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TEORIAS EDUCACIONAIS (A ESCOLÁSTICA, O CAPITAL HUMANO,

A REPRODUÇÃO E A DEESCOLARIZAÇÃO)
Nedison Faria1

Nesta reflexão tem-se presente que várias teorias tentaram e tentam interpretar e propor
alternativas para o agir humano na sociedade e nele o agir pedagógico. Nem todas, porém,
contribuem efetivamente para dar melhores perspectivas e entusiasmo ao quefazer docente. Há
casos, e não são poucos, em que uma teoria, apesar de seus aspectos válidos para finalidades
específicas, no seu todo, acaba por gerar descrença, passividade, decepção. Acontece isso com o
modelo escolástico, ainda presente em nossos dias, quando propõe metas extemporâneas, em
total desacordo com os rumos do tempo presente. Acontece de forma parecida com as propostas
tecnicistas e da teoria do capital humano, esta nos dias atuais com o rótulo de qualidade total,
mais direcionadas à manipulação do aparato escolar para fins técnico-burocráticos do que à
expansão e à elevação do nível cultural da população. Por outro lado, as teorias da
desescolarização de Ivan Illich (1973) e da reprodução de Althusser (1970), de Bourdieu-
Passeron (1975) e de Baudelot-Establet (1975), com crítica às estruturas sociais e que não
conseguem visualizar além de males nas instituições escolares e no trabalho docente.

Essas teorias tiveram grande impacto e continuam impactando os meios acadêmicos, de


modo a criar uma motivação eminentemente negativa, uma sensação de não-há-o-que-fazer, uma
sensação de perda do encanto pela profissão docente.

Em muitas escolas, ainda hoje, observa-se os resquícios, fortes ou não, da herança


jesuítica no ensino. Talvez isso ocorra pela presença significativa dos mestres católicos nos
seminários, nas casas de formação de irmãos, padres e freiras e nas próprias academias
(sobretudo nos cursos de Licenciatura). Os mestres, na prática escolástica, são encarados como
exemplos vivos de virtude e de moralidade, passando a ser os únicos detentores do saber que os
estudantes deveriam adquirir subordinadamente. Esse saber estava normalmente relacionado com
textos de autores clássicos, rigorosamente censurados, descontextualizados dos processos sociais.
Todo um aparato disciplinar caracterizava a relação pedagógica, voltando-se para a virtude e a
renúncia de si mesmo na busca da verdade moralizadora, onde a disciplina e a regulação da
ordem nas salas de aula e no comportamento do colegial, eram bases do sistema de ensino.

Sabe-se que a obra educativa da Companhia de Jesus, no Brasil, contribuiu


significativamente para reforçar e ampliar o poder da família patriarcal situada numa economia
colonial fundada na grande propriedade e na mão-de-obra escrava. O branco, colonizador
europeu, distinguia-se da população nativa, negra e mestiça, formando as famílias patriarcais,
como classe dominante, detentora do poder político e econômico e também dos bens culturais
importados. Hábitos europeus eram incorporados, formando uma sociedade aristocrática e
escravocrata, tendo como conseqüência uma sistematização de todo um conteúdo cultural,
embasado no espírito da contra-reforma. A contra-reforma caracteriza-se, segundo Romanelli
(1978: 33-45), “(...) por uma enérgica reação contra o pensamento crítico, que começava a
despontar na Europa, por um apego a formas dogmáticas de pensamento, pela revalorização da
Escolástica, como método e como filosofia, pela reafirmação da autoridade, quer da Igreja, quer

1
Prof essor T i t ul a r d e F und am e nt os Hi st ór i c os , Soc i o l ó gi c os e F i l osóf i c os d a
Edu c a ç ã o , Dep ar t a m e n t o de F unda m e nt os da Ed uc a ç ã o , C en t r o d e Edu c a ç ã o da Uni v er si da d e
F ede r a l de S an t a Ma ri a . S ant a Mar i a , out u br o de 1998 .
2

dos antigos, enfim, pela prática de exercícios intelectuais com a finalidade de robustecer a
memória e capacitar o raciocínio para fazer comentários de textos.”

Sobre a temática da presença dos jesuítas no Brasil, Azevedo (1953: 24)


assinala: “humanistas por excelência, e os maiores do seu tempo, concentravam todo o seu
esforço, do ponto de vista intelectual, em desenvolver, nos seus discípulos, as atividades
literárias e acadêmicas, que correspondiam, de resto, aos ideais de ‘homem culto’ em Portugal.
Lá, como em toda a península ibérica, se encastelara o espírito da Idade Média e a educação,
dominada pelo clero, não visava por essa época senão a formar letrados eruditos. O apego ao
dogma e à autoridade, a tradição escolástica e literária, o desinteresse quase total pela ciência e
a repugnância pelas atividades técnicas e artísticas tinham forçosamente de caracterizar, na
Colônia, toda a educação modelada pela Metrópole, que se manteve fechada e irredutível ao
espírito crítico e de análise, à pesquisa e à experimentação.” Era uma educação voltada para o
cultivo literário e humanista, sem se preocupar com o setor produtivo, baseado no trabalho
escravo. A essa classe dominante esse tipo de educação jesuítica servia. Era uma educação aliada
à grande propriedade, ao mandonismo e à cultura transplantada e que, como disse Sodré (1970:
15), “(...) não perturbava a estrutura vigente.” Essa influência permanece no Império e no
período que se seguia à independência política. Seus resquícios ainda estiveram presentes, nas
várias gerações, com a natural continuação da ação pedagógica jesuítica, com apelo à disciplina,
impedindo a iniciativa e a criatividade, zelando pela submissão, pelo respeito à autoridade e ao
mestre, como o dono do saber.

