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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO – PLANO DE ENSINO3

PRIMEIRA UNIDADE7
O que é a Antropologia7
Os campos da Antropologia9
O objeto do conhecimento13
O que é o “homem” ?16
A pré-história da antropologia17

SEGUNDA UNIDADE23
Século XVIII: a invenção do homem23
O conceito de cultura28
A classificação da cultura29
Os componentes da cultura29
Ser humano é tornar-se humano30
A cultura condiciona a visão de mundo33
A cultura interfere no plano biológico34
Os indivíduos participam diferentemente da sua cultura36
A cultura é dinâmica36

TERCEIRA UNIDADE40
Etnografia e Etnologia40
Franz Boas44
Bronislaw Malinowski48

QUARTA UNIDADE56
Durkheim: o primeiro teórico da antropologia56
A Solidariedade58
A Primazia do Social60
O que é um Fato Social62
O Método67
As quatro características do fato social68
O homem dual69

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APRESENTAÇÃO

PLANO DE ENSINO

EMENTA
Proporcionar aos alunos à introdução da Antropologia como Ciência do Homem.
Modelos e análises antropológicas. Conceitos introdutórios da Antropologia. O que
é o Homem. O conceito de Cultura. Etnografia e Etnologia.
.

OBJETIVO DA DISCIPLINA
Analisar e compreender a constituição da Antropologia, possibilitando e
estimulando nos alunos(as) uma iniciação geral à perspectiva antropológica sobre o
homem e a sua cultura, linguagem, sociedade, bens simbólicos e relações de
parentesco, a partir de uma discussão da formação epistemológica e histórica da
disciplina, seus principais conceitos, teorias e autores.

METODOLOGIA DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Aulas expositivas, leitura de textos, leitura da apostila e exercícios de fixação.


Critérios da avaliação: Prova e atividades complementares.

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CONTEÚDO PROGRAMADO - VIDEOAULAS
1) INTRODUÇÃO:
Apresentação da disciplina, introdução do conteúdo e leitura do Plano de
Ensino.
2) O que é a Antropologia?
-Indicação de Leitura:
LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. – SP: Brasiliense, 2003.
(Introdução). – Link para download:
https://pedropeixotoferreira.files.wordpress.com/2010/03/laplantine_aprender-a
ntropologia.pdf
MARCONI, Marina e PRESOTTO, Zelia. Antropologia: uma introdução. -SP:
Atlas, 2010. (Capítulo 1). -Link para download:
https://idoc.pub/documents/antropologia-uma-introduao-marconi-e-presottopdf-jl
k92edy2345
3) A Pré-história da Antropologia
-Indicações de Leitura:
LAPLANTINE, François. A pré-história da Antropologia. In: Aprender
Antropologia. – SP: Brasiliense, 2003. (Capítulo 1). Link para download:
https://pedropeixotoferreira.files.wordpress.com/2010/03/laplantine_aprender-a
ntropologia.pdf

4) Século XVIII – A Invenção do Homem


-Indicação de Leitura:
LAPLANTINE, François. O século XVIII: a invenção do conceito de homem. In:
Aprender Antropologia. – SP: Brasiliense, 2003. (Capítulo 2). - Link para
download:
https://pedropeixotoferreira.files.wordpress.com/2010/03/laplantine_aprender-a
ntropologia.pdf

5) O conceito de cultura

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-Indicação de Leitura:
LARAIA, Roque B. Cultura: um conceito antropológico. -14ªed. – RJ: Jorge
Zahar Ed, 2001. (Segunda parte – Como opera a cultura). – Link para
download:
https://projetoaletheia.files.wordpress.com/2014/05/cultura-um-conceito-antropo
logico.pdf
6) Etnografia e Etnologia
-Indicação de Leitura:
LAPLANTINE, François. Os pais fundadores da etnografia. In: Aprender
Antropologia. – SP: Brasiliense, 2003. (Capítulo 4). - Link para download:
https://pedropeixotoferreira.files.wordpress.com/2010/03/laplantine_aprender-a
ntropologia.pdf
LEVÍ-STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos. – SP:Ed Anhembi Limitada, 1957.
-Link para download: https://docero.com.br/doc/8c8551
BOAS, Franz. Antropologia cultural. – RJ: Jorge Zahar Ed. 2005. (Capítulo 2:os
métodos da etnologia). – Link para download:
https://umapiruetaduaspiruetas.files.wordpress.com/2010/05/franz-boas-antrop
ologia-cultural.pdf
7) Franz Boas e Bronislaw Malinowski
-Indicação de Leitura:
BOAS, Franz. Antropologia cultural. – RJ: Jorge Zahar Ed. 2005. (Capítulo 1:
as limitações do método comparativo da antropologia). - Link para download:
https://umapiruetaduaspiruetas.files.wordpress.com/2010/05/franz-boas-antrop
ologia-cultural.pdf
LAPLANTINE, François. Os pais fundadores da etnografia. In: Aprender
Antropologia. – SP: Brasiliense, 2003. (Capítulo 4). Link para download:
https://pedropeixotoferreira.files.wordpress.com/2010/03/laplantine_aprender-a
ntropologia.pdf
MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacáfico Ocidental: um relato do
empreendimento e da aventura dos nativos nos Arquipélagos da Nova Guiné

5
Melanésia. – SP: Abril S.A. Cultural e Industrial, 1976. (Introdução: Tema,
método e objeto desta pesquisa).
- Link para download:
https://csociais.files.wordpress.com/2019/03/malinowski-bronislaw.-argonautas-
do-pacicc81fico-ocidental.-um-relato-do-empreendimento-e-da-aventura-dos-na
tivos-da-nova-guinecc81-melanecc81sia.-preacc81cio-introduccca7acc83o-cap
s.-2-.pdf
8) O modelo teórico de Durkheim
-Indicação de Leitura:
LAPLANTINE, François. Os primeiros teóricos da antropologia In: Aprender
Antropologia. – SP: Brasiliense, 2003. (Capítulo 5).- Link para download:
https://pedropeixotoferreira.files.wordpress.com/2010/03/laplantine_aprender-a
ntropologia.pdf

9) O que é um fato social


-Indicação de Leitura:
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. – SP: Martins Fontes,
2007. (Prefácio e Capítulo 1: O que é um fato social).
Link para Download:
https://pedropeixotoferreira.files.wordpress.com/2015/02/durkheim_2007_as-re
gras-do-mc3a9todo-sociolc3b3gico_bookmf.pdf

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOAS, Franz. Antropologia cultural. – RJ: Jorge Zahar Ed. 2005.


DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. – SP: Martins Fontes,
2007.
LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. – SP: Brasiliense, 2003.
LARAIA, Roque B. Cultura: um conceito antropológico. -14ªed. – RJ: Jorge
Zahar Ed, 2001.

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LEVÍ-STRAUSS, Claude. Tristres Trópicos. – SP:Ed Anhembi Limitada, 1957.
MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacáfico Ocidental: um relato do
empreendimento e da aventura dos nativos nos Arquipélagos da Nova Guiné
Melanésia. – SP: Abril S.A. Cultural e Industrial, 1976.
MARCONI, Marina e PRESOTTO, Zelia. Antropologia: uma introdução. -SP:
Atlas, 2010.

PRIMEIRA UNIDADE

O que é a Antropologia

A Antropologia é uma Ciência que surgiu no final do século XVIII, com


o advento da Modernidade. Pela primeira vez na história do conhecimento, o
objeto do conhecimento centífico passa a ser o homem e não a natureza.
Desse modo, a ciência se desloca da natureza para o entendimento dos
aspectos que formam o “homem” (sociais, culturais, linguísticos...). A
antropologia é um dos três conhecimentos epistêmicos que constituem as
Ciências Sociais - antropologia, sociologia e ciência política-, explicando e
compreendendo: o homem enquanto ser social, integrante de grupos
organizados e de uma estrutura linguística. Etimologicamente, antropologia
vem de anthropos (homem) e logos (estudo), que significa o estudo do homem.
O seu objetivo é estudar o homem e a sua cultura.

O homem nunca parou de interrogar-se sobre si mesmo. Em todas as


sociedades existiram homens que observavam homens. Houve até
alguns que eram teóricos e forjaram, como diz Lévi-Strauss, modelos
elaborados "em casa". A reflexão do homem sobre o homem e sua
sociedade, e a elaboração de um saber são, portanto, tão antigos
quanto a humanidade, e se deram tanto na Asia como na África, na
América, na Oceania ou na Europa. Mas o projeto de fundar uma

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ciência do homem - uma antropologia - é, ao contrário, muito
recente. De fato, apenas no final do século XVIII é que começa a se
constituir um saber científico (ou pretensamente científico) que toma o
homem como objeto de conhecimento, e não mais a natureza; apenas
nessa época é que o espírito científico pensa, pela primeira vez, em
aplicar ao próprio homem os métodos até então utilizados na área da
física ou da biologia (LAPLANTINE, 2003.p.7)

Com isso, a antropologia se constitui como uma ciência do homem. Não


apenas do homem enquanto entidade biológica (biopsíquica), mas da relação dessa,
com os aspectos multidimensionais que o constituem, como à sociedade, os grupos
sociais, os ritos, as práticas, a linguagem, os simbolos, as crenças, ou tudo aquilo
que convencionamos chamar de cultura. Ela estuda a relação entre a natureza e a
cultura, buscando compreender a vida, o comportamento e as práticas do ser
humano. Essas, variam na relação que o Ser mantém com o mundo ao seu redor.
Por exemplo, há uma dualidade na unidade composta pelos elementos: a natureza e
a cultura.
A natureza é inata, ou seja aquilo que já nasceu conosco, algo natural do Ser,
como, por exemplo, a nossa biologia, os nossos instintos, etc. Já a cultura é
apreendida, ou seja, aquilo que aprendemos socialmente com a estrutura familiar, os
grupos que convivemos na nossa existência, por exemplo, é algo que precisou de
um aprendizado, uma educação ou uma experiência.
Todos nós temos que comer, se não, a gente pode morrer de fome, é
instintivo do ser humano, natural, inato. Porém, o que a gente come, como a gente
come e a ora que comemos, é apreendido culturalmente. Algum de vocês come
gafanhoto? Se você é brasileiro, provavelmente não. No entanto, no Japão esse
inseto agrada o paladar da maioria da população, é até vendido como alimento
enlatado. No México também, o gafanhoto Chapulín (Sphenarium Purpurascens), é
tão popular que inspirou o personagem de televisão “Chapulín Colorado” (ou na
tradução para o Português, Chapolin). Ou seja, para quem tem a sua existência e
história nesses países, comer esse inseto é algo absolutamente normal, gostoso.

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Fonte: https://revistapesquisa.fapesp.br/insetos-comestiveis/

Enquanto a biologia de um brasileiro poderia sentir ânsia de vômito diante da


iguaria, com pode a biologia de um japonês salivar de desejo? E por quê? Por quê
as naturezas se modificam ? Por quê os comportamentos variam no tempo e no
espaço ?
Para a ciência do homem, porque a dimensão cultural modifica a natureza, a
sociedade estabelece uma relação com o indivíduos ao longo da sua trajetória de
vida, dos seus hábitos e costumes que são apreendidos socialmente ao longo da
experiência social, cultural, linguística e dos grupos dos quais fazem parte.
Outra questão, a visão de mundo de vocês é igual a visão de mundo dos seus
avós? Se todos tem olhos (biologia), por que enxergam o mundo de forma diferente?
A nossa trajetória social, o momento histórico em que a gente vive, os nossos
valores é que formam o nosso modo de ver o mundo (a pulsão do nosso olhar). O
olhar faz contingência simbólica sobre o olho. Um mesmo fenômeno é interpretado
de forma diferente a partir dos valores e crenças que o homem carrega. E esses
valores são formados socioculturalmente. A cultura modifica a natureza. O “homem”
é uma constituição demasiadamente complexa. Quem é você, se nem o seu nome
foi você quem escolheu? O que é a natureza humana ?

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O que estamos querendo afirmar é que muito daquilo que a gente acha que é
natureza, algo totalmente natural do indivíduo, é mais complexo do que a gente
realmente acredita.
Desse modo, a antropologia busca compreender os aspectos que formam o
“humano”. O seu principal problema científico é a indagação: o que é o homem ?
Essa resposta é o que a antropologia vai responder cientificamente, mobilizando
métodos e técnicas pesquisa que compõem a sua estruturação enquanto ciência.

Os Campos da Antropologia

Segundo François Laplantine (2003) a antropologia é uma abordagem


integrativa que objetiva levar em consideração as múltiplas dimensões do ser
humano em sociedade. Certamente, o acúmulo dos dados colhidos a partir de
observações diretas, bem como o aperfeiçoamento das técnicas de investigação,
conduzem necessariamente a uma especialização do saber. Porém, uma das
vocações maiores da abordagem antropológica consiste em não parcelar o homem,
mas, ao contrário, em tentar relacionar campos de investigação frequentemente
separados.
Nesse âmbito, existem cinco áreas principais da antropologia - que nenhum
pesquisador pode, evidentemente, dominar por completo-, mas que deve estar
sensibilizado quando trabalha de forma profissional, em algumas delas, dado que
essas cinco áreas mantêm relações estreitas entre si. Os campos da antropologia
são (LAPLANTINE, 2003.p.9-11):

● Antropologia Biológica: consiste no estudo das variações dos caracteres


biológicos do homem no espaço e no tempo. Sua problemática é a das
relações entre o patrimônio genético e o meio (geográfico, ecológico, social),
ela analisa as particularidades morfológicas e fisiológicas ligadas a um meio
ambiente, bem como a evolução destas particularidades. O que deve,

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especialmente, a cultura a este patrimônio, mas também, o que esse
patrimônio (que se transforma) deve a cultura? Desse modo, o antropólogo
biologista levará em consideração os fatores culturais que influenciam o
crescimento e a maturação do indivíduo. Ele se perguntará, por exemplo: por
que o desenvolvimento psicomotor da criança africana é mais adiantado do
que o da criança europeia? Essa parte da antropologia, longe de consistir
apenas no estudo das formas de crânios, mensurações do esqueleto,
tamanho, peso, cor da pele, anatomia comparada as raças, dos sexos,
interessam-se em especial - desde os anos 50 - pela genética das
populações, que permite discernir o que diz respeito ao inato e ao
apreendido, sendo que, um e outro estão interagindo continuamente. Ela,
segundo Laplantine (2003), tem um papel particularmente importante a
exercer para que não sejam rompidas as relações entre as pesquisas das
ciências da vida e as das ciências humanas.

