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SÉRIE: 77Z
VOLUME: 112
TÍTULO: CADEIRA PARA O INFINITO
CAPA: BENICIO
AUTOR: COMBY KING
EDITORA: MONTERREY
ANO DA PUBLICAÇÃO: 1979
PREÇO DA PUBLICAÇÃO: CR$ 18,00
PÁGINAS: 128

SCANS E TRATAMENTO: RÔMULO RANGEL


romulorangel@bol.com.br

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EDITORA MONTERREY LTDA.
Rua Visconde do Pirajá, 550 – Sala 1401
IPANEMA – Rio de Janeiro - RJ
Fones: 227-2795 e 227-2602
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© EDITORA MONTERREY LIMITADA


Publicação no Brasil 1979
Composto e Impresso pela
GRÁFICA LUX LTDA.
Distribuído por:
FERNANDO CHINAGLIA DISTRIBUIDORA S.A.

Todos os personagens desta novela são imaginados pelo autor e não


tem relação com nomes ou personalidades da vida real. Qualquer
semelhança terá sido mera coincidência.

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CADEIRA
PARA
O
INFINITO
COMBY KING

Capa de BENICIO

PROIBIDA A REPRODUÇÃO NO TODO OU EM PARTE

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PRÓLOGO

Uma jornalista em apuros

— Eu não quero participar dessa experiência!


A voz de Anna Galinka soou com estridência, no
pequeno escritório de Pierre Nonchant. Anna tinha vinte e
sete anos, olhos verdes e cabelos negros, que lhe caíam
sobre os ombros em cascatas sedosas. Os seios erguidos e
firmes ameaçavam rasgar o tecido fino da blusa azul que
usava, formando um conjunto com a calça branca, justa
sobre as ancas arredondadas, que se harmonizavam
perfeitamente com as pernas altas, elásticas, bem-feitas. O
lábio inferior, carnudo, da jornalista soviética em visita aos
Estados Unidos, tremia visivelmente, diante do cientista
canadense que a olhava com ironia.
— Não precisa ter medo, Anna. Vai ver que se trata de
uma experiência formidável! Você me contará depois suas
impressões, como boa jornalista que é.
Pierre Nonchant tinha nascido em Montreal, no Canadá,
quarenta e dois anos antes. Era alto, cabelos escuros e olhos
castanhos. As pupilas irradiavam um brilho intenso, que
chegava a assustar. As sobrancelhas espessas conferiam-lhe
um aspecto simiesco, reforçado pela densa mata de pelos
negros que se viam no peito, até a base do pescoço. Pierre
Nonchant estava usando um terno esporte, com camisa
aberta, e sorria com sarcasmo.

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— Não me interessam minhas impressões nessa
experiência louca a que você quer submeter-me! Vai-lhe
custar muito caro o fato de praticamente ter-me sequestrado
e me manter quase prisioneira nesta casa! Apresentarei
queixa às suas autoridades e na Embaixada de meu país!
— Calma, Anna! Sejamos coerentes. Eu não sequestrei
você. Limitei-me a convidá-la para assistir a uma
experiência científica em meu laboratório, presumindo que
o assunto poderia interessar-lhe, uma vez que se trata de
uma jornalista especializada na divulgação de novas
descobertas da ciência. Aliás, creio que o motivo de sua
visita aos Estados Unidos é exatamente escrever uma série
de reportagens para seu jornal, na União Soviética, sobre o
avanço da pesquisa científica dos americanos. Ou não será?
Anna Galinka olhou com as pupilas brilhantes, furiosa.
— O que é que está querendo insinuar?
— Nada, Anna! Por que sua cólera?
— Não é cólera! É indignação!
O canadense, naturalizado americano dez anos antes,
soltou uma gargalhada.
— Existe alguma diferença?
— Claro que existe! Mas você não entende. Estou
justamente indignada pelo seu procedimento, Nonchant.
Você me trouxe até aqui, atraída por uma experiência
científica alheia aos projetos oficiais. Afinal, do que é que
se trata? De uma absurda viagem no tempo, utilizando essa
cadeira ridícula. E quer me forçar a participar dessa besteira
sem nome! É inaudito! Exijo que me deixe sair daqui
imediatamente!
Nonchant sorriu com ironia.
— Será que minha experiência é tão absurda assim,
querida Anna Galinka?
A bela jornalista olhou-o com ódio, replicando:

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— Ora, não seja estúpido! Sabe muito bem que aquilo
que você pretende é impossível, pelo menos seguindo os
padrões convencionais da ciência empírica!
O canadense observou-a com interesse.
— Não entendi suas palavras, querida Anna. Da forma
como você falou, eu diria que acha a experiência possível,
utilizando outros processos, através de alguma ciência não-
empírica...
Uma careta de desdém cruzou o rosto de Anna Galinka.
— Você sabe muito bem do que eu estou falando. Pode
realmente efetuar uma viagem no tempo, utilizando a
regressão de memória, pelos processos parapsicológicos,
recentemente desenvolvidos, não só no meu país como até
mesmo aqui, nos Estados Unidos, pelo professor J. B.
Rhine. Você deve saber disso muito bem, se não é um
impostor, como estou inclinada a acreditar.
— Claro que eu conheço os trabalhos de Rhine, de
Pavlov e outros, no campo da pesquisa parapsicológica. E,
para sua informação e tranquilidade, Anna, posso
acrescentar que o meu sistema apenas deflagra os processos
psíquicos inconscientes aplicados por Rhine e outros. Mais
satisfeita, agora?
— Não tenho porque ficar satisfeita, Nonchant. Você é
um miserável, que me pretende forçar a tomar parte numa
experiência absurda, contra minha vontade! Como eu sou
uma estrangeira neste país, você está cometendo um ato de
pirataria que pode provocar um conflito diplomático muito
grave!
— Não se preocupe, minha querida. Depois de você
participar de meus experimentos, não vai mais querer
comunicar ou apresentar queixa sobre o que aconteceu. E,
quanto ao fato de você ser estrangeira, não esqueça que eu
também sou, apesar de ter-me naturalizado americano.

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— Só espero que, depois das autoridades conhecerem a
verdade sobre o seu trabalho, o expulsem dos Estados
Unidos, por indesejável.
— Bom, deixemos estas cortesias não muito agradáveis
e passemos para a discussão prática sobre o motivo de sua
presença nesta casa.
— Já lhe disse que não participarei de experiência
nenhuma, Nonchant! E insisto em que me liberte
imediatamente!
— Não se afobe, Anna! Eu lhe disse que queria que
você participasse de minhas experiências e você vai fazê-
lo. Neste momento, não estou interessado em conhecer sua
opinião, ou escutar suas lamentações ridículas! Você
participará da experiência esta noite, queira ou não. Mais
tarde escreverá um artigo sobre o que viu e sentiu. E vou
dar-lhe um presente, Anna: pode publicar essa reportagem,
com absoluta exclusividade, no seu jornal de Moscou. Pode
acreditar que será um furo mundial que a levará ao cume da
glória!
Anna Galinka levantou-se, furiosa.
— Não me interessa, Nonchant! Quero ir embora daqui!
— Lamento, minha querida jornalista, mas não será
possível fazer-lhe a vontade. Esta noite, você entrará nesta
experiência, sentando-se no meu sofá, juntamente com três
outras personalidades importantes.
— Isto é um crime! Essas outras personalidades estão
também sendo forçadas?
— Não. Eles vão fazer a viagem de livre e espontânea
vontade. Talvez sejam mais inteligentes do que você.
Anna Galinka sentiu uma vontade incrível de esbofetear
o rosto anguloso do canadense. Conteve-se, no entanto,
receando piorar ainda mais sua situação. Pierre Nonchant
sorriu e informou:

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— Não adianta nos irritarmos um com o outro, Anna.
Acho melhor você se recolher a seus aposentos. Quando
chegar a hora de iniciarmos a experiência, eu a chamarei.
— Não participarei dessa experiência!
— Claro que participará, Anna. E devo preveni-la de
que não vale a pena tentar escapar. Seus aposentos serão
vigiados por um de meus homens.
— Isto é um rapto! E vai lhe custar muito caro,
Nonchant!
Pierre Nonchant soltou uma risada sarcástica, quase
insultante.

***

Sue Prince tinha dezoito anos. No entanto, seu corpo


totalmente formado revelava uma mulher de formas
exuberantes, seios volumosos, firmes, pernas longas e bem-
feitas. Era uma esplêndida mulher, sem dúvida. O rosto oval
mostrava um ar inocente, ingênuo, que em nada
correspondia à realidade. Desde os quinze anos que, por
circunstâncias adversas, se vira obrigada a conhecer
intimamente os homens, levando uma vida que qualquer
mãe de família razoavelmente formada teria condenado,
órfã de pai e mãe, tinha conhecido fortuitamente Pierre
Nonchant há cerca de um ano. O canadense sentira-se
fascinado e conseguira arrancá-la do cabaré onde
trabalhava como vendedora de cigarros, fazendo dela, em
poucos meses, uma garota sensual e delicada, que escondia
sob uma capa de maturidade prematura a vida desregrada
que tinha levado nos últimos anos.
Quando Pierre abriu a porta do quarto, Sue estava
sentada diante do espelho da penteadeira, escovando os
cabelos ruivos e sedosos. Vestia um atraente negligé rosa,

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através do qual se percebiam os seios eretos de corolas
rosadas e a calcinha de renda branca, que não conseguia
esconder por completo o púbis escuro e perfeitamente
triangular.
— Como é, querido? Nossa simpática hóspede já
concordou em efetuar a experiência? — perguntou com voz
musical.
— Nunca concordará, Sue — suspirou Pierre,
deixando-se cair num sofá. — Anna Galinka é
tremendamente obstinada e não para de ameaçar com
represálias futuras.
Sue pousou a escova sobre a penteadeira e levantou-se,
caminhando majestosamente ao encontro de Nonchant.
— Você acha que ela pode fazer isso, querido?
— Não estou preocupado, se é o que você quer saber.
Anna Galinka participará dessa experiência e ficará
fascinada. Seu relato, na União Soviética, nos será muito
útil, bem como o de Boris Nakaev.
— E você tem certeza de que vai dar certo, Pierre?
— Claro, Sue. Tudo foi preparado nos mínimos
detalhes. A presença de James e Talita junto dos dois russos
será definitiva. Nós conseguiremos o que queremos, Sue.
Pode ficar tranquila.
— E se estivermos errados? Se Anna Galinka se
encontrar nos Estados Unidos precisa e exclusivamente
para efetuar uma série de inocentes reportagens científicas?
— Não pense muito nisso, querida. Sua linda cabecinha
não foi feita para se cansar com problemas dessa natureza.
Lembre-se apenas que tem de ficar muito bonita esta noite,
quando jantarmos com nossos convidados. Você é minha
mulher, não esqueça!
Impulsivamente, Sue Prince atirou-se nos braços do
canadense. Suas bocas uniram-se num beijo prolongado,

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ardente, enquanto as mãos ousadas de Pierre Nonchant
exploravam o corpo delicioso da jovem russa.

***

Anna Galinha sentou-se na beira da cama e olhou a


janela, provida de grades, no quarto de reduzidas
dimensões. Estava na casa de campo de Pierre Nonchant
desde essa manhã, atraída por uma experiência sensacional
que deveria observar e sobre a qual escreveria, na sua
qualidade de repórter da Novosti, de Moscou. Tinha sido
difícil conseguir uma licença especial para visitar
livremente os centros de pesquisa norte-americanos. E logo
agora, que tudo parecia estar correndo tão bem, caíra
naquela estúpida situação. Era evidente que Pierre
Nonchant não passava de um louco. A experiência de
viagem no tempo, utilizando as lendárias máquinas do
tempo, sempre se haviam revelado utopias de sonhadores e
visionários. E, o que era pior, Anna estava prisioneira. A
parte secreta de sua missão nos Estados Unidos via-se desse
modo seriamente comprometida. A menos que Nonchant
soubesse que ela não se encontrava nos Estados Unidos
apenas para escrever uma série de reportagens científicas.
Se esse fosse o caso, sua vida não valeria um centavo,
certamente.
No entanto, não tinha perdido ainda as esperanças de
escapar dali. Bastava ter uma chance de conseguir chegar
até a rua. Levantou-se decidida e pendurou no ombro a
maleta, onde levava o equipamento fotográfico e alguns
blocos de anotações, além de objetos de uso pessoal. Alisou
a blusa e as calças, deu um toque nos cabelos negros e
dirigiu-se para a porta. Girou a maçaneta e sofreu a primeira
decepção. Estava trancada com chave. Tentou forçá-la.

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Precisava sair dali! No entanto, seus esforços revelaram-se
inúteis. Jamais conseguiria abrir aquela porta solidamente
fechada.
Desiludida e desgostosa sentou-se na beira da cama,
olhando o retângulo de madeira com raiva. Era absurda toda
aquela situação. Oficialmente viera aos Estados Unidos
para efetuar uma série de reportagens. Era uma simples
jornalista soviética. Exigia um tratamento digno de
qualquer convidado estrangeiro. No entanto, o que é que lhe
acontecia? Havia recebido um amável convite de Pierre
Nonchant para visitar seus laboratórios e assistir a uma
experiência científica inédita. O assunto lhe interessava por
diversos motivos e, assim, não hesitou em aceitar.
Infelizmente tudo correra de forma bem diferente do que
esperava, E encontrava-se prisioneira, agora, atrás daquela
maldita porta que não conseguia abrir.
Nesse momento a porta abriu-se e um homem alto,
barbudo, empunhando uma automática provida de
silenciador, recortou-se no umbral.
— Estava tentando abrir a porta, senhorita? Por quê?
Precisa de alguma coisa?
— Eu quero sair daqui!
— Calma, senhorita! Não adianta gritar. Infelizmente,
tenho ordens rigorosas para não a deixar sair do quarto, sob
pretexto nenhum. Devo apenas atender suas necessidades,
providenciar tudo o que deseje, sem permitir que abandone
este quarto.
— Isto é ridículo! Eu quero falar com meu embaixador!
— Acho melhor, então, esperar um pouco, até que
Pierre Nonchant apareça por aí. Eu nada posso fazer por
você.
Com um sorriso irônico, o homem voltou a sair,
trancando mais uma vez a porta com a chave. Furiosa, Anna

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Galinka atirou uma jarra contra a porta, com um grito de
raiva.

