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Escritos

Proibidos

Por
Aparício F. Nhacole

*
Rosto pálido, olhos vermelhos, mãos nos queixos, joelhos entre as orelhas e

corpos encostados na parede a busca de suporte, marcavam o clima deprimente na

majestosa sala do palácio, na verdade o único reduto de lamentações do Vandro e

seus irmãos deixado pelo pai.

Eu queria ser juiz pontuava Vandro, eu médico (apontava outro), piloto de

seguida o outro. Eram desejos recitados em formas de sonhos frustrados, planos

impossíveis. E mais do que esses planos frustrados estava o pesadelo de saber que

não podiam contar com mais ninguém na vida, a não ser Deus e a sua humilde mãe.

A morte se tinha revelado prematuramente para o pequeno Vandro, agora

emancipado de forma compulsiva a homem responsável pelo tirano das trevas (a

morte). Esse tirano usando das suas densas trevas tirou aquilo que era considerado

pelo Vandro o último baluarte da fortaleza pessoal: a sua amada a avó Celeste e seu

respeitável e venerado pai Sr Jonas, falecidos em circunstâncias que não preenche


nenhuma lógica racional se não aquela descrita em São Mateus de que o inimigo

vem apenas para matar e roubar.

No meio desse ambiente deprimente, Vandro rompeu o silêncio com as

batidas na cabeça e no peito com uma exclamação que desafia qualquer mente, até

dos gurus da inteligência emocional artificial: O que o Pai queria escrever! Porque

não lhe deixaram escrever! Essas exclamações, na verdade perguntas

(principalmente) a primeira dificilmente teriam respostas definitivas, justo porque a

única pessoa que poderia responder não estava vivo, tinha partido com suas

palavras, com o seu saber e possivelmente com a vida e os sonhos dos seus filhos,

da sua família e de todos que o amavam.

A propósito, quanto valem as palavras de um moribundo? Quanto poderia se

pagar para estarmos ao lado da pessoa que amamos e escutarmos a fala delas em

seus últimos minutos da vida?

Este pequeno romance, tenta abordar uma situação muito comum na maior

parte de famílias moçambicanas. Os vazios deixados pela ocasião do falecimento

de alguém. As pessoas não só desparecem do mundo, como também vão com todo

manancial da vida em forma de palavras, deixando os vivos sem moletas para

andar, isto porque não deixam as instruções enquanto podia.

Quantas esposas se encontram em situações de extrema miséria, sem mínimo

sustento para os filhos pela ocasião da morte do marido, entretanto com cartões
cheios de dinheiro nos bancos deixados pelos malogrados? Quantos

empreendimentos entram em falência, por falta dos “segredos chaves” não

revelados aos beneficiários pelos cabeças?

Caro (a) leitor, se esse livro chegou nas suas mãos, é o sinal de que você

ainda esta vivo. Não cometa o erro deliberado de partir para outra realidade sem

deixar o tesouro aos descendentes. Alias como diz a Bíblia, “não deixa para

amanhã o que pode fazer hoje”. Toma coragem, e fala ou escreve.


**

Indo para nunca voltar


Quinta-feira, Burgfirst, escritório companhia mineira de platina - África de Sul.

_Alóoo. Bom dia vovó! Como está? – Perguntava o Sr Jonas a sua sobrinha que

ligara de Moçambique naquela triste manhã do dia 12 de Junho.

_ Tio, não trago boas notícias._ Nesse exacto momento o coração de Sr Jonas

parava de pulsar e os ouvidos ganhavam formato de um cachorro solitário tentando

captar sinal de um perigo. Afinal a voz da sua sobrinha era conhecida pela sua

potencialidade acústica e harmoniosa, aprazível de se ouvir, qualidades que não se

ouviam no momento da ligação. O poder e a vontade de transformar aquele

pesadelo preste a ouvir numa mentira de dia 1 de Abril era um desejo que aliviaria

o Sr Jonas, que já se sentia socialmente carregado, pois não só respondia pela vida
dos seus filhos, da mãe e cunhada como também de suas duas irmãs viúvas. Ele era

o único homem da família, destino esse causado pelas mortes em série do seu irmão

mais velho, seu pai e os seus dois cunhados.

