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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PEDAGOGIA
DISCIPLINA: SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO II
DISCENTE: FRANCISCO CARLOS ARAUJO ALBUQUERQUE
SEMESTRE: 2023.2

FICHAMENTO DO CAPÍTULO 01 - CARACTERÍSTICAS DA EDUCAÇÃO


MODERNA

FELIPE AUGUSTO ALVES CORREIA LIMA


MATRÍCULA: 1594048

FORTALEZA – CEARÁ
2023
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Referência: CAMBI, Franco. Características da Educação Moderna. In: CAMBI,


Franco. História da Pedagogia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP (FEU), 1999.
p. 195-219. (Cap. 1)

“Com o fim do Quatrocentos [...], fecha-se um longo ciclo histórico e prepara-se outro,
igualmente longo e talvez ainda inconcluso, que é geralmente designado como
Modernidade. Trata-se de um ciclo histórico que tem características profundamente
diferentes do anterior, em relação ao qual ele opera uma ruptura consciente, manifestando
estruturas substancialmente homogéneas e orgânicas. (p. 195).

“[...] de modo prioritário, [...] o aspecto de cesura da Modernidade, seu caráter


revolucionário em relação a uma sociedade estática quanto às estruturas econômicas,
quanto à organização social e ao perfil cultural como aquela que a precede: a Idade
Média.” (p. 195-196).

“[...] sociedade de ordens era também uma sociedade governada pela autoridade política,
religiosa e cultural, representada no grau máximo pelo imperador e pelo papa, que eram
os avalistas da ordem social e cultural, como também os intérpretes e os símbolos da
ordem do cosmos, estabelecida pelo ato divino da criação.” (p. 196).

“Essa sociedade estática, autoritária, tendencialmente imodificável, mesmo nas suas


profundas, e constantes, convulsões internas (lutas de classes sociais, de grupos
religiosos, de ideologias, de povos), entra em crise no fim dos anos Quatrocentos, quando
a Europa se laiciza economicamente (com a retomada do comércio) e politicamente (com
o nascimento dos Estados nacionais e sua política de controle sobre toda a sociedade),
mas também ideologicamente, separando o mundano do religioso e afirmando sua
autonomia e centralidade na própria vida do homem; quando a Europa [...] se abre para o
mundo: com as descobertas geográficas, com seus comércios, seus intentos de
colonização, política e religiosa; quando a própria cultura sofre uma dupla e profunda
transformação: radica-se no homem e nas suas cidades, isto é, liga-se à experiência da
vida individual e social, independentemente de qualquer hipoteca religiosa (como faz o
humanismo, sobretudo italiano), redescobrindo o valor autónomo do pensamento e da
arte, ou então se dirige para um novo âmbito do saber - científico-técnico - que quer
interpretar o mundo iuxta propria principia e transformá-lo em proveito do homem (como
dirão Bacon e Galileu).” (p. 196, grifo nosso e grifo do autor).
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“A ruptura da Modernidade apresenta-se, portanto, como uma revolução, e uma revolução


em muitos âmbitos: geográfico, económico, político, social, ideológico, cultural e
pedagógico; de fato, também no âmbito pedagógico. Como revolução geográfica,
desloca o eixo da história do Mediterrâneo para o Atlântico, do Oriente para o Ocidente;
e com as viagens de descobrimento e a colonização das novas terras, prepara um contato
bastante estreito entre diferentes áreas do mundo, entre etnias e culturas, entre modelos
antropológicos diferentes (como ocorre com os ‘selvagens’ reconhecidos ora como
indivíduos inferiores em estado pré-civil ora como herdeiros diretos do ‘homem
natural’).” (p. 196-197, grifo nosso).

