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TEORIAS ANTROPOLÓGICAS

CLÁSSICAS

Profª Thalita Macena
Fichamento da Unidade 1
FORMAÇÃO DA ANTROPOLOGIA,
CONTEXTO SOCIAL E COLONIALISMO


PRÉ-HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA
Desde o período inicial das grandes embarcações (século XVI) motivadas por seus interesses
geopolíticos, a Europa enviou navegantes, exploradores, militares, comerciantes, dentre outros, em
travessias transatlânticas. Esses sujeitos passaram a escrever registros escritos a respeito dessa nova
realidade que estavam conhecendo. Obviamente esses escritos eram feitos a partir de um modo muito
particular, a visão de mundo europeia vigente naquele momento. Nesse contexto começam a ser cada
vez mais frequentes as chamadas “cartas” dos viajantes, registros esses que continham descrições a
respeito do território que estavam desbravando com intenções de exploração, bem como os hábitos e
costumes de seus habitantes. Esses registros eram repletos de impressões pessoais e julgamentos
morais desses viajantes a respeito dos povos e cultura do continente que mais tarde veio a ser
conhecido como América. 

É necessário um olhar atento e extremamente crítico, pois durante esse período inicial da escrita dos
registros, eles eram impregnados por questões que atualmente não fazem parte de nosso modo de
atuar enquanto antropólogos. Começando pelo fato de que atualmente compreendemos a diversidade
de pessoas e culturas, assim como valorizamos essas diferenças. Outrora, valores de uma cultura
(europeia) se sobrepunham às demais culturas, originando julgamentos morais e hierarquias sociais
entre sujeitos e territórios diferentes que não existiam na realidade. Nós apenas conseguimos corrigir
os erros do passado ou mesmo reduzir seus danos e pensar criticamente nossas práticas
antropológicas quando ampliamos nossos horizontes e almejamos uma pesquisa e prática
antropológicas consciente dos erros do passado e disposta a repensar o fazer antropológico. PG 4
2 PRIMEIROS PASSOS:
ANTROPOLOGIA E OBSERVAÇÃO

 Olhem que interessante, em todos os espaços da
experiência humana a antropologia está presente. É
possível realizar uma observação antropológica e produzir
um trabalho etnográfico a respeito de absolutamente todos
os lugares, pessoas e situações sociais que se dispõem no
mundo. 
 Em nossa área de atuação existe uma infinidade de
possibilidades para o desenvolvimento de pesquisas,
prestação de consultorias e demais fornecimento de
serviços a partir de nossa formação em antropologia!
 PG 5
2 PRIMEIROS PASSOS:
ANTROPOLOGIA E OBSERVAÇÃO

 Em nosso ofício, na maior parte do tempo, articulamos técnicas
de observação e registro, atreladas a discussões teóricas e
questões práticas observadas durante nosso trabalho de campo.
Inclusive, essas ferramentas metodológicas, a cada dia, têm se
expandido e sofisticado cada vez mais com o passar do tempo.
 Ao longo dos anos, é possível ver antropólogos trabalhando em
diversos segmentos de atuação profissional, produzindo
materiais da mais alta relevância técnica e intelectual, situações
que, no período clássico de nossa disciplina, eram sem sombra de
dúvidas impensáveis. Com a evolução das tecnologias e avanços
sociais, nossa disciplina também evoluiu consideravelmente.
 PG 5
2 PRIMEIROS PASSOS:
ANTROPOLOGIA E OBSERVAÇÃO

 Todavia, é muito importante que tenhamos claro o fato de que a antropologia que dispomos
atualmente não é a mesma daquela de seu período de fundação. Nossa disciplina sofreu
uma série de mudanças ao longo da história. Assim como segue transformando-se até os
dias de hoje. Durante o momento que se acordou chamar de período “pré-antropológico”
(século XVI) a antropologia nem mesmo era considerada uma ciência (LAPLANTINE, 2003).
Nessa ocasião, as análises e registros que hoje entendemos como tendo caráter
antropológico, eram originalmente produzidas a partir de relatos de viajantes das mais
diferentes profissões e ocupações.

 Entre esses viajantes, encontravam-se missionários, comerciantes, administradores,


militares, viajantes, exploradores, indivíduos que atravessaram os oceanos e traziam em
suas bagagens, temperos, iguarias, ouro, pedras preciosas, entre outras coisas, assim como
muitos registros daquilo que presenciaram durante suas viagens (acadêmico, você
conhecerá melhor esse contexto dos viajantes no Tópico 2 desta unidade). No entanto,
durante esse período, a antropologia ainda não era reconhecida como tendo um caráter
científico, para estabelecer-se enquanto área do conhecimento foi necessário algum tempo.
 PG 6
2 PRIMEIROS PASSOS:
ANTROPOLOGIA E OBSERVAÇÃO

 Segundo Laplantine (2003), o costume de observar nasceu
juntamente com a própria humanidade, desde que o
homem existe, ele observa a si e ao outro. Tal prática
sucedeu e segue repetindo-se desde os tempos mais
longínquos até os dias atuais. Não existe comunidade ou
continente em que os indivíduos não carregam consigo
esse costume rotineiro que está na capacidade e prática
cotidiana de observar. Seja nas Américas, Europa, África,
Ásia ou Oceania a observação é inerente aos indivíduos.
 PG 7
FIGURA 1 – OBSERVAÇÃO,
PRÁTICA ANTROPOLÓGICA

2 PRIMEIROS PASSOS:
ANTROPOLOGIA E OBSERVAÇÃO

 Ao longo do tempo, nossa disciplina conquistou uma
amplitude considerável em termos de investigação
antropológica e relevância social (LARAIA, 2001).
 PG 7
2.1 O “EU” E O “OUTRO” NA
ANTROPOLOGIA

 O homem estabelece uma nova relação com a ciência. Uma vez que,
até pouco antes do final do século XVIII, o sujeito pensante limitava-
se a produzir conhecimento científico a respeito do mundo a sua
volta, como se fosse ele o centro do mundo e tudo o que estivesse
disposto no universo existisse para servir a seus interesses e
necessidades. O indivíduo não levava sua própria existência
enquanto mais uma das tantas vidas disposta no mundo, muito
menos que sua existência também era passível de ser compreendida
enquanto objeto da ciência. Você deve, agora, se perguntar: como
assim? Isso mesmo, o homem estudava absolutamente tudo que
existia no mundo, menos as razões, dinâmicas e questões de sua
própria existência.
 PG 8
2.1 O “EU” E O “OUTRO” NA
ANTROPOLOGIA

 Foi apenas a partir do começo do século XIX que o homem passou a conceber a si próprio
também enquanto objeto de conhecimento, ou seja, uma vida que também poderia e
deveria ser observada, analisada e refletida cientificamente. Desse modo, o homem passou
a aplicar e fazer valer em sua própria existência, os métodos de análises que antes tinham
seu uso limitado ao universo de conhecimento da física e biologia (LAPLANTINE, 2003).

