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Copyright © 2022 por Bianca Pohndorf.
Preparação de texto: Mari Vieira
Revisão: Mari Vieira
Capa: Designer Tenório
Diagramação: Grazi Fontes
Está é uma obra de ficção.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação da
autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera
coincidência.
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer forma e/ou quaisquer meios
existentes sem prévia autorização por escrito da autora.
Os direitos morais foram assegurados.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº. 9.610/98 e punido pelo
artigo 184 do Código Penal.
Versão Digital – 2022.
ESTA É UMA OBRA REGISTRADA, QUALQUER REPRODUÇÃO INDEVIDA SE
ENQUADRA COMO PLÁGIO.
Aviso Importante
O texto em questão usa linguagem regionalista e coloquial, ou
seja, muitos dialetos estão utilizando jargões e gírias do Rio Grande
do Sul.
As palavras menos conhecidas estão com notas de rodapé,
para, assim, facilitar a compreensão de todos.
O texto também apresenta gatilhos emocionais, portanto, se
você é sensível aos temas relacionados ao luto, este livro não é
recomendado.
Ele é a pólvora. Ela é o fogo.
Antonella Caregnato é uma jovem advogada criminalista. Sua
competência, determinação, audácia e sagacidade levaram a
ascensão de sua carreira. No entanto, a moça de sorriso leve
esconde de todos uma profunda tristeza e a total ausência de
sentimentos, ou o que restou deles, após o falecimento precoce da
mãe.
Henrique Zion é um juiz temido e respeitado durante o dia, mas,
à noite, é um bad boy cafajeste. Um homem quente, arrogante,
sarcástico e despudorado, que também esconde muitas coisas de
todos, inclusive a tristeza que aperta seu peito durante as
madrugadas.
Ambos foram moldados pela morte.
O primeiro encontro não poderia ser pior; eles se detestam,
trocam farpas, contudo, reconhecem nos olhos um do outro o que
somente quem já perdeu alguém muito importante sente: dor.
Será que a dor é capaz de unir as pessoas?
Um casal cão e gato com uma química explosiva. Um
romance para arrancar risadas, lágrimas e suspiros.
SUMÁRIO
Aviso Importante
Sinopse
Playlist
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Agradecimentos:
Ouça a playlist de “O Juiz Bad Boy” enquanto aprecia a leitura.
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para o código abaixo.
Dedico este livro a você que, assim
como eu, perdeu alguém importante
para o câncer...
Em especial para Mari Vieira: o Juiz é
todo seu.
– Elena Gilbert.
Três anos antes.
Ele é um prodígio.
Já ouvi através das conversas dos meus pais, bem como dos
amigos da família, casos absurdos, como: irmão que mata irmão por
causa de herança; filho que mata os pais por motivos triviais; pai
que estupra a filha... A carga traumática que vem junto com a
carreira é somente um dos pesos a ser carregado.
Bufo.
— E porque isso me fará mudar de ideia, Antônio? Esse caso
só me causa repulsa.
— Eu prometo que tentarei, não por ele, nem pela família, mas
por ti — sussurro contra sua nuca.
— Senhor Zion... — Ela olha para mim, depois para o meu pai,
e vice-versa, a pele clara parece ainda mais iluminada que o normal.
Fico um bocado irritado com o tom que Antônio usa para falar
com os agentes; os homens parecem se solidarizar com nossa
família, enquanto o patriarca só exala ódio e desdém para eles.
Não!
Não!
— Por que, meu Deus? Por que logo esse filho? — Ouço meu
pai murmurar seu lamento.
Ouvi-lo se perguntar por qual motivo Antônio morreu ao invés
de mim e não por estar, de fato, sofrendo com a perda do seu
primogênito termina de romper uma ligação no meu interior, algo
que esteve aqui este tempo todo por ele, somente por ele. É como
se meus sentimentos fossem desligados; eu não consigo sentir
nada além de raiva, desprezo e rancor.
Mas de tudo o que Antônio Zion já falou, de uma coisa ele tem
razão: eu deveria ter morrido, não o meu irmão. Ele era melhor do
que eu, deveria ter uma longa e maravilhosa vida, não merecia nada
menos que isso.