_ O que aconteceu vovó? Questionava o Sr Jonas, mesmo sabendo que não queria

saber da resposta.

_ Tio a avó tomou veneno e está grave. Não fala, não se mexe. Neste momento

estamos correndo para hospital. Punha detalhes do infortúnio a sobrinha Mãe

carinhosamente chamada por vovó, em virtude de ser xara da irmã do avo paterno

do Sr Jonas.

_ Não entendi bem. A minha mãe tomou veneno?

_ Sim tio. Respondia a sua sobrinha com a voz tremula e carregada de tanto pesar.

Afinal não passava dois anos que perdera o pai e pelas mesmas circunstâncias.

_ Mamã pha! Porque ela fez isso? Esse assunto de ingerir veneno de novo? _

Questionava o Sr Jonas com as poucas forças que lhe restavam na sua debilidade

emocional, carimbando a certeza do que ouvira constituía a verdade.

De outro lado a sobrinha Mãe, se sentia desarraigada da vida, como árvore

arrancada do solo por uma tempestade tropical impiedosa. Tudo o que

experimentava era dor no peito, ao ver a sua avó com rosto dormente, morrendo

agonizante e sem nenhum poder para mudar o quadro e trazer de volta a sua vida.

Esse é o mistério da vida. O homem só tem uma vida original. Não existem
rascunhos para ensaios. Desperdiçou-a ela escapa, destroçando irreparavelmente

corações daqueles que o amam.

_Tio não sei. Ninguém sabe ao certo.

_Obrigado por me avisar vovó. Embora não me sinto bem, irei sair ainda hoje para

aí. Peço para continuamente me informar.

_ Está bem tio irei-lhe informar de tudo. Tchau.

_ Tchau.

_ Com licença chefe.

_ Entra.

_ Bom dia chefe _ Saudava o Sr Jonas ao seu chefe com um ar muito apressado.

_Bom dia como está?

_ Nada bem chefe. Recebi notícias tristes de casa a pouco tempo. A minha mãe está

hospitalizada e num estado muito critico. Tenho que partir para Moçambique

urgentemente.

_ Que noticia triste Jonas. Que foi? Questionava Lezi de forma impulsiva e

dessossegada ao ler os códigos de barra dissimulados de rugas no rosto do seu

amado fiel parceiro Sr Jonas.

_ Tentativa de suicídio. Minha mãe tentou se matar._ Antes que terminasse as

palavras as lágrimas acompanhando a dor da alma molhavam descontroladamente o


rosto inconformado do Sr Jonas, ao mesmo tempo que soluços apareciam no lugar

dos prantos.

_ Toma. O Sr Lezi oferecia um lencinho para enxugar pelo menos as lágrimas,

porque a alma era um oceano de dor.

_ Obrigado_ O Sr Jonas recebia o lencinho sem levantar o rosto.

_ Amigo lamento muito por isso. Peço encarecidamente para tentar ser forte.

Espero que tudo dê certo e que sua mãe saía desta situação_ Lezi mostrava a sua

pobreza do vocabulário na tentativa de consolar o seu parceiro que ficava

desconsolado. O ser humano pode ser um douto linguístico, expressivo

afincadamente quando o mesmo estiver em sã consciência. Do contrário a

eloquência é castrada e exposta a sua vulnerabilidade da oratória.

_ Toma._ O Sr Jonas oferecia as chaves do seu escritório ao Sr Lezi. Coisa que

jamais fizera. Jonas era de uma personalidade muito reservada e com uma

excessiva desconfiança de tudo e de todos. De tanto exagero em desconfiar dos

outros, nalguns casos era suspeito de ter uma paranóide, até pelo seu grande

companheiro Lezi.

