” — Bert Hellinger
116
Ensaio fotográfico sensual

Depois de uma abstinência sexual de mais


de dois anos, Yared estava dormindo em cama
de casal com mulher ao lado. Costumava
repousar no apartamento da namorada apenas
nos fins de semana. Da sexta-feira para o
sábado. Do sábado para o domingo. E,
finalmente, do domingo para a segunda-feira.
Isso invariavelmente acontecia quando a filha de
Lorac ficava com o ex-companheiro para
cumprir a convivência com ele e a família
paterna. Por meio desse arranjo, só se
encontravam de quinze em quinze dias. Depois,
retornava para sua casa. Para a sua lida, ganha-
pão. Para seus afazeres de profissional liberal.
Entrementes, mantinham longas conversas
no Messenger e no telefone. Aqueles foram dias
inolvidáveis. Em grande parte, porque estavam
se conhecendo melhor, e em particular porque,
sem dúvida nenhuma, ambos tinham suas
carências e vulnerabilidades afetivas — cada um
a seu próprio modo.
Certa vez, o par se demorou quatro horas a
fio numa única ligação. Lorac aproveitou para
lhe mandar um ensaio repleto de admiráveis
117
nudes a fim de compensar seu homem pela
ausência de sexo presencial.
Foram ângulos perfeitos. Iluminação
adequada. Pareciam fotografias de uma
profissional. Yared pôde perceber que estava
com uma mulher libidinosa e belamente talhada
pela natureza.
Nas fotos dos seios, Lorac estava usando
aquele cordão delgado de prata que ele vira no
seu pescoço no primeiro encontro e mais nada.
O click se assemelhou àquele bonito retrato
vintage de Rose pintado pelo personagem Jack
no filme Titanic.
Uma cena cinematográfica que se fixara
indelevelmente na mente do linguista pela
beleza poética da pintura em carvão que o
personagem produzira da sua amada, igualmente
ruiva — no filme representada pela belíssima
atriz Kate Winslet.
As fotos de costa revelaram uma região
glútea perfeitamente torneada e com um leve
bronze destacado pela marquinha de um
reduzido biquini.
Noutra sequência, para sua extrema
excitação e deslumbramento, o instrutor de
idiomas viu que havia uma bolha translúcida
reluzente pairando sobre a vulva da artista. Era
uma gota do mel que brotara das suas entranhas.
Yared se convencera que Lorac da mesma forma

118
estava reciprocamente excitada ao fazer aquele
ensaio para ele.
Parecia que ele tinha descoberto uma
parceira perfeita. Tanto no presencial como no
virtual. Aquela mulher despertava sua libido até
a estratosfera.
Era jovem. Bonita. Atraente. Proativa. Ele
percebeu que ela era uma excelente profissional
e tinha planos promissores para o futuro. E
peculiarmente, ela era RUIVA! Ainda sob esse
aspecto, era um atributo físico que ele desejava
nas mulheres desde que era adolescente. Esse
era um fetiche real e intenso daquele homem.
E lá estava ela. Lorac era sua namorada.
Yared estava repleno de energia. Entusiasmo.
Encorajamento. Pronto para encarar a vida
novamente. E agora reabastecido sexualmente
de forma integral.

119
4
Encenando o script

“Sempre haverá, na sociedade e no mundo


em geral, gente mais agressiva do que nós
somos, que encontra um jeito de conseguir o
que quer, por bem ou por mal.” — Robert
Greene

“Era apenas uma ideia.”

D EPOIS DE MAIS OU MENOS UM


MÊS DA PRIMEIRA
INTENSA DE AMOR CALIENTE, O
CASAL ESTAVA TOMANDO O DESJEJUM
EM SEU HOTEL PREFERIDO COMO DE
NOITE

COSTUME. Então, Lorac começou uma


conversa sobre as despesas de Yared com seus
encontros. Hotéis. Refeições. E vários demais
custos que ele tinha quando o casal se
encontrava.
“Yared, você está gastando muito dinheiro
com a gente.” — comentou Lorac.
Ele ergueu a vista, franziu a testa e fitou o
rosto da namorada de soslaio.