Uma promessa... mas que sentido faz cumpri-la se ele não está
aqui para me ver realizá-la? Ainda assim é uma promessa, a última
dela – uma voz grita em minha mente.
Droga! Droga! Droga! Por quê, Antônio? Por quê?
Espero que sua morte não tenha sido em vão. Morte. Morto.
Antônio está morto. Nunca mais, nunca mais poderei vê-lo. Nunca
mais iremos compartilhar uma garrafa do nosso whisky favorito.
Nunca mais faremos nada juntos.
23 de setembro.
Mas seis meses não foram o suficiente. Nem mesmo esses dois
últimos anos foram. E não sei se algum dia, um lapso de tempo, não
importa qual for, será.
Desde que descobri que papai teve alguns casos nesse último
ano, nossa relação tem andado delicada. Por mais que faça dois
anos desde que mamãe morreu, não aceito ainda o fato de ele estar
seguindo em frente, saindo com outras mulheres. Soa como se ele
não a tivesse amado realmente.
— Às vezes parecia que a sua mãe era mais gaúcha do que eu,
e sempre que eu sentia isso, o sentimento de que eu havia
encontrado a mulher da minha vida me dava a sensação de
plenitude. — Gael limpa uma lágrima solitária. — Eu sofri muito com
a morte dela, Antonella, mas não podia demonstrar, tu já estavas
quebrada o suficiente. Precisei ser forte para te reerguer.
Eu quero gritar, xingar, falar que não temos esse direito, mas
não posso fazer isso, porque no fundo eu sei que Gael tem razão.
Sei mais ainda que mamãe gostaria que seguíssemos em frente.
Mas como é possível fazer isso quando a morte dói tanto?
— Por favor, querida, estou tentando compreendê-la, ajudá-la,
mas não posso fazer isso sozinho — argumenta em tom baixo,
resoluto.
Será que ele não consegue ver o quanto estou quebrada? Por
mais que eu sinta falta de quem eu era antes, ela se perdeu,
sufocou até sucumbir ao luto, indo-se para sempre.
Não existe reação para algo que foi perdido há muito tempo. Eu
me perdi em meu processo de luto e não vejo um caminho de volta,
e sinto muito que meu pai não possa ver isso.
— Tem certeza?
Fico feliz por ter decidido vir analisar o cartório muito depois do
horário de expediente; imagino que se fizesse isso com todos os
funcionários dentro, Arthur teria um colapso nervoso, afinal, menos
espaço = mais caos.
Olho mais uma vez para o cartório, repuxando meus lábios até
torná-los uma linha fina, franzindo o nariz.
Solto um suspiro.
Eles poderiam ter optado por ficar em Guaíba, mas tanto Arthur
quanto Camila sabem que, assim que possível, irei pedir remoção
para Porto Alegre. Além do mais, as cidades ficam a cerca de trinta
minutos uma da outra, e Camila não quis arriscar abrir um novo
consultório e fixar pacientes para depois passar por toda uma
mudança novamente.
ANTONELLA CAREGNATO
Eu amo as sextas-feiras, são os meus dias favoritos da
semana, mas odeio quando elas são atulhadas em compromissos,
como a de hoje.
— Na cozinha, querida!
— Obrigada.
— Sim.
— Em qual área?
Querida? Querida?
Sem falar nada, tento correr para fora da sala, mas meu pai
segura meu pulso com força, mantendo-me no lugar. Não vi o
momento em que ele também levantou da mesa, assim como não
percebi o barulho das suas pegadas.
Sigo negando, sem poder aceitar que ele coloque outra mulher
no lugar da minha mãe.
Não! Isso não pode acontecer! Ele a traiu. Ele nos traiu.
Ainda não posso acreditar que meu pai pôde me trair de tal
forma. Ele pensava o quê? Que me convidaria para um café da
manhã, faria meus bolinhos favoritos, assumiria o novo
relacionamento, eu sairia batendo palmas e seríamos, daquele
momento em diante, uma família feliz para sempre? A notícia doeria
de qualquer forma, mas eu preferiria muito mais que ele tivesse me
contado antes, me preparado e respeitado a minha decisão de não
querer conhecer a tal Mikaela.