A presença da Igreja no Brasil com os seus instrumentos da fé e da palavra não se resume


à Companhia de Jesus, mas se amplia com a participação de outras ordens religiosas, masculinas
e femininas. São exemplos, segundo Alves (1979: 17-40) os Benedetinos, os Franciscanos, os
Capuchinhos, os Carmelitas, entre outros.

O esquema escolástico constitui o que se convenciou chamar de educação tradicional.


Ostenta um controle absoluto dos conteúdos, ainda muito presente no atual processo educacional.
Essa ação rigorosa de controle diz respeito não só à imposição "da verdade" e, portanto, das
consciências, mas também da disciplina e, portanto, dos corpos.

É inegável que o asceticismo purificador religioso, individualista e voluntarista da


ortodoxia católica estava situado no contexto do processo de aperfeiçoamento liberal-capitalista
em nossa sociedade ocidental. Nele, estavam os modos de subjetivação com ações disciplinares,
destinadas a conformar sujeitos dóceis e úteis ao sistema. E, no que tem de livresco, clássico e
literário, o ensino escolástico contribuiu para a perpetuação da divisão social, uma vez que forma
os quadros burocráticos e liberais que a sociedade está a exigir.

O ensino escolástico também condena a liberdade, a espontaneidade, a participação, o


desejo, o prazer de viver. Torna, com isso, o mundo escolar aborrecido e enfadonho. Os ideais da
sociedade moderna não convivem, sem um alto grau de desconforto, frente à escola do tipo
escolástico. O professor sofre as contradições desse ajustamento entre alunos, imbuídos do
espírito moderno, e o modelo de educação escolástica, claramente tradicional e conservador,
respaldado na visão metafísica essencialista do ser humano.
3

Essa visão essencialista, o ensino escolástico a recebeu de duas fontes fundamentais: o


pensamento grego e o cristianismo. Platão e Aristóteles são os primeiros grandes
sistematizadores da filosofia essencialista. Platão (428 ou 427 - 347 a.C.) perguntava-se, por
exemplo, se seria possível superar o nível do empírico, onde a multiplicidade dos fenômenos
torna o pensamento inseguro e o discurso meramente opinativo, e alcançar a esfera das essências,
ou seja, da verdade, em que as coisas pudessem ser percebidas como realmente o eram e o
discurso ser preciso, exato, fiel.

Platão assegurou que as essências existem e que o acesso a elas, embora penoso, é
possível. A geometria é uma prova disso: trata de figuras que não existem na "realidade"
empírica, mas explicam, de forma perfeita (ideal), os triângulos, os retângulos, etc. Eles são
imperfeitos, mas existem materialmente. Também os conceitos revelam a existência da essência
ideal das coisas. Há muitos cavalos (de tamanhos, cores, velocidades, diferentes), mas há uma só
idéia de cavalo. Os seres empíricos são como que cópias dos seres ideais. Procuram imitá-los,
mas não são mais do que sombras. O fundador da Academia de Atenas utiliza a "Alegoria da
Caverna"2 e o "Mito da Parelha Alada"3 para demonstrar como os homens são prisioneiros da
matéria e, nessa condição, obrigados a perceber apenas as sombras do real (que é o que pode ser
percebido empiricamente - através dos sentidos).

Mas tendo a alma experimentado a verdade, quando de sua passagem pelo mundo das
idéias, não chega a perder totalmente o acesso a ela depois que se junta à matéria. Sofre, nesse
impacto de junção com a matéria, um processo de esquecimento quase total, porém reversível.
Conhecer é, portanto, recordar, e esse processo chama-se, para Platão, "reminiscência" 4. A
"educação do pensamento" não se dá, portanto, através da observação sensível das coisas, mas
por um processo interno do próprio pensamento.

É importante notar também que Platão, ao estabelecer uma divisão entre o mundo das
idéias e o mundo das sombras, divide também o homem entre o "eu empírico" e o "eu essencial".
O corpo, o desejo, os sentidos pertencem ao mundo imperfeito, transitório, sombrio. Enquanto
isso, a alma (ou o espírito pensante) faz parte do mundo verdadeiro, belo e bom. Platão dá
primazia ontológica e temporal à essência, em detrimento da existência empírica; à alma, em
detrimento do corpo; à forma, em detrimento da matéria. Para Suchodolski (1978: 19)"Estas
distinções constituíram o motivo clássico que conduziu a pedagogia da essência a descurar tudo
o que é empírico no homem, e em torno do homem, e a conceber a educação como medidas para
desenvolverem no homem tudo o que implica a sua participação na realidade ideal, tudo o que
define a sua essência verdadeira, embora asfixiada pela sua existência empírica."

