Você está na página 1de 158

Universidade Federal do Piauí

Centro de Educação Aberta e a Distância

Língua brasileira de sinais (libras)


Noções básicas sobre a sua estrutura e a sua relação
com a comunidade surda

Edneia de Oliveira Alves


Ministério da Educação - MEC
Universidade Aberta do Brasil - UAB
Universidade Federal do Piauí - UFPI
Centro de Educação Aberta e a Distância - CEAD

Língua brasileira de sinais


(libras)
Noções básicas sobre a sua estrutura e a sua
relação com a comunidade surda.

Edneia de Oliveira Alves


PRESIDENTE DA REPÚBLICA Luiz Inácio Lula da Silva
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Fernando Haddad
GOVERNADOR DO ESTADO Wilson Nunes Martins
REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ Luiz de Sousa Santos Júnior
PRESIDENTE DA CAPES Jorge Almeida Guimarães
COORDENADORIA GERAL DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL João Carlos Teatine de S. Clímaco
DIRETOR DO CENTRO DE EDUCAÇÃO ABERTA A DISTÂNCIA DA UFPI Gildásio Guedes Fernandes

CONSELHO EDITORIAL DA EDUFPI Prof. Dr. Ricardo Alaggio Ribeiro ( Presidente )


Des. Tomaz Gomes Campelo
Prof. Dr. José Renato de Araújo Sousa
Profª. Drª. Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz
Profª. Francisca Maria Soares Mendes
Profª. Iracildes Maria de Moura Fé Lima
Prof. Dr. João Renór Ferreira de Carvalho

COORDENAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO Cleidinalva Maria Barbosa Oliveira


TÉCNICA EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS Elis Rejane Silva Oliveira
PROJETO GRÁFICO Samuel Falcão Silva
DIAGRAMAÇÃO Everton Oliveira de Araújo
REVISÃO Maria da Penha Feitosa
REVISOR GRÁFICO Aurenice Pinheiro Tavares
Giselle da Silva Castro

A447l Alves, Edneia de Oliveira


Língua Brasileira de Sinais (Libras): noções básicas sobre
a sua estrutura e a sua relação com a comunidade surda/
Edneia de Oliveira Alves- Teresina: EDUFPI/UAPI, 201O
157 p.

1- Pedagogia. 2 - Língua Brasileira de Sinais. 3 - Comuni-


dade surda. 4- Educação a Distância.
I. Título

C.D.D. - 028.5

A responsabilidade pelo conteúdo e imagens desta obra é dos autores. O conteúdo desta obra foi licenciado
temporária e gratuitamente para utilização no âmbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil, através
da UFPI. O leitor se compromete a utilizar o conteúdo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a
reprodução e distribuição ficarão limitadas ao âmbito interno dos cursos. A citação desta obra em trabalhos
acadêmicos e/ou profissionais poderá ser feita com indicação da fonte. A cópia deste obra sem autorização
expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sansões previstas no
Código Penal.
A área da surdez há muito carece de publicações a respeito.
Apesar de já se encontrar publicações sobre surdez com mais facilidade,
ainda é necessário mais investigações e divulgações acerca do trabalho
educacional com surdos, assim como em outros campos.
Este livro foi criado com o objetivo de oferecer ao discente de
pedagogia conhecimentos básicos para o início das discussões sobre a
educação de surdos e Libras, portanto, a sua abordagem está longe de
esgotar as discussões a respeito.
Para trabalhar com o surdo são necessários conhecimentos não
apenas sobre Libras. Como os surdos estão inseridos em uma comunidade
específica, portanto, num grupo minoritário no país, insurgem várias
questões, dentre elas, as questões básicas aqui apresentadas.
Os temas discutidos neste livro abordam: a história da educação
de surdos; a identidade surda e a cultura surda; as questões estruturais
linguística da Libras e seus aspectos intrínsecos concernentes a essa
estrutura; a aquisição de Libras como primeira língua; a comunicação
mediada pelo intérprete de Libras no ambiente escolar; a aquisição do
português como segunda língua e uma reflexão sobre literatura infantil e
surdez.
O objetivo maior é promover uma discussão a respeito dos
aspectos que envolvem a questão da educação de surdo e municiar o
discente de pedagogia com conhecimentos acerca do assunto, afim de
que este tenha um direcionamento para o seu trabalho em sala de aula
com algum eventual aluno surdo, também para aqueles que tenham
interesse em se especializar na área de educação de surdos.
Introdução
O conhecimento sobre a educação de surdos só recentemente
tem sido divulgado através das disciplinas obrigatórias nos cursos
de licenciatura e através de outros meios. Como esta é uma área de
investigação recente, muitos termos têm sido criados mas como são
pouco divulgados, pouquíssimos desses termos são de conhecimento
do senso comum. Portanto, há a necessidade de se apresentar alguns
termos básicos antes que se inicie toda a discussão sobre este assunto.
Antes, ao se falar de pessoas com déficit auditivo usava-se
a palavra surdo-mudo, mas, com o crescimento e o fortalecimento da
comunidade surda, esse termo mudou para apenas “surdo”. Não se
aceita o termo mudo pelo fato de este ser imbuído da concepção de que
mudo não tem capacidade para a comunicação, que não é verdade. O
surdo é uma pessoa que possui deficiência auditiva, seja de nascença
ou adquirida após o nascimento; é um indivíduo que possui como
língua natural a Libras (Língua Brasileira de Sinais), e a utiliza para se
comunicar, frequenta a escola regular ou a específica para surdos, tem
uma associação para lutar por seus interesses, assume a identidade
surda e alguns já encontram espaço no mercado de trabalho. Apesar
de tantos espaços conquistados, ainda há muitos surdos brasileiros que
sofrem com o ouvintismo.
Uma vez que o surdo já pode se identificar como tal, surge a
diferença entre DA (deficiente auditivo) e surdo. O DA é aquele que possui
déficit auditivo e não assume sua identidade surda. O surdo é o que
assume sua identidade e geralmente abraça a causa do surdo. No caso
da surdez, na sociedade há surdos que assumem diversas identidades,
conforme pode ser visto na discussão sobre identidade surda, devido à
influência da oralização. Esta é a tentativa de habilitar o surdo a falar.
Existem alguns que desenvolveram bem esta habilidade da fala, são os
surdos oralizados, e há os que não a desenvolveram essa habilidade ou
a desenvolveram precariamente (só pronúncias de palavras sem uma
organização sintática inteligível), são os não oralizados.
Saiba Mais

Ouvintismo : Esse termo em geral é utilizado quando se está


falando sobre a relação surdos x ouvinte, pois, quando se fala de
comunidade surda, não tem como não compará-la à comunidade
ouvinte. A primeira é composta por pessoas que não ouvem,
enquanto a segunda é composta por pessoas que ouvem. O fato
de ouvir ou não ouvir gera diferenças entre os grupos. Como o
grupo majoritário é composto por ouvintes, todas as normas da
sociedade são criadas para o ouvinte, portanto, as normas são
oriundas das necessidades da maioria: os ouvintes. Nas relações
entre ouvintes e surdos existem conflitos porque as necessidades
são diferentes, e como a sociedade está organizada de forma a
atender aos ouvintes, a vontade destes prevalece sobre a vontade
dos não-ouvintes. Mesmo que não intencionalmente, é dessa forma
que acontece o ouvintismo.

Uma vez que o surdo já pode se identificar como tal, surge a


diferença entre DA (deficiente auditivo) e surdo. O DA é aquele que
possui déficit auditivo e não assume sua identidade surda. O surdo é
o que assume sua identidade e geralmente abraça a causa própria de
sua comunidade. No caso da surdez, existe na sociedade surdos que
assumem diversas identidades, conforme pode ser visto na discussão
sobre identidade surda, devido à influência da oralização. Compreendida
aqui como tentativa de habilitar o surdo a falar.
As classificações dadas para a surdez pela área da fonoaudiologia
com relação aos níveis de perda auditiva são:
• surdez leve - consegue escutar de 25 a 40 decibéis;
• surdez moderada - consegue escutar de 41 a 55 decibéis;
• surdez acentuada - consegue escutar de 56 a 70 decibéis;
• surdez severa - consegue escutar de 71 a 80 decibéis;
• surdez profunda - consegue escutar a partir de 91 decibéis;
• anacusia - não escuta nada.

