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RESUMO
Nesta pesquisa, procuro problematizar as experiências da alimentação de pessoas vivendo
com diabetes, tendo como enquadramento teórico os sentidos subjectivos. Tento analisar as
experiências vividas da alimentação no contexto da diabetes, nos enfermos que estejam sob
cuidados médicos. Através do método etnográfico fundamentalmente baseado na observação em
residências dos interlocutores em Quissico e nas entrevistas etnográficas, produziram-se dados que
me possibilitaram explorar e reflectir em volta dos sentidos subjectivos construídos sobre a
alimentação no contexto da diabetes. Argumento que a experiência da alimentação vivida pelas
pessoas vivendo com a diabetes enquanto prática experienciada e de sentidos por eles atribuídos,
desafia noções de padronização nutricional, normatização, moralidade biomédica e cultural,
comprovando ser problemático pensar a alimentação no argumento funcional, material e do apelo
racional. Assim através de realidades socialmente circunscritas, à alimentação ganha sentidos
subjectivos diversos, função das circunstâncias circunscritas nos enfermos.
Palavras-Chave: sentidos subjectivos, racionalidade nutricional, diabetes, Quissico;
Moçambique.
1. Introdução
A famosa frase do antropólogo Claude Lévi-Strauss, “um alimento não é somente bom
para comer, mas também bom para pensar”, é uma pista formidável para problematizar a
alimentação enquanto prática social passível de análise sócioantropológica, afinal a antropologia
como ciência que estuda o humano em sua especificidade e universalidade, sempre teve interesse
na análise da comida como hábito específico de uma sociedade ou grupo, (Mintz, 2001:32).
Embora se tenha estudado muito sobre a alimentação na vida humana, a temática ainda
configura-se longe de ser esgotada, constituindo assim um dos desafios para os pesquisadores
sociais. Entre as possíveis instigações que permeiam o interesse pela temática, as seguintes
dicotomias: alimentação como recurso terapêutico (Cousens, 2001; Kathleen, 2018), e
alimentação como prática cultural e identitária (Da Matta 1984; Lévi-Strauss, 1965), chamam
atenção. Nestas duas a dicotomia, biomédica com a sua tendência na vinculação da medicalização
1
Mestrado em Antropologia Social- Especialista em Antropologia da Saúde, Doença e Tratamento, pela
Universidade Eduardo Mondlane. Graduado em Ensino de História com Habilitações em Ensino de Geografia.
Endereço electrónico: apariciofrance@gmail.com
e “racionalidade nutricional da comida, ganha um certo protagonismo, principalmente na gestão
de doenças crónicas” (Viana, 2015:2) e diabetes considerada doença do “deficit nutricional”
(Canguilhem, 2010:26), ocupa o lugar de destaque.
Na sequência do protagonismo biomédico, na gestão de alimentação nas pessoas vivendo
com diabetes, a relação de profissionais da saúde com os enfermos tem sido marcada pela
produção de estereótipos, definidos em dois grupos: a) aqueles que cumpre com as
recomendações nutricionais ao pé da letra, os que “comem para viver” e portanto os “bons”
pacientes” por um lado, e por outro lado os xifa xidjile2, considerados condescendentes com o
apetite, aqueles “que vivem para comer” ao exemplo Tarrare, o Glutão de Paris, que gostam de
comer “tudo”, ou seja que se enquadra na categoria de que “comer é gostar” (Da Matta: 1984:53).
Entretanto a alimentação de pessoas vivendo com diabetes não pode ser vista nesta
maneira racional reduzida, como propôs Márcia Viana nos seguintes moldes:
“O acentuado 3enfoque da alimentação dado ao biológico, culmina com o actual estado
de excessiva racionalidade do processo alimentar e nutricional, principalmente por trata-lo
apenas sob a óptica fisicalista dos nutrientes e sua relação com o organismo. Considerar
tal processo apenas a partir do que acontece dentro de um corpo destitui-o da
possibilidade de contemplá-lo inserido no contexto da sociedade, cujo bojo oferece
inúmeras possibilidades de representação e significação que a comida pode adquirir ao
2. Metodologia
O enfoque analítico usado neste artigo é sentido-subjectivo, operacionalizado através da
etnografia realizada no Município de Quissico3, durante três meses (Outubro à Dezembro de
2022).
