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Co-orientadora da Pesquisa. Professora Titular da Faculdade de Ciências do Tocantins –FACIT. Coordenadora da CPA - Comissão
Própria de Avaliação da FACIT. Coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humano - CEP-FACIT. sissi@
faculdadefacit.edu.br.
RESUMO: Este artigo aborda os meandros sociais das Variações Linguísticas, vistas como diferentes
formas de se dizer uma mesma coisa, resultado da inventividade dos falantes no seio de uma
comunidade de fala, configurando-se tanto como produto, quanto veículo de afirmação cultural. O
objetivo foi estudar a língua em situação de uso a partir das teorias da Sociolinguística Variacionaista,
e identificar o preconceito linguístico como algo intencional, revelando sua conotação pedagógico-
ideológica. Os procedimentos metodológicos, numa concepção interdisciplinar, efetivou-se
a partir dos critérios das pesquisas bibliográfica e teórica, quando se realizou uma revisão da
literatura atinente ao tema, em publicações nacionais e internacionais utilizando bases de dados.
A ênfase deu-se nos estudos de (LABOV, 1978, 2003, 2008; BORTONI-RICARDO, 2005, 2010, 2014;
TARALLO, 2007; BAGNO, 2011; ALMEIDA, 2015; ALMEIDA ET ALL, 2017). Estudou-se, também, os
Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs para entender a sociolinguística no âmbito educacional.
Permitiu-se identificar que a sociolinguística aplicada na educação é um importante instrumento
para enfrentar o preconceito linguístico; que o preconceito linguístico não somente existe,
como é produto e subproduto de uma sustentação pedagógico-ideológica que tem seus agentes
1
Artigo vinculado à Dissertação de Mestrado: TERRITÓRIO, TERRITORIALIDADE E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: USO DA LATERAL PALATAL
/ʎ/ POR FEIRANTES DE ARAGUAÍNA. UFT – Araguaína, 2019.
disseminados também na escola; perceber que este preconceito gera uma violência simbólica
(ou é gerado por ela) e a partir da imposição da Norma Padrão da Língua Portuguesa; conceituar
violência simbólica e sua materialização no seio de uma comunidade de fala; entender a Norma
Padrão como uma escolha ideológica consciente; revelar a importância da sociolinguística para
o ensino; que existe uma dicotomia entre teoria e a prática no Ensino de Linguística, seja pelas
históricas lacunas nos livros didáticos, seja por equívocos pedagógicos. Por fim, percebe-se os
estudos da sociolinguística como forma de enfrentamento dessa situação, ao mesmo tempo
em que propaga sua relevância no cenário acadêmico-educacional, atuando como possibilidade
real de confrontar o determinismo linguístico, resultado das relações de poder em comunidades
linguísticas e sociais.
ABSTRACT: This article approaches the social intricacies of Linguistic Variations, seen as different
ways of saying the same thing, a result of the inventiveness of the speakers within a community
of speech, configuring both as a product and as a vehicle for cultural signature. The objective was
to study the language in a situation of use from the theories of Variational Sociolinguistics, and
to identify the linguistic prejudice as something intentional, revealing its pedagogical-ideological
connotation. The methodological procedures, in an interdisciplinary conception, took place from
the criteria of the bibliographical and theoretical researches, when we carried out a review of
the relevant literature, in national and international publications using databases. The emphasis
has been on studies in the literature (BORTONI-RICARDO, 2005, 2010, 2014, TARALLO, 2007,
BAGNO, 2011; ALMEIDA, 2015; ALMEIDA ET ALL, 2017). We also study the National Curricular
Parameters PCNs to understand sociolinguistics in the educational field. The results allowed to
identify that the applied sociolinguistics in the education is an important instrument to face the
linguistic prejudice; that linguistic prejudice does not only exist, as it is the product and byproduct
of pedagogical-ideological support that has its agents also disseminated in school; to perceive
that this prejudice generates a symbolic violence (or is generated by it) and from the imposition
of the Standard Norm of the Portuguese Language; to conceptualize symbolic violence and its
materialization within a community of speech; understand the Standard Norm as a conscious
ideological choice; reveal the importance of sociolinguistics for teaching; that there is a dichotomy
between theory and practice in Teaching Linguistics, either through historical gaps in textbooks
or through pedagogical misunderstandings. Finally, we perceive sociolinguistic studies as a way
of coping with this situation, at the same time as it propagates its relevance in the academic-
educational scenario, acting as a real possibility to confront linguistic determinism, a result of
power relations in linguistic and social communities.