120
Com a cabeça ligeiramente inclinada para o
lado enquanto comia uma torrada de pão
integral com suco de laranja, ela disse:
“Eu amo tudo isso, mas estava pensando
que poderíamos ficar na minha casa.”
Agora, Yared olhou fixamente o rosto da
ruiva com uma expressão de que estava
estupefato com aquela declaração inesperada.
“Lá poderíamos desfrutar de mais
privacidade e estadias mais longas. E querido,
pode ser mais barato para o seu bolso. O que
você acha disso?”
Não se deixando levar pelos argumentos da
sua bem-amada, ele respondeu:
“Minha boneca, parece tentador. Mas
estou muito feliz com a maneira como estamos
levando nossas vidas.”
Lorac estreitou os olhos, examinando-o
com certa irritação, como aquelas palavras
tivessem colocado uma cunha de separação
inesperada entre seus planos e os planos de
Yared.
“Parece que estamos numa lua de mel
permanente. Além do mais, não pretendo iniciar
uma união estável nesse momento.” — o
linguista rejeitou a sugestão com um pouco mais
de veemência.
A moça sarará com um olhar penetrante era
a caricatura da decepção personificada.

121
“É melhor mantermos as coisas desse jeito
como estão. Você não concorda?” — perguntou
ele suavemente ao notar a frustração
indisfarçável estampada no semblante da sua
mulher.
Medindo as palavras, e sem qualquer bate-
boca a mais, ela retorquiu:
“OK. Sem problemas! Era apenas uma
ideia. Na verdade, eu amo tudo isso. Estou
encantada com nosso relacionamento, meu
rei.”
Deu a impressão de que Lorac não queria
ser pegajosa. Não desejava indispor-se com
Yared. Era contra a sua vontade encrencas com
ele. E tudo indicava que o que os dois queriam
era felicidade, era alegria, era escapar de toda
aquela desventura, de toda aquela adversidade
que os cercava e os sufocava.

Natal e Réveillon
A época do maior feriado religioso da
cristandade acabara de chegar. Os novos
amantes planejavam ficar juntos na primeira
noite de Papai Noel do seu love affair. Desse
modo, agendaram um encontro na véspera de
Natal.

122
Yared fez a ceia na casa da sua mãe e
Lorac foi para a casa da família do ex-
companheiro para jantar com eles e deixar sua
filha aos cuidados da família paterna. De tal
modo, teriam muito mais tempo juntos e
sozinhos.
Pouco depois do jantar, Lorac ligou para
ele. Disse que estava indo para o endereço da
sua família.
Quando ela chegou, ele recebeu outra
mensagem de texto:
- Cheguei. Tô aqui em baixo. Pode vir.
Yared se despediu dos familiares, beijou a
testa da sua mãe, pediu-lhe a bênção e desceu.
Transpôs a portaria desejando Feliz Natal para
os funcionários de plantão. Passou pela grade
dupla de segurança e, sem perder tempo, entrou
imediatamente no carro.
Dentro do veículo mergulhou seus lábios
nos de Lorac apaixonadamente. E pediu ao
motorista para seguir rumo ao hotel que havia
sido reservado para aquela noite especial.
Ficaram juntos da noite do dia 24 até a
noite do dia 25 de dezembro. Fizeram o
checkout no dia seguinte, dentro de alguns
minutos após o café-da-manhã. Depois daqueles
momentos maravilhosos a dois, ambos
precisaram voltar para suas próprias casas a fim
de assumir suas responsabilidades e deveres.
123
Na virada do dia trinta e um de dezembro
para o dia primeiro de janeiro, o casal
apaixonado teve outro rendez-vous para o
Réveillon. Dessa vez, Lorac foi jantar com a
família de Yared. Conheceu a mãe e demais
membros daquele clã pela primeira vez.
Após o jantar compartilhado na
confraternização familiar, linguista e artista
foram para as ruas a fim de se reunirem com
aquelas pessoas explodindo de alegria e
empolgação. Vestidas com as cores tradicionais
para celebrar a chegada do Ano Novo e começar
o ano com pé direito.

