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—PjuhrilA,

Smna. ~O Ire"


LEITURAS AFINS
FRANÇOIS LAPLANTINE

Antropologia do Brasil
Mito, história, etniridade
APRENDER
M:mucla Carneiro da Cunha Coleção Primeiros Passos

Cultura Brasileira c Identidade


O que é Mito
ANTROPOLOGIA
Nacional Everardo P. G. Rocha
Renato Ortiz
O que é Religião
Guiado pela Lua Rubem Alves
XasnallisMO O Uso ritual da
ayahuasca no culto O que e Tabu
do Santo Dai na Tradução:
Monique Angras
Edward MacRac Marie-Agnès Chauim(
O que é CultUra
Medicinas Paralelas José Luiz dos Santos Prefácio:
F. Laplantine/P.-L. Raheyron
Maria Istaira QIICfrOZ.

A Morte Branca do Feiticeiro


Negro
Renato Ortiz

A Oleira Ciumenta
Claude Levi-Strauss

MULTIUSO COPIAS
Original da Pasta n° 023
NI° de Folhas F
editora brasiliense
Fgvor devolver este origino'
INTRODUÇÃO

O CAMPO E A ABORDAGEM
ANTROPOLÓGICOS

O homem nunca parou de interrogar-se sobre si mesmo.


Em todas as sociedades existiram homens que observavam
homens. }louve até alguns que eram teóricos e forjaram.
como diz Lévi-Strauss, modelos elaborados "em casa". A
reflexão do homem sobre o homem e sua sociedade, e a
elaboração de um saber são, portanto, tão antigos quanto
a humanidade, e se deram tanto na Ásia como na África,
na América, na Oceania ou na Europa. Mas o projeto de
'fundar uma ciência do homem — uma antropologia — é,
ao contrário, muito recente. De fato, apenas no final do
século XVIII é que começa a se constituir um saber cienti-
fico (ou pretensamente científico) que toma o homem como
objeto de conhecimento, e não mais a natureza; apenas
nessa época é que o espírito científico pensa, pela primeira
vez, em aplicar ao próprio homem os métodos até então
utilizados na área física ou da biologia.
Isso constitui um evento considerável na história do
pensamento do homem sobre o homem. Um evento do qual
talvez ainda hoje não estejamos medindo todas as conse-
O CAMPO E A ABORDAGEM ANTROPOLÓGICOS
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qüências. Esse pensamento tinha sido até então mitológico, situação de laboratório, da organização "complexa" de nos-
artístico, teológico, filosófico, mas nunca científico no que sas próprias sociedades.
dizia respeito ao homem em si, Trata-se, desta vez, de fazer
passar este último do estauto de sujeito do conhecimento ao
* * *
de objeto da ciência. Finalmente, a antropologia, ou mais
precisamente, o projeto antropológico que se esboça nessa • A antropologia acaba, portanto, de atribuir-se um obje-,
época muito tardia na História — não podia existir o con- to que lhe é próprio: o estudo das populações que não per-
ceito de homem enquanto regiões da humanidade permane- tencem à civilização ocidental. Serão necessárias ainda algu-
ciam inexploradas — surge' em uma região muito pequena mas décadas para elaborar ferramentas de investigação que
do mundo: a Europa. Isso trará, evidentemente, como vere- permitam a coleta direta no campo das observações e infor-
mos mais adiante, conseqüências importantes. mações. Mas logo após ter firmado seus próprios métodos
de pesquisa — no início do século XX — a antropologia
Para que esse projeto alcance suas primeiras realiza- percebe que o objeto empírico que tinha escolhido (as so-
ções, para que o novo saber comece a adquirir um início ciedades "primitivas") está desaparecendo; pois o próprio
de legitimidade entre outras disciplinas científicas, será pre- universo dos "selvagens" não é de forma alguma poupado
ciso esperar a segunda metade do século XIX, durante o pela evolução social. Ela se vê, portanto, confrontada a uma
qual a antropologia se atribui objetos empíricos autônomos: crise de identidade. Muito rapidamente, uma questão se co-
as sociedades então ditas "primitivas", oti seja, exteriores às loca, a qual, como veremos neste livro, permanece desde
áreas de civilização européias ou norte-americanas. A ciên- seu nascimento: o fim do "selvagem" ou, como diz Paul
cia, ao menos tal como é concebida na época, supõe uma Mercier (1966), será que a "morte do primitivo" há de
dualidade radical entre o observador e seu objeto. Enquanto causar a morte daqueles que haviam se dado como tarefa
que a separação (sem a qual não há experimentação possí- o seu estudo? A essa pergunta vários tipos de resposta pu-
vel) entre o.sujeito observante e o objeto observado é obtida deram e podem ainda ser dados. Detenhamo-nos em três
na física (como na biologia, botânica, ou zoologia) pela deles.
natureza suficientemente diversa dos dois termos presentes, 1) O antropólogo aceita, por assim dizer, sua morte,
na história, pela distância no tempo que separa o historiador e volta para o âmbito das outras ciências humanas. Ele
resolve a questão da autonomia problemática de sua disci:
da sociedade estudada, ela consistirá na antropologia, nessa
plina reencontrando, especialmente a sociologia, e notada-
época — e por muito tempo —; em urna distância definiti- mente o que é chamado de "sociologia comparada".
vamente geográfica. As sociedades estudadas pelos primeiros 2) Ele sai em busca de uma outra área de investigação:
antropólogos são sociedades longínquas às quais são atribuí- o camponês, este selvagem de dentro, objeto ideal de seu
das as seguintes características: sociedades de dimensões res- estudo, particularmente bem adequado, já que foi deixado
tritas; que tiveram poucos contatos com os grupos vizinhos; de lado pelos outros ramos das ciências do homem.'
cuja tecnologia é pouco desenvolvida em relação à nossa; e
nas quais há uma menor especialização das atividades e 1. A pesquisa etnográfica cujo objeto pertence à mesma sociedade que
funções sociais. São também qualificadas de "simples"; em o observador foi, de início, qualificada pelo nome de folklore. Foi Van
conseqüência, elas irão permitir a compreensão, como numa Gennep que elaborou os métodos próprios desse campo de estudo. empe-
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16 O CAMPO E A ABORDAGEM mernoroLoaioas
zado quando trabalha de forma profissional em algumas
3) Finalmente, e aqui temos um terceiro caminho, que delas, dado que essas cinco áreas mantêm relações estreitas'
inclusive não exclui o anterior (pelo menos enquanto campo
entre si.
de estudo), ele afirma a especificidade de sua prática, não
A antropologia biológica (designada antigamente sob o
mais através de um objeto empírico constituído (o selvagem, nome de antropologia física) consiste no estudo das varia-
o camponês), mas através de urna abordagem epistemoló- ções dos caracteres biológicos do homem no espaço e no
gica constituinte. Essa é a terceira via que começaremos a tempo. Sua problemática é a das relações entre o patrimó-
esboçar nas páginas que se seguem, e que será desenvolvida nio genético e o meio (geográfico, ecológico, social), ela
no conjunto deste trabalho. O objeto teórico da antropolo- analisa as particularidades morfológicas e fisiológicas liga-
gia não está ligado, na perspectiva na qual começamos a
nos situar a partir de agora, a um espaço geográfico, cultu- • das a um meio ambiente, bem como a evolução destas par-
ticularidades. O que deve, especialmente, a cultura a este
ral ou histórico particular. Pois a antropologia não é senão património, mas também, o que esse património (que se
um certo olhar, um certo enfoque que consiste em:
• transforma) deve à cultura? Assim, o antropólogo biologis-
a) o estudo do homem inteiro;
• ta levará em consideração os fatores culturais que influen-
b). o estudo do homem ent todas as sociedades, sob ciam o cerscimento e a maturação do indivíduo. Ele se per-
todas as latitudes em todos os seus estados e em todas
as guntará, por exemplo: por que o desenvolvimento psicomotor
épocas. da criança africana é mais adiantado do que o da criança
européia?
Essa parte da antropologia, longe de consistir apenas
O ESTUDO DO HOMEM INTEIRO no estudo das formas de crânios, mensurações do esqueleto,
tamanho, peso, cor da pele, anatomia comparada as raças
Só pode ser considerada como antropológica uma abor- e dos sexos, interessa-se em especial — desde os anos 50 —
dagem integrativa que objetive levar em consideração as
pela genética das populações, que permite discernir o que
múltiplas dimensões do ser humano em sociedade. Certa- diz respeito ao inato e ao adquirido, sendo que um e outro
mente, o acúmulo dos dados colhidos a partir de observa- estão interagindo continuamente. Ela tem, a meu ver, um
ções diretas, bem como o aperfeiçoamento das técnicas de papel particularmente importante a exercer para que não
investigação, conduzem necessariamente a uma especializa- sejam rompidas as relações entre as pesquisas das ciências
ção do saber. Porém, uma das vocações maiores de nossa da vida e as das ciências humanas.
abordagem consiste em não parcelar o homem mas, ao con-
A antropologia pré-histórica é o estudo do homem atra-
trário, em tentar relacionar campos de investigação freqüen- vés dos vestígios materiais enterrados no solo (ossadas, mas
temente separados. Ora, existem cinco áreas principais da
também quaisquer marcas da atividade humana). Seu pro-
antropologia, que nenhum pesquisador pode, evidentemente,
jeto, que se liga à arqueologia, visa reconstituir as sociçda-
dominar hoje em dia, mas às quais ele deve estar sensibili-
des desaparecidas, tanto em suas técnicas e organizações
sociais, quanto em suas produções culturais e artísticas. No-
nhando-se em explorar exclusivamente (mas de uma forma magistral) as tamos que esse ramo da antropologia trabalha com uma
a distância social e cultural que separa o
tradições populares camponesas,
objeto do sujeito, substituindo nesse caso a distância geográfica da
antro- abordagem idêntica às da antropologia histórica e da antro-
pologia 'exótica'.
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pologia social e cultural de que trataremos mais adiante. O se interessa também pelas imensas áreas abertas pelas novas
historiador é antes de tudo um historiógrafo, isto é, um técnicas modernas de comunicação (mass media e cultura
pesquisador que trabalha a partir do acesso direto aos textos. do audiovisual).
O especialista em pré-história recolhe, pessoalmente, objetos A antropologia psicológica. Aos três primeiros pólos
no solo. Ele realiza um trabalho de campo, como o realizado de pesquisa que foram mencionados, e que são habitual-
na antropologia social na qual se beneficia de depoimentos mente os únicos considerados como constitutivos (com a
antropologia social e a cultural, das quais falaremos a se-
A antropologia lingüística. A linguagem é, com toda guir) do campo global da antropologia, fazemos questão
evidência, parte do patrimônio cultural de uma sociedade. pessoalmente de acrescentar um quinto pólo: o da antropo-
através dela que os indivíduos que compõem uma socie- logia psicológica, que consiste no estudo dos processos e do
dade se expressam e expressam seus valores, suas preocupa- funcionamento do psiquismo humano. De fato, o antropó-
ções, seus penáamentos. Apenas o estudo da língua permite logo é em primeira instância confrontado não a conjuntos
compreender: sociais, e sim a indivíduos. Ou seja, somente através dos
• como os homens pensam o que vivem e o que sen- comportamentos — conscientes e inconscientes — dos seres
tem, isto é, suas categorias psicoafetivas e psicocognitivas humanos particulares podemos apreender essa totalidade sem
(etnolingüística); a qual não é antropologia. E a razão pela qual a dimensão
• como eles expressam o universo e o social (estudo psicológica (e também psicopatológica) é absolutamente in-
da literatura, não apenas escrita, mas também de tradição dissociável do campo do qual procuramos aqui dar conta.
oral); Ela é parte integrante dele.
• como, finalmente, eles interpretam seus próprios A antropologia social e cultural (ou etnologia) nos de-
saber e saber-fazer (área das chamadas etnociências). terá por muito mais tempo. Apenas nessa área temos alguma
A antropologia lingüística, que é uma disciplina que competência, e este livro tratará essencialmente dela. Assim
se situa no encontro de várias outras,' não diz respeito ape- sendo, toda vez que utilizarmos a partir de agora o termo
nas, e de longe, ao estudo dos dialetos (dialetologia). Ela antropologia mais genericamente, estaremos nos referindo
à antropologia social e cultural (ou etnologia), mas pro-
2. Foi notadamente graças a pesquisadores como Paul Rivet e André curaremos nunca esquecer que ela é apenas um dos aspectos
Leroi-Gourhan (1964) que a articulação entre as áreas da antropologia físi- da antropologia. Um dos aspectos cuja abrangência é consi-
ca, biológica e sócio-cultural nunca foi rompida na França. Mas continua derável, já que diz respeito a tudo que constitui uma socie-
sempre ameaçada de ruptura devido a um movimento de especialização
facilmente compreensível. Assim, colocando-se do ponto de vista da antro- dade: seus modos de produção econômica, suas técnicas,
pologia social, Edmund Leach (1980) fala da "desagradável obrigação de sua organização política e jurídica, seus sistemas de paren-
fazer ménage à irais com os representantes da arqueologia pré-histórica e tesco, seus sistemas de conhecimento, suas crenças religio-
da antropologia física", comparando-a à coabitação dos psicólogos e dos
especialistas da observação de ratos em laboratório.
sas, sua língua, sua psicologia, suas criações artísticas.
-3. Foi o antropólogo Edward Sapir (1967) quem, além de introduzir o Isso posto, esclareçamos desde já que a antropologia
estudo da linguagem entre os materiais antropológicos, começou também a consiste menos no levantamento sistemático desses aspectos
mostrar que um estudo antropológico da língua (a língua como objeto de
pesquisa inscrevendo-se na cultura) conduzia a um estudo lingüístico da do que em mostrar a maneira particular com a qual estão
cultura (a língua como modelo de conhecimento da cultura). relacionados entre si e através da qual aparece a especifici- 5