Aristóteles (384-322 a.C.), mesmo concertando em muitos pontos a teoria do mestre,


mantém intacta a idéia de essência. Em lugar de essências ideais e sombras materiais, o estagirita
(de Estagira, cidade onde nasceu) fala de forma e de matéria. É certo que para ele "a formas não
estão separadas das coisas do mundo sensível, mas são exatamente elas que lhe dão existência
efetiva, fazendo com que a matéria - que por si só é indiferente - seja esta ou aquela coisa. Em
outras palavras, a forma é inerente (ou imanente) às coisas. As formas podem ser acidentais ou

2
PLATÃO, Diálogos: A república, s/d, p. 181-185.
3
PLATÃO, Diálogos: Mênon-Banquete-Fedro, s/d, p. 151-154.
4
Cf.: PLATÃO, Diálogos: Mênon-Banquete-Fedro, s/d, p. 154-157.
4

substanciais. Quando se diz, por exemplo, 'Pedro está sentado', o termo 'sentado' indica a forma
atual de Pedro, mas é apenas acidental: sentado ou não, Pedro é Pedro. Mas se se afirma 'Pedro
é homem', a palavra 'homem' indica-lhe a forma substancial ou essencial, sem o que Pedro não
poderia ser Pedro. (...) A ciência é, assim, o conhecimento dessas formas substanciais que
indicam a essência das coisas".5

Enquanto a matéria é o princípio da passividade, a forma é ativa, duradoura e dá qualidade


definida à coisa. A mudança que se opera em todas as coisas é uma passagem da "potência" ao
"ato" na realização da forma. Mas se trata de uma mudança restrita em todos os sentidos. Na
visão de Kilpatrick (1971: 36), "A mudança é desenvolvimento para um alvo prefixado, como a
semente se transforma em carvalho, a árvore desenvolvida, por exemplo. Foi desse modo que
Aristóteles procurou conciliar a mudança com a imutabilidade. A semente é carvalho em
potencial. O carvalho, em pleno desenvolvimento, é carvalho real. A mudança era, desse modo,
o processo pelo qual a potencialidade se transformava em realidade. Mas a espécie carvalho
permanecia sempre a mesma, através da sucessão: semente, carvalho; semente, carvalho;
semente, carvalho... Assim concebida, a mudança era regular, conveniente, limitada, previsível."
Definida, portanto, a forma do homem como racionalidade, a tarefa da educação é realizar essa
potencialidade na pessoa para torná-la homem verdadeiro.

O cristianismo ajustou-se perfeitamente à concepção essencialista herdada dos gregos.


Também dividiu a realidade verdadeira, eterna, espiritual, de um lado, e a aparente, temporal e
corrupta, de outro. A teoria do pecado original introduz, com clareza, a distinção entre o lugar da
bem-aventurança e o lugar do exílio. Todo o trabalho da Igreja (e, portanto, da educação) deveria
levar o homem a vencer o estado de pecado (material, carnal, temporal) e introduzir-se no estado
da graça (espiritual e eterno). Na expressão de Santo Agostinho, a cidade dos homens deve ser
substituída pela cidade de Deus, a verdadeira pátria.

As concepções essencialistas, atribuindo à educação a função de realizar o que o homem


deve ser, acabam por tornar-se autoritárias, dogmáticas e, socialmente, discriminadoras. Essa
essência transcendente, ideal e eterna não é nunca acessível de modo imediato. Há sempre
alguém que define o que ela é e como os homens a alcançam (ou são os filósofos, os iluminados,
os reis, os sacerdotes, etc). Esse alguém está sempre ligado às facções dominantes da sociedade e,
como detentor da verdade, tem a autoridade necessária para fazer-se obedecer.

A escolástica também é responsável pela concepção que aproxima o ato de educar com o
sacerdócio, o professor com o pastor, com todos os atributos de despojamento, dedicação,
completa doação, gratuidade, que definem, ao menos teoricamente, um ministro consagrado da
igreja. Ora, com a profissionalização da atividade docente e com o aviltamento progressivo que
esta veio experimentando nas últimas décadas, a visão tradicional foi submetida a uma violenta
crítica. O professor esfarrapado e descalço é, por certo, um sujeito inconformado ou, pelo menos,
insatisfeito.

5
História do Pensamento (Vol.1): das origens à Idade Média, 1987, p. 90.
5

Isso tudo gera um ambiente de insatisfação, mal-estar e desânimo, frente ao ensinar com
"postura autoritária.”6 Em última instância, o modelo de ensino escolástico também é
responsável pelo desencanto do professor perante sua profissão.

Paralelamente à escolástica, desde o advento da Idade Moderna, novas propostas


educacionais foram postas na ordem do dia. O movimento expressivo de renovação escolar deu-
se com a chamada "escola nova", que trazia as necessidades de direcionar a escola para o
atendimento da nova realidade surgida a partir do advento da industrialização e das novas
concepções de vida ao ideário liberal (direito natural, democracia, liberdade individual...).
Tributária do pragmatismo americano e, em certa medida, das idéias filosóficas existencialistas, o
escolanovismo hipertrofiou o papel do educando na relação pedagógica, fixando a ação do
professor em atividades subsidiárias e auxiliares do processo de aprendizagem, que o aluno
realiza em contato privilegiado com o que se consignou chamar de "vida real". "A escola é vida e
não preparação para a vida", bradavam, aos quatro ventos, os signatários da Escola Nova.

O ideário e, sobretudo, a prática escolanovista contribuíram, a sua maneira, para o


desencanto do professor, no sentido de que desestruturaram sua identidade no papel de ensinante.
À mercê das vontades discentes, o professor achou-se submergido numa atmosfera de "não saber
o que deveria ser feito", já que o ideal educativo tomado de Rousseau recomendava que, em
termos de ensino, a grande meta era, segundo Cerizara, (1990: 42), "impedir que alguma coisa
seja feita."

No Brasil, a escola nova7 se fez presente, especialmente, a partir da década de 1930.