reza de qualquer língua. Para decepção dos que estudos sociolinguísticas. Os que falam são os se-
estudam o assunto, a escola tem agido diametral- nhores da língua.
mente ao contrário, apresentando-se como ferra- Jakobson (1960), sustenta que existe uma
menta de transmissão do preconceito linguístico interação do que ocorre nas comunidades fala e
com a escusa de se dar mais valor à proclamada defende a ideia de multiformidade de código. Há
“Norma Padrão da Língua” o que tem levado a códigos e subcódigos. Na fala a pessoa é livre para
efeito a sustentação das desigualdades sociais e escolher qual usará a depender do que se quer
por conseguinte o poder da classe dominadora. transmitir, do destinatário e da integração do lo-
Perante este espaço entre o que está escri- cutor com o interlocutor. Como são diversos os
to nos documentos oficiais e a realidade é neces- códigos, a eleição deste ou daquele é feita pelo
sário que pesquisadores do assunto exponham falante e todos serão adequados a depender do
mais seus estudos sociolinguísticos com o fito de contexto e de outros fatores, como a formalidade
levar a todos à conscientização, e que os órgãos e a informalidade.
da educação de todos os níveis, federais, estadu- Bright (1974) enumera situações estabele-
ais e municipais venham a ser mais fortes na de- cidas na sociedade, partindo do pressuposto de
fesa desta riqueza cultural: as variações da nossa que as variações da língua têm possibilidade de
língua. estarem atrelados à elas, por exemplo a identida-
de daquele que fala, o que pode assinalar dialetos
2. AS VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS E COMUNIDA- espalhados na comunidade, ou diversas maneiras
DES DE FALA entre os falares considerando aspectos extralin-
guísticos como sexo e status social, que são vitais
O homem é um animal social, e através da para se analisar estilos formais e informais.
língua, ao se utilizar das variações em situação de Com efeito, as variações linguísticas são
uso, age em sociedade, efetua trocas simbólicas uma fotografia daqueles que fazem uso delas.
e culturais, veicula, é receptor, transmissor, ela- Através das mesmas, é possível perceber matizes
borador e reelaborador. Ele inventa e reinventa que implicam de forma direta na emergência da
inclusive a si mesmo. As pessoas e a língua estão variação, a partir da variáveis: faixa etária, sexo,
“siamesamente” imbricadas. As interações da escolarização, regionalismo, situação social, eco-
sociedade imprimem influência sobre a língua e, nômica e outras.
esta, por sua vez age de volta. Pesquisas levadas a cabo por William La-
Bakhtin (1929) considera que a parte cen- bov dão sustentabilidade a esta afirmação, con-
tral da língua não consiste em um sistema abs- forme aquelas realizadas na década de 1960,
trato de contornos linguísticos, a contrário sen- quando realizou trabalhos sociolinguísticos em
su, permanece nas relações da fala das diversas Martha’s Vineyard, ilha do estado de Massachus-
comunidade sociais. Para Bakhtin, o que deve ser sets, Estados Unidos.
levado em conta não é a língua como um siste- Nessa pesquisa Labov considerou faixa
ma, um código hermético, mas a relação entre os etária, sexo, profissão, procedência étnica e pos-
falantes. É justamente aí que está o objeto dos tura quanto aos falares das pessoas que moram
na ilha. No estudo Labov comprovou que as va- al, mas social; ela pertence, não ao indivíduo, mas
riações linguísticas são passíveis de serem siste- ao membro da sociedade.”
matizadas e passar por análises, e que há fatores As variações são produtos culturais origi-
externos que interferem nas mesmas. nados nas relações ocorridas na sociedade e são
Labov (2008) percebeu que a variação resultado, portanto, da inventividade dos falan-
dos ditongos (aw) (como na palavra house) e (ay) tes.