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CAPÍTULO PRIMEIRO

Um desaparecimento misterioso

Os dois homens estavam sentados diante de uma mesa


redonda, em sofás circulares. A luz difusa dava ao ambiente
um ar de intimidade cúmplice, como se situações escusas
pudessem ser desenvolvidas ali. Na frente dos dois homens
havia copos com bourbon e um cinzeiro redondo, de vidro.
Uma música ambiente inundava o local, agradável.
— Jornalista soviética? — perguntou o mais jovem.
— Aparentemente, apenas isso. No entanto, temos
motivos para crer que sua missão, nos Estados Unidos, não
é apenas a de observar, como repórter, a evolução de nossas
pesquisas científicas.
— Entendo, mister Lattuada. O que mais ela está
fazendo em nosso país?
— Não temos certeza. Mas é alguma coisa relacionada
com espionagem e ciência. Só assim se justifica sua
presença. Você sabe que Moscou não faz nada ao acaso. E
a pressão que exerceram sobre Washington para permitir a
entrada e permanência de Anna Galinka no país é, no
mínimo, suspeita.
— Assim mesmo, Washington permitiu...
— Tinha que permitir, Horace. Moscou alegou que se
tratava da retribuição à visita que os americanos Henri Gris
e William Dick fizeram recentemente à União Soviética

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para escrever sobre o desenvolvimento das pesquisas
parapsicológicas russas.
— Estou lembrado desses dois jornalistas. Escreveram
um livro sobre as mais recentes descobertas psíquicas na
União Soviética, não foi?
— Exatamente. Com base nisso, os russos pediram
autorização para Anna Galinka observar, escrever e
fotografar o que quisesse sobre o avanço da ciência nos
Estados Unidos.
Horace Young Kirkpatrik chupou o aromático cigarro e
sorveu um gole de bourbon. Tinha trinta e quatro anos,
cabelos louros, levemente encrespados na nuca, e olhos
cinzentos, de brilho metálico. Seu corpo atlético estava
metido num conjunto esportivo de cor bege, que combinava
admiravelmente com o tom bronzeado de sua pele.
— E acredita-se, então, que ela traz outra missão, além
da que oficialmente revelou. É isso?
— Exato. Só que o imprevisto aconteceu.
— O imprevisto?
Mr. Lattuada, chefe do Departamento 77, da CIA,
acendeu nervosamente um cigarro e apoiou os cotovelos
sobre a mesa.
— Anna Galinka desapareceu esta manhã.
— Desapareceu?
— É verdade. Desde o começo ela vinha sendo vigiada
por homens que se revezavam para não atrair suspeitas. Esta
manhã, Anna Galinka recebeu um convite para assistir a
uma experiência científica, no laboratório particular de
Pierre Nonchant. Não foi mais vista, tendo iludido a
vigilância de nosso homem.
— Que laboratório é esse?
— Pierre Nonchant é um canadense naturalizado norte-
americano. Sua especialidade nunca foi muito bem

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esclarecida. É um cientista de trabalho diversificado,
trabalhando com cibernética e parapsicologia, ao mesmo
tempo. Nunca nos preocupou muito, porque suas pesquisas
raramente foram coroadas de êxito. Por isso mesmo
Washington lhe negou apoio financeiro. Ultimamente, nada
se tem comentado sobre seu trabalho.
— E Anna Galinka foi convidada por ele?
— Exato. Não interferimos porque não achamos que ele
tivesse alguma coisa interessante para lhe mostrar. No
entanto, ela não voltou a aparecer.
— Deve estar no laboratório de Nonchant, eu acho...
— Provavelmente. Acontece que ela tinha dois
compromissos importantíssimos esta tarde, com dois
cientistas americanos. Não compareceu. O representante
soviético pro- curou-nos, exigindo que a localizássemos.
— Pode não haver nada estranho nisso tudo.
— Pode. Mas acredito que os compromissos de Anna
Galinka esta tarde eram importantes demais para que ela
deixasse de comparecer, por causa de uma hipotética
experiência de Pierre Nonchant. Alguma coisa mais
importante a reteve. E talvez contra sua vontade. Ou, quem
sabe, talvez faça parte de sua outra missão.
— Você tem muita certeza dessa missão secreta de
Anna Galinka, não tem, mister Lattuada?
— Tenho. Não há outra justificação para o interesse de
Moscou em enviar aos Estados Unidos uma pessoa como
Anna Galinka.
— Bom, vamos supor que esteja certo, chefe. O que é
que Pierre Nonchant pode ter a ver com isso?
— Isso será você quem irá descobrir, Horace. Trouxe
comigo o dossiê de Pierre Nonchant e tudo o que sabemos
sobre Anna Galinka, por sinal uma bela mulher de vinte e
sete anos.

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— Estou então, oficialmente, designado para essa
missão? Preciso descobrir o que aconteceu com Anna
Galinka e o que é que há por detrás dessa inocente viagem
jornalística. Certo?
— Certo, Horace. É claro que tudo deve ser feito com a
maior discrição. Os russos estão de olho em Anna Galinka
e não perderão uma chance de nos pisar os calcanhares.
Kirkpatrik, presidente da K.K.K. Steel, Ltda., um dos
maiores consórcios de aço do mundo, playboy dos mais
solicitados no jet set internacional, sorriu e assentiu com a
cabeça. A partir desse instante voltava a ser o agente 77Z,
o temido espião fora de série da CIA, além do misterioso
Máscara Negra, ao serviço do DCA (Department of
Couvert Activities), ramo supersecreto da CIA.

***

Anna Galinka pulou da cama quando a porta do quarto


se abriu. Ficou sentada, vendo como a folha de madeira era
afastada para o lado e a garota se inclinava diante dela.
— Boa-noite, Anna. Meu nome é Sue Prince e sou
mulher de Pierre.
— O que é que você quer aqui? — perguntou Anna,
desabridamente.
— Calma, minha querida. Vim apenas buscá-la para o
jantar. Pierre e os outros convidados estão nos esperando no
salão.
— Não quero jantar! O que eu quero mesmo é sair desta
casa maldita e apresentar queixa contra seu miserável
marido! Será que não entendem que não têm o direito de me
manter prisioneira, aqui?

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— Você não está exatamente prisioneira, Anna. E
gostaria que fôssemos amigas. Poderei ajudá-la muito, se
confiar em mim.
A soviética olhou atentamente a garota que, apesar do
seu aspecto, dificilmente ocultava sua pouca idade.
— Jamais poderia ser sua amiga, Sue. O que seu marido
está fazendo comigo é indigno de qualquer pessoa
civilizada. Só é possível acontecer num país de loucos, de
liberdades excessivas e descontroladas como o seu!
Sue ficou silenciosa, sorrindo amavelmente, enquanto a
soviética desabafava sua raiva sobre ela.
— Vocês vão se arrepender do que estão fazendo
comigo! Isto é um crime monstruoso! Uma barbaridade,
inadmissível em qualquer sociedade que se preze...
Calou-se de repente. Sue continuava imóvel, sorrindo
com amabilidade, sem se irritar com a verborreia da outra.
— Sente-se melhor agora, Anna? — perguntou
finalmente a garota. — Já desabafou o bastante? Posso
acrescentar que tem todo o direito de ficar indignada.
Porém, peço-lhe que tenha um pouco de paciência. A
experiência de que vai participar...
Anna levantou-se, furiosa.
— Já disse para Nonchant que não participarei de
experiência nenhuma!
— Seu medo é também compreensível, Anna. Mas
garanto-lhe que não existe perigo algum, pois eu mesma
participei diversas vezes das experiências de Pierre e nada
me aconteceu, como vê.
— Não estou com medo, Sue! — bradou a soviética. —
Acontece que não tolero que pretendam me obrigar a fazer
uma coisa que não desejo!

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— Mas é apenas uma experiência maravilhosa, Anna!
Você verá, quando tudo terminar, que nada de ruim lhe
aconteceu e que valeu a pena participar.
— Tudo isso é ridículo! — exclamou a jornalista. — Eu
até poderia participar dessa bendita experiência, se não
fosse forçada, entende?
— Claro que eu entendo, Anna. Mas tranquilize-se.
Posso lhe explicar. Pierre receia que, deixando você sair
daqui, agora, não volte mais e divulgue prematuramente o
que ele pretende fazer. Os serviços oficiais podem querer
impedir, fiscalizar o experimento ... E Pierre quer ser livre
para negociar seu trabalho com o país que mais lhe convier.
Entendeu?
Anna Galinka ficou pensativa. A explicação de Sue
Prince era lógica. Fazia sentido. Porém, não acreditava que
uma experiência daquele tipo pudesse ser bem-sucedida. E
sentia-se irritada por ser mantida ali, à força.
— Pierre me parece muito inseguro dos resultados de
suas experiências, pois do contrário não temeria a
fiscalização oficial.
— Não se trata disso, Anna. Em nosso país nem tudo é
livre, como, aliás, acontece no seu. Certas descobertas têm
que ser mantidas em segredo, para que os governos não se
apoderem delas, entende?
— Creio que sim. Mas poderiam ter me explicado tudo
isso antes... Afinal, eu tinha dois importantes compromissos
esta tarde e fui obrigada a faltar a eles, sem uma
justificação.
— Mais tarde poderá explicar, Anna. Agora vamos
jantar. Os outros convidados estão esperando.
— Quem são esses convidados?
— Dois cientistas e uma cientista. Um deles é seu
compatriota, o professor Boris Nakaev. O outro é um

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americano, de nome James Mullinger, e a cientista é Talita
Finsky, uma húngara naturalizada americana.
Eles participarão da experiência, juntamente com você.
Anna Galinka tinha os olhos muito abertos, fitando a
mulher de Nonchant.
— Boris Nakaev?
— Exatamente. Boris é nosso convidado especial,
assim como você e os dois outros cientistas. Você já
conhecia Boris?
— Claro. Boris é um dissidente de meu país. Saiu de lá
há alguns anos e pediu refúgio nos Estados Unidos. Só que
nunca esperei vir a encontrá-lo em situação tão absurda.
— Não é tão absurda assim...
— Bom, não adianta mesmo ficar discutindo isso com
você, não é, Sue? Como me parece que não tenho outra
saída, vamos para esse jantar.
Sue Prince sorriu, satisfeita. Como garantira a Pierre,
acabara convencendo a renitente jornalista a aceitar a
hospitalidade deles. Isso não significava que não tivessem
problemas mais tarde, na hora da experiência, mas pelo
menos no momento a partida estava ganha.
— ótimo. Fico muito satisfeita por ouvi-la falar assim.
Pode acreditar que não se arrependerá. A experiência é
formidável excitante e tenho certeza de que você escreverá
isso no seu jornal, mais tarde.
Anna Galinka deu um sorriso torcido ajeitou o cabelo,
diante do espelho.

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CAPÍTULO SEGUNDO

O entusiasmo da viagem

O jantar decorreu num silêncio quase absoluto. Apenas


Pierre Nonchant falava, tentando de qualquer forma
interessar os convidados. Porém, à parte Talita e James, que
correspondiam de vez em quando às palavras do anfitrião,
os dois restantes convidados mal falaram. O café e os
licores foram servidos numa pequena saleta e Boris Nakaev
sorriu timidamente quando Anna Galinka se sentou ao lado
dele.
— É bom ter uma compatriota junto de nós —
murmurou o cientista. — Ainda que estejamos separados
por muitas milhas de ideologia e maneira de ver a vida.
— Talvez não seja tanto assim, camarada Boris —
sorriu a garota.
— É... talvez. De qualquer forma, preferia que você não
me tratasse de camarada. Sabe, isso me traz recordações que
pretendo evitar, fatos de minha vida que desejo esquecer.
— Como quiser, professor Nakaev — ripostou a
jornalista, com maior formalidade.
— Também não precisa exagerar, não é, minha jovem
amiga. Pode me chamar de Boris apenas. Ficarei muito feliz
se me permitir tratá-la por Anna.
— Claro, Boris. Neste momento, não somos dois
extremos ideológicos, como talvez fôssemos noutras

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circunstâncias. Seremos apenas dois compatriotas, juntos
numa mesma experiência absurda, comandada por um
louco.
Anna falou alto o bastante para ser escutada por Pierre
Nonchant. O canadense olhou-a com um sorriso irônico,
antes de perguntar:
— Não haverá algum jeito de você me conceder um
pequeno voto de confiança, Anna?
— Não, Nonchant. Desde o começo que eu fiz questão
de deixar minha posição bem clara. Considero isto um
atentado a todas as normas de civismo e moral, só possível
num país de loucos e libertinos como este. Não quero
participar dessa absurda experiência e, se o fizer, será
forçada. Aliás, não entendi ainda como um homem
gabaritado como o professor Nakaev se dispõe a participar
de uma coisa dessas...
— Não acho que seja tão absurdo assim, Anna —
murmurou o cientista. — Nonchant me explicou
sumariamente o sistema que espera utilizar e pode
funcionar. Não custa tentar, não acha?
A jornalista encolheu os ombros. Apesar das palavras
do cientista, alguma coisa lhe dizia que ele não acreditava
no que dizia. De alguma forma estava sendo obrigado a
participar naquela loucura.
— Minha especialidade é a psicobiofísica, Anna —
interveio Talita Finsky, a cientista húngara. — Estudei em
Budapeste e consegui emigrar para os Estados Unidos há
seis anos, quando estava com vinte e dois. E, dentro daquilo
que tenho estudado e desenvolvido, devo acrescentar que o
processo do professor Nonchant tem muitas probabilidades
de funcionar. E eu, de certa forma, me sentirei honrada de
participar desse estudo pioneiro.

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— É uma questão de opinião, doutora Finsky —
retrucou Anna Galinka, de mau humor.
— Não creio que haja motivo para nos hostilizarmos,
Anna. E pode me chamar de Talita. Afinal, vamos ser
companheiras de viagem.
Anna compreendeu que tinha se excedido e tentou
sorrir. James Mullinger aproximou-se e murmurou:
— Acho que temos o dever de nos conhecer melhor,
senhorita Galinka. Sou cientista também, especializado em
biologia. Aceitei o convite do professor Nonchant porque
sua teoria me fascina. Não vejo como ele poderá concretizar
esse sonho milenar de viajar no tempo, por meio de
máquinas, mas demonstrou uma confiança tão absoluta nos
seus métodos que eu me senti empolgado. E, se realmente
conseguir, quero estar presente para testemunhar esse
momento histórico.
Anna observou James Mullinger com atenção. Devia
ter uns cinquenta anos f os olhos cinzentos brilhavam com
intensidade, por detrás das lentes montadas em aros de
metal. Tinha a testa alta, inteligente, e tudo nele revelava o
homem equilibrado, sensato, frio por força de sua profissão.
A incerteza quanto à honestidade do experimento de Pierre
Nonchant começava a vacilar na bela jornalista soviética,
diante do entusiasmo dos cientistas que seriam seus
companheiros de viagem. E, se no final tudo desse certo,
talvez ela conseguisse levar o invento até as mãos de seus
compatriotas, em Moscou. Para ela seria um trunfo
espetacular. Por outro lado, tinha certeza de que Nonchant
queria que ela assistisse e participasse precisamente por ser
soviética e poder testemunhar, em Moscou, sobre o que
havia acontecido.

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— Vocês acabam me contagiando com esse entusiasmo
— murmurou. — No entanto, continuo ainda convencida de
que se trata de um sonho visionário de um louco.
— Isso quer dizer que aceita participar da experiência,
sem causar problemas? — perguntou Sue Prince, ansiosa.
— Digamos que minha curiosidade profissional venceu
a sensatez e que estou disposta a me certificar de que estava
com a razão.
— Mas isso é ótimo, minha querida Anna! — interveio
Nonchant, aproximando-se, sorridente. — Eu tinha muitas
esperanças de que você acabaria concordando em
colaborar. Verá que não se sentirá defraudada. A
experiência será empolgante.
— Quando será essa famosa experiência afinal? —
perguntou a jornalista.
— Dentro de duas horas — disse o canadense,
consultando o relógio. — Por isso sugiro que vão para seus
quartos e tentei repousar. É de toda a conveniência que
tensão seja mínima, no momento em que se sentarem no
meu sofá.

