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C.D.D. - 028.5
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A área da surdez há muito carece de publicações a respeito.
Apesar de já se encontrar publicações sobre surdez com mais facilidade,
ainda é necessário mais investigações e divulgações acerca do trabalho
educacional com surdos, assim como em outros campos.
Este livro foi criado com o objetivo de oferecer ao discente de
pedagogia conhecimentos básicos para o início das discussões sobre a
educação de surdos e Libras, portanto, a sua abordagem está longe de
esgotar as discussões a respeito.
Para trabalhar com o surdo são necessários conhecimentos não
apenas sobre Libras. Como os surdos estão inseridos em uma comunidade
específica, portanto, num grupo minoritário no país, insurgem várias
questões, dentre elas, as questões básicas aqui apresentadas.
Os temas discutidos neste livro abordam: a história da educação
de surdos; a identidade surda e a cultura surda; as questões estruturais
linguística da Libras e seus aspectos intrínsecos concernentes a essa
estrutura; a aquisição de Libras como primeira língua; a comunicação
mediada pelo intérprete de Libras no ambiente escolar; a aquisição do
português como segunda língua e uma reflexão sobre literatura infantil e
surdez.
O objetivo maior é promover uma discussão a respeito dos
aspectos que envolvem a questão da educação de surdo e municiar o
discente de pedagogia com conhecimentos acerca do assunto, afim de
que este tenha um direcionamento para o seu trabalho em sala de aula
com algum eventual aluno surdo, também para aqueles que tenham
interesse em se especializar na área de educação de surdos.
Introdução
O conhecimento sobre a educação de surdos só recentemente
tem sido divulgado através das disciplinas obrigatórias nos cursos
de licenciatura e através de outros meios. Como esta é uma área de
investigação recente, muitos termos têm sido criados mas como são
pouco divulgados, pouquíssimos desses termos são de conhecimento
do senso comum. Portanto, há a necessidade de se apresentar alguns
termos básicos antes que se inicie toda a discussão sobre este assunto.
Antes, ao se falar de pessoas com déficit auditivo usava-se
a palavra surdo-mudo, mas, com o crescimento e o fortalecimento da
comunidade surda, esse termo mudou para apenas “surdo”. Não se
aceita o termo mudo pelo fato de este ser imbuído da concepção de que
mudo não tem capacidade para a comunicação, que não é verdade. O
surdo é uma pessoa que possui deficiência auditiva, seja de nascença
ou adquirida após o nascimento; é um indivíduo que possui como
língua natural a Libras (Língua Brasileira de Sinais), e a utiliza para se
comunicar, frequenta a escola regular ou a específica para surdos, tem
uma associação para lutar por seus interesses, assume a identidade
surda e alguns já encontram espaço no mercado de trabalho. Apesar
de tantos espaços conquistados, ainda há muitos surdos brasileiros que
sofrem com o ouvintismo.
Uma vez que o surdo já pode se identificar como tal, surge a
diferença entre DA (deficiente auditivo) e surdo. O DA é aquele que possui
déficit auditivo e não assume sua identidade surda. O surdo é o que
assume sua identidade e geralmente abraça a causa do surdo. No caso
da surdez, na sociedade há surdos que assumem diversas identidades,
conforme pode ser visto na discussão sobre identidade surda, devido à
influência da oralização. Esta é a tentativa de habilitar o surdo a falar.
Existem alguns que desenvolveram bem esta habilidade da fala, são os
surdos oralizados, e há os que não a desenvolveram essa habilidade ou
a desenvolveram precariamente (só pronúncias de palavras sem uma
organização sintática inteligível), são os não oralizados.
Saiba Mais
UNIDADE 2
39 A LIÍNGUA DE SINAIS
UNIDADE 3
89 A COMUNICAÇÃO E OS CONHECIMENTOS BÁSICOS DA LIBRAS NA
ESCOLA
UNIDADE 4
123 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS E A NARRATIVA
EM LIBRAS
OBJETIVO:
• Conhecer a história da educação de surdos e sua relação com a
formação da identidade surda.
A Educação e a Cultura
de Surdos
18 UNIDADE 01
para que ela aprenda a reproduzir os sons da fala.
Ao longo dos tempos têm havido o estímulo para que as crianças
surdas usem algum tipo de aparelho auditivo, cuja função é amplificar o
som. Conforme Capovilla (2001), na década de 1980, houve o estímulo ao
uso de aparelhos auditivos e na década de 1990 para o uso do implante
coclear.
O aparelho auditivo é um aparelho que existe em vários modelos
– conforme pode ser visto na figura 1.
20 UNIDADE 01
Com relação aos aparelhos auditivos, muitos surdos não se
adaptam e aqueles que os usam dizem que os mesmos não ajudam a
ouvir bem. O som que o surdo ouve através do aparelho auditivo não é
limpo, é um som metalizado que faz com que ele não escute com clareza.
Por isso, muitos preferem não usar o aparelho auditivo.
Com relação ao implante coclear, alguns surdos o fazem, mas
muitos outros contrários ao seu uso e utilizam de vários argumentos para
justificar que ouvir não faz parte da identididade surda. Estes são os
surdos que já têm uma identidade surda formada e empoderada, como
se poderá ver mais adiante quando discutir-se-á acerca da identidade
surda.
Mesmo com o aparato dos aparelhos auditivos e com a frequência
à fonoterapia, nem todo surdo consegue aprender a falar, ou seja, não
consegue ser oralizado. Muitos não tiveram nem têm a oportunidade de
passar por fonoterapia eficiente e adequada ou por tempo necessário para
desenvolver a habilidade de falar e nem todos têm aptidão para tal. Além
desses problemas que surgiram com a adoção da oralização do surdo,
ainda há a questão do atraso em anos de escolaridade. Soares (1999)
afirma que os alunos surdos tinham em média quatro anos de atraso
em comparação aos alunos ouvintes durante o método do oralismo. Tal
método perdurou até o final do século XX e não ensinou o surdo a falar
nem a escrever (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2001).
Conforme relato de Soares (1999), infere-se que no século XIX já
existia no Brasil o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSM), utilizando
o método gestual ou pelo menos o combinado (usavam-se gestos e
escrita para ensinar a falar). Conforme Sampaio (2007), no Brasil, em 26
de setembro de 1857, foi fundado o Instituto Nacional de Surdos-Mudos,
atual Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), que utilizava a
língua de sinais. De acordo com Soares (1999), o Instituto Nacional de
Surdos-Mudos (INSM,) no Rio de Janeiro, era frequentado por alunos
internos, cujo limite de vagas era cem e, dentre esses, alguns pagavam
e outros tinham direito a estudar gratuitamente.
Ainda de acordo com Soares, após o Congresso de Milão, houve
um empenho por parte dos responsáveis pela educação dos surdos
brasileiros pela adoção do método oral no Instituto. Um dos argumentos
principais da época foi que não se deveria ensinar ao surdo a escrita
porque o Brasil não era alfabetizado, sendo assim, se perderia tudo que
fosse ensinado ao surdo em termos de alfabetização, pois a sociedade
não era letrada e por isso não haveria continuidade de leitura pelos que
22 UNIDADE 01
Saiba Mais
24 UNIDADE 01
a sinalização de prefixos, que em português seria: igual – DESigual, o
“des” seria feito em datilologia e “igual” seria feito em sinal. O tempo
todo em que o professor dava aula ele o fazia falando e gesticulando ao
mesmo tempo. O problema é que o aluno surdo ou prestava atenção às
mãos ou prestava atenção à boca para ler os lábios e tentar descobrir o
que o professor estava falando. A soletração em datilologia consistia na
representação, ponto a ponto, das letras da escrita alfabética, bastante
usada na Grã-Bretanha e Estados Unidos, que se tornou parte da língua
de sinais. Por isso, a língua de sinais não é propriamente pura, existem
nela empréstimos linguísticos da língua oral, na qual usam-se palavras
com partes em datilologia para expressar algo.
De acordo com Capovilla (2001), a Comunicação Total ajudou na
melhor compreensão da língua oral, mas, com muitas limitações. A linha
do Centro de Pesquisas de Copenhague, em 1970, em que se filmava os
OBSERVAÇÃO
professores em aula falando e gesticulando ao mesmo tempo, permitiu
que se descobrisse que, naquele modelo, muitos sinais eram omitidos e se
Veja na introdução
a audição não era capaz de compreender a mensagem, concluiu-se que o significado de
as crianças estavam tendo acesso a uma amostra linguística incompleta datilologia.
e inconsistente de ambas as línguas. Concluindo, os alunos surdos não
aprendiam nem uma língua nem outra e isso, segundo Capovilla (2001),
os tornava hemilinguistas e não bilíngues.