PvCistiv" f e oin eg o enate-~ ,,cto (9,1-ro á.


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O CAMPO E A ABORDAGEM ANTROPOLÓGICOS
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das primeiras sociedades estudadas (as sociedades extra-euro-
dade de uma sociedade. E precisamente esse ponto de vista péias), ela é a meu ver indissociavelmente ligada ao modo
da totalidade, e o fato de que o antropólogo procura com- de conhecimento que foi elaborado a partir do estudo dessas
preender, como diz Lévi-Strauss, aquilo que os homens "não sociedades: a observação direta, por impregnação lenta e
pensam habitualmente em fixar na pedra ou no papel" (nos- contínua de grupos humanos minúsculos com os quais man-
sos gestos, nossas trocas simbólicas, os menores detalhes dos
temos uma relação pessoal.
nossos comportamentos), que faz dessa abordagem um trata-
mento fundamentalmente difereqte dos utilizados setorial- E Além disso, apenas a distância em relação a nossa socie-
dade (mas uma distância que faz com que nos tornemos ex-
dade
mente p'elos geógrafos, economist is, juristas, sociólogos, psi-
tremamente próximos daquilo que é longínquo) nos permite
cólogos...
fazer esta descoberta: aquilo que tomávamos por natural em
nós mesmos é, de fato, cultural; aquilo que era evidente é
infinitamente problemático. Disso decorre a necessidade, na
O ESTUDO DO HOMEM EM SUA DIVERSIDADE
formação antropológica, daquilo que não hesitarei em chamar
• A antropologia não é apenas o estudo de tudo que com- de "estranhamento" (depaysernent), a perplexidade provo-
põe uma sociedade. Ela é o estudo de todas as sociedades cada pelo encontro das culturas que são para nós as mais
humanas (a nossa. inclusive), ou seja, das culturas da huma- distantes, e cujo encontro vai levar a uma modificação do
nidade como um todo em suas diversidades históricas e .0' olhar que se tinha sobre si mesmo. De fato, presos a uma
c4 única cultura, somos não apenas cegos à dos outros, mas
geográficas.
míopes quando se trata da nossa. A experiência da alteri-
, Visando constituir os "arquivos" da humanidade em
suas diferenças significativas, ela, inicialmente privilegiou dade (e a elaboração dessa experiência) leva-nos a ver aquilo
claramente as áreas de civilização exteriores à nossa. Mas que nem teríamos conseguido imaginar, dada a nossa difi-
a antropologia não poderia ser definida por um objeto empí- culdade em fixar nossa atenção no que nos é habitual, fami-
rico qualquer (e, em especial, pelo tipo de sociedade ao qual liar, cotidiano, e que consideramos "evidente". Aos poucos,
ela a princípio se dedicou preferencialmente ou mesmo ex- notamos que o menor dos nossos comportamentos (gestos,
clusivamente). Se seu campo de observação consistisse no mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada
estudo das sociedades preservadas do contato com o Oci- de "natural". Começamos, então, a nos surpreender com
dente, :ela se encontraria hoje, como já comentamos, sem aquilo que diz respeito a nós mesmos, a nos espiar. O co-
nhecimento (antropológico) da nossa cultura passa inevita-
objeto.
Ocorre, porém, que se a especificidade da contribuição velmente pelo conhecimento das outras culturas; e devemos
dos antropólogos em relação aos outros pesquisadores em especialmente reconhecer que somos uma cultura possível
ciências humanas não pode ser confundida com a natureza entre tantas outras, mas não a únical
Aquilo que, de fato, caracteriza a unidade do homem,
4. Os antropólogos começaram a se dedicar ao estudo das sociedades de que a antropologia, como já o dissemos e voltaremos a
industriais avançadas apenas muito recentemente. As primeiras pesquisas dizer, f& tanta questão, é sua aptidão praticamente infinita
trataram primeiro, como vimos, dos aspectos •tradicionais " das sociedades
"não tradicionais" (as comunidades 'camponesas européias), em seguida,
para inventar modos de vida e formas de organização social
dos grupos marginais, e finalmente, há alguns anos apenas na França, do extremamente diversos. E, a meu ver, apenas a nossa disci-
C
setor urbano.

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plina permite notar, com a maior proximidade possível, que uma mutação de si mesmo. Como escreve Roger Bastide
essas formas de comportamento e de vida em sociedade em sua Anatomia de André Gide: "Eu sou mil possíveis em
que tomávamos todos espontaneamente por inatas (nossas mim; mas não posso me resignar a querer apenas um deles".
maneiras de andar, dormir, nos encontrar, nos emocionar, A descoberta da alteridade é a de uma relação que nos
comemorar os eventos de nossa existência...) são, na reali- permite deixar de identificar nossa pequena província de
dade, o produto de escolhas culturais. Ou seja, aquilo que humanidade com a humanidade, e correlativamente deixar
os seres humanos têm em comum é sua capacidade para de rejeitar o presumido "selvagem" fora de nós mesmos.
se diferenciar uns dos outros, para elaborar costumes, lín- Confrontados à multiplicidade, a priori enigmática, das cul-
guas, modos de conhecimento, instituições, jogos profunda- turas, somos aos poucos levados a romper com a, abordagem
mente diversos; pois se há algo natural nessa espécie parti- comum que opera sempre a naturalização do social (como
cular que é a espécie humana, é sua aptidão à variação se nossos comportamentos estivessem inscritos em nós desde
cultural. o nascimento, e não fossem adquiridos no contato com a
O projeto antropológico consiste, portanto, no reconhe- cultura na qual nascemos). A romper igualmente com o
cimento, conhecimento, juntamente com a compreensão de humanismo clássico que também consiste na identificação
uma humanidade plural. Isso supõe ao mesmo tempo a rup- do sujeito com ele mesmo, e da cultura com a nossa cultura.
tura com a figura da monotonia do duplo, do igual, do De fato, a filosofia clássica (antológica com São Tomás, re-
•idêntico, e com a exclusão num irredutível "alhures". As flexiva com Descartes, criticista com Kant, histórica com
sociedades mais diferentes da nossa, que consideramos espon- Flegel), mesmo sendo filosofia social, bem como as grandes
taneamente como indiferenciadas, são na realidade tão dife-
religiões, nunca se deram como objetivo o de pensar a dife-
rentes entre si quanto o são da nossa. E, mais ainda, elas são
para cada uma delas muito raramente homogêneas (como
seria de se esperar) mas, pelo contrário, extremamente diver- como atestam notadamente os relatos de viagens realizadas na Europa
sificadas, participando ao mesmo tempo de uma comum desde a Idade Média, por viajantes vindos da Ásia. E os índios Flathead
de quem nos fala Lévi-Strauss eram tão curiosos do que ouviam dizer
humanidade. dos brancos que tomaram um dia •a iniciativa de organizar expedições a
A abordagem antropológica provoca, assim, uma ver- fim de encontrá-los. Poderíamos multiplicar os exemplos. Isso não impede
dadeira revolução epistemológica, que começa por uma re- que a constituição de um saber de vocação científica sobre a alteridade
sempre tenha se desenvolvido a partir da cultura européia. Esta elaborou
volução do olhar. Ela implica um descentramento radical, um orientalismo, um americanismo, um africanismo, um oceanismo, en- '
uma ruptura com a • idéia de que existe um "centro do quanto que nunca ouvimos falar de um "europefsmo", que teria se consti-
mundo", e, correlativamente, uma ampliação do saber' e tuído como campo de saber teórico a partir da Ásia, da África ou da
Oceania.
Isso posto, as condições de produção históricas, geográficas, sociais e
5. Veremos que a antropologia supõe não apenas esse desmembramen- culturais da antropologia constituem um aspecto que seria rigorosamente
to (eclatement) do saber, que se expressa no relativismo (de um Jean de antiantropológico perder de vista, mas que não devem ocultar a vocação
Léry) ou no ceticismo (de um Montaigne), ligados ao questionamento da (evidentemente problemática) de nossa disciplina, que visa superar a irrcdu
cultura à qual se pertence, mas também uma nova pesquisa e uma recons- tibilidadc das culturas. Como escreve Lévi-Strauss: 'Não se trata apenas
tituição deste saber. Mas nesse ponto coloca-se uma questão: será que a de elevar-se acima dos valores próprios da sociedade ou do grupo do
antropologia é o discurso do Ocidente (e somente dele) sobre a alteridade? observador, e sim de seus métodos de pensamento; é preciso alcançar uma
Evidentemente, o europeu não foi o único a interessar-se pelos hábitos formulação válida, não apenas para um observador honesto c objetivo,
e pelas instituições do não-europeu. A recíproca também é verdadeira, mas para todos os observadores possíveis". 7
- is


