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PRÁTICAS EDUCATIVAS EM SAÚDE

Unidade II
5 MODELOS PEDAGÓGICOS NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE

5.1 Evolução dos pensamentos pedagógicos

Desde o surgimento do homem, (a educação) é prática fundamental da


espécie, distinguindo o modo de ser cultural dos homens do modo natural
de existir dos demais seres vivos.

(SEVERINO apud GADOTTI, 2001).

O pensamento pedagógico surge a partir da reflexão sobre a prática da educação, ou seja, a prática
educativa é anterior ao pensamento pedagógico, este surge a fim de sistematizar e organizar a prática
em função de determinados fins e objetivos (GADOTTI, 2001).

A seguir, de forma sucinta, apresentaremos um esquema para facilitar a compreensão da evolução


dos pensamentos pedagógicos a partir do estudo de Gadotti (2001):

O pensamento pedagógico oriental

A doutrina pedagógica mais antiga é o taoísmo que prega pela vida tranquila e pacífica. Confúcio
(551–479 a.C.), sob doutrina taoísta, pregava o ensino dogmático e memorizado.

Na educação chinesa tradicional, o centro era a reprodução do sistema hierárquico e de obediência.


Para os hindus, a essência educativa consistia na contemplação e reprodução da cultura das castas.

Para os egípcios, houve destaque no uso de bibliotecas e criação das casas de instrução, nas quais
eram promovidos ensinamentos de leitura, escrita, história dos cultos, astronomia, música, medicina,
dentre outros.

Para o povo hebreu, a educação deveria ser rígida e minuciosa com técnicas de repetição, a partir do
cristianismo seus métodos influenciaram a cultura ocidental.

O pensamento pedagógico grego

A sociedade grega serviu de berço da cultura, civilização e educação ocidental. A educação do


homem integral pautava‑se em ginástica para o corpo, filosofia para a mente e artes para a moral
e os sentimentos.

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Contribuições dos grandes filósofos gregos:

• Sócrates: crença que o autoconhecimento é o início do caminho para o verdadeiro saber.

• Platão: educação como arte de conversão no sentido de vislumbrar o Bem, o divino.

• Aristóteles: aprendemos fazendo.

O pensamento pedagógico romano

Na educação romana predominou o caráter utilitário e militarista focados na disciplina e justiça.


Na escola os castigos eram severos, os culpados (por erros) eram açoitados por varas. Todas as regiões
conquistadas pelo império romano eram submetidas aos mesmos hábitos. Com o domínio de Roma
sobre a Grécia, a filosofia de educação grega também influenciou os romanos.

O pensamento pedagógico medieval

Com a queda do Império Romano e a partir das invasões bárbaras, a influência greco‑romana é
limitada e impõe‑se o crivo ideológico da Igreja Cristã.

Destaca‑se que Cristo havia sido um grande educador utilizando‑se de parábolas, estabelecendo
diálogo com os humildes a partir de uma linguagem popular e erudita.

O Império Árabe, com predomínio islâmico, não queria mutilar a cultura grega em função dos seus
interesses. Assim, foram eles que a levaram ao ocidente.

Os estudos medievais compreendiam gramática, dialética e retórica, além de aritmética, geometria,


astronomia e música. Cabe destacar que a educação, assim como o pensamento grego e romano, era
excludente. Não tinham acesso à educação, escravos, mulheres e crianças, apenas a elite que incluía a
nobreza e o clero.

Nesse período da Idade Média há destaque para a criação das universidades. Alguns historiadores
afirmam que as universidades medievais eram menos elitistas que as renascentistas.

O pensamento pedagógico renascentista

Nesse período da história há uma revalorização da cultura greco‑romana, tornando a educação mais
prática, incluindo a educação do corpo e a substituição dos métodos mecânicos por procedimentos mais
agradáveis.

Em reação à Reforma Protestante, a Igreja Católica criou o índice de livros proibidos e organizou a
Inquisição, também criou a Companhia de Jesus com ação dos jesuítas. A educação jesuítica privilegiava
os dogmas, a conservação das tradições em uma educação científica e moral em detrimento de uma
abordagem humanística.
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O pensamento pedagógico moderno

Nesse período há uma nova forma de produção econômica, o sistema de cooperação, opondo‑se ao
modo feudal.

Tudo o que fora ensinado até então era considerado suspeito. Há um questionamento do que é a
verdade, com predomínio da razão e do método.

Destaques desse período histórico:

• telescópio (Galileu Galilei);

• circulação do sangue (William Harvey);

• distinção entre fé e razão (Francis Bacon);

• matemática como a ciência perfeita (René Descartes).