(como na palavra fight), quando eram pronuncia- Conforme Meillet (1921, p. 16-17, apud
das por pessoas que tinham uma atitude positiva LABOV, 2008, p. 304):
em relação à ilha, e pronunciavam o ditongo de
uma maneira mais centralizada do que os que não [...] pelo fato de ser a língua uma ins-
tinham um pensamento positivo sobre a mesma, tituição social, resulta que a linguís-
pois valorizavam os que vinham de fora, isto é, do tica é uma ciência social, e o único
continente e pensavam em de lá sair, pronuncia- elemento variável ao qual se pode
vam os ditongos de forma menos centralizada. recorrer para dar conta da mudança
Pela pesquisa se percebeu que os vineyardenses linguística é a mudança social, da qual
já tinham pronunciado o ditongo desta forma as variações da língua são apenas as
mais centralizada, tinham parado de fazer assim e consequências [...] (MEILLET, 1921,
haviam retornado a esta pronúncia. Essa pronún- pp. 16-17, apud LABOV, 2008, p. 304).
cia era uma característica identitária com a ilha.
Como diz Labov: “[...] as formas centralizadas fa- Percebe-se que, sendo a linguística uma
zem parte de um caráter ilhéu” (LABOV, 2008, p. ciência social, o fator-chave para a variação lin-
58). As pronúncias centralizadas e não centraliza- guística é a mudança na sociedade. As variações
das comprovam que a língua é característica da advêm exatamente por causa das alterações ocor-
identidade da comunidade, conclui o autor. ridas nela.
Com efeito, o estudo em Martha’s Vi- Mas afinal, variação linguística, o que é?
neyard foi concentrado na implicação entre os fa- Labov (2008, p. 330), afirma que “[...] é a opção
tores sociais e os linguísticos, deixando claro que de dizer a mesma coisa de maneiras diferentes.”
a mudança ali descrita e seus rumos não seriam Note-se que isso é muito claro de se entender, e
entendidos sem o vínculo com o naipe basilar até simplificado, por exemplo, uma mensagem
identitário daquela localidade. Ademais, pela pes- pode ser passada de forma diferente e mesmo
quisa de Labov, é perceptível que a visão da língua assim sua conotação ser a mesma. Por certo que
como objeto de pesquisa deve realmente ser le- essas variações estarão não somente no campo
vando em conta na comunidade de fala. Variações do conteúdo, mas também na questão do estilo,
linguísticas devem ser delineadas e entendidas se formal ou informal.
pelo social, pois segundo Labov (2008, p. 214), Defendendo também que a língua é mutá-
“[...] a língua é uma forma de comportamento so- vel, Tarallo (2007) fornece o conceito de variante
cial”. Segundo Whitney (1901, p. 404 apud LABOV linguística. Para ele variantes são as formas de se
2008, p. 302), “[...] a fala não é uma posse pesso- afirmar uma mesma coisa, numa mesma circuns-
tância, com igual peso de veracidade. Estas po- da situação de interação social, a exemplo de con-
dem ser classificadas como padrão/não padrão, textos formais ou informais. Novamente é inte-
conservadoras/inovadoras, estigmatizadas/ de ressante notar que o afirmado vai ao encontro da
prestígio. “[...] Em geral, a variante padrão é, ao ideia de que não há uma melhor ou pior variação,
mesmo tempo, conservadora e aquela que goza mas adequada ou inadequada considerando os
do prestígio sociolinguístico na comunidade. As fatores que a envolvam.