 A partir de então é oficialmente inaugurada a história do pensamento do homem sobre o


próprio homem. Esse acontecimento impactou fortemente o meio cientifico de modo geral,
sua relevância repercute até mesmo atualmente. Esse modo de conceber a própria vida
enquanto objeto da ciência gerou efeitos na própria experiência humana no mundo. Nesse
momento da história, saímos de uma posição consolidada de sujeitos exclusivos de
conhecimento e passamos a conceber nossa própria existência enquanto objetos da ciência.
Sem sombra de dúvidas, esse é um dos acontecimentos de maior relevância na história, a
vida humana passa a ser tema de investigação científica. Absolutamente tudo que diz
respeito ao sujeito se torna passível de reflexão!
 PG 8
2.1 O “EU” E O “OUTRO” NA
ANTROPOLOGIA

 É muito importante ressaltar que, neste momento inicial, quando o homem passa a
pesquisar sobre as questões que envolvem a humanidade em sim, ele o faz de um modo
muito particular. As práticas de pesquisa a respeito de sua existência em termos
antropológicos se distinguem imensamente em relação ao modo como concebemos a
análise antropológica contemporaneamente. Para começar, essas pesquisas eram feitas
entre diferentes culturas. Isso mesmo, inicialmente, o homem, ressalta-se, homem branco
europeu hegemônico, se dedicava a tomar como objeto da ciência os homens pertencentes
a outros territórios, consequentemente tomando seus valores como base de análise de suas
pesquisas. Estabelecendo, assim, uma separação pontual que diferenciava o sujeito
“observador” (aquele que se considerava detentor do conhecimento e da legitimidade de
seu uso) daquele que seria o sujeito “observado” (sujeito tomado como menos importante,
passivo de análise), diferenciando e criando uma hierarquia de importância entre esses
dois polos (ERIKSEN; NIELSEN, 2007). Assim é possível perceber que investigar a respeito
da vida humana não se tratava de tomar qualquer homem enquanto objeto de estudo,
muito menos buscar compreender sua própria sociedade as questões que a atravessam.
 PG 8
2.1 O “EU” E O “OUTRO” NA
ANTROPOLOGIA

Essas pesquisas eram feitas a partir de práticas de observações, reflexão (ancoradas em
perspectivas morais) e registros. Desse modo, surgiram os primeiros registros a respeito da vida
humana, que mais tarde foram tomados enquanto material de fundo antropológico.
Extremamente marcadas por questões territoriais e geopolíticas, assim como regidas por um
verdadeiro regime de moralidades, ou seja, as observações e registros eram marcantemente
compostas por comparações entre culturas baseadas em valores morais da cultura dominante
(Europa). Inclusive, esses juízos de valores contaminaram fortemente os primeiros registros a
respeitos dos povos que não pertenciam ao continente Europeu, definidos como sendo os
"outros". Os objetos empíricos, ou seja, os povos pertencentes aos continentes longínquos em
relação à Europa eram considerados pelos exploradores europeus como sendo populações que
se resumiam a “sociedades primitivas/simples”. Em contrapartida, os europeus se
consideravam “sociedades civilizadas/complexas”. Em resumo, a Europa considerava
simples/primitivo/selvagem todos os povos que não fazia parte de sua civilização, assim como
não compartilhavam de uma mesma identidade étnica e racial, bem como aqueles que tinham
hábitos, práticas, costumes e modos de organização diferentes dos seus, criando, assim, uma
falsa hierarquia entre seu modo de conceber o mundo em relação aos demais modos. 
 PG 9
2.1 O “EU” E O “OUTRO” NA
ANTROPOLOGIA

 Durante essas viagens exploratórias esses viajantes realizavam observações,
análises e registros escritos, daqueles a que forjavam considerar como “os
outros”. Vale reforçar que esses registros eram extremamente impregnados
de valores preconcebidos e preconceitos de toda natureza imaginável. Esses
“outros” eram sempre marcados enquanto inferiores, uma vez que o
homem europeu se considerava o sujeito hegemônico e tomava a si e sua
organização social enquanto modelo ideal de civilização (NOVAIS, 1969). O
homem europeu não enxergava sua sociedade enquanto apenas mais uma
entre tantas outras existentes ou mesmo aquelas ainda desconhecidas. Não
se tratava de realmente haver diferença culturais que exultavam em
hierárquica entre povos e culturas, no entanto, a Europa forjava uma
superioridade cultural em relação aos demais povos e continentes, essa
superioridade apenas existia em sua própria visão de mundo.
 PG 9
2.1.1 A disciplina da antropologia
e o eurocentrismo

 A partir da segunda metade do século XIX, o
investimento na observação e registro dos homens na
figura desses viajantes passa a ganhar certa
rigorosidade científica, e a antropologia, aos poucos,
se torna um ramo do conhecimento científico. Nossa
disciplina passou a estabelecer determinados
métodos e técnicas para com suas observações e
sistematização dos registros oriundos dessas
observações.
2.1 O “EU” E O “OUTRO” NA
ANTROPOLOGIA

 A partir dos novos contextos culturais e territoriais
descobertos devido às viagens exploratórias feitas pelas
grandes embarcações, iniciou-se um movimento de
reflexão e esforços para descrever tanto os habitantes
quanto os territórios e questões climáticas ainda
desconhecidos. É importante considerar que a
antropologia em seu período de fundação em muito
serviu para os ideais da colonização. Essa é uma das
tantas dívidas que a antropologia contraiu para com o
mundo, sobretudo os povos que foram colonizados.
 PG 10
2.1 O “EU” E O “OUTRO” NA
ANTROPOLOGIA