“[...] uma revolução na educação e na pedagogia. A formação do homem segue novos


itinerários sociais, orienta-se segundo novos valores, estabelece novos modelos. A
reflexão sobre esses processos de formação vive a transformação no sentido laico e
racional que interessa à ideologia e à cultura, isto é, a visão do mundo e a organização
dos saberes. Opera-se assim uma radical virada pedagógica [...]. Segue-se o modelo do
Homo faber e do sujeito como indivíduo, embora ligando-o à ‘cidade’ e depois ao Estado,
potencializando a sua capacidade de transformar a realidade e de impor a ela uma direção
e uma proteção, até mesmo a da utopia.” (p. 198).

“Mudam assim os fins da educação, destinando-se esta a um indivíduo ativo na


sociedade, liberado de vínculos e de ordens, posto como artifex fortunaesuae e do mundo
em que vive; um indivíduo mundanizado, nutrido de fé laica e aberto para o cálculo
racional da ação e suas consequências. Mas mudam também os meios educativos: toda a
sociedade se anima de locais formativos, além da família e da igreja, como ainda da
oficina; também o exército, também a escola, bem como novas instituições sociais
(hospitais, prisões ou manicômios) agem em função do controle e da conformação social,
operando no sentido educativo; entre essas instituições, a escola ocupa um lugar cada vez
mais central, cada vez mais orgânico e funcional para o desenvolvimento da sociedade
moderna: da sua ideologia (da ordem e da produtividade) e do seu sistema económico
(criando figuras profissionais, competências das quais o sistema tem necessidade). Enfim,
mudam também as teorias pedagógicas, que se emancipam de um modelo unitário,
definido apriori e considerado invariante, e tomam uma conotação histórica e empírica,
encarregando-se das novas exigências sociais de formação e de instrução, modelando fins
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e meios da educação em relação ao tempo histórico e às condições naturais do homem,


que, portanto, deve ser estudado cientificamente (ou mais cientificamente, pelo menos),
de modo analítico e experimental, seja nas suas capacidades de aprender seja nos seus
itinerários de crescimento físico, moral, social. Com a Modernidade nasce a pedagogia
como ciência: como saber da formação humana que tende à controlar racionalmente as
complexas (e inúmeras) variáveis que ativam esse processo. Mas nasce também uma
pedagogia social que se reconhece como parte orgânica do processo da sociedade em seu
conjunto, na qual ela desempenha uma função insubstituível e cada vez mais central:
formar o homem-cidadão e formar o produtor, chegando depois, pouco a pouco, até o
dirigente. Como também nasce uma pedagogia antropológico-utópica que tende a
desafiar a existente e a colocar tal desafio como o verdadeiro sentido do pensar e fazer
pedagogia (como faz Comenius, como faz Rousseau).” (p. 198-199, grifo nosso e grifo
do autor).

“Na Modernidade, a pedagogia-educação se renova, delineando-se como saber e como


práxis, para responder de forma nova àquela passagem do mundo tradicional para o
mundo moderno, sobre a qual insistiram, ainda recentemente, historiadores e teóricos da
pedagogia, como Clausse e Suchodolski. E a renovação se configurou como uma
revolução: como um impulso e um salto em relação ao passado e como o nascimento de
uma nova ordem.” (p. 199).

“O mundo moderno é atravessado por uma profunda ambiguidade: deixa-se guiar pela
idéia de liberdade, mas efetua também uma exata e constante ação de governo;
pretende libertar o homem, a sociedade e a cultura de vínculos, ordens e limites, fazendo
viver de maneira completa esta liberdade, mas, ao mesmo tempo, tende a moldar
profundamente o indivíduo segundo modelos sociais de comportamento, tornando-
o produtivo e integrado [...]. Será depois na época contemporânea - da Revolução
Francesa até hoje - que a antinomia será assumida como uma estrutura inquieta e como
um problema aberto e contraditório, acentuando a dramaticidade e a incompletitude da
Modernidade. (p. 199-200, grifo nosso).