_ Amigo que está a fazer? Não precisa deixar as chaves comigo. Você nunca fez

isso antes e não será desta que iras fazer. Vai para casa e assim que terminar voltas

para cá.
_ Toma as chaves_ Insistia Sr Jonas, deixando cada vez mais desconfortável o Sr

Lezi, afinal de contas era uma atitude muito estranha e nem momento oportuno

para entender realmente o que estava acontecer. Sr Jonas agia como se nunca mais

voltasse no seu escritório.

_ Está certo. As suas chaves estarão bem aqui na minha gaveta, esperando a sua

volta Sr etchar (são chamados de etchar os chefe de recursos humanos nas

empresas mineira sul-africanas.) Em quanto eu Lezi, for seu colaborador, lhe

garanto que ninguém vai entrar no seu escritório.

_ Obrigado. Preciso ir, fique bem amigo.

_ Vai com Deus amigo. Até a sua volta. _ Os dois se abraçaram vagarosamente e

profundamente. Era tão notável o amor fluindo em altas dozes entre os braços,

peitos desses dois homens, prestes a se distanciar por motivos de força maior. O

abraço indica carinho para com a pessoa que o recebe.

_ Aló.

_Labemos como está?

_Estou bem mano. Não sei do seu lado.

_ Eu não estou bem. A sua tia tentou se suicidar, tomou veneno e está clinicamente

critica. Preciso que me acompanhe para casa, pois não me sinto bem_ O Sr Jonas a

dias que não se sentia bem de saúde. Procurou o diagnóstico junto do seu médico

com o qual lhe foi receitado alguns antibióticos.


_Que informação triste mano é essa, o que aconteceu? Porque a tia fez isso? O Sr

Labemo inconsolavelmente fazia uma rajada de questões, mesmo sabendo qua não

teria resposta, pois tanto ele como o Sr Jonas estavam longe de entender o cerne do

desastre, era mesmo atirar no escuro, procurar cabrito perdido em cima de uma

árvore elevada.

_ Eu também não sei Labemos, acabo de ter essa informação de casa._ Respondia

titubeante o Sr Jonas, ao mesmo tempo que franzia a teste.

_Está bem, vou-me preparando.

Os dois homens de natureza alegre e optimista como eram conhecidos, viajavam de

volta as origens, a terra que os viu nascer como dois cachorros banidos da alcateia

com os rabos entre as pernas. Angustia, dor, desânimo tomavam conta dos seus

ares. A viaje da RSA à Moçambique geralmente era feita num clima de satisfação e

ternura, ao saber que em breve iriam rever os seus prezados, por hora era um

terrível martírio.

Tudo o que os dois homens angustiados queriam, era entender a situação, ter

esclarecimento das suas muitas perguntas, bem como torcer por um milagre divino.

Afinal a pessoa de uma mãe na vida de qualquer que seja, ocupa um relevo de

deveras considerações, ninguém em sã consciência suportaria a ideia de perder o

único ser que deu a sua vida por ele. Afinal uma mãe é uma criatura incumbida

pelo criador a maior função de mostrar o amor. Deus em sua infinita inteligência
sabia o que estava fazendo, pois deu o amor que mais se aproxima dele: um amor

puro, um amor que não se explica, se vivencia.

Em 09 (nove) meses de espera...  Talvez Deus tenha pensado: vou dar todo esse

tempo para que  tenham paciência do encargo que chega... E são meses de

expectativas, ansiedade, organização, desafios, mudanças... E o grande dia chega, o

dia do encontro, da ansiedade de ver a carinha do anjinho que chega, também é dia

de choro, um choro inexplicável, talvez um choro de reafirmação da existência, da

beleza da vida.

Inúmeras noites mal dormidas, fraldas, mamadeiras, idas ao médico. E a dose de

amor só aumenta, o sentido existencial da vida se preenche.

Como bem disse Barbosa Filho  << Ser mãe é assumir de Deus o dom da criação,

da doação e do amor incondicional. Ser mãe é encarnar a divindade na Terra>>

Mãe é uma figura humana travestida de anjo e guerreiríssimo com a assessoria do

amor divino.