 Desde esse período, o homem começa a se interessar cada vez
mais em observar, compreender e registrar questões
pertinentes a existência humana e suas variáveis, sejam elas
sociais, culturais, éticas, dentre outras. Para além do meio
ambiente e dos fenômenos naturais a nossa volta, a vida
humana passa a ser assunto de interesse público, passível de
vantagens diversas. Mesmo que impregnada por uma série de
prejuízos da própria lógica colonizadora, o status de objeto
científico que o homem vai ganhando ao longo do tempo é de
grande relevância para a humanidade (FRAZER; DOUGLAS,
1978).
 PG 10
2.1 O “EU” E O “OUTRO” NA
ANTROPOLOGIA

 Precisamos levar em conta o fato de que “O conhecimento
(antropológico) da nossa cultura passa inevitavelmente
pelo conhecimento das outras culturas; e devemos
especialmente reconhecer que somos uma cultura
possível entre tantas outras, mas não a única”
(LAPLANTINE, 2003, p. 13). Assim, trabalharemos de
modo a derrubar as construções de hierarquias sociais e
buscar evidenciar a importância da existência da
pluralidade de ideias, culturas e modos de ser e estar no
mundo. 
 PG 11
2.1.1 A disciplina da antropologia
e o eurocentrismo

 A partir da segunda metade do século XIX, o
investimento na observação e registro dos homens na
figura desses viajantes passa a ganhar certa
rigorosidade científica, e a antropologia, aos poucos,
se torna um ramo do conhecimento científico. Nossa
disciplina passou a estabelecer determinados
métodos e técnicas para com suas observações e
sistematização dos registros oriundos dessas
observações.
 PG 12
2.1.1 A disciplina da antropologia
e o eurocentrismo

 A antropologia foi formalmente estabelecida
enquanto disciplina científica desde o continente
Europeu, e é muito importante que essa informação
seja levada em conta, assim como o recorte temporal
e geográfico desse momento de fundação.
 PG 12
2.1.1 A disciplina da antropologia
e o eurocentrismo

 Em linhas gerais, a antropologia refere-se ao exercício
de compreender outros modos de pensar e vivenciar a
cultura que não aqueles dos quais aprendemos e somos
assimilados desde o nosso nascimento, assim como
território do qual fazemos parte. Essas observações e
práticas foram iniciadas antes mesmo da própria
antropologia se consolidar enquanto um campo
científico. Atualmente, a antropologia constitui parte
do campo das ciências sociais, sobretudo no Brasil.
 PG 12
2.1.1 A disciplina da antropologia e o
eurocentrismo

 A cada localidade e tradição de estudos, cabem diferentes enfoques do campo de
pesquisas em antropologia. Em outros países a antropologia pode estar mais próxima
à arqueologia, linguística, dentre outras. Poderíamos até mesmo definir a antropologia
como a ciência do estudo das diferenças, sejam essas das mais diversas naturezas ou contextos. 
 Como dito anteriormente, em seu período inicial vigorava uma separação factual
entre o observador e o objeto de observação, ou seja, o sujeito que observava se
encontrava em oposição daquele que era observado. Desde uma separação, sobretudo
territorial “eu” (europeu) e o “outro” (demais continentes) e cultural. Seguindo a
lógica vigente do período, essa distinção acontecia baseada no estabelecimento de
cisões geográficas, que obviamente eram atravessadas e carregadas de muitos outros
elementos relacionados a valores morais e religiosos. Em verdade a marcação
geográfica estava pautava na seguinte lógica: a Europa intitulava-se centro do mundo,
e as demais sociedades eram projetadas e consideradas como menos importantes,
periféricas.
 PG 12
2.1.1 A disciplina da antropologia e o
eurocentrismo

 Portanto, esse modo de observar e definir as diferentes
sociedades desde uma perspectiva hierarquizada ocorria
devido a uma prática que contemporaneamente
conhecemos como “eurocentrismo”. Esse fenômeno
coaduna em si a falsa ideia de que a Europa representaria
o centro da cultura do mundo, uma referência de
civilização em termos absolutos. Esse pensamento
considerava o continente europeu e sua civilização
enquanto um padrão social e modelo a ser seguido para
os demais grupos existentes no mundo (LANDER, 2005).
 PG 12
2.1.1 A disciplina da antropologia
e o eurocentrismo

 Nessa perspectiva não se levava em conta, tampouco
consideravam e/ou respeitavam as diferenças
culturais diversas. A criação de falsas hierarquias
sociais constituía a lógica colonial.
 PG 13
FIGURA 3 – MONUMENTO EM
HOMENAGEM AO DESCOBRIMENTO


 Uma vez que esses monumentos permaneçam erguidos
nos espaços públicos das cidades, apontam para a
valorização de uma perspectiva de dominação, violência e
exploração por parte da população do local. É de suma
importância que as violências que ocorreram no período
colonial sejam devidamente elencadas, bem como não
sejam de modo algum homenageadas. Os absurdos
cometidos durante o contexto de colonização não devem
ser esquecidos e seu lugar na história é o da análise
reflexiva e não o da homenagem irrefletida.
 PG 14
2.2 ETNOCENTRISMO

 Durante o período de fundação da antropologia, o etnocentrismo era uma
forte presença no olhar do antropólogo em relação ao mundo a sua volta. A
palavra etnocentrismo refere-se à prática de conceber sua própria etnia (ou
cultura) enquanto o centro do mundo, ou seja, pessoas etnocêntricas são
aquelas que acreditam pertencer a uma etnia/grupo/população/cultura
que está no centro da própria humanidade, e que representa um modelo
ideal de cultura. Mesmo que, atualmente, os debates antropológicos girem
em torno da diversidade de culturas e pessoas e, por consequência da
valorização dessa pluralidade, na fundação de nossa disciplina, o
etnocentrismo era uma prática, sobretudo, dos estudiosos de nosso campo
de conhecimento, ou mesmo daqueles que, com o tempo, foram
considerados os primeiros antropólogos (lembrando que inicialmente nossa
disciplina era formada de estudiosos de vários campos de conhecimento).
 PG 14
2.2 ETNOCENTRISMO