O branco representa a paz e é usado com a


esperança de se ter um novo ano harmônico e
pacífico.
Dourado é para quem gosta de passar a
virada com bastante glamour. A cor dourada se
assemelha um pouco ao amarelo e representa a
prosperidade.
Prata também é usado por quem quer se
destacar em meio à multidão do ano novo. O

124
prateado simboliza inovação e distinção,
trazendo, assim, estas energias para o ciclo que
se inicia.
Laranja é para quem busca força e energia
para o próximo ano, o laranja é a escolha certa.
A cor forte e marcante carrega o simbolismo
enérgico e vibrante.
Amarelo é uma das colorações mais
aceites, depois do branco. O amarelo atrai
prosperidade e riqueza. É a opção de quem quer
ter mais dinheiro no próximo ano.
Verde é para pessoas que estejam atrás de
novas fontes de esperança, podendo usar esta
cor como atrativo. Além disso, ele também é a
escolha de quem busca um ano com mais saúde.
Azul é a cor da serenidade e da harmonia.
Passar o Réveillon com tons azulados, dessa
forma, atrai um novo ano sereno e harmônico.

Ao dar doze horas em ponto, houve uma


maravilhosa exibição de fogos-de-artifício. Um
esplêndido cenário pirotécnico no decorrer de
mais de trinta minutos. As pessoas abraçaram-
se, beijaram-se e gritaram para desejar um ano
bom e saudável.
Lorac e Yared abraçaram-se com força e
partilharam as suas bocas e línguas naquela tão
125
profunda comoção e agitamento mesmo no meio
da rua.
Dormiram no seu hotel costumeiro,
localizado numa zona costeira da cidade, a
poucos passos da multidão, em celebração ao
primeiro dia do novo ano que estava a
amanhecer.

Economia, privacidade e prazer


Mais uma vez, Lorac teve a ideia de propor
que eles se encontrassem em sua casa em vez de
reservar quartos de hotel. Numa conversa do app
de mensagens, ela enviou um texto com uma
foto dela de biquini na piscina do condomínio:
- Eu quero você aqui comigo nessa
piscina maravilhosa, meu rei!
Recorreu aos mesmos argumentos.
Economia de dinheiro. Privacidade. Ficar mais
tempo juntos para o prazer mútuo do casal. Para
ela era um argumento muito sedutor, mas para
Yared nem um pouco razoável.
Novamente, o empresário linguista se
manteve irredutível e recusou sua oferta.

126
- Temos as belas praias para
explorar. E falando sério, nem gosto de
banho de piscina.
Ela não discutiu e aceitou sua decisão.

Água mole em pedra dura...


“As pessoas são sutis e evasivas,
disfarçando suas intenções, fingindo estar a seu
lado. Você precisa de clareza.” — Robert
Greene