Precisava-se, na visão dos administradores do País, de outro tipo de homem. Precisava-se de um
trabalhador qualificado que respondesse às necessidades do capital e do mercado. Uma nova
educação baseada na otimização dos recursos humanos estava em andamento: todo um processo
disciplinador de matriz positivista, normalizador de sujeitos, mediante mecanismos de
objetivação. Técnicas de adestramento, de treinamento de recursos humanos, de individualização
se voltam para maximizar o rendimento dos indivíduos, onde o exercício do poder cede o lugar
da repressividade exterior e passa a ser interior ao próprio processo de aprendizagem na produção
de saberes voltados às capacidades e às aptidões. Trata-se do comportamentalismo inspirado pela
teoria do capital humano.8

6
Na crítica que Benincá faz à escolástica e sua relação com a pedagogia tradicional, salienta: "O
pensamento escolástico é um pensamento que oferece segurança. A primeira segurança é adquirida pela via
teológica. Conhecendo-se as idéias descobre-se a racionalidade do mundo e chega-se às idéias Daquele que pensou
o mundo, Deus.(...). Uma segunda segurança advém da certeza do conhecimento de que as coisas são assim.
Podemos afirmá-lo com certeza e segurança. Isto concede certeza e autoridade. Eu sei. Conheço. As coisas são
assim. (...).A adequação entre inteligência e objeto fornece ao conhecedor segurança e certeza. O processo do
conhecimento se caracteriza, praticamente, como um processo messiânico de apreensão das coisas. Trata-se de um
modo objetivo de conhecer. Uma outra segurança, como conseqüência desse modo de conhecer, é a possibilidade de
interrogar aos mestres, detentores do conhecimento geral e universal. Aquele que conhece é o que se apossa das
idéias universais que são o pensamento daquele que pensou as idéias.(...)." E conclui dizendo: "Do ponto de vista
pedagógico, parece-nos que um educador, na perspectiva escolástica, será sempre um que sabe das coisas porque
conhece. Porque conhece, tem o domínio da verdade e o direito de ensinar. Tendo o direito de ensinar torna-se
autoridade. Tornando-se autoridade pode falar como conhecedor das coisas, assumindo normalmente a postura
autoritária." ( Elli Benincá. A Escolástica, s/d., p. 8 e 9.)
7
Os princípios da Escola Nova continuaram presentes nas propostas educacionais brasileiras, afirmando-
se, sobretudo, a partir dos anos 80, na vertente construtivista.
6

Essa teoria busca seus fundamentos na constatação de que o capital não se amplia e
aumenta por conta do investimento feito em termos materiais ou por vantagens obtidas na
comercialização dos bens produzidos. O fator responsável pela diferença entre capital inicial e
capital final é o homem que, com seu trabalho qualificado, cria capital novo sobre o investimento
primeiro. Daí advém que o melhor investimento que um país pode fazer para aumentar sua
riqueza é investir na educação de sua população, isto é, no capital humano.

No Brasil, esse pensamento entra segundo Gomes (1979: 518), "nos anos 60, com uma
certa defasagem. Importamos a teoria do capital humano e o planejamento educacional. As
novas tendências se ajustaram como uma luva à conjuntura política, que enfatizava a
tecnocracia." Sobretudo a partir do golpe militar, em 1964, as perspectivas de grandes
investimentos industriais que as empresas estrangeiras prometiam fazer em nosso país
entusiasmaram os tecno-burocratas9 brasileiros que, em contrapartida, ofereciam-lhe mão-de-
obra qualificada.

A efetivação da teoria do capital humano na prática pedagógica se deu através do


tecnicismo. Sua preocupação básica gira em torno da eficiência instrumental. Para Saviani (1985:
15), "A partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios de
racionalidade, eficiência e produtividade, essa pedagogia advoga a reordenação do processo
educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional. De modo semelhante ao que ocorreu no
trabalho fabril, pretende-se a objetivação do trabalho pedagógico." Trata-se, segundo esta
teoria, de minimizar os efeitos subjetivos no trabalho pedagógico, através de um férreo
planejamento, onde alunos e professores se submetem às condições do ambiente pedagógico.
Interessa integrar a escola às unidades produtivas, de modo que a sua função seja, na visão de
8
A teoria do capital humano tem em Gary S. BECKER, Theodore W. SCHULTZ, Friedrich EDDING e
Robert M. SOLOW seus defensores. Partiram eles de uma constatação empírica sobre a alta correlação entre
crescimento econômico e nível educacional dos membros de uma sociedade dada. Atribuíram eles à educação a causa
do crescimento excedente na relação capital e trabalho. Para Freitag "os investimentos econômicos 'rentáveis' seriam
aqueles que se concentrassem no aumento quantitativo e qualitativo da educação formal da população ativa. Desde
então [década de 60, Becker publica 'Human Capital', Nova York, em 1964; Schultz, publica 'O Capital Humano'
pela Zahar, RJ, em 1971] se vem falando em investimento em recursos humanos, formação de capital
humano..."(Bárbara FREITAG, Escola, Estado e Sociedade, 1978, p. 21). Aqui no Brasil entre os divulgadores da
teoria do capital humano encontramos Claudio de Moura Castro, doutorando nos fins da década de 60 nos EUA.
Entre os seus argumentos destacamos: "Há uma nítida analogia entre produtividade do capital físico e a da
educação, justificando-se o tratamento analítico da educação como capital, isto é, capital humano." O conceito de
capital humano, na macroeconomia, "tem como finalidade principal avaliar a contribuição da educação para o
crescimento econômico." E na microeconomia parte "do princípio que o indivíduo é uma combinação de trabalho
físico e de educação,(...) [cuja] essência do método consiste em combinar os custos da educação e uma série de
diferenciais de renda resultante da aquisição de educação, numa estrutura de análise de custo-benefício ."
( CASTRO, Claudio de Moura, Investimento em educação no Brasil: um estudo sócio-econômico de duas
comunidades industriais. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1973, p.24-26).
9
Moacir GADOTTI teceu considerações sobre a tecnoburocratização da educação, não
controlando apenas os aparelhos do Estado e a organização, como também impõe novas crenças e valores:
sobrevaloriza o planejamento (controle) e o conhecimento técnico-organizacional, a hierarquia, a ordem, as
estruturas, a eficácia, a impessoalidade, a precisão. A tecnoburocracia camufla os conflitos, em função da
ordem, da harmonia, da segurança. A escola, para a tecnoburocracia, tem de ser um comunidade
harmoniosa, e em que qualquer problema precisa ser equacionado e resolvido técnica e administrativamente,
e não pedagogicamente. O que demonstra que se tentou implantar modelos empresariais, tecnocráticos, no
sistema de ensino, como exemplo de "colonialismo cultural". (Moacir GADOTTI. Educação e Poder- uma
introdução à pedagogia do conflito.1984: 105-111).
7