● Antropologia Pré-histórica: é o estudo do homem através dos vestígios


materiais enterrados no solo (ossadas, mas também quaisquer marcas da
atividade humana). Seu projeto, que se liga a arqueologia, visa reconstituir as
sociedades desaparecidas, tanto em suas técnicas e organizações sociais,
quanto em suas produções culturais e artísticas. Esse ramo da antropologia
trabalha com uma abordagem idêntica as da antropologia histórica e da
antropologia social e cultural de que trataremos mais adiante. O especialista
em pré-história recolhe, pessoalmente, objetos no solo.

● Antropologia Linguística: a linguagem é, com toda evidencia, parte do


patrimônio cultural de uma sociedade. É através dela que os indivíduos que
compõem uma sociedade se expressam e expressam seus valores, suas
preocupações, seus pensamentos. Apenas o estudo da língua permite
compreender: como os homens pensam o que vivem e o que sentem, isto é,
suas categorias psicoafetivas e psicocognitivas (etnolinguística); ou como
eles expressam o universo e o social (estudo da literatura, não apenas

11
escrita, mas também de tradição oral); ou como, naturalmente, eles
interpretam seus próprios saber e saber-fazer (área das chamadas
etnociências). A antropologia linguística, que é uma disciplina que se situa no
encontro de várias outras, não diz respeito apenas, e de longe, ao estudo dos
dialetos (dialetologia). Ela se interessa também pelas imensas áreas abertas
pelas novas técnicas modernas de comunicação. Na sua gênese, foi o
antropólogo Edward Sapir (1967) quem, além de introduzir o estudo da
linguagem entre os materiais antropológicos, começou também a mostrar que
um estudo antropológico da língua (a língua como objeto de pesquisa
inscrevendo-se na cultura) conduzia a um estudo linguístico da cultura (a
língua como modelo de conhecimento da cultura).

● Antropologia Psicológica: aos três primeiros polos de pesquisa que foram


mencionados, e que são habitualmente os únicos considerados como
constitutivos (com antropologia social e a cultural) do campo global da
antropologia, Laplantine (2003) acrescenta este polo: o da “antropologia
psicológica”, que consiste no estudo dos processos e do funcionamento do
psiquismo humano. Fala o autor que, o antropólogo é em primeira instância
confrontado não a conjuntos sociais, e sim a indivíduos. Ou seja, somente
através dos comportamentos - conscientes e inconscientes - dos seres
humanos particulares podemos apreender essa totalidade sem a qual não se
tem antropologia.

● Antropologia Social e Cultural (ou Etnologia): essa nos deterá por muito
mais tempo na nossa introdução à antropologia, é o principal elemento do
nosso curso. Desse modo, toda vez que utilizarmos a partir de agora o termo
antropologia mais genericamente, estaremos nos referindo a antropologia
social e cultural (ou etnologia), mas procuraremos nunca esquecer que ela é
apenas um dos campos/aspectos da antropologia. Um dos aspectos cuja
abrangência é considerável, já que diz respeito a tudo que constitui a uma
sociedade: seus modos de produção econômica, suas técnicas, sua

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organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, seus sistemas
de conhecimento, suas crenças religiosas, sua língua, sua psicologia, suas
criações artísticas.

Charge: “O olhar antropológico”.

Fonte: http://aulasdoaugusto.blogspot.com/2010/02/charge-o-olhar-antropologico.html

Fundamentos colocados, esclarecemos que a antropologia consiste menos


no levantamento sistemático dos campos supracitados, do que em mostrar a
maneira particular com a qual os aspectos dos campos estão relacionados entre si.
Esse é o ponto de vista da totalidade, que a antropologia procura compreender as
múltiplas dimensões da totalidade humana, nos gestos, nas suas trocas simbólicas,
nos menores detalhes do seu comportamento (LEVÍ-STRAUSS, 1957). Isso faz da
antropologia, um tratamento fundamentalmente diferente dos utilizados
setorialmente pelos geógrafos, economistas, juristas, sociólogos, psicólogos
(LAPLANTINE, 2003).

O objeto do conhecimento

A antropologia é o estudo de todas as sociedades humanas (a nossa


inclusive), ou seja, das culturas da humanidade como um todo, em suas
diversidades históricas e geográficas. Visando constituir os "arquivos" da

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humanidade em suas diferenças significativas. O seu primeiro objeto do
conhecimento científico foram as populações que não pertenciam à civilização
ocidental, povos distantes, nativos, indígenas, ou seja, civilizações exteriores à
Europa.
Desse contato com o que era diferente do senso comum europeu (o que
estamos socialmente acostumados) – o conhecimento popular da Europa-, decorre a
formação antropológica, daquilo que Laplantine (2003.p.13) chama de
estranhamento:
"estranhamento", a perplexidade provocada pelo encontro
das culturas que são para nós as mais distantes, e cujo
encontro vai levar a uma modificação do olhar que se tinha
sobre si mesmo. De fato, presos a uma única cultura, somos
não apenas cegos a dos outros, mas míopes quando se trata
da nossa. A experiência da alteridade (e a elaboração dessa
experiência) leva-nos a ver aquilo que nem teríamos
conseguido imaginar, dada a nossa dificuldade em fixar a
nossa atenção no que nos é habitual, familiar, cotidiano, e que
consideramos "evidente". (Grifos nossos)

O mundo que a gente acha que é natural foi uma construção cultural
naturalizada nas nossas cabeças, e findamos nos acostumando, nos
habituando, virando, com isso, algo comum, normal, o natural, o senso comum
(conhecimento popular). Desse modo, compartilhando os mesmos referenciais
coletivos – o consenso do senso psicológico-, os pensadores não
questionavam sobre a “construção cultural do homem”. Foi no estranhamento,
no contato com o “diferente”, com outros tipos de sociedade e formações
humanas, o que os primeiros viajantes chamaram de forma preconceituosa de
“selvagens”, que começou a se desnaturalizar a naturalização do social que
forma o que é comum na nossa mente.
Somente com a distância em relação à sociedade europeia permite os
antropólogos fazerem a descoberta do seu objeto do conhecimento, uma

14
distância que faz com que os pensadores se tornem próximos daquilo que é
longínquo, passando a se surpreender com aquilo que diz respeito a si mesmo:
o reconhecimento, o conhecimento, juntamente, com a compreensão de uma
humanidade plural.
“O conhecimento (antropológico) da nossa cultura passa
inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas; e devemos
especialmente reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras,
mas não a única”. (LAPLANTINE, 2003. p.13). Aquilo que, de fato, caracteriza
a unidade do homem, é sua aptidão praticamente infinita para inventar modos
de vida e formas de organização social extremamente diversos.

essas formas de comportamento e de vida em sociedade que


tomávamos todos espontaneamente por inatas (nossas
maneiras de andar, dormir, nos encontrar, nos emocionar,
comemorar os eventos de nossa existência. . .) são, na
realidade, o produto de escolhas culturais. Ou seja, aquilo que
os seres humanos têm em comum é sua capacidade para se
diferenciar uns dos outros, para elaborar costumes, línguas,
modos de conhecimento, instituições, jogos profundamente
diversos; pois se há algo natural nessa espécie particular que
é a espécie humana, é a aptidão à variação cultural (Ibidem).

Confrontados à multiplicidade, a priori enigmática, das culturas,


somos aos poucos levados a romper com a abordagem
comum que opera sempre a naturalização do social (como se
nossos comportamentos estivessem inscritos em nós desde o
nascimento, e não fossem adquiridos no contato com a cultura
na qual nascemos). A romper igualmente com o humanismo
clássico que também consiste na identificação do sujeito com
ele mesmo, e da cultura com a nossa cultura. De fato, a
filosofia clássica (antológica com São Tomás, reflexiva com
Descartes, criticista com Kant, histórica com Hegel), mesmo

15
sendo filosofia social, bem como as grandes religiões, nunca
se deram como objetivo o de pensar a diferença (e muito
menos, de pensa-la cineticamente), e sim o de reduzi-la,
frequentemente inclusive de uma forma igualitária e com as
melhoras intenções do mundo (Ibidem. p.14)

A antropologia acaba, portanto, de atribuir-se um objeto que lhe e próprio:

Para que esse projeto alcance suas primeiras realizações,


para que o novo saber comece a adquirir um início de
legitimidade entre outras disciplinas científicas, será preciso
esperar a segunda metade do século XIX, durante o qual a
antropologia se atribui objetos empíricos autônomos: as
sociedades então ditas "primitivas", ou seja, exteriores as
áreas de civilização europeias ou norte-americanas. A ciência,
ao menos tal como é concebida na época, supõe uma
dualidade radical entre o observador e seu objeto. Enquanto
que a separação (sem a qual não há experimentação possível)
entre o sujeito observante e o objeto observado é obtida na
física (como na biologia, botânica ou zoologia) pela natureza
suficientemente diversa dos dois termos presentes, na história,
pela distância no tempo que separa o historiador da sociedade
estudada, ela consiste na antropologia, nessa época - e por
muito tempo - em uma distância definitivamente geográfica. As
sociedades estudadas pelos primeiros antropólogos são
sociedades longínquas as quais são atribuídas as seguintes
características: sociedades de dimensões restritas; que
tiveram poucos contatos com os grupos vizinhos; cuja
tecnologia _e pouco desenvolvida em relação a nossa; e nas
quais há uma menor especialização das atividades e funções
sociais. São também qualificadas de "simples"; em
consequência, elas irão permitir a compreensão, como numa

16
situação de laboratório, da organização "complexa “de nossas
próprias sociedades. (LAPLANTINE, 2003.p.7-8)

O método antropológico, portanto, consiste em um modo de conhecimento


que foi elaborado a partir do estudo dessas sociedades longínquas: a observação
direta, por impregnação lenta e continua de grupos humanos.
Com o passar do tempo (evolução histórica), além das sociedades
longínquas, temos estudos antropológicos das populações camponesas (MARCONI
e PRESOTTO, 2010); até a chegada do século XX, e com ele, o processo de
desaparecimento gradual – evolução social - dessas sociedades “longínquas”. Por
fim, a antropologia não é senão um certo olhar, um certo enfoque que consiste em:
a) o estudo do homem inteiro (totalidade); b) o estudo do homem em todas as
sociedades, sob todas as latitudes em todos os seus estados e em todas as épocas.
(LAPLANTINE, 2003.p.9). Nesse ínterim, com seus próprios métodos de pesquisa,
todas as sociedades humanas, as culturas da humanidade como um todo,
constituem, por sua vez, os “arquivos” do conhecimento antropológico.

O que é o homem ?
Certa vez coloquei a seguinte questão dissertativa em uma prova de
antropologia: “o que é o homem?”. As respostas foram das mais diversas, mas
algumas me chamaram uma atenção: “é um bando de cara safado; é o
provedor do lar; é bom demais; é uma criatura de Deus; é superior a mulher
porque sustenta à família”; dentre outras respostas. Claro que nenhuma dessas
respostas citadas acima conseguiu pontuar a questão, mas, todas elas têm
algo em comum, foram respondidas a partir da experiência empírica de cada
autor, ou seja, a sua visão de mundo, suas crenças, o que acreditam, o seu
senso comum, e, não, o conhecimento específico da matéria.
Já outro bloco de respostas agrupou as seguintes afirmações: “é uma
construção social; é produto das experiências empíricas; é uma construção

17
cultural; é produto do meio”; dentre outras. Vemos, que esse segundo bloco de
respostas explica o primeiro bloco supracitado, e com isso, conseguiram
pontuar a questão.
Com isso, numa dialética materialista das respostas, o homem é uma
construção sociocultural das experiências empíricas (com o meio social), que
teve no decorrer de sua trajetória de vida, e essas formaram a sua visão de
mundo, suas crenças, o que acreditam, o seu senso comum.
Explicar, cientificamente, “o que é o homem”, é o principal problema
antropológico. Aquilo que Laplantine chama do “estudo do homem em sua
totalidade”. O menor dos nossos comportamentos (gestos, mímicas, posturas,
reações afetivas) não tem realmente nada de "natural", aquilo que tomávamos
por natural em nós mesmos é, de fato, cultural.
No entanto, com a formação do senso comum, os indivíduos não têm
consciência desta construção sociocultural, vivem sua vida como se tudo fosse
natural, como se nossos comportamentos estivessem inscritos em nós desde o
nascimento - e não adquiridos no contato com a cultura na qual nascemos-.
Ocorre uma naturalização do social no senso comum-.
Nesse sentido, se o senso comum é o que estamos socialmente
acostumados, como surgiram as primeiras indagações antropológicas? Como
se desnaturalizou a naturalização do social que forma o que é comum aos
nossos olhos? Quando os homens decidiram se questionar sobre “o que é o
homem”, ou seja, sobre si mesmos?
De acordo com o que vimos anteriormente, no contato com as
civilizações extra-europeias, as sociedades “longínquas”. Foi a partir dos
viajantes do renascimento (entre o século XIV à XVI) que se têm a gênese do
problema da antropologia, mas não a sua resposta, essa só obtida dois séculos
depois com a emergência da ciência do homem no final do século XVIII.
Resta-nos, no entanto, apresentar uma breve pré-história da antropologia.