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sua vez, muito dividida, quando se trata de dar conta (aos


rença (e muito menos, de pensá-la cientificamente), e sim o • interessados, aos seus colegas. aos estudantes, a si mesmo,
de reduzi-ia, freqüentemente inclusive de uma forma iguali- e de forma geral a todos aqueles que têm o direito de saber
tária e com as melhores intenções do mundo..
o que verdadeiramente fazem os antropólogos) dessa unida-
O pensamento antropológico, por • sua vez, considera de múltipla, desses materiais e dessa experiência.
que, assim conto uma civilização adulta deve aceitar que
I) A primeira dificuldade se manifesta, como sempre,
seus membros se tornem adultos, ela deve igualmente aceitar
ao nível das palavras. Mas ela é, também aqui, particular-
à diversidade das culturas, também adultas. Estamos, eviden-
mente reveladora da juventude de nossa disciplina,6 que não
temente, no direito de nos perguntar como a humanidade
sendo, como a física, uma ciência constituída, continua não
pôde permanecer por tanto tempo cega para consigo mesma,
tendo ainda optado definitivamente pela sua própria desig-
amputando parte de si própria e fazendo, de 'tudo que não
nação. Etnologia ou antropologia? No primeiro caso (que
eram suas ideologias dominantes sucessivas, um objeto de
corresponde à tradição terminológica dos franceses), insiste-
exclusão. Desconfiemos porém do pensamento — que seria
se sobre a pluraridade irredutível das'etnias, isto é, das cultu-
o cúmulo em se tratando de antropologia — de que estamos
ras. No segundo (que é mais usado nos países anglo-saxô-
finalmente mais "lúcidos", mais "conscientes", mais "livres",
nicos), sobre a unidade do gênero humano. E optando-se por
mais "adultos", como acabamos de escrever, do que em uma
antropologia, deve-se falar (com os autores britânicos) em
época da qual seria errôneo pensar que está definitivamente
antropologia social — cujo objeto privilegiado é o estudo
encerrada. Pois essa transgressão de uma das tendências do-
das instituições — ou (com os autores americanos) de antro-
minantes de nossa sociedade — o expansionismo ocidental
pologia cultural — que consiste mais no estudo dos com-
sob todas as suas formas econômicas, políticas, intelectuais
portamentos?
— deve ser sempre retomada. O que significa de forma algu-
ma que o antropólogo esteja destinado, seja levado por al-
6. Lembremos que a antropologia só Começou a ser ensinada nas uni-
guma crise de identidade, ao adotar ipso facto a lógica das versidades há algumas décadas. Na Grã-Bretanha a partir de 1908 (Frazer
outras sociedades e a censurar a sua. Procuraremos, pelo em Liverpool), e na França a partir de 1943 (Griaule na Sorbonne, seguido
por Leroi-Gourhan).
contrário, mostrar nesse livro que a dúvida, e a crítica de
7. Para que o leitor que não tenha nenhuma familiaridade com esses
si mesmo só são cientificamente fundamentadas se forem conceitos possa localizar-se, vale a pena especificar bem o significado
acompanhadas da interpelação crítica dos de outrem. dessas palavras. Estabeleçamos, como Lévi-Strauss, que a etnografia, a
etnologia e a antropologia constituem os três momentos de uma mesma .
abordagem. A etnografia 6 a coleta direta, e o mais minuciosa possível, dos
fenômenos que observamos, por uma impregnação duradoura e contínua .
DIFICULDADES
e um processo que se realiza por aproximações sucessivas. Esses fenômenos
podem ser recolhidos tomando-se notas, mas também por gravação sonora.
Se os antropólogos estão hoje convencidos de que uma fotográfica ou cinematográfica. A etnologia consiste em um primeiro nível
das características maiores de sua prática reside no confron- de abstração: analisando os materiais colhidos, fazer aparecer a lógica
específica da sociedade que se estuda. A antropologia, finalmente, CORSISIC
to pessoal com a alteridade, isto é, convencidos do fato de em um segundo nível de inteligibilidade: construir modelos que permitam
que os fenômenos sociais que estudamos são fenômenos que comparar as sociedades entre si. Como escreve Lévi-Strauss, "seu objetivo é
observamos em seres humanos, com os quais estivemos vi- alcançar, além da imagem consciente e sempre dikrente que os homens
formam de seu devir, um inventário das possibilidades inconsc:cntes, que
vendo; se eles são também unânimes em pensar que há uni-
não existem em número ilimitado".
dade da família humana, a família dos antropólogos é, por
APRENDER ANTROPOLOGIA 27
26 O CAMPO E A ABORDAGEM ANTROPOLÓGICOS

2) A segunda dificuldade diz respeito ao grau de cien- dades sem história", do que "sociedades que não querem ter
tificidade que convém atribuir à antropologia. O homem está estórias" (únicos objetos da antropologia clássica) a nossas
em condições de estudar cientificamente o homem, isto é, próprias sociedades qualificadas de "sociedades quentes".
um objeto que é de mesma natureza que o sujeito? E nossa Essa preocupação de separação entre as abordagens
prática se encontra novamente divididaentre os que pensam, histórica e antropológica está longe, como veremos, de ser
com Radcliff e-Brown (1968), que as sociedade são sistemas unânime, e a história recente da antropologia testemunha
naturais que devem ser estudados segundo os métodos com- também um desejo de coabitação entre as duas disciplinas.
provados pelas ciências da natureza,' e os que pensam, com Aqui, no Nordeste do Brasil, onde começo a escrever este
Evans-Pritchard (1969), que é preciso tratar as sociedades livro, desde 1933, um autor conto Gilberto Freyre, empe-
não como sistemas orgânicos, mas como sistemas simbólicos. nhando-se em compreender a formação da sociedade brasi-
Para estes ,últimos, longe de ser uma "ciência natural da leira, mostrou o proveito que a antropologia podia tirar do
sociedade" (Radcliffe-Brown), a antropologia deve antes ser conhecimento histórico.
considerada como uma "arte" (Evans-Pritchard). 4) Uma quarta dificuldade provém do fato de que
3) Uma terceira dificuldade provém da relação ambígua nossa prática oscila sem parar, e isso desde seu nascimento,
que a antropologia mantém desde sua gênese com a História. entre a pesquisa que se pode qualificar de fundamental e
Estreitamente vinculadas nos séculos XVIII e XIX, as duas aquilo que é designado sob o termo de "antropologia apli-
práticas vão rapidamente se emancipar uma da outra no cada".
século XX, procurando ao mesmo tempo se reencontrar pe- Começaremos examinando o segundo termo da alter-
riodicamente. As rupturas manifestas se devem essencialmente nativa aqui colocada e que continua dividindo profunda-
a antropólogos. Evans-Pritchard: "O conhecimento da his- mente os pesquisadores. Durkheim considerava que a socio-
tória das sociedades não é de nenhuma utilidade quando se logia não valeria sequer uma hora de dedicação se ela não
procura compreender o funcionamento das instituições". pudesse ser útil, e muitos antropólogos compartilham sua opi-
Mais categórico ainda, Leach escreve: "A geração de antro- nião. Margaret Mead, por exemplo, estudando o comporta-
pólogos à qual pertenço tira seu orgulho de sempre ter-se mento dos adolescentes das ilhas Samoa (1969), pensava
recusado a tomar a História em consideração". Convém que seus estudos deveriam permitir a instauração de urna
também lembrar aqui a distinção agora famosa de Lévi- sociedade melhor, e, mais especificamente a aplicação de
Strauss opondo as "sociedades frias", isto é, "próximas do uma pedagogia menos frustrante à sociedade americana. Hoje
grau zero de temperatura histórica", que são menos "socie- vários colegas nossos consideram que a antropologia deve
colocar-se "a serviço da revolução" (segundo especialmente
8. Ao modelo orgânico dos funcionalistas ingleses, Lévi-Strauss substi- Jean Copans, 1975). O pesquisador toma-se, então, um mi-
tuiu, como veremos, um modelo lingüístico, e mostrou que trabalhando no litante, um "antropólogo revolucionário", contribuindo na
ponto de encontro da natureza (o inato) e da cultura (tudo o que não é construção de uma "antropologia da libertação". Numerosos
hereditariamente programado e deve ser inventado pelos homens onde a
natureza não programou nada), a antropologia deve aspirar a tornar-se uma pesquisadores ainda reivindicam a qualidade de especialistas,
ciência natural: 'A antropologia pertence às ciências humanas, seu nome de conselheiros, participando em especial dos programas de
o proclama suficientemente; mas se se resigna em fazer seu purgatório desenvolvimento e das decisões políticas relacionadas à ela-
entre as ciências sociais, é porque não desespera de despertar entre as
ciências naturais na hora do julgamento final" (Lévi-Strauss, 1973). boração desses programas. Queríamos simplesmente observar
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28 •. O CAMPO E A ABORDAGEM ANTROPOLÓGICOS

Perfeitamente à vontade entre os astecas, ele estava lá en-


aqui que a "antropologia aplicada"' não é urna grande novi-
quanto missionário a fim de converter a população que es-
dade. E por ela que, com a colonização, a antropologia teve
tuda."
Foi com ela, inclusive, que se deu o início da Antro- O fato da diversidade das ideologias sucessivamente
pologia, durante a colonizaçãO. No extremo oposto das ati- defendidas (a conversão religiosa, a "revolução", a ajuda ao
tudes "engajadas" das quais acabamos de falar, encontramos "Terceiro Mundo", as estratégias daquilo que é hoje cha-
a posição determinada de um Claude Lévi-Strauss que, após mado "desenvolvimento" ou ainda "mudança social") não
ter lembrado que o saber científico sobre o homem ainda se altera nada quanto ao âmago do problema, que é o seguinte:
encontrava num estágio extremamente primitivo em relação o antropólogo deve contribuir, enquanto antropólogo, para
ao saber sobre a natureza, escreve: a transformação das sociedades que ele estuda?
Eu responderia, no que me diz respeito, da seguinte
"Supondo que nossas ciências um dia possam ser
forma: nossa abordagem, que consiste antes em nos surpre-
colocadas a serviço da ação prática, elas não têm, no
ender com aquilo que nos é mais familiar (aquilo que vive-
momento, nada ou quase nada a oferecer. O verdadeiro mos cotidianamente na sociedade na qual nascemos) e em
meio de permitir sua existência, é dar muito a elas, mas tornar mais familiar aquilo que nos é estranho (os compor-
sobretudo não lhes pedir nada". tamentos, as crenças, os costumes das sociedades que não
As duas atitudes que acabamos de citar — a antropo- são as nossas, mas nas quais poderíamos ter nascido), está
logia "pura" ou a antropologia "diluída" como diz ainda diretamente confrontada hoje a um movimento de homoge-
Lévi-Strauss — encontram na realidade suas primeiras for- neização, ao meu ver, sem precedente na História: o desen-
mulações desde os primórdios da confrontação do europeu volvimento de uma forma de cultura industrial-urbana e de
com o "selvagem". Desde o século XVI, de fato, começa a uma forma de pensamento que é a do racionalismo social.
se implantar aquilo o que alguns chamariam de "arquétipos" Eu pude, no decorrer de minhas estadias sucessivas entre os
do discurso etnológico, que podem ser ilustrados pelas po- Berberes do Médio Atlas e entre os Baulés da Costa ! do
sições respectivas de um Jean de Lery e de um Sahagun. Jean Marfim, perceber realmente o fascínio que exerce este ma
de Lery foi um huguenote" francês que permaneceu algum delo, perturbando completamente os modos de vida (a ma-
tempo no Brasil entre os Tupinambás. Longe de procurar con- neira de se alimentar, de se vestir, de se distrair, de se en-
vencer seus hóspedes da superioridade da cultura européia contrar, de pensar" e levando a novos comportamentos que
e da religião reformada, ele os interroga e, sobretudo, se inter- não decorrem de uma escolha).
roga. Sahagun foi um franciscano espanhol que alguns anos
mais tarde realizou uma verdadeira investigação no México. 11. Essa dupla abordagem da relação ao outro pode muito bem ser
realizada por um único pesquisador. Assim Malinowski chegando às ilhas '
Trobriand (trad. franc., 1963) se deixa literalmente levar pela cultura que
9. Sobre a antropologia aplicada, cf. R. Bastide, 1971. descobre e que o encanta. Mas vários anos depois (trad. Irene., 1968)
10. A maioria dos antropólogos ingleses, especialmente, realizou suas participa do que chama 'uma experiência controlada' do desenvolvimento.
pesquisas a pedido das administrações: Os Nuers de Evans-Pritchard foram 12. As mutações de comportamentos geradas por essa forma de civili-
encomendados pelo governo britânico, Fortes estudou os Tallensi a pedido zação mundialista podem também evidentemente ser encontradas nas nossas
do governo da Costa do Ouro. Nadei foi conselheiro do governo do próprias culturas rurais e urbanas. Em compensação, parecem-me bastante
Sudão, etc. fracas aqui, no Nordeste do Brasil. onde comepo a redigir este livro.
• Protestante. (N.T.) 40
APRENDER ANTROPOLOGIA 31
30 O CAMPO E A ABORDAGEM ANTROPOLÓGICOS