Libâneo (1985: 29) "produzir indivíduos competentes para o mercado de trabalho, transmitindo,
eficientemente, informações precisas, objetivas e rápidas." Ou, nas palavras de Pimenta (1985:
89) , "preocupados com a desejável racionalidade administrativa, mas desconhecendo-se o
caráter multiversitário da universidade, adotam-se procedimentos e métodos de administração
'eficazes e eficientes', por exemplo, em um complexo siderúrgico ou em uma fábrica de sapatos,
mas que nada têm a ver com instituições de ensino superior!"

O ânimo que possa ter existido, no início do processo de implantação desse modelo,
corria por conta da não explicitação de suas reais motivações. Mas durou pouco. Logo os
professores perceberam o engano em que se envolveram e o ensino, assim descaracterizado,
tornou-se mais um fator de desmotivação e desencanto por parte daqueles que estavam
diretamente envolvidos com a função docente, esperando de seus trabalhos mais do que modelar
comportamentos de homens como se se tratasse de autômatos. Esse modelo tecnicista de ensino,
para Löwy (1987: 17) se baseia no positivismo.

Por certo, pode-se dizer que, a partir do século XIX, a metafísica não encontra mais lugar
favorável à sua permanência. Todas as correntes de pensamento que se está a analisar têm em
conta a preocupação de não voltar àquela forma mecanicista de pensar. Poder-se-ía sintetisar as
proposições epistemológicas do positivismo da seguinte forma:

 A realidade (física ou social) é regida por leis naturais, isto é, invariáveis,


independentes da vontade e da ação humanas. Reina uma harmonia natural.

 Na visão de Löwy (1973: 181), "A sociedade pode, portanto, ser epistemologicamente
assimilada pela natureza (...) e ser estudada pelos mesmos métodos, démarches e processos
empregados pelas ciências da natureza." E de que,

 "As ciências da sociedade, assim como as da natureza, devem limitar-se à observação e


à explicação causal dos fenômenos, de forma objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor ou
ideologias, descartando previamente todas as prenoções e preconceitos."

 Sujeito e objeto são duas grandezas separadas e independentes, de modo que o


conhecimento é sempre uma descoberta que o sujeito realiza em relação às leis da estrutura e do
comportamento do objeto.

Para o positivismo a realidade é apenas fenomênica. O conhecimento não só é possível,


como é não problemático porque a verdade das coisas está na sua manifestação empírica. O
problema das essências não é posto e o conhecimento se basta com o dado experimental. Afora
isso, como o ser social se comporta segundo leis tão férreas como o ser natural, não sobra
alternativa à inventividade humana que não seja o "livre" e humilde submetimento às regras do
jogo.

A educação brasileira sofreu o impacto de teorias fundamentadas no positivismo,


sobretudo através da teoria do capital humano e do comportamentalismo skinneriano ou
tecnicismo.
8

A crítica ao modelo tecnicista de ensino, ao estado autoritário que o sustentava e ao


positivismo mecanicista em que se baseia, levou os intelectuais brasileiros a aderirem
maciçamente às teses reprodutivistas que vinham da França e pareciam encaixar-se perfeitamente
na nossa realidade educacional e social dos anos 70.

A rápida aceitação e a ampla difusão das teorias rotuladas como reprodutivistas, ganharam
espaços do norte ao sul, do leste ao oeste brasileiro, em encontros educacionais. Seus aspectos
positivos se evidenciaram, principalmente na década de 70, onde os reprodutivistas
representaram, no caso brasileiro, um forte apoio epistemológico às críticas da época à pedagogia
oficial, ao tecnicismo imposto pela ditadura militar. Realizavam a crítica ao aparato repressivo do
regime político-autoritário, então vigente no País, o qual assumia a responsabilidade pela política
educacional com reformas do ensino de 1º, 2º e 3º Graus, a partir das leis 5540/68 e 5692/71.
Buscaram, no pensamento de Althusser e de Bourdieu-Passeron, as armas teóricas necessárias ao
questionamento da escola, enquanto reprodutora das relações sociais de dominação.

Louis Althusser, filósofo marxista francês, assumiu como tarefa intelectual incorporar ao
materialismo histórico as contribuições da psicanálise lacaniana e, principalmente, do
estruturalismo de Levi-Strauss. Dessa aproximação saiu uma postura teórica vigorosa e muito
simpática aos intelectuais que, de alguma forma, estavam interessados na crítica ao capitalismo
ocidental. O livro "Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado" teve enorme repercussão nos
setores da esquerda, incluída aí a brasileira.