No senso comum, quando se fala de normal faz-se a contraposição


com a concepção de anormal. Normal vem da palavra norma e toda
sociedade é regida por normas, que são necessárias para manter um
padrão de comportamento das pessoas e que são criadas de acordo com
os princípios e as necessidades de um grupo que tem características
semelhantes. Sendo assim, a norma é criada por um grupo majoritário, e a
partir dessa criação tudo que é diferente do que acontece “normalmente”
com a maioria das pessoas foge da norma, ou seja, é anormal. Portanto,
para o senso comum, ser anormal é fugir da norma, e como as pessoas
sentem muita dificuldade em lidar com a diferença, elas tendem a afastar-
se do anormal e rotulá-lo.
Sassaki (2003) faz um debate sobre a diferença entre deficiência
e eficiência. O autor expõe que a concepção de deficiência é falta de
eficiência. Ao olhar uma pessoa e ver nela a falta de eficiência, há a
tendência de generalizar essa concepção e percebê-la como totalmente
ineficiente. Neste sentido, o deficiente é visto como incapaz, entretanto,
as pessoas com deficiência não possuem a mesma capacidade que a
maioria das pessoas apenas em um determinado sentido do corpo (visão
e audição), ou em alguma parte do corpo. Nesta perspectiva, as pessoas
com deficiência têm combatido a palavra deficiente para se referir a elas e
OBSERVAÇÃO
aceitam palavras como: cego, surdo, cadeirante etc. Porém, uma reflexão No google você
pode pesquisar
mais aprofundada remete às seguintes questões: o cego é só cego? O
mais sobre os tipos
surdo é só surdo? Essas pessoas têm nome e identidade própria? Ou de surdez, e se
elas devem ser olhadas apenas a partir de suas limitações? Há pessoas quiser se aprofundar
sem limitação? A grande questão é que, quando se trata de pessoa com nesse conhecimento
deficiência, a preocupação não está na normalidade ou anormalidade, o pode pesquisar em
revistas científicas,
problema é o preconceito que, por falta de conhecimento e de tolerância, por exemplo: Revista
permanece na sociedade até os dias atuais. CEFAC; link: http://
Hoje, o surdo tem alguns direitos adquiridos em lei, como por www.cefac.br. Outras
exemplo o direito a se comunicar em Libras. Em sala de aula regular ele revistas podem ser
encontradas no
tem direito à presença de intérprete de Libras, a atendimento especial em
google acadêmico,
horário oposto como: reforço de português para o ensino como segunda link: http://scholar.
língua. Em sala de aula específica, os professores devem ser bilíngues google.com.br.
e devem ensinar a escrita de português para o surdo e, de acordo com
a filosofia bilíngue e o proposto pelo Decreto 5.626 de 2005, também
deveria ter Libras como disciplina. Chama-se escola regular aquela
com características comuns, são as ditas dos “normais”, as escolas
específicas para surdos são aquelas que atendem apenas alunos surdos.
O intérprete de Libras é o profissional com formação ou experiência
que traduz da língua portuguesa para a língua de sinais e vice-versa.
Desse profissional são exigidas as seguintes habilidades: conhecimento
aprofundado da Libras e da língua portuguesa e postura profissional ética
perante a todos e dentro da comunidade surda. Quanto ao português,
este deve ser ensinado na sua modalidade escrita como segunda língua,
e para este trabalho é ideal que o professor seja bilíngue: com fluência
nas duas línguas. Em contrapartida, a Libras se torna a primeira língua,
que é diferente da língua materna, esta é aprendida no ambiente familiar
desde os primeiros anos de vida e aquela é aprendida geralmente na
escola – mesmo que seja nos primeiros anos de vida, pois ela foge à
OBSERVAÇÃO norma: aprender no seio familiar. A segunda língua é aprendida pelo
Para tirar dúvida surdo depois da primeira, que é, de certa forma, obrigatória.
sobre os termos da No caso do Brasil, o português é a segunda língua do surdo,
área de linguística precisa ser aprendida para criar maiores possibilidades de inserção social
pode-se acessar o e é aprendida na escola, portanto, num ambiente artificial. A Libras, além
site da Associação
de primeira língua, é considerada a língua natural do surdo, concebida
de Informação
Tecnológica, no link assim porque é uma língua que o surdo aprende naturalmente.
http://www.ait.pt/ A Libras é uma língua com estrutura autônoma e com todos os
recursos/dic_term_ requisitos para ser uma língua, entretanto, algumas pessoas pensam
ling/index2.htm. Para
que Libras é a representação da língua portuguesa em sinais, sendo
pesquisar a palavra
você pode clicar em este um grande equívoco. O sinal é um código linguístico que tem
terminologia e depois significado e significante e surge a partir das necessidades de expressão
em dicionário termos do surdo no seu dia-a-dia; ele não surge a partir da palavra portuguesa.
lingüísticos.
A única representação em sinais possível da palavra portuguesa é a sua
datilologia, que é o conjunto de sinais para o alfabeto das línguas orais,
ou seja, para cada letra existe um sinal correspondente. A datilologia
serve para as pessoas dizerem nomes próprios e nomes de objetos que
existem em língua portuguesa, mas que não há correspondentes em
sinais. Nos textos sobre surdez chama-se língua oral-auditiva a língua
que se contrapõe à língua sinalizada.
Quanto às modalidades da Libras, entende-se a modalidade
sinalizada como algo correlato à modalidade oral das línguas orais.
Como as línguas orais são verbalizadas oralmente, nas quais se utilizam
as cordas vocais para exprimi-las, as pessoas e muitas literaturas sobre
o assunto tendem a dizer que o surdo “fala” em Libras. Na verdade, o
surdo fala com as mãos, fazendo sinais, então, ele sinaliza em Libras.
Quando ele está se comunicando por sinais, está usando a modalidade
sinalizada. Esta modalidade tem a representação escrita mais conhecida
como “sign writing”, que traduzida ao pé da letra significa escrita de sinais.
Conforme Quadros e Karnopp (2004), o linguista norte-americano
William Stokoe utilizou a palavra quirema para se referir às mãos, deste
modo, o estudo dos sinais mínimos feitos com a mão seria quirologia
(quiro = mão; logia = estudo). Mas, por convenção, foi adotada pelas
gramáticas brasileiras a palavra fonologia para se referir ao estudo dos
sinais mínimos produzidos. No entanto, é pertinente a seguinte questão:
se fonologia é o estudo do sistema sonoro das palavras a fim de verificar
como um som mínimo pode interferir no significado das palavras, como
pode o som ser correlacionado com a unidade mínima do sinal que
nada tem a ver com o som? Desta forma, observa-se que o campo do
conhecimento sobre a língua de sinais ainda precisa de muitos estudos.
Enfim, o que se quer com a correlação entre o estudo da fonologia e
o estudo das unidades mínimas do sinal é dizer que há nos sinais tais
unidades mínimas, que, combinadas, produzem o significado, que é o
campo de estudo da morfologia.
UNIDADE 1
13 A EDUCAÇÃO E A CULTURA DE SURDOS

História da educação de surdos e perspectivas atuais....................... 17


Identidade surda e cultura surda....................................................... 31

UNIDADE 2
39 A LIÍNGUA DE SINAIS

Modalidade sinalizada e escrita da Libras: aspectos gerais . ............. 41


A estrutura fonológica e morfológica da Libras ................................. 50
A estrutura sintática, semântica e pragmática da Libras.................... 73
Aquisição de Libras como primeira língua.......................................... 82

UNIDADE 3
89 A COMUNICAÇÃO E OS CONHECIMENTOS BÁSICOS DA LIBRAS NA
ESCOLA

A comunicação mediada pelo intérprete de Libras na escola............ 91


A comunicação do surdo em Libras na escola.................................... 99
Prática de comunicação em Libras na escola................................... 100

UNIDADE 4
123 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS E A NARRATIVA
EM LIBRAS

A aquisição do português como segunda língua ............................. 125


Literatura infantil e surdez: reflexão sobre a contação de histórias para
surdos............................................................................................... 139
UNIDADE 01
A Educação e a
Cultura de Surdos

OBJETIVO:
• Conhecer a história da educação de surdos e sua relação com a
formação da identidade surda.
A Educação e a Cultura
de Surdos

História da Educação de Surdos e Perspectivas Atuais

A história da educação de surdos não teve o mesmo percurso da


história da educação dita “normal”, porque o aluno surdo não foi incluído
no sistema educacional da mesma forma que o foram todas as pessoas
ditas “normais”. No transcurso da história da educação de surdos, na
tentativa de educá-los, aconteceram avanços e retrocessos devido ao
déficit auditivo e todas as atenções estiveram voltadas para o déficit
auditivo em detrimento da pessoa surda, até a adoção do bilinguismo
no ensino para surdos. Nesta linha de pensamento, Capovilla (2001)
afirma que o direito à educação associa-se ao direito da igualdade e da
liberdade, mas que a educação dos normais e dos surdos partiram de
lugares diversos e chegaram a pontos diferentes.
Encontram-se registros históricos a respeito da educação com
metodologia direcionada para surdos, pelo menos com mais facilidade,
já no século XVI, na Europa. Jorann Conrad Amman desenvolveu o
método de leitura labial, que corresponde ao treino da observação dos
movimentos dos lábios durante a produção da fala em associação com
os sons da fala (SAMPAIO, 2007). Gerolamo Cardano (1501 a 1576)
- médico, matemático, inventor de um método para ensinar pessoas
surdas a ler e escrever - já afirmava que o surdo era capaz de aprender a
escrita da língua oral, pois esta seria a representação da fala e defendeu
que os surdos deveriam aprender a leitura labial e a escrita (SOARES,
1999). A escrita, então, foi apontada como uma opção de aprendizagem
da língua; já que o surdo não podia aprender a falar, a escrita aproveitaria
a percepção visual do surdo. Apesar de Cardano ter atuado na área
de estudos voltados para a percepção do som com a descrição óssea

A EDUCAÇÃO E A CULTURA DE SURDOS 17


do som, portanto estava com a visão centrada no déficit auditivo, ele
declarou que o surdo tinha capacidade de adquirir conhecimento, pois a
surdez não era impedimento para tal.
Na mesma perspectiva de Cardano, Pedro Ponce de Leon (1510-
1584) ensinava primeiro a escrita de nomes de objetos para depois
ensinar o surdo a falar (SOARES, 1999). Soares aponta outros nomes
de pessoas que se empenharam em ensinar leitura labial e escrita para
surdos nessa época, mas questiona se esse ensino de escrita tenha sido
apenas um recurso utilizado em substituição à fala ou um conhecimento
valorizado para inserção social, como ocorreu a partir do século XVII.
O monge Charles-Michel de L’Epeé criou o método gestual para
ensinar as pessoas surdas a ler e a escrever. Esse método consistia na
comunicação com o surdo através de gestos, com o intuito de instruir o
surdo de maneira rápida (SOARES, 1999). Para esse monge, o surdo
não aprendia porque não conseguia estabelecer comunicação com seu
professor, mas ele percebeu que os surdos conseguiam se expressar
com as mãos.
Nessa mesma época, muitos estudos eram realizados a fim de
compreender a estrutura da audição dos surdos e a possibilidade de
ensinar-lhe a falar. Com a escola de surdos-mudos de Paris, surgem os
sinais para comunicação com os surdos, porém, por manifestação de um
grupo de estudiosos em prol da oralização através do aproveitamento
SAIBA MAIS dos resquícios auditivos do surdo, no século XVIII os sinais deixam de
ser aceitos como método de comunicação e de ensino para o surdo.
O Congresso de
Milão é assim Com a realização do Congresso de Milão, os ouvintes decidiram
conhecido porque abandonar o uso da língua de sinais e passam a adotar o Método Oral
aconteceu na cidade Puro (Oralismo), o qual significa que o surdo precisa aprender a falar a
de Milão. Ele foi
língua oral. A partir dessa prática, defende-se que o surdo só é capaz de
o II Congresso
internacional de aprender os conteúdos escolares após aprender a falar (SOARES, 1999;
educação de surdos. SAMPAIO, 2007), sendo assim, o surdo só é exposto aos conteúdos
curriculares após aprender a falar. A partir de então, a história da educação
do surdo é marcada por três fases: a oralização; a comunicação total e
o bilinguismo.
No método oral de ensino para surdos, a criança desde bem pequena
é exposta aos treinamentos fonoarticulatórios. Esses treinamentos são
feitos com a estimulação auditiva de diversas formas, desde batida de
palmas até batidas em instrumento musical de brinquedo. Isso é feito
com o objetivo de fazer com que a criança aprenda a reconhecer os sons,
além disso, são feitos trabalhos de verbalização dos sons dos fonemas

18 UNIDADE 01
para que ela aprenda a reproduzir os sons da fala.
Ao longo dos tempos têm havido o estímulo para que as crianças
surdas usem algum tipo de aparelho auditivo, cuja função é amplificar o
som. Conforme Capovilla (2001), na década de 1980, houve o estímulo ao
uso de aparelhos auditivos e na década de 1990 para o uso do implante
coclear.
O aparelho auditivo é um aparelho que existe em vários modelos
– conforme pode ser visto na figura 1.