A questão que está hoje colocada para qualquer antro- convencer reciprocamente da necessidade de não deixar se
pólogo é a seguinte: há uma possibilidade em minha socie- perder formas de pensamento e atividade únicas.
dade (qualquer que seja) permitindo-lhe o acesso a um está- b) Urgência de análise das mutações culturais impostas
gio de sociedade industrial (ou pós-industrial) sem conflito pelo desenvolvimento extremamente rápido de todas as so-
dramático, sem risco de despe'rsonalização? ciedades contemporâneas, que não são mais "sociedades tra-
dicionais", e sim sociedades que estão passando por um de-
Minha convicção é de que o antropólogo, para ajudar senvolvimento tecnológico absolutamente inédito, por muta-
os atores sociais a responder a essa questão, não deve, pelo ções de suas relações sociais, por movimentos de migração
menos enquanto antropólogo, trabalhar para a transformação interna, e por um processo de urbanização acelerado. Através
das sociedades que estuda. Caso contrário, seria conveniente, da especificidade de sua abordagem, nossa disciplina deve,
de fato, que se convertesse em economista, agrônomo, mé- não fornecer respostas no lugar dos interessados, e sim for-
dico, político, a não ser que ele seja motivado por alguma mular questões com eles, elaborar com eles uma reflexão
concepção messiânica da antropologia. Auxiliar uma deter- racional (e não mais mágica) sobre os problemas colocados
minada cultura na explicitação para ela mesma de sua pró- pela crise mundial — que é também uma crise de identidade
pria diferença é uma coisa; organizar política, econômica e — ou ainda sobre o plurarismo cultural, isto é, o encontro
socialmente a evolução dessa diferença é uma outra coisa. de línguas, técnicas, mentalidades. Em suma, a pesquisa an-
Ou seja, a participação do antropólogo naquilo que é hoje tropológica, que não é de forma alguma, como podemos
a vanguarda do anticolonialismo e da luta para os direitos notar, uma atividade de luxo, sem nunca se substituir aos
humanos e das minorias étnicas é, a meu ver, uma conse- projetos e às decisões dos próprios atores sociais, tem hoje
qüência de nossa profissão, mas não é a nossa profissão como vocação maior a de propor não soluções mas instru-
propriamente dita. mentos de investigação que poderão ser utilizados em espe-
cial para reagir ao choque da aculturação, isto é, ao risco
Somos, por outro lado, diretamente confrontados a uma de um desenvolvimento conflituoso levando à violência ne-
dupla urgência à qual temos o dever de responder. gadora das particularidades econômicas, sociais, culturais de
a) Urgência de preservação dos patrimônios culturais um povo.
locais ameaçados (e a respeito disso a etnologia está desde 5) Uma quinta dificuldade diz respeito, finalmente, à
o seu nascimento lutando contra o tempo para que a trans- natureza desta obra que deve apresentar, em um número de
crição dos arquivos orais e visuais possa ser realizada a páginas reduzido, um campo de pesquisa imenso, cujo desen-
volvimento recente é extremamente especializado. No final
tempo, enquanto os últimos depositários das tradições ainda
do século XIX, um único pesquisador podia, no limite, do-
estão vivos) e, sobretudo, de restituição aos habitantes das
minar o campo global da antropologia (Boas fez pesquisas
diversas regiões nas quais .trabalhamos, de seu próprio saber em antropologia social, cultural, lingüística, pré-histórica, e
e saber-fazer. Isso supõe uma ruptura com a concepção assi- também mais recentemente o caso de Ktoeber, provavel-
métrica da pesquisa, baseada na captação de informações. mente o último antropólogo que explorou — com sucesso —
Não há, de fato, antropologia sem troca, isto é, sem itine- uma área tão extensa). Não é, evidentemente, o caso hoje
rário no decorrer do qual as partes envolvidas chegam a Se em dia. O antropólogo considera agora — com razão — que
APRENDER ANTROPOLOGIA 33
32 o CAMPO E A ABORDAGEM ANTROPOLÓGICOS
Eu queria finalmente acrescentar que este livro dirige-se
é competente apenas dentro de uma área restrita ° de sua ao mais amplo público possível. Não àqueles que têm por
própria disciplina e para uma área geográfica delimitada. profissão a antropologia — duvido que encontrem nele um
Era-me portanto impossível, dentro de um texto de di- grande interesse — mas a todos que, em algum momento
mensões tão restritas, dar conte, mesmo de uma forma par- de sua vida (profissional, mas também pessoal), possam ser
cial, do alcance e da riqueza dos campos abertos pela antro- levados a utilizar o modo de conhecimento tão característico
pologia. Muito mais modestamente, tentei colocar um certo da antropologia. Esta é a razão pela qual, entre o inconve-
número de referências, definir alguns conceitos a partir dos niente de utilizar uma linguagem técnica e o de adotar uma
quais o leitor poderá, espero, interessar-se em ir mais adiante. linguagem menos especializada, optei voluntariamente pela
Ver-se-á que este livro caminha em espiral. As preocu- segunda. Pois a antropologia, que é a ciência do homem por
pações que estão no centro de qualquer abordagem antro- excelência, pertence a todo o mundo. Ela diz respeito a
pológica e que acabam de ser mencionadas serão retomadas, todos nós.
mas de diversos pontos de vista. Eu lembrarei em primeiro
lugar quais foram as principais etapas da constituição de
nossa disciplina e como, através dessa história da antropo-
logia, foram se colocando progressivamente as questões que
continuam nos interessando até hoje. Em seguida, esboçarei
os pólos teóricos — a meu ver cinco — em volta dos quais
oscilam o pensamento e a prática antropológica. Teria sido,
de fato, surpreendente, se, procurando dar conta da plurari-
dade, a antropologia permanecesse monolítica. Ela é ao con-
trário claramente plural. Veremos no decorrer deste livro
que existem perspectivas complementares, mas também mu-
tuamente exclusivas, entre as quais é preciso escolher. E, em
vez de fingir ter adotado o ponto de vista de Sirius, em vez
de pretender lima neutralidade, que nas ciências humanas é
um engodo, esforçando-me ao mesmo tempo para apresentar
com o máximo de objetividade o pensamento dos outros, não
dissimularei as minhas próprias opções. Finalmente, em uma
última parte, os principais eixos anteriormente examinados
serão, em um movimento por assim dizer retroativo, reava-
liados com o objetivo de definir aquilo que constitui, a
meu ver, a especificidade da antropologia.

13. A antropologia das técnicas, a antropologia econômica, política, a


antropologia do parentesco, das organizações sociais, a antropologia reli-
giosa. artistica, a antropologia dos sistemas de comunicações... JJ
• RjaCkn, Pfrimvata-- ~1/4a._
FRANÇOIS LAPLANTINE
LEITURAS AFINS

Antropologia do Brasil
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O que é Religião
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Xantanistno o USD ritual tia
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O que e Cultura Prefácio:
Medicinas Paralelas José Luiz dos Santos
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Laplantine/P.-L. Rabeyron

A Morte Branca do Feiticeiro


Negro
Renato Ortiz

A Oleira Ciumenta
Claude Levi-Strauss

r 3 "ica. C 2
'

MULTIUSO COPIAS editora brasiliense


Original da Pasta n° rD 3
NI2 de Folhas _ F.V
%for devolver este originai
1. A PRÉ-HISTÓRIA
DA ANTROPOLOGIA:
a descoberta das diferenças pelos viajantes do
século XVI e a dupla resposta ideológica dada
daquela época até nossos dias

A gênese da reflexão antropológica é contemporânea à


descoberta do Novo Mundo. O Renascimento explora espa-
ços até então desconhecidos e começa a elaborar discursos
sobre os habitantes que povoam aqueles espaços.' A grande
questão que é então colocada, e que nasce desse primeiro
confronto visual com a alteridade, é a seguinte: aqueles que
acabaram de serem descobertos pertencem à humanidade?
O critério essencial para saber se convém atribuir-lhes um
estatuto humano é, nessa época, religioso: O selvagem tem

t. As primeiras observações e os primeiros discursos sobre os povos :


"distantes' de que dispomos provêm de duas fontes: 1) as reações dos pri- :
melros viajantes, formando o que habitualmente chamamos de "literatura
de viagem". Dizem respeito em primeiro lugar à Pérsia e à Turquia, cm
seguida à América, à Ásia e à África. Em 1556, André Thevet escreve
A História
As Singularidades da França Antártica, em 1558 Jean de Lery,
de Uma Viagem Feita na Terra do Brasil. Consultar também como exem-
plo, para um período anterior (século XIII), G. de Rubrouck (reed. 1985),
para um período posterior (século XVII) Y. d'Evreux (reed. nas),
bom
como a coletânea de textos de J. P. Duviols (1978); 2) os relatárlOs dos
missionários e particularmente as "Relações" dos jesuítas (século XVII) no
Canadá, no Japão, na China. Cf., por exemplo, as Latires &Mantes et
Curieuses de Ia China par das Missionnaires Iésuites: 1702-1776, Paris,
reed. Garnier-Flammarion , 1979.
APRENDER ANTROPOLOGIA 39
38 A PREHISTORIA DA ANTROPOIOGIA

uma alma? O pecado original também lhes diz respeito? — bém a Inglaterra, a França, e algumas de nossas regiões
questão capital para os missionários, já que da resposta irá da Espanha. (...) Pois a maioria dessas nações do
depender o fato de saber se é possível trazer-lhes a revelação. mundo, senão todas, foram muito mais pervertidas, irra-
Notamos que se, no século XIV, a questão é colocada, não cionais e depravadas, e deram mostra de muito menos
é de forma alguma solucionada. Ela será definitivamente prudência e sagacidade em sua forma de se governarem
resolvida apenas dois séculos mais tarde. e exercerem as virtudes morais. Nós mesmos fomos
piores, no tempo de nossos ancestrais e sobre toda a
Nessa época é que começam a se esboçar as duas ideo-
extensão de nossa Espanha, pela barbárie de nosso modo
logias concorrentes, mas das quais uma consiste no simé-
de vida e pela depravação de nossos costumes"
trico invertido da outra: a recusa do estranho apreendido a
partir de uma falta, e cujo corolário é a boa consciência que
se tem sobre si e sua sociedade;2 a fascinação pelo estranho
Sepulvera:
cujo corolário é a má consciência que se tem sobre si e sua
sociedade.
"Aqueles que superam os outros em prudência e
Ora, os próprios termos dessa dupla posição estão colo- razão, mesmo que não sejam superiores em força física,
cados desde a metade do século XIV: no debate, que se aqueles são, por natureza, os senhores; ao contrário,
torna uma controvérsia pública, que durará vários meses porém, os preguiçosos, os espíritos lentos, mesmo que
(em 1550, na Espanha, em Valladolid), e que opõe o domi- tenham as forças físicas para cumprir todas as tarefas ,
nicano Las Casas e o jurista Sepulvera. necessárias, são por natureza servos. E é justo e útil
que sejam servos, e vemos isso sancionado pela própria
lei divina. Tais são as nações bárbaras e desumanas,
Las Casas: estranhas à vida civil e aos costumes pacíficos. E será
sempre justo e conforme o direito natural que essas
"Àqueles que pretendem que os índios são bárba- pessoas estejam submetidas ao império de príncipes e
ros, responderemos que essas pessoas têm aldeias, vilas, de nações mais cultas e humanas, de modo que, graças
cidades, reis, senhores e uma ordem política• que, em à virtude destas e à prudência de suas leis, eles aban-
alguns reinos, é melhor que a nossa. (...) Esses povos donem a barbárie e se conformem a uma vida mais
igualavam ou até superavam muitas nações e uma ordem humana e ao culto da virtude. E se eles recusarem esse
política que, em alguns reinos, é melhor que a nossa. império, pode-se impô-lo pelo meio das armas e essa
(...) Esses povos igualavam ou até superavam muitas guerra será justa, bem como o declara o direito natural
nações do mundo conhecidas como policiadas e razoá- que os homens honrados, inteligentes, virtuosos e hu-
veis, e não eram inferiores a nenhuma delas. Assim, manos dominem aqueles que não têm essas virtudes".
igualavam-se aos gregos e os romanos, e até, em alguns
de seus costumes, os superavam. Eles superavam tam- Ora, as ideologias que estão por trás desse duplo dis-
curso, mesmo que não se expressem mais em termos religio-
2. Sendo, as duas variantes dessa figura: 1) a condescendência e a
sos, permanecem vivas hoje, quatro séculos após a polêmica
proteção paternalista do outro: 2) sua exclusão.
3
APRENDER ANTROPOLOGIA 41
40 A PREDISPORIA DA ANTROPOLOGIA