***

Kirkpatrik apertou o botão da campainha da casa de


campo de Pierre Nonchant e esperou. Três minutos depois,
um home apareceu pela esquerda, aproximando-se do
portão.
— O que é que você quer?
— Falar com Pierre Nonchant.
— Tem muita gente que está querem o mesmo, amigo.
O que é que deseja dele?
— Você é alguma espécie de irmão? Ou é o próprio
professor Nonchant, disfarçado de porteiro?

— 26 —
O homem fez uma careta de indignação e passou as
mãos pelas grades do portão, agarrando o agente fora de
série da CIA pela lapela do paletó esporte.
— Se tem cara no mundo que eu não suporto é o
engraçadinho, companheiro! — grunhiu o homem, puxando
o rosto de Kirkpatrik contra as grades.
— Eu também não, amigo!
Kirkpatrik não tinha perdido o sorriso zombeteiro.
Meteu por sua vez as mãos por entre as grades e aplicou um
golpe seco, com a ponta dos dedos, rígidos, nos rins do
porteiro. O homem gemeu e abriu muito a boca, soltando
imediatamente o louro playboy. Dobrou-se para diante,
procurando o ar que lhe faltava, o rosto congestionado.
Lentamente foi-se endireitando, com uma máscara de ódio
no rosto animalesco. Deu alguns passos na direção de uma
guarita à direita do portão e apertou um botão, ao mesmo
tempo que empunhava uma pesada corrente de ferro.
Enquanto o portão deslizava sobre pequenas rodas,
comandado eletronicamente, o guarda rosnou, avançando
para o agente fora de série:
— Ninguém faz uma coisa dessas com Bud e fica rindo
para o contar, companheiro! Vou quebrar seu esqueleto em
mil pedacinhos!

— 27 —
CAPÍTULO TERCEIRO

Um porteiro inconveniente

Kirkpatrik ficou sério de repente, olhando com atenção


o porteiro que se aproximava. O homem trazia a corrente
pendurada, balançando ameaçadoramente.
— Você vai se arrepender, companheiro! — grunhiu de
novo o porteiro.
O agente fora de série ficou tenso, as pernas levemente
abertas, os pés bem fincados no chão. O homem ergueu a
corrente acima da cabeça, volteou-a como se fosse um arco
e a grossa cadeia de ferro cortou os ares com um silvo
sinistro, em direção ao corpo de Kirkpatrik. O louro agente
da CIA saltou agilmente para trás e a corrente encontrou
apenas o vazio. Furioso, o porteiro voltou ao ataque, dessa
vez lançando a corrente por baixo, procurando o baixo-
ventre do adversário. De novo o agente fora de série da CIA
se esquivou, iludindo o ataque de Bud. Impulsionado pelo
peso da corrente, Bud girou para a esquerda,
desguarnecendo suas defesas por alguns instantes. Foi o
suficiente para que Kirkpatrik, com um salto prodigioso,
ficasse a menos de um metro dele, castigando-o
severamente no fígado. Bud dobrou-se para a direita,
soltando um grito de dor. Levantou a corrente, num gesto
instintivo de defesa. A pesada cadeia de ferro enrolou-se no
antebraço de Kirkpatrik, que puxou com força. Apanhado

— 28 —
de surpresa, Bud foi arrastado para diante. No caminho
encontrou um inesperado joelho, que se esmagou contra seu
rosto bestial, fazendo-o lançar um verdadeiro urro de fera.
Endireitou-se com dificuldade, justamente a tempo de
receber um potente gancho de esquerda no maxilar inferior.
Saltou para trás como se tivesse sido impulsionado por uma
mola e caiu de costas contra o muro que sustentava o portão.
Sacudiu a cabeça, com o ódio estampado no rosto
ensanguentado, e avançou como uma locomotiva
desgovernada, ao encontro de Kirkpatrik. O agente fora de
série, dono da situação, esperou-o de pés bem fincados no
chão, punhos em riste e o corpo levemente dobrado para
diante. Bud teve a sensação de haver chocado com uma
parede de concreto. E o pior era que essa parede tinha
punhos de ferro, que lhe castigaram o rosto e o estômago
impiedosamente. Sentiu o ar escapar de seus pulmões e um
gosto adocicado na boca. O sangue morno escorreu-lhe dos
lábios e essa foi a última sensação que teve antes de
mergulhar num abismo sem fundo.
Kirkpatrik respirou fundo e ajeitou o paletó e os
cabelos. Logo se abaixou e, agarrando o porteiro pelos
sovacos, arrastou-o para a guarita, onde o deixou encostado.
Fechou o portão, apertando o comando eletrônico, o deixou
a corrente enrolada no pescoço de Bud. Com um sorriso
zombeteiro afastou-se em direção à casa, a uns duzentos
metros do portão.
Estava subindo a pequena escadaria que levava à porta
de entrada quando ela se abriu e surgiu um mordomo,
vestido impecavelmente de negro, com camisa branca.
— Pois não, cavalheiro? — perguntou o mordomo,
empertigado, tentando ver sobre o ombro de Kirkpatrik, na
direção do portão.
— Está procurando Bud, amigo?

— 29 —
— Ele devia estar no portão e...
— Ele está no portão, amigo. Acontece que eu acho que
ele tem trabalhado demais e está dormindo um pouco.
— E quem abriu o portão?
— Um passarinho que teve pena de mim.
O mordomo endireitou-se, escandalizado, e seu rosto
coloriu-se de vermelho.
— O que é que o senhor quer aqui?
— Falar com o professor Nonchant.
— Tem entrevista marcada?
— Entrevista?
— O professor é uma pessoa muito ocupada. E, a esta
hora, deve estar no laboratório.
Kirkpatrik olhou para o céu estrelado e sorriu:
— O professor trabalha de noite?
— O professor Pierre Nonchant trabalha a qualquer
hora, cavalheiro! Receio que ele não vá poder atendê-lo
agora. Se quiser deixar seu nome e o número de telefone,
ele terá muito prazer em marear uma entrevista noutro dia.
Kirkpatrik estava perdendo a paciência, apesar do
caricato mordomo, que se endireitava como um bambu em
tarde sem vento.
— Escute, amigo. Vá lá dentro e diga para o professor
que meu nome é Kirkpatrik. Horace Kirkpatrik. Sou a
pessoa encarregada de orientar a senhorita Anna Galinka,
numa visita a um de meus laboratórios, para observação de
nosso trabalho científico.
— Você é cientista?
— Não, amigo. Eu sou milionário. O laboratório a que
me referi é meu. Mas eu não trabalho lá.
A atitude do mordomo mudou ligeiramente.

— 30 —
— Queira entrar, por favor, mister Kirkpatrik. Não
acredito que o professor possa atendê-lo agora, mas vou
anunciá-lo, de qualquer modo.
Afastou-se para o lado, permitindo a entrada de
Kirkpatrik, que passou com um sorriso irônico no rosto
másculo.
— Pode aguardar na biblioteca. Voltarei num minuto.
Guiou o visitante até uma suntuosa biblioteca, à
esquerda do átrio principal, e retirou-se com uma
pronunciada vênia.
Kirkpatrik observou as estantes carregadas de livros,
sobre os mais diversos assuntos. Acendeu um cigarro e
sentou-se numa poltrona. Cinco minutos mais tarde, a porta
da biblioteca abriu-se de novo e Pierre Nonchant entrou,
sorridente.
— Boa-noite, mister Kirkpatrik. Charles, meu
mordomo, me disse que o senhor fazia questão de falar
comigo.
Kirkpatrik levantou-se e observou o canadense.
— Charles estava com a razão, professor. Eu faço
questão de falar com o senhor.
— Muito bem. Como Charles deve tê-lo prevenido, sou
uma pessoa extremamente ocupada. Mas antes de irmos
diretos ao ponto, gostaria de lhe fazer uma pergunta: como
chegou até aqui? Bud devia estar no portão e, antes de
autorizar a entrada de quem quer que seja nesta casa, ele
deve comunicar-se comigo, através do telefone da
portaria...
Kirkpatrik sorriu e deu alguns passos pela biblioteca.
— Bud não é muito inteligente, professor. Não tem
senso de humor e tentou responder a uma frase espirituosa
com uma agressão assassina.
— Agressão assassina?

— 31 —
— Exato. A menos que ele estivesse pensando apenas
em me acariciar com a pesada corrente de ferro com que
tentou me agredir...
— É absurdo, isso!
— Concordo! Não se trata propriamente de uma
maneira ortodoxa de receber uma visita. Bom, mas isso já
passou e eu só espero que, quando Bud despertar, não me
guarde rancor.
Pierre Nonchant apertou os dentes e tentou controlar a
sua irritação.
— Bud deve ter se descontrolado. Não consigo entender
esse procedimento. Espero que o senhor aceite minhas
desculpas.
— Não se preocupe com isso, professor. Afinal, Bud
não chegou sequer a me tocar. E um pouco de exercício faz
bem de vez em quando.
Nonchant engoliu em seco e indicou uma poltrona:
— Sente-se, por favor. Charles me disse que o senhor
declarou ser milionário, dono de um laboratório científico
onde a senhorita Anna Galinka deveria ter assistido a uma
experiência, ou coisa semelhante.
— De certa forma. A senhorita Galinka tinha um
compromisso conosco e não compareceu. Por isso tentei
saber onde ela estava, para descobrir o que tinha acontecido.
— E soube que ela estava aqui?
— Bom, o dinheiro é uma mola poderosa, professor.
Alguém me informou que ela havia recebido um convite do
professor Pierre Nonchant esta manhã e que não tinha
regressado. Será que posso conversar com ela?
— Receio que não.
— Foi embora, já?
— Não. Mas a senhorita Galinka está descansando,
neste momento. Ela participará de uma de nossas

— 32 —
experiências dentro de pouco mais de uma hora e preferiu
repousar um pouco, após o jantar.
— Muito interessante. Posso saber que tipo de
experiência ela vai observar? Não creio que haja
possibilidade de concorrência. Meu laboratório está
unicamente interessado, neste momento, em um novo tipo
de aço temperado, muitas vezes mais resistente e mais leve
do que o aço comum. Não sei se sabe, mas eu sou presidente
da K.K.K. Steel, Ltda....
Os olhos de Nonchant brilharam mais intensamente.
— O consórcio do aço? — perguntou, curioso.
— Justamente. E estamos interessados em levar nosso
produto até a União Soviética. Daí nosso interesse em que
a jornalista de Moscou assista aos nossos trabalhos.
— Compreendo. O senhor gostaria de assistir à nossa
experiência?
Kirkpatrik sorriu suavemente.
— Seria bastante interessante, sem dúvida. No entanto,
não quero que pense que...
— Por favor, mister Kirkpatrik! — escusou-se o
cientista. — O senhor será meu convidado.
— Nesse caso...
O canadense sorriu de forma enigmática, chegando a
chama de um fósforo ao charuto que tinha entre os lábios.

— 33 —
CAPÍTULO QUARTO

A experiência espantosa

Tudo estava preparado para a incrível experiência. No


laboratório de paredes brancas e nuas, viam-se apenas
alguns aparelhos sofisticados, um conjunto que lembrava
um computador, uma mesa de controle e, no centro da sala,
uma estrutura de acrílico, com um sofá anatômico. A
estrutura estava ligada a diversos aparelhos na sala. Era
cilíndrica, com porta de correr, igualmente de acrílico.
Kirkpatrik acompanhou o canadense até um posto de
observação, sobranceiro à sala, e ocupou a poltrona que o
outro lhe indicou.
— A senhorita Galinka, acompanhada por três
cientistas, ocupará, dentro de alguns minutos, aquele sofá,
na cabina. Então terá início a experiência.
— Que tipo de experiência?
— Uma viagem no tempo! O sonho de todos os
cientistas!
— Isso é impossível, professor! — exclamou o agente
fora de série da CIA.
— Não tanto como o senhor imagina, meu amigo —
sorriu Nonchant. — Durante muitos anos aperfeiçoei meus
estudos, tentando chegar à fórmula ideal. E acabei
conseguindo-o. Expliquei sumariamente ao professor Boris
Nakaev do que se tratava e ele ficou empolgado, pedindo-

— 34 —
me para participar dos testes. O mesmo aconteceu com a
doutora Talita Finsky e com o professor James Mullinger.
Todos três são cientistas e acharam viável a experiência.
Depois me lembrei de convidar Anna Galinka, como
jornalista de ciência, para que participasse também e
pudesse, dessa forma, contar suas impressões em letra de
forma. Você será o único observador externo, Kirkpatrik.
— Sua atenção me honra, professor.
Nesse momento, uma porta à esquerda do laboratório
abriu-se e quatro pessoas entraram. Logo as seguiram mais
duas. Estas últimas eram, sem dúvida, guardas, pois
adotaram uma postura de vigilância, um de cada lado da
porta.
— Aí estão meus convidados, que participarão da
experiência. A que vem na frente é a doutora Talita Finsky.
Atrás vêm James Mullinger, Anna Galinka e Boris Nakaev.
Kirkpatrik inclinou-se mais para a frente, interessado.
— Quer dizer que eles vão entrar naquela cabina e
efetuar uma viagem no tempo?
— Exatamente. Seus corpos se desintegrarão, para se
materializarem no ano de 2320, quase três séculos e meio
adiante da nossa época.
— Desculpe a pergunta, professor. Mas a viagem é
segura? Isto é, há garantia total de que poderão regressar,
no caso de seu processo funcionar?
— Garantia absoluta, meu bom amigo.
Não fique preocupado. Acontece que apenas os
traremos de volta dentro de vinte e quatro ou quarenta e oito
horas.
— Por que isso?
— Questões técnicas, Kirkpatrik. Depois que eles
partirem, todo o sistema será reprogramado para os trazer
de volta. Isso demora.

— 35 —
— Compreendo. E se, por acaso, eles estiverem
correndo perigo, durante esse tempo?
— Terão que enfrentá-lo sozinhos. Não existe forma de
se comunicarem conosco. Eles só voltarão a nos ver ou
ouvir quando forem trazidos de volta.
Kirkpatrik estava tenso. Não acreditava na veracidade
da experiência. Tudo aquilo lhe soava a uma farsa
monstruosa, cujo objetivo não conseguia entender. O mais
intrigante era a presença dos cientistas, na cabina do tempo.
Lembrava uma história de ficção científica, das mais
fantasiosas. Não desmereceria H. G. Wells...