A pré-história da antropologia

18
Nesta seção não estamos falando antropologia propriamente dita, mas,
da sua pré-história, ou seja, da gênese do problema: “o que é o homem?”.
Nesse âmbito, estamos nos referindo as grandes navegações, daquilo que
Darcy Ribeiro (1995) chama da heresia mercantil, ou seja, aos viajantes do
renascimento (entre o século XIV e XVI) que fizeram a colonização.

Ao contrário dos povos que aqui encontraram -todos eles estruturados


em tribos autônomas, autárquicas e não estratificadas em classes-, o
enxame de invasores era a presença local avançada de uma vasta e
vetusta civilização urbana e classista. Seu centro de decisão estava
nas longuras de Lisboa, dotada sua Corte de muitos serviços,
sobretudo do poderoso Conselho Ultramarino, que tudo previa,
planificava, ordenava, provia. Outro coordenador poderosíssimo era a
Igreja católica, com seu braço repressivo, o Santo Ofício. Ouvindo
denúncias e calúnias na busca de heresias e bestialidades, julgava,
condenava, encarcerava e até queimava vivos os mais ousados. Nem
aí, na vastidão desses imensos poderios, terminava a estrutura
civilizatória que se impunha sobre o Brasil nascente. Ela era um
conglomerado interativo de entidades equivalentes em ativa
competição, às vezes cruentas umas contra as outras. No conjunto,
destacava‐se, primeiro, uma ausência poderosíssima, a da Espanha,
objeto de especial atenção como ameaça sombria e permanente de
absorção e liquidação da lusitanidade. Vinham, depois, como
entidades ativamente contrapostas a Portugal na disputa por seus
novos mundos, a Inglaterra e a Holanda. Sobre todas elas pairava
Roma, do Vaticano, a da Santa Sé, como centro de legitimação e de
sacralização de qualquer empreendimento mundial e centro da fé
regida em seu nome por um vasto clero assentado em inumeráveis
igrejas e conventos. Seguia‐se o poderosíssimo aparato de estados
mercantis armados, hostis entre si, mal e mal contidos pela regência
papal, tão acatada por uns como atacada por outros. Esse complexo
do poderio português vinha sendo ativado, nas últimas décadas, pelas
energias transformadoras da revolução mercantil, fundada
especialmente na nova tecnologia, concentrada na nau oceânica, com

19
suas novas velas de mar alto, seu leme fixo, sua bússola, seu
astrolábio e, sobretudo, seu conjunto de canhões de guerra (RIBEIRO,
1995.p.37-38).

Para saber mais, assista as duas primeiras partes do documentário: “O Povo Brasileiro”,
baseado na obra de Darcy Ribeiro. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=-zEztOsq6yA

A gênese da reflexão antropológica -ou o que alguns chamam de “arquétipos”


do discurso etnológico- é contemporânea à descoberta do Novo Mundo, ou falando
mais criticamente, da colonização dos povos nativos da: Ásia, África, Brasil, dentre
outros. As grandes navegações do período do Renascimento exploram espaços até
então desconhecidos, e os viajantes europeus começam a elaborar discursos sobre
os habitantes que povoam aqueles espaços.

As primeiras observações e os primeiros discursos sobre os


povos "distantes “de que dispomos provêm de duas fontes: 1)
as reações dos primeiros viajantes, formando o que
habitualmente chamamos de "literatura de viagem". Dizem
respeito em primeiro lugar à Pérsia e à Turquia, em seguida à
América, à Ásia e à África. Em 1556, André Thevet escreve
“As Singularidades da Franca Antártica”, em 1558 Jean de
Lery, A “História de Uma Viagem Feita na Terra do Brasil”.
(LAPLANTINE, 2003.p.25)

Os países colonizadores chamam isso de confrontação (do europeu) com o


"selvagem". Os povos nativos são chamados de selvagens, por não conseguirem
estabelecer uma relação em comum com os colonizadores da Europa, não
compartilhavam o mesmo senso comum – sistema de símbolos e referenciais que
permitem uma comunicação-, divergindo, com isso, em comportamento, modo de se

20
vestir, visões de mundo e estilos de vida (modos de existência). Se até hoje grupos
humanos entram em conflito com outros apenas por não possuírem a mesma
religião, por não respeitarem as diferenças, as desigualdades socias de raça e de
gênero -identidade-, imagina a sete séculos atrás. Desse modo, expulsaram da
cultura, isto é, para a natureza todos aqueles que não participavam da faixa de
humanidade à qual os colonizadores pertenciam e se identificavam, a mais comum
(para eles) (LAPLANTINE, 2003).
Com isso, houve uma especulação sobre os povos nativos, representações
concorrentes, um duplo discurso, acerca das populações que se encontravam fora
da civilização europeia – o que para eles era estar fora da condição de “humano” -.

❖ Mau Selvagem e o Bom Civilizado

❖ O Bom Selvagem e o Mau Civilizado

Essas representações concorrentes estavam amparadas em um fundamento


religioso, onde os nativos por não acreditarem no Deus Cristão era considerado um
ser selvagem. Nesse ínterim, começou uma especulação entre os viajantes e
pensadores acerca se o nativo era um bom ou mau selvagem. Por um lado,
afirmavam que eles eram um mau selvagem, já que não acreditavam em deus,
falavam uma língua ininteligível, comiam comida crua, andavam sem roupa. O
europeu é que era um bom civilizado, pois acreditavam em Deus, andavam vestidos,
escreviam, logo, faziam história, sendo, com isso, um “bom civilizado “e tendo,
desse modo, que salvar a alma dos “mau-selvagens”.
Por outro lado, o discurso concorrente afirmava que o nativo era um bom
selvagem, pois conviviam em harmonia com a natureza, deforma sustentável, onde
todos tinham o seu bem comum garantido, respeitavam as mulheres, etc. Nesse
caso, o europeu que era um mau civilizado e tinha que se educar.

21
Fonte: https://www.todamateria.com.br/etnocentrismo/

Nesse âmbito, essa foi uma especulação, e não ciência, estava longe disso, e
mais perto de ideologias que atravessava um duplo discurso. Independentemente do
valor positivo ou negativo, as populações nativas foram representadas como
selvagens, o que contribuiu para uma projeção etnocêntrica.

⮚ Etnocentrismo: a supervalorização da própria cultura em detrimento das


demais; é julgar as culturas nos moldes da sua própria. O etnocentrismo pode
ser manifestado em atitudes de superioridade, hostilidade e comportamento
agressivo. Sendo a discriminação, a agressividade verbal, o proselitismo e a
violência, outras formas de expressão do etnocentrismo. Para o grupo
etnocêntrico, o seu modo de vida é o melhor, o mais saudável; o que promove
uma integração social na valorização do próprio grupo (MARCONI e
PRESOTTO, 2010. p.32)

Por mais que a questão acerca dos povos nativos tenha ficado sem resposta,
se constituindo como uma especulação (selvagem ou civilizado; humano ou animal;
bom ou mau), foi a partir disso que surgiu a descoberta da alteridade, o
estranhamento com o diferente que impulsionou um problema que só foi respondido
mais de dois séculos depois, afinal: o que é o homem?

22
Referências Bibliográficas

LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. – SP: Brasiliense, 2003.


LEVÍ-STRAUSS, Claude. Tristres Trópicos. – SP:Ed Anhembi Limitada, 1957.
MARCONI, Marina e PRESOTTO, Zelia. Antropologia: uma introdução. -SP:
Atlas, 2010.
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil.- SP:
Companhia das Letras, 1995. – Link para download:
https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpb
nxyZWFsaWRhZGVicmFzaWxlaXJhMjAwMHxneDozNGI2OTY5ZmJmYTE0Mz
M0
SAPIR, Edward. Anthropologie. (Org. Christian Baudelot). - Paris: Éditions de
Minuit. 1967.

23
SEGUNDA UNIDADE

Século XVIII: a invenção do homem

“O mundo começou sem o homem, e acabará sem


ele...” (Lévi-Strauss. Tristes Trópicos, 1957)

Segundo a antropologia “o homem é uma invenção do século XVIII”. Mas o


que isso significa? Aonde estava o homem antes disso?
Esse debate acerca da invenção do homem tem duas ramificações: uma
histórica; e a segunda epistemológica. 1) A primeira é um pouco mais fácil; no final
do século XVIII, com a Modernidade, foi o momento histórico do surgimento da
antropologia, foi o período de fundação de uma ciência do homem, desse modo, é a
partir deste momento que o homem passa a ser estudado com os métodos
científicos. A modernidade fornece as condições históricas, institucionais, culturais,

24
metodológicas e epistemológicas para se estudar cientificamente o homem (o que
se torna a antropologia):

a constituição de um saber que não seja apenas de reflexão, e


sim de observação, isto é, de um novo modo de acesso ao
homem, que passa a ser considerado em sua existência
concreta, envolvida nas determinações de seu organismo, de
suas relações de produção, de sua linguagem, de suas
instituições, de seus comportamentos. Assim começa a
constituição dessa positividade de um saber empírico (e não
mais transcendental) sobre o homem enquanto ser vivo
(LAPLANTINE, 2003.p.40)

Fonte: http://teianeuronial.com/wp-content/uploads/milo-manara-man-HI.jpg

Com a antropologia é a primeira vez que o objeto do conhecimento científico


se desloca da natureza para entender a condição humana. Como fala o autor
supracitado: será preciso esperar o século XVIII para que se constitua o projeto de
fundar uma ciência do homem, isto é, de um saber não mais exclusivamente
especulativo, e sim positivo sobre o homem.

❖ Séc. XVIII (Conhecimento): Especulativo 🡪 Positivo

25
conhecimento positivo do homem (isto é, de um estudo de sua
existência empírica considerada por sua vez como objeto do saber)
constitui um evento considerável na história da humanidade. Um
evento que se deu no Ocidente no século XVIII, que, evidentemente,
não ocorreu da noite para o dia, mas que terminou impondo-se já que
se tornou definitivamente constitutivo da modernidade, revolução do
pensamento que instaura uma ruptura tanto com o "humanismo" do
Renascimento como com o "racionalismo" do século clássico
(LAPLANTINE, 2003.p.42)

A ciência do homem surge, com a modernidade, na passagem de um


conhecimento especulativo, ou seja, baseado na opinião, na crença, sem
comprovação científica, para um conhecimento positivo, esse, preocupado com os
fatos observáveis que ressaltam diretamente da experiência (observações sensíveis
e não o que o indivíduo acredita), podendo inferir “leis” que explicam a relação
existente entre os fenómenos observados. A abordagem positivista se fundamenta
na produção de conhecimento, com base em provas empíricas retiradas da
observação, da comparação e da experimentação.

2) Já do ponto de viste epistemológico, a questão aqui é discutir um


conceito de “homem” do ponto de vista científico, e não filosófico.

❖ Conceito de “Homem”: Filosofia 🡪 Ciência

A filosofia é um conhecimento racional, baseado na dúvida, porém, é


conhecimento que muitas vezes não dispõe de elementos do método científico:
a observação e a experimentação, ficando com isso na especulação filosófica
da mente de cada autor. Muitas das suas afirmações não fazem um laço com a
realidade social, ou seja, não se baseiam em pesquisas empíricas, mas em
reflexões e intuições colocadas de forma racional. A antropologia, por sua vez,
tem seu fundamento em pesquisas que de desenvolvem empiricamente.

26
Vejamos o exemplo, segundo um filosofo chamado René Descartes
(1596-1650): “penso, logo existo”. Essa frase é uma das afirmações mais
famosas da história da filosofia. Partindo dela, vamos falar do pensamento
humano. Vocês acham que podem pensar qualquer coisa? Que o pensamento
do ser humano é livre? Alguém acha que pode pensar tudo o que quiser? Para
quem acha que pode pensar acerca de tudo: pense agora a respeito da
paralaxe? Pense sobre o bóson de Higgs ? Sobre da dialética materialista.
Conseguiu? Isso não é questão de inteligência, e sim de conhecimento. A
gente só consegue pensar aquilo que a gente conhece. O conhecimento é a
condição de possibilidade do nosso pensamento. E o conhecimento é adquirido
no decorrer da nossa experiência: trajetória social, educação, socialização,
dentre outros aspectos. Ou seja: “penso, logo existo” (o cogito cartesiano), não
têm comprovação empírica/científica, é filosófico. Na inversão do cogito
cartesiano – “existo, logo penso”-, vemos que as expeperiências de nossa
existencia (hábitos, crenças e valores, dentre outros) precedem e orientam o
nosso pensamento, a nossa visão de mundo e o nosso comportamento.

27
A ciência moderna pressupõe epistemologicamente que existem
determinantes sociais, simbólicos, linguísticos e culturais que estruturam o
nosso pensamento, esse não é espontâneo. Essa compreensão científica –
com comprovação empírica-, é essencial para o entendimento da passagem do
conhecimento filosófico, para o científico, que estamos falando.

Rompendo com a convicção de uma transparência imediata do cogito,


coloca-se pela primeira vez no século XVIII a questão da relação ao
impensado, bem como a dos possíveis processos de reapropriação
dos nossos condicionamentos fisiológicos, das nossas relações de
produção, dos nossos sistemas de organização social. Assim,
inicia-se uma ruptura com o pensamento do mesmo, e a constituição
da ideia de que a linguagem nos precede, pois somos antes exteriores
a ela. Ora, tais reflexões sobre os limites do saber, assim como sobre
as relações de sentido e poder (que anunciam o fim da metafisica)

28
eram inimagináveis antes. A sociedade do século XVIII vive uma crise
da identidade do humanismo e da consciência europeia
(LAPLANTINE, 2003.p.40)

Nessa perspectiva, a antropologia vai desenvolvendo o conceito de homem,


não apenas enquanto sujeito, mas enquanto objeto do saber, uma abordagem
totalmente inédita, revolucionária. Isso só foi possível, a partir do contexto histórico e
epistemológico oriundo do século XVIII. Ou, nas palavras de Michel Foucault
(2000.p.536):
Antes do final do século XVIII o homem não existia. Como também o
poder da vida, a fecundidade do trabalho ou a densidade histórica da
linguagem. É uma criatura muito recente que o demiurgo do saber
fabricou com suas próprias mãos, há menos de duzentos anos (...).
Uma coisa em todo caso e certa, o homem não é o mais antigo
problema, nem o mais constante que tenha sido colocado ao saber
humano. O homem é uma invenção e a arqueologia de nosso
pensamento mostra o quanto é recente (...). E o quão próximo talvez
seja o seu fim.