Entre os critérios utilizados a partir do século XIV pelos


que opunha Las Casas a Sepulvera.3 Como são estereótipos europeus para julgar se convém conferir aos índios um esta-
que envenenam essa antropologia espontânea de que temos tuto humano, além do critério religioso do qual já falamos,
ainda hoje tanta dificuldade para nos livrarmos, convém nos e que pede, na configuração na qual nos situamos, uma res-
determos sobre eles. posta negativa ("sem religião nenhuma", são "mais diabos"),
citaremos:
A FIGURA DO MAU SELVAGEM • a aparência física: eles estão nus ou "vestidos de
E DO BOM CIVILIZADO peles de animais":
• os comportamentos alimentares: eles "comem carne
A extrema diversidade das sociedades humanas rara- crua", e é todo o imaginário do canibalismo que irá aqui se
mente apareceu aos homens como um fato, e sim como uma elaborar;'
aberração exigindo uma justificação. A antiguidade grega • a inteligência tal como pode ser apreendida a partir
designava sob o nome de bárbaro tudo o que não participava da linguagem: eles falam "uma língua ininteligível".
da helenidade (em referência à inarticulação do canto dos Assim, não acreditando em Deus, não tendo alma, não
pássaros oposto à significação da linguagem humana), o Re- tendo acesso à linguagem, sendo assustadoramente feio e
nascimento, os séculos XVII e XVIII falavam de naturais alimentando-se como um animal, o selvagem é apreendido
nos modos de um bestiário. E esse discurso sobre a alteri-
ou de selvagens (isto é, seres da floresta), opondo assim a
dade, que recorre constantemente à metáfora zoológica, abre
animalidade à humanidade. O termo primitivos é que triun-
o grande leque das ausências: sem moral, sem religião, sem
fará no século XIX, enquanto optamos preferencialmente na
lei, sem escrita, sem Estado, sem consciência, sem razão,
época atual pelo de subdesenvolvidos. sem objetivo, sem arte, sem passado, sem futuro.' Cornelius
• Essa atitude, que consiste em expulsar da cultura, isto de Pauw acrescentará até, no século XVIII: "sem barba",
é, para a natureza todos aqueles que não participam da faixa "sem sobrancelhas", "sem pêlos", "sem espírito" "sem ardor
de humanidade à qual pertencemos e com a qual nos iden- para com sua fêmea".
tificamos, é, como lembra Lévi-Strauss, a mais comum a toda
a humanidade, e, em especial, a mais característica dos "É a grande glória e a honra de nossos reis e dos
"selvagens".° espanhóis, escreve Gomara em sua História Geral dos
índios, ter feito aceitar aos índios um único Deus, uma
3. Essa oscilação entre dois pólos concorrentes, mas ligados entre si única fé e um único batismo e ter tirado deles a ido-
por um movimento de pêndulo ininterrupto, pode ser encontrada não ape-
nas em uma mesma época, mas em um mesmo autor. Cf., por exemplo,
Léry (1972) ou Buffon (1984). 5. Cf. especialmente Hans Staden, Véritable Histoire et Deseription
crua Pays Habité par das Horntnes Sauvages, Nus, Féroces et Anthropo-
4. 'Assim", escreve Lévi-Strauss (1961), 'Ocorrem curiosas situações •
onde dois interlocutores dão-se cruelmente a réplica. Nas Grandes Antilhas, phages, 1557, reed. Paris, A. M. Métailié, 1979.
alguns anos após a descoberta da América, enquanto os espanhóis envia- 6. Essa falta pode ser apreendida através de duas variantes: II não
têm, irremediavelmente, futuro e não temos realmente nada a esperar deles
vam comissões de inquérito para pesquisar se os indígenas possuíam ou (Ilegal); 2) é possível fazê-los evoluir. Pela ação missionaria (a partir do
não uma alma, estes empenhavam-se em imergir brancos prisioneiros a século XVI). Assim como pela ação administrativa (a partir do século
Fim de verificar, por uma observação demorada, se seus cadáveres eram
XIX).
ou não sujeitos à putrefação".

APRENDER ANTROPOLOGIA 43
PREHISTORIA DA ANTROPOLOGIA
42

I) De Pauw nos propõe suas reflexões sobre os índios


latria, os sacrifícios humanos, o canibalismo, a sodomia; da América do Norte. Sua convicção é a de que sobre estes
e ainda outras grandes e maus pecados, que nosso bom últimos a influência da natureza é total, ou mais precisa-
Deus detesta e que pune. Da mesma forma, tiramos mente negativa. Se essa raça inferior não tem história e está
deles a poligamia, vellw costume e prazer de todos para sempre condenada, por seu estado "degenerado", a
esses homens sensuais; mostramo-lhes o alfabeto sem o permanecer fora do movimento da História, a razão deve ser
qual os homens são como animais e o uso do ferro que
atribuída ao clima de uma extrema umidade:
é tão necessário ao homem. Também lhes mostramos
vários bons hábitos, artes, costumes policiados para po- "Deve existir, na organização dos americanos, uma
der melhor viver. Tudo isso — e até cada uma dessas causa qualquer que embrutece sua sensibilidade e seu
coisas — vale mais que as penas, as pérolas, o ouro espírito. A qualidade do clima, a grosseria de seus hu-
que tomamos deles, ainda mais porque não utilizavam
mores, o vício radical do sangue, a constituição de seu
esses metais como moeda". temperamento excessivamente fleumático podem ter di-
"As pessoas desse país, por sua natureza, são tão minuído o tom e o saracoteio dos nervos desses homens
ociosas, viciosas, de pouco trabalho, melancólicas, co- embrutecidos".
vardes, sujas, de má condição, mentirosas, de mole cons-
tância e firmeza (...). Nosso Senhor permitiu, para os Eles têm, prossegue Pauw, um "temperamento tão úmi-
grandes, abomináveis pecados dessas pessoas selvagens, do quanto o ar e a terra onde vegetam" e que explica que
rústicas e bestiais, que fossem atirados e banidos da eles não tenham nenhum desejo sexual. Em suma, são "infe-
superfície da Terra". lizes que suportam todo o peso da vida agreste na escuridão
das florestas, parecem mais animais do que vegetais". Após
escreve na mesma época (1555) Oviedo em sua História das a degenerescência ligada a um "vício de constituição física",
(ndias. Pauw chega à degradação moral. É a quinta parte do livro,
Opiniões desse tipo são inumeráveis, e passaram tran- cuja primeira seção é intitulada: "O gênio embrutecido dos
qüilamente para nossa época. No século XIX, Stanley, era Americanos".
seu livro dedicado à pesquisa de Livingstone, compara os
africanos aos "macacos de um jardim zoológico", e convi- "A insensibilidade, escreve nosso autor, é neles um
damos o leitor a ler ou reler Franz Fanon (1968), que nos vício de sua constituição alterada; eles são de uma pre-
lembra o que foi o discurso colonial dos franceses na Argélia. guiça imperdoável, não inventam nada, não empreen-
dem nada, e não estendem a esfera de sua concepção
Mais dois textos irão deter mais demoradamente nossa além do que vêem pusilânimes, covardes, irritados, sem
atenção, por nos parecerem muito reveladores desse pensa- nobreza de espírito, o desânimo e a falta absoluta da-
mento que faz do selvagem o inverso do civilizado. São as quilo que constitui o animal racional os tornam inúteis
Pesquisas sobre os Americanos ou Relatos Interessantes para para si mesmos e para a sociedade. Enfim, os califor-
servir à História da Espécie Humana, de Cornelius de Pauw, nianos vegetam mais do que vivem, e somos tentados a
publicado em 1774, e a famosa Introdução à Filosofia da recusar-lhes uma alma".
História, de Hegel.
APRENDER ANTROPOLOGIA 45
A PRNIIISTORIA DA ANTROPOLOGIA
44

Essa separação entre um estado de natureza concebido 2) Os julgamentos que acabamos de relatar — que
estão, notamos, em ruptura com a ideologia dominante do
por Pauw como irremediavelmente imutável, e o estado de século XVIII, da qual falaremos mais adiante, e em especial
civilização, pode ser visualizado num mapa-múndi. No século
com o Discurso sobre a Desigualdade, de. Rousseau, publi-
XVIII, a enciclopédia efetua, dois traçados: um longitudinal, cado vinte anos antes — por excessivos que sejam, apenas
que passa por Londres e Paris, situando de um lado a Euro- radicalizam idéias compartilhadas por muitas pessoas nessa
pa, a África e a Ásia, de outro a América, e um latitudinal época. Idéias que serão retomadas e expressas nos mesmos
dividindo o que se encontra ao norte e ao sul do equador. termos em 1830 por Hegel, o qual, em sua Introdução à
Mas, enquanto para Buffon, a proximidade ou o afastamento Filosofia da História, nos expõe o horror que ele ressente
da linha equatorial são explicativos não apenas da constitui- frente ao estado de natureza, que é o desses povos que jamais
ção física mas do moral dos povos, o autor das Pesquisas ascenderão 'a "história" e à "consciência de si".
Filosóficas sobre os Americanos escolhe claramente o critério Na leitura dessa Introdução, a América do Sul parece
latitudinal, fundamento aos seus olhos da distribuição da mais estúpida ainda do que a do Norte. A Ásia aparente-
população mundial, distribuição essa não cultural e sim na- mente não está muito melhor. Mas é a África, e, em especial,
tural da civilização e da barbárie: "A natureza tirou tudo a África profunda do interior, onde a civilização nessa época
de um hemisfério deste globo para dá-lo ao outro". "A dife- ainda não penetrou, que representa para o filósofo a forma
rença entre um hemisfério e o outro (o Antigo e o Novo mais nitidamente inferior entre todas nessa infra-humanidade:
Mundo) é total, tão grande quanto poderia ser e quanto po-
demos imaginá-la": de um lado, a humanidade, e de outro, "E o país do ouro, fechado sobre si mesmo, o país
da infância, que, além do dia e da história consciente,
a "estupidez na qual vegetam" esses seres indiferenciados:
está envolto na cor negra da noite".
"Igualmente bárbaros, vivendo igualmente da caça
Tudo, na África, é nitidamente visto sob o signo da
e da pesca, em países frios, estéreis, cobertos de flo-
falta absoluta: os "negros" não respeitam nada, nem mesmo
restas, que desproporção se queria imaginar entre eles?
eles próprios, já que comem carne humana e fazem comércio
Onde se sente as mesmas necessidades, onde os meios
da "carne" de seus próximos. Vivendo em uma ferocidade
•de satisfazê-los são os mesmos, onde as influências do bestial inconsciente de si mesma, em uma selvageria em
ar são tão semelhantes, é possível haver contradição nos
estado bruto, eles não têm moral, nem instituições sociais,
costumes ou variações nas idéias?" religião ou Estado.' Petrificados em uma desordem inexorá-
vel, nada, nem mesmo as forças da colonização, poderá nunca
Pauw responde, evidentemente, de forma negativa. Os preencher o fosso que os separa da História universal da
indígenas americanos vivem em um "estado • de embruteci-
humanidade. 4.