Nesse trabalho, Althusser analisa o mecanismo de reprodução da sociedade capitalista. A


necessidade maior de uma formação social é produzir e, principalmente, reproduzir as condições
de produção. Essa tarefa é cumprida em parte pela própria materialidade e dinâmica do meio
produtivo, em parte pela força repressiva do estado e em parte pelos chamados aparelhos
ideológicos do estado. A ideologia que os vários aparelhos divulgam esconde, ou faz parecer
normal e aceitável, a exploração do trabalho e a dominação do poder.

Na concepção do pensador francês, a sociedade moderna reestruturou seu esquema de


poder: substituiu o estado feudal pelo moderno e desbancou a igreja, como aparelho ideológico
central, colocando no seu lugar a escola. Nas palavras de Althusser (1970: 59), "a Revolução
francesa teve, antes de mais nada, por objetivo e resultado fazer passar o poder de Estado da
aristocracia feudal para a burguesia capitalista-comercial, quebrar em parte o antigo aparelho
repressivo de Estado e substituí-lo por um novo (ex. o Exército nacional popular), - mas também
nº 1: a Igreja. Daí a constituição civil do clero, a confiscação dos bens da Igreja e a criação de
novos aparelhos ideológicos de Estado para substituírem o aparelho ideológico de Estado
religioso no seu papel dominante." Na página seguinte, esclarece o autor (1970: 60), "...
pensamos que o Aparelho Ideológico de Estado, que foi colocado em posição dominante nas
formações capitalistas maduras, após uma violenta luta de classes política e ideológica contra o
antigo Aparelho Ideológico de Estado dominante, é o Aparelho Ideológico escolar."

Aos poucos professores que tentam voltar-se contra a ideologia, Althusser (1970: 68) pede
desculpas por ter-lhes atribuído um papel eminentemente reprodutor. E continua afirmando que a
maioria "tem tão poucas dúvidas, que contribuem até pelo seu devotamento a manter e a
alimentar a representação ideológica da Escola que a torna hoje tão 'natural', indispensável-útil
9

e até benfazeja aos nossos contemporâneos, quanto a Igreja era 'natural', indispensável e
generosa para os nossos antepassados de há séculos."

Bourdieu-Passeron se aproxima de Althusser. Para esses dois sociólogos franceses, no


livro "A reprodução"(1975) o sistema escolar funciona de forma extremamente conservadora, só
se preocupando com a reprodução de situações estabelecidas. Há uma realidade social injusta,
discriminatória. Para a classe dominante é de fundamental importância que o mecanismo gerador
dessa diferença permaneça encoberto e intocável e que a responsabilidade pela mobilidade social
seja atribuída a cada indivíduo em particular, como se fosse uma questão de mérito, de dotes, de
natureza.

A análise de Bourdieu-Passeron volta-se para demonstrar que os dotes pessoais não são
tão pessoais assim. Ao contrário, é muito reduzida a quota que, no indivíduo, pode ser atribuída à
natureza. Grande parte de suas características é formada socialmente. O gosto artístico, por
exemplo, é um prazer cultivado: internalizado, resulta de todo um aprendizado que vai da
infância à vida adulta, passando pela escola.

Para os sociólogos franceses Bourdieu-Passeron (1975: 20), a ação pedagógica da escola


"é objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário, de um
arbitrário cultural." A organização da escola leva paciente e progressivamente à reprodução das
relações sociais de produção. Isso é feito pelo trato da cultura como rito, sem qualquer contato
com o mundo, onde não intervém uma verdade elementar, o domínio do real, nem qualquer força
capaz de aumentar sua autenticidade. A escola trabalha, pois, com uma cultura falsa, fictícia, sem
a mínima relação com a verdade. Sua verdade está na reprodução das relações sociais que
empreende. A escola não foi feita (nem pode e nem precisa) para trabalhar com o real, com a
verdade. Sua função é outra: conservação da ordem social. O ensino não passa de uma
tragicomédia onde a regra das regras se assenta na eliminação dos não-privilegiados. Ela é um
elemento chave da reprodução.

Reprodutivistas são também Baudelot-Establet. A grande contribuição desses autores,


através do livro "La escuela capitalista"(1975) está em ter demonstrado a divisão de classes na
escola. O sistema de ensino, mesmo o que se mostra unitário, mantém veladamente uma divisão
entre duas redes heterogêneas, opostas e antagonistas. A massa de crianças originárias das classes
sociais antagonistas é escolarizada em redes opostas e é assim conduzida ou, antes, reconduzida a
situações opostas. A rede SS (secundário-superior) continua formando os quadros dominantes e a
PP (primário-profissional), os quadros operários. Estes últimos recebem uma falsa cultura, uma
cultura de passividade e submissão. O papel da escola, a função oculta que lhe é destinada, é
precisamente esta: a partir dos fracassos escolares dos desfavorecidos, mergulhá-los na
humilhação para que não renunciem a uma atitude de humildade.

Para o radicalismo de Baudelot-Establet, a burguesia assenhoreou-se, de modo exclusivo,


da escola, fazendo com que todas as práticas sejam de inculcação ideológica e transformou os
docentes em servidores da classe dominante. O aluno não encontra na escola relação alguma com
a vida prática do trabalho. Aliás, é da própria essência da escola fazer a separação radical entre o
mundo externo e o que se passa nas suas quatro paredes - entre trabalho manual e intelectual.
Mas também não espere o aluno-operário encontrar conhecimentos válidos ou produzi-los na
escola: ali ele aprende a ser calmo, disciplinado, submisso, humilde...
10

Existe uma oposição inconciliável entre as perspectivas dos diferentes grupos sociais. Os
trabalhadores, pelo seu contato com as condições materiais de existência, criam um instinto de
classe que constitui a força viva da ideologia proletária. O instinto de classe constitui o único
estimulante, o fio condutor, ao mesmo tempo necessário e suficiente, como guia através de um
tal itinerário, não carecendo de teorias e instituições outras para sistematizar e conduzir sua
prática de luta.