— Quer que eu vá lendo os principais ritos processuais até
agora? — Brenda me tira das divagações.
— Tudo bem.
— Dansper — atende.
Com uma calma que não faz parte de mim, abro um sorriso
educado para Marcos, ignorando os olhares curiosos dos demais,
bem como os sorrisos debochados dos agentes penitenciários.
O novo juiz não parece ter muito mais do que trinta anos. Os
cabelos castanhos lisos e revoltos lhe dão um ar despojado, mesmo
que esteja vestindo um terno caro e impecável. Os olhos verdes são
frios, tão frívolos quanto o inverno do Sul do País, ainda que sejam
intensos. A mandíbula quadrada com barba por fazer, a boca
carnuda e rosada, os cílios longos e invejáveis e os músculos
evidentes na camisa branca, complementam o pacote.
HENRIQUE ZION
Só o que me faltava!
— Sim?
— Podem sair.
— Eu sei que é difícil e teu pai pisou na bola, mas ele só queria
tentar fazer dessa notícia a menos frustrante possível. Eu conheço
Gael, sei que ele teve boa intenção.
Suspiro.
— Se Gael não tivesse sido tão egoísta... eu falei para ele que
meu dia era atarefado, que eu tinha uma audiência logo cedo... —
As lágrimas ameaçam aparecer, pisco para afastá-las. — Ele
parecia tão resoluto quanto ao encontro, cheguei a pensar que era
algo de suma importância...
— E era — interrompe.
— Bem, eu não diria que conhecer a tal Mikaela tenha sido algo
importantíssimo.
— Pode não ter sido para você, mas foi para Gael, Antonella.
Rio debochadamente.
— Se tu insistes...
Posso dizer que o Bar Rock Club é minha segunda casa, pois
eu frequento tanto o lugar quanto frequento o meu apartamento. E
sei que Victor tem razão, a cerveja artesanal que ele serve é
simplesmente divina, por consequência, é a bebida que mais vende.
— Certo.
Reviro os olhos.
Victor tinha dito que seria uma tarefa fácil, além do mais, eu já
havia auxiliado algumas outras vezes, só que ambos não
contávamos com toda essa movimentação.
— Ainda bem que nem eu, muito menos o dono do bar, pediu a
sua opinião — retruco, a voz mais áspera que o normal.
Não, isso não pode estar acontecendo. Victor não pode ter
vendido metade do bar que eu amo para um homem tão... tão...
gostoso babaca.
— Olá! Não sabia que esse lugar era tão bem frequentado... —
Enrolando uma mecha de cabelo no dedo indicador, ela se aproxima
sedutoramente.
Arqueio uma sobrancelha.
— E quem é você?
Péssima mentirosa!
Antonella.
Victor bufa.
— Eu não fiz nada. Foi ela quem chegou atrasada para uma
audiência; precisei destitui-la do processo e nomear a defensoria
pública.
— Vai, gostoso!
Deus do céu! Será que essa mulher acha que está arrasando?
Pensa que gritando aos quatro ventos o quanto o homem é bom de
cama, ampliará o seu ego, fazendo-o se apaixonar mais?
Ela dá de ombros.
— E eu prefiro dormir.
Deus do céu!
Seu tom de voz envia arrepios por todo o meu corpo e faz o
meu interior se contorcer em curiosidade. Balanço a cabeça, me
desfazendo dos pensamentos relacionados a ‘sexo e Henrique’ na
mesma frase.
— Você é um babaca!
— Um idiota, arrogante.
Ah, dane-se! Não queria gastar meu réu primário com uma
droga de Termo Circunstanciado de lesão corporal, mas esta
situação requer medidas drásticas.
— Espero que isso se repita mais vezes, porque isso sim é uma
fofoca das boas.
— Sim.
— Não.
Ah, claro! Ótima ideia! Por qual motivo eu não havia pensado
nisso mesmo?
— Sim.
— Perna.
— Por quê?
Pigarreia, limpando a garganta, os cantos dos olhos assumindo
contornos de diversão.
