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Mitologia e pós-modernidade: Proteu,

Argos e Narciso - Os mitos e seus


reflexos na sociedade

Patrício Dugnani
Mestre em Comunicação e Semiótica - PUC/SP
Coordenador do curso de Publicidade e Propaganda e Secretariado Executivo da
Faculdade Integração Zona Oeste
e-mail: patricio.dugnani@unianhanguera.edu.br

Lílian Aparecida Cruz


Bacharel em Psicologia - FMU
Professora da Faculdade Integração Zona Oeste
e-mail: lac.cruz_@hotmail.com

Resumo

O artigo buscará compreender a relação entre o ser humano e o mundo, ou, o mundo e o ser humano, através dos mitos.
Foram escolhidos três mitos fundadores gregos que representam há psique contemporânea: o mito de Narciso (culto à auto-
imagem), Proteu (transformações na forma e a perda da identidade) e Argos (a vigilância e a violência). Os três sintomas
representados por esses mitos aparecem como ponto de obsessão e, com isso, sofrimento para o homem. Ou seja, os mitos nos
mostrarão os sintomas dos males que mais afligem, ao mesmo tempo, de maneira contraditória, mais nos envolve, em nossa busca
cotidiana por uma vida idealizada, uma busca platônica por nossos paraísos perdidos.

Palavras-chave: Mitologia, Pós-modernidade, Psicologia, Narcisismo, Identidade.

Introdução enigmático”. (2003, p. 14).


Ou seja, ao mesmo tempo em que os mitos nos
Desde quando Teseu, adentrando o labirinto, revelam, nos escondem, pois foram criados para revelar
desfiando a “teia tênue1” de Ariadne, matou o Minotauro; um homem ao mundo e um mundo a esse homem; ao
ou Ulisses, por seu hybris, deixou-se atormentar pelo mesmo tempo, para ocultar, proteger a consciência desse
canto das sereias; ou Sísifo condenado a empurrar homem - vindo de paraísos míticos, ou “inconsciências”,
eternamente uma pedra ladeira acima; ou Prometeu ou ignorâncias salvadoras - da loucura, atirado ao
acorrentado sendo mutilado pela terrível ave que lhe mundo, sem qualquer proteção e da desvantagem de
comia o fígado diariamente; que o homem luta para possuir uma consciência. A consciência, como para
explicar e para ocultar... O quê? Aquilo que nos revela e Pinóquio, é um grilo falante a nos atormentar com nossas
que nos esconde: nossos labirintos e abismos, nossas ficções.
máscaras e personagens. Os mitos acabam por funcionar É nessas idéias que se baseiam esse artigo, que
como essa ponte entre a escuridão e a luz, entre a voz e buscará compreender a relação entre o ser humano e o
o silêncio, entre a expressão e o segredo, como nos mundo, ou o mundo e o ser humano, através dos mitos.
afirma Bernadette Bricout: “Porque o mito é sempre um Selecionamos três mitos fundadores que consideramos
jogo de luz e sombra, descoberta e recobrimento, ao a síntese expressiva que representa esse formato e
mesmo tempo ingênuo e complexo, transparente e organização humana, as quais se modelam em suas
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características principais: o individualismo, o hedonismo nascera apenas uma flor, em sua homenagem
(culto à aparência), fragmentação da identidade, o declínio denominada de Narciso.
das metanarrativas (contudo, discordando de Dominic
Strinati, não acreditamos que haja um declínio do discurso