variantes inovadoras, por outro lado, são quase No que tange à heterogeneidade sistemá-
sempre não padrão e estigmatizadas pelos mem- tica/organizada, tal fator é indispensável para se
bros da comunidade” (TARALLO, 2007, p.12). descrever diferentes grupos sociais e diferenças
É perceptível que as classificações padrão/ linguísticas, econômicas e sociais. Nesse sentido,
conservadora/monitorada/prestígio, fazem opo- Basílio (2013, p. 168), contribui afirmando que na
sição à não padrão/inovadora/livre/estigmatiza- perspectiva variacionista,
da. Assim, conclui-se que as variações linguísticas
estão em um constante “litígio” e nessa dialética [...] as transformações linguísticas
os fatores linguísticos e extralinguísticos estão acontecem no contexto social da co-
sempre envolvidos. munidade de fala e são vistas, pelos
Beveniste (1968), considerando a implica- sociolinguistas, como dotadas de ‘he-
ção entre língua e sociedade, aduz que isto reside terogeneidade sistemática/ordena-
no fato de que uma serve para explicar, compre- da’, fator importante na identificação
ender a outra, defini-la seja no que diz respeito de grupos e na demarcação de dife-
à natureza, seja no respeitante à experiência. Be- renças linguísticas e sociais na comu-
neviste expõe seu pensamento sobre esta forte nidade. Nesta perspectiva, a atitude e
ligação. Língua e falantes não podem ser cindidos avaliação dos falantes com relação à
quando se quer entender fatos sociolinguísticos. variação e à mudança revelam a influ-
Avançando nos meandros da Sociolinguís- ência das forças sociais na escolha dos
tica, Labov (2008, p. 313), define a diferença en- usos linguísticos do indivíduo, e, por
tre estilo e variação social: “Por social entendo sua vez, os usos linguísticos do indiví-
aqueles traços da língua que caracterizam vários duo revelam seus verdadeiros senti-
subgrupos numa sociedade heterogênea; e por mentos em relação à língua (BASÍLIO,
estilística, as alternância pelas quais um falante 2013, p. 168).
adapta sua linguagem ao contexto imediato do
ato de fala.” É muito clara a definição laboviana, Este pensamento basiliano reflete o fato
identificando a variação social com as diferentes de que, quando o falante avalia as variações e ele-
camadas sociais que, por sua vez, é dotada de ge quando usá-las, revela como as situações so-
heterogeneidade e, além de heterogênea, é siste- ciais interferem nesta tomada de atitude frente à
mática, sistematizável e ordenada. língua e que a escolha veicula seu sentimento no
Já a variação estilística tem a ver com a que tange à mesma.
eleição de uma ou de outra variação, a depender A título de exemplo dos motivos que le-
vam à seleção linguística desta ou daquela varia- conceito linguístico que existe, mas sim uma espé-
ção, pode-se elencar o fator extralinguístico sexo, cie de desvalorização da variação por aspectos so-
desde que as pessoas do sexo feminino tendem ciais, um preconceito social, ligado especialmente
a falar diferente das do sexo masculino. Termos ao aspecto econômico. Mas também às posições
no diminutivo como “lindinho, belezinha, meni- assumidas, cor da pele, sexo e tantos outros es-
ninho”, são maiormente ditos por mulheres do tigmas. Ainda que soe estranho, tudo isso gera o
que por homens, os quais, por sua vez, tendem preconceito linguístico e este leva à violência sim-
a utilizar palavras no aumentativo, por exemplo, bólica. É, ademais, uma agressão psicológica das
“Marcão, Carlão” (GAGNÉ, 2002, p. 54). mais fortes que causa muitas vezes o desinteresse
das pessoas em estudarem a língua como “Norma
2.1. Variação Linguística: Norma Culta e Precon- Padrão” tolhendo a criatividade e inventividade
ceito Linguístico da mesma.