Vou ficar quieta, tão parada a ponto de ser confundida com uma
estátua.
— Olá, doutora.
— Henrique Zion.
Passo uma mão nos cabelos, frustrado por toda essa pressão
absurda. Quando Antônio era vivo, nem minha mãe, e muito menos
o meu pai, se importavam com a minha companhia. Eu poderia
passar meses trancado dentro do quarto que eles nem notariam.
Agora, é como se fosse uma obrigação eu dar a eles a atenção que
nunca me deram.
— É mesmo?
— Vai ficar tudo bem, mãe. — Não sei o que falar, então
concluo que o melhor a se fazer é dar-lhe apoio.
— Olá, doutora.
— Encantado.
— Tudo bem, também. Então, por qual motivo você nos honra
com a sua presença? Sabe que ainda estamos fechados, não?
Pela primeira vez na vida vejo Victor sem jeito. Meu sócio passa
uma mão na nuca, abrindo um sorriso de boca fechada; seus olhos
correm até mim e, percebendo que eu o inspeciono, desvia-os para
o chão imediatamente.
Quando era mais jovem e ainda vivia aqui, nós dois, por muitas
vezes, partilhávamos a moto. E agora ele simplesmente me colocou
de escanteio por causa da advogada?!
— Tu ia me deixar de fora só por causa disso? Um dia fomos
mais amigos, Victor! — Deixo a mágoa transparecer, enquanto me
levanto do banco prestes a ir embora.
— Quem?
— Ele disse que não tem plantão amanhã, e que está louco
para rever você. Portanto, querida, acho bom tu caprichar no visual.
Fernanda bufa.
— É claro que é.
— Uma pena, pois seria bem mais divertido para nós dois a
segunda opção.
Reviro os olhos, incontida.
Deus do céu!
Reviro os olhos.
— Ele mesmo.
— Se tu dizes...
— Só essa semana?
— Olá.
— Olá, doutora.
Deus... não.
HENRIQUE ZION
— Olá, doutora.
Assim que sua palma toca a minha, aperto seus dedos com
força, colocando mais intensidade do que seria necessário.
O desgraçado pigarreia.
— Sei...
— É um desafio, doutora?
O juiz desce a mão escondida pelo balcão até meu short largo,
arrastando meu corpo até o seu, escondendo suas carícias. O fato
de estarmos em público, podendo ser pegos a qualquer momento,
amplia ainda mais o meu tesão.
Mais, mais, eu quero mais! Preciso dizer, mas não consigo, não
há espaço para palavras enquanto sua boca ainda devora a minha,
engolindo meus gritos e gemidos.
Céus!
— Eu... eu vou com você — falo, a voz soando mais baixa que
o normal, ainda assustada por tudo isso.
Reviro os olhos.
Mais risadas.
— Sua flor favorita é rosa branca, tem algo a ver com a mãe
dela. Adora ler, portanto, livros são presentes que a deixam feliz. Ela
também ama séries, a sua favorita é Lúcifer. — Alguns segundos de
silêncio. — Hum... ela também ama doces, é uma chocólatra
assumida. E ama viajar.
O quê?
Cretino, idiota!
Aliás, por que esse homem está andando por aí seminu? Isso
deveria ser proibido. A minha sanidade, assim como a de todas as
outras mulheres presentes, deveria ser preservada.
Trinco o maxilar com força, irritada com ele por ter tanto
controle sobre mim e irritada comigo por não conseguir ser
indiferente a sua áurea sexual.
Henrique ri.
— Nem eu. Hã... quero algo forte e doce, faça algum drink para
mim.
— Qual é o problema?
— Hummm... é bom.
Ótimo.
Deus do céu!
Inferno!
— Feliz agora?
— Sim?
— O quê?
ANTONELLA CAREGNATO
Não estendo nosso diálogo por mais que isso, visto que eu
preciso de um chuveiro ou qualquer coisa quente o suficiente para
elevar a minha temperatura corporal.
Ele ri, uma risada rouca que envia calafrios ao meu corpo
traidor.
Solto um grunhido.
Jesus Cristo!
— Tá, tá! Chega! Eu preciso jantar, será que você faria o favor
de se retirar da minha casa? — Descruzo os braços e faço um gesto
de mãos.