Com o surgimento da língua de sinais natural - que melhor
contribuía para o desenvolvimento cognitivo e social do surdo - e com
a queda da Comunicação Total houve o surgimento da filosofia do
bilinguismo, no qual o surdo adquire o direito de utilizar a língua de sinais
como língua natural (CAPOVILLA, 2001).
O objetivo dessa filosofia é levar o aluno surdo a desenvolver as
habilidades, primeiro em língua de sinais e segundo na Língua majoritária
do país ao qual pertence: o português, no caso do Brasil. O intuito é
sinalizar fluentemente na língua de sinais e ler e escrever na língua
pátria, e o ideal é que nesta seja também fluente.
Apesar das limitações, foi o método da Comunicação Total que
possibilitou a língua de sinais ter o seu uso reconsiderado. A língua de sinais
resistiu e se desenvolveu conforme a comunidade surda crescia, assim,
ela era menos estigmatizada. Os sinais passaram a ser padronizados e
uma gramática rica começou a existir, independentemente da língua oral
oficial do País.
Segundo Capovilla (2001), o bilinguismo surgiu na Suécia,
primeiro país que reconheceu o surdo como minoria linguística com
26 UNIDADE 01
ensino da Libras e também da Língua Portuguesa, como segunda língua
para alunos surdos”. Isso quer dizer que todas as escolas que tenham
estudantes surdos devem providenciar o ensino de Libras como disciplina
obrigatória para o surdo e o ensino de português diferenciado, de forma
que a metodologia seja de acordo com o método de ensino de segunda
língua.
No caso de inserção do aluno surdo em sala regular de ensino,
o que muitos não têm atentado é que esse aluno não deve assistir às
aulas de português em turma de ouvintes, pois isso não garantirá o
respeito à particularidade da metodologia como segunda língua. Pensa-
se, ainda, que ao se expor o surdo às aulas de português desse modo
se está contemplando o surdo com um direito, que é o de ter acesso ao
ensino de português, no entanto, não é isso que acontece. A metodologia
em uma sala de ouvintes é centrada no método de ensino de língua
materna, trabalho em que já se pressupõe que muitos saberes já são do
domínio dos alunos. O ritmo de uma aula de ensino de língua materna
é completamente diferente do ritmo da aula de ensino de língua como
segunda língua.
Saiba Mais
Além dos trechos de leis discutidos neste livro, é importante que você
leia mais algumas outras leis que falam sobre inclusão educacional
da pessoa com deficiência. Essas leis são facilmente encontradas no
link:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=a
rticle&id=12716&Itemid=863 do Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Especial.
28 UNIDADE 01
ouvintes. Estas formam suas crenças a partir das suas experiências
pessoais com o mundo ouvinte, por motivação do ouvinte e a favor do
ouvinte. A partir desse entendimento, as pessoas têm construído sua
concepção de bilinguismo de modo equivocado. Não é necessário apenas,
como já foi apontado, possibilitar que o surdo possa se comunicar em
Libras. É preciso que ele amadureça um conhecimento em língua própria
para que possa aprender outras línguas. Skliar quer alertar com isto,
que não se pode usar a Libras para tentar normalizar o surdo, ou seja,
torná-lo igual ao ouvinte. A educação bilíngue deve reconhecer e aceitar
o surdo com suas especificidades e não tentar mudá-las.
O professor, especialmente o professor de língua portuguesa para
surdos, monolíngue não tem condições de trabalhar o bilinguismo já que
ele não conhece as especificidades da língua de sinais. Ele precisa ter
pelo menos uma formação para o ensino de segunda língua para surdo
e, caso não seja falante da Libras, faz-se necessário a presença de um
intérprete de Libras durante as suas aulas.
Skliar também alerta sobre a falta de suporte pedagógico, e
hoje ainda não há uma assessoria política educacional para orientar as
ações pedagógicas no ensino para surdos. De igual modo, a falta de
profissionais capacitados nessa área é muito grande no país.
Assim como Skliar (1999), Leite (2005) afirma que, no Brasil, ainda
são poucas as escolas que têm encaminhamento de educação bilíngue.
A prática da educação bilíngue exige uma estrutura educacional para a
qual o sistema ainda não está preparado.
Conforme Leite (2005) e Sampaio (2007) muitos professores de
surdos não dominam a língua de sinais e Sampaio chama a atenção para
o papel do professor de língua portuguesa. A autora afirma que este deve
ensinar o português como segunda língua e argumenta que, para isto,
é necessário que o professor seja fluente em libras e conheça bem as
estruturas tanto da língua de sinais quanto da língua portuguesa.
Para que haja uma educação bilíngue para surdo é preciso que
a língua de sinais seja aceita com o status de língua e com a mesma
função de qualquer outra língua; como manifestação de cultura e meio de
interação social, por exemplo. Porém, Leite (2005) afirma que em muitas
escolas a língua do surdo é tolerada e isso é diferente de ser respeitada
e aceita. Permitir que os alunos comuniquem-se em língua de sinais e
estabelecer uma comunicação básica com os surdos através da Libras
não é o mesmo que aceitá-la. Um professor que aceita a língua de sinais
enquanto uma língua diferente da sua e necessária para a interação com
30 UNIDADE 01
dos ouvintes, em direção à aceitação da cultura de um grupo minoritário
dentro do grupo maior: dos ouvintes, mudança de postura tanto de surdos
como de ouvintes frente a essa cultura, entre outras questões que serão
debatidas ao longo do livro. Também é preciso refletir que ao aceitar
esses sujeitos como membros da comunidade maior: Brasil, e se exigir
deles a condição de serem bilíngues, aceitando a Libras como outra
língua oficial do país, exige-se, então, que todos os brasileiros sejam
bilíngues: falantes de língua portuguesa e falantes de Libras. Essa ideia
pode assustar inicialmente, mas é perfeitamente possível e enobrecedora
de uma nação.
32 UNIDADE 01
as pessoas sejam iguais. Embora, segundo Félix (2008), os ouvintes
tendam a ver o grupo de surdos como homogêneo, eles são pessoas com
características individuais e com histórias de vida próprias. Eles podem
ser vistos como um grupo na medida em que possuem características
comuns, tais como as descritas acima.
O elemento principal que marca a identidade surda é a língua de
sinais, pois é com ela que ele se comunica cotidianamente e adquire
conhecimentos diversos. Santana (2007) afirma que a língua de sinais é
a base da identidade surda, por isso, esse direito deve ser resguardado.
Além de garantir ao surdo o direito ao uso da língua, é necessário,
conforme Fernandes (2003), que tendo reconhecida suaa língua natural,
haja espaços para o surdo aprimorar a habilidade enquanto falante da
própria língua. Esse espaço também é necessário para que os surdos
firmem suas identidades que, de acordo com Dizeu e Caparoli (2005),
acontece através da integração entre os surdos e sua cultura.
As interações, especificamente intermediadas pela linguagem, são
importantíssimas para o crescimento dos indivíduos enquanto sujeitos
individuais e sociais. Neste sentido, Vigotsky (1998, p. 38) afirma que os
34 UNIDADE 01
escolar utilizado nunca é questionado e o “ouvintismo”
é uma norma invisível através da qual tudo é medido e
julgado.
- Formas humanistas e liberais, nas quais se exagera
o papel da escola supondo-se que ela pode mudar
as desigualdades e criando-se assim uma opressão
etnocêntrica para aqueles que desejam a diferença ou
para aqueles que não podem alcançar essa hipotética
“igualdade”.
