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Introdução
O cenário atual relacionado ao consumo de agrotóxicos no Brasil é controverso. O país
é líder mundial na aplicação dessas substâncias no campo, com um consumo de
aproximadamente 300 mil toneladas por ano (Spadotto; Gomes, 2021). No que se refere
às justificativas para esse número, representantes do agronegócio e da indústria química
afirmam que os agrotóxicos são essenciais para a produção agrícola brasileira. A
principal argumentação deste grupo é que, sem o uso desses produtos, parte significativa
das plantações seria perdida, o que levaria a uma redução na oferta de alimentos,
decréscimo na balança comercial e aumento dos preços.
A despeito das controvérsias, nos últimos anos a liberação do uso de novos agrotóxicos
cresceu de maneira significativa, como mostra a figura a seguir.
Entre 2016 e 2019, foram introduzidas no mercado nacional 1.606 novas substâncias:
um incremento de 130% em comparação com o período de 2011 a 2015. Este fato
recebeu críticas de ambientalistas e especialistas em saúde porque nesse conjunto de
novas substâncias foram liberados produtos que possuem restrições na União Europeia e
nos Estados Unidos.
O período entre 2016 a 2019 também foi marcado por movimentos significativos no que
se refere a construção de políticas públicas em prol da agenda liberal no campo. Como
exemplo de tais atividades, citamos o PL nº 6299/02, aprovado em julho de 2018 por
uma comissão especial da Câmara dos Deputados, que propõe uma reforma no marco
regulatório nacional de agrotóxicos, incluindo mudanças como a transferência da
responsabilidade de aprovação de registros para o Ministério da Agricultura, a
flexibilização das regras de controle, redução de prazos e menos transparência nas
informações.
Neste contexto, este capítulo tem como objetivo examinar como os agrotóxicos foram
retratados pela revista Pesquisa Fapesp entre 2016 a 2019. Selecionamos um veículo
especializado na cobertura de ciência e tecnologia especificamente porque acreditamos,
com base na leitura de Mbarga (2009), que o jornalismo científico tem o potencial de
contribuir com o debate sobre o uso de agrotóxicos em larga escala, trazendo à tona
questões sociais da ciência.
Para isto este texto está organizado em três seções, além desta introdução e das
considerações finais. Na primeira seção, apresentamos os motivos que nos levaram a
selecionar a revista Pesquisa Fapesp como objeto de estudo, bem como suas
características editoriais. Na segunda seção, explicamos a forma como realizamos a
análise de conteúdo, metodologia aplicada neste trabalho, justificando nossas escolhas a
partir da literatura pertinente. Na seção resultados, apresentamos os dados quantitativos
e qualitativos encontrados, interpretando-os à luz dos objetivos da pesquisa. Nas
considerações finais, resumimos os principais achados da pesquisa, indicando que a
revista Pesquisa Fapesp noticiou a questão dos agrotóxicos a partir de um viés pouco
crítico, priorizando a divulgação de estudos que destacam inovações agrícolas sem
considerar possíveis impactos e controvérsias.
1. Seleção do escopo
Para a produção da pesquisa realizamos um estudo de caso a partir do acompanhamento
de um veículo especializado em jornalismo científico que tivesse considerável
circulação e publicado periodicamente entre 2016 a 2019. Ao verificarmos o ambiente
midiático nacional, observamos três veículos, à priori, com tais características: a revista
Galileu, publicada pela Editora Globo, a revista SuperInteressante, publicada pela Abril
Editora, e a revista Pesquisa, editada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (FAPESP).
Fundada em 1999, a revista Pesquisa Fapesp é uma magazine mensal com uma tiragem
média de 30 mil exemplares que, apesar de estar disponível para assinatura, a maioria
das cópias é distribuída gratuitamente para bolsistas da Fapesp, pesquisadores, cientistas
e professores vinculados à rede pública estadual de São Paulo. As edições também são
acessíveis gratuitamente por meio do portal on-line.