Reviro os olhos.
— É claro que seria.
Engulo em seco.
Sem dar chance para que ele fale qualquer outra coisa, fecho a
porta, ouvindo sua risada rouca contra a madeira fina.
— Querida, já faz dois anos que a sua mãe morreu. Por favor,
tu precisa superar o luto. — Coloca a mão sobre a minha.
Seus olhos vêm de encontro aos meus; as rugas pela idade que
vem avançando ao longo dos anos contornando as vistas do homem
que, um dia, na cabeça de uma criança jovem e ingênua, fora o
herói de toda uma infância.
— Pelo visto, será uma longa noite entre nós dois — cicio para
a garrafa, conversando com o objeto como uma verdadeira louca.
— Dia ruim?
Deus!
Com uma única mão ele puxa a camiseta preta pela cabeça,
liberando todos os centímetros de pele que eu desejo tanto tocar.
— E agora eu mereço?
Sem forças, mas querendo tudo o que ele tem para me dar,
faço conforme instruído, chocando a cabeça contra o espelho. A
posição não é agradável para os músculos e possivelmente me dará
uma dor nas costas mais tarde, contudo, Henrique me penetra
novamente, indo, dessa vez, mais fundo, acertando um ponto, até
então, nunca alcançado.
Ontem ela sumiu o dia todo e como estive muito ocupado com
afazeres do trabalho fiquei sem notícias suas. Mas hoje é diferente,
eu sei que ela está em casa, posso ouvir o barulho alto da televisão.
— E quem é você?
Relembro que eu vim até aqui com o intuito de foder com a filha
dele, o que pareceria muito indecoroso em sua presença.
Isso seria meio íntimo. Assistir ao jogo com o pai da guria que
eu estou tendo algo ainda inominado.
Dou de ombros.
— Sei.
Há uma pequena estante com livros ao fundo da sala. No
primeiro andar, passo os olhos pelos títulos e reconheço algumas
doutrinas, as mesmas que eu possuo na minha sala no Foro. Já nos
demais andares é uma mistura de cores e livros de cunho
desconhecido para mim, embora os títulos pareçam ser bem...
interessantes.
— De qual marca?
— Heineken.
— Algumas semanas.
— Não que seja da minha conta, mas por qual motivo ela faria
isso?
Ouço-me resfolegar.
ANTONELLA CAREGNATO
Amanhã eu irei viajar com Victor e como havia dito a Gael que
não teria tempo de vê-lo antes da viagem, ele mesmo resolveu
solucionar o meu “problema” me fazendo uma visita inesperada. E
eu, sabendo da sua fissura pelo tricolor gaúcho e tendo ouvido
algumas notícias sobre o jogo, rapidamente me disponibilizei a ir ao
mercado comprar algumas coisas para preparar o jantar, e, é claro,
sua tão preciosa cerveja.
Pisco, afastando-a.
Meu pai não traria Mikaela para o meu apartamento, ele não
faria isso contra a minha vontade, desrespeitando-me desse jeito.
— Aham...
Ignorando o olhar ávido de Henrique, corro para a cozinha.
Passo uma mão na testa suada, o coração apressurado pela cena e
pelas lembranças no banheiro me alvejando a cada instante.
Espalmo as mãos no balcão, acalmando a minha respiração
acelerada.
Revira os olhos.
No final da noite, ele foi embora com o meu pai, fingindo uma
ingenuidade inexistente. Minutos depois, o ouvi batendo em minha
porta, mas, como uma boa garota, ignorei. E agora cá estamos nós.
— Olha o cara!
— Obrigada, Lucas.
— Pode subir.
HENRIQUE ZION
Deus do céu!
— Tudo bem.
— Não sei do que você está falando. — Meu tom não passa de
um murmúrio.
— Henrique... — suspiro.
HENRIQUE ZION
Desgraçada!
Filho da puta!
Colérico, faço o mesmo caminho que Antonella fez há poucos
minutos, parando ao seu lado e de Lucas.
— Não!
— Oh, céusssss!