Houve ainda uma revolução linguística com o fim do predomínio do latim.

João Amos Comênio afirmava que a educação do homem nunca termina, pois estamos sempre em
formação.

Permanecia a dicotomia entre trabalho intelectual e trabalho manual.

Ao lado da luta popular pelo acesso à escola tem‑se a popularização da educação religiosa a partir
dos metodistas, com as escolas dominicais e ordens religiosas católicas dedicando‑se à educação popular.

O pensamento pedagógico iluminista

Jean Jacques Rousseau inaugura uma nova era na educação com o resgate da relação entre educação
e política. Outro grande avanço foi o de não vislumbrar mais a criança como um adulto em miniatura.

Ressalta‑se nesse período o estado natural do homem, com isso, tem‑se uma educação que permite
o desabrochar da natureza humana. Ocorre um movimento de libertação da repressão dos monarcas e
do despotismo do clero.

Immanuel Kant supera a contradição de conhecimento inato x conhecimento pela experiência. Para
Kant, o homem é o que a educação faz dele através da disciplina, didática, formação moral e da cultura.

Fichte e Hegel pautam‑se no idealismo subjetivo, negando as implicações externas.

Manteve‑se nesse período a diferenciação de educação popular (para trabalhar) da educação para
classe dirigente (para governar)
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O pensamento pedagógico positivista

Refere‑se à concepção burguesa de educação. Destaque para Augusto Comte, que se pautava no
pensamento positivista.

Cabe explicitar que o positivismo nasce como filosofia e segue como ideologia e que
a contribuição positivista na educação refere‑se ao valor dado à ciência, ao que é passível de
comprovação concreta e quantificação.

O pensamento pedagógico socialista

Surge do movimento popular pela democratização do ensino. Gramsci critica a divisão de ensino
clássico e profissional e apontava o trabalho como um princípio antropológico e educativo.

Para Karl Marx a transformação educativa deveria ocorrer paralelamente à revolução social.

O pensamento pedagógico da escola nova

A teoria da Escola Nova propunha que a educação fosse instigadora da mudança social e, ao mesmo
tempo, se transformasse, já que a sociedade também estava em mudança.

Há destaque para Montessori que desenvolveu em seus trabalhos o foco nas experiências sensoriais
e para Piaget que teve como foco o desenvolvimento da inteligência na criança.

Embora esse movimento “escolanovista” não tenha relação direta com o tecnicismo pedagógico,
teve grande preocupação com os meios e técnicas educacionais.

O pensamento pedagógico crítico

Na segunda metade do século XX surgem críticas à educação e a afirmação do quanto essa educação
reproduz a sociedade. Algumas teorias que abordam o sistema de ensino como função ideológica:

• escola enquanto aparelho ideológico do Estado (Althusser);

• escola enquanto violência simbólica (Bourdieu e Passeron).

O pensamento pedagógico brasileiro

O pensamento pedagógico com autonomia nacional teve início a partir da Escola Nova e, até então,
havia uma reprodução do pensamento religioso medieval.

Em 1924, foi criada a Associação Brasileira de Educação e, em 1938, o Instituto Nacional de


Estudos Pedagógicos.

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Católicos e liberais representavam grupos diferentes, porém o denominador comum entre esses
grupos era a configuração de facções de grupos dominantes.

Com o pensamento pedagógico progressista é que se coloca o papel da educação na transformação social.

O destaque é dado ao educador e pensador Paulo Freire, considerado um dos maiores educadores do
século XX. Sua ideia central é pautada na concepção dialética: educador e educando aprendem juntos
em uma relação dinâmica, na qual a prática, orientada pela teoria, reorienta essa teoria, tornando‑se
um processo de constante aperfeiçoamento.

Para Paulo Freire, através da educação, é possível alcançar a autonomia intelectual do cidadão para
intervir sobre a realidade. A educação é compreendida como ato político

Educadores e teóricos da educação progressistas defendem a formação do cidadão crítico e


participantes das mudanças sociais. Alguns defendem mais a autonomia da escola, outros, maior
intervenção do estado.

O pensamento pedagógico brasileiro é rico e está em movimento, não é possível reduzi‑lo a esquemas.
A perspectiva atual é de discussão sobre a educação pós‑moderna e multicultural.

5.1.1 A promoção da saúde e os modelos de educação em saúde

A promoção da saúde é definida como “processo de capacitação da comunidade para atuar na


melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle desse processo”,
esta definição advém da carta de Ottawa de 1986, resultante da Primeira Conferência Internacional
sobre Promoção da Saúde.