Figura 1 (Modelos de aparelhos auditivos. Fonte: http://www.freephotosbank.com).

Mais recentemente, foi criado o implante coclear, que é um


implante feito na cóclea. A cóclea é um aparelho interno do ouvido
responsável por transformar as vibrações em pulsos elétricos para as
fibras auditivas, que são mandados para o cérebro através dos nervos
auditivos.
Conforme Capovilla (2001), diferentemente do aparelho auditivo,
o implante coclear não amplifica o som, ele ajuda a captar o som para
enviá-lo para a cóclea para que esta o envie para o cérebro, que é
responsável em decodificar os sons. No implante coclear é colocada
uma prótese que contém a parte interna e a externa. Na parte interna,
no osso mastoide, é colocado um receptor de ondas de rádio e um
estimulador da cóclea. Um cabo multicanal é colocado na cóclea para
que as informações sonoras cheguem até a cóclea que por sua vez as
envia para o cérebro. Na parte externa é colocada uma peça metalizada

A EDUCAÇÃO E A CULTURA DE SURDOS 19


imantada composta de microfone, uma antena transmissora de ondas de
rádio e um processador de voz responsável em receber os sons externos
e enviá-los para a parte interna do ouvido. O formato do aparelho utilizado
para o implante coclear pode ser visto na figura 2.

Figura 2 (Implante Coclear. Fonte: CAPOVILLA, Fernando C. e


RAPHAEL, W. D. Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngüe da
Língua de Sinais Brasileira. 1v. São Paulo: Editora Universidade de
São Paulo, 2001).

20 UNIDADE 01
Com relação aos aparelhos auditivos, muitos surdos não se
adaptam e aqueles que os usam dizem que os mesmos não ajudam a
ouvir bem. O som que o surdo ouve através do aparelho auditivo não é
limpo, é um som metalizado que faz com que ele não escute com clareza.
Por isso, muitos preferem não usar o aparelho auditivo.
Com relação ao implante coclear, alguns surdos o fazem, mas
muitos outros contrários ao seu uso e utilizam de vários argumentos para
justificar que ouvir não faz parte da identididade surda. Estes são os
surdos que já têm uma identidade surda formada e empoderada, como
se poderá ver mais adiante quando discutir-se-á acerca da identidade
surda.
Mesmo com o aparato dos aparelhos auditivos e com a frequência
à fonoterapia, nem todo surdo consegue aprender a falar, ou seja, não
consegue ser oralizado. Muitos não tiveram nem têm a oportunidade de
passar por fonoterapia eficiente e adequada ou por tempo necessário para
desenvolver a habilidade de falar e nem todos têm aptidão para tal. Além
desses problemas que surgiram com a adoção da oralização do surdo,
ainda há a questão do atraso em anos de escolaridade. Soares (1999)
afirma que os alunos surdos tinham em média quatro anos de atraso
em comparação aos alunos ouvintes durante o método do oralismo. Tal
método perdurou até o final do século XX e não ensinou o surdo a falar
nem a escrever (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2001).
Conforme relato de Soares (1999), infere-se que no século XIX já
existia no Brasil o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (INSM), utilizando
o método gestual ou pelo menos o combinado (usavam-se gestos e
escrita para ensinar a falar). Conforme Sampaio (2007), no Brasil, em 26
de setembro de 1857, foi fundado o Instituto Nacional de Surdos-Mudos,
atual Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), que utilizava a
língua de sinais. De acordo com Soares (1999), o Instituto Nacional de
Surdos-Mudos (INSM,) no Rio de Janeiro, era frequentado por alunos
internos, cujo limite de vagas era cem e, dentre esses, alguns pagavam
e outros tinham direito a estudar gratuitamente.
Ainda de acordo com Soares, após o Congresso de Milão, houve
um empenho por parte dos responsáveis pela educação dos surdos
brasileiros pela adoção do método oral no Instituto. Um dos argumentos
principais da época foi que não se deveria ensinar ao surdo a escrita
porque o Brasil não era alfabetizado, sendo assim, se perderia tudo que
fosse ensinado ao surdo em termos de alfabetização, pois a sociedade
não era letrada e por isso não haveria continuidade de leitura pelos que

A EDUCAÇÃO E A CULTURA DE SURDOS 21


conseguiam ler.
Durante a gestão da professora Ana Rímoli (1951 a 1961), a
adoção do método oral foi efetivada em todo o Instituto Nacional dos
Surdos-Mudos e ela criou o Curso Normal de Formação de Professores
para Surdos. A criação do Curso Normal deve ter favorecido a modificação
e ampliação dos cursos do Instituto, que resultaram na sua reformulação
total (SOARES, 1999).
Até o século XVI, o surdo teria sido estigmatizado como sujeito
incapaz de aprender por não poder se expressar através de uma língua.
Durante séculos, a concepção vigente era que o pensamento estava
diretamente ligado à linguagem, que era entendida como fala oral. A
concepção era de que se a pessoa fala então ela pensa, o inverso era:
se a pessoa não fala, então ela não pensa. Essa idéia pode ter sido
baseada no pensamento de Aristóteles que, segundo Soares (1999),
defendia como mais importante para a aprendizagem o ouvido, porque
era através dele que os sujeitos tinham acesso ao conhecimento exposto
através da oralização.
Nessa linha de raciocínio, deduz-se que o surdo por não conseguir
ouvir não poderia ter acesso ao conhecimento. Pode-se, então, perceber
que todo o método educacional era focado no ouvido: se o sujeito ouvia,
ele tinha a capacidade de ser educado, se o sujeito não ouvia, ele não
podia ser educado. Essa concepção tida como saber dos povos, perdurou
por tanto tempo que, ainda no século XX, as pessoas perguntavam se o
surdo pensava.
Esse pensamento reducionista trouxe consequências negativas
para a educação de surdos até a primeira metade do século XX. Pode-
se dizer que essa visão ainda influencia o fazer do professor ouvinte
que nunca experienciou a vida sem a audição. Os sujeitos formam
toda a percepção e julgamento de valores do mundo através das suas
experiências pessoais, portanto, como esperar que as pessoas ouvintes
compreendam a forma como o surdo percebe o mundo sem o auxílio do
ouvido? A incapacidade de colocar-se no lugar do surdo pode ter sido
um dos fatores que contribuiu para o retrocesso educacional do surdo
durante o século XVIII, como poderá ser visto mais adiante, neste estudo.

22 UNIDADE 01
Saiba Mais

Todos nós utilizamos a percepção visual, apenas achamos que não


podemos viver sem a audição. Para entender como utilizamos a visão
para compreender as mensagens, assista ao filme “Tempos modernos”, de
Charlie Chaplin, com o som do vídeo em zero e participe do fórum um. Com
certeza, teremos relatos belíssimos dessa experiência. Sinopse do filme:
Tempos modernos foi o último filme mudo de Chaplin; o foco é a vida urbana
nos Estados Unidos nos anos 30. O personagem principal é Carlitos, que
trabalha em uma indústria e se apaixona por uma jovem. Esse filme critica
a sociedade capitalista, que vê o homem apenas como mão de obra.

“É sabido que os indivíduos surdos, assim como todos os


deficientes, foram alvos, desde o início da Idade Moderna, de dois tipos
de atenção: a médica e a religiosa” (SOARES, 1999, p. 12). A atenção
médica, ainda hoje, tem uma ação voltada para o diagnóstico. Sendo
assim, o médico ao atender o surdo diagnostica a sua doença: surdez.
A atenção religiosa assume uma postura de assistencialismo, através da
qual surge o discurso de que as pessoas com deficiência são as pessoas
que precisam de atendimento especial, de forma a necessitar de ajuda e
atenção, diferenciando-as das pessoas ditas normais, que são educadas
para adquirirem autonomia.
Um primeiro problema que se pode perceber refere-se ao
diagnóstico, por causa da concepção que se tem da palavra doença. Em
geral, o doente está incapacitado, mesmo que temporariamente, de exercer
suas atividades normalmente, ou seja, da mesma forma que a maioria
das pessoas. Sendo o surdo doente, ele é incapacitado de desenvolver
as atividades de acordo com o que as normas sociais esperam. A forma
como a sociedade, hegemonicamente formada por pessoas que ouvem,
ver o surdo (como ser incapaz) aliado à predisposição da postura dos
profissionais dos serviços sociais para uma ação assistencialista tem
tornado o surdo um sujeito excluído, pois, para tratá-lo, é necessário
isolá-lo e tirá-lo das atividades cotidianas.
O problema que se tem para com o assistencialismo é o não
aproveitamento do potencial dos surdos, quando os serviços que lhes