O final do século XVIII teve um papel essencial na elaboração dos


fundamentos de uma "ciência humana", com uma reflexão organizada sobre o
homem, que se opõe a qualquer ideia de uma subjetividade plena na liberdade de
imaginar, como em Kant, ou um Eu consciente de seu pensamento existencial, como
em Descartes. A captura da subjetividade pela estrutura da linguagem de uma
determinada cultura/sociedade surge como superação de toda e qualquer metafísica
do sujeito, como aparecia na filosofia de outrora. O Sujeito precisa da linguagem
para fazer representar, agir e falar.
Nesse âmbito, a partir de uma observação sistemática, não apenas do
homem físico, mas do homem enquanto sujeito da linguagem e da cultura enquanto
expressão de sua sociedade ou grupo, se funda uma ciência dos costumes e
hábitos, a antropologia que, além da contingência dos fatos particulares, poderá
servir de comparação entre várias formas de humanidade.

29
Nesse caso, é necessário um método para estruturar o projeto antropológico,
um método de observação e análise: o método indutivo.

❖ Método Indutivo: observação e análise dos costumes e hábitos; após


considerar um número suficiente de casos particulares, conclui uma
verdade que pode se generalizar.

Pelo método indutivo, a antropologia estuda os grupos sociais empiricamente,


a partir de uma observação de fatos, a fim de extrair princípios gerais: leis que
regem o comportamento, os costumes e hábitos de grupos sociais. “E é assim que
se constitui, na passagem do século XVIII para o século XIX, a Sociedade dos
Observadores do Homem (...), que definem muito claramente o que deve ser o
campo da nova área de saber - o homem nos seus aspectos físicos, psíquicos,
sociais, culturais-” (LAPLANTINE, 2003.p.43).

O conceito de cultura

Já definido o campo que define a nova área do saber da antropologia,


o que ela precisa é de um aparato conceitual para utilizar em seu método,
como o de cultura, etnocentrismo, aculturação, dentre outros. Em relação ao
primeiro, na perspectiva antropológica, a sua primeira definição foi formulada
por Edward Tylor, no primeiro parágrafo de seu livro “Primitive Culture” (1871).
Depois disso, o conceito de cultura foi se afastando cada vez de uma
concepção próxima das ciências naturais, como formulado por Tylor, e se
aproximando das ciências humanas -como vimos na seção anterior-. Nesse
ínterim, Leslie White, afirma, no livro “O conceito de cultura” (1975), que para
ser cultura tem que haver as seguintes características: a) ter simbolização
(representação por meio simbólico); b) ser analisada em um contexto
extra-somático (fora do corpo, como os artefatos produzidos por um grupo). Ou
seja, a interioridade na exterioridade e a exterioridade na interioridade na
mediação dos símbolos. Com isso, a cultura pode ser:

30
1. Intra-orgânica: dentro dos organismos humanos (conceitos, crenças,
emoções e atitudes)
2. Inter-orgânica: dentro do processos de interação social entre os seres
humanos.
3. Extra-orgânica: dentro de objetos materiais (machados, fábricas,
ferrovias, vasos) situados fora de organismos humanos, mas dentro dos
padrões de interação social deles.

A classificação da cultura

❖ Cultura Material: coisas materiais, bens tangíveis, incluindo


instrumentos, artefatos e outros objetos materiais que são fruto da
criação humana. Exemplos: vasos de cerâmica, alimentos, máscaras,
vestuários, habitações (MARCONI e PRESOTTO, 2010).

❖ Cultura Imaterial: elementos intangíveis (que não tês substãncia


material). Como crenças, hábitos, normas e valores. Por exemplo, as
crenças na existência de espíritos, orixás, divindades.

Muitas vezes a cultura material e a imaterial se encontram, como no


casamento, nas músicas tradicionais... (MARCONI e PRESOTTO, 2010).
.
Os componentes da cultura

● Conhecimento: são práticos e transmitidos de geração para geração.


● Crenças: aceitação como verdade – independente de comprovação-. Possui
conotação emocional.
● Valores: objetos e situações consideradas boas, desejáveis, apropriadas e
importantes. Ou seja, indica riqueza, prestígio, poder... Além de expressar
sentimentos, o valor incentiva e orienta o comportamento humano.
31
● Normas: Regras que indicam o modo de agir dos indivíduos em
determinadas situações. Consistem em um conjunto de ideias, convenções
sociais referentes ao agir, pensar e sentir de determinadas situações. Nesse
âmbito, as culturas são constituidas de normas comportamentais.
● Símbolos: realidades físicas ou sensoriais às quais os indivíduos que os
utilizam lhes atribuem valores ou significados específicos. Podem representar
coisas concretas ou abstratas. Os significados dos símbolos podem ser
arbitrários, partilhados (mesmo significado para diferentes culturas) e/ou
referenciais. Com isso, o simbolo propicia a transmissão do conhecimento na
cultura.

Ser humano é tornar-se humano

Para compreender o humano é essencial o entendimento acerca do


conceito de cultura. O homem só pode ser entendido na relação com a sua
cultura, ele é uma expressão dela, nas formas do seu pensamento, sentimento
e comportamento. O ser humano é aquilo que ele aprendeu a ser. Eu não nasci
professor, me tornei professor. A gente é aquilo que aprendeu a ser na nossa
experiência com a cultura. O gênero, a profissão e o comportamento são
apreendidos e não inatos ou espontâneos, ser humano é tornar-se humano.

32
O humano, em suas multiplas deterinações, é uma construção cultural.
Desse modo, o conceito de cultura explica a forma comum e apreendida da
vida, compartilhada pelos membros da sociedade, a constante da totalidade
dos instrumentos, técnicas, instituições, crenças atitudes, motivações e
sistemas de valores conhecidos e reconhecidos pelo grupo.
Nesse contexto, uma das primeiras preocupações dos estudiosos com
relação à cultura era entender a sua origem. Em outras palavras, como o
homem adquiriu este processo extra-somático que o diferenciou de todos os
animais e lhe deu um lugar privilegiado na vida terrestre? Para antropólogo
belga Claude Lévi-Strauss (1982), a cultura surgiu no momento em que o
homem convencionou a primeira regra, o primeiro tabu, a primeira norma: a
proibição do incesto. Lévi-Strauss refere-se a proibição do incesto como uma
regra encontrada em todos os povos e em todos os tempos, ou seja, uma regra
universal que marca a passagem da natureza para a cultura. Já o antropólogo
norte-americano, Leslie White, considera que a passagem do estado animal
para o humano ocorreu quando o cérebro do homem foi capaz de gerar
símbolos.

33
Todo comportamento humano se origina no uso de símbolos. Foi o
símbolo que transformou nossos ancestrais antropóides em homens e
fê-los humanos. Todas as civilizações se espalharam e perpetuaram
somente pelo uso de símbolos .... Toda cultura depende de símbolos.
É o exercício da faculdade de simbolização que cria a cultura e o uso
de símbolos que torna possível a sua perpetuação. Sem o símbolo
não haveria cultura, e o homem seria apenas animal, não um ser
humano.... O comportamento humano é o comportamento simbólico.
Uma criança do gênero Homo torna-se humana somente quando é
introduzida e participa da ordem de fenômenos superorgânicos que é
a cultura. E a chave deste mundo, e o meio de participação nele, é o
símbolo. (WHITE.Apud: LARAIA, p.29)

E para Derrida (1973), não existe um “início”, sempre que queremos


explicar a origem de algo, o começo de tudo, estamos mais próximos do mito
do quê de uma realidade empírica, o início, para o autor, é sempre uma
arqui-escritura, como no caso da passagem da natureza (selvagem) para a
culura (sociossimbólica). De todo modo, o que precisamos entender é que: “o
homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é herdeiro de
um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência
adquiridas pelas numerosas gerações que o antecederam” (LARAIA,
2001.p.24).

34
Fonte: https://br.depositphotos.com/vector-images/s%C3%ADmbolos-religiosos.html

A cor preta significa luto entre os ocidentais, já entre os chineses é o


branco que exprime esse sentimento. Na Arábia Saudita, um forte arroto após
a refeição, é sinal de agrado da mesma, isso, no Brasil ou na Espanha, seria
sinal de uma má educação. Os significados das coisas espelham a nossa
socialização.
Culturas são sistemas (de padrões de comportamento socialmente
transmitidos) que servem para adaptar as comunidades humanas aos
seus embasamentos biológicos. Esse modo de vida das comunidades
inclui tecnologias e modos de organização econômica, padrões de
estabelecimento, de agrupamento social e organização política,
crenças e práticas religiosas, e assim por diante." (LAPLANTINE,
2001. p.31)

O parto, por exemplo, Buda (Sidarta Gautama) nasceu estando sua mãe,
Mãya, agarrada, reta, a um ramo de árvore; ela deu à luz em pé, assim como boa
parte das mulheres da Índia. Para os franceses, a posição normal é a mãe deitada
sobre as costas, e entre os índios da tribo Tupis a posição é de cócoras. Em

35
algumas regiões do meio rural da Europa existem cadeiras especiais para o parto
sentado.
Os indivíduos de culturas diferentes podem ser facilmente identificados por
uma série de características, tais como o modo de agir, vestir, caminhar, comer, etc.
Todos os homens são aptos para receber um programa, e este programa é o que
chamamos de cultura. A lógica da sua amplitude, entretanto, será limitada pelo
contexto específico da socialização que o sujeito tem desde a sua tenra infância.

A cultura condiciona a visão de mundo

Segundo Roque Laraia (2001.p.35) a cultura é lente através da qual o


homem vê o mundo, ela condiciona a visão de mundo. Homens de culturas
diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas das
coisas. O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa,
os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são
assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de
uma determinada cultura.
Essa constatação que os homens veem o mundo conforme a sua
cultura, tem como consequência a propensão de um grupo social considerar o
seu modo de vida como o mais correto e natural, gerando com isso, uma
distância social, uma dicotomia entre "nós e os outros”, expressa em níveis
diferentes. Dentro de uma mesma sociedade, a divisão ocorre sob a forma de
parentes e não-parentes. Os primeiros são melhores por definição e recebem
um tratamento diferenciado. A projeção desta dicotomia para o plano
extra-grupal resulta nas manifestações nacionalistas ou formas mais
extremadas de xenofobia (LARAIA, 2001). O ponto de referência é o espelho
do grupo, e não a diversidade da humanidade. Esses padrões de
comportamentos etnocêntricos resultam também em apreciações negativas
dos padrões culturais de povos diferentes. Práticas de outros sistemas culturais
são catalogadas como absurdas, deprimentes e imorais, o que chamamos no

36
conhecimento popular de preconceito. Esses, são na verdade uma “herança
cultural, desenvolvida através de inúmeras gerações, sempre nos condicionou
a reagir depreciativamente em relação ao comportamento daqueles que agem
fora dos padrões aceitos pela maioria da comunidade (LARAIA, Ibid. p.35).

A cultura interfere no plano biológico

A cultura interfere na biologia humana de forma radical, desde a


satisfação das necessidades fisiológicas mais básicas.

Entre os índios Kaapor, grupo Tupi do Maranhão, acredita-se que se


uma pessoa vê um fantasma ela logo morrerá. O principal
protagonista de um filme, realizado em 1953 por Darcy Ribeiro e
Hains Forthmann, ao regressar de uma caçada contou ter visto a alma
de seu falecido pai perambulando pela floresta. O jovem índio deitou
em uma rede e dois dias depois estava morto. Em 1967, durante a
nossa permanência entre estes índios (quando a história acima nos foi
contada), fomos procurados por uma mulher, em estado de pânico,
que teria visto um fantasma (um "añan"). Confiante nos poderes do
branco, nos solicitou um "añan-puhan" (remédio para fantasma).
Diante de uma situação crítica, acabamos por fornecer-lhe um
comprimido vermelho de vitaminas, que foi considerado muito eficaz,
neste e em outros casos, para neutralizar o malefício provocado pela
visão de um morto. (LARAIA, 2001.p.40)

Outro exemplo de como a chave mental da cultura afeta a biologia é a


religião Afro-brasileira do Candomblé, onde nela, nas festas dos Orixás do fogo
(Xangô), os filhos de santo dançam sobre o fogo sem queimar os pés ou
manifestar qualquer sinal de dor. Isso é o que Lévi-Strauss (2008) chama de
“eficácia simbólica”, onde ao acreditar profundamente em algo, aquilo afeta a

37
mente e o corpo das pessoas. O que é muito utilizado na cura ritual dos xamãs
indígenas, ou na feitiçaria africana (vodu).

muito rica a etnografia africana no que se refere às mortes causadas


por feitiçaria. A vítima, acreditando efetivamente no poder do mágico e
de sua magia, acaba realmente morrendo. Pertti Peito descreve esse
tipo de morte como sendo consequência de um profundo choque
psicofisiológico: "A vítima perde o apetite e a sede, a pressão
sanguínea cai, o plasma sanguíneo escapa para os tecidos e o
coração deteriora. Ela morre de choque (LARAIA, 2001. p.40)

A cultura também é capaz de provocar curas de doenças, reais ou


imaginárias. Estas curas ocorrem quando existe a fé do doente na
eficácia do remédio ou no poder dos agentes culturais. Um destes
agentes é o xamã de nossas sociedades tribais (entre os Tupi,
conhecido pela denominação de pai' é ou pajé). Basicamente, a
técnica de cura do xamã consiste em uma sessão de cantos e danças,
além da defumação do paciente com a fumaça de seus grandes
charutos (LARAIA, 2001. p.41)