“O centro motor de todo este complexo projeto de pedagogização da sociedade, de


reorganização e de controle, de produção de comportamentos integrados aos fins globais
da vida social é o Estado: o Estado moderno, entendido como poder exercido por um
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centro, segundo um modelo de eficiência racional e produtiva, em aberto contraste com


o exercício de outros poderes (eclesiástico, aristocrático) e com a sobrevivência da
desordem dos marginalizados (pobres, criminosos etc.). O pêndulo desse centro é o rei,
figura burocrática, mas ainda sacralizada, que exerce uma indiscutível-hegemonia,
funcional para o crescimento de um Estado absoluto e centralizado.” (p. 201).

“Foi Michel Foucault quem lembrou, recentemente, o papel ‘fundante’ deste novo sistema
de governo para toda a vida social, para toda a história da Modernidade. Esta nasce como
desejo de governo e se põe constantemente o problema de como exercer tal função,
interroga-se sobre a governabilidade, mas ao mesmo tempo a exerce segundo um novo
itinerário, que é o da ‘microfísica do poder’, ou seja: um poder que age em muitos
espaços do social, de forma capilar, micrológica justamente, e que penetra nas
consciências através dos corpos, através do controle minucioso de gestos, posições,
atitudes físicas, estabelecendo a ordem de uma disciplina, tornando, assim, os
sujeitos dóceis, possuídos e guiados pelas finalidades do poder. O indivíduo é
controlado a partir do corpo, mas para tornar dócil, também, e sobretudo, a sua
consciência. E esse trabalho, complexo e minucioso, é exercido pelas instituições
educativas, que são dirigidas pelo Estado e das quais a sociedade, agora, está provida:
os hospitais (que curam e ‘endireitam’ os corpos doentes), os manicômios (que controlam
os loucos e separam a loucura da razão, livrando a vida social do perigo da desrazão),
mas sobretudo as prisões (que reabilitam para a vida social, reeducando os sujeitos
inadaptados e transviados), as escolas (que formam todas as jovens gerações e as
conformam a modelos de normalidade e de eficiência/produtividade social, além de
docilidade político-ideológica) e o exército.” (p. 201-202, grifo nosso).

“O primeiro aspecto da revolução da Modernidade está ligado à difusão do projeto


educativo e também, talvez sobretudo, à sua colocação no âmbito do Estado. A
Modernidade nasce como uma projeção pedagógica que se dispõe, ambiguamente, na
dimensão da libertação e na dimensão do domínio, dando vida a um projeto complexo e
dialético, também contraditório, animado por um duplo desafio: o de emancipação e o de
conformação, que permaneceram no centro da história moderna e contemporânea como
uma antinomia constitutiva, talvez não superável, ao mesmo tempo estrutural e
caracterizante da aventura educativa do mundo moderno.” (p. 203).
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“Duas instituições educativas, em particular, sofrem uma profunda redefinição e


reorganização na Modernidade: a família e a escola, que se tornam cada vez mais centrais
na experiência formativa dos indivíduos e na própria reprodução (cultural, ideológica e
profissional) da sociedade.” (p. 203).

“[...] Ao lado da família, a escola: uma escola que instrui e que forma, que ensina
conhecimentos mas também comportamentos, que se articula em torno da didática, da
racionalização da aprendizagem dos diversos saberes, e em torno da disciplina, da
conformação programada e das práticas repressivas (constritivas, mas por isso mesmo
produtoras de novos comportamentos). Mas, sobretudo, uma escola que reorganiza -
racionalizando-as - suas próprias finalidades e seus meios específicos. Uma escola não
mais sem graduação na qual se ensinam as mesmas coisas a todos e segundo processos
de tipo adulto, não mais caracterizada pela “promiscuidade das diversas idades” e,
portanto, por uma forte incapacidade educativa, por uma rebeldia endémica por causa da
ação dos maiores sobre os menores e, ainda, marcada pela “liberdade dos estudantes”,
sem disciplina interna e externa. Com a instituição do colégio (no século XVI), porém,
terá início um processo de reorganização disciplinar da escola e de racionalização e
controle do ensino, através da elaboração de métodos de ensino/educação - o mais célebre
foi a Ratio studiorum dos jesuítas - que fixavam um programa minucioso de estudo e de
comportamento, o qual tinha ao centro a disciplina, o internato e as “classes de idade”,
além da graduação do ensino/aprendizagem. (p. 205, grifo do autor).