***

Anna Galinka observava tudo com atenção. Sua mente


jornalística ia registrando os menores detalhes. Uma
espécie de euforia estava tomando conta dela, à medida que
se aproximavam da cabina transparente. E se aquela
palhaçada desse certo?
Dois técnicos, vestindo batas brancas, aproximaram-se
da cabina de acrílico e, apertando um botão na base, fizeram
deslizar silenciosamente a porta.
— Por favor — convidou o técnico, apontando o sofá.
Os quatro participantes da experiência entreolharam-se,
receosos. Boris Nakaev observou o salão, como se estivesse
se despedindo. Também Anna Galinka, que sentia as mãos
úmidas, contemplou o que a rodeava como se fosse a última
vez. Os quatro integrantes do grupo que iria viajar no tempo
fixaram sua atenção no posto de observação onde se
encontravam Kirkpatrik e Nonchant. O canadense ergueu a
mão numa saudação muda e sorriu confiante. Talita Finsky
e James Mullinger sorriram de volta. A jornalista soviética

— 36 —
e o cientista ficaram sérios, tensos. Foi James Mullinger
quem primeiro tomou assento no sofá experimental.
Com um suspiro, Boris Nakaev seguiu-o, tomando
lugar ao lado dele. Logo foi a vez de Anna Galinka e, por
último, Talita Finsky, com um sorriso discreto. O técnico
seguiu-os e regulou alguns controles, na parte superior da
cabina. Uma espécie de emissor de raios laser apontava
diretamente para o grupo sentado, tenso, dois outros
monitores laterais foram ajustados também. Finalmente, o
técnico deixou a cabina, depois de reclinar o encosto do
sofá. Apertou mais uma vez o botão da base e a porta da
cabina fechou-se devagar.
Os técnicos ocuparam seus postos junto da aparelhagem
e num painel sobre a cabina começou a aparecer a
numeração da contagem regressiva. Faltavam cinquenta e
três segundos para o começo da operação. Uma luz intensa,
azulada, saiu do emissor que se encontrava no teto,
inundando o interior da estrutura de acrílico. Imediatamente
os dois emissores laterais lançaram jorros de luz alaranjada
pela esquerda e vermelha viva pela direita. Lentamente, as
luzes foram mudando de cor, até se tornarem totalmente
brancas, quase opacas. Os corpos dos quatro participantes
deixaram de ser vistos aos poucos, como se uma nuvem
gasosa os envolvesse. Quando faltavam doze segundos para
o auge da operação, toda a estrutura se apresentava
intensamente branca, não sendo mais possível distinguir
nenhum dos seus ocupantes. E os segundos continuaram
escoando-se, inexoravelmente. Sete, seis, cinco, quatro...
Uma luz intermitente acendeu-se sobre a cabina.
Três, dois, um...
A luz intermitente aumentou subitamente de volume e
os emissores laterais deixaram de funcionar. Imediatamente
aconteceu o mesmo com o emissor do teto. Aos poucos,

— 37 —
enquanto o contador de tempo continuava marcando, agora
em contagem progressiva, a espécie de névoa que enchia o
interior da cabina foi-se dissipando. O ambiente era tenso,
de expectativa. Os técnicos continuavam atarefados,
movendo botões, apertando teclas.
Um zumbido suave encheu o salão, logo decrescendo.
Por alguns minutos, apenas as bobinas do computador,
rodando vertiginosamente para um lado e para outro, se
escutavam no laboratório.

***

Com os olhos muito abertos, espantado e desconfiado,


Kirkpatrik olhava o interior da estrutura de acrílico. A
nuvem de vapor tinha desaparecido. O sofá estava no
mesmo lugar. Vazio...
Pierre Nonchant, exibindo um sorriso triunfante,
voltou-se para o agente fora de: série da CIA e perguntou:
— O que achou da experiência?

— 38 —
CAPÍTULO QUINTO

Perdidos no tempo

Anna Galinka esfregou os olhos, confusa. Acabava de


acordar de uma espécie de sonho e, à sua volta, tudo parecia
girar ainda. Assim que a névoa colorida começara a entrar
na cabina, uma estranha euforia tomara conta dela, como se
estivesse a ponto de descobrir alguma coisa sensacional.
Logo o mundo pareceu girar loucamente e mergulhou numa
espécie de torvelinho, perdendo os sentidos. Lembrava-se
ainda da sensação de rodopio ser geral, pois seus
companheiros de viagem se haviam agarrado
freneticamente ao sofá, para não caírem. Depois viera a
escuridão total e agora, ao despertar, sua primeira
impressão era de deslumbramento. Encontrava-se numa
espécie de planície não muito extensa, limitada por altos
muros de verdura que subiam até uns seis ou sete metros do
chão. Junto dela, espalhados nas posições mais incríveis,
encontravam-se os demais companheiros de viagem, ainda
desacordados. James Mullinger estava voltando a si.
O americano sacudiu a cabeça e levantou-se
penosamente, olhando em volta. Viu Anna e sorriu, com
esforço.
— Você está bem, Anna? — perguntou James
Mullinger.

— 39 —
— Acho que sim. Apenas um pouco tonta e...
apavorada.
— Eu também me sinto assim. É uma impressão
curiosa, não acha?
— Preocupante. Onde é que nós estamos?
— Não faço a mínima idéia. O mais sensato, em minha
opinião, é acordarmos Talita e Boris, para fazermos um
reconhecimento do terreno.
— Concordo.
Inclinaram-se sobre os corpos dos dois cientistas e
sacudiram-nos levemente. Boris Nakaev foi o primeiro a
despertar, sacudindo a cabeça e esfregando vigorosamente
os olhos. Talita acordou também, sentando-se no chão.
— Como é que vocês estão se sentindo? — perguntou
James Mullinger.
— Meio enjoada — respondeu Talita. — Mas parece
que não quebrei nenhum osso.
— Eu me sinto razoavelmente bem — murmurou o
cientista russo.
Nakaev e Talita levantaram-se e sacudiram a poeira das
roupas. O chão era coberto, parcialmente, por uma poeira
esbranquiçada, lembrando cinza. James Mullinger aclarou
a voz e disse, solenemente:
— Sejam bem-vindos aos anos de 2320, amigos!
Anna sentiu um arrepio percorrê-la de alto a baixo.
— Você acha mesmo que a experiência de Nonchant foi
bem-sucedida?
Mullinger sorriu e respondeu:
— É muito cedo para dizermos se ele acertou
completamente na experiência. Porém, me parece que, pelo
menos, ele conseguiu nos tirar de 1979... Não faço idéia do
local e da época em que nos encontramos, mas de uma coisa

— 40 —
eu tenho certeza. Não estamos no mesmo lugar de onde
saímos.
— Isso me parece evidente — sorriu Talita. — O que
acham de tentarmos descobrir onde nos encontramos?
— Acho que é o caminho mais sensato.
Começaram a andar, lentamente, olhando bem onde
punham os pés antes de darem cada passo. De repente, o
cientista americano soltou uma exclamação abafada e
inclinou-se para diante, apanhando alguma coisa do chão.
— Vejam! O que poderá ser isto?
Exibiu um cilindro fechado de metal, que Boris pegou
com emoção.
— Deixe-me examinar isso, por favor.
O cientista russo ficou analisando o pequeno cilindro
por alguns instantes. Por fim, ganhando coragem,
conseguiu abrir a tampa rotativa, revelando a existência de
um emaranhado de fios de diversas cores.
— Faz idéia do que seja isso, professor Nakaev? —
perguntou James, ansioso.
— Eu diria que se trata de um transistor de computação.
No entanto...
— Transistor de computação?
— Exato. Não faz muito tempo, quer dizer, em relação
a 1979, um colega nosso estava trabalhando num modelo
transistorizado revolucionário de minicomputador. E me
lembro de ter visto um componente idêntico a este.
— Você acredita mesmo, professor Nakaev, que isso
pode ser de uma época posterior a 1979? — perguntou,
espantada, a jornalista soviética.
— Não sei o que pensar, Anna. Estou confuso.
Pessoalmente, nunca acredite: muito que Nonchant pudesse
realizar com êxito uma viagem através do tempo. No
entanto...

— 41 —
— Mas você concordou em participar da experiência...
— Não tinha outro remédio. Nonchant era um louco,
um ser cruel. Minha filha Nadia estava em poder dele. Se
eu não participasse, ele poderia tentar alguma coisa contra
ela.
A jornalista tinha os olhos muito abertos.
— Chantagem?
— De certa forma, sim. Mas isso não importa. Espero
que ele consiga nos levar de volta a nossa época, se
realmente a experiência teve sucesso, e deixar minha filha
em paz.
— Aparentemente não estamos em 1979 — interveio
Mullinger.
— Eu diria que nos encontramos muito avançados no
tempo, em relação a 1979 — comentou Talita. — Vejam o
tipo de vegetação existente nessas paredes naturais. Não era
muito comum, em nossa época. Pelo menos que eu me
lembre.
Mullinger observou as formações vegetais e assentiu
com a cabeça.
— Não me lembro muito bem, mas creio que essa
espécie de vegetais se encontrava em vias de extinção em
quase todo o globo. No entanto, parece que eles crescem
aqui com uma liberdade e abundância espantosas.
Outro problema, no entanto, preocupava Anna, nesse
momento:
— Talita — murmurou. — Você sabe que eu fui
literalmente forçada a participar desta experiência. Pelo que
acabamos de ouvir, Nonchant também exerceu uma
chantagem abominável sobre Boris Nakaev, para o obrigar
a participar. E você?
— Bom, o meu caso é mais complexo. Como vocês
sabem, sou húngara, oriunda de Budapeste. Consegui a

— 42 —
naturalização norte-americana e teria vivido em paz se
Pierre Nonchant não tivesse descoberto certos detalhes de
minha existência que poderiam me comprometer. Creio
que, de uma forma ou de outra, acabamos todos sendo
vítimas de uma chantagem. No entanto, acho que não
lamentaremos isso, depois dos resultados desta experiência.
— Talvez tenha razão — murmurou a jornalista. —
Mas, de qualquer maneira, não posso ficar tranquila.
De repente, a tranquilidade que parecia reinar na
estranha planície foi quebrada por um silvo agudo e a cerca
de vinte metros do pequeno grupo abriu-se uma cratera
fumegante.
— Meu Deus! — bradou Mullinger. — O que terá sido
isso?
— Não imagino — murmurou Boris Nakaev. — Porém,
diria que alguém está atirando em nós, usando uma espécie
de lançador de raios laser.
Talita empalideceu.
— Estaremos em perigo? O que vamos fazer? Nonchant
disse que só nos poderia levar de volta entre vinte e quatro
a quarenta e oito horas depois de partirmos...
— Calma, Talita — tranquilizou-a James Mullinger. —
Não podemos perder a cabeça. Pode nem ter sido um
ataque. Estamos muito excitados e...
Dessa vez o raio de fogo feriu a terra a menos de dez
metros do grupo. Um tercei- ro disparo atingiu o chão mais
perto ainda. Puderam ver que o ataque vinha de uma
abertura na parede lateral esquerda.
— Depressa! Corram para aquele lado! — gritou
Mullinger, empurrando Talita para a esquerda.
A pouca distância havia uma pequena colina e os quatro
viajantes do tempo correram para lá. Sentiram novos
disparos, agora mais próximo e só respiraram aliviados

— 43 —
quando entre eles e os misteriosos atacantes ficou o morro
verdejante...
— Vejam! Uma gruta! — exclamou Anna Galinka, que
seguia na frente.
Na verdade, uma abertura circular, de cerca de um
metro e meio de diâmetro, apareceu diante deles. Estava
escuro no interior da gruta.
— Vamos nos esconder aí — decidiu Mullinger, que
parecia ter tomado tacitamente o comando do grupo.
— Será seguro?
— Não é hora para pensar nisso, Boris. Estão nos
atacando pela retaguarda e, se não nos protegermos,
acabarão nos caçando com essa espécie de raios
desintegrado- res. Vamos entrar!
Ele mesmo tomou a dianteira, começando a descer a
ladeira que nascia na entrada da gruta. Tinha tirado uma
espécie de lapiseira do bolso e apertou um botão, revelando
que se tratava, afinal, de uma mini-lanterna portátil, de
luminosidade razoável. Com isso puderam ver que
continuavam descendo por uma espécie de corredor de
paredes lisas, de pedra. O corredor curvava-se para a
esquerda uns dez metros abaixo tornando-se quase
horizontal. Ali a passagem era mais ampla e o chão mais
rugoso, como se tivesse existido naquele lugar alguma
escada corroída pelo tempo. Talita seguia logo atrás de
Mullinger e Anna segurara instintivamente a mão de Boris
Nakaev.
— O que encontraremos aqui dentro, Boris? —
perguntou a jornalista, receosa.
— Não faço a mínima idéia, minha querida Anna. Mas
pode ter certeza de que em breve ficaremos sabendo.
Continuaram avançando, em silêncio. De repente,
Mullinger deteve-se e apontou a lanterna para o chão.

— 44 —
— Vejam! Tem alguma coisa brilhando, ali no chão!
Foi Talita quem se abaixou, apanhando um cartão
metálico de forma retangular, com algumas inscrições em
língua inglesa, a maior parte.
À luz da lanterna, o grupo observou o estranho achado.
— Não parece restar dúvidas de que se trata de uma
espécie de calendário. Pelo menos, essa parte é
compreensível. Porém, as inscrições laterais não são tão
claras assim. A menos que...
— O que é, professor?
— É um calendário astronômico, o que está inscrito ao
lado do calendário comum.
— Um calendário astronômico?
— Pela lógica, só pode ser. Há uma reprodução exata
do nosso sistema solar, com os nomes dos planetas, sua
passagem pelo espaço em relação à terra e ao sol, com datas
gravadas. Reparem que essas datas vão ao extremo detalhe
das horas, minutos e segundos...
— Inacreditável! — exclamou Talita. — Mas creio que
Boris está com a razão! Vejam, Júpiter, por exemplo,
passará nesta faixa celeste, entre o sol e a terra, no dia 24 de
março de 2003, às dezoito horas, trinta minutos e treze
segundos. Não é isso que se pode ler, professor?
Boris engoliu em seco, assentindo levemente com a
cabeça.
— Acho que você está certa, Talita. Estamos diante de
um calendário espantoso. De que data será?
— Vejamos o verso. Talvez tenha alguma coisa escrita
— sugeriu Mullinger.
Boris Nakaev assentiu e voltou o retângulo de cartão
metálico.
— É inacreditável! — exclamou.

— 45 —
Todos puderam ler, no metal polido, algumas palavras
aparentemente ininteligíveis. E, no final, em caracteres
maiores, a inscrição de uma data:
ANO DE 2318 D.C.

— 46 —
CAPÍTULO SEXTO

O calendário astronômico

Kirkpatrik franziu a testa, olhando a estrutura de


acrílico, onde o sofá se apresentava totalmente vazio.
— O que aconteceu, Nonchant?
— O que estava previsto, meu bom amigo — sorriu o
canadense. — Nossos convidados encontram-se, neste
instante, no ano 2320, como foi prometido. Isso se não
houve nenhuma falha no sistema. Mas é fácil saber se tudo
correu bem.
Apertou um botão de interfone e a voz de um dos
técnicos chegou até eles:
— Pois não, professor Nonchant?
— Tudo certo? A operação desenvolveu- se de acordo
com o estabelecido?
— Perfeitamente, professor. Não houve a menor
alteração em relação ao que estava programado.
— Ótimo. Podem prosseguir.
— Estamos já reprogramando o sistema para a
recuperação dos quatro viajantes do tempo.
— Muito bem. Avisem-me se acontecei algum
imprevisto.
Desligou e voltou-se para o agente fora de série da CIA.