- Formas progressistas, que polemizam com a idéia de
igualdade e aceitam o conceito de diferença – porém, de
uma forma estática e pensada como uma essência; deste
modo, fala-se somente do surdo “verdadeiro”, do surdo
“militante”, do surdo “consciente” e ignora-se a história e
a cultura que dão o sustento político à diferença;
- Formas críticas, através das quais sublinha-se o papel
que desempenham a língua e as representações na
construção de significados e de identidades surdas. A
língua, neste contexto, não é um reflexo da realidade
ou um instrumento de comunicação, mas aquilo que
produz essa realidade. Nestas formas, se compreendem
as representações de raça, classe e gênero como o
resultado de lutas sociais sobre signos e significações, e
não como uma lógica natural que subjaze ao pensamento;
em síntese: a educação bilíngue, numa perspectiva
crítica, poderia transformar as relações sociais, culturais
e institucionais através das quais são geradas as
representações e significações hegemônicas/ouvintistas
sobre a surdez e sobre os surdos.
36 UNIDADE 01
Essa variação de identidade deve-se ao fato de os surdos nascerem
em famílias de ouvintes e terem tido vários tipos de atendimento com
relação a sua surdez. Os surdos que nasceram nas décadas de 1950, 60 e
70 são surdos que ainda sofreram com a repressão da sua língua e foram
fortemente influenciados a serem oralizados. Alguns poucos conseguiram
ter treinamento com fonoaudiólogo e serem oralizados; os pais desses
surdos tinham dinheiro e financiavam o tratamento no sudeste do país.
Mas, há alguns que passaram por esse tipo de experiência, mas não
conseguiram ser oralizados. Muitos outros não tiveram ou tiveram pouco
tempo de fonoterapia. Alguns surdos, por influência da família, mesmo SAIBA MAIS
sem serem oralizados, valorizam a cultura ouvinte e, consequentemente, A professora da
desvalorizam sua cultura e a si mesmo. Universidade
Em contrapartida, há casos de surdos que não são oralizados e Federal de Santa
Catarina Gladis
outros que são, mas, ao conhecer as comunidades surdas se identificam
Perlin é uma das
com elas, se assumem como surdos e se sentem felizes com isso. maiores autoridades
Na perspectiva da visão antropológica do sujeito, entende-se no assunto sobre
que o surdo tem direito a se desenvolver e crescer como sujeito social identidade surda no
detentor de deveres e direitos. Sendo assim, o foco sai da audição do Brasil, ela é surda,
mestre e doutora.
indivíduo, ao tempo em que se chama a sociedade a enxergar os surdos
como indivíduos atuantes, como parte e como criadores de sua história.
Ao reconhecer o surdo como dententor de identidade própria,
passa-se vê-lo como pertencente a um grupo social diferente, confere-
se ao surdo todos os direitos políticos e culturais da mesma forma que
são dados a qualquer outro cidadão do país. Portanto, a visão sobre o
enigma da surdez não é mais focada na audição e na produção da fala,
mas é visto de forma global.
Resumindo
Exercício Proposto
Fórum
38 UNIDADE 01
UNIDADE 02
A Língua de Sinais
OBJETIVO:
• Compreender os processos políticos de formação, estruturação e
aquisição da Libras.
A Língua de Sinais
A LÍNGUA DE SINAIS 41
comporta a dimensão de sistema em uso, de sistema
preso à realidade histórico-social do povo, brecha
por onde entra a heterogeneidade das pessoas e dos
grupos sociais, com suas individualidades, concepções,
histórias, interesses e pretensões. Uma língua que,
mesmo na condição de sistema, continua fazendo-se,
construindo-se.
42 UNIDADE 02
Entende-se como Língua Brasileira de Sinais (Libras) a
forma de comunicação e expressão, em que o sistema
lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura
gramatical própria, constitui um sistema lingüístico de
transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades
de pessoas surdas do Brasil.
A LÍNGUA DE SINAIS 43
modalidades sinalizada e oral. A Libras é produzida em forma de sinais,
enquanto a língua oral-auditiva é produzida com os sons. Portanto, os
canais de produção da Libras são as mãos e o corpo e a sua forma de
recepção é a visão. A língua oral-auditiva tem como canal de produção o
aparelho fonador e sua recepção é através da audição. Muitos ouvintes
quando estão começando a aprender Libras procuram associar os sinais
a algum tipo de som e à estrutura da língua oral, mas essa associação
não existe, conforme será melhor compreendido através do estudo da
estrutura fonológica e morfológica da Libras mais adiante. Fernandes
(2003) concorda afirmando que a forma de recepção da língua de sinais
é espaço-visual, enquanto da oral-auditiva é a audição. Fernandes se
refere a espaço-visual porque os sinais são feitos com as mãos em um
espaço à frente do tronco ou apoiado no tronco.
Continuando a comparação paralela entre língua oral-auditiva
e língua de sinais, a Fonologia, própria das línguas orais-auditivas, é
equivalente à Quirologia em Libras, enquanto a representação gráfica
da língua oral auditiva é a escrita alfabética, a representação gráfica
da língua de sinais é o sign writing (CAPOVILA, 2001; STUMPF, 2005),
que significa escrita de sinais. A escrita da língua oral-auditiva é a
representação dos sons da fala, embora não seja exatamente a mesma
estrutura. Na escrita de sinais é a representação dos sinais.
44 UNIDADE 02
fonológico, morfológico, sintático e semântico-pragmático (FERNANDES,
2003). Assim como assume sua função social, como se pode ver nos
exemplos demonstrados para variação em língua de sinais (figura 5).
Exemplos:
A LÍNGUA DE SINAIS 45
chamada aqui de oral corresponde à modalidade oral da língua oral-
auditiva em contraposição à escrita, enquanto o que se chama de sinalizada
corresponde à Libras gesticulada pelos surdos em contraposição à escrita
de sinais. A modalidade escrita da língua de sinais é mais conhecida como
sign writing e foi criada por Valerie Sutton, uma bailarina que desenhava
os passos da dança para representá-la na escrita (CAPOVILLA, 2001).
Sá (2000) faz uma retrospectiva histórica da trajetória do
surgimento da língua de sinais escrita no exterior e sua importação para
o Brasil. Sá afirma que em 1974 o sign writing foi criado por Valerie
Sutton, na Dinamarca, país em que foi registrada a criação da escrita de
sinais. Em 1977, foi realizado um workshop sobre sign writing; em 1978,
foram editadas as primeiras lições em vídeo; em 1979, Valerie Sutton e
a equipe do Instituto Técnico Nacional para Surdos de Rochester (NY)
fizeram alguns livretos, nos quais usaram ilustrações em sign writing e,
em 1980, Valerie Sutton apresentou uma forma de se analisar a língua
de sinais sem passar pela tradução da língua falada. Em 1996, a PUC do
RS, em Porto Alegre, formou um grupo de trabalho para pesquisas sobre
sign writing.
O sistema de escrita de sinais tem toda uma estrutura própria e
é muito diferente da escrita alfabética. A escrita de sinais representa a
imagem do sinal com todos os seus componentes.
Conforme Capovilla et al (2001, p. 1494),
46 UNIDADE 02
no sentido da economia do sistema porque este ainda é extenso.
A escrita de sinais pode colaborar com os estudos linguísticos
sobre a estrutura da Libras assim como em outros estudos, por exemplo,
os que envolvem entrevistas com surdos. Recentemente, foi desenvolvida
uma pesquisa na Universidade Federal da Paraíba por Edneia Alves,
Marie Batista e Regina Valentim, sob orientação da Profª Dra. Evangelina
Faria sobre as crenças dos surdos sobre a importância da Libras em
sua vida, mas, a transcrição das respostas precisou ser feita em escrita
alfabética porque ninguém na equipe sabia escrever em sign writing.
Essa foi uma alternativa encontrada pela equipe assim como tem sido
feito por muitos pesquisadores brasileiros, no entanto, é uma agressão à
língua de sinais. Pois, se essa língua tem uma representação escrita ela
deve ser usada sempre que se tratar de transcrição da sua modalidade
sinalizada. Além do mais, a escrita alfabética não é capaz de representar
toda a estrutura da Libras sinalizada.
De acordo com Stumpf (2005), a escrita de sinais é capaz de
registrar qualquer língua de sinais sem que seja necessária a tradução
dos sinais em escrita alfabética. Conforme Capovilla et al (2001), o sign
writing é capaz de transcrever as propriedades sublexicais das línguas
de sinais, fazer uma descrição detalhada dos quiremas em seus aspectos
fundamentais.
No decorrer do desenvolvimento da escrita de sinais foram
testadas várias formas de escrevê-la. A leitura da escrita de sinais não é
feita linearmente da esquerda para a direita como é feita pelos leitores
de língua oral. Segundo Stumpf (2005), o texto em escrita de sinais é
produzido em colunas, começando pela coluna da esquerda.