Nesse sentido, a atuação do profissional de saúde está em focalizar o potencial da pessoa para o
bem‑estar e encorajá‑la a modificar hábitos pessoais, estilo de vida e ambiente, de modo a reduzir os
riscos e aumentar a saúde e o bem‑estar. Para isso, o princípio de corresponsabilização nas práticas
terapêuticas torna‑se fundamental.

As direções propostas pela OMS para a promoção da saúde incluem a necessidade da redução das
desigualdades sociais e construção de uma comunidade ativa (SANTOS; WESTPHAL, 1999).

Pela complexidade dos fatores envolvidos no fenômeno saúde, a promoção da saúde passa a
ser compreendida como um investimento na articulação de todos esses fatores, visando maximizar
as possibilidades de saúde e evitar a doença. Remetendo ao referencial do processo saúde‑doença
previamente apresentado, acrescentamos que o foco está em maximizar os fatores de fortalecimento à
saúde e minimizar os fatores de desgaste.

Considerado esse contexto, a promoção da saúde vem ao encontro da necessidade de uma nova
ética social, estruturada pelo compartilhamento de possibilidades e potenciais (AKERMAN; MENDES;
BÓGUS, 2004).
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Observação

A essência da promoção da saúde é a escolha e, portanto, a liberdade.

As mudanças no campo da saúde pública, em particular a criação do


movimento da promoção da saúde, acarretaram mudanças fundamentais
nos princípios que sustentaram durante algum tempo a educação em saúde.
Na “velha” saúde pública, a educação em saúde tinha um único enfoque,
o da prevenção de doenças. A “nova” educação em saúde deve superar a
conceituação biomédica de saúde e abranger objetivos mais amplos, uma
vez que a saúde deixa de ser apenas a ausência de doenças para ser uma
fonte de vida. Assim, na sua versão contemporânea, a educação em saúde
já não se destina apenas a prevenir doenças, mas a preparar o indivíduo
para a luta por uma vida mais saudável. Nesse novo paradigma, o indivíduo
deve ser estimulado a tomar decisões sobre a sua própria vida, uma noção
de autonomia que cria um ideal de autogoverno. Da mesma maneira que
a promoção da saúde, o neoliberalismo, uma nova forma de racionalidade
política, que tem predominado nas sociedades ocidentais contemporâneas,
defende a tese do investimento na autonomia e na escolha individual
(OLIVEIRA, 2005, p. 424).

Com o que apresentamos até aqui, conseguimos retomar as discussões da unidade I deste livro‑texto,
pois a partir das bases conceituais apresentadas acerca do processo saúde‑doença e do processo
ensino‑aprendizagem, bem como a evolução e organização política da atenção à saúde, percebemos
que cada vez mais a complexidade do que compreendemos como saúde exige uma atitude de liberdade
para o alcance desta.

Com isso, a nova ética social mencionada acima envolve, obrigatoriamente, novas formas de relações,
e, nessas novas relações, inferimos a necessidade de uma nova relação de educação em saúde, pautada
não mais em normas e regras a serem cumpridas, mas em uma dinâmica de diálogo capaz de emancipar
o indivíduo na sua livre busca pela saúde, subsidiado, necessariamente, com as estruturas políticas,
econômicas e sociais pertinentes.

E assim, justifica‑se a apresentação da unidade II que nos remete a um mergulho na habilidade


de nos comunicarmos, pois para uma nova ética social que estabelece novas relações, depreende‑se a
necessidade de novas formas de comunicação, ou melhor, da conscientização da arte de comunicar‑se.

Retomando o foco desta unidade III, temos como elementos de discussão o que Oliveira (2005)
chama de modelo preventivo e modelo radical de educação em saúde. Cabe dizer que a nomenclatura
para os modelos pedagógicos, em especial os modelos de educação em saúde, apresentam variações
conforme os autores estudados, porém, a base teórico‑filosófica desses modelos pode clarificar os
pressupostos de cada um.

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5.1.2 O modelo preventivo de educação em saúde

O modelo preventivo de educação em saúde, que pode ser denominado como educação em saúde
tradicional, é permeado pelas tradições da biomedicina. O objetivo central desse modelo é a prevenção de
doenças. A abordagem preventiva da educação em saúde trabalha com a ideia de que os modos de vida
dos indivíduos, tais como alimentação com pobre equilíbrio nutricional, exercícios físicos insuficientes
ou ausentes, tabagismo, dentre outros, são as principais causas da falta de saúde. Com isso, os hábitos
insalubres são vistos como consequência de decisões individuais equivocadas. Essa forma de conceber
as causas do adoecimento compreende como uma falha moral da pessoa, o que a leva à posição de
culpada e vítima pelo seu próprio infortúnio (OLIVEIRA, 2005).