Não obstante, a se falar em preconceito
É fato que, mesmo havendo muitos estu- linguístico, a chamada Norma Padrão (a variedade
dos sobre variações linguísticas, o que em tese dominante) que deveria ser apenas mais um tipo
poderia gerar uma maior conscientização a res- de variedade, é usada como ferramenta para insti-
peito delas, não é o que se tem percebido vez que tucionalizar preconceito e, consequentemente, a
muitas vezes elas são consideradas “erro”, desvio violência simbólica. O preconceito se embasa em
linguístico. Segundo Bagno et. all (2011), o cha- se acreditar que a língua é única, ou seja, aquela
mado “erro linguístico”, evidencia-se ao se consi- descrita e estudada nas gramáticas e amplamen-
derar o que ensina a sociologia e a antropologia, te difundida nos dicionários. Mas que, escapando
e está embasado em dos átrios do dicionário, do âmbito gramatical ou
da escola, é algo elementar, rude, incompleto, e
[...] uma avaliação negativa que nada não é considerado como uma língua portuguesa
tem de linguística: é uma avaliação brasileira (BAGNO, 2011).
estritamente baseada no valor social Bagno (2011) desvela o triângulo escola-
atribuído ao falante, ao seu poder -gramática-dicionário, denunciando que a Norma
aquisitivo, em seu grau de escolari- Padrão é uma espécie de Bíblia (gramática) e que
zação, em sua renda mensal, em sua tudo o que foge dele é “erro de português”, não
origem geográfica, nos postos de co- é português, não é bonito, etc. A inventividade do
mando que lhe são permitidos ou povo, aquele que a usa, não tem prioridade ao
proibidos, na cor de sua pele, em seu exercer este direito primário, a escolha, descon-
sexo e outros critérios e preconceitos siderando por completo que a língua é um orga-
estritamente socioeconômicos e cul- nismo vivo e em constante transformação. A pró-
turais (BAGNO et al., 2011, p. 73). pria escola que deveria ser o bastião em defesa
da “democracia da língua”, tem sido um vilão im-
Bagno (2011) considera que de certa for- pondo uma verdadeira “ditadura da norma culta”.
ma, não é realmente “erro linguístico” ou o pre- Bagno (2001) complementa essas argu-
mentações partindo do pressuposto de que a embate, e estes últimos quase sempre são dos
questão não reside no que se fala, mas no sujeito derrotados. É concorrência desigual. É necessário
que fala ou na forma como ele afala. O autor de- paridade de armas. Se houvesse menos precon-
monstra aqui mais novamente o viés social deste ceito e mais valorização do conhecimento que o
preconceito, ou seja, se alguém aparentemente aluno já traz consigo quando vai à escola a situa-
“rico” chega, por exemplo, realiza um discurso ção seria diferente. Estamos diante de uma enor-
“falando tudo errado” não há problema, mas se me gama de alunos que pensam nunca dominar
for uma pessoa “pobre”, que o faça, é alvo de pre- a Norma Padrão, quiçá essa realmente seja uma
conceito. “Norma Oculta”.
Segundo Bagno (2013), quando alguém Gnerre (1998, p. 06), em plena sintonia
fala, por exemplo, chicrete, compreto, prural, é com Bagno, faz um perfeito arremate sobre o
avaliado como incorreto, visto como alguém de tema do preconceito linguístico ao denunciar o
menor valor, enquanto que ao se falar chiclete, perigo deste, argumentado que lamentavelmente
completo, plural, aceita-se como correto, e isso “[...] uma variedade linguística ‘vale’ aquilo que
não se dá por razões linguísticas, senão sociais e ‘valem’ os que dela fazem uso, ou seja, aquilata-
políticas. As primeiras afirmações, chicrete, com- do como a imagem do poder e da autoridade que
preto, prural, geralmente são realizações levadas estes exercem na interações econômico-sociais”.
a cabo por pessoas de classes sociais “baixas”, Destaques do texto original.
sem prestígio, estigmatizadas, em exclusão do te- Não obstante, existe uma manifesta vio-
cido social, pouco escolarizadas, alheias aos bens lência simbólica no âmbito escolar (BOURDIEU,
culturais da “classe alta”, e a língua por elas pra- 2003) de sorte que a escola situa-se mesmo como
ticada sofre o mesmo preconceito que lhes pesa, instrumento de dominação. Através da escola que
isto é, estropiante, horrorosa, insuficiente, o que a sociedade exerce o poder desapercebidamente,
deveria ser considerada apenas como diferente veiculando suas ideologias por meio desta insti-
daquela veiculada pela escola (BAGNO, 2013). tuição pública.