Antonella agarra os meus cabelos com força, instigando-me a
intensificar a masturbação. A mão que a mantinha no banco se
movimenta até o meu pescoço, fincando as unhas na minha pele,
alucinada.
— Até agora não entendi por que quis fazer isso na rua.
— Antonella, eu nem sabia que isso existia até hoje, como quer
que eu reaja normalmente? Jesus, ejaculação feminina, sexo na
moto... isso é demais para a minha cabeça.
Reviro os olhos.
— Bem, eu me importo.
— Eu sei que não, mas é necessário, pois não quero ver esse
brilho se apagar.
— E quais são?
Dane-se!
— Agora nós dois temos uma única peça de roupa, como vai
ser? — pergunto, sentindo a vodca correr pelas minhas veias,
aumentando a minha libido pela visão do homem à minha frente.
Assim como eu, Henrique perdeu alguém que amava muito, por
isso sua alma é marcada como a minha, por isso eu identifiquei a
dor. Só não sei ainda quem foi ou qual era o grau da sua
importância.
— Um jogo?
— Câncer.
— E o seu irmão?
— Ele era juiz, assim como eu, assim como o nosso pai. — Ao
falar do progenitor, sua mandíbula trabalha tanto que me surpreendo
por não a ouvir estalar. — Em um dia qualquer, Antônio estava
saindo do Foro quando foi atropelado e morreu na hora. Fim.
— E as outras?
— Eu... eu...
— O jogo acabou.
Em uma das vezes que fui para casa, arrastei o meu amigo a
fim de dar celeridade a minha visita, mas como um homem bom,
muito bem-quisto e educado, meu pai destratou Victor, amplificando
seu desafeto pelo meu progenitor.
— Amanhã.
— Eu vou.
— Obrigado!
Eu sei bem como esse filme vai terminar, mas estou muito
contente e animado por isso. Apesar das desavenças no início, eu
gosto de passar um tempo com Antonella; no final das contas, ela é
mais agradável do que eu imaginava.
— Claro.
— Me devolve!
— Não vem?
— Sempre, doutora.
ANTONELLA CAREGNATO
Voltei mais cedo para casa depois do trabalho, pois queria ter
tempo suficiente para me acalmar para o jantar nos pais de
Henrique. Embora o convite tenha me assustado inicialmente e o
‘não’ estivesse na ponta da língua, ver os olhos do juiz e a forma
como ele parecia implorar silenciosamente me fez verbalizar o
temido ‘sim’.
— Tua mãe fica feliz por ter vindo, Henrique — fala, cada
palavra saindo mais trincada que a anterior, em tom incisivo.
Pigarreio.
Henrique bufa.
— Bem que você falou que o seu pai era uma pessoa...
agradável, mas poderia ter me preparado melhor — sussurro.
Lisi era como uma prima para nós. Um pouco mais jovem, a
garotinha envergonhada, mas muito inteligente e sagaz, cresceu
fazendo parte de todas as comemorações em família. Embora
tenhamos perdido o contato depois da morte de Antônio, pois acabei
evitando meus pais e, consequentemente, Lisi, o carinho ainda
permanece e eu ainda lhe considero uma prima.
Não sei quantas vezes cada cômodo foi reformado, pois evitei
vir a esta casa por muito tempo, mas devo confessar que as
mudanças de ares deram um pouco de aconchego ao local tão
álgido.
— Não.
Em um ato de fúria, Antônio soca a mesa, assustando a todos.
Seu pescoço fica vermelho, assim como as bochechas, por conta de
toda a cólera.
— Deveria ter sido você — profere tão baixo que mal se faz
ouvir.
A verdade é que, por mais que eu sinta certa afeição por ela,
minha saúde mental vale mais do que isso, mais do que a mulher
que deixou os filhos sendo criados por empregados pela falta de
tempo, ou, pior ainda, pela mulher que viu tudo o que o marido fazia
com os filhos e mesmo assim ficou ao seu lado.
Encaro os faróis dos carros que passam por nós; as ruas pouco
movimentadas pelo fato de estarmos em véspera de rodeio,
portanto, quase toda a população gaúcha se concentra em CTG’s[9]
para comemorar.
— E vamos aonde?