Ainda sobre a eficácia simbólica, tem casos de mulheres que acreditando


piamente estar esperando bebês, mesmo sem estar grávida, passam a apresentar
sintomas típicos de uma gravidez: aumento dos seios, ausência de menstruação,
aumento do volume abdominal. É uma síndrome chamada pseudociese, também
conhecida popularmente como gravidez psicológica, ou falsa gravidez.
Se o senso comum acha que temos que “ver para crer”, a antropologia nos
ensina que temos que “crer para ver”.
Para quem acredita que o leite e a manga constituem uma combinação
perigosa, certamente sentirá um forte incômodo estomacal se ingerir
simultaneamente esses alimentos. Tem um ditado popular que diz, "meio-dia, quem
não almoçou assobia”. Estamos condicionados a sentir fome próximo ao meio dia,
por maior que tenha sido o nosso desjejum. Entretanto, em muitas sociedades

38
humanas horários foram estabelecidos diferentemente e, em alguns casos, o
indivíduo pode passar um grande número de horas sem se alimentar e sem sentir a
sensação de fome.
Os indivíduos participam diferentemente da sua cultura

A participação do indivíduo em sua cultura é sempre limitada, nenhuma


pessoa é capaz de participar de todos os elementos de sua cultura, existem
interdições por idade, gênero e etnia. Nos índios Sateré Mawé, de Manaus, por
exemplo, os membros da tribo só consideram adultos os jovens que passam pelo
ritual da formiga tucandeira, onde eles têm que dançar com as mãos inseridas em
uma luva cheia de formigas venenosas. No entanto, só os do gênero masculino
participam.
Em nenhuma sociedade os indivíduos participam de todos os elementos da
sua cultura.
Nenhum sistema de socialização é idealmente perfeito, em
nenhuma sociedade são todos os indivíduos igualmente bem
socializados, e ninguém é perfeitamente socializado. Um
indivíduo não pode ser igualmente familiarizado com todos os
aspectos de sua sociedade; pelo contrário, ele pode
permanecer completamente ignorante a respeito de alguns
aspectos". Exemplificando: Einstein era um gênio na física, um
medíocre violinista e, provavelmente, seria um completo
desastre como pintor. (LARAIA, 2001.p.43)

No entanto, deve existir um mínimo de participação do indivíduo na pauta de


conhecimento da cultura, a fim de permitir a sua articulação com os demais
membros da sociedade. Todos necessitam saber como agir em determinadas
situações e, também, como prever o comportamento dos outros. Mesmo que
nenhum indivíduo conheça totalmente o seu sistema cultural, é necessário ter um
conhecimento mínimo para operar dentro dele.

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A cultura é dinâmica

Nada é para sempre, exceto a mudança; a cultura está sempre se


modificando em um processo contínuo, porque os homens, diferentemente dos
animais, têm a capacidade de questionar os seus próprios hábitos e modificá-los. A
mudança do mundo social perpassa pela mudança da cultura. Sobre a mudança
cultural: é qualquer alteração na cultura. A mudança cultural pode ocorrer em
consequência de dois fatores:

a) endógenos (descoberta e invenção): uma mudança cultural interna resultante da


dinâmica do próprio sistema cultural;
b) exógenos (difusão cultural – quando os elementos culturais se difundem de uma
sociedade para a outra): uma mudança cultural externa a partir do resultado do
contato de um sistema cultural com um outro.

● Mudança Cultural Interna (endógena): a mudança pode ser lenta, quase


impercebível para o observador que não tenha o suporte de bons dados
diacrônicos. O ritmo, porém, pode ser alterado por eventos históricos tais
como uma catástrofe, uma grande inovação tecnológica ou uma dramática
situação de contato.
● Mudança Cultural Externa (exógena): é um modo mais rápido e brusco. No
caso dos índios brasileiros, representou uma verdadeira catástrofe. Mas,
também, pode ser um processo menos radical, onde a troca de padrões
culturais ocorre sem grandes traumas. Este segundo tipo de mudança, além
de ser o mais estudado, é o mais atuante na maior parte das sociedades
humanas. É praticamente impossível imaginar a existência de um sistema
cultural que seja afetado apenas pela mudança interna. Isto somente seria
possível no caso, quase absurdo, de um povo totalmente isolado dos demais.
Por isto, a mudança proveniente de causas externas mereceu sempre uma
grande atenção por parte dos antropólogos. Para atendê-la foi necessário o

40
desenvolvimento de um esquema conceitual específico. Surge, então, o
conceito de aculturação.

❖ Aculturação: fusão de duas culturas diferentes, que, ao entrar em


contato contínuo originam mudanças nos padrões de cultura de ambos
os grupos (um grupo pode dar mais e receber menos). É o que
acontece, por exemplo, em processos de grandes conquistas –
colonização-.
Outro elemento importante para a análise da mudança cultural, ou do ritmo da
sociedade, é o “tempo”:

o tempo constitui um elemento importante na análise de uma


cultura. Nesse mesmo quarto de século, mudaram-se os
padrões de beleza. Regras morais que eram vigentes
passaram a ser consideradas nulas: hoje uma jovem pode
fumar em público sem que a sua reputação seja ferida. Ao
contrário de sua mãe, pode ceder um beijo ao namorado em
plena luz do dia. Tais fatos atestam que as mudanças de
costumes são bastante comuns. Entretanto, elas não ocorrem
coro a tranquilidade que descrevemos. Cada mudança, por
menor que seja, representa o desenlace de numerosos
conflitos. Isto porque em cada momento as sociedades
humanas são palco do embate entre as tendências
conservadoras e as inovadoras. As primeiras pretendem
manter os hábitos inalterados, muitas vezes atribuindo aos
mesmos uma legitimidade de ordem sobrenatural. As
segundas contestam a sua permanência e pretendem
substituí-los por novos procedimentos. (LARAIA, 2001. p.51)

Tudo move, tudo se transforma, cada sistema cultural está sempre em


mudança. Entender esta dinâmica é importante para atenuar o choque entre as

41
gerações e evitar comportamentos preconceituosos. Da mesma forma que é
fundamental para a humanidade a compreensão das diferenças entre povos de
culturas diferentes, é necessário saber entender as diferenças que ocorrem dentro
do mesmo sistema. Este é o único procedimento que prepara o homem para
enfrentar serenamente este constante e admirável mundo novo do porvir. (LARAIA,
2001.p.52)

Referências Bibliográficas

DERRIDA, Jacques. Gramatologia. –SP: Perspectiva, 1973.


FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências
humanas. – SP: Martinf Fontes, 1999. -
(versão on line):
https://projetophronesis.files.wordpress.com/2009/08/foucault-michel-as-palavra
s-e-as-coisas-digitalizado.pdf
LAPLANTINE, François. O século XVIII: a invenção do conceito de homem. In:
Aprender Antropologia. – SP: Brasiliense, 2003.
LARAIA, Roque B. Cultura: um conceito antropológico. -14ªed. – RJ: Jorge
Zahar Ed, 2001.
LEVÍ-STRAUSS, Claude. Tristres Trópicos. – SP:Ed Anhembi Limitada, 1957.
LÉVI-STRAUSS, Claude. As estruturas elementares do parentesco. – RJ:
Vozes, 1982. – Link disponível em:
https://classicos12011.files.wordpress.com/2011/03/lc3a9vi-strauss-claude-as-e
struturas-elementares-do-parentesco.pdf
LÉVI – STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. – SP: Cosacnaify, 2008.

42
MARCONI, Marina e PRESOTTO, Zelia. Antropologia: uma introdução. -SP:
Atlas, 2010.

TERCEIRA UNIDADE

Etnografia e Etnologia

Enquanto no século XIX a antropologia é marcada por uma corrente chamada


de “Evolucionismo”, que buscava uma evolução universal das formas de
organização social e da mentalidade, onde compreendia que a realidade atual foi
produto de uma evolução social. Com a “Etnografia e Etnologia”, no século XX,
ocorre uma revolução na disciplina antropológica, que passa a entender a realidade
como algo local e não produto de uma evolução universal.
Nessa revolução epistemológica, a antropologia passa a ser fundamentada a
partir de pesquisas de campo, onde o antropólogo agora não recebe mais o relato
dos viajantes (e missionários), ele que vai pesquisar o grupo social e cultural que
pretende analisar, indo para o campo, saindo do gabinete para fazer viagens
etnográficas, expedições para entrar em contato com os grupos socioculturais mais
variados. O pesquisador compreende a partir desse momento, que ele deve deixar
seu gabinete de trabalho para ir compartilhar a intimidade dos que devem ser

43
considerados não mais como informadores a serem questionados, e sim como
hóspedes que o recebem e mestres que o ensinam – os povos pesquisados-.
O antropólogo aprende então, como aluno atento, não apenas a viver entre
eles, mas a viver como eles, a falar sua língua e a pensar nessa língua, a sentir suas
próprias emoções dentro dele mesmo (LAPLANTINE, 2003).
A revolução trata-se, como podemos ver, de condições de estudo
radicalmente diferentes das que conheciam o viajante do século XVIII e até o
missionário ou o administrador do século XIX - residindo geralmente fora da
sociedade indígena e obtendo informações por intermédio de tradutores e
informadores-. No século XX, com a etnografia e a etnologia, a antropologia se torna
pela primeira vez uma atividade ao ar livre (LAPLANTINE, 2003.p.57-58).
Agora, o pesquisador que deve ele mesmo efetuar no campo sua própria
pesquisa e análise científica, tendo o trabalho de observação direta como parte
integrante e fundamental da pesquisa. O trabalho de campo, viagem etnográfica:
Orientou a partir desse momento a abordagem da nova geração de
etnólogos que, desde os primeiros anos do século XX, realizou
estadias prolongadas entre as populações do mundo inteiro. Em 1906
e 1908, Radcliffe-Brown estuda os habitantes das ilhas Andaman. Em
1909 e 1910, Seligman dirige uma missão no Sudão. Alguns anos
mais tarde, Malinowski volta para a Grã-Bretanha, impregnado do
pensamento e dos sistemas de valores que lhe revelou a população
de um minúsculo arquipélago na melanésia. A partir dás missões de
pesquisas etnográficas e a publicação das obras que delas resultam
se seguem em um ritmo ininterrupto. Em 1901, Rivers, um dos
fundadores da antropologia inglesa, estuda os Todas da Índia; após a
Primeira Guerra Mundial, Evans-Pritchard estuda os Azandés (trad.
franc. 1972) e os Nuer; Nadei, as Nupes da Nigéria; Fortes, os
Tallensi; Margaret Mead, os insulares da Nova Guiné, etc. Como não
é possível examinar, dentro dos limites deste trabalho, a contribuição
desses diferentes pesquisadores na elaboração da etnografia e da
etnologia contemporânea, dois entre eles, a meu ver os mais
importantes: um americano de origem alemã, Franz Boas; o outro, um

44
polonês naturalizado inglês, Bronislaw Malinowski (LAPLANTINE,
2003.p.58)

Desse modo, Boas e Malinowski se destacam como fundadores de um novo


modo de se fazer antropologia, baseado em pesquisas de campo, a etnografia, e de
fazer um estudo sistemático dos dados coletados na pesquisa, a etnologia.

● Etnografia: levantar dados, descrições.

● Etnologia: estudo da etnografia, análise e comparação das culturas.

Nesse ínterim, cada realidade pesquisa tem a sua própria dinâmica cultural:
mentalidade, visões de mundo, valores; a cultura é relativa de cada população, o
real é relacional. Não existe, com isso, uma cultura melhor ou pior, boa ou má,
emerge um relativismo cultural.

❖ Relativismo Cultural: parte do princípio que as culturas divergem umas das


outras. Nele, toda a cultura é considerada como uma configuração saudável
para os indivíduos que a praticam. Se opõe a padrões absolutos de valores
(certo ou errado; bom ou mau), sendo com isso, uma interpretação contrária
ao etnocentrismo. As práticas e os costumes estão associados a cultura da
qual fazem parte - sua sociedade ou grupo -. Exemplos: no Brasil se come
manteiga, já nos países Africanos ela é usada para untar o corpo. Os
pescoços longos (mulheres girafa da Birmânia) e os lábios alargados (grupos
Kayapó do Brasil), são adornos de beleza para a sua sociedade, já para
outras culturas não (MARCONI e PRESOTTO, 2010).

45
Fonte: Mulheres Girafas da Tailândia | Viajeindochina

46
Fonte: A coragem dos índios kayapó | Povos indígenas brasileiros, Indios brasileiros, Arte indígena
brasileira (pinterest.com)

Cada cultura tem seus traços significativos que constituem um modo peculiar
e característico dos seus grupos constituintes (área cultural). Ela tem a sua
linguagem própria, e o pesquisador – etnólogo- acessa a lingua da cultura que se
está pesquisando -traduz as tradições-, decifra a realidade sociocultural que está
sendo pesquisada. Destacado isso, apresentaremos agora as contribuições
seminais de Franz Boas e em seguida Bronislaw Malinowski.

Franz Boas

47
Franz Boas era, antes de tudo, um homem de pesquisa campo. Suas
pesquisas, totalmente pioneiras, iniciadas a partir dos últimos anos do século XIX
(em particular entre os Kwakiutl e os Chinook de Colúmbia Britânica), eram
conduzidas de um ponto de vista que hoje qualificaríamos de microssociológico. Ele
ensina que no campo, tudo deve ser anotado: desde os materiais constitutivos das
casas até as notas das melodias cantadas pelos Esquimós, e isso detalhadamente,
e no detalhe do detalhe. Tudo deve ser objeto da descrição mais meticulosa, da
re-transcrição mais elaborada (como por exemplo, as diferentes versões de um mito,
ou diversos ingredientes da composição de um alimento). A sua preocupação de
precisão na descrição dos fatos observados, acrescentava-se de uma conservação
metódica do patrimônio recolhido -foi conservador do museu de Nova Iorque-
(LAPLANTINE, 2003.p.50-60).
Enquanto professor, formou a primeira geração de antropólogos americanos
(Kroeber, Lowie, Sapir, Herskovitz, Linton... e, em seguida, R. Benedict, M. Mead),
assim como brasileiros que estudaram nos Estados Unidos, como o pernambucano

48
Gilberto Freyre. Franz Boas permanece sendo o mestre incontestado da
antropologia americana na primeira metade do século XX.