 As pessoas, em especial, os antropólogos, acreditavam que seus
hábitos, práticas, regimes de moralidade, modos de estar e
permanecer no mundo era o modelo ideal para o restante do mundo.
Inacreditável, não? Pois bem, essa prática vigora por todo o momento
de fundação de nossa disciplina, até que, alguns estudiosos, como
Franz Boas (1958) e Bronislaw Malinowski (1884), interessados nos
temas de nossa disciplina começaram a questionar essas visões de
mundo.
 Esses pesquisadores passaram a observar e registrar os modos dos
quais determinadas culturas se organizavam socialmente e percebiam
que se tratava de modos diferentes e não inferiores de organização.
 PG 15
2.2 ETNOCENTRISMO

 A colonização da América Latina e África, por exemplo,
apontam como esse pensamento é produtor de violências
diversas e perpétuas, uma vez que ainda vivemos sobre os
efeitos da colonização. É possível enxergar os reflexos do
etnocentrismo em nossas sociedades contemporaneamente.
 O racismo, xenofobia, machismo, dentre outras práticas de
violência física e simbólica apontam para o etnocentrismo e
suas raízes culturais em sociedades que sofreram com as
diversas colonizações. Além disso, a prática do etnocentrismo
está na desvalorização por parte daqueles que se consideram o
modelo ideal, para com a maioria ou mesmo a totalidade dos
elementos e pessoas das demais culturas. PG 15
2.2 ETNOCENTRISMO

 Segundo Rocha (2017, p. 5):

 Etnocentrismo é uma visão de mundo onde o nosso próprio grupo é


tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos
através de nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a
existência. No plano intelectual pode ser visto como a dificuldade de
pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza,
medo, hostilidade etc. Perguntar sobre o que é etnocentrismo é, pois, 16
indagar sobre um fenômeno onde se misturam tanto elementos
intelectuais e racionais quanto elementos emocionais e afetivos. No
etnocentrismo, estes dois planos do espírito humano – sentimento e
pensamento – vão juntos compondo um fenômeno não apenas fortemente
arraigado na história das sociedades como também facilmente encontrável
no dia a dia das nossas vidas. PG 15
2.2 ETNOCENTRISMO

 É comum que tradições da cultura popular brasileira
sejam desvalorizadas pela própria população
nacional em comparação a uma valorização
exacerbada de culturas europeias e norte-
americanas. Trabalhar com antropologia é estar a
todo o tempo buscando formas de analisar o
presente sem esquecer-se do passado. É preciso
criticidade e sensibilidade para o ofício do
antropólogo. PG 16
2.2 UMA BREVE APRESENTAÇÃO DAS
LINHAS DE INVESTIGAÇÃO EM
ANTROPOLOGIA

 Atualmente, a antropologia é dividida em cinco
grandes áreas ou linhas de pesquisa:
 antropologia biológica (ou física),
 antropologia pré-histórica,
 antropologia linguística,
 antropologia psicológica,
 antropologia cultural e social.

 PG 16
ANTROPOLOGIA BIOLÓGICA


 Cabem à antropologia biológica ou antropologia física
compreender a multiplicidade biológica presente nos mais
diferentes contextos regionais, culturais, geográficos, sociais e
ecológicos, variando no tempo e espaços. Ou seja, analisa alguns
dos aspectos biológicos e físicos da humanidade em lugares e
tempos diferentes ao longo de nossa história.

 Essa linha de pesquisa também analisa os impactos e


atravessamentos entre os indivíduos e meio ambiente, assim
como as consequências, mudanças e transformações decorrentes
desse processo de influências recíprocas. Também investiga as
diferenças biológicas presentes entre as populações pertencentes
a contextos espaciais e temporais que se divergem. PG 17
FIGURA 4 – ANTROPOLOGIA
BIOLÓGICA

ANTROPOLOGIA PRÉ-HISTÓRICA

 Já ao que diz respeito à antropologia pré-histórica, a tarefa de
investigar a partir de solos e registros todo e qualquer
resquício de ação e/ou movimentação humana que já não
esteja mais presente nos diversos territórios. O profissional que
se dedica a essa área deve executar um trabalho minucioso de
busca e análise por possíveis objetos presentes no solo, assim
como tentar recuperar as questões ligadas a sociedades
desaparecidas com o passar do tempo. Essa linha de estudo se
aproxima fortemente da arqueologia. Os museus, por exemplo,
são espaços onde podemos encontrar muitos materiais que
foram encontrados e catalogados por antropólogos que se
dedicam a essa linha de pesquisa. PG 18
FIGURA 5 – PEDRA DO SOL, PATRIMÔNIO ASTECA.
ACERVO DO MUSEU NACIONAL DE
ANTROPOLOGIA, CIDADE DO MÉXICO

ANTROPOLOGIA LINGUÍSTICA
 Extremamente importante para o patrimônio imaterial

da humanidade, estabelece-se a antropologia linguística.
Esse ramo da antropologia tem como objetivo
compreender, a partir da linguagem e suas expressões, o
modo com que distintos grupos sociais/culturais
evidenciam suas inquietudes, juízo de valores e demais
questões que são da ordem da comunicação humana.
Essa linha de investigação tem grande relevância em
termos culturais e sociais. PG 18
ANTROPOLOGIA PSICOLÓGICA
 Já a antropologia psicológica tem como objeto de


investigação o modo como opera, processa e se
constituem as questões da psique humana. Sua análise
leva em conta comportamentos, abarcando os fatores
totais da existência humana, como a sociedade e a
cultura. Essa linha de investigação é nutrida a partir da
integração de sistemas culturais e sociais, bem como
perspectivas de análises antropológicas sem as quais não
seria possível desenvolver sua análise. PG 18
ANTROPOLOGIA SOCIAL E CULTURAL
 A antropologia social e cultural é a linha de investigação


mais explorada no Brasil. Essa ramificação da antropologia
representa uma amplitude de possibilidades investigativas
em termos sociais e culturais. Não é possível esgotar suas
áreas de pesquisa e atuação. Podemos pesquisar sistemas
de parentesco, ordenamentos e questões políticas, regimes
econômicos, arestas jurídicas, enfim, tudo o que se pode
imaginar é possível de pesquisar dentro dessa linha de
investigação antropológica. Dessa maneira, em termos de
pesquisa antropológica no Brasil, na maior parte das vezes,
as investigações científicas em antropologia abordam
questões da área de antropologia social e cultural. PG 19
VIAJANTES
2 GRANDES NAVEGAÇÕES: A IMPORTÂNCIA DOS CONTATOS E
REGISTROS