Ele dá de ombros.
— Tudo bem, mas não quero demorar, tenho mais planos para
essa noite. — Pouso uma mão em seu peito, sentido a pele dura
dos músculos.
— É uma pena.
Deus do céu!
— Xis salada.
— É... oi. — Tento sorrir, mas sei que mais parece uma careta
do que um sorriso, de fato.
Deus!
— Ah, desculpe.
Ele dá de ombros.
Apesar do semblante sério, o vinco ao lado dos olhos lhe
condena, demonstrando que está segurando o riso.
— Porque você é o juiz de uma das varas onde nós mais temos
processos — falo parcialmente a verdade, pois nem que me
paguem eu confesso que passei mais de mês falando mal dele no
escritório.
Sou uma hipócrita mentirosa que não quer dar o braço a torcer,
essa é a verdade. Embora esses sejam defeitos meus, eu ainda
tenho um maior, o orgulho, e jamais admitiria isso. A verdade é que,
enquanto observo Henrique encher os pulmões com o maior veneno
de todos, o mesmo que levou a minha mãe, sinto uma dor enorme
no coração, temendo perdê-lo, assim como ela se foi. E é
justamente por isso que eu não posso aparecer com ele na frente de
todos, porque isso que estamos tendo se tornaria mais sólido, até
mais do que o sentimento que, aos poucos, sopra dentro do meu
peito, crescendo a cada dia mais, tornando-se um enorme problema
para mim.
Então eu vejo.
Dou um passo para trás, atingida pela cena que se sucede a
minha frente.
Oh, Deus!
Não posso! Quero gritar. Isso é traição! Mas nenhum som sai
da minha garganta, nada além de um grunhido de dor.
Céus!
HENRIQUE ZION
Passo pela sala, vendo as pastas das cópias dos casos para
julgamento que estava estudando na época, antes do acidente. Até
mesmo o copo de uísque vazio permanece intacto na mesinha de
centro, no mesmo lugar onde a mão de Antônio o repousou pela
última vez.
Espero até o último aluno sair da sala para então parar em sua
porta e bater. Fernanda se vira para mim, os olhos ganhando
contornos de surpresa e tristeza ao reparar quem é.
Não sei bem como agir com ela, não depois de tê-la afastado
da minha vida sem lhe dar desculpa alguma.
— Obrigada — zombo.
— Sim e não.
Abro e fecho a boca, irritada demais com ela, mas nada sai,
absolutamente nem uma única palavra.
— Não, acha que sim, mas não. Acha mesmo que Maria estaria
feliz sabendo que, desde que morreu, eu nunca havia visto a filha
tão... leve, e tudo isso por causa... dele, e mesmo assim foi idiota o
suficiente para afastá-lo, para deturpar a tua felicidade.
— Henrique não tem nada a ver com essa conversa, Gael sim.
— Ele quem?
Solto um grunhido, puxando os cabelos com força.
— Eu sinto muito, não queria ter que falar tudo isso pra ti dessa
forma, mas já estou cansada de ficar de mãos atadas enquanto a
vejo colocar fora tudo o que te faz feliz. — Estreita os lábios,
tornando-os uma linha fina, antes de continuar: — Falo sério quando
digo que nunca te vi mais leve, não desde que Maria morreu. E
nunca havia visto Gael assim antes, não tão feliz como está.
— Ele já escolheu.
Ela tem razão, eu sei que sim, mas como aceitar? Porque
quando eu fizer, eu terei que renunciar a muitas coisas e uma delas
é a minha mãe.
— Não, ele escolheu tentar ser feliz. — Ela abre sua garrafa de
água, bebendo alguns goles para molhar a garganta antes de
prosseguir. — Mas ele vai acabar abandonando a namorada,
mesmo que isso lhe faça sofrer, porque ele te ama acima de tudo ou
qualquer coisa.
— Ah, ele com certeza vai. E eu também sei que tu fará o que
estiver ao teu alcance para conseguir o perdão dele.
— Que é o quê?
Reviro os olhos.
Hum... não era bem isso que eu estava esperando ouvir, o que
me deixa ainda mais confuso.
Respiro fundo.