O sentido subjectivo é uma categoria desenvolvida por González (2003) para
compreender a forma como a subjectividade se organiza como processo. Essa definição
representa a categoria central da teoria da subjectividade, pois a partir dela compreendem-se
como diferentes processos, sociais e individuais, são configurados na experiência da pessoa. Os
sentidos subjectivos organizam-se em espaços simbólicos, criando pontes na relação entre o
individual e o social na sua organização, como pode se vislumbrar no seguinte extratacto:
“Os sentidos subjectivos são produções que têm lugar no curso na vida social e da cultura,
mas não estão determinados nem por uma nem pela outra, não são um reflexo desses
múltiplos processos, senão uma nova produção que os especifica em seus efeitos para
quem os vive” (González, 2010: 12).
3
Vila Municipal de Quissico está localizada no distrito de Zavala, Província de Inhambane, extremo sul de
Moçambique
A categoria sentido subjectivo rompe com a ideia de determinação linear do social em
relação aos processos individuais, pois sua organização define-se pela forma com que a pessoa
qualifica sua experiência no mundo a partir de processos emocionais e simbólicos que delimitam
essa experiência. A primícia dessa categoria, parte do pressuposto de que nenhuma experiência é
boa ou má, a priori, mas depende da maneira como é configurada pela pessoa na sua vida. Com
relação as doenças crónicas, várias representações e crenças fazem parte do imaginário social, o
que não significa que sejam subjectivadas da mesma maneira por todos os pacientes na condição
crónica, ou seja, a produção de sentidos subjectivos é singular e organizada pela pessoa em uma
experiência vivida que é alimentada por sua história e o seu momento actual de vida.
A pesquisa teve como o recorte do universo empírico, pessoas vivendo com diabetes, ou
cuidando pessoas vivendo com diabetes, e residentes em Quissico. Ao todo foram entrevistadas
dezassete pessoas, das quais sete mulheres e dez homens. Das sete mulheres, três vivem com
diabetes e quatro acompanhantes. Dos dez homens, quatro vivem com diabetes e os restantes são
acompanhantes. A identificação dos informantes fez-se na comunidade. Tratando-se de uma
sociedade “aberta” no sentido de sociabilidade onde todos se conhecem e têm um certo grau de
parentesco, foi fácil identificar os interlocutores, usando a técnica da bola de neve presente em
Jenice Penrond (2000).
Quanto à idade dos interlocutores, estas variavam de entre 35 a 70 anos, ocupando
diferentes pontos de Quissico (centro e preferia). Deste universo, cinco pessoas possuíam uma
certa provisão económica. Neste grupo, dois portadores da diabetes eram funcionários públicos
no activo, um comerciante e duas professoras aposentadas. Os demais interlocutores eram
desempregados. Para gerirem a sua alimentação, dependiam basicamente de actividades
agrícolas, pequenos trabalhos domésticos ou agrícolas o que de certa forma os colocavam em
uma experiência desfavorável na alimentação.
A ideia central da pesquisa foi de captar sentidos atribuídos a alimentação nessa condição
“pacientes” dado a supremacia da lógica biomédica na relação terapêutica entre pacientes e
técnicos de saúde.
“A maioria não consegue fazer na íntegra. A gente passa a dieta e eles acabam se alimentando
escondidos. Tem problemas de aceitar a doença como um todo, não tomam a medicação como
deveriam, alimentam-se mal e pensam que vão sarar a diabetes. (...) Às vezes escondem-se de nós,
faltam com a verdade. De certa forma eles são os xifa xi djile porque você fala, fala e eles acabam
não fazendo da forma adequada” (Técnico Américo, 34 anos de idade, diário do campo, 2021)
“São sifa xi djile por ter uma visão normal de poder comer tudo o que quiserem, poder ir numa
festa e tomar refrigerante, bebida. É grande rebeldia quando eles fazem tudo errado de propósito,
no lugar de cumprir com as orientações dos técnicos. No fundo pensar que nós queremos priva-los
da sua independência. Não é de duvidar, já dizia grande Séneca que uma parte da cura é o desejo
de se curar”, (Técnica Joana, 28 anos de idade, diário do campo, 2021).
“Como já lhe disse (a referir-se ao dia anterior à esta conversa), eu já fui Sr Paulo. Não
tinha muitos recursos financeiros, mas tinha prestígio social. As pessoas respeitavam-me.