A EDUCAÇÃO E A CULTURA DE SURDOS 23


são oferecidos partem da concepção da necessidade de apenas ocupar
as pessoas com deficiência, já que as estruturas de serviço sociais
não sabem o que fazer com os surdos. Não é dada, às pessoas com
deficiência, a oportunidade para que elas mostrem o seu potencial,
mesmo com as limitações que têm. Toda a educação destas pessoas
ensina-lhes que as pessoas devem sempre ajudá-las no que precisar.
A solidariedade deve sempre existir e é necessária, porém, as pessoas
surdas não devem aprender que as outras devem sempre estar a seu
dispor. Esse tipo de visão cria uma relação parasitária entre a pessoa
com deficiência e a pessoa sem deficiência.
É importante salientar que limitação não é sinônimo de
incapacidade; limitação todas as pessoas têm, seja ela mais acentuada
ou não. Em geral, pessoas com deficiência não têm a oportunidade de
fazer escolhas, pois não são preparadas para isso, nem lhes é dada
oportunidade para tal. As escolhas são feitas pelas pessoas que cuidam
delas, sejam elas da família ou profissionais dos serviços sociais básicos.
É importante observar que as pessoas com deficiência precisam de
autonomia e a educação deve procurar meios para prepará-las para que
a alcancem.
No século XVIII, um marco na educação de surdos foi a ruptura
com o que vinha sendo defendido por L’Epeé e Cardano, entre outros.
Nesse século, foram realizados alguns encontros que debatiam sobre
a necessidade de o surdo aprender a falar. No congresso de Milão, em
1880, foi decidido pela mudança na metodologia de ensino para surdos
(SOARES, 1999).
Tanto no Brasil como na Europa, houve a tentativa de ensino do
surdo através da oralização, porém, esse método foi falho porque não
conseguiu os resultados dentro dos princípios educacionais. Como os
surdos estavam sempre em desvantagem em anos de escolaridade em
comparação com os alunos ouvintes, os educadores passaram a aceitar
o uso de sinais em sala de aula.
Na década de 1960, ressurge o uso da Libras na educação de
surdos, nos moldes da Comunicação Total. Segundo Capovilla (2001),
esse método usava um ou mais sistemas (sinais artificiais até sinais
naturais da língua de sinais), e qualquer outro signo com o fim de o
surdo melhor compreender a produção oral das professoras. Foram
utilizados recursos como: o vocabulário artificial, a produção da Língua
de Sinais foi na ordem da língua sinalizada para facilitar a aprendizagem
da escrita e o signing exact english (sinais exatos do inglês) que usa

24 UNIDADE 01
a sinalização de prefixos, que em português seria: igual – DESigual, o
“des” seria feito em datilologia e “igual” seria feito em sinal. O tempo
todo em que o professor dava aula ele o fazia falando e gesticulando ao
mesmo tempo. O problema é que o aluno surdo ou prestava atenção às
mãos ou prestava atenção à boca para ler os lábios e tentar descobrir o
que o professor estava falando. A soletração em datilologia consistia na
representação, ponto a ponto, das letras da escrita alfabética, bastante
usada na Grã-Bretanha e Estados Unidos, que se tornou parte da língua
de sinais. Por isso, a língua de sinais não é propriamente pura, existem
nela empréstimos linguísticos da língua oral, na qual usam-se palavras
com partes em datilologia para expressar algo.
De acordo com Capovilla (2001), a Comunicação Total ajudou na
melhor compreensão da língua oral, mas, com muitas limitações. A linha
do Centro de Pesquisas de Copenhague, em 1970, em que se filmava os
OBSERVAÇÃO
professores em aula falando e gesticulando ao mesmo tempo, permitiu
que se descobrisse que, naquele modelo, muitos sinais eram omitidos e se
Veja na introdução
a audição não era capaz de compreender a mensagem, concluiu-se que o significado de
as crianças estavam tendo acesso a uma amostra linguística incompleta datilologia.
e inconsistente de ambas as línguas. Concluindo, os alunos surdos não
aprendiam nem uma língua nem outra e isso, segundo Capovilla (2001),
os tornava hemilinguistas e não bilíngues.
Com o surgimento da língua de sinais natural - que melhor
contribuía para o desenvolvimento cognitivo e social do surdo - e com
a queda da Comunicação Total houve o surgimento da filosofia do
bilinguismo, no qual o surdo adquire o direito de utilizar a língua de sinais
como língua natural (CAPOVILLA, 2001).
O objetivo dessa filosofia é levar o aluno surdo a desenvolver as
habilidades, primeiro em língua de sinais e segundo na Língua majoritária
do país ao qual pertence: o português, no caso do Brasil. O intuito é
sinalizar fluentemente na língua de sinais e ler e escrever na língua
pátria, e o ideal é que nesta seja também fluente.
Apesar das limitações, foi o método da Comunicação Total que
possibilitou a língua de sinais ter o seu uso reconsiderado. A língua de sinais
resistiu e se desenvolveu conforme a comunidade surda crescia, assim,
ela era menos estigmatizada. Os sinais passaram a ser padronizados e
uma gramática rica começou a existir, independentemente da língua oral
oficial do País.
Segundo Capovilla (2001), o bilinguismo surgiu na Suécia,
primeiro país que reconheceu o surdo como minoria linguística com

A EDUCAÇÃO E A CULTURA DE SURDOS 25


direitos políticos assegurados. A partir de então o surdo é visto como
sujeito com cultura e língua própria.
Basicamente, o bilinguismo é entendido como fluência em
duas línguas, sejam elas quais forem. No caso do surdo brasileiro, é
considerado bilíngue aquele que é fluente em língua de sinais e que
domina o uso escrito da língua portuguesa. No entanto, ainda existem
muitos entraves com relação ao desenvolvimento do surdo nessas duas
línguas. Mas já se pode reconhecer que é há um avanço na luta do surdo:
o fato de este ser respeitado enquanto usuário de uma língua diferente
da língua utilizada pelo grupo brasileiro majoritário.
Atualmente, no Brasil, a tendência principal da educação de surdos
é o desenvolvimento do surdo como sujeito bilíngue. Nesta perspectiva,
a escola deve ensinar o surdo a ler e a escrever em língua portuguesa
e oferecer condições para que o surdo possa desenvolver melhor sua
língua natural: a Libras.
O ideal seria que todas as escolas seguissem a proposta da
linguística surda Marianne Stumpf (2005), que é alfabetizar o surdo em
Libras e em seguida ensinar-lhes a ler e a escrever em língua portuguesa.
Desta forma, estaria realmente sendo respeitado o direito do surdo de ter
a Libras como primeira língua, conforme pode ser entendido na discussão
sobre aquisição de língua.
O que se tem encontrado na prática da educação bilíngue são
OBSERVAÇÃO aulas ministradas em Libras, mas sem ter a Libras como disciplina. No
entanto, apenas isto já é formidável, porque a exposição de conteúdos
Para aprofundamento
dos conhecimentos em Libras facilita ao surdo compreender, quando aindo tem-se muitos
é bom ler Skliar, surdos que sequer têm acesso a isso, pelo fato de ser muito difícil
Carlos. Atualidade encontrar professores bilíngues que tenham como segunda língua ou
da Educação como língua “estrangeira” a Libras. Conforme Svartholm (1999, p. 21):
Bilíngue para
“É também através da língua de sinais que os estudantes surdos podem
Surdos: interfaces
entre pedagogia e receber uma instrução adequada na língua escrita da sociedade e com
linguística. Porto isso desenvolver o bilinguismo funcional.” A autora quer dizer que o surdo
Alegre, 2009. que consegue ter conhecimento de duas línguas pode utilizá-las em suas
atividades diárias para se comunicar e informar-se, por exemplo.
Devido à necessidade de garantia do direito do surdo ao uso da
Libras, seja no cotidiano seja na educação, algumas medidas em lei
foram tomadas para a garantia do respeito ao direito do surdo a uma
educação bilíngue. Seja em escolas regulares ou em escolas específicas
para surdos, o Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005, Art. 14, § 1º,
alínea II, afirma: “ofertar, obrigatoriamente, desde a educação infantil, o

26 UNIDADE 01
ensino da Libras e também da Língua Portuguesa, como segunda língua
para alunos surdos”. Isso quer dizer que todas as escolas que tenham
estudantes surdos devem providenciar o ensino de Libras como disciplina
obrigatória para o surdo e o ensino de português diferenciado, de forma
que a metodologia seja de acordo com o método de ensino de segunda
língua.
No caso de inserção do aluno surdo em sala regular de ensino,
o que muitos não têm atentado é que esse aluno não deve assistir às
aulas de português em turma de ouvintes, pois isso não garantirá o
respeito à particularidade da metodologia como segunda língua. Pensa-
se, ainda, que ao se expor o surdo às aulas de português desse modo
se está contemplando o surdo com um direito, que é o de ter acesso ao
ensino de português, no entanto, não é isso que acontece. A metodologia
em uma sala de ouvintes é centrada no método de ensino de língua
materna, trabalho em que já se pressupõe que muitos saberes já são do
domínio dos alunos. O ritmo de uma aula de ensino de língua materna
é completamente diferente do ritmo da aula de ensino de língua como
segunda língua.

Saiba Mais

Além dos trechos de leis discutidos neste livro, é importante que você
leia mais algumas outras leis que falam sobre inclusão educacional
da pessoa com deficiência. Essas leis são facilmente encontradas no
link:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=a
rticle&id=12716&Itemid=863 do Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Especial.

Além da garantia do ensino de Libras e do Português, cada qual


com suas particularidades, no referido decreto há no Art. 14, § 1o :
III - prover as escolas com:
a) professor de Libras ou instrutor de Libras;
b) tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa;
c) professor para o ensino de Língua Portuguesa como
segunda língua para pessoas surdas; e

A EDUCAÇÃO E A CULTURA DE SURDOS 27


d) professor regente de classe com conhecimento acerca da
singularidade lingüística manifestada pelos alunos surdos;
IV - garantir o atendimento às necessidades educacionais
especiais de alunos surdos, desde a educação infantil, nas salas de aula
e, também, em salas de recursos, em turno contrário ao da escolarização;
V - apoiar, na comunidade escolar, o uso e a difusão de Libras
entre professores, alunos, funcionários, direção da escola e familiares,
inclusive por meio da oferta de cursos;
VI - adotar mecanismos de avaliação coerentes com
aprendizado de segunda língua, na correção das provas escritas,
valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade
linguística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa;
VII - desenvolver e adotar mecanismos alternativos para a
avaliação de conhecimentos expressos em Libras, desde que devidamente
registrados em vídeo ou em outros meios eletrônicos e tecnológicos;
VIII - disponibilizar equipamentos, acesso às novas tecnologias
de informação e comunicação, bem como recursos didáticos para apoiar
a educação de alunos surdos ou com deficiência auditiva. Entre outros.