religioso, mas que esse discurso se adaptou ao mercado,
o que talvez o descaracterize da forma como o
conhecíamos). A vigilância paranóica e ditatorial que se
justifica pela proteção e pela observação - observação
que nos leva para dentro de um grande videogame, um
Big Brother mundial com suas câmeras em todos os
cantos, com suas mortes em prol da vida e do sonho de
outros povos.
Os Três mitos fundadores gregos que, ao nosso
olhar, representam a nossa alma contemporânea são:
Narciso, Proteu e Argos. Esses mitos, doravante
denominar-se-ão como males, pois os três sintomas
representados por esses mitos aparecem como ponto
de obsessão e, com isso, sofrimento para o homem. Ou
seja, os mitos nos mostrarão os sintomas dos males que
mais afligem, que, ao mesmo tempo, de maneira
contraditória, mais envolve-nos em nossa busca cotidiana
por uma vida idealizada, uma busca platônica por nossos
paraísos perdidos, uma odisséia interminável - “muito
além da Trapobana”, o vomito da maçã, a devolução do
fogo que nos acorrenta e nos liberta. Os males de
Narciso, de Proteu e de Argos. O mito de Proteu
Antes de darmos continuidade, localizemos o
nosso leitor, que não merece a obscuridade, a história Proteu era um deus marinho, que guardava os
dos três mitos que vamos analisar sobre a luz dos rebanhos de Netuno, era filho dos Titãs: Tétis e Oceanus.
acontecimentos de nossa sociedade pós-moderna. Proteu tinha dois dons que causavam inveja e interesse
aos mortais: o dom da premonição (conhecia o presente
O mito de Narciso o passado e o futuro) e o dom da transformação (Proteu
podia assumir qualquer forma que quisesse). Como não
O mito de Narciso é com certeza um dos mais gostasse de prever o futuro, tarefa extremamente ingrata
conhecidos. Na mitologia grega, Narciso era filho de para qualquer ser, ao pressentir qualquer aproximação
Cefiso, um deus e da ninfa Liríope. Segundo uma das de um mortal, fugia e se disfarçava com qualquer forma,
versões mais conhecidas, como Narciso era um rapaz ou assumia aparências terríveis e assustava seus
de beleza impressionante, a ninfa Eco se apaixonou perseguidores.
perdidamente por ele. Eco era uma ninfa do bosque e Uma das únicas maneiras de fazer com que Proteu
fora castigada por Hera a apenas repetir o que os outros revelasse o futuro era prendê-lo durante o sono.
falassem, pois, sob as ordens de Zeus, distraia a deusa, Menelau, com a ajuda de Eidotéia, filha de Proteu, e
enquanto ele buscava suas amantes. Contudo, Narciso acompanhado por seus amigos, prendem Proteu
rejeitou Eco, que definhou até seu corpo desaparecer, enquanto dormia e o fez revelar, segundo consta a
sobrando apenas a sua voz, que continuaria a se repetir tradição, o destino da guerra entre Tróia e Esparta.
eternamente. As outras ninfas, apoiadas por Nêmesis,
deusa da vingança, amaldiçoaram Narciso e o fizeram
se apaixonar perdidamente por sua própria imagem
refletida nas águas. Já que não podia resistir a essa paixão,
atirou-se nessas águas, para encontrar-se com seu reflexo
e acabaria morrendo afogado. O culto à imagem acabou
por matar Narciso. Onde morrera o jovem amaldiçoado,
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Pós-Modernidade