A escola, nessa perspectiva, é um espaço puramente burguês. Não há luta de classes ali,
porque as forças progressistas não dispõem de nenhum ponto de apoio a que se agarrar, uma vez
que toda a escolaridade é apresentada como mistificação burguesa. Há uma única circunscrição
onde se dá a luta de classes e onde há a cultura verdadeira: é a esfera do trabalho. A
superestrutura poderá exercer papel importante somente depois de revolucionadas as condições
de produção.

A teoria da desescolarização é defendida por Ivan Illich (1973). Ele parte do princípio de
que a sociedade industrial está fora de rota. A humanidade errou quando submeteu-se à ditadura
da grande máquina, das complexas burocracias e da vida sofisticada das grandes cidades.
Naufragaram o indivíduo, a família, as relações cordiais, a felicidade... A megamáquina requer
um ritmo de produção e consumo infinitos e, por isso, precisa criar necessidades artificiais que
não conseguirá satisfazer. Primeiro, porque são artificiais e, depois, porque, dentre todas, uma
será a grande necessidade: renovar, trocar, buscar o novo. Temos aí o homem dependente,
insaciável, infeliz e a sociedade desigual, confusa, desencontrada.

A escola é a instituição chave da sociedade industrial: o lugar sagrado que coloniza as


consciências e estrutura a vida de cada um dentro dos pré-requisitos da sociedade burocrática.
Nas próprias palavras de Illich, a escola justifica cruelmente no plano racional a hierarquia
social. Ela o faz monopolizando as vias oficiais de acesso aos postos da sociedade: distribui
diplomas, pune autodidatas, reprime, controla, modela. O ser de que a escola necessita, enquanto
cliente, não possui nem independência, nem motivos para crescer por si. Chega a criar a própria
noção de infância - a fase da infância - sobre a qual detém férreo controle.

Pior efeito, no entanto, é a escola criar uma cultura especializada e hermética. O


conhecimento elaborado (complexo) distancia-se do saber-fazer natural das pessoas e dos grupos,
ficando sob o monopólio de reduzidos núcleos de tecnocratas comandando, de fora, a vida de
toda a gente. Perde-se, com isso, a aptidão inata das pessoas para criar o seu próprio ambiente,
quer quanto à sua habilidade para investir o seu tempo pessoal na criação de valores de
utilização, quer quanto à possibilidade de aprender instruindo, haja visto as pessoas não
trabalharem umas com as outras e não evoluírem pelo conselho mútuo. O perito impõe sobre o
povo em geral um imperialismo intelectual e, na medida em que estabelece um corpo de saber
fora do alcance de todos, conflitua a vida de todo mundo: priva o ser humano das qualidades e
das virtudes inerente ao próprio ser, daquelas a que cada um teria acesso espontaneamente,
bastando deixar-se conduzir pela natureza.

Illich propõe a volta à sociedade primitiva, simples, ao trabalho da ferramenta familiar


(que não utiliza o homem, mas é feita e utilizada por ele), às relações interpessoais, à satisfação
das necessidades primárias. A salvação estaria em abolir o projeto do homem prometeico que só
11

vive para afrontar o destino, modelar o mundo de acordo com o plano que ele arquitetou. Illich
chama homens epimeteus àqueles que, pelo contrário, depositam suficiente confiança na bondade
da natureza para respeitar a ordem que nela está inscrita: conformar-se com a terra maternal.
Nessa perspectiva, importa, antes de tudo, acabar com a escola estruturada e pôr, em seu lugar,
redes espontâneas de ensinar-e-aprender. A escola sonha com a modelagem autoritária e persegue
incansavelmente essa meta. É preciso opor-lhe alternativas radicais. Que desapareçam o
professor perito, a avaliação, a diretividade, o diploma, a presença obrigatória, os pré-requisitos
de entrada, os programas pré-estabelecidos, etc. Destronada a escola, é certo que as demais
estruturas sociais opressoras também virão abaixo, seguindo-a. Segundo Illich (1973: 181) "os
esforços para encontrar novo equilíbrio no meio-ambiente global dependem da
desinstitucionalização dos valores."

Em linhas gerais, essas são as idéias básicas do reprodutivismo e da desescolarização,


baseadas que estão epistemologicamente no estruturalismo 10, cujas características primordiais
são:

 A estrutura é um sistema integrado, o que faz com que mudanças num elemento
provoquem alterações nos outros. Um todo (matemático, físico ou social) não é a mera soma das
partes; as partes estão conectadas entre si e subordinadas a leis que caracterizam um sistema
específico. A estrutura mostra-se nos elementos que a compõem, nos seus efeitos, mas não está
neles, propriamente falando, não se resume neles, transcende-os.

 Ordinariamente o sistema estrutural não é manifesto, isto é, não se mostra claramente


ao observador, mas é latente: necessita ser reconstruído teoricamente para tornar inteligíveis os
fatos que o compõem. Esta característica, ao lado da primeira, afasta o estruturalismo do po-
sitivismo "stricto sensu", porque o dado observável e isolado não traduz verdade alguma, quando
não apreendido a partir da estrutura onde está inscrito.