— 47 —
— Como escutou, tudo se encontra em ordem, sob total
controle. Dentro de pouco mais de vinte e quatro horas,
nossos amigos estarão de volta à nossa época.
— Como fará isso? Eles não sabem quando deverão se
agrupar para serem transportados. Ou existe alguma
máquina semelhante a esta, no ano em que se encontram?
— perguntou o louro playboy, com um sorriso de ironia.
— Não precisam estar juntos para regressar, meu
amigo. Ativado o processo, a materialização deles, naquele
sofá, será efetuada por etapas, um de cada vez, mas de
forma quase automática. É como se o ar voltasse a encher
um recipiente de onde tinha sido expulso, entende?
— Não.
— Bom, não importa. Você não é cientista e, mesmo
que o fosse, não poderia entender um processo tão
complexo como este. Acho melhor recolher-se a seus
aposentos.
— Meus aposentos? — perguntou Kirkpatrik,
espantado. — Eu não vou ficar aqui. Tenho muito o que
fazer lá fora...
— Lamento, meu amigo, mas vai ter que ficar. Só
poderei deixá-lo partir depois que toda a experiência tiver
sido concluída.
— Mas isso é uma prepotência, Nonchant! Exijo que...
— O mal de muita gente é exigir demais, Kirkpatrik.
Você vai para seus aposentos e fica lá até eu decidir o
contrário. De acordo?
Kirkpatrik ia ripostar quando a porta do posto de
observação se abriu e dois leões- de-chácara, armados, se
perfilaram.
— Acompanhem mister Kirkpatrik até um dos quartos
da ala norte. Mas não o maltratem muito, a menos que seja
absolutamente necessário.

— 48 —
Os dois homens assentiram levemente com a cabeça e
fizeram um gesto para que Kirkpatrik os seguisse. O agente
fora de série da CIA suspirou resignadamente e levantou-
se, passando diante dos dois gorilas.

***

Assombrado, Boris Nakaev olhou os companheiros.


— Este calendário é do ano de 2318! Isso quer dizer
que...
— Quer dizer que Nonchant estava certo! — interveio,
exultante, James Mullinger. — Estamos provavelmente no
ano 2320!
— Não é possível! — exclamou Talita Finsky.
— Acho que sim, amigos — tornou Mullinger. — Não
vejo motivo para continuarmos duvidando do êxito de
Nonchant.
Boris Nakaev estava silencioso, apreensivo.
— Bom, vamos continuar — sugeriu Talita. — Talvez
encontremos outras evidências.
Em silêncio, voltaram a caminhar pelo amplo corredor.
Depois de uma nova curva, avistaram uma claridade
intensa, que parecia provir de uma clareira, uns dez metros
na frente deles.
— Olhem! — exclamou Talita. — Luz!
Cautelosamente, foram se aproximando do final do
corredor. Viram-se subitamente numa nave circular, de
paredes lisas, rochosas, no topo da qual havia uma abertura
retangular, protegida por uma chapa de vidro que fazia
divergir os raios solares.
— O que será isto? — perguntou Anna. — Parece-me
evidente que não se trata simplesmente de uma cavidade

— 49 —
natural. A natureza, por muito perfeita que seja, ainda não
instala claraboias de vidro, mas aberturas...
— Concordo com você — interveio Bo- ris Nakaev. —
Mãos humanas colocaram aquela claraboia. E,
provavelmente, as mesmas mãos escavaram esta nave.
Reparem que há diversos outros corredores, semelhantes ao
que nos trouxe, e que desembocam aqui.
Olharam em volta. Realmente, havia pelo menos mais
quatro aberturas do tamanho daquela por onde tinham
acabado de entrar na nave.
— Acham que... haverá alguém por aqui? — perguntou
Talita, com uma ponta de medo na voz.
— Apesar de não termos encontrado ninguém, até
agora, creio que o mais sensato é pensarmos que sim, que
estas paragens sejam habitadas por alguma forma de vida.
— Não acredito nessa hipótese — aventurou Talita.
— Por que não?
— Não faria sentido, em minha opinião. Vejam bem.
Estamos nesta região há, pelo menos, uma hora. Se
houvesse por aí alguém, já teria aparecido.
Anna franziu a testa.
— Talita, está esquecendo o ataque de que fomos
vítimas, lá fora?
— Ninguém nos garante que se tenha tratado de um
ataque.
— Ora, Talita! Não seja ingênua — falou Boris. — É
claro que foi um ataque!
Mullinger passou a mão pelo rosto.
— Talvez Talita tenha razão.
— Como assim? — espantou-se Anna Galinka.
— Se realmente se tratasse de um ataque orientado
contra nós, teriam nos atingido na mesma hora.

— 50 —
Boris Nakaev cofiou o cavanhaque quase inexistente e
assentiu com a cabeça, acrescentando.
— É uma teoria. No entanto... Sabem o que eu estava
pensando?
— O quê?
— Que aquele ataque não era para nos atingir, ferir, ou
qualquer coisa desse gênero.
— Não entendi — murmurou Talita.
— Aquele ataque pode ter tido como objetivo nos
obrigar a entrar nesta gruta.
— Considero essa teoria muito falha de lógica,
professor — sorriu Mullinger. — Tínhamos muitas outras
direções para onde fugir, sem entrarmos necessariamente
naquela gruta.
— Também ninguém nos garante que, por exemplo,
aquelas aberturas não provenham de outras grutas,
semelhantes à que nós utilizamos e onde acabaríamos
entrando, se tivéssemos fugido em outra direção. Ou que o
misterioso laser não nos perseguisse de forma a nos obrigar
a entrar em uma gruta dessas...
Picaram em silêncio alguns instantes. Esse silêncio foi
cortado bruscamente por uma voz de inflexões metálicas,
que soou atrás deles:
— Um raciocínio brilhante, estrangeiro!

— 51 —
CAPÍTULO SÉTIMO

Companhia sedutora

Kirkpatrik deixou-se conduzir docilmente aos


aposentos que lhe haviam sido reservados pelo imprevisível
Pierre Nonchant. Tratava-se de uma pequena suíte,
composta por um quarto de reduzidas dimensões e um
banheiro menor ainda, apenas com um boxe para chuveiro
e um vaso sanitário, além de um pequeno lavatório de rosto.
Não havia qualquer janela que pudesse constituir uma
esperança de fuga e a porta, trancada solidamente pelo lado
exterior, não seria fácil de arrombar. Kirkpatrik sentou-se
na beira da cama estreita e acendeu um cigarro. Sobre a
mesa de cabeceira, além de um jarro com água e um copo,
havia um telefone. Curioso, levantou o fone e escutou uma
voz:
— Isto é uma gravação. Se deseja alguma coisa, pode
deixar registrado, três segundos depois de esta voz silenciar.
Com um sorriso, deixou o fone no gancho e caminhou
até a porta. Estava trancada, como supunha, e sua solidez
parecia invulnerável. Deitou-se na cama, aspirando com
prazer a fumaça aromática do cigarro. Ficou assim por
longo tempo, contemplando o teto. Toda aquela história de
viagem no tempo estava lhe cheirando a farsa, das mais
grotescas. Perguntava a si mesmo qual seria o objetivo do
canadense. Quatro pessoas tinham se sentado naquele sofá.

— 52 —
Quatro pessoas aparentemente distintas umas das outras,
mas, no entanto, com alguma coisa unindo-as. Boris
Nakaev era um físico reconhecido há muito nos Estados
Unidos por seu eminente trabalho na NASA. Exilado da
União Soviética, conseguira anos atrás a naturalização
americana. Anna Galinka, jornalista soviética em viagem
especial aos Estados Unidos, para efetuar uma série de
reportagens científicas, como elemento russo de
intercâmbio, após a visita de dois jornalistas americanos à
União Soviética. Talita Finsky e James Mullinger, ele não
conhecia. Mas, segundo as informações de Nonchant,
tratava-se de dois cientistas, ela, húngara naturalizada
americana, ele, americano mesmo. Três cientistas e uma
jornalista, especializada em reportagens sobre ciências. O
que Pierre Nonchant estaria querendo, com toda aquela
farsa?
Seus pensamentos foram cortados pela abertura da
porta. Levantou-se e ficou sem fôlego por alguns instantes,
contemplando a beleza ruiva da garota que se encontrava
diante dele. A porta tinha-se fechado novamente e a garota
sorria, com amabilidade.
— Boa-noite, mister Kirkpatrik. Meu nome é Sue
Prince.
— Hum... — fez o atraente playboy, caminhando até a
garota. — Parece que nosso amigo Nonchant está
melhorando suas maneiras. Você é muito mais simpática e
sua presença mais agradável do que a dos dois gorilas que
me trouxeram...
— Obrigada pelo elogio. Como está instalado?
— Bem, na medida do possível. Posso saber qual é a
sua função, nesta gigantesca engrenagem do professor
Pierre Nonchant?

— 53 —
— Digamos que sou sua protegida. Minha obrigação é
ver se nossos convidados estão bem instalados, se não lhes
falta nada. Está precisando de alguma coisa, mister
Kirkpatrik?
— Estou, sim, Sue. Companhia. Este quarto é
terrivelmente solitário. Com uma companhia agradável eu
talvez nem sentisse que me encontro em cativeiro.
— Hum... Que palavra dramática, mister Kirkpatrik!
— Eu adoro dramas, Sue. E pode me chamar de Horace,
como fazem todas as garotas bonitas.
— Horace... Sabe que é um nome pouco comum? É
francês?
— Não. É americano mesmo. Como é? Vai me fazer
companhia?
— Por algum tempo. Não muito, porque Pierre poderia
ficar ciumento.
— Compreendo. Sou um homem perigoso, em mais de
um aspecto, pelo visto.
Tinham-se sentado na beira da cama e Kirkpatrik exibia
seu sorriso mais fascinante.
— Você sabe o que vale, Horace. E acredito que não
está muito longe da verdade. Você é realmente um homem
muito perigoso.
— Em que sentido?
— Mais do que um. Por exemplo, como homem, você
é fascinante, irresistível mesmo.
— Muito lisonjeiro ouvir isso de uma garota linda como
você.
— Não devo ser a primeira a dizer-lhe isso. Por outro
lado, como inimigo você deve ser perigosíssimo também.
Bud não se esqueceu ainda do resultado de sua altercação
com ele. A propósito, ele jurou que o mataria, se o
encontrasse.

— 54 —
— Também não é o primeiro a dizer isso.
— Acredito. Porém, tenha cuidado. Bud é um animal
traiçoeiro, capaz de qualquer sujeira para vingar seu
orgulho ferido.
— Já tinha chegado à mesma conclusão. Mas não creio
que seja apenas por isso que Pierre Nonchant me considera
um inimigo tão perigoso, a ponto de mandar sua favorita
tentar me seduzir.
Kirkpatrik falou tudo isso sem perder o sorriso mordaz.
— Eu não disse que tinha vindo para seduzi-lo, Horace
— retribuiu Sue Prince. — Se bem que a idéia não seja de
todo desagradável.
— Estamos de acordo, então, que a sedução é uma
possibilidade...
— Digamos que sim. Pierre quer saber, exatamente,
quem é você.
— Pensei que ele fosse mais inteligente. Já podia ter
mandado averiguar a veracidade de minha identidade.
— Ele fez isso, é claro. E, surpreendentemente, soube
que você não havia mentido. É realmente presidente da
K.K.K. Steel, Ltd., um dos mais poderosos consórcios de
aço do mundo. Um milionário e um playboy muito
badalado. Mas isso foi tudo o que conseguimos descobrir.
Quanto à sua ligação com Anna Galinka, ninguém soube
nos informar de nada.
— O que é muito natural. Os trabalhos de meu
laboratório são secretos, como o são os de Nonchant,
suponho.
— Talvez tenha razão. Mas por que seu interesse em
saber o que tinha acontecido com Anna? E haveria motivo
para você pensar que alguma coisa acontecera com ela?

— 55 —
— Para mim, havia. Não estou acostumado a que uma
garota, bonita e atraente como Anna, falte a um encontro
íntimo comigo, sem uma boa explicação.
Sue ruborizou-se.
— Quer dizer, então, que sua preocupação não era
apenas porque ela não tinha comparecido em seu
laboratório?
— Acertou. Você, como mulher, talvez entenda. Anna
me tinha prometido uma noite e uma manhã, em rigorosa
exclusividade, compreende? Não apareceu ontem à noite,
nem hoje de manhã. Sumiu do hotel, depois de um chamado
do professor Pierre Nonchant. Não acha que seria para eu
estranhar? Como lhe disse, não estou acostumado a que
minhas garotas faltem às entrevistas.
— Você é um pouco convencido, não acha, Horace?
— Eu não tenho autoridade nenhuma para achar ou não
achar, Sue. O julgamento terá que ser seu.
Antes que a garota pudesse adivinhar suas intenções, o
atraente playboy inclinou-se para ela e rodeou-lhe a cintura
com os braços, atraindo-a para si. Sue opôs alguma
resistência, mas o louro agente não desistiu. Apertou-a
mais, até sentir contra o peito os seios duros e agressivos.
Logo as bocas se uniram, com ansiedade. Sue Prince
capitulou com facilidade. Passou os braços pelo pescoço do
milionário e deixou que suas mãos brincassem com os
botões da blusa rendada, devassando a intimidade dos seios
ansiosos. Não opôs mais resistência quando o experiente
playboy retirou a blusa de seus ombros, revelando o corpo
maravilhoso. Logo as calças justas seguiram o caminho da
blusa e Sue apertou-se contra o atlético agente da CIA,
esquecida momentaneamente de sua missão de sondagem.
Meia hora depois, extenuados, mas saciados de prazer,
os dois repousavam na cama estreita, fumando em silêncio.

— 56 —
— Não fui difícil de seduzir, pois não, Sue? —
perguntou com ironia Kirkpatrik.
— Não sei ainda quem foi o seduzido, Horace. Mas não
estou muito interessada em descobrir isso.
— Acho que seria difícil, na verdade. Mas acho bom
você completar sua missão. Na verdade, ainda não tem
muito para oferecer a Pierre Nonchant, nesta sua tarefa de
sondagem da mente...
— Sondagem da mente?
— Um termo muito em voga nos nossos dias. Você sabe
onde estão Boris Nakaev, Anna Galinka e os outros dois?
— Pelo que eu sei, devem encontrar-se em algum lugar
do ano 2320.
Kirkpatrik não pôde evitar uma gargalhada sonora.
— Comigo não, Sue! Não sou ingênuo, nem estúpido.
A história de Nonchant pode servir para loucos, obcecados
como ele. Nunca para um frio homem de negócios, não
acha?
Sue levantou-se e vestiu as duas peças de vestuário que
serviam como toda cobertura de seu corpo deslumbrante.
Ajeitou os cabelos ruivos com um gesto gracioso e sorriu.
— Não posso obrigá-lo a acreditar nas fantasias da
ciência, Horace. A única coisa que poderei fazer é pedir a
Pierre que o sente naquela cadeira para o infinito. Assim
você terá a prova de que o processo funciona.
— Está bem. Como é que você vai sair daqui?
— Chamando o guarda, não é?
Kirkpatrik sorriu, enigmático. Era uma chance que não
podia desprezar.