Quando se pensa em uma sociedade pós-


moderna, logo se projeta o modelo que Domenic Strinati
delimitou como sendo:

“(...) o nascimento de uma ordem social, na qual,


os meios de comunicação de massa e a cultura
popular (de massa) governam e moldam todas
as outras formas de relacionamentos sociais, daí
sua importância e poder. A idéia é que os signos
da cultura popular e as imagens veiculadas pelos
meios de comunicação dominam crescentemente
nosso senso de realidade e a maneira como nos
definimos e vemos o mundo ao nosso redor.”
(Strinati, p1999, 217.).

Nessa visão, os signos disseminados através dos


meios de comunicação “dominam crescentemente nosso
senso de realidade” e o que anteriormente considerava-
se o reflexo de nossa sociedade, agora, o percebemos
como nossa “realidade”, nossa pós-realidade. Alice já
transpôs o espelho, porém enquanto dormia e não se
O mito de Argos
deu conta de que já vivia no reino das maravilhas. Essas
idéias nos deixam emparelhados com Jean Baudrillard e
Argos, gigante de cem olhos, e que sempre
sua hiper-realidade, seus simulacros.
mantinha cinqüenta deles abertos, fora incumbido por
A sociedade pós-moderna enfatiza os estilos e
Hera a vigiar Io, amante de Zeus. Hera havia
aparências, apoiada pelo declínio das grandes
transformado Io em novilha para que seu marido não a
metanarrativas (religião, política, ciência, arte), substitui
encontrasse. Argos mantinha a vigilância integral de Io.
a cultura popular espontânea (com seu movimento
Para libertar a amante, Hermes, sob as ordens de Zeus,
divergente, expandindo soluções, tecnologias e conceitos
põe Argos para dormir e corta-lhe a cabeça. Hera,
que transformam, retransformam, mastigam, colam com
sensibilizada pela morte do fiel servo, transforma-o em
fita adesiva sonhos e cuspe, recriando e retrabalhando
um Pavão, no qual vislumbramos os olhos de Argos.
influências de outras culturas, envolvendo-se com a
construção de seu meio sócio-cultural) por um modelo
pronto, testado e aprovado, criando um movimento
convergente de produtos já adaptados, copiados,
negociados em meio a um espetáculo de efeitos especiais
e promoções fabulosas e imitações a R$ 1,99, ícones
da cultura popular de massa. Essa substituição acaba
por desenvolver um ambiente propício para um
espetáculo fabricado em série pela indústria cultural já
vislumbrada em sua semente por Theodor Adorno.
Temos como principais características dessa
cultura pós-moderna:
1- Ênfase sobre o estilo - representa essa
característica o maior consumo da imagem, enfatizando
o valor agregado dos produtos, coisas e pessoas, em
declínio ao valor de uso dos produtos e éticos e morais
das relações entre os seres humanos. A aparência é o
grande valor das coisas.
2- Humor, paródia, citação - A cultura pós-
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moderna valoriza a citação, a paródia, a imitação e a prosaicamente como paródia dela mesma). Por isso
cópia, principalmente de modelos já estabelecidos e somos capazes de perceber que os valores de tudo
vitoriosos na relação do mercado de consumo. Diferente (moral, ética, sentimental, ideológica) agora, balizados
da modernidade, que buscava a originalidade em nome pelo mercado, tornam o ser humano como um objeto,
de um diferencial romântico, nascido com a ascensão uma coisa. Essa transformação do homem em produto,
da burguesia durante a Revolução Francesa. acaba por criar um novo tipo de ser humano, uma
3- Declínio das Metanarrativas - A ciência, a arte, imitação, uma paródia bem humorada dos modelos
a história perdem a força de suas leis universais e “vencedores”, uma colagem/mix/fashion das roupas que
absolutas. O ambiente individualista crescente acaba por não tem mais tempo. Citação de tudo. Soma de tudo.
forçar um funcionamento das pequenas tribos e Sem rosto. Sem identidade. Bricolagem confusa, enfim,
acrescenta um aumento da descrença na sociedade, em uma sociedade que mais parece um reflexo dela mesmo,
sua organização e em suas leis ditas absolutas. Com a disfarçada pelas plásticas, cosméticos e maquiagem para
religião, o seu discurso é potencializado e com a foto na capa da revista. Desse quadro confuso que
interferência do mercado, surge o fiel/fã, apoiado por reunimos três mitos fundadores, como síntese que
uma estrutura de espetáculo, onde o show substitui a interpreta, representa e lê a contemporaneidade: são os
reflexão. mitos de Proteu, Argos e Narciso.
O mito, ou mal de Argos (que é a própria
Tendo em vista essas características que delimitam vigilância), ao qual conformamo-nos, através das
a face de nossa sociedade pós-moderna (mais bonita câmeras de segurança ligadas 24 horas, as senhas
pelo culto à aparência, porém menos original) podemos eletrônicas, o celular que nos encontram em qualquer