Deste modo, de acordo com a explicação de Stumpf (2005, p. 53)
e exposto na figura 6,
A LÍNGUA DE SINAIS 47
Figura 6 fonte: Stumpf (2005)
48 UNIDADE 02
Figura 7 fonte: Stumpf (2005)
A LÍNGUA DE SINAIS 49
Uma tradução possível para este texto, a partir da transcrição em
escrita alfabética, seria a seguinte:
Tema da história: “O cavalo no jardim”. O cavalo sai andando
lentamente, anda para um lado e se sente livre, anda de lado com a
cabeça de lado. Então, vê uma vaca, a vaca olha de lado e abre e fecha
a boca. O cavalo também vê um passarinho na cerca. O passarinho
continua na cerca, então o cavalo continua andando lentamente, anda
saltitando e fica na dúvida se consegue pular. O cavalo olha pro lado,
fecha os olhos e pula alto. Ele salta, se atropela e cai bem em cima do
pau da cerca. Caiu, quebrou o pau e a cerca.
Esses dados estão aqui expostos apenas como ilustração porque
esse assunto está longe de se esgotar, foi feito assim como forma de
reconhecer a importância da escrita de sinais.
A seguir será feita uma explanação básica a respeito da estrutura
da língua de sinais e todos os exemplos serão expostos baseados na
língua sinalizada, embora sejam mantidas as representações escritas de
sinais nas figuras apresentadas, sempre que possível.
50 UNIDADE 02
exposição feita nesta parte partirá da fonologia até a morfologia, ou seja,
será apresentada a unidade mínima e em seguida serão explicitadas as
possibilidades de combinação para se chegar a um significado.
Neste subcapítulo todos os aspectos fonológicos serão explicados
levando em consideração a possibilidade de se ter o componente
morfológico em cada exemplo. Assim, cada parâmetro que sozinho não
tem significado será explanado de forma que se possa enxergá-lo dentro
de um sinal, que é a parte com significado.
A LÍNGUA DE SINAIS 51
Por exemplo, a palavra ‘’pouco’’ (CM + PA – espaço neutro; Figura
9).
Nesse sinal, é preciso apenas ter uma configuração de mão,
na qual dois dedos são postos paralelamente e parada. É necessário
colocar a mão com a Configuração de Mão em frente ao corpo. Como ela
não toca nenhuma parte do corpo, o Ponto de Articulação é considerado
espaço neutro, conforme pode ser verificado a seguir:
52 UNIDADE 02
Figura 10
Figura 11
Figura 11.1
A LÍNGUA DE SINAIS 53
Figura 12. Fonte: http://www.feneis.org.br/page/libras_alfabeto.asp#feneis
Movimento (M)
54 UNIDADE 02
Ainda há o movimento repetido, ou seja, quando o mesmo movimento
acontece repetidamente, este dá a ideia de continuidade que em geral
está ligada à ação. Uma mesma configuração e um mesmo ponto de
articulação, mas com movimentos diferentes podem gerar significados
diferentes. Um exemplo parecido é como acontece com os sinais ‘’legal’’
e ‘’avaliação’’ (figura 13 e figura 13.1). O sinal legal tem a configuração de
mão com o dedo polegar esticado para cima e os demais dedos da mão
fechados, no ponto de articulação há espaço neutro e sem movimento.
O sinal avaliação tem a mesma configuração de mão e o mesmo ponto
de articulação, mas o movimento muda: passa a ter movimento repetido
para baixo e para cima.
Figura 13
A LÍNGUA DE SINAIS 55
Figura 14
Fonte Capovilla e Raphael, 2001
Figura 15
Fonte Capovilla e Raphael, 2001
Figura 16
Fonte Capovilla e Raphael, 2001
Figura 17
Fonte Capovilla e Raphael, 2001
Figura 18
Fonte Capovilla e Raphael, 2001
56 UNIDADE 02
Figura 19
Fonte Capovilla e Raphael, 2001
Figura 20
Fonte Capovilla e Raphael, 2001
Orientação (Or)
Figura 21
Fonte Capovilla e Raphael, 2001
Figura 21.1
Fonte Capovilla e Raphael, 2001
A LÍNGUA DE SINAIS 57
Expressões Não Manuais (ENM)
58 UNIDADE 02
‘’sério’’ - figura 27.
‘’desespero’’ - figura 26.
Fonte:www.acessobrasil.
Fonte:www.acessobrasil.org.br/libras
org.br/libras
A LÍNGUA DE SINAIS 59
Quantificação
Saiba Mais
Frase 1 (figura 29, fonte Capovilla e Raphael, 2001): na fila tem quatro pessoas.
Libras: "fila pessoa quatro".
60 UNIDADE 02
é necessário em língua portugueso é preciso em Libras; ao falar de ‘’fila’’
já se subentende que existem pessoas, então, deduz-se que há quatro
pessoas na fila. Muitas vezes, o contexto é utilizado para compreensão
dos enunciados em Libras. Por exemplo, em Libras, a palavra pessoa
vir antecedida à quantidade deve-se ao fato de ser comum o uso dessa
inversão. Mas, também há o caso de topicalização em Libras. Se para
o interlocutor o importante é enfatizar a palavra ‘’quatro’’, a frase fica
organizada em Libras na seguinte ordem: quatro- pessoa- fila, que seria
uma ordem mais próxima da ordem do português.
É com relação a essa ordem que se deve ter cuidado, pois
muitas pessoas aprendem alguns sinais em Libras e acredita que já
pode comunicar-se fluentemente em Libras ou até mesmo ser intérprete
de Libras. Entretanto, essas pessoas muitas vezes fazem o português
sinalizado e não sinaliza em Libras propriamente. É comum iniciantes
ordenarem os vocábulos da Libras de acordo a ordem do português, até
porque a tendência de todo aprendiz é procurar semelhança entre o novo
e o já conhecido. Quanto a isso não há preocupação, só existe problema
quando um iniciante acha que pode ser intérprete, pois esta função tem
um papel social muito importante no sentido da aceitação do surdo na
comunidade ouvinte.
Mas, voltando ao caso da estrutura da Libras, veja:
A LÍNGUA DE SINAIS 61
O pronome ‘’eu’’ em geral é omitido, mas ele foi posto porque aqui
não há um contexto situacional concreto, como é o caso muitas vezes na
comunicação com o surdo. Quando se inicia uma conversa com o surdo
em Libras, define-se a pessoa sobre quem se está falando, depois, nos
demais turnos da fala (enunciados falados), não se repete a pessoa,
mesmo com a utilização de pronome. Em português, a pessoa no discurso
depois de definida é retomada através do uso de pronomes referentes a
ela ou através de omissão. Em Libras não há muitas retomadas.
A palavra ‘’fila’’, tanto nesse exemplo como no outro, aparece
primeiro porque o tema central é fila. Em Libras, o início da conversa
geralmente acontece utilizando o sinal que indica o tema da conversa.
Como houve a intenção de indicar a pessoa sobre quem se fala, logo em
seguida aparece o pronome eu para depois aparecer a posição que esse
sujeito assume na fila.
Quanto ao verbo ‘’estou’’, ele não aparece porque em Libras não
existem os verbos estar e ser. Quanto à flexão de gênero - se terceiro ou
terceira - em Libras também não existe, assim como não há preposições. A
palavra ‘’lugar’’ em Libras não aparece porque não existe a necessidade,
quando se usam os ordinais já fica subentendido que se está falando de
posição.
Os ordinais referentes a primeiro, segundo e terceiro, quando se
trata de vezes, são feitos de forma diferente de quando se está falando
de posição. Assim, “Ele é o primeiro colocado” é diferente de dizer “fez a
primeira vez”. Veja o termo ‘’primeiro’’ na figura 31. Sempre que se falar
que alguma coisa foi feita de uma a três vezes, mas, que traga o sentido
de ordem e não de quantidade será feito como se vê em: primeira vez
(figura 32), segunda vez (figura 33) e terceira vez (figura 34),
Figura 31 - "primeiro"
Fonte Capovilla e Raphael, 2001
62 UNIDADE 02
Figura 32 - "primeira vez"
Fonte Capovilla e Raphael, 2001
A LÍNGUA DE SINAIS 63
Nessa frase, o pronome aparece primeiro, porque o exemplo sendo
visto isoladamente, dá a ideia de que uma conversa está sendo iniciada
e a ordem das palavras está numa forma como se o locutor tivesse a
intenção de enfatizar o sujeito da ação: ele. Nesse contexto, aparece
primeiro o pronome e depois do verbo aparece ‘’duas vezes’’, que tem
a ideia de quantidade. Quando se imagina uma pessoa indo para a fila,
saindo e indo novamente, pensa-se numa ação repetida. Assim, a ação
de ir teve a quantidade de duas vezes. Também é usado o sinal “duas
vezes” por haver a intenção de enfatizar a quantidade, caso contrário,
apenas repetiria o verbo.