— 57 —
CAPÍTULO OITAVO

A cadeira para o infinito

Boris Nakaev voltou-se repentinamente, imitado pelos


outros três. Diante deles, empunhando uma arma
pontiaguda, provida de gatilho, talvez o disparador de laser,
um estranho homem sorria cruelmente.
— Quem é você e onde é que nós estamos?
— Calma, estrangeiro. Antes de mais nada quero
felicitá-lo pelo seu brilhante raciocínio. A terra está coberta
de crateras como essa, acima de suas cabeças. Essas crateras
abrem para galerias como esta, servidas por numerosos
corredores que nascem na superfície. Desses que vocês
estão vendo ao redor, só dois não levam à superfície. São os
que ligam esta nave com outras semelhantes. Aqui
habitamos nós, os infra, como os supra nos chamam. Os
supra são os que estão lá em cima, podendo enfrentar a luz
do dia. Eles têm medo de nós. E, sempre que aparece algum
estrangeiro, obrigam-no a descer até aqui. Por um lado, têm
esperanças de que, por instinto de salvação, esses
estrangeiros lutem e vão acabando conosco. Por outro,
julgam aplacar nossa cólera. É como se nos ofertassem
alguns sacrifícios, entendem?
— Isto é horrível! — gemeu Anna Galinka.
— Questão de ponto de vista, estrangeira de cabelos
negros. Para nós, a chegada de vocês é motivo para festa. E

— 58 —
os supra sabem disso. Por esse motivo mandam aqui para
baixo todos quantos podem. Os supra são um povo covarde.
Esses túneis traiçoeiros são invenção deles. Obrigam os
estrangeiros a entrar neles, porque temem enfrentá-los cara
a cara.
— Em que ano estamos? — perguntou repentinamente
James Mullinger, que mantinha uma calma impressionante.
— Pelos nossos calendários, estamos em 2320.
Anna soltou uma exclamação de assombre.
— Inacreditável!
Boris Nakaev deu um passo na direção do estranho
homem. Só então viu que ele estava usando uma espécie de
túnica negra, com um capuz que lhe cobria a cabeça, mal
deixando livre o rosto.
— E o que vai acontecer conosco? — perguntou.
— Os machos trabalharão para nós, até morrer. O que
não demora muito tempo. As fêmeas nos servirão no seu
único papel possível: como reprodutoras. As fêmeas
sempre resistiram muito pouco, aqui embaixo. Por isso
estamos sempre com falta de reprodutoras.
Anna Galinka gemeu alto e, instintivamente abraçou-se
a Boris Nakaev.
— Por que é que vocês estão aqui embaixo? —
perguntou o cientista soviético.
— Não podemos enfrentar a luz do dia.
Desde a grande catástrofe, quando nos recolhemos aqui,
fomos afetados por uma estranha moléstia que nos impede
de enfrentar a luz do dia. Os supra resistiram e, por isso, são
nossos inimigos.
— Tudo isto é uma loucura! — bradou Mullinger, com
um braço sobre os ombros de Talita. — Vocês nada têm
contra nós.
— É verdade. Infelizmente, nós precisamos de vocês.

— 59 —
Alguns outros seres semelhantes ao que tinha aparecido
primeiro surgiram em algumas outras galerias. Todos
empunhavam armas iguais, uma espécie de bastão, com
mecanismo disparador.
— Vamos — murmurou o primeiro infra. — Siga-me.
Ficarão em suas celas até nós o decidirmos.
— Isto... é horrível!
Os infra fecharam o cerco em volta dos quatro
companheiros de viagem, obrigando-os a seguir o primeiro
habitante subterrâneo, que se voltou solenemente,
começando a caminhar por uma das galerias.

***

Kirkpatrik esperou que a garota se aproximasse da porta


e chamasse:
— Richard! Pode abrir!
O agente fora de série da CIA saltou nesse momento da
cama e, antes que a garota pudesse compreender o que
estava acontecendo, aplicou-lhe uma pancada seca,
controlada, na base da nuca. Sue gemeu suavemente e suas
pernas dobraram-se, tombando como um saco vazio. O
agente segurou-a por sob os braços, impedindo-a que caísse
no chão, e transportou-a rapidamente para a cama. Logo
correu para junto da porta e aguardou. Segundos depois,
Richard, o guarda, abriu a porta confiante. Sua primeira
reação, ao ver Sue Prince estendida na cama, foi de espanto.
Depois um sorriso passou por seus lábios. O sorriso morreu
imediatamente ao sentir-se brutalmente puxado para o
interior do quarto, ao mesmo tempo que lhe arrancavam a
automática das mãos. Não teve sequer tempo para reagir.
Uma mão de ferro fechou-se com raiva em volta de seu
pescoço, puxando-o. Logo um punho que lhe pareceu

— 60 —
enorme se deslocou a grande velocidade, esmagando-se
contra seu rosto. Richard saiu disparado para trás, batendo
com as costas na parede. Sacudiu a cabeça e olhou para
Kirkpatrik, com ódio.
— Seu cachorro! — grunhiu. — Vou quebrá-lo em mil
pedaços!
O agente fora de série da CIA não esperou que ele
terminasse. Avançou raivosamente e enterrou-lhe um
punho de ferro nos rins. Richard dobrou-se com uma
expressão de angústia no rosto barbudo. Imediatamente
alguma mula transcendental, porque ele não a viu,
escoiceou-o com fúria no rosto, repetidas vezes. A vista
nublou-se e Richard sentiu que suas pernas fraquejavam.
Um último coice, desferido de baixo para cima, atingindo-
o na ponta de queixo, jogou sua cabeça violentamente
contra a parede. Um som oco soou dentro do quarto,
enquanto Richard deslizava suavemente pela parede, até
ficar sentado. Depois tombou para a esquerda, ficando de
lado no chão, inconsciente.
Kirkpatrik saiu do quarto, levando a automática de
Richard, e trancou a porta com a chave. Silenciosamente,
caminhou pelo corredor, preparado para qualquer
emergência. Atingiu a porta do laboratório sem incidentes.
Espreitou por uma das janelas de vidro. Ao contrário do que
esperava, não havia ali ninguém. Os técnicos que, pela
lógica, deviam estar preparando a operação de regresso dos
quatro viajantes no tempo, não se encontravam ali. O agente
fora de série da CIA experimentou a porta e viu que estava
aberta. Olhou para a esquerda e para a direita e empurrou.
Pouco depois caminhava tranquilamente pelo laboratório,
em direção à estrutura de acrílico. Apertou o botão da base
e a porta deslizou suavemente. Kirkpatrik entrou na cabina
e examinou detidamente o sofá. Não tinha nada de

— 61 —
incomum. Kirkpatrik ajoelhou-se e analisou com cuidado o
pavimento. Um sorriso distendeu seus lábios, observando
as ranhuras que o chão apresentava em volta do sofá. Saiu
da cabina e examinou os aparelhos que a rodeavam. Leu as
inscrições de cada painel, com a testa franzida. Sabia o que
estava procurando, ainda que ignorasse a forma como se
apresentava. Sorriu, diante de um botão verde, sem
qualquer inscrição. Devia ser aquilo o que esperava
encontrar. Respirando com força, apertou o botão.
Imediatamente um zunido suave encheu a sala e o sofá
começou a girar, primeiro devagar, logo aumentando de
velocidade. Durante mais de um minuto, Kirkpatrik ficou
observando o movimento do sofá. Nada aconteceu, além
disso. Decepcionado, ia apertar outro botão, quando uma
voz sarcástica soou atrás dele:
— Não sei como você chegou até aqui, Kirkpatrik, mas
se apertar esse botão estouro sua cabeça neste mesmo
instante!
O agente fora de série voltou-se e deparou com Pierre
Nonchant, empunhando uma automática. Ao lado do
canadense havia dois outros homens, cada um empunhando
uma arma provida de silenciador.

— 62 —
CAPÍTULO NONO

Missão secreta

Trancados em duas celas separadas, os prisioneiros dos


infra meditavam sobre o que estava acontecendo. Boris
Nakaev considerava tudo aquilo absurdo. Era como se já
tivesse vivido uma experiência semelhante, ridiculamente
parecida. Além disso, apesar de tudo o que tinha ocorrido
desde que haviam chegado àquela região, não acreditava
que estivesse vivendo a realidade. Tudo não devia passar de
uma farsa monstruosa, encenada com objetivos que ele não
conseguia entender. Tudo aquilo, os infra e os supra, era
uma bobagem. Claro que, em consequência da
radioatividade, seria possível uma alteração tão sensível no
metabolismo celular que aquelas criaturas não pudessem
mais suportar a luz solar. Porém, pelo que tivera ocasião de
observar, nenhum daqueles homens apresentava
características de albinismo ou textura de pele sensível à luz
solar, em que pese o fato de se vestirem com túnicas e
capuzes negros. Sua inteligência fria, racional, científica,
recusava-se a acreditar na viabilidade da experiência de
Pierre Nonchant.
— O que acha de nossa situação, Professor Nakaev? —
perguntou o cientista americano, James Mullinger.
— Não estou convencido de que tudo não passe de uma
fantasia tremenda, organizada por Nonchant.

— 63 —
— Eu não tenho a mesma opinião. Acredito que tudo
isto é verdade e, de alguma forma, viemos parar em 2320.
Agora, também penso que Pierre Nonchant nos traiu.
Isto é, que ele não sabe como nos levar de volta à nossa
época. E isso me preocupa sobremaneira.
— O que o leva a pensar dessa forma, Mullinger.
— Tudo o que aconteceu conosco até agora. O
calendário astronômico que encontramos, o componente
miniaturizado de computador, estas estranhas criaturas, a
forma como vivem e as armas curiosas que utilizam. Nada
disso é de nossa época.
— Pode ser uma farsa, uma encenação monstruosa. Não
esqueça que o cinema tem recursos fantásticos, que
Nonchant poderia muito bem ter aproveitado para nos
mergulhar nesta fantasia.
Mullinger franziu a testa e balançou a cabeça.
— Pode ser. Mas, para mim, você está enganado,
Nakaev. Estamos vivendo uma experiência histórica, um
momento empolgante da existência do homem. Sou biólogo
e pude observar algumas características sintomáticas nesses
indivíduos. Quase juraria que a pele deles foi alterada e não
poderão suportar a luz do sol por muito tempo. Não sei se
reparou, mas todos apresentam cabelos brancos, uma das
principais características do albinismo, juntamente com a
textura da pele, sua pigmentação...
Se pudéssemos capturar uma dessas criaturas ...
— Tudo isso são fantasias, Mullinger. Nonchant está
querendo alguma coisa de nós e espera nos impressionar.
— Não acredito que ele fosse tão longe. Para mim,
estamos vivendo a realidade. Só que se trata de uma
realidade preocupante. Nossas vidas correm perigo.

— 64 —
Boris Nakaev não respondeu. Mullinger estava
convencido de que tudo aquilo era real e dificilmente o
levariam a pensar de outra forma, sem provas concretas.

***

Anna Galinka, numa outra cela, juntamente com Talita


Finsky, suspirou e deu alguns passos pelo aposento
fracamente iluminado por um archote fixo na parede.
— Tudo isto é horrível, Talita — murmurou.
— Concordo. Deveria me sentir feliz por ter participado
desta experiência inacreditável de domínio do tempo e do
espaço. Porém, não consigo me esquecer que nossas vidas
correm perigo e que, de certa forma, estou aqui contra
minha vontade.
— Você acha que temos alguma chance de escapar?
— Não sei. Mas quero fazer um trato com você, Anna.
A jornalista surpreendeu-se. Franziu a testa e olhou
fixamente a cientista húngara.
— Um trato?
— Exatamente. Como você deve estar lembrada, eu lhe
disse que Nonchant me tinha literalmente obrigado a
participar desta experiência. Lembra-se?
— Lembro, sim. Você disse, até que ele tinha
descoberto certos detalhes comprometedores de sua vida
e...
— Isso mesmo. Por algum motivo, que desconheço
concretamente, acredito que não sairei viva daqui.
— Não fale desse jeito, Talita! Você me assusta!
— Anna, você ouviu o que essa criatura falou. Os
homens serão seus escravos e nós, as mulheres, serviremos
de reprodutoras. Você imagina que eu irei me submeter a

— 65 —
ser possuída por um desses monstros? Prefiro mil vezes a
morte.
Anna engoliu em seco, penosamente.
— E o que vamos fazer?
— Pode ser que você consiga escapar. Se isso
acontecer, se Nonchant puder resgatá-la antes que seja tarde
demais, quero que me faça um favor.
— Conte comigo, Talita. Estamos vivendo a mesma
tragédia, obrigadas por processos violentos. No entanto,
não creio que consiga escapar, se você não puder.
— Mas tudo é possível, Anna. Uma de nós talvez
escape. E, se for você, quero ter certeza de que minha
missão será concluída.
— Sua missão?
— Exato. Eu trabalho para a KGB, de Moscou.
— Você? — o espanto de Anna Galinka não tinha
limites.
— Eu, sim, Anna. Por que o espanto? Qualquer um
pode fazer o que eu faço. Moscou me paga bem e eu preciso
de muito dinheiro para poder viver bem, nos Estados
Unidos. Acontece que Pierre Nonchant, de alguma forma,
descobriu essa minha... atividade secreta. E ameaça revelá-
la às autoridades americanas, se eu não colaborar em suas
experiências.
— É monstruoso!
— Mas é a verdade, Anna. Por isso eu quero que você
me prometa que fará uma coisa para mim, se eu morrer.
— Prometo, Talita! Juro que farei!
— Vou lhe dar um endereço e, se você conseguir
escapar, deve ir lá e perguntar por Stanislau Ustin. Ele lhe
entregará um microfilme, depois que você der a senha para
ele. Conte o que aconteceu, sem entrar em detalhes, pois ele
não acreditaria. A senha é: Nas neves altas, canta o abutre.