“[...] Isso significa também que à escola foram atribuídos um papel e um perfil
decididamente ideológicos: ela se torna agente da reprodução social e, em particular, da
ideologia dominante, do poder e seus objetivos, seus ideais e sua lógica. A escola se torna,
como dirá Althusser, “aparato ideológico de Estado” que conforma reproduzindo a força
de trabalho, mas sobretudo a ideologia.” (p. 207).

“Outra área de renovação pedagógica que veio estabelecer uma ruptura com o passado
diz respeito ao curriculum de estudos. [...] Estas, gradativamente, chegarão aos limiares
da educação e procurarão espaço nos curricula formativos. Serão sobretudo os anos
Seiscentos que trarão à luz essas novas tensões na cultura escolar, incluindo-as no projeto
formativo e escolar: com Comenius, com Locke, por exemplo, mas também com o
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processo de crescimento e inovação que a cultura sofre nos colégios, colocando-se de


maneira nova já nos primeiros anos dos Setecentos.” (p. 208, grifo do autor).

“[...] A própria cultura escolar, portanto, foi se renovando profundamente. Matemática e


ciência, política e religião universal, ou tolerância, compreensão, diálogo, começarão a
fazer parte do curriculum formativo ideal, pelo menos dos grupos sociais privilegiados e
destinados a um papel de direção política [...].” (p. 209).

“[...] Em relação a essas finalidades civis, a escola também muda: torna-se pública e
estatal, instituição cada vez mais central da sociedade, que - por meio da iniciação de
valores coletivos e através da reprodução da divisão do trabalho - reproduz sua complexa
organização. Mudados os fins, devem mudar também “programas e métodos”. E não se
trata de dar espaço a novas disciplinas ou de renovar a hierarquia dos saberes curriculares,
mas sim de repensar toda a cultura escolar, ir em busca de um novo centro para ela, de
um novo núcleo em torno do qual se faça girar todo o saber escolar.” (p. 212).

“São dois, portanto, os efeitos-de-base da ‘revolução’ pedagógica (teórico-pedagógica)


da Modernidade: o pluralismo dos paradigmas (ou modelos recorrentes de teoria) e o
declínio tendencial do modelo metafísico; efeitos que produzem como consequência a
conflitualidade entre os modelos e uma exigência de reforço analítico (epistêmico) da
teoria, tornando este âmbito da pedagogia cada vez mais complexo e mais dinâmico no
seu próprio interior.” (p. 213-214)

“Depois de Bacon, depois de Locke, depois de Rousseau, a pedagogia também reconhece


seu próprio estatuto de ciência (ainda que particular: avaliativa e prospectiva, emaranhada
com a filosofia de maneira inseparável) e tende a definir-se como tal, tanto no nível
técnico (na escola, na didática: pense-se em Comenius), como no plano teórico.” (p. 215).

“A aventura do saber pedagógico na época moderna é simétrica à renovação educativa,


de funções e de estratégias da educação, refletindo, à sua maneira, seu processo plural e
dinâmico, ainda que centralizado em torno de um critério, ancorado num modelo-guia,
que entretanto não é mais nem único nem invariante. A Modernidade pluraliza e, portanto,
problematiza: também nas teorias, inclusive na pedagógica.” (p. 216).
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“[...] esta estrutura representa o eixo em torno do qual dinamicamente se agregam a


educação institucionalizada e a reflexividade pedagógica, ainda que depois a revivam sob
formas diacrônica e sincronicamente diferenciadas.” (p. 219).

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