mento" geral. Tão degenerados uns quanto os outros, seria


em vão procurar entre eles variedades distintivas daquilo 8. "O fato de devorar homens corresponde ao princípio africano." Ou
que se pareceria com uma cultura e com uma história.' ainda: "São os seres mais atrozes que tenha no mundo, seu semelhante ê
para eles apenas uma carne como qualquer outra, suas guerras são ferozes
e sua religião pura superstição".
7. Sobre C. de Pauw, cf. os trabalhos de M. Duchet (1971, 1985). 6

APRENDER ANTROPOLOGIA 47
A PRERISTORIA DA ANTROPOLOGIA
46

estar presente, pelo menos em estado embrionário, na per-


Na descrição dessa africanidade estagnante da qual não
cepção que têm os primeiros viajantes. Américo Vespúcio
há absolutamente nada a esperar — e que ocupa rigorosa-
descobre a América:
mente em Hegel o lugar destinado à indianidade em Pauw
vai, vale a pena notar,
o autor da Fenomenologia do Espírito "As pessoas estão nuas, são bonitas, de pele escura,
mais longe que o autor das Pesquisas Filosóficas sobre os
de corpo elegante... Nenhum possui qualquer coisa que
Americanos. O "negro" nem mesmo se vê atribuir o estatuto seja, pois tudo é colocado em comum. E os homens to-
de vegetal. "Ele cai", escreve Hegel, "para o nível de uma
mam por mulheres aquelas que lhes agradam, sejam elas
coisa, de um objeto sem valor".
sua mãe, sua irmã, ou sua amiga, entre as quais eles não
fazem diferença... Eles vivem cinqüenta anos. E não
têm governo"
A FIGURA DO BOM SELVAGEM
E DO MAU CIVILIZADO
Cristóvão Colombo, aportando no Caribe, descobre, ele
A figura de uma natureza má na qual vegeta um selva- também o paraíso;
gem embrutecido é eminentemente suscetível de se transfor-
mar em seu oposto: a da boa natureza dispensando suas "Eles são muito mansos e ignorantes do que é o
benfeitorias à um selvagem feliz. Os termos da atribuição mal, eles não sabem se matar uns aos outros (...) Eu
permanecem, como veremos, rigorosamente idênticos, da mes- não penso que haja no mundo homens melhores, como
ma forma que o par constituído pelo sujeito do discurso também não há terra melhor".
(o civilizado) e seu objeto (o natural). Mas efetua-se dessa
vez a inversão daquilo que era apreendido como um vazio que
• Toda a reflexão de Léry e de Montaigne no século XVI
se torna um cheio (ou plenitude), daquilo que era apreendido sobre os "naturais" baseia-se sobre o tema da noção de cruel-
como um menos que se torna um mais. O caráter privativo dade respectiva de uns e outros, e, pela primeira vez, instau-
economia,
dessas sociedades sem escrita, sem tecnologia, sem ra-se uma crítica da civilização e um elogio da "ingenuidade
sacerdotes, sem po-
sem religião organizada, sem clero, sem original" do estado de natureza. Léry, entre os Tupinambás,
lícia, sem leis. sem Estado — acrescentar-se-á no século XX interroga-se sobre o que se passa "aquém", isto é, na Europa.
sem Complexo de Edipo — não constitui uma desvantagem. Ele escreve, a respeito de "nossos grandes usurários": "Eles
O selvagem não é quem pensamos. são mais cruéis do que os selvagens dos quais estou falando".
Evidentemente, essa representação concorrente (mas que E Montaigne, sobre esses últimos: "Podemos portanto de
consiste apenas em inverter a atribuição de significações e fato chamá-los de bárbaros quanto às regras da razão, mas
valores dentro de uma estrutura idêntica) permanece ainda não quanto a nós mesmos que os superamos em toda sorte
bastante rígida na época na qual o Ocidente descobre povos
de barbárie". Para o autor dos Ensaios, esse estado paradi-
ainda desconhecidos. A figura do bom selvagem só encon- síaco que teria sido o nosso outrora, talvez esteja conservado
trará sua formulação mais sistemática e mais radical dois em alguma parte. O huguenote que eu interroguei até o
séculos após o Renascimento: no rousseauísmo do século
encontrou.
XVIII. e, em seguida, no Romantismo. Não deixa porém de 7
APRENDER ANTROPOLOGIA 49
48 A PRÉ-HISTORIA DA ANTROPOLOGIA

Esse fascínio exercido pelo indígena americano, e em na filosofia — os pensadores das Lumières" —, mas tam-
especial por te Huron,9 protegido da civilização e que nos bém nos salões literários e nos teatros parisienses. Em 1721,
convida a reencontrar o universo caloroso da natureza, triun- é montado um espetáculo intitulado O Arlequim Selvagem.
fa nos séculos XVII e XVII.!. Nas primeiras Relações dos • O personagem de um Huron trazido para Paris declama no
jesuítas que se instalam entre os Hurons desde 1626 pode-se palco:
ler:
"Vocês são loucos, pois procuram com muito em-
"Eles são afáveis, liberais, moderados... Todos os penho uma infinidade de coisas inúteis; vocês são po-
nossos padres que freqüentaram os Selvagens conside- bres, pois limitam seus bens ao dinheiro, em vez de
ram que a vida se passa mais docemente entre eles do simplesmente gozar da criação, como nós, que não que-
que entre nós". Seu ideal: "viver em comum sem pro- remos nada a fim de desfrutar mais livremente de tudo".
cesso, contentar-se de pouco sem avareza, ser assíduo
no trabalho". É a época em que todos querem ver os lndes Galantes
que Rameau acabou de escrever, a época em que se exibem
Do lado dos livres-pensadores, é o mesmo grito de entu- nas feiras verdadeiros selvagens. Manifestações essas que
siasmo; La Hontan: constituem uma verdadeira acusação contra a civilização.
Depois, o fascínio pelos índios será substituído progressiva-
"Ah! Viva os Hurons que sem lei, sem prisões e mente, a partir do fim do século XVIII, pelo charme e prazer -
sem torturas passam a vida na doçura, na tranqüilidade, idílico que provoca o encanto das paisagens e dos habitantes
e gozam de uma felicidade desconhecida dos franceses". dos mares do sul, dos arquipélagos polinésios, em especial
Samoa, as ilhas Marquises, a ilha de Páscoa, e sobretudo
Essa admiração não é compartilhada apenas pelos nave- Taiti. Aqui está, por exemplo, o que escreve Bougainville
gadores estupefatos.' O selvagem ingressa progressivamente em sua Viagem ao Redor do Mundo (reed. 1980):

9. Um dos primeiros textos sobre os Hurons é publicado em 1632: Le "Seja dia ou noite, as casas estão abertas. Cada um
Grand Voyage ciu Pa» des Hurons, de Gabriel Sagard. A seguir temos: colhe as frutas na primeira árvore que encontra, ou na
em 17.03, Le Supplement aux Voyages du liaron de La Hontan oà l'on
Trouire des Dialogues Curieux entre 1'Am/eus et un Sauvage; em 1744,
casa onde entra... Aqui um doce ócio é compartilhado.
Moeurs dez Sauvages Américains, de Lafitau; em 1767. L'Ingénu, de Vol- pelas mulheres, e o empenho em agradar é sua mais
taire... preciosa ocupação... Quase todas aquelas ninfas esta-
Notemos que de cada população encontrada nasce um estereótipo. Se
o discurso europeu sobre os Astecas e os Zulus faz, na maior parte das
vam nuas... As mulheres pareciam não querer aquilo
vezes, referência à crueldade, o discurso sobre os Esquimós a sua hospita- que elas mais desejavam... Tudo lembra a cada ins-
lidade, estes últimos não hesitando em oferecer suas mulheres como tante as doçuras do amor, tudo incita ao abandono".
presente, a imagem da bondade inocente é sem dúvida predominante em
grande parte na literatura sobre os índios.
1 1. Condillac escreve: 'Nós que nos consideramos instruidos, precisa-
10.No século XVIII, um marinheiro francês escreve em seu diário de
viagem: 'A inocência e a tranqüilidade está entre eles, desconhecem o ríamos ir entre os povos mais ignorantes, para aprender destes o começo
orgulho e a avareza e não trocariam essa vida e seu país por qualquer de nossas descobertas: pois é sobretudo desse começo que precisaríamos:
coisa no mundo' (comentários relatados por 1. P. Duviols, 1978). ignoramo-lo porque deixamos há tempo de ser os discípulos da natureza".
APRENDER ANTROPOLOGIA 5r1
50 A PRÉ-HISTORIA DA ANTROPOLOGIA

"Um dos refúgios fora dessa prisão mecânica da


Todos os discursos que acabamos de citar, e especial-
cultura é o estudo das formas primitivas da vida hu-
mente, os que exaltam a doçura das sociedades "selvagens",
mana, tais como existem ainda nas sociedades longín-
e, correlativamente fustigam tudo que pertence ao Ocidente
quas do globo. A antropologia, para mim, pelo menos,
ainda são atuais. Se não o fossem, não nos seriam direta-
era uma fuga romântica para longe de nossa cultura
mente acessíveis, não nos tocariam mais nada. Ora, é preci-
samente a esse imaginário da viagem, a esse desejo de fazer uniformizada".
existir em um "alhures" uma sociedade de prazer e de sau-
Ora, essa "nostalgia do neolítico", de que fala Alfred
dade, em suma, uma humanidade convivial cuias virtudes
Métraux e que esteve na origem de sua própria vocação de
se estendam à magnificência da fauna e da flora (Chateau-
etnólogo, é encontrada em muitos autores, especialmente nas
briand, Segalen, Conrad, Melville...), que a etnologia deve
descrições de populações preservadas do contato corruptor
grande parte de seu sucesso com o público.
com o mundo moderno, vivendo na harmonia e na transpa-
O tema desses povos que podem eventualmente nos rência. O qualificativo que fez sucesso para designar o estado
ensinar a viver e dar ao Ocidente mortífero lições de gran- dessas sociedades, que são caracterizadas pela riqueza das
deza, como acabamos de ver, não é novidade. Mas grande trocas simbólicas, foi certamente o de "autêntico" (oposto à
parte do público está infinitamente mais disponível agora do alienação das sociedades industriais adiantadas), termo pro-
que antes para se deixar persuadir que às sociedades cons- posto por Sapir em 1925, e que é erroneamente atribuído
trangedoras da abstração, do cálculo e da impessoalidade das a Lévi-Strauss.
relações humanas, opõem-se sociedades de solidariedade co-
munitária, abrigadas na suntuosidade de uma natureza ge-
nerosa. A decepção ligada aos "benefícios" do progresso (nos
quais muitos entre nós acreditam cada vez menos) bem como A imagem que o ocidental se fez da alteridade (e corre-
a solidão e o anonimato do nosso ambiente de vida, fazem lativamente de si mesmo) não parou, portanto, de oscilar
com que parte de nossos sonhos só aspirem a se projetar entre os pólos de um verdadeiro movimento pendular. Pen-
nesses paraíso (perdido) dos trópicos ou dos mares do Sul, sou-se alternadamente que o selvagem:
que o Ocidente teria substituído pelo inferno da sociedade • era um monstro, um "animal com figura humana"
tecnológica. (Léry), a meio caminho entre a animalidade e a humanidade
mas também que os monstros éramos nós, sendo que ele
Mas convém, a meu ver, ir mais longe. O etnólogo, tinha lições de humanidade a nos dar;
como o militar, é recrutado no civil. Ele compartilha com
• levava uma existência infeliz e miserável, ou, pelo
os que pertencem a mesma cultura que a sua, as mesmas .
contrário, vivia num estado de beatitude, adquirindo sem
insatisfações,' angústias, desejos. Se essa busca do Último dos
esforços os produtos maravilhosos da natureza, enquanto que
Moicanos, essa etnologia do selvagem do tipo "vento dos o Ocidente era, por sua vez, obrigado a assumir as duras
coqueiros" (que é na realidade uma etnologia selvagem) con-
tarefas da indústria;
tribui para a popularidade de nossa disciplina, ela está pre-
sente nas motivações dos próprios etnólogos. Malinowski • era trabalhador e corajoso, ou essencialmente pre-
terá a franqueza de escrever e será muito criticado por isso: guiçoso;
A PRÉ-HISTORIA DA ANTROPOLOGIA
APRENDER ANTROPOLOGIA 53
52