O objetivo da prevenção de doenças deve ser alcançado por meio da persuasão dos indivíduos, para
que esses adotem modos de vida saudáveis ou comportamentos considerados pelos profissionais do
campo da biomedicina como compatíveis com a saúde (TORRES; ENDERS, 1999).

Essa forma de compreender a educação em saúde considera o adoecer um ato de escolha individual.
Nesse contexto, o profissional de saúde deve conhecer os hábitos saudáveis de vida, informar a população
e esta escolher entre seguir ou não essas regras de saúde.

A educação em saúde preventiva ignora que comportamentos são sempre


interativos, o que significa que modos de vida são produtos de uma ação
recíproca de fatores socioculturais e individuais. Circunstâncias ambientais,
inclusive as normas sociais, às quais os indivíduos estão sujeitados e têm pouco
(ou nenhum) poder para mudar, e os valores culturais que organizam a vida
cotidiana, têm um impacto direto nas escolhas cotidianas das pessoas. A questão
de que a associação entre saúde e estilo de vida individual é problemática vai
ainda além da questão do equívoco de se tratar saúde e doença como resultado
direto do comportamento das pessoas. Em primeiro lugar, isso implica demasiada
simplificação da noção de “estilo de vida”, que tende a ser classificado segundo
a categoria binária de “certo/errado” (um julgamento obviamente tendencioso).
A presunção de que há certos modos de vida que deveriam ser reformados para
serem saudáveis é, em geral, informada por estereótipos que definem maior
adequação das maneiras de viver de certos grupos sociais, em detrimento das
de outros (OLIVEIRA, 2005, p. 426).

5.1.3 O modelo radical de educação em saúde

A nova abordagem de educação em saúde que responde às premissas da promoção à saúde é aqui
denominada modelo radical de educação em saúde. Na perspectiva educativa, esse modelo está pautado
na consciência crítica das pessoas para que a saúde se configure em um recurso para uma vida com
qualidade (OLIVEIRA, 2005).

A abordagem radical rejeita o uso da persuasão na promoção da mudança


de comportamento. Isso não significa que as mudanças comportamentais
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estejam fora do seu rol de objetivos. A diferença entre o modelo tradicional e


o modelo radical é que esse último busca, muito mais, a mudança social do
que a transformação pessoal. A abordagem radical da educação em saúde
tem a intenção de promover o envolvimento dos indivíduos nas decisões
relacionadas à sua própria saúde e naquelas concernentes aos grupos
sociais aos quais eles pertencem. Supõe‑se que indivíduos conscientes
sejam capazes de se responsabilizar pela sua própria saúde, não apenas
no sentido da sua capacidade para tomar decisões responsáveis quanto à
saúde pessoal, mas, também, em relação à sua competência para articular
intervenções no ambiente que resultem na manutenção da sua saúde
(OLIVEIRA, 2005, p. 428).

Para considerar efetivamente a autonomia como meta, há que se respeitar a possibilidade das
pessoas educadas optarem por agir de uma forma não saudável e, uma vez que não se coloque em risco
a liberdade dos outros, esse deve ser visto como resultado final aceitável de um processo educacional
(WEARE, 1995).

Essa informação é real, porém complexa de ser vivida, devido ao estabelecimento de relações de
poder, conscientes ou não, em nossas relações sociais. Portanto, enquanto profissional da saúde, em
geral a pessoa se percebe em um patamar superior de poder em relação ao usuário do serviço de
saúde, ao menos pelo mérito do conhecimento. Assim, desenvolver a humildade para uma relação
na qual o resultado pode ser diferente do que se espera é um grande desafio. Desafio necessário no
estabelecimento da nova ética nas relações para a promoção da saúde, uma ética pautada na liberdade
que requer autonomia.

A ideia apresentada no parágrafo anterior é reforçada por Oliveira (2005); este contribui afirmando
que um ponto problemático na metas do processo de empowerment (palavra sem tradução literal no
português que significa algo como “empoderamento”) no campo da promoção da saúde e educação em
saúde é o que se refere à aceitação acrítica da proposição de uma relação igualitária entre educadores
e educandos.