Mesmo considerando que a educação de surdos avançou para


melhor, não se pode perder de vista que ainda é necessário muitos
ajustes. Skliar (1999, 10) aponta o seguinte para justificar o motivo dos
problemas:

[...] os vários e contraditórios sentidos a partir dos


quais se define que os surdos são bilíngues e que a
pedagogia deve refletir coerentemente essa condição; a
“ouvintização” pedagógica, isto é, a intenção de realizar
uma educação bilíngue exclusivamente a partir de
professores, didáticas, textos, dinâmicas, percepções
e língua dos ouvintes monolíngues; a “ouvintização”
pedagógica no processo de formação dos educadores
surdos; a falta de uma assessoria política competente
dentro do universo da educação para os surdos; a
falta de uma assessoria política competente dentro do
universo da educação para os surdos; e, finalmente, a
tendência à experimentação pelo receio em termos da
“coerência” que deve imperar nos princípios inovadores
da educação bilíngue para surdos.

Um dos maiores problemas na educação de surdos é conseguir


a mudança de crenças e consequentemente, de atitude das pessoas

28 UNIDADE 01
ouvintes. Estas formam suas crenças a partir das suas experiências
pessoais com o mundo ouvinte, por motivação do ouvinte e a favor do
ouvinte. A partir desse entendimento, as pessoas têm construído sua
concepção de bilinguismo de modo equivocado. Não é necessário apenas,
como já foi apontado, possibilitar que o surdo possa se comunicar em
Libras. É preciso que ele amadureça um conhecimento em língua própria
para que possa aprender outras línguas. Skliar quer alertar com isto,
que não se pode usar a Libras para tentar normalizar o surdo, ou seja,
torná-lo igual ao ouvinte. A educação bilíngue deve reconhecer e aceitar
o surdo com suas especificidades e não tentar mudá-las.
O professor, especialmente o professor de língua portuguesa para
surdos, monolíngue não tem condições de trabalhar o bilinguismo já que
ele não conhece as especificidades da língua de sinais. Ele precisa ter
pelo menos uma formação para o ensino de segunda língua para surdo
e, caso não seja falante da Libras, faz-se necessário a presença de um
intérprete de Libras durante as suas aulas.
Skliar também alerta sobre a falta de suporte pedagógico, e
hoje ainda não há uma assessoria política educacional para orientar as
ações pedagógicas no ensino para surdos. De igual modo, a falta de
profissionais capacitados nessa área é muito grande no país.
Assim como Skliar (1999), Leite (2005) afirma que, no Brasil, ainda
são poucas as escolas que têm encaminhamento de educação bilíngue.
A prática da educação bilíngue exige uma estrutura educacional para a
qual o sistema ainda não está preparado.
Conforme Leite (2005) e Sampaio (2007) muitos professores de
surdos não dominam a língua de sinais e Sampaio chama a atenção para
o papel do professor de língua portuguesa. A autora afirma que este deve
ensinar o português como segunda língua e argumenta que, para isto,
é necessário que o professor seja fluente em libras e conheça bem as
estruturas tanto da língua de sinais quanto da língua portuguesa.
Para que haja uma educação bilíngue para surdo é preciso que
a língua de sinais seja aceita com o status de língua e com a mesma
função de qualquer outra língua; como manifestação de cultura e meio de
interação social, por exemplo. Porém, Leite (2005) afirma que em muitas
escolas a língua do surdo é tolerada e isso é diferente de ser respeitada
e aceita. Permitir que os alunos comuniquem-se em língua de sinais e
estabelecer uma comunicação básica com os surdos através da Libras
não é o mesmo que aceitá-la. Um professor que aceita a língua de sinais
enquanto uma língua diferente da sua e necessária para a interação com

A EDUCAÇÃO E A CULTURA DE SURDOS 29


o surdo, procura aprendê-la e tenta ser fluente como falante dela.
Conforme Skliar (1999, p.9),

A educação bilíngue para surdos, como qualquer


projeto/proposta educacional, não pode ser neutra
nem opaca. Porém, falta a consistência política para
entender a educação dos surdos como uma prática de
direitos humanos concernentes aos surdos; a coerência
ideológica para discutir as assimetrias do poder e do
saber entre surdos e ouvintes; a análise da natureza
epistemológica das representações colonialistas sobre a
surdez e os surdos.

Ainda há muito a ser feito para que se diga que há a prática do


bilinguismo na escola. É preciso ser diferente da realidade encontrada
por Leite, por exemplo, em locais onde existem aulas em português oral
para surdos em salas específicas para surdos. É preciso compreender
que ser surdo falante de Libras é uma questão de direito do surdo para
assumir sua identidade – conforme poderá ser melhor compreendido na
discussão sobre identidade e cultura surda – por isso é inadmissível que
haja em salas específicas para surdos professores não falantes de Libras.
No caso da sala de aula regular, é evidente que não existe a
exigência da fluência em Libras para o professor, mas, é necessário
que estes professores, também de surdos, tenham algum conhecimento
sobre o processo educacional do surdo, sobre a estrutura da Libras e
sobre a comunicação em Libras. Além disso, é necessário que os alunos
colegas do surdo conheçam Libras e que os demais funcionários saibam
pelo menos usar uma comunicação básica em Libras para atendê-los no
que precisar. Medidas como essas podem evitar uma relação parasitária
com o profissional intérprete de Libras na escola, assunto que também
será discutido mais adiante.
A história da educação do surdo mostra que as instituições que
trabalham com a educação inclusiva voltada para surdos, centram suas
preocupações na oralização e no ensino da língua portuguesa escrita.
Não se pode esperar que os surdos consigam resolver todos os seus
problemas oralizando-os ou ensinando-os a escrever, pois, na prática, a
aquisição da língua oral por parte do surdo não promove a sua integração
na sociedade (DIZEU; CAPAROLI, 2005). É preciso mais que isso para
que se possa dizer que os surdos são respeitados enquanto cidadãos.
Na verdade, bilinguismo é mais que ensino de duas línguas para
surdos. O bilinguismo mexe com a questão cultural tanto dos surdos como

30 UNIDADE 01
dos ouvintes, em direção à aceitação da cultura de um grupo minoritário
dentro do grupo maior: dos ouvintes, mudança de postura tanto de surdos
como de ouvintes frente a essa cultura, entre outras questões que serão
debatidas ao longo do livro. Também é preciso refletir que ao aceitar
esses sujeitos como membros da comunidade maior: Brasil, e se exigir
deles a condição de serem bilíngues, aceitando a Libras como outra
língua oficial do país, exige-se, então, que todos os brasileiros sejam
bilíngues: falantes de língua portuguesa e falantes de Libras. Essa ideia
pode assustar inicialmente, mas é perfeitamente possível e enobrecedora
de uma nação.

Identidade e Cultura Surdas

O surdo é a pessoa que possui déficit na audição e que assume


identitariamente esta condição perante a sociedade. O ser surdo é uma
denominação aceita pela comunidade de surdos, por compreender
que não escutar não significa incapacidade para a comunicação, mas,
limitações para a fala oral. Se por trás da palavra ‘’falar’’ está a ideia de
comunicação e de transmissão de pensamento, então não se pode dizer
que surdo não fala, pois o mesmo tem a capacidade de comunicação e
o faz muito bem através da língua de sinais. A partir dessa perspectiva,
assume-se que o surdo é diferente e não deficiente.
Os surdos não aceitam a palavra ‘’deficiente’’ porque ela possui
um sentido pejorativo; quando adotada o deficiente é visto como incapaz,
uma visão que leva ao desprestígio do potencial que a pessoa com
deficiência tem para atuar em áreas que não exijam delas o uso do
membro para o qual possui limitação. Todo o movimento surdo segue
em prol da aceitação de sua limitação e contra a tentativa de fazer com
que ele se torne uma pessoa “normal”. Neste sentido, Skliar (1999, p. 12)
discursa a favor do termo diferença:

O discurso da deficiência mascara a questão política da


diferença; nesse discurso a diferença é melhor definida
como diversidade, e assim, a diversidade não é outra
coisa senão as variantes de uma normalidade, de um
projeto hegemônico. A medicalização e a normalização
dos surdos referem um projeto hegemônico em que o
ser falante/ouvinte constitui a especificidade de uma
identidade totalitária, positiva e produtora, por sua vez,
de uma norma invisível que a tudo ordena e regula.

A EDUCAÇÃO E A CULTURA DE SURDOS 31


A partir da visão da diversidade, ao se falar sobre surdos hoje
se está falando de algumas pessoas que não escutam e se comunicam
em língua de sinais – independente de falarem ou não – se organizam
em comunidades, têm direitos e deveres comuns à condição de surdez
e possuem uma identidade. Portanto, essas pessoas são pessoas
com características e costumes próprios, que são baseados nos usos
de sua língua e na sua forma de perceber o mundo: através da visão,
principalmente.
A língua é um dos principais fatores que diferenciam as culturas
e identidades entre os povos e entre os grupos sociais. Uma pessoa
ao falar oferece informações acerca da região da qual pertence, sobre
a faixa etária e o sexo e, consequentemente, sobre os costumes e os
valores que seu grupo defende. Antunes (2009, p. 23) explica bem a
dimensão da função social da língua ao dizer que:

A língua é, assim, um grande ponto de encontro; de cada


um de nós com os nossos antepassados, com aqueles
que, de qualquer forma, fizeram e fazem a nossa história.
Nossa língua está embutida na trajetória de nossa
memória coletiva. Daí, o apego que sentimos à nossa
língua, ao jeito de falar de nosso grupo. Esse apego é
uma forma de selarmos nossa adesão a esse grupo. [...]
É nesse âmbito que podemos surpreender as raízes do
processo de construção e expressão de nossa identidade
ou, melhor dizendo, de nossa pluralidade de identidades.
É nesse âmbito que podemos ainda experimentar
o sentimento de partilhamento, de pertença, de ser
gente de algum lugar, de ser pessoa que faz parte de
determinado grupo. Quer dizer: pela língua afirmamos:
temos território; não somos sem pátria. Pela língua,
enfim, recobramos uma identidade.