• não tinha alma e não acreditava em nenhum deus, fico, como acabamos de observar, ainda no final do século
ou era profundamente religioso; XX. Não basta viajar e surpreender-se com o que se vê para
• vivia num eterno pavor do sobrenatural, ou, ao in- tornar-se etnólogo (não basta mesmo ter numerosos anos de
verso, na paz e na harmonia;. "campo", como se diz hoje). Porém, numerosos viajantes
• era um anarquista sempre pronto a massacrar seus nessa época colocam problemas (o que não significa uma
semelhantes, ou um comunista decidido a tudo compartilhar, problemática) aos quais será necessariamente confrontado
até e inclusive suas próprias mulheres; qualquer antropólogo. Eles abrem o caminho daquilo que
• era admiravelmente bonito, ou feio; laboriosamente irá se tornar a etnologia. Jean de Léry, entre
os indígenas brasileiros, pergunta-se: é preciso rejeitá-los fora
• era movido por uma impulsividade criminalmente
congênita quando era legítimo temer, ou devia ser conside- da humanidade? Considerá-los como virtualidades de cris-
rado como uma criança precisando de proteção; tãos? Ou questionar a visão que temos da própria humani-
dade, isto é, reconhecer que a cultura é plural? Através de
• era um embrutecido sexual levando uma vida de
orgia e devassidão permanente, ou, pelo contrário, um ser muitas contradições (a oscilação permanente entre a conver-
são e o olhar, os objetivos teológicos e os que poderíamos
preso, obedecendo estritamente aos tabus e às proibições de
chamar de etnográficos, o ponto de vista normativo e o ponto
seu grupo;
de vista narrativo), o autor da Viagem não tem resposta.
• era atrasado, estúpido e de uma simplicidade brutal, Mas as questões (e para o que nos interessa aqui, mas espe-
ou profundamente virtuoso e eminentemente complexo; cificamente a última) estão no elitanto implicitamente colo-
• era um animal, um "vegetal" (de Pauw), uma "coi- cadas. Montaigne (hoje às vezes criticado), mesmo se o que
sa", um "objeto sem valor" (Hegel), ou participava, pelo
o preocupa é menos a humanidade dos índios do que a inu-
contrário, de uma humanidade da qual tinha tudo como manidade dos europeus, seguindo nisso Léry que transporta
aprender. para o "Novo Mundo" os conflitos do antigo, começa a
Tais são as diferentes construções em presença (nas introduzir a dúvida no edifício do pensamento europeu. Ele
quais a repulsão se transforma rapidamente em fascínio) testemunha o desmoronamento possível deste pensamento,
dessa alteridade fantasmática que não tem muita relação com menos inclusive ao pronunciar a condenação da civilização
a realidade. O outro — o índio, o taitiano, mas recente- do que ao considerar que a "selvageria" não é nem inferior
mente o basco ou o bretão — é simplesmente utilizado como nem superior, c sim diferente.
suporte de um imaginário cujo lugar de referência nunca é Assim, essa época, muito timidamente, é verdade, e por
a América. Taiti, o País Basco ou a Bretanha. São objetos- alguns apenas de seus espíritos os menos ortodoxos, a partir
pretextos que podem ser mobilizados tanto com vistas à explo- da observação direta de um objeto distante (Léry) e da re-
ração econômica, quanto ao militarismo político, à conver-
flexão a distância sobre este objeto (Montaigne), permite
são religiosa ou à emoção estética. Mas, em todos os casos,
a constituição progressiva, não de um saber antropológico,
o outro não é considerado para si mesmo. Mal se olha para muito menos de uma ciência antropológica, mas sim de um
ele. Olha-se a si mesmo nele. saber pré-antropológico.
Voltemos ao nosso ponto de partida: o Renascimento.
Seria em vão, talvez anacrônico, descobrir nele o que pode-
ria aparentar-se a um pensamento etnológico, tão problema-
.10

APRENDER ANTROPOLOGIA 55

"Antes do final do século XVIII", escreve Fou-


cault, "o homem não existia. Como também o poder
da vida, a fecundidade do trabalho ou a densidade his-
tórica da linguagem. Ë uma criatura muito recente que
o demiurgo do saber fabricou com suas próprias mãos,
há menos de duzentos anos (...) Uma coisa em todo
caso é certa, o homem não é o mais antigo problema,
nem o mais constante que tenha sido colocado ao saber
2. O SÉCULO XVIII: humano. O homem é uma invenção e a arqueologia de
a invenção do conceito de homem nosso pensamento mostra o quanto é recente. E", acres-
centa Foucault no final de As Palavras e as Coisas,
"quão próximo talvez seja o seu fim".

O projeto antropológico (e não a realização da antro-


Se durante o Renascimento esboçou-se, com a explo- pologia como a entendemos hoje) supõe:
co-
ração geográfica de continentes desconhecidos, a primeira 11 a construção de um certo número de conceitos,
interrogação sobre a existência múltipla do homem, essa meçando pelo próprio conceito de homem, não apenas en-
interrogação fechou-se muito rapidamente no século seguin- quanto sujeito, mas enquanto objeto do saber; abordagem
te, no qual a evidência do cogito, fundador da ordem do totalmente inédita, já que consiste em introduzir dualidade
pensamento clássico, exclui da razão o louco, a criança, o característica das ciências exatas (o sujeito observante e o
objeto observado) no coração do próprio homem;
selvagem, enquanto figuras da anormalidade.
Será preciso esperar o sécule XVIII para que se cons- 2) a constituição de um saber que não seja apenas de
reflexão, e sim de observação, isto é, de um novo modo de
titua o projeto de fundar uma ciência do homem, isto é, acesso ao homem, que passa a ser considerado em sua
de um saber não mais exclusivamente especulaivo, e sim existência concreta, envolvida nas determinaçõeS. de seu orga-
positivo sobre o homem. Enquanto encontramos no século nismo, de suas relações de produção, de sua linguagem, de
XVI . elementos que permitem compreender a pré-história da suas instituições, de seus comportamentos. Assim começa a .
constituição dessa positividade de um saber empírico
antropologia, enquanto o século XVII (cujos discursos não (e não
nos são mais diretamente acessíveis hoje) interrompe nitida- mais transcendental) sobre o homem enquanto ser vivo (bio-
mente essa evolução, apenas no século XVIII é que entramos logia), que trabalha (economia), pensa (psicologia) e fala
(lingüística)... Montesquieu, em O Espírito das Leis
(1748),
verdadeiramente, como mostrou Michel Foucault (1966), na
modernidade. Apenas nessa época, e não antes, é que se pode ao mostrar a relação de interdependência que é a dos yenõ-
apreender as condições históricas, culturais e epistemológi- menos sociais, abriu o caminho para Saint-Simon que foi
cas de possibilidade daquilo que vai se tornar a antropologia. o primeiro (no século seguinte) a falar em uma "ciência da
sociedade". Da mesma forma, antes dessa época, a lingua-
gem, quando tomada em consideração, era objeto de filoso-
-11

56 O SECULO XVIII APRENDER ANTROPOLOGIA 57

fia ou exegese. Tornou-se paulatinamente (com de Brosses, 4) um método de observação e análise: o método indu-
Rousseau) o objeto específico ,de um saber científico (ou, tivo. Os grupos sociais (que começam a ser comparados a
pelo menos, de vocação científica); organismos vivos, podem ser considerados como sistemas
3) uma problemática essencial: a da diferença. Rom- "naturais" que devem ser estudados empiricamente, a partir
pendo com a convicção de uma transparência imediata do da observação de fatos, a fim de extrair princípios gerais,
cogito, coloca-se pela primeira vez no século XVIII a ques- que hoje chamaríamos de leis.
tão da relação ao impensado, bem como a dos possíveis • Esse naturalismo, que consiste numa emancipação defi-
processos de reapropriação dos nossos condicionamentos fi- nitiva em relação ao pensamento teológico, impõe-se em
siológicos, das nossas relações de produção, dos nossos sis- especial na Inglaterra,' com Adam Smith e, antes dele, David
tema de organização social. Assim, inicia-se uma ruptura Hume, que escreve em 1739 seu Tratado sobre a Natureza
com o pensamento do mesmo, e a constituição da idéia de Humana, cujo título completo é: "Tratado sobre a natureza
que a linguagem nos precede, pois somos antes exteriores Humana: tentativa de introdução de um método experimen-
a ela. Ora, tais reflexões sobre os limites do saber, assim tal de raciocínio para o estudo de assuntos de moral". Os
como sobre as relações de sentido e poder (que anunciam filósofos ingleses colocam as premissas de todas as pesquisas
o fim da metafísica) eram inimagináveis antes. A sociedade que procurarão fundar, no século XVIII, uma moral natu-
do século XVIII vive uma crise da identidade do humanis- ral", um "direito natural", ou ainda uma "religião natural".
mo e da consciência européia. Parte de suas elites busca
suas referências em um confronto com o distante. * * *
Em 1724, ao publicar Os Costumes dos Selvagens Ame-
ricanos Comparados aos Costumes dos Primeiros Tempos, Esse projeto de um conhecimento positivo do homem
Lafitau se dá por objetivo o de fundar uma "ciência dos — isto é, de um estudo de sua existência empírica conside-
costumes e hábitos", que, além da contingência dos fatos rada por sua vez como objeto do saber — constitui um
particulares, poderá servir de comparação entre várias for- evento considerável na história da humanidade. Um evento
mas de humanidade. Em 1801, Jean Itard escreve Da Edu- que se deu no Ocidente no século XVIII, que, evidentemen-
cação do Jovem Selvagem do Aveyron. Ele se interroga sobre te, não ocorreu da noite para o dia, mas que terminou im-
a comum humanidade à qual pertencem o homem da civili- pondo-se já que se tornou definitivamente constitutivo da
zação:em que nos transportamos e o homem da natureza, modernidade na qual, a partir dessa época, entramos. A fim
a criança-lobo.' Mas foi Rousseau quem traçou, em seu Dis- de avaliar melhor a natureza dessa verdadeira revolução do
curso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade, o pensamento — que instaura uma ruptura tanto com o "huma-
programa que se tornará o da etnologia clássica, no seu nismo" do Renascimento como com o "racionalismo" do sé-
campo temático' tanto quanto na sua abordagem: a indução culo clássico —, examinemos de mais perto o que mudou
de que falaremos agora; radicalmente desde o século XVI.