O processo de aprendizagem requer a ação de influências recíprocas entre o educador e o educando,


apontando que a promoção de escolhas saudáveis a partir da educação não significa, necessariamente, o
investimento em uma autonomia absoluta. Não é tarefa fácil garantir que o contexto da ação educativa
seja permeado por uma distribuição equânime de poder (OLIVEIRA, 2005).

Em geral, os educadores em saúde são profissionais com formação em saúde e, assim, são considerados
como experts, status que pode dificultar a promoção da livre escolha. Desse modo, com respeito à
natural pressão do conhecimento dos profissionais da saúde sobre as escolhas das pessoas é relevante
saber que a promoção de decisões autônomas é ainda mais complexa por envolver relações de classe,
gênero, idade e raça (OLIVEIRA, 2005).

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Saiba mais

A leitura que contempla os assuntos aqui apresentados para um


fechamento ampliado dessa discussão é o artigo:

LOPES, R.; TOCANTINS, F. R. Promoção da saúde e a educação crítica.


Interface – Comunic., Saude, Educ., v. 16, n. 40, p. 235‑46, 2012.

Leia o trecho a seguir extraído do jornal de debates de 1º de setembro de 2007 – Educação Egípcia,
por Nelson Valente:

Um dos traços marcantes da cultura egípcia foi o seu realismo. Esse aspecto se
evidencia quando analisamos o espírito e a organização da educação dos egípcios.
Como todos os sistemas pedagógicos orientais, a educação egípcia visou à transmissão
às novas gerações de uma tradição revelada, de um tesouro cultural, considerado como
de origem divina.

A formação religiosa e espiritual representou um dos objetivos primaciais da


educação egípcia. A sociedade egípcia era dividida em numerosas classes, ainda
que sem a fixidez e a impenetrabilidade das castas hindus: sacerdotes, guerreiros,
escribas, comerciantes, operários, camponeses. A classe sacerdotal era a mais elevada
e tinha a seu cargo a direção intelectual, moral e religiosa da nação, como “detentora
que era das tradições, da literatura, da filosofia, das ciências, consideradas como
patrimônio sagrado e inalienável, de que só a pessoas reais podiam de certo modo
compartilhar”. Sucedia à casta sacerdotal, a classe guerreira, embora grande parte
fosse constituída de estrangeiros mercenários. Os escribas eram letrados que tinham
estudado e sabiam ler, escrever e calcular. Desempenhavam cargos públicos, eram
sustentados pelos faraós, recebiam doações de terras e gozavam de certos privilégios
à maneira dos mandarins chineses.

Agora leia o trecho a seguir extraído do texto de Severino (2000):

O quadro da realidade social e educacional do Brasil mostra bem o quanto a existência


histórica dos brasileiros está longe de atingir um patamar mínimo de qualidade. Mostra
também o quanto é ainda grave o déficit educacional em termos quantitativos e
qualitativos (acesso restrito à educação e qualidade de ensino questionável) e como é
ainda grande o desafio para os gestores da educação no Brasil. [...] Se a educação pode
ser, como querem as teorias reprodutivistas, um elemento fundamental na reprodução de
determinado sistema social, ela pode ser também elemento gerador de novas formas de
concepções de mundo capazes de se contraporem à concepção de mundo dominante em
determinado contexto sociocultural.

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Exemplo de aplicação

Reflita a partir dos seguintes questionamentos:

1. Considerando o seu conhecimento sobre a evolução histórica da educação, cite uma crítica ao
modelo educacional egípcio.

2. Cite uma semelhança entre o acesso à educação na educação egípcia e na atual realidade da
educação no Brasil citada por Severino (2000).

3. Considerando o seu conhecimento sobre estratégias de ensino, que estratégias educativas


são condizentes para estabelecer uma educação que promova a geração de novas formas de
concepções de mundo e não a reprodução dos sistemas sociais estabelecidos?

6 MODELOS DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE: REFLEXO DO CONTEXTO HISTÓRICO

Retrospectivamente, já na Idade Média acreditava‑se na importância da educação em saúde,


certamente não com essa denominação, porém, recomendando‑se que o regime alimentar fosse correto,
as práticas de higiene adequadas e as horas de sono prolongadas, o que contribuiria para o aumento na
longevidade dos indivíduos (PELICIONI; PELICIONI, 2007).

De acordo com Silva et al. (2010), a tríade educação, saúde e suas práticas eram e continuam sendo
orientadas pelas concepções de saúde vigentes em cada momento histórico e pelos modelos de atenção
implantados nos serviços, sendo a educação em saúde influenciada diretamente pelos acontecimentos
políticos.