 Não existem estruturas universais, o que impede a ciência de adotar modelos estruturais
que ultrapassem em valor explicativo certos limites factuais.

 A estrutura é predominantemente sincrônica, isto é, os elementos somente são


relacionados na mesma dimensão temporal, o que faz com que a história intervenha apenas para
propiciar o aparecimento de novas estruturas e não para produzir diacronicamente relações
estruturais de elementos em diferentes momentos.

O resultado das teorias reprodutivistas não foi positivo para o ensino 11. Ao contrário,
contribui em grande parte para o desânimo e a acomodação do professor e de toda a comunidade
escolar. É, portanto, necessário que lhe sejam feitas as devidas críticas. Com relação a Althusser
10
O estruturalismo difundiu-se, enormemente, a partir de 1930, e modificou o teor das pesquisas
em ciências sociais. "A noção de estrutura tem-se mostrado de extraordinária fecundidade, não só para
aprimorar os modelos explicativos nas ciências humanas como principalmente para proporcionar um rico
intercâmbio entre as ciências que se utilizam desse conceito" (História do Pensamento, vol.4, p.705). O
estruturalismo, enquanto método, foi utilizado por muitos autores nas ciências empírico-naturais e nas
ciências humanas.
11
Na reflexão educacional o reprodutivismo demonstra a quase negação da história e da dialética e a
supervalorização da estrutura.
12

é preciso dizer que "o fato de o autor distinguir a escola como o Aparelho Ideológico do Estado
número 1, nas sociedades capitalistas, coloca-nos algumas reservas. Temos na realidade
brasileira um contingente enorme de não-escolarizados, bem como outro índice significativo de
evadidos escolares. A obrigatoriedade escolar ainda é um propósito, bem como temos uma
redução do tempo do aluno na escola. Isso força-nos a destacar que, no todo social brasileiro,
temos forte influência da família, da religião, bem como do aparelho ideológico de informação e
suas influências na formação cultural do nosso povo. Se olharmos a penetração, audiência e
tempo de influência diária da televisão, pode-se ressaltar sua importância marcante. Esse
contexto (família, religião, meios de comunicação) contrapõem o espaço da escola na sua
função primaz de inculcação ideológica." 12

Não só Althusser, mas o reprodutivismo como um todo acaba por eliminar a possibilidade
de luta de classe no âmbito da escola, no âmbito da cultura. A única possibilidade de crítica
parece ser, nessa óptica, a da análise sociológica que desvenda a estrutura e o funcionamento do
mecanismo social. Porém, se for considerado que a cultura não é um mero enfeite ou qualquer
outra coisa fictícia, mas um complexo de lutas históricas, resultado do trabalho, do progresso e
das lutas sociais, nossa perspectiva passa a ser diferente. As idéias dominantes não são só idéias
da classe dominante: são bens da humanidade. A apropriação de alguma coisa não determina a
sua natureza. Assim, o mundo cultural não se resume num disfarce; tem sua objetividade e seu
valor e, por isso, é justo concebê-la como um espaço de lutas sociais, onde também pode se dar a
emancipação dos setores dominados.

Melhorar o ensino e não fugir dele; torná-lo mais verdadeiro, mais científico, mais crítico
parece ser o desafio. Sabe-se que a cultura primeira (de massas, proletária, espontânea) não se
basta a si mesma; requer ser aprimorada e aprofundada pela contribuição da cultura elaborada.
Como bem diz Snyders (1973: 181), o povo (enquanto operariado, classes populares) é
"rebaixado ao nível de animal de carga", chegando às raias do embrutecimento e da barbárie.
Abandonado em sua cultura, seu mundo corre o risco de ser nivelado por baixo, ficando mais à
mercê da dominação e da exploração.

A desescolarização de Ivan Illich é ainda mais equivocada. O autor de "Sociedade sem


escolas" nega a história como processo, como progresso, como positividade. Para ele o que
aconteceu com a sociedade moderna foi um afastamento da verdade e do ponto ótimo de vida
que estavam na convivência harmoniosa com a natureza e das pessoas entre si, sem mediações. A
cultura elaborada também não representa nada de positivo; ela é a expressão das relações
burocráticas, da divisão social e da dominação de uns sobre os outros. A cultura elaborada é
inconciliável com as regras do bem viver.

Illich não consegue conviver com a sociedade complexa. Seu modelo de pensamento e seu
objeto de desejo são comunidades primárias, simples, pequenas. Reatualiza o mito do "bom
selvagem". Essa perspectiva de retorno histórico é mistificadora: desvia a atenção das dimensões
reais e urgentes da história para introduzi-la na esfera do romantismo fictício. O afastamento da
realidade cria, como resultado final, a decepção e o desencanto, quando o que realmente se
precisa é ânimo e disposição para agir, para transformar, enfim ter gosto pela pela profissão
docente.
12
Nedison FARIA, Ensaio crítico sobre "Ideologia e aparelhos ideológicos do estado" de Louis Althusser,
p. 8 (mimeo).
13

Seja pela proposta da escolástica, do capital humano, da desescolarização de Illich, seja


pelas teorias reprodutivistas francesas, entre tantas outras, os professores brasileiros estiveram
com bases falhas. Colheram, no final das contas, apenas um sentimento de frustração pelo seu
trabalho, dito servil aos poderes constituídos, e de impotência face à ausência de alternativa que
essas teorias lhes ocasionavam, somadas aos destratos desses mesmos poderes constituídos para
com a profissão docente.

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14

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