— É uma escolha?
Uma escolha.
ANTONELLA CAREGNATO
— Tudo bem.
Suspiro.
Pigarreio.
— Sim, eu adoraria.
Sei que Henrique está aqui, pois tive uma aliada muito
importante para descobrir seu paradeiro. Dona Celene, a vizinha
fofoqueira, foi de muita utilidade. Conforme eu solicitei, assim que
Henrique saiu do apartamento a senhorinha prontamente se pôs a
perguntar para onde ele estava indo, sendo assim, aqui estou eu,
seguindo o homem por quem estou apaixonada sem saber se ele
ainda me quer, mas viver é isso, não é mesmo? Correr riscos,
dentre eles, o de um coração partido.
Risadinhas.
HENRIQUE ZION
Pigarreio.
— Me desculpe.
— Ah, Henrique...
Charlotte dá de ombros.
Eu lembro desse júri, foi o último que ele fez antes de encerrar
a carreira, aposentando-se, por fim. Na época, ele ficou quase
quatro dias fora de casa e quando retornou estava exausto,
fadigado e aliviado pela aposentadoria. No entanto, mesmo tendo
que ser imparcial, acabou levando esse julgamento para o lado
pessoal.
— Antonella? — interpela.
— Oi — murmura.
Ela suspira.
— Só esquece toda essa merda. Sinto muito por ter sido uma
cretina. — Infelicidade turva os seus olhos — Eu te quero, Henrique,
estou apaixonada por você... — solta um grunhido. — Deus, nem
sei como é possível viver agora sem esse seu jeito irritante!
— Eu preciso te foder.
— Como assim?
Mais batidas.
Retiro minhas mãos do meio das suas pernas, ela salta em meu
colo, prendendo as pernas na minha cintura, afastando-se somente
o suficiente para centralizar o meu pênis e então empurra toda a
extensão para dentro de si.
Sinto seu interior me apertar e sei que ela está gozando, assim
como sei que está gritando, fincando as unhas nos meus ombros,
marcando a minha pele. Sem esperar, lhe faço companhia,
chegando ao ápice com ela.
— Preciso de um favor.
ANTONELLA CAREGNATO
Reviro os olhos.
— Sabe que os convidados se limitam a nós, Henrique,
Fernanda e Victor, não é?
Posso dizer que hoje somos amigas, ainda não tão íntimas,
mas estamos rumando para isso. Depois que eu parei para entender
o quanto ela faz o meu pai feliz, que não quer roubar o lugar da
minha mãe e, principalmente, que é uma pessoa exemplar, passei a
adorá-la.
Ofego, aturdida.
— Pronto.
— Obrigada.
— Nella, Feliz aniversário! Estou feliz por ti. — Victor olha para
Henrique parado ao meu lado. — Por vocês, na verdade.
Mas somente ele, o meu juiz bad boy, foi capaz de me acordar.
Às que se foram:
Tia Sandra, obrigada por ter estado sempre presente e por ter
sido uma grande conselheira nos momentos mais sombrios. Você
faz tanta falta.
Gratidão!
[1] O chimarrão, ou mate é uma bebida característica da cultura do Cone Sul legada da
cultura indígena, produzido pela infusão da planta erva-mate moída em água fervente a
aproximadamente 70 graus Celsius, em uma cuia com uma bomba.
[2] grande
[3] algo muito chocante, que cause muito impacto
[4] Conhecido popularmente como pão francês, no Rio Grande do Sul é comum chamar de
“cacetinho”.
[5] Tchê é interjeição muito utilizada no Rio Grande do Sul, sendo usado no início ou final
gaúchos chamam os cachorros. Então um frio de renguear cusco seria o mesmo que muito
frio, tão frio que entortaria os cachorros.
[8] O squirt é o nome que se dá à ejaculação feminina e que ocorre num momento de
prazer.
[9] Os Centros de Tradições Gaúchas são sociedades civis sem fins lucrativos, que buscam
de todas as idades. Portanto, pilchado é estar vestido a caráter com a vestimenta gaúcha.
[11] No Rio Grande do Sul é muito costumeiro comer ‘xis’, o qual corresponde a um