— 66 —
A frase não tem lógica nem sentido algum. É apenas uma
espécie de identificação, combinada entre nós para o caso
de acontecer alguma coisa. Entre suas câmaras, seus filmes
de reportagem, não será difícil você levar isso até Moscou.
Promete?
— Prometo, Talita. Mas não vai ser necessário, porque
se você não escapar eu tampouco conseguirei sair daqui.
— Não podemos ter certeza, Anna. Mas no caso de você
escapar...
— Agradeço sua confiança, Talita. E pode contar
comigo, nesse caso bastante improvável.
— Improvável? Talvez não seja tanto assim. Existe
alguma coisa que eu possa fazer por você, no caso oposto?
Não estou pressagiando nada, mas assim como posso
morrer e você escapar, pode também acontecer o contrário.
E se for assim... tomara que não, honestamente, mas se
acontecer, quero que você saiba que pode contar comigo
para qualquer coisa. Inclusive para vingar todos nós,
acabando com esse miserável que é Pierre Nonchant!
Anna ficou silenciosa alguns momentos, como se
estivesse decidindo da conveniência de confiar ou não na
húngara.
— Talvez... talvez você possa fazer uma coisa para
mim.
— O que você quiser, Anna. Não precisa dar
explicações. Diga apenas o que eu terei de fazer e lhe juro
que o farei.
— Bom... eu também tenho uma missão de Moscou. Da
KGB...
— Você? — espantou-se a cientista.
— Exatamente, Talita. Não esqueça que eu vim de
Moscou, com uma missão oficial. Porém, acredito que nem
os próprios americanos estão convencidos de que meu

— 67 —
trabalho seja apenas fazer uma série de reportagens
científicas.
— Não vejo por que eles tenham de desconfiar de coisa
alguma. Eu por exemplo, jamais pensaria que você trabalha
para a KGB...
— Mas trabalho. Ou melhor, nunca trabalhei, a não ser
agora. Tenho uma missão específica. E não vejo como
executá-la.
— Se eu puder ajudar... Confie em mim, Anna!
— Vou confiar, sim. Saint Maurice é um francês que
trabalha na NASA, num laboratório altamente secreto. De
alguma forma ele conseguiu fotografar os planos de uma
nave recentemente projetada pelos americanos com um
sistema recuperável. 3uer dizer, a mesma nave pode ser
lança-la no espaço diversas vezes. Moscou quer essas fotos.
Minha missão era levá-las para lá, quando voltasse. Saint
Maurice vive sob uma tensão tremenda, vigiado
estreitamente. Jamais conseguiria fazer chegar essas fotos a
Moscou. Você pode contatá-lo, e, através de seus canais
habituais, tentar fazer chegar essas fotos à KGB. Fará isso
por mim?
— Claro que farei, Anna. Agora me sinto mais
irmanada ainda com você. Trabalhamos no mesmo serviço
perigoso e precisamos contar uma com a outra, num
momento difícil como este.
Anna sentia-se mais aliviada e inquieta, ao mesmo
tempo. Tinha confiado impulsivamente em Talita e talvez
viesse a arrepender-se...

— 68 —
CAPÍTULO DÉCIMO

A desmistificação

Kirkpatrik sorriu e deu alguns passos n direção de


Pierre Nonchant.
— Tudo muito bem montado, hem, Nonchant?
— Você é muito esperto, Kirkpatrik. Infelizmente para
você, não viverá o bastante para contar para ninguém o que
descobriu aqui.
— Muito engenhosa, sua viagem no tempo. Só não
entendo o que é que você espera conseguir com isso.
— Talvez você entenda, antes de morrer.
Nesse momento, o sofá movimentou-se, começando a
descer. Uma espécie de plataforma onde se apoiava o sofá
descia lentamente. Pouco depois voltava a subir, trazendo
Talita Finsky, sentada confortavelmente.
— Talita, minha querida! — saudou o canadense. —
Não a esperava tão cedo.
— Foi mais fácil do que imaginávamos, Pierre. A
verdade é que nossos rapazes, lá embaixo, trabalharam
maravilhosamente. Anna Galinka está tão apavorada que
teria vendido a própria alma ao diabo.
Só nesse momento a húngara reparou que Kirkpatrik
estava sob a ameaça das armas.
— O que significa isso, Pierre?

— 69 —
— Não se preocupe, querida. Nosso amigo Kirkpatrik
resolveu fazer uma investigação por sua conta e descobriu
muitas coisas que acabaram ditando sua sentença de morte.
Mas pode falar na frente dele. Servirá, inclusive, para
satisfazer sua curiosidade, antes de partir numa viagem
especial ... sem regresso.
— Será mesmo seguro?
— Não pense nele. Rapazes, fiquem de olho em nosso
convidado.
Os dois guardas deram um passo à frente, apontando as
automáticas para o agente fora de série da CIA.
— Então Anna falou?
— Falou, sim. Seu contato é Saint Mau- rice, um
engenheiro da NASA. Sua missão consistia em pegar umas
fotos de uma nova espaçonave americana e fazê-las chegar
a Moscou. Deu-me o serviço completo, incluindo alguns
detalhes que farão Saint Maurice acreditar em nós.
— ótimo. Deu para entender, Kirkpatrik?
O agente fora de série da CIA sorriu. Agora entendia o
objetivo de Nonchant.
— Claro que deu para entender. Mas tenho um palpite
de que você não vai conseguir, Nonchant.
— Seus palpites não me interessam, Kirkpatrik. Essas
fotos estarão em minhas mãos amanhã, bem cedo. E se
Moscou as quiser, terá que pagar muito caro. Ao mesmo
tempo, penso negociar Boris Nakaev também. Estou
precisando muito de dinheiro.
— E se Moscou não estiver disposto a pagar?
— Muitos outros podem estar interessados, Kirkpatrik.
Você não entende disso. Portanto, não esquente sua cabeça.
Prepare-se para “viajar”.
— Na sua máquina do tempo? — perguntou o agente
fora de série, com ironia.

— 70 —
— Exatamente. Só que, desta vez, você não viajará para
2320! — soltou uma gargalhada antes de prosseguir. —
Esse sofá será uma cadeira para o infinito! Para a
eternidade!
Talita secundou-o na gargalhada.
— Você devia ver a forma como os bobos se
entusiasmaram, lá embaixo, com a válvula de televisão
alterada que você colocou lá! E o calendário!
Nonchant e Talita soltaram uma nova gargalhada, que
ficou ecoando sinistramente no laboratório.
— Você vai viajar, Kirkpatrik. Talita o acompanhará.
Só que a missão dela é ordenar aos supra ou aos infra — riu
de novo — que o pulverizem e o enterrem bem fundo.
Sente-se no sofá!

***

Anna Galinka estava assustada. Dois homens tinham


vindo buscar Talita e ela não havia voltado. Estava
arrependida de ter falado em Saint Maurice. E se ela
escapasse e a delatasse? Saint Maurice estaria perdido.
Nesse momento a porta abriu-se e um daqueles seres
monstruosos, de túnica s capuz negro, entrou.
— Você vem comigo!
Anna encolheu-se mais no canto, procurando furtar-se
ao ser arrepiante. No entanto, o infra avançou para ela,
agarrou-a brutalmente e puxou-a para fora da pequena cela.
— Pare! Bruto! Me solte!
O infra soltou uma gargalhada horripilante, que ficou
ecoando pelos subterrâneos. Descontrolada, Anna começou
a chorar convulsivamente. A criatura arrastou-a pelo
corredor úmido e escuro, até a nave onde tinham sido

— 71 —
surpreendidos. Anna ar regalou os olhos, fitando a cena que
se de parava a seus olhos.
A nave não estava mais escura, mas profusamente
iluminada por tochas que perdiam das paredes. No meio
havia uma mesa enorme, coberta por uma pele. Sentado no
chão, fortemente amarrado, o professor Boris Nakaev
estava olhando para tudo com uma expressão de pavor nos
olhos brilhantes. James Mullinger, sorridente, estava
sentado numa cadeira de pedra, fumando um charuto.
— Ora, ora! — exclamou Mullinger. — Nossa querida
jornalista chegou! Como se sente?
— O que significa isto? Por que...? — começou a
garota.
— O que você está vendo, minha querida — riu James.
— Eu tinha razão, Anna — comentou o cientista russo,
cansadamente. — Tudo não passava de uma farsa. E
Mullinger era conivente, assim como Talita Finsky. Ela já
foi embora, certamente prestar contas a Nonchant do êxito
da palhaçada.
— Não! — bradou Anna. — Não é possível! E estas...
criaturas? Elas...
— Fazem parte da comédia, Anna — suspirou Boris
Nakaev. — São pessoas normais, disfarçadas. Eu sabia que
já tinha visto cenas parecidas antes. Foi no famoso filme
“The Ômega Man” (O último Homem sobre a Terra), É uma
história de antecipação, que conta a odisseia de um
americano, único sobrevivente da espécie humana. Depois
descobre que existem outros sobreviventes, mas que, por
alteração na pigmentação da pele e no sistema visual, não
podem suportar a luz do dia. Vivem sob a terra, em
catacumbas, consumidos pelo ódio e desejo de vingança
contra o único homem que não é igual a eles! Tenho certeza

— 72 —
de que Nonchant se inspirou nessa obra para montar esta
monstruosa comédia. Só não entendo com que objetivo!
Anna deixou-se cair no chão, arrasada. Entre soluços,
murmurou:
— Eu sei, Boris! Eu sei...
— Como assim?
— De alguma maneira, Nonchant soube que eu trazia
uma outra missão, secreta, de Moscou. Por isso criou toda
esta farsa, infantil, na verdade, colocando Talita ao meu
lado, insinuando-se e me sugestionando para que eu
acreditasse. Depois ela se abriu em confidências sobre seu
trabalho como agente da KGB nos Estados Unidos e eu
acreditei mesmo. Acabei lhe pedindo que executasse por
mim, se conseguisse escapar, a missão que eu deveria
realizar nos Estados Unidos...
— Inacreditável! — exclamou o cientista. — Você lhe
revelou tudo o que ela queria saber?
— Tudo, Boris! Agora, é tarde demais. E, o que é pior,
comprometi fatalmente um homem que nada tinha a ver
com isto! Meu contato nos Estados Unidos...
— Santo Deus!
— Chega de lamúrias, meus amigos — interveio
Mullinger. — Vamos à parte final de nossa encenação.
Rapazes, podem tirar os disfarces, que devem ser bastante
incômodos. Não fazem mais sentido. Talita já deve ter
comunicado suas descobertas a Nonchant e a comédia
chegou ao fim. Em Boris Nakaev não toquem. Nonchant
precisa dele vivo, para o negociar com seus queridos
compatriotas soviéticos. Acredita que darão uma boa soma
por ele. Quanto à garota, está perdida de qualquer jeito. Se
a deixarmos escapar, os russos a eliminarão, pois não
interessa mais. Se eles não o fizerem, os americanos a
pegarão. Não é verdade, bela Anna Galinka?

— 73 —
A jornalista não respondeu. Limitou-se a olhar o falso
cientista com ódio.
— Bom, sendo assim, não vejo por que não devamos
aproveitar sua presença entre nós da melhor maneira
possível, minha querida. Rapazes, ela é toda de vocês.
Anna levantou-se de um salto.
— Não! Vocês nunca me tocarão!
— Peguem-na! — ordenou Mullinger, colérico.
Um dos canalhas avançou para a garota, cortando-lhe a
retirada. Sua mão direita estendeu-se rapidamente,
agarrando a blusa da bela jornalista, que se rasgou de alto a
baixo. Um seio rosado, com a corola escura, ficou
balançando com firmeza, alterado pela respiração
descompassada da soviética.
— Miseráveis! Não me tocarão!
Tentou fugir de novo. Dessa vez foi um outro bandido,
que acabava de se livrar da túnica e do capuz, exibindo o
tronco suado e brilhante, que avançou para ela, estendendo
os braços para sua cintura. Anna esquivou-se e o homem
perdeu o equilíbrio, caindo de bruços. Seus braços
estenderam-se, no entanto, e os dedos aferraram- se ao
tecido da saia de Anna. A garota puxou e a maior parte da
saia ficou nas mãos do miserável, que espumava como uma
fera no cio. Praticamente nua, com o belo corpo molhado
de suor frio, Anna Galinka tentou, primeiro, numa reação
instintiva de pudor, cobrir as pernas bem-feitas, a calcinha
de renda que mal escondia o púbis sedoso e negro. No
entanto, vendo como o primeiro canalha voltava ao ataque,
esqueceu-se do pudor e tentou escapar mais uma vez. Bem
atrás dela abria-se uma das entradas dos corredores. Não
hesitou. Correu para lá, avançando no escuro o melhor que
podia. Atrás dela partiram dois dos energúmenos, soltando
gargalhadas bestiais.

— 74 —
— 75 —
CAPÍTULO DÉCIMO PRIMEIRO

O laser oportuno

Talita, sentada no sofá, junto de Kirkpatrik, sorria


cinicamente, apontando uma arma curiosa para o agente
fora de série. A arma lembrava um bastão, provido de
gatilho.
— Isso é um mini laser. Você deve imaginar como
funciona — sorriu Pierre Nonchant. — Basta apertar aquele
gatilho e um raio concentrado é capaz de perfurar uma
chapa de aço de cinco milímetros em poucos segundos. São
armas desse tipo que meus rapazes, os infra e os supra,
como se chamam em 2320, usam lá embaixo. Uma besteira
sua e Talita está autorizada a per- furá-lo com um simples
disparo...
— Quer dizer, então, que lá embaixo você tem toda a
farsa montada para que acreditem que estão no ano 2320?
— perguntou o agente fora de série.
— Exato. E, como você viu pelos resultados, está tudo
preparado com muito realismo. Os “viajantes do tempo”
são anestesiados por alguns minutos, através daquele gás
esbranquiçado que você viu encher esta cabina. Por isso
quando despertam, não sabem o que aconteceu, apenas que
se encontram numa situação invulgar. Meus companheiros,
Talita e Mullinger, sempre vão junto, para os convencer de
que, realmente, viajaram no tempo. Aí embaixo encontrará

— 76 —
um pedaço de terra, que supostamente subsistiu a um
cataclismo nuclear que arrasou tudo. Há seres que vivem
sob a terra, pois não suportam a luz do sol. São os infra que,
normalmente, capturam os viajantes do tempo. No exterior
há mais dois ou três, prontos para os assustarem o bastante
para que acreditem estar, na verdade, em outra época. Junte
a isso um pouco de cenário, uns calendários do ano 2318,
confeccionados especialmente em cartão metálico, umas
válvulas de televisão ou computador, alteradas, é claro, de
maneira sofisticada, e mais alguns detalhes intrigantes e
terá preparado todo o ambiente irreal para que nem o mais
cético duvide da fantasia.
— Quer dizer que não é a primeira vez que você utiliza
sua famosa máquina do tempo, hem?
— Já a utilizei diversas vezes, meu caro amigo. E
sempre obtive excelentes resultados. Sabe, quando as
pessoas se encontram lá embaixo, viajando no ano 2320,
todos os valores de nossa época perdem o sentido. E, então,
falam livremente. Talita e James, ou eu mesmo ou Sue,
minha garota, estão sempre por perto, para recolher todas
as confidências dos empolgados e aterrados viajantes...
— Você é um canalha da pior espécie, Nonchant! Já lhe
tinham dito isso?
Havia uma mordacidade cortante na voz de Kirkpatrik.
— Já, meu amigo. Nem nessa frase você conseguiu ser
original. Agora, boa viagem. Tenho coisas mais
importantes para fazer. Visitar Saint Maurice, amanhã cedo,
por exemplo.
Soltou uma gargalhada e apertou um botão no painel de
comandos. Imediatamente a plataforma onde se encontrava
o sofá começou a descer, devagar. Cerca de um minuto mais
tarde deteve-se e uma porta abriu-se na frente da cabina.