Na Libras, a preposição novamente não aparece, porque não existe
nessa língua. Existem alguns surdos que criaram um sinal à preposição
‘’para’’, mas isso ocorreu por influência de alguns ouvintes falantes de
Libras. Algumas pessoas pensam que criar sinais correspondentes para
algumas palavras da língua portuguesa é correto, mas, na verdade, o
que acontece é um desrespeito à autonomia da Libras. Os surdos quando
conversam com outros surdos não utilizam o recurso ‘’para’’ porque
não há necessidade, mesmo sem a preposição ele consegue se fazer
compreender muito bem. A necessidade na verdade é do ouvinte, cuja
estrutura de língua oral sempre há o uso de preposições.
64 UNIDADE 02
Na frase 4, o exemplo demonstra o uso do cardinal no lugar do
ordinal, que por sua vez pode ser feito assim porque é um número maior
que nove, conforme foi explicado anteriormente.
Advérbio
A LÍNGUA DE SINAIS 65
Frase 7 (figura 40, fonte Capovilla e Raphael, 2001):
O menino estuda muito.
Libras: "menino estudar-muito".
66 UNIDADE 02
Frase 9 (figura 41.1):
O menino está muito nervoso
Libras: "menino nervoso-muito".
A LÍNGUA DE SINAIS 67
A intensificação em Libras pode ser feita através da repetição do
sinal ou através da expressão facial ou dos dois. Em geral, quando se
trata de sentimento o recurso utilizado é a expressão facial e quando se
trata de ação o recurso mais utilizado é a repetição.
Verbos
68 UNIDADE 02
Na frase 13 (figura 45), o tempo é marcado pelo sinal passado.
Como se pode observar na frase transcrita em código alfabético, o sinal
passado normalmente aparece antes do verbo, mas essa não é uma
regra irredutível. O sinal passado também pode aparecer depois do verbo.
Geralmente, em início de conversa, há a preocupação de marcar o tempo
do verbo, principalmente quando se vai narrar uma história. Neste caso,
o sinal passado aparece logo antes da oração e depois não aparece
mais, assim, o interlocutor precisa ficar atento ao início da narrativa para
saber em qual tempo o caso é contado.
O sinal passado indica que a ação foi realizada em um passado
que não se sabe qual ou não se quer dizer exatamente qual é.
Diferentemente do que se pode observar na frase 14 (figura 46), neste
caso há a marcação do tempo exato, que foi num dia anterior que se
estudou. Como o sinal ‘ontem’ já se subentende que é passado, então,
não é necessário acrescentar o sinal passado. O sinal ‘ontem’ aparece
na maioria das vezes no início da oração, da mesma forma acontece com
o sinal amanhã conforme se pode ver na frase 15.
A LÍNGUA DE SINAIS 69
16 (figura 48, fonte Capovilla e Raphael, 2001):
Eu estudarei.
Libras: "futuro eu estudar".
70 UNIDADE 02
Outra classificação que Brito oferece para o verbo é o durativo,
embora a nomenclatura seja parecida com continuativo eles são
diferentes. O verbo durativo é marcado pela ação sem interrupção, mas,
sem demarcar repetição. É uma ação que começa e demora a cessar,
como se pode ver no exemplo da frase 18 (figura 50). Na figura vê-se
uma seta mais comprida, é para indicar a durabilidade do sinal e não
para a pessoa esticar o braço sem parar.
A LÍNGUA DE SINAIS 71
Os verbos direcionais são os verbos que fazem movimento para
frente, para trás ou para um dos lados para ter a significação da ação que
se quer expressar. Os verbos direcionais são muito fáceis de aprender:
o verbo ir - exposto na frase 20 - e o verbo vir - na frase 21. O verbo ir é
feito com a configuração de mão “um” e com o movimento retilíneo que
sai de um ponto x para um ponto y. Esses pontos variam de acordo com
a pessoa com quem ele concorda e com o seu complemento, que pode
ser uma pessoa ou um lugar.
No exemplo da frase 20, os referenciais são pessoas: professor
e aluno. Note que o ponto inicial é professor (tem função de sujeito na
oração) e o ponto final é aluno (tem função de objeto na oração). Quando
os referenciais mudam, mudam-se os pontos iniciais e finais.
72 UNIDADE 02
O verbo interativo tem o sentido de ação que não cessa e para
expressar essa ação o movimento do verbo é repetido quase sem parar.
Conforme frase 22, a ação cotidiana do professor é ensinar, então,
essa não é uma ação que pode ser cometida e acabada em princípio. A
repetição indica ênfase na ação.
Então, como se pode ver, a Libras não tem mistério. Para aprendê-
la deve-se fazer a associação entre a imagem dos objetos e as ações;
deve-se desenvolver bem a compreensão dos conceitos das palavras
e buscar associação com a semântica dos sinais. Isso pode ajudar a
aumentar o acervo vocabular; é, assim, mais eficaz que a busca da
associação com as palavras em português.
A LÍNGUA DE SINAIS 73
modais e os tipos de negação.
Orações
74 UNIDADE 02
Frase 24 (figura 56, fonte Capovilla e Raphael, 2001):
Ocorrência: OSV
Libras: "livro menino guardar"
A LÍNGUA DE SINAIS 75
Embora a ocorrência da frase 25 pareça esdrúxula, ela é
completamente possível em Libras porque o surdo utiliza-se de ENM
para completar o sentido da frase. Como ela não é feita mecanicamente,
passa a ter um sentido completo em Libras. Nos casos das frases 24 e
25, justifica-se a inversão da ordem através do recurso de topicalização.
Se é pretendido chamar a atenção para o Objeto Direto, então, ele é
atraído para o início da oração (frase 24), mas, se a intenção é chamar a
atenção para a ação, coloca-se o verbo no início da oração.
De acordo com o que já foi apresentado sobre estrutura da Libras,
percebe-se que há muita inversão da ordem das orações, isso acontece
porque o recurso da topicalização é bastante utilizado em Libras.
Modais
76 UNIDADE 02
Nesse exemplo, a informação indica que não há certeza da escola
estar sendo boa, mas existe a possibilidade. Ou a escola não é boa, mas,
pode vir a ser.
O modal deôntico acrescenta um sentido de obrigatoriedade ou
permissão, os modais têm subjacente o significado de norma. Na frase
27, se está afirmando que a ação não pode deixar de ser feita em algum
momento, mas deixando a possibilidade de não acontecer.
Tipos de negação:
A LÍNGUA DE SINAIS 77
Frase 28 (figura 60, fonte Capovilla e Raphael, 2001):
O menino não come o lanche.
Libras:"menino lanche comer não"
78 UNIDADE 02
Frase 30 (figura 62, fonte Capovilla e Raphael, 2001):
O menino não gosta de estudar.
LIbras: "menino estudar gostar-não"
A LÍNGUA DE SINAIS 79
Frase 32 (figura 64, fonte Capovilla e Raphael, 2001):
O menino aprende
Libras: "menino aprende"
80 UNIDADE 02
Frase 34 (figura 66, fonte Capovilla e Raphael, 2001):
O menino nunca aprende.
LIbras: "menino aprender nunca"
A LÍNGUA DE SINAIS 81
Com base nesses exemplos vistos, percebe-se que a escolha
por um tipo ou forma de negação depende do contexto e do sentido
pretendido para a oração.