Essa referência que as pessoas precisam ter depende da


identificação delas com pessoas de um grupo que tenham características
comuns a elas, e a língua é fundamental nesse processo. No caso do
surdo, ele se identifica com pessoas que partilham da sua realidade,
que na maioria das vezes é outro surdo. Só um surdo tem condições
de compreender otamanho da dimensão da experiência de viver com
a limitação da audição, tais como: percepção dos acontecimentos do
mundo através da visão e as limitações impostas pela sociedade ouvinte
por não compreender todas as necessidades de um surdo.
Mas isso não quer dizer que dentro da comunidade surda todas

32 UNIDADE 01
as pessoas sejam iguais. Embora, segundo Félix (2008), os ouvintes
tendam a ver o grupo de surdos como homogêneo, eles são pessoas com
características individuais e com histórias de vida próprias. Eles podem
ser vistos como um grupo na medida em que possuem características
comuns, tais como as descritas acima.
O elemento principal que marca a identidade surda é a língua de
sinais, pois é com ela que ele se comunica cotidianamente e adquire
conhecimentos diversos. Santana (2007) afirma que a língua de sinais é
a base da identidade surda, por isso, esse direito deve ser resguardado.
Além de garantir ao surdo o direito ao uso da língua, é necessário,
conforme Fernandes (2003), que tendo reconhecida suaa língua natural,
haja espaços para o surdo aprimorar a habilidade enquanto falante da
própria língua. Esse espaço também é necessário para que os surdos
firmem suas identidades que, de acordo com Dizeu e Caparoli (2005),
acontece através da integração entre os surdos e sua cultura.
As interações, especificamente intermediadas pela linguagem, são
importantíssimas para o crescimento dos indivíduos enquanto sujeitos
individuais e sociais. Neste sentido, Vigotsky (1998, p. 38) afirma que os

signos e palavras constituem para as crianças, primeiro


e acima de tudo, um meio de contato social com outras
pessoas. As funções cognitivas e comumente da
linguagem tornam-se, então, a base de forma nova e
superior de atividades nas crianças, distinguindo-as dos
animais.

Nos espaços de interação, os surdos apoderam-se de sua


identidade e dos saberes de sua cultura. Conforme afirma Santana (2007,
p.41), “A maioria dos estudos tem como base a ideia de que a identidade
surda está relacionada ao uso da língua. Usar a língua de sinais em
contato com outro surdo é o que define, basicamente, tal identidade.”
Outro fator marcante nas identidades surdas é que estas pessoas
percebem o mundo essencialmente por intermédio das experiências
visuais e não auditivas, o que evidencia uma diferença essencial na
construção da identidade por parte do surdo.
Um dos espaços que tem se mostrado um lugar de manisfestação
da identidade surda, embora não satisfatoriamente, é a escola. Na função
da formação de cidadãos, a escola, no caso da surdez, precisa incluir
em seu fazer pedagógico a formação de identidade do surdo. Nesse
local, os surdos têm conseguido comunicar-se cotidianamente com seus

A EDUCAÇÃO E A CULTURA DE SURDOS 33


pares em sua língua natural. Mas, a escola ainda não tem conseguido
perceber o nível de importância da nova perspectiva do bilinguismo nem
promover situações de apropriamento de identidade surda. Skliar (1999,
p. 8) afirma que

[...] É evidente que a escola atual não proporciona


oportunidades para o desenvolvimento e fortalecimento
das identidades pessoais, ao contrário, dá-se prioridade
às habilidades técnicas que são sugeridas pela lógica
contemporânea do mercado.

Skliar aponta que o problema está na estrutura educacional, em


que se dá prioridade à formação técnica dos indivíduos e diz que, nesta
perspectiva, se justifica a inclusão do surdo em sala regular de ensino.
O surdo precisa de convívio intenso com outros surdos, na sala regular
de ensino os surdos convivem na maior parte do tempo com pessoas
ouvintes, mesmo que haja intérprete de Libras na sala de aula. Não se
pode esperar que o contato apenas com um intérprete de Libras seja
suficiente para a formação de identidade surda, pois essa é formada em
contato com grupos constituídos por seus iguais.
A escola exerce um papel importantíssimo na formação social dos
indivíduos, portanto, ela participa da formação da cidadania, favorecendo
o respeito às diversidades proporcionando à identificação dos indivíduos
com seus iguai, além do respeito desses mesmos indivíduos para com
outros diferentes. A escola tem poder para isso, porque, de acordo com
Skliar (1999, p. 8),

O ensino é uma forma privilegiada de política cultural,


onde representam formas de vida social, no qual
sempre estão implicadas relações de poder e onde se
enfatizam conhecimentos que proporcionam uma visão
determinada do passado, do presente e do futuro.

Diante da importância da escola na formação das identidades,


em especial dos sujeitos surdos, Skliar (1999, p. 13) aponta formas
multiculturais de formação de identidade:

- Formas conservadoras, que produzem e reproduzem


uma visão colonialista sobre a surdez, desenvolvem a
ideia da supremacia do ouvinte e da biologização dos
surdos, praticam discurso de tipo “evolucionistas” para
justificar o “fracasso” pedagógico, o conhecimento

34 UNIDADE 01
escolar utilizado nunca é questionado e o “ouvintismo”
é uma norma invisível através da qual tudo é medido e
julgado.
- Formas humanistas e liberais, nas quais se exagera
o papel da escola supondo-se que ela pode mudar
as desigualdades e criando-se assim uma opressão
etnocêntrica para aqueles que desejam a diferença ou
para aqueles que não podem alcançar essa hipotética
“igualdade”.
- Formas progressistas, que polemizam com a idéia de
igualdade e aceitam o conceito de diferença – porém, de
uma forma estática e pensada como uma essência; deste
modo, fala-se somente do surdo “verdadeiro”, do surdo
“militante”, do surdo “consciente” e ignora-se a história e
a cultura que dão o sustento político à diferença;
- Formas críticas, através das quais sublinha-se o papel
que desempenham a língua e as representações na
construção de significados e de identidades surdas. A
língua, neste contexto, não é um reflexo da realidade
ou um instrumento de comunicação, mas aquilo que
produz essa realidade. Nestas formas, se compreendem
as representações de raça, classe e gênero como o
resultado de lutas sociais sobre signos e significações, e
não como uma lógica natural que subjaze ao pensamento;
em síntese: a educação bilíngue, numa perspectiva
crítica, poderia transformar as relações sociais, culturais
e institucionais através das quais são geradas as
representações e significações hegemônicas/ouvintistas
sobre a surdez e sobre os surdos.

Dentre essas formas, a mais comum encontrada é a que pratica


o ouvintismo, que é o exercício do poder sobre os surdos, até porque
dificilmente se encontra surdos trabalhando nas escolas exercendo
função pedagógica e com espaço para expor suas ideias e ter seus ideais
defendidos, tampouco são preparados para tal. Mas, busca-se a prática
do ensino na forma crítica, porém, este ensino tem sido difícil de ser
praticado nas escolas, porque os sujeitos responsáveis pela educação de
hoje não conseguem lidar com as diferenças em sala de aula, enfatizando
que aceitar é diferente de saber fazer o grupo produzir e crescer com
base nas diferenças. Em sala de aula o professor tende a homogeneizar
o grupo, para conseguir dar conta do saber técnico que, de certa forma,
lhe é imposto dar conta desse conteúdo durante o período letivo.
A escola é sim um espaço que pode contribuir para a formação e
apropriação da identidade surda pelos surdos, porém, não pode nem deve

A EDUCAÇÃO E A CULTURA DE SURDOS 35


ser o único. É com a escola que os surdos contam, especialmente, nas
cidades pequenas. O espaço escolar é um ambiente que possui várias
funções, portanto, não se constitui apenas como espaço de promoção de
convivência social. A função desse espaço caracteriza-se como ambiente
de produção de saberes, levando em consideração que esses saberes
são diferentes. Uma escola que acolhe o surdo ou é específica para
surdos deve, além de cumprir seu propósito, viabilizar essa formação de
identidade e de empoderamento do sujeito enquanto surdo, respeitando-o
enquanto indivíduo, respeitando as diferenças identitárias desse grupo
e promovendo o crescimento intelectual de todos e sua inserção na
sociedade enquanto cidadão possuidor de direitos e deveres.
Na escola, é importante que as pessoas que trabalham com surdos
saibam que no grupo não é encontrado apenas um tipo de identidade.
Perlin (2005, p. 62) indica a existência de cinco tipos de identidade surda:
1. Identidades surdas: estão presentes no grupo onde entram os
surdos que fazem uso com experiência visual propriamente dita. Noto
nesses surdos formas muito diversificadas de usar a comunicação visual.
No entanto, o uso de comunicação visual caracteriza o grupo levando
para o centro do específico surdo. [...]
2. Identidades surdas híbridas: são os surdos que nasceram
ouvintes, e que com o tempo se tornaram surdos. [...] Eles captam do
exterior a comunicação de forma visual, passam-na para a língua que
adquiriram primeiro e depois para os sinais [...]
3. Identidades surdas de transição: estão presentes na situação
dos surdos que foram mantidos sob o cativeiro da hegemônica experiência
ouvinte e que passam para a comunidade surda, como geralmente
acontece. Transição é o aspecto do momento de passagem do mundo
ouvinte com representação de identidade ouvinte para a identidade surda
de experiência mais visual.
4. Identidade surda incompleta: é o nome que dou à identidade
surda apresentada por aqueles surdos que vivem sob uma ideologia
ouvintista latente que trabalha para socializar os surdos de maneira
compatível com a cultura dominante. [...]
5. Identidades surdas flutuantes: elas estão presentes onde os
surdos vivem e se manifestam a partir da hegemonia dos ouvintes. Esta
identidade é interessante porque permite ver um surdo “consciente”
ou não de ser surdo, porém, vítima da ideologia ouvintista que segue
determinando seus comportamentos e aprendizados.