 Existe uma narrativa social que aponta a Europa como
responsável por inaugurar as grandes aventuras pelos mares, mas,
acalme-se, esse é um erro clássico do senso comum. Trata-se de
mais uma das tantas questões equivocadas que são reproduzidas
ao longo do tempo a respeito das viagens exploratórias. Enquanto
futuro antropólogo, é fundamental que você tenha sempre em
vista o compromisso de verificar as informações que lhe chegam
por meio de uma pesquisa criteriosa. É indispensável consultar as
fontes, assim como sua confiabilidade. Seu ofício enquanto
pesquisador em antropologia requer muita atenção e cuidado com
relação aos processos culturais e sociais ao longo da história. Um
antropólogo não deve, de modo algum, tomar nada como
verdade, antes é necessário consultar minuciosamente os fatos e
suas fontes. Pg 26
2 GRANDES NAVEGAÇÕES: A IMPORTÂNCIA DOS
CONTATOS E REGISTROS


 Segundo Souza (2007), antes de obterem sucesso em suas travessias oceânicas, muito
do que se conheciam a respeito de terras que ficavam nos “alémmares”, distantes da
Europa, e, por consequência, ainda não exploradas, eram fruto dos relatos
especificamente construídos pelos gregos. Esse povo, particularmente, era conhecido
desde a Antiguidade por ter como tradição viajar e desbravar os mares. Não à toa,
considerados os pais da filosofia, os gregos tinham como costume, no momento de
relatar suas viagens, incrementá-las e florear ao máximo com considerável dose de
fantasia, mitologia e fábula.  De fato, pouco se sabia sobre o mundo, culturas e
populações de modo geral, estando restrita até mesmo a Europa em alguma medida
ao seu próprio continente e algum mínimo conhecimento a respeito da África e Ásia.
Esse desconhecimento não se dava pela falta de interesse em conhecer e explorar seus
continentes vizinhos. No entanto, mesmo sendo uma civilização extremamente
desejosa de empreender pelos mares afora, suas embarcações e ferramentas técnicas
ainda eram insuficientes para garantir segurança e sucesso para realizarem grandes
viagens. Limitando, assim, as possibilidades de desbravar os mares e tomar
conhecimento sobre outros territórios e povos. PG 26
2 GRANDES NAVEGAÇÕES: A IMPORTÂNCIA DOS
CONTATOS E REGISTROS


 No entanto, nada poderia ser mais motivador que os interesses
políticos, econômicos e territoriais que estavam em jogo. As chances
de obter vantagens econômicas e territoriais eram suficientes para
motivar esses possíveis viajantes desbravadores. Desse modo, com
um forte investimento de recursos dos mais variados, desde matéria-
prima, mão de obra especializada e aporte financeiro, foram
viabilizadas as construções de um número considerável de
embarcações (NOVAIS, 1969). Sendo essas, mais seguras, espaçosas e
resistentes, permitindo, assim, a efetivação do plano de realizar
grandes incursões marítimas. Assim, a partir do século XV, as
primeiras embarcações de grande porte europeias, com destinos dos
mais distantes imagináveis, começaram a desbravar os mares rumo
as possibilidades de exploração. PG 27
2.1 O CONTEXTO DAS GRANDES
EMBARCAÇÕES E OS ESTUDOS EMPÍRICOS

 Mesmo que os registros dos viajantes apresentassem diferenças consideráveis quando
contestados com a realidade, ainda assim esses escritos foram de extrema importância
para aquele período histórico, assim como para o desenvolvimento da pesquisa
empírica, e, em especial, para a antropologia. Você deve se perguntar: o que é a
pesquisa empírica? Pois bem, a pesquisa empírica é um modo de investigar um espaço,
acontecimento ou situação a partir da experiência de coletar os dados em campo (seja
este qual for), ou seja, é necessário ir até o local e observar o fenômeno do qual a
pesquisa será realizada. Portando, com essa aproximação e observação, o pesquisador
obtém material suficiente para sustentar suas hipóteses e alcançar conclusões.

 No período das embarcações, essa maneira empírica de pesquisar acontecia justamente


quando se estabeleciam contatos entre observador (viajantes) e observados (nativos),
resultando em relatos e registros, ou seja, material de pesquisa empírica. Esse modo de
coletar dados que, até os dias atuais, é de suma importância em nossa área de trabalho.
Em boa parte de nossas análises e pesquisas, coletaremos dados de modo empírico.  PG
28
2.1 O CONTEXTO DAS GRANDES
EMBARCAÇÕES E OS ESTUDOS EMPÍRICOS

 Além disso, era a partir desses relatos que muito do que era conhecido nessas
viagens ganhavam repercussão pública. Aqueles que não estavam presentes
nessas viagens, por diversos motivos, poderiam ter acesso, de certo modo, aos
acontecimentos daquele contexto. Essas viagens tampouco eram acessíveis para
a maior parte da população, que permanecia em solo europeu, e, graças às
narrativas dos registros feitos pelos viajantes, poderiam conhecer parcialmente
esses novos territórios e suas populações. Registros esses que combinavam
impressões pessoais, perspectivas culturais e juízos morais a respeito daquilo
que presenciaram e sentiam, seja nos mares e sobretudo nos territórios e
interações ainda pouco conhecidos. 
 De acordo com Sant’Anna Neto (2006), os relatos desses cronistas (viajantes)
dos séculos XVI e XVII eram carregados do contexto social e político daquele
tempo, do modo como concebiam o mundo e as dinâmicas sociais. Constavam
nesses relatos, conceitos de natureza estética, religiosa e morais compartilhados
pela civilização europeia. PG 28
2.1 O CONTEXTO DAS GRANDES
EMBARCAÇÕES E OS ESTUDOS EMPÍRICOS

 Mesmo que, em sua maioria, esses relatos coadunavam
preconceitos e toda a sorte de julgamentos em relação aos
povos dos quais estavam estabelecendo contato, ainda
assim esses registros contribuem significativamente nossa
compreensão a respeito do período histórico da fundação
de nossa disciplina. Essa possibilidade de análise
representava uma verdadeira abertura de visão de mundo
em relação a culturas e territórios ainda desconhecidas e
abundantes em termos de diversidade e cultura, sendo
esse um movimento de absoluta importância, sobretudo
para o pensamento crítico. PG 29
FIGURA 7 – PESQUISA EMPÍRICA EM
CAMPO: O CONTATO DIRETO