Ser tratado com preconceito linguístico, Com efeito,
então é algo perigoso, pois atinge a autoestima,
atuando negativamente nas subjetividades, com [...] existe uma violência inerente e
resultados negativos nas pessoas em todas as áre- inevitável, a violência da educação, já
as de suas vidas, notadamente em sua atuação que, para eles, toda ação pedagógica
profissional. É comum pessoas que “falam erra- é uma forma de violência simbólica,
do” serem estigmatizadas e, por isso, são menos pois reproduz a cultura dominante,
favorecidas econômica, educacional e socialmen- suas significações e convenções, im-
te. O preconceito é desigualdade social e gerador pondo um modelo de socialização que
da mesma desigualdade, isto é perceptível em favorece a reprodução da estrutura
alunos que chegam ao Exame Nacional do Ensino das relações de poder. (STIVAL; FOR-
Médio ENEM, quando alunos “ricos” ao competi- TUNATO, 2008, pp. 2-3). (Grifo nosso).
rem com alunos “pobres”, promovem verdadeiro
ciolinguística tem seus inícios em meados do sé- preocupação em desvelar como ocorrem as va-
culo XX quando a linguística apresenta mudanças riações linguísticas, considerando sempre o con-
significativas e delineia novos paradigmas. Estes, texto social no qual o falante está inserido, e pela
por conseguinte, emergem quando os estudos constatação de que a língua é heterogênea e que
linguísticos vão além do sistema linguístico em si, são diversas as variedades em um mesmo idioma
focalizando a língua em situações de interação so- (ALMEIDA, 2015).
cial (ALMEIDA, 2015). Contudo,
Com efeito, a sociolinguística é uma área
da linguística que estuda as línguas em situação [...] e tendo em vista o teor essencial-
de uso (ALMEIDA, 2015), tem na educação uma mente comunicativo da Sociolinguís-
de suas mais importantes vertentes (BORTONI-RI- tica interacional, ela tem como prin-
CARDO, 2005; 2014). cipal característica ratificar que a fala
Segundo Almeida (2015, p. 146), a socio- em interação está propícia a interpre-
linguística: tações e mudanças, as quais variam
segundo o comportamento linguísti-
[...] É uma área da linguística que se co de uma sociedade ou comunida-
ocupa em estudar a língua falada no de linguística, considerando sempre
contexto onde interagem pessoas os contextos específicos dos falantes
com repertórios linguísticos distintos, (ALMEIDA, 2015, p. 147).
divide-se em Sociolinguística intera-
cional e Sociolinguística variacionis- Segundo Bortoni-Ricardo (2014) a socio-
ta. Com o passar dos anos os estudos linguística interacional tem como característica
foram se expandindo e atualmente a principal rejeitar a separação entre língua e con-
Sociolinguística apresenta outras ver- texto social, focalizando abertamente as estra-
tentes, como, por exemplo, a Socio- tégias que governam o uso lexical, gramatical,
linguística educacional. Assim, ambas sociolinguístico e aquele decorrente de outros
têm em comum o fato de ter a língua conhecimentos, na produção e contextualização
falada como objeto de estudo em cor- das mensagens. Almeida (2015) argumenta que o
relação com a sociedade, isto é, estu- termo “pistas de contextualização” que, segundo
dam a influência dos aspectos sociais Bortoni-Ricardo (2014) define como os traços de
nos diferentes dialetos. um discurso sinaliza os pressupostos contextuais,
indicando aos sujeitos, no momento da interação,
Conceituando a sociolinguística variacio- como ocorre a comunicação, ou seja, se a intera-
nista, ou seja, a língua e interação, Almeida (2015) ção está sendo bem transmitida e devidamente
argumenta que as bases teóricas de estudo da interpretada.