Todas essas epopeias e virtudes sobre o valor de uma mãe, passavam em câmara

lenta no pensamento do Sr Jonas. Afinal ele amara sua mãe de forma incondicional,

tendo até acusado pelo seu falecido pai, obviamente num claro ciúme barato de

gostar mais a mãe do que dele.


Na verdade a Sra Celeste era uma velha muito carismática, mulher de poucas

palavras e grandes realizações. Quem teve o privilégio de a conhecer, dificilmente

ficava com a ideia diferente dessa.

_ Mãe! Porque fez isso? _ Questionava entre soluços o Sr Jonas, ao mesmo tempo

que tentava esconder a sua dor em meio a uma viagem no carro público.

_ Tudo vai ficar bem. _ Ganhava uma certa coragem o Sr Labemos, ao tentar a

clamar a fúria, a dor escondida no coração do Sr Jonas, preste a romper como um

odre velho contendo o vinho novo. Não era o lugar, embora fosse o momento.

Nessa hora da dor, tudo o que se podia usar era o falso ego machista, ensinado aos

meninos de que os homens não choram. Os homens internalizam a sua dor

enquanto as mulheres sim é que podem cair em prantos como de crianças

incontinentes e mimadasfossem.

**

Ninguém sabe do dia e da hora de partir


Conta-se que um homem abastado, depois de conferir quantidades enormes

da safra no seu celeiro, sentou na sua poltrona com os pés apoiados no seu

escabelo, inspirado o ar de confiança e de satisfação de ter tudo sob controlo,

pronunciou as seguintes palavras: “…”. O que ele não sabia era que naquela mesma

noite a morte iria visita-lo.

No relógio dava zero horas no período do inverno. Na longa sala pintada de branco

e um creme mais amarelado pairava um silêncio daqueles típicos de meditação

espírita. Nu fundo podia se captar o som em agradável harmonia do oceano

denunciando que nos encontrávamos não muito longe da zona costeira. Todos os

ocupantes da sala que acompanhavam o Sr Jonas nas agoniantes dores

encontravam-se momentaneamente dominadas pelo um marginal sono profundo.

_ Pai! Pai! Podemos conversar? Temerosamente e cautelosamente se dirigia o

Vandro ao Pai. No pensamento maduro do jovem, tomado por incertezas e

desgostos que a vida em uma sucessão inexplicável mergulhara a família. O jovem

acabava de deixar no eterno descanso a sua avó, e a dois anos atras fe-lo repousar

amargamente o seu tio e avo. Decerto a experiência com a doença na mente dele

era “terrível medo”. E estar diante do Pai agonizante, destilando quantidades

anormais do suor, e sem poder fazer nada, a esperança de ver o pai melhorado era

remoto.
. No pensamento do Vandro, era o momento para essa conversa. O pai poderia falar

para o filho, todo o manancial da vida, instruindo, orientando todo o tesouro em

forma de palavras de sabedoria, como aquelas que o rei David falou para Salomão,

aquelas que Jesus falou para seus discípulos nas vésperas da morte.

_Sim! Podemos filho. Respondia o Sr Jonas com uma voz debilitada pela dor física

que sentia.

_ Pai, o que queres que eu faça. Questionava Vandro.

_Amanhã vai para Escola. Respondia o Sr Jonas sem pensar duas vezes.

_ Mas como é que podia ir para Escola, deixando o Pai numa situação como está?

Como teria eu a moral de estudar nessa condição Pai! Numa tentava fracassada,

Vandro instigava o pai a revelar a vida, o saber, o tesouro naquele homem tão

discreto e conservador.

A última vontade que o Pai tinha para o filho, nas últimas palavras, e na última

conversa, FOI VAI PARA ESCOLA.

_ Passadas duas horas, após a tentativa fracassada do Vandro, para conversar, eis

que o Sr Jonas pedirá caneta para escrever alguma coisa, mas contra a sua vontade

lhe negaram esse desejo.