36 UNIDADE 01
Essa variação de identidade deve-se ao fato de os surdos nascerem
em famílias de ouvintes e terem tido vários tipos de atendimento com
relação a sua surdez. Os surdos que nasceram nas décadas de 1950, 60 e
70 são surdos que ainda sofreram com a repressão da sua língua e foram
fortemente influenciados a serem oralizados. Alguns poucos conseguiram
ter treinamento com fonoaudiólogo e serem oralizados; os pais desses
surdos tinham dinheiro e financiavam o tratamento no sudeste do país.
Mas, há alguns que passaram por esse tipo de experiência, mas não
conseguiram ser oralizados. Muitos outros não tiveram ou tiveram pouco
tempo de fonoterapia. Alguns surdos, por influência da família, mesmo SAIBA MAIS
sem serem oralizados, valorizam a cultura ouvinte e, consequentemente, A professora da
desvalorizam sua cultura e a si mesmo. Universidade
Em contrapartida, há casos de surdos que não são oralizados e Federal de Santa
Catarina Gladis
outros que são, mas, ao conhecer as comunidades surdas se identificam
Perlin é uma das
com elas, se assumem como surdos e se sentem felizes com isso. maiores autoridades
Na perspectiva da visão antropológica do sujeito, entende-se no assunto sobre
que o surdo tem direito a se desenvolver e crescer como sujeito social identidade surda no
detentor de deveres e direitos. Sendo assim, o foco sai da audição do Brasil, ela é surda,
mestre e doutora.
indivíduo, ao tempo em que se chama a sociedade a enxergar os surdos
como indivíduos atuantes, como parte e como criadores de sua história.
Ao reconhecer o surdo como dententor de identidade própria,
passa-se vê-lo como pertencente a um grupo social diferente, confere-
se ao surdo todos os direitos políticos e culturais da mesma forma que
são dados a qualquer outro cidadão do país. Portanto, a visão sobre o
enigma da surdez não é mais focada na audição e na produção da fala,
mas é visto de forma global.

Resumindo

A história da educação de surdos, a partir do século XIX, foi marcada pela


tentativa de oralizá-los, embora no século XVI tenha havido uma tendência
ao aprimoramento de uma comunicação em gestos. Como a concepção,
até bem pouco tempo era de adaptar a minoria à maioria, aqueles que
possuíam limitações físicas eram submetidos a tratamentos, muitas vezes
sofridos e longos, para normalizar sua mobilidade. No caso do surdo,
o tratamento era uma tentativa de fazê-lo falar. Como consequência
houve atraso no desenvolvimento cognitivo, social e escolar do surdo. A
constatação do atraso fez com que novas alternativas na educação de
surdos fossem adotadas; surgiu então o método da Comunicação Total,

A EDUCAÇÃO E A CULTURA DE SURDOS 37


que previa a comunicação em sala de aula com o surdo com o uso de
frases oralizadas e o uso de sinais. Na sequência, surgiu o bilinguismo, que
procurava ensinar ao surdo a Libras como primeira língua e o português
como segunda língua. A partir da filosofia bilíngue, reconhece-se o surdo
como sujeito com identidade e cultura próprias. A língua de sinais é
o principal identificador da identidade e da cultura surdas, mas, devido
ao fato da Libras estar sendo desenvolvida no Brasil há pouco tempo,
existem muitos surdos que ainda não assumem a identidade como surdo.
Sendo assim, identificam-se as seguintes identidades surdas: surda, surda
híbrida, surda de transição, surda incompleta e surda flutuante.

Exercício Proposto

Observando a história da educação dos surdos percebemos sua evolução


e vimos que as fases não são estanques, ou seja, algumas ideias
são retomadas para serem acrescentadas a outras. Com base nesta
informação, responda:

a) Releia sobre as correntes da evolução histórica da educação de


surdos e enumere os pontos semelhantes e os pontos diferentes entre o
Oralismo, a Comunicação Total e o Bilinguismo.
b) Qual a importância que a Libras adquire na corrente filosófica do
bilinguismo? Argumente sua resposta usando como contraponto a
questão da identidade e da cultura surdas.

Fórum

1. Relate os sentimentos que foram despertados ao assistir o filme de


Charlie Chaplin indicado par leitura?
2. A adoção do bilinguismo demanda uma série de providências. Dentre as
apontadas nesta unidade, aponte a mais urgente e justifique.

38 UNIDADE 01
UNIDADE 02
A Língua de Sinais

OBJETIVO:
• Compreender os processos políticos de formação, estruturação e
aquisição da Libras.
A Língua de Sinais

Modalidade Sinalizada e Escrita da Libras: aspectos gerais

Como sexposto no capítulo anterior, na história da educação


de surdos, o uso da língua de sinais foi impedido durante cem anos.
Isso trouxe para a comunidade surda prejuízos incontáveis. A pessoa
surda desenvolve naturalmente a língua de sinais e precisa dela para
identificação e apropriação de sua cultura, para crescer com as interações
sociais e ter acesso aos saberes da sociedade.
No Brasil, segundo Stumpf (2005), a Libras surgiu através da
resistência dos movimentos surdos. Os surdos, embora tenham sido
expulsos das escolas em que trabalhavam no século XIX, devido à
adoção do oralismo nas escolas, continuaram se reunindo às escondidas
e se comunicando em língua de sinais, pois, a partir de então, essa
língua tornara-se marginal. Assim, a língua de sinais perdurou e os
surdos organizados em grupos lutaram pelo reconhecimento oficial de
sua língua.
A língua de sinais precisa ser vista a partir de uma abordagem
linguística sobre a função da língua em todos os seus aspectos intrínsecos.
Isso não quer dizer que se está procurando enquadrar a Libras no processo
normativo das línguas orais, mas que ela serve à comunidade surda da
mesma forma que as línguas orais servem à comunidade ouvinte. Isso
posto, é pertinente compreender o que Antunes (2009, p. 21) aborda
sobre a concepção de língua:

Isto é, a língua, por um lado, é provida de uma dimensão


imanente, aquela própria do sistema em si mesmo, do
sistema autônomo, em potencialidade, conjunto de
recursos disponíveis; algo pronto para ser ativado pelos
sujeitos, quando necessário. Por outro lado, a língua

A LÍNGUA DE SINAIS 41
comporta a dimensão de sistema em uso, de sistema
preso à realidade histórico-social do povo, brecha
por onde entra a heterogeneidade das pessoas e dos
grupos sociais, com suas individualidades, concepções,
histórias, interesses e pretensões. Uma língua que,
mesmo na condição de sistema, continua fazendo-se,
construindo-se.

Nesta perspectiva, a língua torna-se um instrumento de poder,


uma vez que através dela é que os sujeitos interagem uns com os outros,
mostrando a si próprios e negociando espaços sociais de discursos. A
comunidade ouvinte, ao obrigar o surdo a falar a língua oral, põe em
prática o ouvintismo, estigmatizando o surdo e tornando-o submisso. Essa
forma abusiva de apropriação da língua também pode acontecer com
surdos e ouvintes que ao aprenderem a língua de sinais não a divulgam
amplamente, não permitindo que a maioria das pessoas aprenda a
Libras. Essa apropriação faz com que a interação entre surdos e ouvintes
fique limitada ao grupo seleto de falante de Libras, criando assim um
gueto e promovendo também o ouvintismo, além de limitar a inserção do
surdo nos diversos setores sociais. É preciso deixar claro que a língua
surgiu da comunidade surda, não é de um falante de Libras ou de outro,
mas de toda a comunidade e de preferência que esta comunidade seja
a nacional. A Libras, ao ser aceita como oficial do país, torna-se também
um bem cultural do país ao qual todos devem ter acesso, embora mais
frequentemente utilizada nas comunidades surdas.
Porém, negar a língua de sinais ao ouvinte não lhe traz prejuízos
na mesma proporção que traz ao surdo. Impedir ao surdo a comunicação
em língua de sinais é o mesmo que isolá-lo da sociedade e tirar todo o seu
direito de construir história e cultura própria, o que se fez naturalmente
ao longo da história da sociedade sempre que se quis dominar um povo.
Nenhum grupo social tem o direito de negar essa construção a qualquer
indivíduo, por isso, no trato com o surdo deve-se ter muito cuidado para
não estar impondo-lhe uma cultura que ele naturalmente não incorporaria
como sua.
Uma das conquistas significativas para o surdo brasileiro
foi o reconhecimento da comunicação do surdo enquanto língua.
Consequentemente, foi assegurado aos surdos o direito de uso dessa
língua (Libras – Língua Brasileira de Sinais) enquanto língua natural no
Brasil.
De acordo com a lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002,

42 UNIDADE 02
Entende-se como Língua Brasileira de Sinais (Libras) a
forma de comunicação e expressão, em que o sistema
lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura
gramatical própria, constitui um sistema lingüístico de
transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades
de pessoas surdas do Brasil.

Essa conquista é muito importante para os indivíduos surdos,


porque ao garantir que o surdo possa utilizar sua língua natural, se está
garantindo seu desenvolvimento social, pois, as operações mentais com
os signos são a condição para esse tipo de desenvolvimento (VIGOTSKY,
1998). Essa conquista tem dado um novo direcionamento aos trabalhos
com os surdos e tem garantido-lhes alguns espaços de convívio com a
sociedade de maneira que possa vir a ser igualitária.
Assegurar o direito à língua de sinais ao surdo significa que há
uma tentativa de possibilitar ao surdo um melhor desenvolvimento da
sua cidadania. Segundo Pinker (2002, p.21) “a linguagem não é apenas
uma invenção cultural qualquer, mas o produto de um instinto humano
específico”. Esse respeito ao instinto do surdo comunicar-se em Libras
é um respeito sem dúvida à formação de sua personalidade e à sua
condição de ser humano. Para Fernandes (2003), significa oferecer-lhe a
possibilidade de aquisição natural da língua, ter de posse um instrumento
característico de sua comunidade, garantir-lhe um meio eficiente de
comunicação e ter um instrumento de desenvolvimento dos processos
cognitivos em tempo adequado.
Reconhecer a Libras como língua traz a compreensão de que esse
modo gestual de comunicação produz sentido, tem um sistema autônomo,
é um conjunto de recursos disponíveis e prontos, não estáticos, para
serem usados na formação dos discursos. A Libras é um sistema em uso
e preso à realidade social da comunidade surda e da sociedade como um
todo, conforme características de língua apontadas por Antunes.
A Libras, portanto, é uma língua que cumpre sua função como
qualquer outra, mas tem uma estrutura diferente da língua oral-auditiva.
Em contraposição à língua oral, a língua de sinais, possui algumas
características semelhantes e outras diferentes. A língua oral possui uma
relação arbitrária entre o significante e o significado, na língua de sinais
existe uma relação com forte motivação icônica (SALLES, 2004).
Para melhor compreensão da formação da Libras serão feitas
algumas comparações entre a língua de sinais e a língua oral-auditiva. A
primeira comparação básica é com relação a sua forma de produção nas