82 UNIDADE 02
das pessoas, pois, segundo Vigotsky (1998), a palavra por ser carregada
de sentido exige que o sujeito realize as operações mentais para
compreendê-la, assim como para compreender as motivações de uso
dela. Por isso, a produção da fala, interpretada aqui como comunicação, é
importante para as operações cognitivas porque controla o comportamento
(VIGOTSKY, 1998). Nessa mesma linha de pensamento, Sacks (1998)
comenta que algumas pesquisas mostram que a aquisição ou não de
uma língua influencia na divisão hemisférica, ou seja, na distribuição de
certas funções dos hemisférios cerebrais. Os estudos de Piaget (1975)
corroboram com a defesa de que a língua influi no desenvolvimento
cognitivo, pois ele diz que o desenvolvimento intelectual está atrelado
ao processo de assimilação e, de forma indispensável, à acomodação.
Além disso, que “a linguagem é condição necessária à realização das
estruturas lógicas” (PIAGET, 1973, p.63).
A relação entre língua e cognição se estabelece nas operações
cognitivas mediadas pela linguagem. Tomasello (2003) afirma que
o processo de aquisição da linguagem, chamado de internalização,
transforma principalmente a natureza das representações cognitivas da
criança. Tomasello (p. 11) diz que
A LÍNGUA DE SINAIS 83
A aquisição da língua espaço-visual ocorre naturalmente, da
mesma forma que a aquisição da língua oral-auditiva acontece para os
ouvintes. A aquisição da língua de sinais para os surdos acontece de
forma natural e “a aquisição da gramática da língua de sinais ocorre de
um modo muito semelhante a da gramática da fala, e mais ou menos na
mesma idade” (SACKS, 1998, p.133).
Para Sá (2000), a relação entre os surdos e a língua de sinais
ocorre da mesma forma que acontece a relação entre a língua oral-
auditiva e o ouvinte, eles não têm consciência do uso das estruturas
gramaticais da língua, mas as usam corretamente. Essa capacidade de
internalizar a língua de sinais e suas estruturas gramaticais, semânticas
e pragmáticas o surdo tem, desde que ele tenha oportunidade de interagir
em sua língua para apropriar-se dela.
Defender a Libras como primeira língua do surdo também é uma
forma de tutelar o direito de pensar autonomamente, de interagir com
consciência de seu papel social e de permitir-lhe impor-se na sociedade
como ser diferente.
Diante de tamanha responsabilidade da língua sobre o
desenvolvimento do surdo, é importante que a língua seja adquirida nos
primeiros anos de vida. Santana (2007, 53) afirma:
84 UNIDADE 02
Surdo que fala uma língua minoritária. [...] A língua de
sinais deve ser adquirida nos primeiros anos de vida com
modelos surdos.
A LÍNGUA DE SINAIS 85
aprender uma Língua até os 12 anos de idade, pois, após essa fase,
ela tem seu processo de aquisição da língua e seu desenvolvimento
cognitivo comprometidos, uma vez que a língua tem papel fundamental
nesse processo. Mas, não se pode esquecer que a língua de sinais é
essencial para a pessoa humana que é o surdo, ela é indispensável,
portanto, ela deve ser adquirida mesmo que tardiamente. Santana (2007,
64) diz que: “A aquisição de uma língua não é impossível durante a fase
adulta, porém, enquanto as crianças têm grande proficiência, os adultos
nem sempre”.
Ainda há muitos surdos pelo país que não têm Libras, por isso, os
esforços precisam ser duplos: um para garantir que as crianças surdas
adquiram o quanto antes a Libras e o outro deve ser direcionado para
aqueles surdos que não têm Libras. É preciso a possibilidade de se
fazer um mapeamento dos surdos que não têm Libras no país para criar
um programa de ensino de Libras para ele e sua família. A indicação
de idade crítica de Fernandes possibilita trabalhar com a realidade do
processo de aquisição de linguagem do surdo que tem acesso a Libras
desde pequeno.
Além da necessidade de aprendizagem da Libras sinalizada, é
necessário que o surdo aprenda a Libras escrita. Se, no caso do ouvinte,
aprender a escrita de sua língua é um caso de direito enquanto cidadão,
no caso do surdo além de ser um fator de cidadania é um caso de
respeito à sua língua. Além desses argumentos, é necessário entender
como acontece o processo de desenvolvimento do conhecimento
metalinguístico dos sujeitos. As crianças ouvintes ao chegarem à escola
já falam sua língua materna e ali ela vai aprender a pensar sua língua
metalinguisticamente. Esse é um processo lento e difícil. Porém, essa
dificuldade é ainda maior para a criança surda, não pelo fator capacidade,
mas pelo modo como vem sendo imposto o letramento ao surdo. O surdo
ao chegar à escola não conhece nada da língua portuguesa, essa é
completamente estranha para ele.
Para justificar a necessidade do conhecimento metalingüístico,
Stumpf (2005, 99) afirma:
86 UNIDADE 02
para poder realizar essa tarefa é necessário avaliar
os significados precisos dos termos e das relações
gramaticais entre eles para poder compreender ou
escrever textos. [...] Assim como a escrita de língua de
sinais não tem ainda reconhecimento formal na educação
dos surdos, também a língua de sinais tem muito pouco
espaço nos currículos das escolas e classes especiais.
A escrita visual direta da língua de sinais pode levar ao
bilingüismo pleno. Enquanto isso, pelas dificuldades de
ensinar que apresenta e a necessidade que representa
como instrumento de inserção social, o português escrito
poderá contar com um referencial lingüístico consistente
na L1 (Libras) que possibilitará trabalhar a L2 (português
escrito) com propriedade.
A LÍNGUA DE SINAIS 87
bilinguismo, então, por que não valorizar a escrita de sinais?
Adotar uma política e uma metodologia do bilinguismo não pode
significar impor ao surdo o conhecimento da Libras e da língua portuguesa;
é preciso mexer com toda a estrutura educacional em prol disso. Já está
em tempo de rever qual educação bilíngue está sendo oferecida ao
surdo. Parece lógico que o princípio seja o respeito mútuo das línguas:
do ouvinte e do surdo. Sendo assim, ambos precisam aprender as duas
modalidades linguística: sinalizada e escrita.
Resumindo
Exercício Proposto
Fórum
88 UNIDADE 02
UNIDADE 03
A comunicação e a
aprendizagem por
meio da Libras
OBJETIVO:
• Compreender as formas de comunicação que o surdo pode
disponibilizar para estabelecer comunicação com outros surdos e com
ouvintes.
A comunicação e a
aprendizagem por meio
da Libras
92 UNIDADE 03
7) Acordos em níveis profissionais devem ter remuneração
de acordo com a tabela de cada estado, aprovada pela
FENEIS;
8) O intérprete jamais deve encorajar pessoas surdas a
buscarem decisões legais ou outras em seu favor;
9) O intérprete deve considerar os diversos níveis da
Língua Brasileira de Sinais;
9) Em casos legais, o intérprete deve informar à
autoridade quando o nível de comunicação da pessoa
surda envolvida é tal, que a interpretação literal não é
possível e o intérprete, então, terá de parafrasear de
modo crasso o que se está dizendo para a pessoa surda
e o que ela está dizendo à autoridade;
10) O intérprete deve se esforçar para reconhecer os
vários tipos de assistência necessitados pelo surdo
e fazer o melhor para atender as suas necessidades
particulares;
11) Reconhecendo a necessidade para o seu
desenvolvimento profissional, o intérprete deve se
agrupar com colegas profissionais com o propósito
de dividir novos conhecimentos e desenvolvimentos,
procurar compreender as implicações da surdez e as
necessidades particulares da pessoa surda alargando
sua educação e conhecimento da vida, e desenvolver
suas capacidades expressivas e receptivas em
interpretação e tradução;
12) O intérprete deve procurar manter a dignidade, o
respeito e a pureza da Língua de Sinais. E também deve
estar pronto para aprender e aceitar sinais novos, se isto
for necessário para o entendimento;
13) O intérprete deve esclarecer o público no que diz
respeito ao surdo, sempre que possível, reconhecendo
que muitos equívocos (má informação) têm surgido por
causa da falta de conhecimento do público na área da
surdez e comunicação com o surdo. (FENEIS, sd).
94 UNIDADE 03
do surdo, pois é uma forma de respeito ao direito à comunicação em
Libras, para assegurar-lhe o direito à inclusão social.