Afinal, como isso aconteceu? O que estava acontecer? Vamos recuar algumas horas

do dia 12/10/2009.
_Alo cunhado Nado. Como está?_ Ligava de Zavala todo agitado o Nado, com

objectivo de informar a tragédia que ameaçava a família.

_ Eu vou bem graças a Deus, não sei do seu lado.

_ Cunhado não trago boas noticias. Por isso irei-lhe pedir para ser forte, o assunto

que trago não é simples de gerir. Nesse momento o coração do Vandro batia a uma

velocidade estrondosa, afinal foi avisada que a avó tomara veneno naquela manhã

fria do dia doze, no entanto o Vandro tinha fé que a sua avó sairia do perigo.

_ Que foi cunhado? Perguntava o Vandro, ao mesmo tempo que ficava estático.

_ A vovó Celeste faleceu . Os poucos segundos que durou o telefonema, fizeram o

Vandro perder sentidos. Repentinamente viu-se no chão com as árvores girando em

volta das suas vistas a uma velocidade do disco de Newton, uma dor indolente no

estômago como que acabara de receber pontapés de um carrasco na barriga,

coração sufocado como se blocos de concreto tivessem sido amontados

impiedosamente. A informação chegou e criou um pacto profundo no jovem. O

momento era tomado por subconsciente.

_ Aló, aqui é o Xavier, o Vandro não pode falar agora. Xavier decidiu pegar o

celular que se encontrava na mão do primo, com o objectivo de perceber a real

razão daquela reacção desconfortável.


_ Oi Xavier! Olha o seu colega perdeu a avó nesta manhã. Ela tomou veneno.

_ Está bem. Irei tomar as devidas precauções. Pode ficar sossegado que estarei com

ele.

_ Muito obrigado.

_Leo, Leo, Leo; Costa, Costa… Venham aqui por favor, venham aqui por favor _

Gritavam aos prantos Xavier solicitando apronta intervenção de colegas do

“condomínio” que na verdade do condomínio não tinha, pois não passava de um

comboio de cubatas1 feitas de caniço nas paredes e macute o teto. O tio António

construirá especificamente para albergar estudantes, proveniente de vários pontos

da Província.

_ O que aconteceu Xavier? O que aconteceu? _ Questionavam Leonel que vinha

correndo, desajeitado e ofegante em direcção a cubata do Vandro, donde viera o

chamado alarmante do Xavier.

_ O Vandro caiu. Ele caiu. _Explicava Xavier desalojado e inconformado, dando

passos para aqui, para acolá com as mãos na cabeça.

_ O que aconteceu questionava mais uma vez o Leonel. _ Nesse exacto momento a

cubata do Vandro de três metros de largura e três de cumprimento, que servia de

sala, cozinha e quarto estava abarrotada de gente que viera em diversos cantos do

condomínio em resposta ao chamado.

1
. As cubatas são residências típicas da cidade de Inhambane.
_ Vandro desmaiou. Ele está desmaiado. _Pontuava o Custódio com uma

convicção.

_ Apliquem-lhe o alho na palma dos pés e nas mãos. Neste momento de palpites de

jovens feitos anciões pela ocasião, um corpo masculino possante, abria as alas em

direcção ao corpo inerte do Vandro estatelado no chão, acompanhado por uma voz

experiente que rasgava o ar de preocupações sem soluções que tomava conta das

pequenas cabeças de jovens estudantes. Esse ancião era o Sr António, o

proprietário do condómino estudantil.

_ Sim. O alho ajuda, afirmava com firmeza.

Em pouco tempo o alho estava pilado e pronto para ser aplicado. O Custódio com

uma eficiência imediatamente estava de joelho aplicando no Vandro.

_ Agora é só esperar. Falou o Sr António, cheio de certeza.

_ Fiquei órfão! Fiquei órfão! Minha avó não! Minha avó não! Minha avo não.