Franz Boas (1858-1942)

A sua contribuição constituiu uma virada da prática antropológica


(pioneirismo), para o autor, as tradições que estuda não poderiam ser-lhe traduzidas,
o etnólogo deve ele próprio recolher a “língua de seus interlocutores” (práticas), para
o acesso da cultura que está pesquisando/trabalhando (acesso à língua da cultura).

não se pode mais confiar nos investigadores (...). Apenas o


antropólogo pode elaborar uma monografia, isto é, dar conta
cientificamente de uma microssociedade, apreendida em sua
totalidade e considerada em sua autonomia teórica. Pela
primeira vez, o teórico e o observador estão finalmente
reunidos. Assistimos ao nascimento de uma verdadeira
etnografia profissional que não se contenta mais em coletar
materiais à maneira dos antiquários, mas procura detectar o
que faz a unidade da cultura que se expressa através desses
diferentes materiais (LAPLANTINE, 2003.p.59).

49
Boas anuncia, nesse âmbito, a constituição do que hoje chamamos de
"etnociências" (analises minuciosas em micro contextos pesquisados). Para o
autor, não há um objeto nobre nem objeto indigno da ciência, o estudo
minucioso de micro contextos de interação social nos revela a cultural total do
grupo social pesquisado.

O estudo detalhado de costumes em sua relação com a cultura total


da tribo que os pratica, em conexão com uma investigação de sua
distribuição geográfica entre tribos vizinhas, propicia-nos quase
sempre um meio de determinar com considerável precisão as causas
históricas que levaram à formação dos costumes em questão e os
processos psicológicos que atuaram em seu desenvolvimento. Os
resultados das investigações conduzidas por esse método podem ser
tríplices. Eles podem revelar as condições ambientais que criaram
ou modificaram os elementos culturais; esclarecer fatores
psicológicos que atuaram na configuração da cultura; ou nos mostrar
os efeitos que as conexões históricas tiveram sobre o
desenvolvimento da cultura. Nesse método, temos um meio de
reconstruir a história do desenvolvimento das ideias (BOAS,
2005.p.33-34)

Estudando condições ambientais, fatores psicológicos e conexões históricas,


ao mesmo tempo, ele constata a configuração da cultura da população. As ideias
não existem de forma idêntica por toda parte: elas variam. As variações são tanto
externas, isto é, baseadas no ambiente – tomando o termo ambiente em seu sentido
mais amplo -, quanto internas, isto é, fundadas sobre condições psicológicas (BOAS,
2005.p.27). Fica estabelecida uma relação entre o ambiente social e a psicologia
humana. Boas em 1911, ou seja, cinco anos antes da lingüística geral de Saussure,
foi quem primeiro cunhou a afirmação do inconsciente enquanto linguagem, tendo a
psicanálise de Lacan apenas desenvolvido, em seguida, toda uma teorização em
cima disso, a partir da apropriação feita por Lévi-Strauss e da lingüística de

50
Jakobson (ZAFIROPOULOS, 2009.p.13). Boas, com isso, precede a psicanálise
lacaniana onde o inconsciente é estruturado como uma linguagem.

● A linguagem é um signo cindido em significado e significante (dividida


em duas dimensões). O significado é a palavra, externa a mente. E o
significante é a imagem (acústica), interno a mente.
● Para Boas o significante precede o significado. Ou seja, os significados
externos do mundo dependem da formação psíquica dos indivíduos –
significantes - para serem compreendidos.

Desse modo, o costume só tem significação se for relacionado ao contexto


particular no qual se inscreve, o significado varia de acordo com o significante.

Certa vez, em Gana, tentou-se erradicar a malária, mas os médicos não conseguiam
porque a população local não ia se tratar. Então, uma equipe de antropólogos foi fazer
uma pesquisa para entender o porquê. Descobriu-se que a comunidade local acreditava
numa doença chama asra: “asra” englobava um complexo de sinais e sintomas muito
semelhantes aos da malária, incluindo febre; muitos membros da comunidade não
conectavam o vetor à doença; a população acreditava que o “asra” era causado por
contato prolongado com o calor excessivo. Essa concepção etiológica eliminava quase
toda possibilidade de prevenção, pois o sol está sempre presente e não há como evitá-lo.
Essa doença era também considerada pela população incurável pela medicina, pois, com
o tratamento, a doença desaparecia, mas voltava a reaparecer algum tempo mais tarde”
(UCHÔA e VIDAL, 1994). Com a descoberta antropológica, houve um diálogo entre a
medicina e a cultura local, para combater a “asra”, e com essa mudança contextual de
uma palavra, para outra que fazia sentido (significado) na psicologia das pessoas
(significantes), conseguiu-se erradicar a “malária”.

O significado das coisas, depende do significante das pessoas, ficando


estabelecida, com isso, a relatividade da cultura: “Creio que, se esta viagem tem

51
para mim (como ser pensante) uma influência valiosa, ela reside no fortalecimento
do ponto de vista da relatividade de toda formação” (BOAS, 2005.p.9).

Bronislaw Malinowski

Bronislaw Malinowski dominou, incontestavelmente, a cena antropológica, de


1922, ano de publicação de sua primeira obra, “Os Argonautas do Pacífico
Ocidental”, até sua morte, em 1942. Se não foi o primeiro a conduzir cientificamente
uma experiência etnográfica, isto é, a viver com as populações que estudava e a
recolher seus materiais de seus idiomas, foi ele quem radicalizou essa compreensão
por dentro, e para isso, procurou romper ao máximo os contatos com o mundo
europeu. Ninguém antes dele tinha se esforçado em penetrar tanto, como fez no
decorrer de duas estadias sucessivas nas ilhas Trobriand, na mentalidade dos
outros, e em compreender de dentro o que sentem os homens e as mulheres que
pertencem a uma cultura que não é a sua. Para isso, teve que fazer uma verdadeira
busca pela despersonalização, saindo do da sua estrutura mental – da constituição
do seu self – de homem branco polonês naturalizado inglês, e entrando com isso, na
mentalidade dos grupos culturais pesquisados (aproximação empática).

52
Malinowski instaura uma ruptura com a história conjetural e com a geografia
especulativa (a teoria difusionista, que tende, no início do século, a ocupar o lugar
do evolucionismo) considerando que uma sociedade deve ser estudada enquanto
uma totalidade, tal como funciona no momento mesmo onde a observamos.
Enquanto seu professor e mestre James Frazer – autor de “O Ramo de Ouro” -
analisava de forma intensiva e contínua uma microssociedade sem referir-se a sua
história, procurava responder à seguinte pergunta: "Como nossa sociedade chegou
a se tornar o que é?". Malinowski adota uma abordagem rigorosamente inversa, se
perguntando: “O que é uma sociedade dada em si mesma e o que a torna viável
para os que a ela pertencem?

Bronislaw Malinowski (1884 – 1942)

“Com Malinowski, a antropologia se torna uma "ciência" da alteridade que


vira as costas ao empreendimento evolucionista de reconstituição das origens da
civilização, e se dedica ao estudo das lógicas particulares características de cada
cultura”. (LAPLANTINE, 2003.p.61). Nesse sentido, uma sociedade deve ser
53
estudada observando-a no presente através da interação dos aspectos que a
constituem. Segundo o autor, a partir de um único costume, ou mesmo de um único
objeto (por exemplo, a canoa trobriandesa aparentemente muito simples) aparece o
perfil do conjunto de uma sociedade. Um costume reflete algo da complexidade
daquela sociedade (a parte revela o todo).

“O etnógrafo vê os costumes, cerimônias, transações, etc.,


muitas vezes; e obtém exemplos de suas crenças, tais como
os nativos realmente as vivem. Então, a carne e o sangue da
vida nativa real preenchem o esqueleto vazio das construções
abstratas” (MALINOWSKI, 1976).

A partir disso, Malinowski faz generalizações sistemáticas que não hesita em


chamar de "leis cientificas da sociedade", um funcionalismo "científico"
(LAPLANTINE, 2003).

❖ Funcionalismo: “método científico que se refere ao estudo das


culturas sob o ponto de vista de uma função, ou seja, ressalta a
funcionalidade de cada unidade da cultura no contexto da cultura
global. Uma característica da abordagem funcionalista é descobrir as
conexões existentes em uma cultura e saber como funcionam.
Exemplo: averiguar as funções de usos e costumes de determinada
cultura que levam a uma identidade cultural” (MARCONI e
PRESOTTO, 2010. p.14”).

54
Fonte:
http://www.megatimes.com.br/2015/02/funcionalismo-teoria-antropolo
gica-e.html

Em “Os Argonautas do Pacífico Ocidental”, pela primeira vez, o


social deixa de ser anedótico, curiosidade exótica, descrição
moralizante ou coleção exaustiva erudita. Pois, para alcançar
o homem em todas as suas dimensões, é preciso
dedicar-se à observação de fatos sociais aparentemente
minúsculos e insignificantes, cuja significação só pode
ser encontrada nas suas posições respectivas no interior
de uma totalidade mais ampla. Assim, as canoas
trobriandesas (das quais falamos acima) são descritas em
relação ao grupo que as fabrica e utiliza, ao ritual mágico que
as consagra, às regulamentações que definem sua posse, etc.
Algumas transportando de ilha em ilha colares de conchas
vermelhas, outras, pulseiras de conchas brancas, efetuando
em sentidos contrários percursos invariáveis, passando
necessariamente de novo por seu local de origem, Malinowski
mostra que estamos frente a um processo de troca
generalizado, irredutível à dimensão econômica apenas, pois
nos permite encontrar os significados políticos, mágicos,
religiosos, estéticos do grupo inteiro. “Os Jardins de Coral”, o
segundo grande livro de Malinowski, "o estudo dos métodos
agrícolas e dos ritos agrários nas ilhas Trobriand", longe de ser
uma pesquisa especializada sobre um fenômeno agronômico
dado, mostra que a agricultura dos Trobriandeses inscreve-se

55
na totalidade social desse povo, e toca em muitos outros
aspectos que não à agricultura (LAPLANTINE, 2003. p.64-65)

O indivíduo sente um certo número de necessidades, e cada cultura tem


precisamente como função a de satisfazer à sua maneira essas necessidades
fundamentais. Cada uma realiza isso elaborando instituições (econômicas, políticas,
jurídicas, educativas), fornecendo respostas coletivas organizadas, que constituem,
cada uma a seu modo, soluções originais que permitem atender a essas
necessidades (LAPLANTINE, 2003).
Uma outra característica do pensamento do autor é abrir as fronteiras
disciplinares, devendo o homem ser estudado através da tripla articulação: do social,
do psicológico e do biológico. Convém em primeiro lugar, para o antropólogo,
localizar a relação estreita do social e do biológico; o que decorre do ponto anterior,
já que, para ele, uma sociedade funcionando como um organismo (função), as
relações biológicas devem ser consideradas não apenas como o modelo
epistemológico que permite pensar as relações sociais, e sim como o seu próprio
fundamento. Além disso, uma verdadeira ciência da sociedade implica, ou melhor,
inclui o estudo das motivações psicológicas, dos comportamentos, o estudo dos
sonhos e dos desejos do indivíduo. E Malinowski vai muito além da análise da
afetividade de seus interlocutores, ele procura reviver nele próprio os sentimentos
dos outros, fazendo da observação participante uma participação psicológica do
pesquisador, que deve "compreender e compartilhar os sentimentos" destes últimos
"interiorizando suas reações emotivas". (LAPLANTINE, 2003.p.62)
Ele inventa literalmente e é o primeiro a pôr em prática a observação
participante enquanto elemento da despersonalização, entrando de cabeça em
práticas culturais que não são a suas de origem - em “contato muito estreito com os
nativos durante um longo período de tempo” -, dando o exemplo de como deve ser
feito o estudo intensivo de uma sociedade que nos é estranha -o único modo de
conhecimento em profundidade dos outros é a participação na sua existência-. O
fato de efetuar uma estadia de longa duração impregnando-se da mentalidade de
seus hóspedes e esforçando-se para pensar em sua própria língua (IBID). Nessa

56
perspectiva, a antropologia supõe uma identificação (ou, pelo menos, uma busca de
identificação) com a alteridade, Malinowski “mostrando-nos com sua pureza aquilo
que nos faz tragicamente falta: a autenticidade (LAPLANTINE, 2003. p. 63).
“Malinowski ensinou a muitos entre nós não apenas a olhar, mas a escrever,
restituindo às cenas da vida cotidiana seu relevo e sua cor” (IBIDEM.p.65), ensinou
para o campo da antropologia como se faz a etnografia e a etnologia.