agora verificar a relação entre os mitos de Argos, Proteu lugar, as nossas informações disseminadas via satélite
e Narciso e as transformações nas estruturas sociais e pelos sites de busca, orkut, blogs, Big Brother de tudo
psicológicas de nossa construção social. e de todos. Todos são os olhos desse Argos que nos
enxerga sem descanso, em uma vida monitorada,
Os mitos na sociedade contemporânea justificada pela nossa curiosidade pela vida alheia e nosso
medo, o medo do outro, o medo do terrorismo, da
“A humanidade que um dia com Homero foi criminalidade. O Panóptico citado por Foucault,
objeto de contemplação para os deuses olímpicos construído agora virtualmente. O medo de uma violência
hoje o é para si mesma. Sua alienação de si parida em nosso individualismo e nosso culto a nós
própria atinge um grau que a faz viver sua
mesmos, a nossa aparência. Argos é um mito que parece
própria destruição como uma sensação estética
refletir esse movimento de vigilância, justificada pela
de primeira ordem”.
insegurança do mundo, mas também com uma boa dose
Walter Benjamim (Chinellato, 2006, p.97)
vaidade, pois se nossa imagem for refletida nos espelhos
que se transformaram a mídia, isso nos causa o prazer
A relação entre os Mitos e a representação humana
não é algo tão atual, desde Freud e sua relação com apaixonado de um Narciso que se vê. Argos se justifica
tanto pelo medo como pelo narcisismo. O que torna esse
Édipo e Narciso, a Camus e sua relação com Sísifo,
passando por Jocasta, Hércules e Prometeu; Goethe, mito extremamente atual.
O mito, ou mal de Proteu, se refere à possibilidade
Jung, Camões, Pessoa. Muitos foram os intelectuais,
de transformação infinita, que a nossa sociedade
artistas e poetas que recorreram à mitologia para
especular e simulada nos oferecem, transformações
compreender, representar, ou interpretar o homem, sua
também incentivadas por nosso narcisismo e culto à
psique e seus paradigmas. Os mitos parecem nos ler e
nos interpretar, por isso lança-se aqui mais uma leitura beleza. Contudo, na questão de Proteu, a nossa
interpretação ultrapassa os limites do mito e o
mitológica, tendo em vista o homem contemporâneo, que
denominaremos como pós-moderno. questionamos sobre a idéia da identidade. Quem pode
O homem pós-moderno está inserido em uma reconhecer-se, ou se conhecer. Ou saber de si e de suas
origens, se não sabe quem é? Afinal, ao nos
paisagem que se apresenta pelo aumento do
transformarmos indistintamente (infinitamente, física, ou
individualismo, a valorização da aparência, o culto à
virtualmente, por transgressões em nossa plasticidade
beleza, o medo da violência (terrorismo, criminalidade),
a desvalorização das metanarrativas (principalmente com original, ou através de operações, ou por personagens
que inventamos via internet) em verdadeiras ficções pouco
uma religiosidade entrelaçada ao marketing e estilizada
verossímeis, arriscamo-nos a nos perder em nossas
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fantasias. Quem somos nós? Agora que somos apenas jovens que pareçam com eles, e a quem possa amar
nossa aparência, nosso culto à beleza? Somos um reflexo como a mãe deles os amou”. No desenvolvimento de
e nos importamos apenas com ele. Dessa forma, como sua teoria, Freud altera várias vezes a concepção de
podemos conviver com os outros. Dessa equação narcisismo. E finalmente conclui que no processo de
apenas sobra o “eu” e sua individualidade. A solidão de formação do eu passamos por dois períodos narcísicos:
Proteu, afastado dos homens pelos segredos que o primário e o secundário.
carrega. Afastado dos homens, pela eterna vigilância e O narcisismo primário está relacionado a um
medo. Afastado dos homens por apenas amar seu reflexo. período anterior a formação do ego, o primeiro estágio
Ou seja, é para solidão que esses três mitos convergem. do desenvolvimento, um momento onde id e ego não
A solidão do homem pós-moderno, apaixonado demais estão estruturados, não há clivagem entre eles, é o estado
e temeroso demais para conviver com os outros. Proteu precoce onde a criança investe toda a sua libido em si
fecha essa tríade mitológica com a mensagem de que a mesma.
busca moderna pela originalidade, por uma identidade Segundo Freud, um momento “anobjetal”, em que
coisificada, simulada, apenas nos levou para um ponto não há separação entre o indivíduo e o mundo exterior.
comum a todos: a solidão. A criança escolheria a si mesmo como objeto de amor
O mito, ou mal de Narciso, uma escolha óbvia, antes de eleger objetos externos. Está relacionado a um
pelo seu culto à aparência e o auto-reflexo, sua paixão momento de crença do sujeito (no caso a criança) na