Pranteava Vandro com uma voz tremula acompanhada de soluços intermitentes que

cortavam importunamente as mesmas palavras em repetição agoniante. E para

piorar o quadro, os olhos ainda se encontravam fechados. Nu lugar de lindos olhos

castanhos do brilho cintilante como vestes de seres angelicais que o caracterizam

deslizavam torrentes de lágrimas. Dava dó ver o estado em que se encontrava o

jovem. O quarto estava gelado e sombrio desafiando as mentes inexperientes de


jovens, que também viam-se condicionadas a derramarem sua lágrimas em um

gesto de compaixão pelo amigo.

Se calhar os avos são considerados tão acessórios que não exigem um termo que

especifique a sua perda. Dos avós não se é órfão nem viúvo. De forma natural,

deixam-nos pelo caminho, como por distracção se deixam ficar, pelo caminho, os

guarda-chuvas.

_ Vandro! Vandro! Sou o tio António. Olha penso que se acalme meu filho.

_ Ela era tudo para mim. Minha avó era a minha mãe, foi ela quem cuidou de mim,

foi ela. Como é possível que isso tenha acontecido. Minha avozinha. Exponha

Vandro, ao mesmo tempo que batia-se no peito. Parece que as palavras do tio

Marcos, para além de atenuarem o sofrimento de Vandro, provocaram-no as mais

fortes memórias. Os lamentos eram tão intensos, que mesmo o mais douto

consolador em sua sabia tranquilidade poderia o sofrimento do pobre jovem. Com a

dor manifestada naquela cubata, pedagogicamente apoiava-se a ideia do silêncio

como estratégia de consolação. O silêncio usado, pelos três amigos de Jó como

forma de entronizar a dor, não era coisa dos orientais antigos desprovidos de

recalques sentimentais, mas estratégia de grande sapiência. Há momentos que o

silêncio e lágrimas verdadeiramente se tornam dois mestres da vida e únicos

aliados dos quais vala apenas abraçar.


_ Talvez fosse melhor lhe deixarmos chorar. Observava Custódio, sem muitos

comentários.

_ A vovó Celeste foi quem cuidou do Vandro desde os sete anos quando os pais se

separaram. Explicava Xavier (primo de Vandro) com o conhecimento de causa. O

amor das avós tem um saber característico, nele só existe duas receitas: cuidar e

mimar os netos. É um amor diferente das mães que tem misturas do doce e azedo,

cuidados e disciplinas. A mãe-avo está sempre mais atenta e mais bondosa do que

uma mãe-mãe.

Ser avó é sorrir novamente

É um sentir que faz a gente

Pensar que é infinita a vida

Que não existe despedida

Ser avó é renascer

De novo florescer

Depois do filho crescido

E suas asas ter batido

Ser avó é o tempo de resgatar

Começar, de novo, a brincar

De bola, boneca, ou carrinho

Só pra agradar ao netinho


Neto (hoje me foi contado)

É um filho açucarado

É amar infinitamente mais

Do que se ama como pais

O amor de mãe se conhece

É do céu um pedaço, o começo

Flores, com alguns espinhos

Mas é paraíso cheio de carinho

Amor de avó é novidade

Uma tamanha felicidade

Que me renova , essa espera

Um doce enlevo, uma quimera

Summary d

In this research, I try to problematize the lived experiences of food in the context of

diabetes, having as theoretical scope critical medical anthropology, in close

dialogue with the concepts: lived experiences, social representations, chronicity and

nutritional reductionism.

I try to analyze the experiences of eating in the context of diabetes, in those who

are under medical care. Through the ethnographic method, fundamentally based on

observation in the interlocutors' homes in Quissico and on ethnographic interviews,


data were produced that allowed me to explore and reflect on the perceptions and

meanings built on food in the context of diabetes. I argue that the experience of

food lived by people with diabetes as a practice and meanings attributed by them,

challenges notions of nutritional standardization, normality, biomedical and

cultural morality, proving to be problematic to think about food in the functional,

material argument and rational appeal. Thus, through socially circumscribed

realities, food is subjectively experienced, experienced and (re)signified.

Keywords: lived experience; representations nutritional reductionism, diabetes,

Quissico; Mozambique. social, chronicity,

(Continuaaaaa)

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