Na etnografia, o autor é, ao mesmo tempo, o seu próprio cronista e


historiador, mas as suas fontes não estão incorporadas a documentos
materiais fixos, mas ao comportamento e memória de seres humanos
(...), o pesquisador através de suas próprias observações, das
asserções dos nativos, do caleidoscópio da vida tribal. O etnógrafo
tem que percorrer esta distância ao longo dos anos laboriosos que
transcorrem desde o momento em que pela primeira vez pisa numa
praia nativa e faz as primeiras tentativas no sentido de comunicar-se
com os habitantes da região, até à fase final dos seus estudos,
quando redige a versão definitiva dos resultados obtidos
(MALINOWSKI, 1976.p.22-23)

A partir do relato sobre os nativos de Mailu, baseado em anos de convivência


com os mesmos, nas ilhas de Trobriand, ao extremo leste da Nova Guiné,
Malinowski dedicou a sua atenção - pesquisa etnográfica-:

além de possuir objetivos genuinamente científicos e conhecer


os valores e critérios da etnografia moderna, o principal
princípio metodológico, fundamento da pesquisa de campo, é
que o pesquisador deve viver mesmo entre os nativos, sem
depender de outros brancos (...), só se pode conseguir
acampando dentro das próprias aldeias (MALINOWSKI,
1976.p.24)

Para o autor, “não há códigos de lei escritos ou expressos explicitamente,


toda a tradição tribal e sua estrutura social inteira estão incorporadas ao mais
57
alusivo dos materiais: o próprio ser humano (MALINOWSKI, 1976.p.28). O próprio
ser humano é o objeto. “Há uma série de fenómenos de suma importância que de
forma alguma podem ser registrados apenas com o auxílio de questionários ou
documentos estatísticos, mas devem ser observados em sua plena realidade. A
esses fenómenos podemos dar o nome de os imponderáveis da vida real”
(IBIDEM.p.33). Uma das grandes qualidades de Malinowski é sua
faculdade de restituição da existência desses homens e dessas mulheres
(trobriandêses) que puderam ser conhecidos apenas através de uma relação e de
uma experiência pessoais. A grande força da sua obra foi ter conseguido fazer ver e
ouvir aos seus leitores aquilo que ele mesmo tinha visto, ouvido, sentido -
“recomenda-se ao etnógrafo que de vez em quando deixe de lado máquina
fotográfica, lápis e caderno e participe pessoalmente do que está acontecendo”
(MALINOWSKI, 1976) -. “Os Argonautas do Pacifico Ocidental”, publicado com
fotografias tiradas a partir de 1914 pelo autor, abre o caminho daquilo que vai ser
tornar a antropologia audiovisual. “Conduzir um projeto científico sem renunciar à
sensibilidade artística chama-se etnologia” (LAPLANTINE, 2003.p.65).

58
Referências Bibliográficas

BOAS, Franz. Antropologia cultural. – RJ: Jorge Zahar Ed. 2005. (Capítulo 1:
as limitações do método comparativo da antropologia). - Link para download:
https://umapiruetaduaspiruetas.files.wordpress.com/2010/05/franz-boas-antrop
ologia-cultural.pdf
LAPLANTINE, François. Os pais fundadores da etnografia. In: Aprender
Antropologia. – SP: Brasiliense, 2003. (Capítulo 4).
MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacáfico Ocidental: um relato do
empreendimento e da aventura dos nativos nos Arquipélagos da Nova Guiné
59
Melanésia. – SP: Abril S.A. Cultural e Industrial, 1976. (Introdução: Tema,
método e objeto desta pesquisa).
- Link para download:
https://csociais.files.wordpress.com/2019/03/malinowski-bronislaw.-argonautas-
do-pacicc81fico-ocidental.-um-relato-do-empreendimento-e-da-aventura-dos-na
tivos-da-nova-guinecc81-melanecc81sia.-preacc81cio-introduccca7acc83o-cap
s.-2-.pdf
MARCONI, Marina e PRESOTTO, Zelia. Antropologia: uma introdução. -SP:
Atlas, 2010.
UCHÔA, Elizabeth e VIDAL, Jean. Antropologia Médica: Elementos
Conceituais e Metodológicos para uma Abordagem da Saúde e da Doença.
Cad. Saúde Pública., Rio de Janeiro, 10 (4): 497-504, out/dez, 1994. -Link para
download:
https://www.scielo.br/j/csp/a/vCMjGFqtdTFfmNCbyZkK3mQ/?format=pdf&lang=
pt
ZAFIROPOULOS, M. Nossa arqueologia crítica da obra de Lacan: Lacan e as
ciências sociais - Lacan e Lévi-Strauss, 2009. (on line) – Link para download:
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rel/v2n3/v2n3a04.pdf

QUARTA UNIDADE

Durkheim: o primeior teórico da antropologia

De acordo com Laplantine (2003.p.67):

60
Boas e Malinowski, nos anos que antecederam a Primeira Guerra
Mundial, fundaram a etnografia. Mas o primeiro, recolhendo com a
precisão de um naturalista os fatos no campo, não era um teórico.
Quanto ao segundo, a parte teórica de suas pesquisas é o que há de
mais contestável em sua obra. A antropologia precisava ainda
elaborar instrumentos operacionais que permitissem construir um
verdadeiro objeto científico. É precisamente nisso que se
empenharam os pesquisadores franceses dessa época, que
pertenciam à chamada "escola francesa de sociologia". Se existe uma
autonomia do social, ela exige, para alcançar sua elaboração
científica, a constituição de um quadro teórico, de conceitos e modelos
que sejam próprios da investigação do social, isto é, independentes
tanto da explicação histórica (evolucionismo) ou geográfica
(difusionismo), quanto da explicação biológica (o funcionalismo de
Malinowski) ou psicológica (a psicologia clássica e a psicanálise
principiante).

Émile Durkheim que fornece à antropologia o quadro teórico e os


instrumentos que ainda faltavam. Com os conceitos desenvolvidos pelo sociólogo
francês, a antropologia fundamenta a sua elaboração científica de investigação do
mundo social. Émile Durkheim (1858-1917) foi um sociólogo francês, na sua
biografia, estudou no Liceu Louis Le Grand e na École Normale Superiére. Em 1882,
Durkheim forma-se em filosofia e é nomeado professor, iniciando neste período seu
interesse pelas questões sociais. Entre 1885 e 1886, Durkheim faz uma importante
viagem de estudos para a Alemanha, para estudar ciências sociais, e também entra
em contato com Wilhelm Wundt (1832-1920), fundador da psicologia. Desta viagem,
Durkheim retorna com a intenção de desenvolver a sociologia na França, visando
torná-la uma ciência autônoma (separada da filosofia e da psicologia). Em 1887 é
nomeado professor de pedagogia e de ciência social na faculdade de Bordeaux, na
França. Surgindo, com isso, o primeiro curso de sociologia criado em uma
universidade (SELL, 2009).
Nesse âmbito, a sociologia vira uma disciplina acadêmica e universitária,
entrando no currículo de vários cursos, foi ele quem institucionalizou a sociologia

61
como ciência. A sua principal preocupação era desenvolver a sociologia como sendo
uma ciência madura, tal como as ciências naturais (química, física e astronomia),
para isso desenvolveu um método positivista nas ciências sociais (sociologia e
antropologia), amparado em diversas pesquisas empíricas sobre a divisão do
trabalho social, o suicídio, a educação, dentre outros.

E. Durkheim (1858-1917)

Para o sociólogo francês, a principal tarefa da sociologia para se tornar


uma ciência autônoma era a formação de um método, estruturando, com isso,
as regras do método para a sociologia como sendo: “a ciência que estuda os
fatos sociais como se fossem coisas” (DURKHEIM, 2007). Se instaura, nesse
âmbito, a principal preocupação intelectual da Sociologia e da Antropologia,
que reside no estudo dos fatos sociais.
Em vez de aplicar os métodos sociológicos ao estudo de indivíduos
[como na psicologia], os sociólogos e antropólogos devem analisar os fatos
sociais - aspectos da vida social que determinam a nossa ação enquanto
indivíduos, tais como o estado da economia ou a influência da religião.
Durkheim acreditava que as sociedades tinham uma realidade própria - ou

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seja, a sociedade não se resume às simples ações e interesses dos seus
membros individuais (GIDDENS, 2008.p.9).
Três dos principais temas que abordou foram: a importância da
sociologia/antropologia enquanto ciência empírica; a emergência do indivíduo e
a formação de uma ordem social; e as origens e carácter da autoridade moral
na sociedade (GIDDENS, 2008.p.9). A seguir apresentaremos os principais
conceitos do autor.

A Solidariedade

Um dos fenômenos fundamentais para entender a sociedade, para


Durkheim, é a coesão social, aquilo que mantém a sociedade unida e impede a
sua queda no caos. Para isso, ele estava particularmente interessado na
solidariedade. A solidariedade é mantida quando os indivíduos se integram
com sucesso em grupos sociais e se regem por um conjunto de valores e
costumes partilhados (GIDDENS, 2008).
Na sua primeira grande obra, a sua tese de doutorado, A Divisão do
Trabalho Social (1893), Durkheim expôs uma análise da mudança social,
defendendo que o advento da era industrial representava a emergência de um
novo tipo de solidariedade (orgânica).
Outrora, a sociedade se mantinha unida partir de uma repressão, a
solidariedade mecânica, e não de uma coesão moral, a solidariedade orgânica,
que só penetrou na sociedade com o advento da modernidade, mais
precisamente com a divisão do trabalho social, onde o trabalhador desenvolve
laços de solidariedade (orgânica) com outros trabalhadores, que são de fora
da sua comunidade e do seu círculo doméstico.
Ao desenvolver este argumento, o Durkheim contrastou esses dois tipos
de solidariedade: “a mecânica” e “a orgânica”, relacionando-as com a divisão
do trabalho e o aumento de distinções entre ocupações diferentes.
A solidariedade mecânica fazia parte das culturas tradicionais:
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com um nível reduzido de divisão do trabalho, caracterizam-se pela
solidariedade mecânica: Em virtude de a maior parte dos membros da
sociedade estar envolvida em ocupações similares, eles estão unidos em
tomo de uma experiência comum e de crenças partilhadas. A força destas
últimas é de natureza repressiva - a comunidade castiga prontamente quem
quer que ponha em causa os modos de vida convencionais. Desta forma
resta pouco espaço para dissidências individuais. A solidariedade mecânica
baseia-se, por conseguinte, no consenso e na similaridade das crenças
(GIDDENS, 2008.p.9).

Nas sociedades de solidariedade mecânica, os indivíduos vivem em comum


porque partilham de uma “consciência coletiva” comum. Para o autor, a
consciência coletiva pode ser definida como “um conjunto de crenças e
sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade” (...).
[Desse modo], existe total predomínio do grupo sobre os indivíduos. A
semelhança entre eles também é forte, havendo pouco espaço para a
individualidade (SELL, 2009.p.33-34)

No entanto, as forças da industrialização e da urbanização conduziram a


uma evolução social, com maior divisão do trabalho, o que contribuiu para o
colapso da solidariedade mecânica. A especialização de tarefas da divisão do
trabalho e a cada vez maior diferenciação social nas sociedades
desenvolvidas, haveria de conduzir a uma nova forma de coesão social
caracterizada pela solidariedade orgânica:

Estes tipos de sociedades estão unidas pelos laços da interdependência


económica entre as pessoas e pelo reconhecimento da importância da
contribuição dos outros. À medida que a divisão do trabalho aumenta, as
pessoas tornam-se cada vez mais dependentes umas das outras, dado que
cada uma necessita dos bens e serviços que só outras pessoas com
ocupações diferentes podem fornecer. Relações de reciprocidade econômica

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e de mutua dependência, vêm substituir as crenças partilhadas na função de
criar um consenso social (GIDDENS, 2008.p.9-10).

“Na sociedade de solidariedade orgânica, os indivíduos estão integrados


na coletividade, porque cada um passa a depender do outro. Este fenômeno se
deve à especialização de funções, ou, a divisão social do trabalho” (SELL,
2009p.35). “Somos levados, assim, a considerar a divisão do trabalho sob um
novo aspecto. Nesse caso, de fato, os serviços econômicos que ela pode
prestar são pouca coisa em comparação com o efeito moral que ela produz, e
sua verdadeira função é criar entre duas ou várias pessoas um sentimento de
solidariedade (DURKHEIM, 1995). Com a solidariedade orgânica, se
desenvolve um processo de integração social que é moral, baseado em
“relações de reciprocidade econômica e de mutua dependência”, criando com
isso, laços sociais que possibilitam um consenso social.

A Primazia do Social

Para Durkheim, a sociedade existe antes da gente nascer e vai


continuar existindo mesmo depois que a gente morrer, ela existe antes da
nossa existência. Logo, tudo aquilo que a gente aprende vêm da sociedade,
ela que coloca o nosso nome (instituição social da família), que nos
proporciona uma linguagem, um conhecimento, uma educação, uma religião,
as regras jurídicas, dentre outras, tudo isso é uma vinculação social.
Nesta perspectiva, o nosso gosto, a nossa visão de mundo, o nosso
pensamento e comportamento é formado relacionalmente a partir da nossa
experiência com o mundo social. Ao mudar a sociedade e a cultura, esses
aspectos supracitados também são alterados. A sociedade (objeto) tem
precedência sobre o indivíduo (sujeito como ser social).

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Não que Durkheim estivesse afirmando que uma sociedade possa existir
sem indivíduos (o que seria totalmente ilógico). O que ele desejava ressaltar
é que uma vez criadas pelo homem, as estruturas sociais passam a
funcionar de modo independente dos indivíduos, condicionando suas ações.
Para Durkheim, a sociedade é muito mais do que a soma dos indivíduos que
a compõem. Uma vez vivendo em sociedade, o homem dá origem a
instituições sociais que possuem uma dinâmica própria (SELL, 2009.p.29).

A sociedade tem uma dinâmica própria que se impõe sobre o indivíduo.


Ou seja, o indivíduo aprende com a sociedade, o que ele acha que é natural,
normal (nomia), íntimo e individual, na verdade foi construído socialmente.