língua em interação, efetiva-se mediante uma No tocante à sociolinguística educacional,
metodologia que prioriza a fala como objeto de vertente da sociolinguística que adquire status
estudo. Essa corrente teórica caracteriza-se pela superior no contexto acadêmico nas últimas dé-
derar três tipos de normas: 1) regras gerais, isto é, identifica naquela regra uma trans-
utilizáveis para qualquer estilo; 2) regras antigas gressão, pois ele próprio já a tem em
em situação de passagem de mudança e, 3) regras seu repertório. 3-Percebe o uso de re-
de preceito (normas injuntivas: o que se falar e gras não padrão e prefere não intervir
o que não). Sugerem que quando se for corrigir, para não constranger o aluno. 4- Per-
não se dê novas regras, porém forneça-se uma va- cebe o uso de regras não padrão, não
riação que dê para ser utilizada em um contexto intervém, e apresenta, logo em se-
formal. É importante também que os alunos en- guida, o modelo da variante padrão.
tendam a significação na sociedade destas varia- (BORTONI-RICARDO, 2005, pp. 192-
ções, pois os mesmos notam que seu falar difere 193).
do professor, mas controlam escassamente o sig-
nificado social e o tema do estilo (COAN; FREITAG, Cada professor apresenta diferentes rea-
2010). ções frente à variedade não padrão. Alguns agem
Bortoni-Ricardo (2005), acredita que mes- de diferentes formas conforme a situação, mas
mo que a Sociolinguística tenha se esforçado mui- no geral é de uma das quatro formas acima cita-
to, a educação não dá a ela o seu devido valor, em das. Bortoni-Ricardo (2005) agrega que “[...] os
especial no que tange às variações e indaga se a padrões de mudança de código e de intervenção
educação é a ferramenta adequada para a trans- dos professores estão associados as estratégias
missão da variedade padrão, fazendo uma crítica intuitivas que eles desenvolveram com base em
ao afirmar que: “Os professores não têm consci- seu sistema de crença sobre o letramento” (BOR-
ência da variação em sua própria fala” (BORTO- TONI-RICARDO, 2005, p. 197).
NI-RICARDO, 2005, p.185). Esta crítica é bastante É visível, ademais, que estes padrões não
pertinente porque traz à luz a realidade de que somente são adquiridos quando do letramento
professores estão a todo instante, inclusive em dos professores, mas também são agentes mul-
sala de aula, usando a linguagem não padrão sem tiplicadores para a sustentação do sistema que
que na verdade se deem conta disso. O que con- nada tem acrescentado, e de uma sociedade com-
denam, isso fazem. Têm a condescendência para pletamente desigual.
si mas não a utilizam para seus alunos. Coan e Freitag (2010), asseguram que as
Bortoni-Ricardo (2005), enumera a forma variações diatópicas (geográficas), diastráticas
como os professores agem com relação à variação (sociais), diafásicas (contexto) e diamésicas (tipo
não padrão: de texto), mesmo que não sejam tão indispensá-
veis para pesquisas mais gerais, a experimenta-
1-Identifica os “erros de leitura”, mas ção tem revelado que dificultam a compreensão,
não faz distinção entre diferenças dia- provocam preconceito e estigma (COAN; FREITAG,
letais ou erros de decodificação na 2010). Logo é interessante que sejam conhecidas.
leitura, tratando-os da mesma forma. Mollica (2013), acrescenta que as varia-
2-Não percebe o uso de regras não ções podem se dar em diversos campos: no lexi-
padrão, pois não está atento ou não cal, no sintático, no morfológico, no subsistema
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