Desta forma, a crítica às fases da educação em saúde deve considerar seus respectivos tempos e
espaços, uma vez que cada época sofrerá suas influências, refletirá suas tendências e reproduzirá suas
concepções (PELICIONI; PELICIONI, 2007).

Um dos paradigmas educacionais discutidos na atualidade refere‑se à escola tradicional que, além
de servir como referencial aos modelos que a sucederam, encontra‑se em vigência até os dias de hoje
(LEÃO, 1999). Chagas et al. (2009) acreditam que a “pedagogia tradicional” ainda é predominante e
caracterizada como prática que desconsidera o saber dos aprendizes e coloca o educador como único
detentor do saber válido, não permitindo que o indivíduo procure por melhores condições de vida e
saúde a partir de suas experiências.

Santos et al. (2011) complementa, referindo‑se ao emprego desse modelo como prática na qual
o conhecimento científico do profissional deve ser incorporado pelo usuário. Afirmam ainda que
este modelo caracteriza‑se pela dominação do profissional de saúde sobre os usuários, os quais são
responsabilizados pela redução dos riscos à sua saúde.

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Segundo Freire (2005), este modelo apresenta‑se como a concepção “bancária” da educação, em
uma relação predominantemente narradora de conteúdos muitas vezes desconectados da realidade dos
indivíduos. Isto, por sua vez, faz da educação um ato de depositar, sendo o educador o depositante e os
educandos o depósito. Nesse processo, o educador torna‑se o único e real sujeito, sendo que, ao invés
de comunicar‑se, apenas faz “comunicados” aos educandos, meros objetos que recebem pacientemente,
memorizam e repetem. O autor resume o modelo nos seguintes itens:

• o educador é o que educa; os educandos, os que são educados;

• o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem;

• o educador é o que pensa; os educandos, os pensados;

• o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente;

• o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;

• o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos, os que seguem a prescrição;

• o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão que atuam;

• o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se


acomodam a ele;

• o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe
antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar‑se às determinações daquele;

• o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos (FREIRE, 2005, p. 68).

Acredita‑se que o vislumbre de um rompimento com essa prática teve início a partir do contato
dos profissionais de saúde com a educação popular. O movimento começou a partir da insatisfação
de muitos intelectuais latino‑americanos que, desde a década de 1950, aproximavam‑se das camadas
populares buscando uma metodologia alternativa à autoritária praticada pelas elites quando abordavam
a população. Descobriram que as classes populares não constituíam uma massa carente, passiva e
resistente a mudanças, uniam‑se em grandes movimentos em busca do enfrentamento de seus problemas
e compartilhavam muitas iniciativas de solidariedade. Na verdade, perceberam que essa classe abarcava
um saber riquíssimo que os permitia viver com alegria até mesmo em meio a adversidades. Com isso,
os intelectuais descobriram que se colocassem o seu saber e trabalho à disposição dessas iniciativas
populares alcançavam resultados surpreendentes (SANTOS et al. 2011).

O educador Paulo Freire não foi o inventor da educação popular, porém, foi quem primeiro
sistematizou teoricamente a experiência acumulada através deste movimento. Por esse motivo, em
muitos países a educação popular costuma ser chamada de pedagogia freiriana (VASCONCELOS, 2007).

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Nesta perspectiva, a Fundação Nacional de Saúde (2007) acredita que a educação em saúde é
uma prática social, contínua, sistemática e permanente que envolve a capacitação do indivíduo na
aquisição de uma consciência crítica a respeito de seus problemas de saúde. Parte da reflexão acerca
das dificuldades vivenciadas no dia a dia, buscando‑se soluções coletivas ou individuais com vistas à
transformação da realidade em estudo.

Utilizando‑se o termo “participação” no sentido de “tomar parte; assumir o que é seu de direito;
ser sujeito e ator; assumir o controle social”, podemos dizer que o estímulo à busca de soluções pelos
próprios sujeitos envolvidos no processo promove a sua ação real no exercício do controle social,
reafirmando‑se assim a educação como um sistema baseado na participação de pessoas visando à
modificação de determinadas situações (FUNASA, 2007).

Por conseguinte, podemos dizer que a finalidade da educação em saúde é a transformação, o que
contribui firmemente à consolidação dos princípios e diretrizes do SUS: universalidade, integralidade,
equidade, descentralização, participação e controle social. Os agentes desse processo compõem‑se não
apenas de profissionais de saúde, mas também de grupos sociais e da população em geral que, uma
vez concentrados sobre a realidade, buscam conhecê‑la, compreendê‑la, desvendá‑la e atuar sobre no
intuito de transformá‑la. À medida que ocorre a transformação, os próprios sujeitos se transformam
durante o processo, respeitando‑se ambos os saberes, científico e popular, que permanentemente se
reconstroem (FUNASA, 2007).