Janeiro do Ano Novo chegara. Yared


começou a frequentar a igreja de Lorac. Essas
reuniões aconteciam invariavelmente às sextas-
feiras no comecinho da noite. Esse era o dia e
horário em que ela auxiliava com seus serviços
de limpeza e locução.
Numa determinada semana, depois do
culto, a artista convidou Yared para visitar seu
apartamento. Dessa vez, sem forças para maior
resistência, ele não opusera objeções em
conhecer a moradia da namorada. A sarará ficou
radiante de alegria.
Foram a um grande supermercado vizinho
à instituição religiosa. O casal fez uma grande
127
feira. Incluíram vinho. Frutos do mar —
camarões e peixes. Um novo jogo de roupas de
cama e toalhas. Velas especiais — aromatizadas
e incensos. Flores. Tudo foi comprado como
preparativo para uma extraordinária noite de
amor. E assim terminaram as compras e se
encaminharam para o condomínio da ruiva.
Lorac preparou camarões grelhados a alho
e óleo. Para abrir a garrafa de vinho tinto, Yared
usou o saca-rolha, que estava sem uso há muito
tempo numa gaveta do armário da cozinha da
artista sedutora. Acendeu as velas perfumadas
— a luz indireta deixou o ambiente mais
aconchegante. As flores deram um toque
romântico na decor. A trilha sonora foi regida a
base de música celta medieval. E eles tiveram o
jantar mais sensual de todos os tempos.
Aquela foi a primeira vez que Yared entrou
no apartamento da garota.
Era um espaço pequeno e aprazível, meros
35 metros quadrados. Uma pequena sala-copa-
cozinha americana conjugada, um banheiro e
dois quartos. Tinha móveis minimalistas. Uma
mesa improvisada com tampo de mármore e
pernas de madeira colonial roídas do tempo. Um
sofá de dois lugares bem surrado. Uma estante e
rack reaproveitados de um escritório falido.
Uma geladeira bem desgastada. Um fogão

128
simples e uma máquina de lavar roupas fora de
linha.
O espaço também tinha algumas peças de
arte penduradas nas paredes da sala. Aquarelas
pintadas pela própria dona do apartamento.
Pratos de barro decorados com pinturas variadas
e bonecas de pano sem conta — criações da
artista.

Fizeram amor a noite toda. Vararam a


madrugada e dormiram até bem tarde na manhã
seguinte.
Yared sentiu-se como se estivesse no
paraíso. Por fim, a felicidade o atingira depois
de dois anos de amargura e falta de uma
companhia feminina.
Em sua cabeça, os pensamentos eram de
que Lorac estava certa desde o princípio. Sua
casa era o lugar perfeito para desfrutar de
economia, privacidade e prazer.

Um pouco mais tarde, à mesa do café da


manhã, Lorac decidiu colocar a questão de
dinheiro em pauta. Ela sabia que não podia
esperar o empreendedor de idiomas tomar a
dianteira. A questão financeira era de

129
fundamental importância. E tentou mais uma
vez quebrar o gelo e falar desse assunto com
sutileza. Estaria estabelecendo suas
necessidades e expectativas.
“Sabe, o valor que você pode economizar
com a gente aqui na minha casa é muito mais
do que eu pago à hipoteca do apartamento e às
taxas de condomínio. Se você pudesse me
emprestar esses pagamentos pra esse mês, seria
uma grande ajuda, querido.”
Yared lançou um olhar perscrutador, mas
perguntou compreensivamente:
“Quanto você precisa?”
“Serão apenas seiscentos reais! Com isso
eu posso pagar as duas contas — a hipoteca e
as taxas de condomínio, meu amor!”
“OK! No entanto, para que não receba
esse dinheiro de graça, você poderia fazer duas
peças de arte pra mim? Eu gostaria de ter um
unicórnio chinês. Seu nome é Ki-Lin. E também
gostaria que você fabricasse um cavalinho de
brinquedo pra meu neto. Tá certo?”
Ela disse, com ligeiro sorriso no rosto:
“Certo! Isso é fácil! Sem problemas!”
Como tal, Yared pagou as duas contas de
Lorac em janeiro daquele ano. O homem
apaixonado ficou enlevado por poder ajudar sua
companheira.

130
Noutra oportunidade, numa prosa
costumeira com sua namorada, Yared ficou
sabendo que ela tinha sido uma funcionária,
atuando como consultora, por quatro anos numa
empresa de artesanato.
Depois de um acidente no seu ambiente de
trabalho, quando precisou fazer cirurgia na
perna esquerda e se afastara do serviço por cerca
de 45 dias, a artista foi demitida e ingressara
com uma ação na justiça trabalhista.
Ganhou a causa. O valor que lhe deveria
ser indenizado foi dividido em 12 vezes. No mês
de dezembro do ano do primeiro encontro com
Yared, Lorac havia recebido sua derradeira
parcela do acordo. A partir de então, ficaria sem
perceber qualquer renda fixa.

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