2.1 O CONTEXTO DAS GRANDES
EMBARCAÇÕES E OS ESTUDOS EMPÍRICOS

 Assim, iniciou-se um movimento representativo nas mais diversas áreas do
conhecimento. Outros ramos do conhecimento passaram a apropriar-se do método
empírico de pesquisa para compreender fenômenos de seus interesses científicos. A
pesquisa de campo passou a ser uma metodologia de interesse compartilhado por
vários campos de conhecimento. Obviamente ainda experimental, esse modo de
pesquisa sofreu uma série de críticas e transformações. No entanto, quanto mais
áreas do conhecimento mostrassem interesse em aplicar essa metodologia, maiores
eram os avanços em termos científicos. Sendo assim, sua ampliação passou a ser de
grande importância. Nesse período, as bases do pensamento científico começam a
mudar consideravelmente. O mundo passa a observar os esquemas e fenômenos
das mais infinitas áreas muito mais pelos olhos da razão e não mais apenas pela
religião. A empiria na pesquisa científica representa uma mudança representativa
em termos de pesquisa e ciência. Com o passar do tempo, a ciência conquista
avanços consideráveis e de suma importância para a humanidade graças à
aplicação da pesquisa empírica nos mais amplos espaços de investigação. PG 29 
2.1.1 Cultura e alteridade: aproximações e
diferenças

 Acadêmico! É central que você compreenda que o objeto privilegiado
da antropologia, nossa disciplina, é o fenômeno da diferença. Sim, as
diferenças e suas variantes! Podemos pensar nas diferenças presentes
entre sujeitos, comunidades, sociedades, sendo essas questões de
suma importância em nosso trabalho. A partir de nossas observações
antropológicas encontramos um solo fértil para investigar a questão
das diferenças sociais e culturais. São as diferenças que constituem e
compõem muitas das questões analisadas pela antropologia em
termos sociais e culturais. Em nosso trabalho, a diferença sempre será
uma presença constante e de máxima importância em nossas
observações, análises e registros. Cada vez mais as diferenças entre
pessoas, grupos e espaços, de modo geral, terão especial destaque no
modo pelo qual você observa o mundo e reflete a seu respeito. PG 30
2.1.1 Cultura e alteridade: aproximações e
diferenças

 Essas diferenças plurais são parte constitutiva da existência humana, devido
à diversidade de territórios e de povos existentes. A partir das diferenças
presentes em nossos contextos, adotamos comportamentos, visões e
dinâmicas de existência das mais variadas. É possível encontrar esses pontos
de divergência desde a maneira como os diferentes grupos culturais e sociais
organizam e estabelecem suas relações de parentesco, regimes econômicos,
padrões de comportamento, organizações políticas, sistemas de distribuição e
divisão de recursos, dentre outros. Por meio dessas diferenças entre sujeitos e
comunidades é que podemos compreender parte do modo com que se
organizam socialmente e de seu arcabouço cultural. Fato são as diferenças
consomem parte significativa de nossos esforços crítico epistêmicos, desde o
período pré-antropológico até os dias atuais. Ao longo da história da
antropologia foram aplicados os mais intensos investimentos materiais e
intelectuais para compreender essas diferenças. PG 30
2.1.1 Cultura e alteridade: aproximações e
diferenças

 Pigmentando o cenário daquele contexto histórico,
consequentemente impulsionaram o pensamento crítico
até os dias atuais. Como consequência dessas
aproximações, umas séries de estranhamentos foram
surgindo entre esses sujeitos pertencentes às culturas
diferentes. Essa situação culminou em complexos e
intensos choques culturais. Situações que muitas das
vezes culminavam em atos de violência letal, ceifando
majoritariamente a vida das populações nativas, aquelas
que não pertenciam ao continente europeu. PG 30
FIGURA 8 – POVOS NATIVOS


2.2 UM GIRO ANTROPOLÓGICO: DAS
TRAVESSIAS OCEÂNICAS ÀS CONEXÕES
ON-LINE

 Acadêmico, nossos esforços neste momento serão no sentido de pensar as
mudanças e avanços em nossa disciplina ao longo do tempo. Se no passado,
durante o contexto histórico das grandes embarcações europeias (século
XVI), era necessário atravessar o oceano de um lado ao outro para observar
outras realidades e coletar informações, atualmente, nossa disciplina e
consequentemente nosso campo de pesquisa mudaram consideravelmente.

 Verdadeiras mudanças paradigmáticas fazem com que nossos objetos de


pesquisa possam ser observados em absolutamente qualquer espaço social,
sejam estes presenciais ou não. Atualmente, é possível observar e registrar
fenômenos antropológicos sem que seja necessário tamanho deslocamento,
ou melhor, podemos nos deslocar de outras maneiras (OLIVEIRA, 1994).
Você deve se perguntar como isso é possível. Vamos entender junto como é
possível substituir distâncias transatlânticas por um click! PG 32
2.2 UM GIRO ANTROPOLÓGICO: DAS
TRAVESSIAS OCEÂNICAS ÀS CONEXÕES
ON-LINE

 Em nosso momento atual, podemos desenvolver nossa
pesquisa de campo, assim como desenvolver nossas
análises e práticas profissionais sem ao mesmo ser
necessário nos deslocarmos fisicamente. Imagine só o
quanto a disciplina passou por mudanças e se reinventou
para que isso seja possível!
 Existe uma demanda cada vez maior por parte do mercado
de trabalho na busca por profissionais qualificados para
atuar nos campos da tecnologia e ciências sociais, existe
uma infinidade de possibilidades de atuação, desde a
tecnologia e a antropologia (DOMINGUES, 2004). PG 30
2.2 UM GIRO ANTROPOLÓGICO: DAS
TRAVESSIAS OCEÂNICAS ÀS CONEXÕES
ON-LINE

 Navegando no mundo da internet, é possível desenvolver pesquisas,
prestar assessorias técnicas e realizar observações e análises desde sua
própria casa. Com apenas um computador e sinal de internet um
mundo se abre ao nosso acesso. As infinitas relações sociais cada vez
mais acontecem a partir de interações virtuais.