— 77 —
Kirkpatrik encontrou-se numa espécie de vale não muito
extenso, limitado por paredes de vegetação luxuriante.
— Chegamos a 2320, Kirkpatrik — anunciou com
ironia a bela Talita.
Levantou-se, sem deixar de apontar a arma para ele.
— Isso é mesmo um laser, Talita?
— Duvida? Vou fazer uma pequena demonstração, para
que tenha certeza. Saia daí!
Kirkpatrik obedeceu e a garota seguiu-o até o exterior.
Novamente a cabina subiu para o laboratório e a porta
fechou-se, ocultando por completo qualquer abertura. Uma
colina perfeita, coberta de vegetação, era tudo o que havia
no lugar por onde Talita e o agente fora de série da CIA
tinham ingressado na estranha paisagem.
O louro milionário olhou em volta. Surpreso, reagiu
instintivamente saltando de lado, no momento em que
Talita apertava o gatilho da poderosa arma. Um raio
luminoso saiu do pequeno bastão, passando a poucos
centímetros da cabeça do agente 77Z. Uma rocha que se
encontrava atrás dele saltou feita em pedaços, desintegrada
pelo mini laser. Kirkpatrik estremeceu. Um segundo mais
de atraso e aquele raio mortífero o teria atravessado
limpamente. Talita soltou uma gargalhada cruel, inclinando
a bela cabeça para trás. Foi esse o momento aproveitado
pelo atlético agente da CIA para saltar de lado, com a perna
esquerda rigidamente esticada. A ponta do pé acertou com
infalível pontaria o bastão- laser, que voou alguns metros,
até se chocar contra uma pedra. Logo Kirkpatrik se atirou
para adiante, em prancha, enlaçando a perigosa húngara
pela cintura. Rolou com ela pelo chão, quando um disparo
semelhante ao que Talita tinha efetuado momentos antes
partiu de algum lugar, na parede de vegetação, à esquerda.
Talita Finsky soltou um berro tremendo quando um fino

— 78 —
raio laser lhe atravessou a cabeça. Era um espetáculo
horroroso, ver como o corpo da garota era projetado para
trás, com o crânio desfeito. Kirkpatrik, porém, não se
demorou em observar o efeito do disparo desconhecido.
Atirou-se de novo para diante, sobre o bastão que Talita
largara. Agarrou-o firmemente e, rolando no chão,
esquivando-se a um novo tiro de laser, conseguiu ficar por
alguns segundos de joelhos. Tinha visto de onde havia
partido o ataque que acabara com Talita. Sem dúvida o tiro
era dirigido a ele, mas na confusão da luta, a garota pagara
o erro com a vida. De dentes apertados, Kirkpatrik apertou
o gatilho simples do bastão. O raio finíssimo e azulado saiu
com uma ferocidade incrível, em busca do agressor oculto.
Quase no instante em que o feixe de luz poderosamente
concentrada atingia o lugar de onde tinha vindo o disparo
que matara Talita, um grito horrendo se escutou. O agente
fora de série sorriu. Pelo menos daquele inimigo estava
livre.
Olhou em volta. A menos de dois metros dele, uma
abertura circular conduzia ao interior da terra. Devia ser
uma das entradas para os subterrâneos onde se encontravam
os infra, de que Nonchant havia falado. Cautelosamente,
entrou pelo buraco, tateando a parede lisa de pedra.

***

Anna Galinka, com o belo corpo suado brilhando à


claridade da tocha que um dos homens empunhava, tinha
caído de costas, ofegante e apavorada.
— Como vê, não valia a pena fugir, boneca — rosnou
o homem que estava mais próximo. — Não tinha mesmo
para onde ir. Mas assim tudo se torna mais excitante.

— 79 —
Anna tentou recuar, arrastando-se de costas, mas o
homem não permitiu, pisando-lhe uma perna e
imobilizando-a.
— Não vamos lhe fazer mal algum, boneca. Apenas nos
divertir um pouco. Não seja boba. Venha cá, belezoca!
Babando de desejo, o homem inclinou-se sobre o corpo
indefeso da jornalista soviética. Sua mão direita acariciou
demoradamente, com luxúria, o seio esquerdo de Anna, que
gritou e se debateu, em vão. Com um gesto brusco, o
homem arrancou o que restava das roupas da garota,
inclinando-se sobre o alvo pescoço. Anna reagiu uma vez
mais, enterrando os dentes, furiosamente, no ombro do
miserável. O homem ergueu-se, uivando de dor. Ficou de
joelhos, o rosto transtornado pela dor e pelo ódio, enquanto
o ombro sangrava, em consequência da mordida feroz. Com
um rugido de fera raivosa, o miserável esbofeteou sem
piedade o belo rosto feminino. O sangue escorreu pelas
comissuras dos lábios de Anna Galinka, que vivia sem
dúvida a mais apavorante de suas aventuras como
jornalista.
O segundo homem aproximou-se, ofegante, com um
sorriso lascivo nos lábios grossos.
— Está precisando de ajuda, Tim?
— Esta cadela! Eu desfaço-a, antes que...
Ergueu o braço para esbofeteá-la de novo, mas nunca
pôde concluir o gesto, nem a frase. Um silvo quase
inaudível cortou a escuridão, acompanhado de um raio
azulado que atravessou o corpo do miserável com um forte
cheiro a carne queimada. O homem soltou um urro e caiu
de lado, morto. O segundo canalha saltou, sacando o bastão
que levava na cintura. Não teve tempo de utilizá-lo. Um
novo disparo proveniente do escuro atravessou-lhe o
estômago, dilacerando-o. O companheiro de Tim abriu os

— 80 —
dedos e soltou a perigosa arma. Logo foi se dobrando
lentamente, até que seu corpo caiu para diante, batendo
contra o chão duro, de pedra.
Atônita e apavorada, Anna conseguiu livrar-se do
cadáver de Tim e ergueu-se com dificuldade. Procurou com
os olhos alguma coisa com que se cobrir. Infelizmente, nada
havia por ali que pudesse ocultar a beleza selvagem de suas
formas exuberantes.
Com terror, viu aproximar-se aquela figura ereta, de
físico atlético, cabelos louros e olhos que, à luz da tocha,
Anna não tinha certeza de serem brancos ou cinzentos, ou
azuis... de uma coisa ela teve certeza: aquelas pupilas eram
frias e cortantes como o aço.
Recuou instintivamente até bater com as costas nuas
contra a parede dura da galeria. Tentou falar, mas a voz se
recusava a sair de sua garganta. O pavor era mais forte que
sua vontade.
— Não tenha medo, Anna. Não vou lhe fazer mal. Na
verdade, estou aqui para ajudá-la. Meu nome é Horace
Kirkpatrik.
— Horace Kirkpatrik... Não o conheço...
— Mas eu a conheço, Anna Galinka.
— Como... é que me conhece?
— Pierre Nonchant me falou de você. E como eu não
estava propriamente do lado dele, me mandou efetuar esta
bela viagem também. Talita me escoltou, com instruções
para me matar. Infelizmente para ela, seus capangas lá de
fora não têm a pontaria muito afinada e liquidaram-na.
— Talita... morreu?
— Morreu, sim. Alguns minutos atrás.
Uma expressão de alívio estampou-se no rosto da
garota.

— 81 —
— Mas tinha falado com Nonchant primeiro —
concluiu o agente fora de série da CIA.
Novamente a palidez cobriu as feições de Anna
Galinka.
— Falou com Nonchant...
— Falou. Não sei o que lhe disse — mentiu Kirkpatrik
—, mas seja o que for ele nada poderá fazer contra você. Eu
tenciono acabar com ele antes. Isto é, logo que liberte o
professor Boris Nakaev e dê uma lição em James Mullinger.
Mais animada, a jornalista soviética sorriu.
— Quem é você realmente, Horace?
— Mais uma vítima a quem Nonchant pretendia
escravizar com essa farsa da viagem no tempo. Mas, dessa
vez, as coisas não vão correr como ele espera.
— E por que está interessado em salvar Boris?
— Pelo mesmo motivo que salvei você. Além disso,
Nonchant está disposto a vender Boris Nakaev a seus
compatriotas, que o fuzilarão sem piedade. Acha que vou
permitir isso?
— Vai arriscar sua vida por um soviético?
— Por dois, Anna. Por você e por Boris Nakaev.
Só então a jornalista se apercebeu de que estava nua,
diante de um perfeito desconhecido. Kirkpatrik reparou
nisso também e, tossindo embaraçado, arrancou as calças
de Tim.
— Vista isso. Pelo menos, da cintura para baixo fica
coberta.
Anna, vermelha como um tomate, assentiu com a
cabeça, dominando o asco por vestir as calças de um
morto...

— 82 —
EPÍLOGO

James Mullinger escutou os berros de Tim e ficou tenso.


Chamou o último homem que lhe restava e empunharam as
armas. Instantes depois, Anna emergia do corredor. Trazia
vestidas as calças de Tim.
— O que aconteceu, Anna?
— Um dos seus homens matou o outro! Eu...
Não completou a frase. Atrás dela apareceu Kirkpatrik,
com o bastão laser apontado para Mullinger.
— Soltem as armas, amigos! — ordenou Kirkpatrik.
— O que...? — começou o capanga de Mullinger.
James reagiu de forma diferente. Deixou- se cair de
joelhos, ao mesmo tempo que apertava o gatilho do laser.
Kirkpatrik empurrou Anna para a esquerda, enquanto ele
saltava para a direita. O raio que partiu de Mullinger passou
entre ambos, inofensivo. Mas o disparo do agente fora de
série da CIA não errou o alvo. Atingido no peito, Mullinger
soltou a arma e caiu para a frente, gritando por alguns
instantes. O companheiro quis aproveitar a confusão para
atirar em Kirkpatrik. Mas o agente 77Z estava atento e
antecipou-se. A cabeça do bandido foi despedaçada pelo
laser abrasante.
Anna soltou um grito de pavor.
— Aqui está terminado, Anna. Vamos fazer uma visita
a Nonchant agora. Temos que sair com muito cuidado, pois

— 83 —
pode haver mais desses supra, lá fora. Desamarre Boris
Nakaev e ajude-o a vir também.
Pouco depois atravessavam receosos o descampado
entre o acesso à gruta e a colina onde ficava a saída da
cabina do tempo. Kirkpatrik tateou a parede de vegetação
por alguns minutos. Tinha que existir um botão de chamada
ali. De outra forma, Talita não poderia ter subido nessa
noite, quando levara as confidências de Anna a Pierre
Nonchant. Finalmente, ao apertar uma saliência, a parede
deslocou-se suavemente e um zumbido indicou que o
elevador estava descendo. Um minuto mais tarde, a
estrutura de acrílico encontrava-se diante da atônita Anna
Galinka e do professor Nakaev.
— Vamos embarcar na máquina do tempo, de volta à
nossa época — sorriu o agente fora de série da CIA. —
Verão como é emocionante...
O cientista engoliu em seco, ainda incapaz de falar.

***

Pierre Nonchant sorriu, satisfeito. Tinha os informes de


que precisava, sobre a missão de Anna Galinka. Seu
informante não estava errado, quando lhe dissera que a bela
jornalista não se encontrava nos Estados Unidos apenas
para escrever reportagens científicas. O elevador estava
subindo, certamente com Talita, que havia completado sua
missão de entregar Kirkpatrik aos rapazes. Sue Prince tinha
preferido ir descansar no seu apartamento, depois da
experiência desagradável com o louro milionário.
Finalmente, a cabina imobilizou-se no laboratório.
Atônito, o canadense olhou o sofá. Estava vazio. Intrigado,
tirou a automática do bolso e avançou, cautelosamente, ao
encontro do sofá. Devagar, primeira apareceram os cabelos

— 84 —
negros, logo o rosto assustado de Anna Galinka. Por fim, a
garota ergueu-se, exibindo os seios nus, arrogantes, apesar
de sujos.
— O que é que você está fazendo aqui? — perguntou
ele, furioso.
— Estão... estão todos mortos...
— O quê? — bradou o canadense.
— Talita, Mullinger... Os infra, Bo- ris... Todos mortos!
— Quem fez isso? — gritou o canalha, apoplético.
— Kirkpatrik... Ele também...
— Miserável! — Nonchant respirou fundo e procurou
acalmar-se. — Lamento, Anna, mas você não poderá viver.
Vou matá-la aí mesmo e mandá-la de volta a 2320.
Soltou uma risada e ergueu a automática, apontando-a
na direção de Anna Galinka. Nesse instante, uma figura
atlética ergueu-se de detrás do sofá. Na sua mão brilhava
um bastão curto e mortífero. Uma chama azulada partiu
dele e atravessou a cabeça de Pierre Nonchant, que deu uma
estranha pirueta e tombou de costas, derrubando uma mesa
de aparelhagem sofisticada. Dois homens apareceram por
uma porta, à esquerda, já de automáticas empunhadas e o
primeiro tiro de uma delas despedaçou a cabina de acrílico,
a poucos centímetros da cabeça de Kirkpatrik. Não houve
tempo para novos tiros. Duas chamas azuladas brotaram de
novo, uma atrás da outra, saindo do pequeno bastão que o
agente fora de série da CIA estava empunhando. E os
corpos dos dois bandidos tombaram sem vida,
horrivelmente queimados.

***

— 85 —
Kirkpatrik, impecável em seu terno esportivo, sorveu o
bourbon e contemplou o chefe do Departamento 77, da
CIA, por cima do copo.
— Foi um excelente trabalho, Horace — murmurou
mister Lattuada.
— Como sempre, não é? — sorriu o agente 77Z. — Me
diga uma coisa. Como ficou Anna Galinka, no meio de tudo
isso?
— Vamos mandá-la de volta a Moscou, é claro, sem as
reportagens científicas. Deve partir amanhã.
— E Saint Maurice?
— Foi preso, é claro. Não teve como ocultar a verdade.
Entregou as fotos e os negativos. O Tribunal decidirá o que
fazer com ele. Essa parte não é mais de nossa competência.
Pegamos mais três homens na casa de Pierre Nonchant e
uma porção de cadáveres. Nossos homens ficaram lá
analisando tudo aquilo e confessaram-se assombrados. Era
uma verdadeira máquina do tempo.
— Uma cadeira para o infinito...
— É. Talvez você tenha razão.
— Onde está Anna Galinka?
— No Excelsior Hotel.
— Vigiada?
— Não achei necessário.
— Ainda bem.
— Por quê?
— Não gosto de testemunhas, em meus encontros
românticos.
Com um sorriso malicioso e uma piscadela de olho,
Kirkpatrik levantou-se e deixou a boate. Mister Lattuada
balançou a cabeça, resignado. O agente 77Z, o homem fora
de série da CIA, não tinha mais jeito, quando havia mulher
bonita no meio da história...

— 86 —
FIM

A seguir: EMBALOS DA MORTE.


Milhares de jovens escutam música
moderna, num festival de juventude. De
repente, o terror toma conta do estádio. O
agente 77Z envolvido com perigosos
espiões internacionais e belas mulheres.
Não perca!

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