3. A precocidade e preeminência, no pensamento inglês, do empirismo


I. Cf. o filme de François Truffaut, L'Enlant Sauvage (1970), e o livro
em relação ao pensamento francês, caracterizado antes pelo racionalismo
de Lucien Malson que lhe serviu de base. "
(e idealismo), podem a meu ver explicar em parte o crescimento rápido
2. Rousseau estabelece a lista das regiões devedoras de viagens 'filosó-
(no começo do século XX) da antropologia britânica e o atraso da antro-
ficas": o mundo inteiro menos a Europa ocidental. pologia francesa.
APRENDER ANTROPOLOGIA 59
O SÉCULO XVIII
58
Finalmente, é no século XVIII que se forma o par do
1) Trata-se em primeiro lugar da natureza dos objetos viajante e do filósofo: o viajante: Bougainville, Maupertuis,
observados. Os relatos dos viajantes dos séculos XVI e XVII La Condamine, Cook, La Pérouse..., realizando o que é
pesquisa
eram mais uma busca cosmográfica do que uma chamado na época de "viagens filosóficas", precursoras das
etnográfica. Afora algumas incursões tímidas para área das nossas missões científicas contemporâneas; o filósofo Buf fon,
"inclinações" e dos "costumes",4 o objeto de observação, Voltaire, Rousseau, Diderot (cf. em especial o seu Suple-
nessa época era mais o céu, a terra, a fauna e a flora, do mento à Viagem de Bougainville) "esclarecendo" com suas
que o homem em si, e, quando se tratava deste, era essencial- reflexões as observações trazidas pelo viajante.
mente o homem físico que era tomado em consideração. Ora, Mas esse par não tem realmente nada de idílico. Que
o século XVIII traça o primeiro esboço daquilo que se tor- pena, pensa Rousseau, que os viajantes não sejam filósofos!
nará uma antropologia social e cultural, constituindo-se in- Bougainville retruca (em 1771 em sua Viagem ao Redor do
clusive, ao mesmo tempo, tomando como modelo a antropo-
logia física, e instaurando uma ruptura do monopólio desta Mundo): que pena que Os filósofos não sejam viajantes!'
Para o primeiro, bem como para todos os filósofos natura-
(especialmente na França). listas do século das luzes, se é essencial observar, é preciso
2) Simultaneamente, o destaque se desloca pouco a ainda que a observação seja esclarecida. Uma prioridade
pouco do objeto de estudo para
a atividade epistemológica, é portanto conferida ao observador, sujeito que, para apreen-
Os viajantes dos
que se torna cada vez mais organizada. der corretamente seu objeto, deve possuir um certo número
séculos XVI e XVII coletavam "curiosidades". Espíritos de qualidades. E é assim que se constitui, na passagem do
curiosos reuniam coleções que iam formar os famosos "ga- século XVIII para o século XIX, a Sociedade dos Obser-
binetes de curiosidades", ancestrais dos nossos museus con- vadores do Homem (1799-1805), formada pelos então cha-
temporâneos. No século XVIII, a questão é: como coletar? mados "ideólogos", que são moralistas, filósofos, naturalis-
E como dominar em seguida o que foi coletado? Com a
tas, médicos que definem muito claramente o que deve ser
História Geral das Viagens, do padre Prévost (1746), pas-
sa-se da coleta dos materiais para a coleção das coletas. Não o campo da nova área de saber (o homem nos seus aspectos
basta mais observar, é preciso processar a observação. Não
6. Rousseau: 'Suponhamos um Montesquieu, um Buffon, um Didcrot,
basta mais interpretar o que é observado, é preciso interpre- um d'Alembert, um Condillac, ou homens de igual capacidade, viajando
tar Interpretações? E é desse desdobramento, isto é, desse para instruir seus compatriotas, observando como sabem fazê-lo a Turquia,
o Egito, a Barbária... Suponhamos que esses novos Hércules, de volta
discurso, que vai justamente brotar uma atividade de orga- de suas andanças memoráveis, fizessem a seguir a história natural, moral
nização e elaboração. Em 1789, Chavane, o primeiro, dará e política do que teriam visto, veríamos nascer de seus escritos um mundo
novo, e aprenderíamos assim a conhecer o nosso...'..
a essa atividade um nome. Ele a chamará: a etnologia.
Bougainville: 'Sou viajante e marinheiro, isto é, um mentiroso e um
imbecil aos olhos dessa classe de escritores preguiçosos e soberbos que,
na sombra de seu gabinete, filosofam sem fim sobre o mundo e seus' habi-
tantes, e submetem imperiosamente a natureza a suas imaginações. Modos
L'Histoire Naturelle et Morale des Iodes, de Acosta bastante singulares e inconcebíveis da parte de pessoas que, não tendo
4. Cf. em especial observado nada por si próprias, só escrevem e dogmatizam a partir de
(1591), ou o questionário que Beauvilliers envia aos intendentes em 1697
no observações tomadas desses mesmos viajantes aos quais recusam a facul-
para obter informações sobre o estado das mentalidades populares
reino.
dade de ver e pensar'- 43
5. Cf. sobre isso G. Leclerc, 1979.

APRENDER ANTROPOLOGIA 61
O SÉCULO XVIII
60

físicos, psíquicos, sociais, culturais) e quais devem ser suas Mais especificamente, o obstáculo maior ao advento de uma
exigências epistemológicas. antropologia científica, no sentido no qual a entendemos
hoje, está ligado, ao meu ver, a dois motivos essenciais.
As Considerações sobre os Diversos Métodos a Seguir
na Observação dos Povos Selvagens, de De Gerando (1800) 1) A distinção entre o saber científico e o saber filo-
são, quanto a isso, exemplares. Primeira metodologia da sófico, mesmo sendo abordada, não é de forma alguma rea-
viagem, destinada aos pesquisadores de uma missão nas lizada. Evidentemente, o conceito da unidade e universali-
"Terras Austrais", esse texto é uma crítica da observação dade do homem, que é pela primeira vez claramente afir-
selvagem do selvagem, que procura orientar o olhar do mado, coloca as condições de produção de um novo saber
observador. O cientista naturalista deve ser •ele próprio tes- sobre o homem. Mas não leva ipso facto à constituição de
temunha ocular do que observa, pois a nova ciência — qua- um saber positivo. No final do século XVIII, o homem
lificada de "ciência do homem" ou "ciência natural" — é interroga-se: sobre a natureza, mas não há biologia ainda
uma "ciência de observação" devendo o observador partici- (será preciso esperar Cuvier); sobre a produção e reparti-
par da própria existência dos grupos sociais observados.' tição das riquezas, mas ainda não se trata de economia
Porém, o projeto de De Gerando não foi aplicado por (Ricardo); sobre seu discurso mas isso não basta para ela-
aqueles a que se destinava diretamente, e não será, por borar uma filosofia (Bopp), muito menos uma lingüística.'
muito tempo ainda, levado em conta!' Se esse programa que O conceito de homem tal como é utilizado no "século
consiste em ligar uma reflexão organizada a uma observação das luzes" permanece ainda muito abstrato, isto é, rigorosa-
sistemática, não apenas do homem físico, mas também do mente filosófico. Estamos na impossibilidade de imaginar
homem social e cultural, não pôde ser realizado, é porque o que consideramos hoje como as próprias condições episte-
a época ainda não o permitia. O final do século XVIII teve mológicas da pesquisa antropológica. De fato, para esta, o
um papel essencial na elaboração dos fundamentos de uma objeto de observação não é o "homem", e sim indivíduos
"ciência humana". Não podia ir mais longe, e não podería- que pertencem a uma época e a uma cultura, e o sujeito
mos creditá-lo aquilo que só será possível um século depois. que observa não é de forma alguma o sujeito da antropolo-
gia filosófica, e sim um outro indivíduo que pertence ele
7. Estamos longe de Montaigne, que se contenta em acreditar nas pa- próprio a uma época e a uma cultura.
lavras de 'um homem simples e rude", um huguenote que esteve no Brasil,
a respeito dos índios entre os quais esteve.
8: Os cientistas da expedição conduzida por Bodin não eram de forma 9. A antropologia contemporânea me parece, pessoalmente. dividida
alguma etnógrafos, e sim médicos, zoólogos, minerálogos, e os objetos entre uma homenagem a esses pais fundadores que são os filósofos do
etnográficos que recolheram não foram sequer depositados no Museu de século XVIII (Lévi-Strauss, por exemplo, considera que- o Discours sus'
História Natural de Paris, e sim dispersados em coleções particulares. O !'Origine de l'Inégalité de Rousseau é "o primeiro tratado de etnologia
próprio Gerando, "observador dos povos selvagens" em 1800, torna-se geral") e um assassínio ritual consistindo na reatualização de urna ruptura
"visitante dos pobres" em 1824. O que mostra a prontidão de uma passa- com um projeto que permanece filosófico, enquanto que a ciência exirge
gem possível entre o estudo dos indígenas e a ajuda aos indigentes, mas a constituição de um saber positivo e especializado. Mas neste segundo
sobretudo, nessa época, uma certa ausência de distinção entre a antropo- caso, a positividade, não mais do saber, e sim de saberes que, muito rapi-
logia principiante e a "filantropia". damente (a partir do século XIX), se rompem parcelam, formando o
Notemos .finalmente que, publicado em 1800, o mémoire de Gerando que Foucault chama de 'ontologias regionais" constituindo-se em torno dos
só foi reeditado na França em 1883. E o primeiro museu etnográfico da territórios da vida (biologia), do trabalho (economia), da linguagem (lin-
França foi fundado apenas cinco anos antes (em Paris, no Trocadero). giiística), é evidentemente problemática para o antropólogo, que não pode
sendo depois substituído pelo atual Museu do Homem. resignar-se a trabalhar em uma área setorizada.
o SZCULO XVIII
62

2) O discurso antropológico do século XVIII é inse-


parável do discurso histórico desse período, isto é, de sua
concepção de uma história natural, liberada da teologia e
animando a marcha das sociçdades no caminho de um pro-
gresso universal. Restará um passo considerável a ser dado
para que a antropologia se emancipe deste pensamento e
conquiste finalmente sua autonomia. Paradoxalmente, esse
passo será dado no século XIX (em especial com Morgan)
a partir de uma abordagem igualmente e até, talvez, mais 3. O TEMPO DOS PIONEIROS:
marcadamente historicista: o evolucionismo. E o que vere-
os pesquisadores-eruditos do século XIX
mos a seguir.

O século XVI descobre e explora espaços até então


desconhecidos e tem um discurso selvagem sobre os habitan-
tes que povoam esses espaços. Após um parêntese no século
XVII, esse discurso se organiza no século XVIII: ele é
"iluminado" à luz dos filósofos, e a viagem se torna "via-
gem filosófica". Mas a primeira — a grande — tentativa
de unificação, isto é, de instauração de redes entre esses
espaços, e de reconstituição de temporalidades é incontesta-
velmente obra do século XIX. Esse século XIX, hoje tão
desacreditado, realiza o que antes eram apenas empreendi-
mentos programáticos. Dessa vez, é a época durante a qual
se constitui verdadeiramente a antropologia enquanto disci-
plina autônoma: a ciência das sociedades primitivas em
todas as suas dimensões (biológica, técnica, econômica, po-
lítica, religiosa, lingüística, psicológica...) enquanto que,
notamo-lo, em se tratando da nossa sociedade, essas pers-
pectivas estão se tornando individualmente disciplinas'parti-
culares cada vez mais especializadas.
Com a revolução industrial inglesa e a revolução polí-
tica francesa, percebe-se que a sociedade mudou e nunca 15-
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