 Obviamente, é indispensável que você tenha uma sólida formação em


antropologia, mas essa tarefa já está sendo cumprida! Veja que
interessantes são as mudanças e avanços presentes em nossa disciplina.
Outrora era necessário investir tempo e uma variedade de recursos
para realizar as observações e registros antropológicos, e, atualmente, a
tecnologia alargou consideravelmente nossas possibilidades de atuação
profissional e pesquisa científica ao longo do tempo. PG 32
FIGURA 9 – TRABALHO DE CAMPO
VIRTUAL, PESQUISA E TECNOLOGIA

2.2 UM GIRO ANTROPOLÓGICO: DAS
TRAVESSIAS OCEÂNICAS ÀS
CONEXÕES ON-LINE

Com o passar dos anos, cada vez mais o mercado de trabalho está aberto a antropólogos dispostos a trabalhar
com questões de tecnologia que carecem de análises antropológicas. Se os analistas e programadores têm a
capacidade de criar programas e aplicativos, são os antropólogos que conseguem, através de suas pesquisas,
descobrirem as necessidades, desejos e anseios de cada grupo social. Além disso, por termos uma formação que
propicia conhecimentos relativos às diversas técnicas de observação, podemos contribuir cientificamente em todas
as áreas do conhecimento.

 Seja na área da educação (GUSMÃO, 1997),


 saúde (HEILBORN, 2004),
 questões raciais (BANDEIRA, 2020) e tantas outras possíveis e imagináveis.

Nossas possibilidades de trabalho podem ser compreendidas como de alcance ilimitado, visto que em todos os
espaços existem diferenças, relações sociais e culturais, questões de máxima importância em nosso trabalho.
Desse modo, é necessário extrair das produções clássicas questões que podem contribuir em nossas pesquisas até
os dias de hoje, como a observação, registro, estranhamento, dentre outros temas, assim como é indispensável que
tenhamos claro o marco histórico clássico de nossa disciplina, para que seja possível seguir avançando e
ampliando o escopo de nossa área de conhecimento, bem como ampliando cada vez mais as possibilidades de
atuação de nossa área de trabalho. O contexto social da fundação de uma disciplina condensa a base de nossos
conhecimentos enquanto entusiastas de uma teoria crítica a respeito do fazer antropológico. PG 33
ANTROPOLOGIA E COLONIALIDADE


 Atualmente, a antropologia está associada à luta por direitos sociais, bem como políticas
públicas das mais diversas áreas como: saúde, educação, segurança, habitação, impactos
ambientais causados por exploração de mineração, dentre outros temas que impactam
diretamente nas questões públicas. Contudo, é preciso avaliar essa mudança em termos de
pesquisa antropológica enquanto uma conquista social coletiva.
 Nossa disciplina sofreu uma série de mudanças e transformações ao longo dos mais de
cinco séculos desde sua fundação, uma vez que, inicialmente, ela servia aos interesses da
elite europeia. Tanto a fundação quanto uma parte considerável de seu período inicial,
nossa disciplina era utilizada para legitimar violências e atender a interesses privados de
uma pequena porcentagem da população europeia. Os modos de construção das
narrativas sobre os territórios e povos desconhecidos cumpriam duas funções: descrever e
estereotipar. E por meio desses estereótipos eram construídos personagens da história
carregados de inverdades que por si só justificavam uma série de violências coloniais.
Felizmente, na atualidade, nossa disciplina está majoritariamente relacionada com as lutas
por direitos, reconhecimento da importância da diversidade de pessoas, ideias e culturas,
bem como buscando contribuir para uma mudança de pensamento em termos de respeito
a diversidade. PG 39
ANTROPOLOGIA E COLONIALIDADE


 É necessário entender que o investimento e interesse
europeu em desbravar outros territórios e
aproximar-se de “outros” povos não se tratava de
desejos inocentes, ou simplesmente uma vontade
genuína em conhecer outros contextos, povos e
culturas. Essa ânsia por aproximar-se desses
“outros” estava diretamente relacionada à
possibilidade de dominar e explorar, tanto os
territórios quanto as suas populações. PG 40
ANTROPOLOGIA E COLONIALIDADE
 Desse modo, esses exploradores encontraram na possibilidade narrativa, um modo


de criar um “outro” perigoso, desumano e, por consequência, passível de sofrer
violências e agressões das mais variadas. Nesses registros eram descritos equívocos
absurdos em termos de narrativa a respeito desses povos e territórios que serviam
como justificativa para a legitimação de roubos, assim como modos degradantes de
expor essas populações, sendo essas das mais diversas e imagináveis. Uma vez que o
objetivo final era o de dominar esses povos, explorar seus territórios, bem como seus
recursos naturais, toda e qualquer maneira de justificar essas ações eram válidas.
Todos os meios necessários eram empregados para atingir a finalidade desejada:
roubar e dominar. Por trás desse encontro de mundos, existia um obscuro plano
violento baseado no interesse das mais diversas naturezas, seja territorial, econômico,
religioso, dentre outros. 
 Segundo Pereira (2005), os desenvolvimentos da ciência antropológica e da empresa
colonial aconteceram simultaneamente, uma vez que a primeira justifica e viabiliza a
segunda. Houve guerras, massacres, tráfico de pessoas, violências sexuais, incêndios
criminosos e toda a sorte de violências para se alcançar os ideais do projeto europeu
de colonização. As crônicas das viagens em muito diziam o que seria a antropologia,
ao menos durante o período de colonização. Sim, uma antropologia que servia de
base para justificar as atrocidades coloniais, obviamente, a disciplina por si só não
tinha esse poder, no entanto, era manobrada de maneira que parecesse que a ciência
fornecia o se aval para os absurdos presentes no regime colonial. PG 41
ANTROPOLOGIA E COLONIALIDADE


 O projeto de dominação por parte dos europeus visava a
submissão dos povos nativos para a livre exploração de seu
território, matérias-primas e populações. Essas
possibilidades de obter vantagens econômicas era a maior
de todas as forças impulsoras que motivaram investimentos
e esforços por parte da Europa para conseguir ter êxito nas
viagens exploratórias. Os registros e narrativas, que vieram
a ser considerados materiais de cunho antropológico
acabavam por falsear a realidade dos povos nativos, para
que, desse modo, fossem legitimadas violências coloniais
para com os povos em processo de dominação. PG 41
ANTROPOLOGIA E COLONIALIDADE