Devido à dependência que o surdo tem do intérprete em situações
de comunicação com o ouvinte não falante de Libras, alguns surdos e
alguns intérpretes têm confundido a delimitação de papéis. No caso
do surdo, a amizade com um intérprete não pode ser confundida com
a garantia de se ter assegurada a comunicação com o ouvinte. Nos
casos em que o intérprete esteja a seu dispor para resolver todos os
seus problemas, este não pode achar que deve mesmo estar sempre a
dispor do surdo porque ele não tem outra pessoa com quem contar para
resolver seus problemas. Surdos e intérpretes precisam compreender
que o contato profissional e pessoal são diferentes, ninguém quer ter
uma relação parasitológica com outra pessoa e a relação com o surdo
não deve ser assim. Tampouco o intérprete deve manter uma relação com
o surdo com o interesse de garantir seu espaço de atuação profissional,
essa garantia deve ser adquirida naturalmente.
Conflitos como esses existem porque não há uma ação política
eficaz que intervenha de forma que garanta ao surdo a presença de
intérprete em todos os setores do serviço social, assim como não há
consciência nem compromisso do setor privado.
A função do intérprete não pode se reduzir ao assistencialismo.
O intérprete deve cumprir seu compromisso em traduzir/interpretar as
informações fidedignamente, respeitando todos os princípios éticos.
Quanto ao crescimento do surdo, este o adquirirá naturalmente e através
do processo educativo; não é papel do intérprete educar o surdo, essa é
uma função da família e da escola. O surdo conta com o intérprete para,
na mediação da comunicação, poder ter a oportunidade de construir e
reconstruir significados juntamente com o outro, no caso o ouvinte. Por
isso, e nessa perspectiva, é importante uma tradução correta, idônea
e compromissada. Essa contribuição já é imensa e extremamente
importante, mas, se o intérprete é inquieto e tem uma predisposição à
filantropia a comunidade surda agradece pelos seus serviços voluntários.
A partir de uma visão idealizada, na escola a função do intérprete
é a mesma: mediar comunicação entre surdos e ouvintes. O que
diferencia esse local de outros é o fato de o intérprete precisar ter maior
conhecimento de termos da área de educação.
Na escola, a Libras é o meio de comunicação em dois tipos de
situação de ensino ao surdo: em escolas regulares que têm surdos
matriculados e em escolas ou salas de aula específicas para surdos.
96 UNIDADE 03
salas de aula regular não acontece apenas dentro de sala de aula. Na
maioria das vezes, pensa-se que o surdo só precisa de intérprete na sala
de aula, mas isso é engano. Ele circula por todos os espaços da escola,
por isso ele precisa se comunicar com os professores, com os colegas,
com a direção e a coordenação, com o pessoal da limpeza e com os
demais profissionais que ocupam os espaços que haja na escola.
Damázio (2007, p. 50) esclarece que,
98 UNIDADE 03
Em casos como esses, professores e alunos surdos precisam
buscar alternativas para conseguir uma comunicação mínima; porém, a
falta de comunicação efetiva provoca a queda do nível de aproveitamento
dos conteúdos escolares aos quais os surdos estão expostos. Para que
haja inclusão de fato, são necessárias tomadas de medidas a fim de que
haja profissionais realmente preparados para trabalhar com esse tipo de
aluno – a comunicação é apenas a primeira de todas as medidas.
100 UNIDADE 03
surdez é complexa e não se podem
formar profissionais sem as noções
básicas acerca das complexidades da
educação de surdos.
Diante dessa realidade e da
necessidade da noção de comunicação
com o surdo em sala de aula, neste
subitem a intenção é apresentar
algumas frases e vocábulos em Libras
pertencentes ao contexto escolar, para Situação 1 - Crianças vão à escola (figura 68)
que o aluno tenha a noção da prática
de construções frasais e conhecimento de sinais em Libras.
Para esta apresentação, as frases serão criadas a partir de uma
figura e escritas no código alfabético, mas de acordo com a sintaxe da
Libras. Sendo assim, não haverá mais frases escritas em português
propriamente dito, pois compreende-se que a noção de construção de
frases na ordem sintática da Libras já foi trabalhada na unidade anterior.
Após a figura principal é exposta uma lista de sinais.
102 UNIDADE 03
Mochila dentro caderno lápis borracha (figura 68.3)
104 UNIDADE 03
Segunda-feira (figura 68.10)
106 UNIDADE 03
Ontem (figura 68.18)
108 UNIDADE 03
Grampeador (figura 68.26)
110 UNIDADE 03
Professor ensinar português Libras (figura 69.1)
112 UNIDADE 03
Banheiro (figura 69.7)
114 UNIDADE 03
Copiar (figura 69.15)
116 UNIDADE 03
Menino menina sentar escola (figura 70.1)
118 UNIDADE 03
Palavra (figura 70.6)
120 UNIDADE 03
Ano passado (figura 70.14)
Exercício Proposto
Fórum
122 UNIDADE 03
UNIDADE 04
O ensino de língua
portuguesa para
surdos e a narrativa
em Libras
OBJETIVO:
• Compreender os fatores que envolvem o ensino de língua portuguesa
para surdos e a importância da literatura infantil para o letramento dos
surdos em língua portuguesa.
A O ensino de
língua portuguesa
para surdos
e a narrativa em Libras
126 UNIDADE 04
Este último ponto tem sido bastante discutido em algumas cidades,
pois os surdos que terminam o ensino médio têm participado de processos
seletivos como: vestibulares e concursos, mas não têm conseguido ser
aprovados porque não sabem ler proficientemente. A questão é que o
surdo tem sido vítima do sistema. Hoje, já se assume que a falha no
aprendizado do português pelo aluno surdo está na metodologia e não
no aluno, embora muitos professores ainda assumam o discurso de que
o surdo não aprende português. Todavia, esse sujeito não tem culpa de
não saber ler e escrever com eficiência. Mesmo aqueles que têm uma
certa autonomia na procura de conhecimentos através dos estudos e são
dedicados e esforçados não conseguem adquirir habilidade de leitura e
interpretação suficiente para serem aprovados em processos seletivos.
Ao reconhecer a falha no sistema, as pessoas que lutam pelos
direitos dos surdos defendem que eles têm direito à prova traduzida para
Libras, é nessa perspectiva que o decreto prevê adaptação em provas
para surdos.
O ensino instrumental é previsto no decreto, mas, se esse trabalho
existe, ainda não está sendo divulgado. O ensino instrumental significa
ensinar utilizando textos que são da área de atuação profissional do surdo
ou que sejam aqueles que são utilizados na escola para aprendizagem
de outros conteúdos que não sejam língua portuguesa.
Potencial para aprender outra língua o surdo tem e alguns casos
raros existem, como o de Stumpf, autora citada neste trabalho e o caso
dado como exemplo por Freire (1999, p. 40):
128 UNIDADE 04
cristalizadas, não analisam as palavras e falham nas
análises morfológicas internas. Eles produzem palavras
em contextos nos quais uma análise seria necessária.
Também fazem manutenção de formas holísticas e
supergeneralização de formas linguísticas. Já os sujeitos
FN (falantes nativos) cometem erro predominantemente
componenciais, nos quais parte das estruturas é
produzida onde há combinação de morfemas e
generalização de várias regras.
130 UNIDADE 04
sendo um fazer excludente. Aliado a uma metodologia mediadora do
alcance do surdo das produções textuais, o ensino de língua portuguesa
deve cumprir seu papel de incluir. Dessa forma, Antunes (2009, p. 43)
sugere algumas formas de se fazer uma pedagogia inclusiva dentro de
sala de aula e através do ensino de língua:
132 UNIDADE 04
essa frase não aprendeu regência verbal. Boa parte dos problemas de
falta de preposição na escrita do surdo seria solucionada com o ensino
da regência verbal.
Em uma pesquisa em que se averiguou sobre o nível de escrita de
surdos que estudaram graduação com metodologia bilíngue, Svartholm
(1999, p. 20) encontrou indicações mostrando que
134 UNIDADE 04
sociocognitivo e de conhecimento de mundo.
A prática da leitura representa para o aluno surdo um mecanismo
para explorar o mundo, adentrar num mundo que não se limite ao
universo restrito do grupo de amigos e familiar, um mecanismo para
garantir: informação, formação profissional, prazer, desenvolvimento
sociointeracionista e para descobrir a si mesmo através da leitura.
É importante entender os diversos fatores que são fundamentais
para o bom desempenho da atividade docente, principalmente na
área de ensino de língua portuguesa. É vital compreender que ensinar
língua não é ensinar metalinguagem; que leitura não é uma atividade
de decodificação dos termos desconhecidos, nem uma atividade de
preenchimento de tempo porque o professor não preparou alguma aula.