Afinal eu era homem casado, líder espiritual numa das maiores igrejas do país [por
questões de ética de pesquisa não citarei o nome]. De forma geral a minha vida não era
triste, tinha algo que me fazia ser feliz, nunca me faltou comida na minha mesa. Olha que,
podia não comer as ditas guloseimas [risos], mas comida saborosa não faltava. Uma carne
assada de porco, que mais gosto, uma cervejinha gelada, humm. Mas tudo viria a ser
interrompido com a chegada da diabetes. A diabetes roubou e ainda está roubando a
minha felicidade. A cozinha tornou-se pobre e sem interesse, para além de ser interditado
de comer certos alimentos. E por fim o golpe final da perna. Ao tirar-me a perna,
automaticamente tirou a minha vida. A partir do dia em que fiquei assim, deixei de existir
como Paulo. Diabetes à princípio deveria ser doença para ricos, pessoas com um certo
poder de compra e não pessoas “pobres” como eu. Eu praticamente vivo graças à pessoas
de boa vontade, e às minhas irmãs que também financeiramente não estão bem.
Essa é a minha experiência e sentido de comer. Comer com a dor, o comer do refém de
favores de pessoas de boa vontade, o que quer dizer comer aquilo que é possível.
Basicamente perdi a autonomia da mesa, e isso significa perder liberdade e dignidade
humanas. Pode se dizer que eu como para sobreviver. Não como por nenhuma outra
razão, nem prazer, nem saúde, mas por fome. E, para além de tudo isto, que é uma dor,
alguém me critica, vendo-me como o último negligente ou xifa xidjile, como costumam
dizer os médicos. Mas eu não sou xifa xidjile, sou um doente que passa necessidades”
(Paulo, 64 anos de idade, diário de campo, 2021).
Este depoimento encontra uma praxis analítica na relação entre o social e o individual,
entre aquilo que se pensa ser pela maioria “ dizem que sou xifa xi djile” e o que é sentido pelo
individuo “mas eu não sou xifa xidjile, sou um doente que passa necessidades” nas experiências
vividas (González, 2007).
Desse modo, as configurações subjectivas não são vistas como causas do comportamento,
mas como sistema complexo que é fonte de sentidos subjectivos para qualquer actividade
humana. Um enfermo crónico, por exemplo, ao lidar com o processo de adoecimento, não o faz
de forma neutra por nunca haver passado por essa experiência, mas os processos subjectivos
envolvidos nessa experiência se organizam de maneira diferenciada não pelo momento actual da
pessoa, mas também pelas diferentes representações, crenças e emoções que se organizaram em
outras áreas da sua vida e se articulam com o momento do adoecimento em processos de sentido
subjectivo que modificam ou não as configurações subjectivas da pessoa.
Há na narrativa de Paulo uma estrutura processual dos momentos de uma das
experiências que vale a pena evidenciar: algo que acontece ao nível da percepção, aquela que o
interlocutor apontou como momento de ruptura: “mas tudo viria ser interrompido com a chegada
da diabetes”. As imagens de experiências do passado são evocadas e delineadas de forma aguda
como evidencia o trecho: “de forma geral a minha vida não era triste, tinha algo que me fazia ser
feliz, nunca me faltou comida na minha mesa”. Por fim a experiência se completa através de uma
forma de expressão: “pode se dizer que eu como para viver”. Não como por nenhuma outra
razão, nem prazer, nem saúde, mas sim, pela fome”.
O mais interessante para além da praxi analítica na relação entre o social e o individual,
são categorias para pensar a alimentação no contexto da diabetes, tais como: a alimentação como
um marco de ruptura biográfica e alimentação como experiência da dor no processo de
alimentação.
Referindo-se às experiências biográficas no contexto de uma doença crónica Bury (1982)
entende que a doença crónica é precisamente o tipo de experiência em que as estruturas da vida
quotidiana e as formas de conhecimento que as sustentam se rompem. A doença crónica envolve
um reconhecimento dos mundos da dor e do sofrimento, possivelmente até da morte, (..) a
diabetes, ao o tirar-me a perna, automaticamente tirou a minha vida. A partir do dia em que fiquei
assim, deixei de existir como Paulo” , os quais são normalmente vistos apenas como
possibilidades distantes ou problema dos outros (o estigma de xifa xi djile). Ademais, ela faz com
que os indivíduos, as suas famílias e redes sociais mais amplas fiquem frente a frente com o
carácter de suas relações em forma nua, rompendo com as regras “normas” de reciprocidade e
apoio mútuo, onde quando se ajuda alguém, espera-se que o mesmo retribua.