Visualizamos o caráter transformador da educação quando os indivíduos assumem posicionamentos


que não tinham antes, reelaboram seus conhecimentos utilizando formas diferentes de se expressar,
mostram atitudes de apoio e afeto entre si, quando se verificam sentimentos de respeito, confiança,
solidariedade e responsabilidade. Nestes casos, percebemos a verdadeira libertação da situação opressora
que foi concedida através da atuação transformadora (DAMASCENO; SAID, 2008).

Esta visão educativa, conforme afirmado por Santos e Penna (2009), é incompatível ao modelo
normativo e autoritário que visa à transmissão de informações, o qual, segundo as autoras, é insuficiente
para promover o aprendizado.

Santos; Penna (2009) ainda complementam dizendo que a educação em saúde representa um dos
principais pilares da promoção da saúde e uma maneira de cuidado que leva ao desenvolvimento da
consciência crítica e reflexiva para a emancipação dos sujeitos ao possibilitar a produção de uma saber
que leva as pessoas a cuidarem melhor de si e de seus familiares. Ainda neste modelo educacional,
Chagas et al. (2009) concordam com o pensamento do educador Paulo Freire (2005) ao afirmarem
que a educação tem o papel de conscientizar objetivando a modificação de uma realidade indesejada,
utilizando‑se da liberdade e do diálogo para se passar de uma visão ingênua a uma consciência crítica.

Tanto Leão (1999) quanto Pellicioni; Pellicioni (2007) e Chagas et al. (2009) consideram que ambos os
modelos educacionais acima descritos coexistem na atualidade. Silva (2007) também acredita que após
a implantação do SUS, diferentes movimentos articulam‑se simultaneamente. Ainda que permaneça a
educação tradicional com o seu poder centrado nas mãos do profissional de saúde, a educação popular,
inicialmente tomada como método alternativo de prática educativa, vem saindo das margens da
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sociedade para ocupar lugar na incorporação de outras práticas e espaços educativos, buscando assim o
empoderamento comunitário e o encorajamento e apoio para que os sujeitos e grupos sociais assumam
maior controle sobre suas vidas e saúde.

Para Paulo Freire (2006), educar exige condições básicas que são apresentadas em seu livro intitulado
Pedagogia da autonomia: saberes necessários para a prática educativa, nesta obra, ele consegue sintetizar
suas ideias e produções anteriores e contribui com os seguintes ensinamentos:

Não há docência sem discência, ensinar exige:

• rigorosidade metódica;

• pesquisa;

• respeito aos saberes dos educandos;

• criticidade;

• estética e ética;

• a corporificação das palavras pelo exemplo;

• risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação;

• reflexão crítica sobre a prática;

• o reconhecimento e a assunção da identidade cultural.

Ensinar não é transferir conhecimento, ensinar exige:

• consciência do inacabamento;

• reconhecimento de ser condicionado;

• respeito à autonomia do ser educando;

• bom senso;

• curiosidade;

• apreensão da realidade;

• alegria e esperança;

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• convicção de que a mudança é possível;

• humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores.

Ensinar é uma especificidade humana, ensinar exige:

• competência profissional e generosidade;

• comprometimento;

• compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo;

• liberdade e autoridade;

• tomada consciente de decisões;

• saber escutar;

• reconhecer que a educação é ideológica;

• disponibilidade para o diálogo;

• querer bem aos educandos.

Resumo

Nesta unidade apresentamos a evolução histórica dos pensamentos


pedagógicos para aprofundar nossa compreensão na origem de muitos
costumes e práticas referentes à prática educativa. Cabe destacar as
influências de cada período histórico nas realidades educativas atuais.

A partir do panorama histórico desses pensamentos pedagógicos,


passamos a destacar as práticas de educação em saúde como uma ação
voltada para a promoção da saúde.

A educação para a promoção da saúde vem sendo reconhecida por


diversos autores como fator indispensável à melhoria da qualidade de
vida. Assim, as práticas de saúde, adequadas ou não, constituem fatores
preponderantes sobre as decisões que os indivíduos tomarão ao longo
de suas vidas, podendo contribuir com a diminuição, manutenção ou o
aumento em seus níveis de saúde (PELICIONI; PELICIONI, 2007).