2. Metodologia do estudo
Empregamos a análise de conteúdo como método para investigar a cobertura relativa
aos agrotóxicos elaborada pela revista Pesquisa Fapesp. Caregnato e Mutti (2006)
definem a análise de conteúdo como uma ferramenta de coleta de dados, originada para
verificar a recorrência de temas específicos em textos e, assim, analisar a presença e a
ausência de determinados tópicos. Benetti (2007) complementa argumentando que a
análise de conteúdo é um dispositivo metodológico valioso para avaliar a cobertura
midiática de ideias controversas, pois a técnica permite promover uma reflexão crítica
sobre a forma como perspectivas opostas são apresentadas. Herscowitz (2017) defende
que a análise de conteúdo é uma ferramenta essencial para estudos de comunicação,
pois permite identificar padrões culturais e ideológicos na produção de notícias.
3. Apresentação de resultados
3.1 Características relacionadas à frequência de registro
A abordagem crítica a respeito dos dados encontrados revelou que, na maioria dos
casos, as menções à unidade de registro ocorreram em materiais midiáticos que
abordam os agrotóxicos de forma incidental, sem que o artefato seja o tema principal da
notícia ou reportagem. No que se refere à estatística, 82% do corpus, número
equivalente a 14 textos, exibiram tal característica. A partir do levantamento dessas
informações, concluímos que não se pode afirmar que há uma correlação substancial
entre o aumento das menções ao termo "agrotóxicos" e uma maior problematização da
tecnologia entre 2016 a 2019.
A análise de dados, somada à leitura crítica dos textos presentes no corpus, revela que a
revista Pesquisa FAPESP tem como tendência editorial apresentar a tecnologia como
um elemento desvinculado de aspectos sociopolíticos. Essa visão é evidente pelo baixo
índice de notícias e reportagens que abordam questões econômicas, políticas e de saúde.
A análise das reportagens indicou que a publicação não realizou apontamentos
relacionados a possíveis impactos ocasionados pelo uso dos agrotóxicos.
No período de 2016 a 2019, a revista Pesquisa FAPESP publicou apenas três textos
com agrotóxicos como tema principal. A partir de uma análise desses materiais,
identificamos que duas unidades do corpus problematizam o uso intensivo de
agrotóxicos nas lavouras evocando discussões políticas. Desses dois textos, um foi
publicado na edição nº 271, de agosto de 2018, que teve como uma das questões a
discussão do Projeto de Lei nº 6299/02. Por essa razão, optamos por estudar a edição nº
271 para identificar mais características relevantes sobre a representação midiática
produzida. Destarte, analisamos a reportagem de capa “Agrotóxicos na berlinda”, o
único apontamento no corpus que apresenta a unidade de registro também no título.
O segundo grupo de maior participação no grupo de fontes selecionadas diz respeito aos
funcionários dos órgãos e associações ligadas à defesa dos agrotóxicos. Ao todo, a
revista ouviu três representantes da indústria agroquímica: Mario Von Zuben, diretor-
executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef); Reginaldo Minaré,
coordenador da área de Tecnologia da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil
(CNA); e Sílvia Fagnani, diretora executiva do Sindicato Nacional da Indústria de
Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg).
A única fonte de um órgão público ouvida pela reportagem foi Marisa Zerbetto,
coordenadora-geral de Avaliação e Controle de Substâncias Químicas do Ibama que
contrapôs o discurso dos representantes da indústria agroquímica, afirmando que a
demora na liberação de agrotóxicos não se dá por questões relacionadas a legislação
atual, mas sim por falta de pessoas para a fiscalização. Quanto aos movimentos sociais,
a revista Pesquisa cede espaço apenas a uma fonte: Marina Lacorte, porta-voz do
Greenpeace, uma organização não governamental canadense com atividade
transnacional que trabalha com a defesa do meio ambiente.
Considerações finais
A presente análise permitiu realizar reflexões sobre como a revista Pesquisa FAPESP,
uma mídia importante dentro do jornalismo científico nacional, que informa o público
sobre questões relacionadas aos agrotóxicos. Encontramos materiais sobre o tema, mas
uma análise crítica revelou que a revista, entre 2016 e 2019, deu pouca atenção a um
tema tão importante, que tem implicações laborais, de saúde, políticas etc. e que esteve
em destaque nos últimos anos. Especialmente, é um tema que tem recebido muita
atenção da produção científica e tecnológica na construção de alternativas como os
produtos orgânicos e agroecológicos. Além disso, a revista adotou uma linha editorial
pouco crítica, priorizando a divulgação de estudos que destacam inovações agrícolas
sem considerar possíveis impactos e controvérsias.
Bibliografia