Uma das características dessa ruptura das biografias através de uma doença crónica Bury
(1982) é a mobilização de recursos. A presença ou ausência de uma rede social de apoio pode
fazer uma diferença significativa no processo da deficiência. Embora no caso específico, o Paulo
não tenha falado muito sobre uma presumível falta de redes sólidas de apoio, para além das suas
irmãs (economicamente frágeis para prestar o apoio à altura das necessidades) implicitamente
deixou a entender a sua relevância para a solução da ruptura da sua biografia, como se pode ver
nas seguintes passagens: “eu já fui Sr Paulo. Não tinha muitos recursos financeiros, mas tinha
prestígio social. As pessoas respeitavam-me”. Nesta fala fica a sensação de que com a diabetes,
Paulo perdeu todas a prerrogativas sociais que tinha, passando a ser simplesmente um doente que
passa necessidades.
Este é o sentido de comer das pessoas vivendo com diabetes. Um sentido que extravasa o
acto de comer por si, e prolonga-se a várias dimensões da vida do individuo. Enfermos como
Paulo, não se enquadra nas dicotomias levantadas na introdução do testo: a da racionalidade
biomédica (comer para viver), a cultural (viver para comer), como pode se ver no seguinte
fragmento: “pode se dizer que eu como para sobreviver. Não como por nenhuma outra razão,
nem pelo prazer e nem pela saúde”. Nesse comer para sobreviver, um conjunto de situações
atípicas são experienciadas, tais como: dor, sofrimento, estigmas, fome e exclusão social. Perante
este quadro é tentador pensar que a racionalidade biomédica na alimentação, pode ser um dos
problemas na gestão da alimentação de pessoas vivendo com diabetes, devido ao foco exclusivo
nos valores nutricionais dos alimentos, isolando o enfermo das decisões da alimentação. Assim,
sendo, tornam-se questionáveis os rótulos atribuídos aos enfermos, como é o caso de xifa xidjile.
“ Malala, ung’angulele,
Wongula ngu maso uchiwonetela.
Uchiwona to biha, uchiwona to tshura,
Wugula ngu maso uchiwonetela.
Se vês uma coisa bonita. Ergue os olhos e repara”. (Mazambiane, diário de campo,
2021)
Embora a etimologia da canção represente um conselho moral contra pessoas precipitadas
no falar, só porque deram de frente com uma realidade boa ou má e tomam julgamentos levianos
e imediatos conforme coloca Munguambe (2000: 67). No contexto das lágrimas do pesar do qual
nos encontrávamos, difícil é reduzir a música exclusivamente à esse entendimento. Vale recordar
que o interlocutor chegou até à música como desabafo conformado de alguém que vive
sistematicamente no sofrimento. “Ponho água no meu prato”, quando a comida feita por pessoas
sem restrições alimentares se apresenta como um risco à minha saúde, a título de exemplo, o
excesso do sal, óleo e condimentos (diversas especiarias usadas nas comidas).
O depoimento de Mazambiane mostra alguém que até certo ponto está socialmente
desprovido de agência para opinar e até propor medidas alimentares mais condizentes com a sua
realidade, como por exemplo panelas diferentes ou então ter-se precauções no âmbito do preparo
dos alimentos.
O cenário descrito na narrativa acima, foi bastante estudado por Michael Bury (1982) ao
propor o conceito “disrupção”, como sendo típico das doenças crónicas. A cronicidade para o
autor envolve um reconhecimento dos mundos de dor e sofrimento, possivelmente até mesmo de
morte, que normalmente são vistos apenas como possibilidades distantes ou a situação dos outros.
No meu entender a disrupção é extensiva à essas (re) invenções de sociabilidade mediante a uma
situação transformadora, como por exemplo, o calar de Mazimbiane ao se aperceber da sua
impotência de negociação a favor da sua condição de saúde junto à sua esposa.