É importante compreender a língua como um código linguístico
comum em uma determinada sociedade, para expressão de pensamentos,
sentimentos, ideias e que nela estão impregnados valores socioculturais.
Quanto à forma de trabalhar com ela em sala de aula, é requerido do
professor mais cuidado com sua postura, pois o professor não pode
deixar parecer que sua função é julgar a competência do aluno enquanto
usuário da língua. Essa postura carrega a cultura de que uma pessoa só
é pensante à medida que pode se comunicar, dessa forma um sujeito é
considerado tão inteligente quanto melhor ele desenvolva seu discurso.
Como o uso da língua está ligado à capacidade cognitiva, o
professor deve assumir a responsabilidade de levar o aluno a entender
que sua função é de ajudá-lo a compreender a língua nas diversas
instâncias de uso. Para isso, é preciso que o professor compreenda a
função da linguagem na concepção de Chiarottino (apud OLIVEIRA,
1999, p. 75).
136 UNIDADE 04
operar com o heterogêneo e organizar é saber distinguir, por comparação,
o igual e o diferente.” E de acordo com Ferrara (1986, p. 15) com relação
ao texto não-verbal: “texto não-verbal é uma linguagem sem código” e
mais adiante (p. 24) “imagens e sensações despertam a memória das
nossas experiências sensíveis e culturais, individuais e coletivas, de
modo que toda nossa vivência passada e conservada na memória seja
acionada”, pois, será o texto não-verbal um ponto de partida para o
desenvolvimento da habilidade de interpretação dos textos.
É preciso a mesma atenção com relação à produção da escrita,
porque ela está ligada diretamente à leitura; um bom leitor tem melhor
chance de produzir um bom texto. Sendo assim, é interessante a
concepção de Faraco e Tezza (1992, p. 101): “Saber ler e escrever é,
portanto, muito mais que dominar uma técnica ou um sistema de sinais: é
agir sobre o mundo e defender-se dele, sempre em situações específicas
e concretas, intencionalmente construídas e com objetivos claros”.
A partir dessas concepções, a leitura pode ser trabalhada numa
perspectiva longe da mera decodificação de palavras. Conforme Kleiman
(1998, p. 16), “os livros didáticos estão cheios de exemplos em que o
texto é apenas pretexto para o ensino de regras sintáticas, isto é, para
procurar adjetivos, sujeitos ou frases exclamativas”. Mais adiante (p. 20)
a autora ressalta que “não é uma atividade de leitura, novamente, no bom
sentido da palavra, apoiadas na nossa experiência prévia, focalizando
significados de palavras específicas ou para inferir seu significado, [...]”
e a respeito da leitura como decodificação, conforme já foi abordado
anteriormente, diz (p.20):
138 UNIDADE 04
distante ou ausente (o recado, o bilhete, o telegrama).
É ler histórias que nos levam a lugares desconhecidos,
sem que, para isso, seja necessário sair da cama onde
estamos com livro nas mãos, é emocionar-se com as
histórias lidas, e fazer, dos personagens, amigos. É usar
a escrita para se orientar no mundo (o atlas), nas ruas
(os sinais de trânsito), para receber instruções (para
encontrar um tesouro [...] para montar um aparelho...
para tomar um remédio), enfim, é usar a escrita para não
ficar perdido. É descobrir a si mesmo pela leitura e pela
escrita, é entender-se, lendo ou escrevendo (delinear
o mapa de quem você é), e é descobrir alternativas e
possibilidades, descobrir o que você pode ser.
140 UNIDADE 04
limites entre realidade e imaginação;
i) Anti-racismo, uma forma de reconhecer as diferenças
raciais;
j) A criança é um ser em formação.
142 UNIDADE 04
crianças estão bastante acostumadas com a atividade
de contar histórias e que não são apenas receptores
passivos das histórias, mas que também realizam
atividades de reconto e produção. [...] Esses dados
revelam a importância da interlocução entre contadores
de histórias surdos e ouvintes, pois ouvintes estariam
mais acostumados a utilizar estratégias “ouvintes” na
atividade de conto de histórias. Com relação às crianças
surdas, portanto, esse compartilhar histórias com o
adulto surdo torna-se essencial no seu desenvolvimento
lingüístico, pois até estratégias para contar histórias são
idiossincrásicas à língua de sinais. Além disso, deve-
se levar em conta que os professores surdos ainda são
uma minoria na educação das crianças surdas, o que
reforça a necessidade de formação desses profissionais
e de informação para os professores ouvintes sobre as
diferenças pragmáticas entre língua de sinais e língua
oral.
144 UNIDADE 04
com excepcional regularidade, ou pode ser projetada
de forma irregular, uma vez que as formas originais e
criativas do poeta trazem a linguagem para o primeiro
plano. A linguagem no primeiro plano pode trazer consigo
significado adicional, para criar múltiplas interpretações
do poema.
146 UNIDADE 04
de língua portuguesa vai além da alfabetização e do ensino de palavras
soltas e o ensino de contos se torna importante para a aquisição de
conhecimentos partilhados pela sociedade.
Exercício Proposto
Fórum
Falar sobre surdez é mais que falar sobre Libras, embora ambos
estejam relacionados intrinsecamente. Como o surdo faz parte de um
grupo que sofreu com a exclusão social durante anos, ele construiu sua
própria história, que traz em seu âmago muita resistência às imposições
feitas pelo grupo majoritário. Por isso, a história da educação de surdos
não tem uma relação intrínseca com a história dos ditos normais. Ela é
constituída basicamente por três períodos marcados por metodologias de
tentativa de educar o surdo: oralismo, comunicação total e bilinguismo.
O oralismo foi uma tentativa falha de normalizar o surdo, enquanto a
comunicação total abriu a possibilidade de aceitação dos sinais. O
bilinguismo é o método que tem a melhor proposta de educação para o
surdo, porque tem como base o respeito à língua de sinais. Porém, essa
corrente filosófica ainda precisa ser melhor compreendida por todos os
profissionais que trabalham com surdez.
A língua é o fator primordial que define a identidade e a cultura
surdas. É uma língua com todas as concepções que uma língua pode ter,
porém, com características bem diferentes das línguas orais-auditivas.
Ela tem uma forma de produção que se utilizada das mãos e do corpo
para tal, portanto, toda a sua morfologia adquire características que só
se assemelham com outras línguas de sinais. A sua sintaxe também tem
uma organização própria, por conta da grande possibilidade da produção
de sinais simultâneos.
A partir de uma postura de respeito ao ser surdo, a Libras é
compreendida como primeira língua do surdo. Ela precisa ser aprendida
nos primeiros anos de vida, mas, como ainda há muitos surdos no país
que não a conhecem, é necessário que não se perca de vista que é
possível aprender uma língua em idade adulta. A Libras é extremamente
importante para o desenvolvimento educacional e social do surdo, porque
é ela que possibilita as interações sociais. Assim, quanto mais pessoas
souberem Libras no país, maiores são as chances de interação social
para o surdo. A interação social com membros do próprio grupo contribui
para o empoderamento da própria identidade e cultura e a interação com
membros de grupos diferentes ajuda na ampliação da cosmovisão de
mundo.
Uma vez que a língua portuguesa é a língua oficial e primeira
148 UNIDADE 04
língua do grupo majoritário do país, é importante que ela seja aprendida
pelo surdo. Nessa perspectiva, o português escrito se torna a segunda
língua do surdo. Seu aprendizado também aumenta a possibilidade de
interação e de apropriação dos bens culturais do país. Porém, ainda é
preciso desenvolver uma metodologia de ensino de língua portuguesa
como segunda língua eficaz, pois os problemas existentes com relação
ao aprendizado dessa língua têm sido grandes.
Para o atendimento eficaz ao surdo é preciso formação profissional
que tenha uma visão ampla da questão da surdez. Essa compreensão
global do sujeito possibilita a melhor aceitação e pode contribuir para
oferecer um direcionamento para o seu atendimento.
SÁ, Karina Atrib Ferreira. Também somos brasileiros. In: Nova escola,
São Paulo, nº 132, p. 45, maio 2000.
SACKS, Oliver W. Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São
Paulo: Companhia das Letras, tradução de Laura Teixeira Motta, 1998.