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Fonte: https://conhecerepensar.wordpress.com/emilie-durkheim/

A sociedade é uma realidade “sui generis”: os homens passam, mas a


sociedade fica. Por isto, a tarefa da sociologia deverá se encaminhar na
explicação de como o todo (que é a sociedade) condiciona suas partes (os
indivíduos), ou em linguagem epistemológica: como o objeto explica o sujeito; e
não o contrário! (...) é a sociedade que age sobre o indivíduo, modelando suas
formas de agir, influenciando suas concepções e modos de ver, condicionando
e padronizando o seu comportamento. Ninguém mais do que Durkheim vai
colocar tanta ênfase na força do social sobre nossas vidas, procurando sempre

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ressaltar que, em última instância, até mesmo a noção de que nós somos
pessoas ou sujeitos individuais, não passa de uma construção social. (SELL,
2009.p.29)

Durkheim, com isso, afirma que a explicação da vida social tem seu
fundamento na sociedade, e não no indivíduo, ou seja, nas suas instituições
sociais e as tendencias coletivas que exercem sobre o indivíduo uma pressão.

O que é um Fato Social

De acordo com Durkheim a nossa forma de agir, pensar e sentir vem


de fora nós, são produtos da sociedade em que a gente vive, são exteriores e
se impõem para modificar a nossa interioridade: a exterioridade na
interioridade. Esse elemento social que exerce uma pressão para moldar o
indivíduo à sociedade é o fato social.
Quando desempenho minha tarefa de irmão, de marido ou de cidadão, quando
executo os compromissos que assumi, eu cumpro deveres que estão definidos,
fora de mim e de meus atos, no direito e nos costumes. Ainda que eles estejam
de acordo com meus sentimentos próprios e que eu sinta interiormente a
realidade deles, esta não deixa de ser objetiva; pois não fui eu que os fiz, mas
os recebi pela educação. Aliás, quantas vezes não nos ocorre ignorarmos o
detalhe das obrigações que nos incumbem e precisarmos, para conhecê-las,
consultar o Código e seus intérpretes autorizados! Do mesmo modo, as
crenças e as práticas de sua vida religiosa, o fiel as encontrou inteiramente
prontas ao nascer; se elas existiam antes dele, é que existem fora dele. O
sistema de signos de que me sirvo para exprimir meu pensamento, o sistema
de moedas que emprego para pagar minhas dívidas, os instrumentos de
crédito que utilizo em minhas relações comerciais, as práticas observadas em
minha profissão, etc. funcionam independentemente do uso que faço deles.
Que se tomem um a um todos os membros de que é composta a sociedade; o
que precede poderá ser repetido a propósito de cada um deles. Eis aí,
portanto, maneiras de agir, de pensar e de sentir que apresentam essa notável

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propriedade de existirem fora das consciências individuais (DURKHEIM,
2007.p.1-2).

Os indivíduos acreditando que estão agindo segundo as suas opções,


frequentemente seguem simplesmente padrões que são comuns na sociedade
onde se inserem.
Os fatos sociais podem condicionar a ação humana de variadas formas.

fatos sociais são formas de agir, pensar ou sentir que são externas aos
indivíduos, tendo uma realidade própria exterior à vida e percepções das
pessoas individualmente. Outra característica dos fatos sociais é exercerem
um poder coercivo sobre os indivíduos. No entanto, a natureza constrangedora
dos fatos sociais raramente é reconhecida pelas pessoas como algo coercivo,
pois de uma forma geral atuam de livre vontade de acordo com os fatos sociais
(GIDDENS, 2008.p.9).

Duas palavras que sintetizam a explicação do que é um fato social são:


pressão social. Esse, coage o indivíduo para agir, ver e sentir de acordo com a
imagem e semelhança da sua sociedade. Apesar de fazer uma pressão sobre
o psicológico do indivíduo, o fato social é o que garante a integração social, ou
seja, que as pessoas não vivam a sua vida de forma aleatória fazendo tudo
aquilo que querem, da sua cabeça; saindo, com isso, do ego individual para o
ego coletivo. Como seria a sociedade se tudo fosse permitido? Se as pessoas
pudessem sair na rua e fazer tudo aquilo que bem entendem? Sem não
existem leis, regras e normas coletivas? Se os indivíduos pudessem viver
orientados apenas pelos seus instintos? O mundo social entraria em um caos
coletivo.
Nesse caso, a pressão social é o que garante a coesão coletiva da
sociedade. Possibilitando que as pessoas saiam do seu ego individual, para
viver em um padrão coletivo. O importante, para o autor, é a integração da
sociedade. Essa, para promover a sua integração, se impõe sobre o indivíduo.

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No entanto, a pressão social não se impõe necessariamente pela força
ou violência física, não tem uma pessoa que aponta uma arma para nós
dizendo como a gente deve se comportar, agir, pensar e sentir numa
sociedade. A pressão social que o fato social exerce é moral. “A sociedade são
os meios morais que cercam o indivíduo” (Durkheim). E os indivíduos
internalizam essa moral na constituição do seu self, na sua própria constituição
enquanto sujeitos.

Vemos que a sociedade – complexo integrado de fatos sociais- exerce


pressão social sobre o indivíduo – coerção- de várias formas, a partir das
instituições enraizadas na sociedade.

São exemplos de fato social:

● Direito: o direito é um dos fatos sociais primordiais, a codificação jurídica que


garante a restrição por intermédio das leis, ou seja, o que pode e o que não

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pode ser feito na sociedade. O fato social se impõe a partir das leis que se
impõem gerando, com isso, códigos de conduta.

● Religião: é um fato social antigo, ela impõe a moral enquanto conjunto de


valores e sistemas de crenças que orientam o comportamento dos indivíduos
que fazem parte da matriz religiosa.

● Família: é o primeiro espaço de socialização da criança, onde nela aprendem


as primeiras regras sociais, o primeiro mundo se forma na sua cabeça
(esquemas mentais de classificação).

● Educação: é a segunda socialização mais forte do indivíduo, ela junta crianças


de famílias diferentes e impõe as mesmas categorias mentais, formando, em
conjunto com essas, uma base forte da formação do senso comum.

● Trabalho: forma a identidade profissional do sujeito, sua profissão, como ele


vai ser identificado na sociedade. Além de que é um campo onde se impõe
regras como o conhecimento estabelecido, o cumprimento de horários, dentre
outros.

● Moda: o sujeito ao comprar o que vende nas lojas do shopping, ele está
comprando o que está na moda, ou seja, a tendência coletiva do momento.

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Eis portanto uma ordem de fatos que apresentam características
muito especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de
sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de
coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele. Por
conseguinte, eles não poderiam se confundir com os fenômenos
orgânicos, já que consistem em representações e em ações; nem com
os fenômenos psíquicos, os quais só têm existência na consciência
individual e através dela. Esses fatos constituem, portanto, uma
espécie nova, e é a eles que deve ser dada e reservada a qualificação
de sociais. Essa qualificação lhes convém; pois é claro que, não tendo
o indivíduo por substrato, eles não podem ter outro senão a
sociedade, seja a sociedade política em seu conjunto, seja um dos
grupos parciais que ela encerra: confissões religiosas, escolas
políticas, literárias, corporações profissionais, etc. Por outro lado, é a
eles só que ela convém; pois apalavra social só tem sentido definido
com a condição de designar unicamente fenômenos que não se
incluem em nenhuma das categorias de fatos já constituídos e
denominados. Eles são, portanto, o domínio próprio da sociologia.
(DURKHEIM, 2007.p.3-4).

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O Método

Qualquer coisa da sociedade pode ser estudada pela Sociologia? Não,


somente aquilo que se apresenta como um fato social. Os fatos sociais são o
objeto de estudo da sociologia, para Durkheim (2007). Para o autor: “é um fato
social toda a maneira de agir, fixa ou não, capaz de exercer sobre o indivíduo
uma coerção exterior, ou a ainda; que é geral no conjunto de uma dada
sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente da
suas manifestações individuais”. O que não se comportar como um fato social
é objeto de estudos de outros conhecimentos, como a Psicologia, a Biologia,
Filosofia, dentre outros.
Para o sociólogo francês, na sua definição das regras do método
sociológico: “a primeira regra da sociologia e a mais fundamental é a de
considerar os fatos sociais como coisas” (Durkheim). Desse modo, o que
significa dizer que o fato social é uma coisa? Uma coisa é algo que existe por
si só, enraizado e sedimentado na sociedade, nas instituições sociais,
independente da vontade do indivíduo ela está lá, é uma coisa que já existe na
sociedade, o que Durkheim chama de algo “sui generis”: o que têm uma
existência própria.

Ao equiparar os fenômenos sociais a “coisas”, Durkheim partia do princípio de


que a realidade social é idêntica à realidade da natureza e que, portanto,
equipara-se também aos fenômenos por ela estudados. Assim, tal como as
“coisas” da natureza funcionam de uma forma independente da ação
humana, cabendo aos cientistas apenas mostrar suas regularidades; as
“coisas” da sociedade também são uma realidade distinta da ação humana.
Por isso, ao tratar os fatos sociais como coisas, Durkheim recomendava que
os sociólogos evitassem as pré-noções que já tinham sobre estas questões e
que observassem os fenômenos sempre de acordo com suas características
exteriores, da forma mais objetiva e imparcial possível. A semelhança entre

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seus objetos de estudo (ambos considerados como “coisas”) permitiu a este
autor postular que, afinal, seus métodos de estudo também deveriam ser
semelhantes (SELL, 2009.p.30)

A sociologia consiste em “registrar” da forma mais imparcial possível a


realidade pesquisada (o objeto), tal como nas ciências naturais. Cabe ao
pesquisador apenas fazer um retrato da realidade pesquisada, pois ela é uma
realidade objetiva, tão objetiva como qualquer “coisa” da natureza (SELL,
2009).
É como se a sociedade fosse um organismo vivo, em que, cada órgão –
fato social- cumpre uma função (metodologia funcionalista). A maneira
padronizada como nós agimos na sociedade, os fatos sociais, não são por
acaso, porque estas formas de agir cumprem uma função social. Com isso,
explicar os fatos sociais significa demonstrar a função que eles exercem (IBID).

As quatro características do fato social

Quatro aspectos devem ser destacados na caracterização dos fatos sociais:

⮚ Exterior: é externo, ele provém da sociedade e não do indivíduo, tem uma


existência própria independente do indivíduo, se comportam como uma coisa.

⮚ Imperativo: se impõem sobre o indivíduo, a dimensão exterior é imposta as


pessoas como uma função social.

⮚ Coercitivo: exercem uma coerção nos indivíduos, fazendo com que eles façam
algo de forma imposta (coercitividade das regras).

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⮚ Generalista: é algo que é geral da sociedade, uma tendência coletiva que é
seguida pela grande maioria das pessoas – o senso comum-.

O homem dual

Se todos nós estamos sofrendo uma pressão social desde o nosso


nascimento, como as pessoas possuem a sua singularidade? Nós não somos
robôs, existem aspectos individuais, subjetivos e psíquicos da natureza
humana, Durkheim não nega isso, o que ele está afirmando é que a sociedade
é superior ao indivíduo, o todo é maior que a parte. Mas, todos temos estes
dois aspectos, coletivo (social) e individual (psíquico), um ligado ao fato social e
o outro a individualidade subjetiva, o que o autor chama de “homem dual”.
Todos somos seres duais, pois possuímos duas consciências, uma individual e
a outra coletiva. A consciência coletiva é ligada a dimensão objetiva da
sociedade, aos aspectos coletivos, aquilo que o fato social nos impõe. Já a
consciência individual, são os aspectos do ser humano que não foram
capturados pelo fato social.

● Consciência Coletiva: fato social


● Consciência Individual: individualidade (psique)

A consciência individual é o que garante a Psicologia, os nossos traços


subjetivos e a nossa singularidade, um outro registro, que é diferente da
proposta de estudo da sociologia. Ambas as dimensões, a individual e coletiva,
devem ser estudadas em conjunto. Sem os indivíduos as instituições sociais
não teriam se formado, e sem a coletividade não existiria um referencial para
orientar a psicologia individual. Como o próprio Freud afirma, toda a psicologia
individual também é uma psicologia social; o princípio da realidade une os dois
aspectos.

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A questão central para Durkheim é que a consciência coletiva é maior do
que a consciência individual.

CONSCIÊNCIA COLETIVA > CONSCIÊNCIA INDIVIDUAL

Nesse ínterim, a maior parte da nossa natureza é moldada pelo fato


social – não tudo-. Isso, é o que garante a integração social, a formação de um
padrão coletivo ou um senso comum. O aspecto positivo do fato social é que
ele impõe um padrão para a convivência coletiva. Porém, alguns indivíduos não
suportam a imposição coercitiva, e com isso surgem problemas psicológicos
como a neurose.
Outra questão que surge é que se o fato social impõe tanta pressão,
desde a nossa primeira socialização, na infância, porque não sentimos?
Porque vivemos a nossa vida adulta como se tudo fosse de forma livre e
espontânea? Para Durkheim, isso ocorre simplesmente porque nós
estamos acostumados a pressão social, com o tempo a coerção deixa de ser
sentida, porque pouco a pouco dá lugar a hábitos (tendências internas) e com
isso, deixamos de sentir a pressão social, já estamos habituados a ela, ficou
como se fosse algo natural, normal, comum: o fato social forma o nosso senso
comum, o nosso senso espontâneo com a realidade empírica imediata da
nossa existência. Desse modo, ele fica invisível, imperceptível aos nossos
olhos.
“O fato social é que nem o ar, embora não o vejamos, ele não deixa de
exercer sobre nós uma pressão” (DURKHIEM, 2007).

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Referências Bibliográficas

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2007.
Link para Download:
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DURKHEIM, Émile Durkheim. Da divisão social do trabalho. São Paulo: Martins
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GIDDENS, Anthony. Sociologia. -Lisbia: Ed. Fundação Calouste Gulbenkian,


2008. – Link para download:
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77
SELL, Carlos Eduardo. Sociologia Clássica: Marx, Durkheim e Weber.
Petrópolis: Vozes, 2009. – Disponível em:
https://www.sociologialemos.pro.br/wp-content/uploads/2019/11/CARLOS_EDU
ARDO_SELL_SOCIOLOGIA_CLASSICA-2-1.pdf

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