As novas configurações condicionadas pela disrupção de “uma ordem”, no caso em que
segue a experiência vivida por Mazambiane, expandem entendimentos sobre a alimentação no
plano material, ou seja ver a alimentação simplesmente como acto de ingestão de alimentos,
excluído desses prolongamentos sociais. Neste caso qualquer normatividade, julgamento,
preconceito, estereótipo, como a categoria “xifa xidjile ”, feita relativamente a quem evidencia
um certo “descumprimento”, sem conhecer os contextos socioculturais e político-económicos
assim como factores subjectivos em volta do alimento/alimentação na condição restrita, pode
remeter à equívocos. Mazambiane terminou a conversa sobre o sentido da sua alimentação dando
a entender o sabor do sofrimento da mesma com os seguintes termos: “manje tata (pai) kha na
dimela diabeta5” (não fui pago diabetes pelo cultivo na machamba).
7. Conclusões finais
Este texto teve como principal objectivo, analisar os sentidos subjectivos configurados na
experiência da alimentação de pessoas vivendo com diabetes em Quissico. Trabalhei com pessoas
diagnosticadas com diabetes pela biomedicina e que por inerência estavam sob os cuidados
biomédicos (não exclusivamente). Para tal privilegiei a voz e os termos dos ou seja, os sentidos
subjectivos dos participantes na pesquisa, destacando os determinantes societários que inferem
nas experiências da alimentação e na construção dos sentidos.
A alimentação vista como prática terapêutica para pessoas enfermas por diabetes e sob
cuidados biomédicos produz ambivalências, pois por um lado é orientado pelos profissionais de
saúde a sua observação escrupulosa, como um aliado fundamental para a regeneração da saúde
nos “pacientes com diabetes” através dos ditos alimentos antidiabéticos. E por outro lado se
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Os termos tata kha na dimela (não fui pago diabetes pelo cultivo na machamba) colocadas juntas no mesmo
contexto na etimologia chope, são usadas para expressar a mais profunda dor, o mais profundo sentimento de pesar
perante uma situação cruel imposta por outrém.
configura num grande problema no quotidiano dos enfermos. Entre vários factores que concorre
para esta apreciação destacam-se: aspectos culturais, sociais do alimento e da alimentação de
Quissico, o poder aquisitivo e questões ligadas ao prazer na alimentação.
Esta ambivalência torna a alimentação na condição de diabetes num campo de múltiplas
experiências, representações e sentidos que vão variando, gerando outras perspectivas e
posicionamentos em função dos factores acima arrolados, como também do papel que a pessoa
desempenha na relação com a alimentação: profissional de saúde, enfermo e acompanhante do
enfermo.
A maior parte dos profissionais de saúde consideraram a alimentação imprescindível para a
saúde dos pacientes diabéticos, remetendo esta orientação numa lógica reducionista e dicotómica,
da qual os pacientes ou deviam cumprir as prescrições nutricionais, ou escolhem a alimentação
condescendente e complicar mais a saúde. E neste contexto, os pacientes que se encontravam à
margem das orientações eram frequentemente vistas como rebeldes, suicidas e pessoas
condescendentes com apetite”, valendo este último o rótulo sifa shi djile. Entretanto, a
classificação com base nos rótulos demostrou-se menos coerente com as diversas experiências da
alimentação no contexto de cronicidade por diabetes, visto que a mesma estava condicionada por
certos determinantes societários, com o destaque para os económicos e socioculturais.
O grande contributo dessas reflexões levantadas, foi de permitir a construção do
entendimento questionador que permeia essa pesquisa, em relação a forma como a alimentação
têm sido entendida e administrada as pessoas vivendo com diabetes, que como já destaquei reduz
o alimento exclusivamente a atributo nutricional sob doutrina “ salvar vidas”, no que
contraponho, argumentando que a alimentação é muito mais que isso. Devendo nesse caso ser
vista nos sentidos subjectivos de cada enfermo.
Nisto concluiu-se que os rótulos, preconceitos construído por cima das fragilidades no
cumprimento das prescrições nutricionais, principalmente aos pacientes sob cuidados médicos
demandam o conhecimento real dos sentidos subjectivos de cada situação concreta no individuo
diagnosticado. Conhecer as diversas lógicas subjacentes por de trás do portador da diabetes ou da
família, antes da rotulagem.
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