50
PRÁTICAS EDUCATIVAS EM SAÚDE

Sabe‑se, entretanto, que essas decisões não podem ser consideradas


como atitudes de responsabilidade absolutamente individual, pois há que
se considerar a estrutura cultural, econômica e política que influenciam as
decisões tomadas pelas pessoas.

Dessa forma, a educação em saúde para promover saúde se


apresenta a partir de modelos distintos. Para Oliveira (2005), temos
o modelo tradicional e o modelo radical de educação em saúde.
O primeiro compreende a transmissão de informações para que
os indivíduos possam fazer escolhas individuais que terão como
consequências mais ou menos saúde. O segundo, denominado radical,
prevê ações coletivas que oferece ao indivíduo a liberdade de refletir e
tomar decisões autônomas e conscientes frente aos fatores que levam
ou não à saúde.

Por fim, conhecer as influências históricas, culturais, econômicas


e políticas que sustentam modelos distintos, nos ampara em uma
compreensão mais ampla e crítica acerca de cada um.

Atualmente constata‑se a coexistência de modelos distintos na prática


de educação em saúde.

Outro destaque nesse capítulo é a contribuição que Paulo Freire


apresenta sobre a educação bancária a qual podemos aproximar do
que chamamos de modelo tradicional. Nesse modelo pedagógico,
resumidamente, o foco é a transmissão de informações e responsabilização
do outro pelas suas escolhas.

Em contraponto, o autor contribui com elementos fundamentais para


uma prática de educação que leva à autonomia e apresenta elementos
necessários no processo ensino‑aprendizagem.

Essas contribuições da área da educação podem, evidentemente,


ser transportadas para a realidade da saúde e subsidiar as práticas de
educação em saúde em conformidade com o modelo radical apresentado
por Oliveira (2005).

Exercícios

Questão1. “Desde o surgimento do homem, (a educação) é prática fundamental da espécie,


distinguindo o modo de ser cultural dos homens do modo natural de existir dos demais seres vivos”.
(SEVERINO apud GADOTTI, 2001).

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Unidade II

Referente à evolução do pensamento pedagógico no Brasil e no mundo, considere as afirmativas


a seguir:

I – Na perspectiva atual do ensino brasileiro destaca‑se a discussão sobre o ensino pós‑moderno e multicultural.

II – No pensamento pedagógico crítico, algumas teorias abordam o sistema de ensino como


função ideológica.

III – O pensamento pedagógico brasileiro é considerado pobre em relação ao de outros países e está
estagnado, sendo possível reduzi‑lo a esquemas.

Dentre as afirmativas anteriores:

A) Todas as afirmativas estão corretas.

B) Apenas as afirmativas II e III estão corretas.

C) Todas as afirmativas estão incorretas.

D) Apenas as afirmativas I e II estão corretas.

E) Apenas as afirmativas I e III estão corretas.

Resposta correta: alternativa D.

Análise da questão

Apenas as afirmativas I e II estão, de fato, corretas. A afirmativa III está incorreta porque o pensamento
pedagógico brasileiro é rico e está em desenvolvimento contínuo.

Questão 2. “As mudanças no campo da saúde pública, em particular a criação do movimento da


promoção da saúde, acarretaram mudanças fundamentais nos princípios que sustentaram durante algum
tempo a educação em saúde. Na “velha” saúde pública, a educação em saúde tinha um único enfoque, o
da prevenção de doenças. A “nova” educação em saúde deve superar a conceituação biomédica de saúde
e abranger objetivos mais amplos, uma vez que a saúde deixa de ser apenas a ausência de doenças para
ser uma fonte de vida” (OLIVEIRA, 2005). Referente aos modelos de educação em saúde apresentados
por este autor, assinale a alternativa correta:

A) O modelo de educação em saúde tradicional enfoca os aspectos sociais que envolvem as escolhas
por hábitos saudáveis.

B) O modelo radical de educação em saúde tem como característica o radicalismo autoritário de


impor normas de conduta para o alcance da saúde.

52
PRÁTICAS EDUCATIVAS EM SAÚDE

C) O modelo de educação em saúde tradicional enfoca os aspectos individuais que envolvem as


escolhas por hábitos saudáveis. Esse modelo pode levar a uma responsabilização do sujeito quanto
ao seu estado de saúde.

D) O modelo radical de educação em saúde é sustentado pela filosofia positivista e é reducionista


quanto aos fatores que levam ao adoecimento.

E) A verdadeira libertação de situações opressoras são resultados de uma atuação transformadora a


exemplo do modelo tradicional de educação.

Resolução desta questão na plataforma.

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