individualista por nossa beleza fabricada artificialmente, onipotência de seus pensamentos.
e todos os males que, com ele, vêm associados. Os O narcisismo secundário, para Freud, está
modelos bulímicos e anoréxicos das passarelas, os relacionado a um segundo estágio de desenvolvimento
corpos bombados e cheios de hormônios dos homens, do sujeito, a libido é retirada dos investimentos objetais
egocêntricas vítimas dessa busca por um ser, cada vez e retorna para o ego. Esse narcisismo não se refere
menos legítimo e mais disfarçado. Um homem cada vez apenas a estados extremos de regressão, mas é também
menos natural e mais coisa construída artificialmente. O uma estrutura permanente no sujeito.
homem fabricado com embalagem atraente que se O conceito de narcisismo Freudiano causa
apaixona pelo seu reflexo. divergências dentro da corrente psicanalítica. Melanie
Klein tece duras críticas ao conceito, afirmando a
O Narcisismo e a formação do Eu impossibilidade de se falar em fase narcísica. Segundo
Klein, o indivíduo passa por estados narcísicos, uma vez
Como percebemos que todos os fenômenos que que a relação com o objeto ocorre desde o nascimento.
descrevemos anteriormente esbarram no mito fundador O estado narcísico estaria caracterizado então por um
de Narciso, analisaremos melhor a relação desse mito e retorno da libido a objetos interiorizados.
a formação do Eu. Conclui-se que a visão de Ellis seja, em sua
O termo narcisismo foi empregado pela primeira essência, a mais ampla para se entender o papel do
vez pelo psicólogo Alfred Binet, no ano de 1887, para narcisismo na formação do eu; é uma fase necessária na
designar algo que entendemos hoje como fetichismo. evolução, que vai desde o funcionamento anárquico,
Para Binet, o narcisista, com uma vida sexual auto-erótico, das pulsões parciais, à escolha do objeto.
normal, privilegia certa parte do corpo do parceiro; já O narcisismo primário fica caracterizado como um
em seu caráter patológico, o indivíduo fixa sua atenção período precoce e simultâneo ao aparecimento dos
em uma determinada parte de seu corpo, e somente assim primeiros indícios de ego. Um ego ainda frágil e
conseguiria a excitação sexual ou mesmo realização do desestruturado, e pelo seu investimento pela libido, este,
ato sexual. porém, não corresponde ao primeiro estágio de vida do
O antropólogo e psicólogo inglês Havelock Ellis, sujeito e a predominância do amor por si mesmo não
em 1898, utiliza a terminologia narcissus like. Ellis foi o exclui a capacidade de investimento objetal.
primeiro a relacionar o termo ao mito de Narciso,
descrevendo uma pessoa que de forma patológica volta Conclusão
o seu amor a si mesmo.
Freud utiliza o conceito de narcisismo pela primeira Após a observação mais atenta dessa nossa
vez em 1910, para explicar a escolha objetal nos sociedade, denominada pós-moderna, e verificada as
homossexuais; segundo ele, estes “... tomam a si mesmos suas características (o culto à imagem, à paródia ao invés
como objeto sexual; partem do narcisismo e procuram da criação, o humor para disfarçar a falta de
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originalidade, o declínio das metanarrativas, a citação
como maneira de criação, a mistura de estilos, épocas e
tempos), compreende-se os efeitos dessas características
em nossa organização social.
Os efeitos principais desses fenômenos são: o
individualismo crescente, o narcisismo, o hedonismo, o
aumento da influência dos meios de comunicação, ênfase
no estilo e no design, a relação mais íntima entre
economia e cultura, a espetacularização dos fatos, o
medo, a estetização da violência, o consumo cada vez
maior das imagens, a construção de realidades virtuais
para refúgio e fuga.
Dessa forma, a vigilância de Argos, a paixão de
Narciso por seu reflexo, e a transformação de Proteu,
cada qual à sua maneira, são a representação, o signo
que sintetiza a construção do sujeito pós-moderno. Esses
signos são possíveis indicativos para compreender como
esse efeito atua na psique humana, e como se pode
encontrar uma saída desse labirinto paranóico de
aparências e espetáculos que transformamos a vida, ou
pelo menos, quem sabe, nos ajudar, como outrora
fizeram, a nos conformar que somos humanos,
irremediavelmente humanos, fatalmente humanos.

Referências Bibliográficas

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das Letras, 2003.
BULFINCH, T. O Livro de Ouro da Mitologia. Rio de
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STRINATI, D. Cultura Popular. São Paulo: Hedra,
1999.

Notas
1
(Trecho retirado de J. C. de Mello Neto do poema
Tecendo a Manhã)

Recebido em 30 de setembro de 2007 e aprovado em


16 de outubro de 2007.
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