 Em resumo, aqueles que faziam os registros escritos
justificavam o uso da violência para com os povos
nativos tenho como desculpa o fato de que os
primeiros não eram humanos como os europeus,
faziam uso de juízos morais para legitimar a
exploração dos recursos. Os modos de justificar os
roubos, violências e atrocidades para com os povos
nativos eram dos mais diversos, e esses registros
antropológicos sobre as diferenças entre os povos
eram o fundo que legitimava essas práticas. PG 41
DICA

 Saiba, acadêmico, é muito importante que você
compreenda o caráter internacional da antropologia,
uma vez que cada vez mais estamos conectados uns
aos outros. Para compreender um pouco mais sobre
o movimento de desconstruir o caráter colonial da
antropologia assista ao vídeo “Almir Cabral
Biografado pelo Antropólogo Angolado Antonio
Tomas”. Neste vídeo, o professor aborda questões de
antropologia e colonialismo. Acesse em:
https://bit.ly/3H18kIo.
2.1 ANTROPOLOGIA,
COLONIALIDADE E DOMINAÇÃO

 No contexto colonial as ditas "diferenças" entre povos e
culturas tomavam cada vez mais espaço e importância
dentro de um cenário que objetivava a dominação e
submissão de territórios e povos. Uma vez que existiam
interesses em disputa, essas supostas diferenças eram
utilizadas para justificar o projeto de dominação, ou seja,
de modo simples o seguinte pensamento reinava: “minha
cultura é a correta, aqueles que forem diferentes de mim
não são humanos como eu e posso violentá-los o quanto
me parecer pertinente”. Esse era o modo de atuação da
lógica colonial. PG 42
2.1 ANTROPOLOGIA,
COLONIALIDADE E DOMINAÇÃO

 No contexto de colonização, algumas dessas
supostas diferenças eram transformadas em
questionamentos de maior importância, ou melhor, o
fundo desses questionamentos era justamente as
questões utilizadas para a legitimação das inúmeras
possibilidades de práticas exploratórias
(BALANDIER, 1993). PG 42
2.1 ANTROPOLOGIA,
COLONIALIDADE E DOMINAÇÃO

 Em síntese, o que supostamente se investigava era o
fato desses sujeitos serem considerados humanos ou
não. Uma vez que essa humanidade não fosse
constatada, não haveria nada que impedisse a
exploração total de seus recursos, bem como a
possibilidade de lhes infringir as violências e
explorações mais intensas e imagináveis possíveis.
2.1 ANTROPOLOGIA,
COLONIALIDADE E DOMINAÇÃO

 Entre as questões que até os dias de hoje atravessam as relações sociais e
estavam fortemente presentes em nossa disciplina, podemos destacar o
racismo, xenofobia, violência de gênero, desigualdade social,
eurocentrismo, dentre outras. No entanto, cabem a nós, sujeitos críticos e
pensantes, compreendermos a realidade do projeto colonial vigente no
período, os interesses políticos que atravessaram o contexto histórico e
desenvolver uma crítica substantiva a respeito dessas práticas, uma vez que
assim podemos garantir que a antropologia não seja mais usada como essa
ferramenta de dominação e exploração (VIEGAS; PINA-CABRA, 2014). 
 Infelizmente, essa dívida histórica da colonização que resultou em
massacres, genocídios e outros tipos de violência que aconteceram ao longo
do período da colonização ainda é tida como sinônimo de orgulho para
determinados grupos. Um mar de sangue foi derrubado com sangue negro
e indígena e, até os dias atuais,
FIGURA 11 – MONUMENTO EM
HOMENAGEM AO EXPLORADOR
CRISTÓVÃO COLOMBO, CIDADE DE

HULVA, ESPANHA
2.1.1 Da antropologia colonial ao novo
sujeito crítico

 Uma das razões de conhecermos a antropologia clássica se dá pelo
fato de que ela nos fornece material mais do que suficiente para
perceber mudanças e avanços de nossa disciplina. É de suma
importância que uma área de conhecimento sofra mudanças ao longo
de sua história, característica que evidencia sua evolução enquanto
ramo do conhecimento. Imagine se atualmente a antropologia se
prestasse às mesmas ideias que em seu contexto de fundação? Quanta
diversidade não seria desconsiderada em nome de interesses
menores, seria uma lastima se igual. Contemporaneamente, temos a
oportunidade de aprender uma infinidade de culturas, saberes, povos
e perspectivas que nos ensinam tanto a respeito da existência coletiva
e diversa. Quando se respeita e valoriza a diversidade, a visão de
mundo se amplia de um modo significativo e enriquecedor! PG 45
2.1.1 Da antropologia colonial ao novo
sujeito crítico

 Outrora, apenas os homens brancos e europeus tinham
legitimidade enquanto sujeitos pensantes, dotados de
racionalidade para pesquisar e produzir antropologia. Além
disso, se tratava de uma tarefa que exigia investimento de
tempo e recursos financeiros altíssimos, possibilidade que não
se mostrava viável para a maior parte das pessoas. No período
de fundação de nossa disciplina era necessário viajar ao longo
de distâncias transatlânticas, por espaços de tempo que se
alongavam. Desbravar mares para poder se aproximar e
registrar, sistematizar e constituir análises de territórios e
culturas diversas era uma possibilidade que apenas sujeitos
determinados logravam. PG 45
2.1.1 Da antropologia colonial ao novo
sujeito crítico

 Destaca-se que, além da mudança em relação ao próprio
sujeito que articula e produz a antropologia, as
metodologias também sofreram mudanças positivas.
Cada vez mais se amplia um movimento de pensar
sujeito e objeto de pesquisa de um modo horizontal e não
mais vertical como outrora. Não acreditamos nas
hierarquias entre as culturas e sim no respeito mútuo
entre a diversidade cultural presente em nossa realidade.
O respeito pelos conhecimentos e saberes dos povos
pesquisados têm sido cada dia mais parte central de
nosso trabalho. PG 45
2.1.1 Da antropologia colonial ao novo
sujeito crítico

 Se no passado a antropologia serviu de ferramenta
para domínio e exploração de povos, culturas e
territórios, contemporaneamente, o movimento
crítico vigente visa, sobretudo, excluir hierarquias,
estreitar relações e pautar a pesquisa tendo na ética
um dos aspectos centrais da prática
antropológica. PG 46

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