A LÍNGUA DE SINAIS 43
modalidades sinalizada e oral. A Libras é produzida em forma de sinais,
enquanto a língua oral-auditiva é produzida com os sons. Portanto, os
canais de produção da Libras são as mãos e o corpo e a sua forma de
recepção é a visão. A língua oral-auditiva tem como canal de produção o
aparelho fonador e sua recepção é através da audição. Muitos ouvintes
quando estão começando a aprender Libras procuram associar os sinais
a algum tipo de som e à estrutura da língua oral, mas essa associação
não existe, conforme será melhor compreendido através do estudo da
estrutura fonológica e morfológica da Libras mais adiante. Fernandes
(2003) concorda afirmando que a forma de recepção da língua de sinais
é espaço-visual, enquanto da oral-auditiva é a audição. Fernandes se
refere a espaço-visual porque os sinais são feitos com as mãos em um
espaço à frente do tronco ou apoiado no tronco.
Continuando a comparação paralela entre língua oral-auditiva
e língua de sinais, a Fonologia, própria das línguas orais-auditivas, é
equivalente à Quirologia em Libras, enquanto a representação gráfica
da língua oral auditiva é a escrita alfabética, a representação gráfica
da língua de sinais é o sign writing (CAPOVILA, 2001; STUMPF, 2005),
que significa escrita de sinais. A escrita da língua oral-auditiva é a
representação dos sons da fala, embora não seja exatamente a mesma
estrutura. Na escrita de sinais é a representação dos sinais.

Veja alguns exemplos de sinais, sinalizados e escritos:

Figura 3. Legal Fonte: Capovilla e Raphael (2001)

Figura 4. Tchau Fonte: Capovilla e Raphael (2001)

Outra característica própria das línguas orais e que também é


encontrada na língua de sinais é a sua variação interna, nos sistemas

44 UNIDADE 02
fonológico, morfológico, sintático e semântico-pragmático (FERNANDES,
2003). Assim como assume sua função social, como se pode ver nos
exemplos demonstrados para variação em língua de sinais (figura 5).

A linguagem, enquanto atividade implica que até mesmo


as línguas (no sentido sociolingüístico do termo) não
estão de antemão prontas, dadas como um sistema
de que o sujeito se apropria para usá-las segundo
suas necessidades. Sua indeterminação não resulta
apenas de sua dependência dos diferentes contextos de
produção ou recepção. Enquanto “instrumentos” próprios
construídos neste processo contínuo de interlocução
com o outro, carregam consigo as precariedades do
singular, do irrepetível, do insolúvel, mostrando sua
vocação estrutural para a mudança. (GERALDI apud
COSTA VAL, 2005, p.20).

Exemplos:

Figura 5 - Pouco (1). Fonte: Capovilla e Raphael (2001)

Figura 5.1 - Pouco (2). Fonte: Capovilla e Raphael (2001)

Os exemplos de sinais demonstrados em figura foram retirados


do Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua de Sinais
Brasileira, de Brito (1995) e do Dicionário de Língua Brasileira de Sinais
disponibilizado na web. Porém, por não serem encontrados alguns sinais
prontos no dicionário impresso ou no livro de Brito, alguns sinais foram
adaptados e para esses não há indicação de fonte.
A Libras tem a modalidade sinalizada e escrita. A modalidade

A LÍNGUA DE SINAIS 45
chamada aqui de oral corresponde à modalidade oral da língua oral-
auditiva em contraposição à escrita, enquanto o que se chama de sinalizada
corresponde à Libras gesticulada pelos surdos em contraposição à escrita
de sinais. A modalidade escrita da língua de sinais é mais conhecida como
sign writing e foi criada por Valerie Sutton, uma bailarina que desenhava
os passos da dança para representá-la na escrita (CAPOVILLA, 2001).
Sá (2000) faz uma retrospectiva histórica da trajetória do
surgimento da língua de sinais escrita no exterior e sua importação para
o Brasil. Sá afirma que em 1974 o sign writing foi criado por Valerie
Sutton, na Dinamarca, país em que foi registrada a criação da escrita de
sinais. Em 1977, foi realizado um workshop sobre sign writing; em 1978,
foram editadas as primeiras lições em vídeo; em 1979, Valerie Sutton e
a equipe do Instituto Técnico Nacional para Surdos de Rochester (NY)
fizeram alguns livretos, nos quais usaram ilustrações em sign writing e,
em 1980, Valerie Sutton apresentou uma forma de se analisar a língua
de sinais sem passar pela tradução da língua falada. Em 1996, a PUC do
RS, em Porto Alegre, formou um grupo de trabalho para pesquisas sobre
sign writing.
O sistema de escrita de sinais tem toda uma estrutura própria e
é muito diferente da escrita alfabética. A escrita de sinais representa a
imagem do sinal com todos os seus componentes.
Conforme Capovilla et al (2001, p. 1494),

a representação da língua de sinais é o ‘sign writing’, ele


é usado em todo o mundo como um sistema de escrita
visual prático para a comunicação escrita cotidiana entre
surdos, e entre surdos e ouvintes, e como um sistema de
notação linguística para o estudo científico comparativo
das línguas de sinais por parte de linguistas. [...] Esse
sistema de escrita é secundário à Língua de Sinais, ele
representa os quiremas, nas diversas dimensões, de que
se compõem os sinais nas diversas línguas de sinais.
No sentido fonológico, funciona como uma espécie de
alfabeto fonético internacional para a notação de sinais
permitindo descrições finas e minuciosas do mundo
específico com que um dado sinal é feito.

Poucas são as pessoas no Brasil que sabem escrever em sign


writing, porém, essa é uma habilidade necessária para o avanço dos
estudos científicos em Libras e para o desenvolvimento da alfabetização
do surdo. De acordo com Rosa (2005), o sign writing é uma escrita recente
no Brasil, pouco conhecida pelos surdos e deve ainda sofrer alterações

46 UNIDADE 02
no sentido da economia do sistema porque este ainda é extenso.
A escrita de sinais pode colaborar com os estudos linguísticos
sobre a estrutura da Libras assim como em outros estudos, por exemplo,
os que envolvem entrevistas com surdos. Recentemente, foi desenvolvida
uma pesquisa na Universidade Federal da Paraíba por Edneia Alves,
Marie Batista e Regina Valentim, sob orientação da Profª Dra. Evangelina
Faria sobre as crenças dos surdos sobre a importância da Libras em
sua vida, mas, a transcrição das respostas precisou ser feita em escrita
alfabética porque ninguém na equipe sabia escrever em sign writing.
Essa foi uma alternativa encontrada pela equipe assim como tem sido
feito por muitos pesquisadores brasileiros, no entanto, é uma agressão à
língua de sinais. Pois, se essa língua tem uma representação escrita ela
deve ser usada sempre que se tratar de transcrição da sua modalidade
sinalizada. Além do mais, a escrita alfabética não é capaz de representar
toda a estrutura da Libras sinalizada.
De acordo com Stumpf (2005), a escrita de sinais é capaz de
registrar qualquer língua de sinais sem que seja necessária a tradução
dos sinais em escrita alfabética. Conforme Capovilla et al (2001), o sign
writing é capaz de transcrever as propriedades sublexicais das línguas
de sinais, fazer uma descrição detalhada dos quiremas em seus aspectos
fundamentais.
No decorrer do desenvolvimento da escrita de sinais foram
testadas várias formas de escrevê-la. A leitura da escrita de sinais não é
feita linearmente da esquerda para a direita como é feita pelos leitores
de língua oral. Segundo Stumpf (2005), o texto em escrita de sinais é
produzido em colunas, começando pela coluna da esquerda.
Deste modo, de acordo com a explicação de Stumpf (2005, p. 53)
e exposto na figura 6,

Leitura e escrita serão realizadas em colunas. Cada


coluna comporta três trilhos: o trilho do meio representa
o eixo central que passa pela cabeça e o meio do corpo
em posição neutra; os trilhos da esquerda e da direita
permitem delimitar duas subcolunas simétricas em
relação ao trilho central. Essas duas subcolunas e os
dois trilhos extremos servem para criar referências de
deslocamentos em relação à posição neutra do corpo e
da cabeça. Passamos a dispor então de quatro posições
possíveis sobre um mesmo eixo horizontal. Essa escrita
em colunas procura solucionar o interrogante de como
escrever uma língua tridimensional num espaço plano
como é o papel.

A LÍNGUA DE SINAIS 47
Figura 6 fonte: Stumpf (2005)

Veja na figura 7, o exemplo de escrita de texto em escrita de


sinais. Nesta figura pode-se observar como é escrito um texto em língua
de sinais, nela também há transcrição do texto em escrita alfabética.
Esta transcrição foi feita literalmente, portanto, a estrutura de texto
apresentada é exatamente a estrutura do texto em Libras.

48 UNIDADE 02
Figura 7 fonte: Stumpf (2005)

A LÍNGUA DE SINAIS 49
Uma tradução possível para este texto, a partir da transcrição em
escrita alfabética, seria a seguinte:
Tema da história: “O cavalo no jardim”. O cavalo sai andando
lentamente, anda para um lado e se sente livre, anda de lado com a
cabeça de lado. Então, vê uma vaca, a vaca olha de lado e abre e fecha
a boca. O cavalo também vê um passarinho na cerca. O passarinho
continua na cerca, então o cavalo continua andando lentamente, anda
saltitando e fica na dúvida se consegue pular. O cavalo olha pro lado,
fecha os olhos e pula alto. Ele salta, se atropela e cai bem em cima do
pau da cerca. Caiu, quebrou o pau e a cerca.
Esses dados estão aqui expostos apenas como ilustração porque
esse assunto está longe de se esgotar, foi feito assim como forma de
reconhecer a importância da escrita de sinais.
A seguir será feita uma explanação básica a respeito da estrutura
da língua de sinais e todos os exemplos serão expostos baseados na
língua sinalizada, embora sejam mantidas as representações escritas de
sinais nas figuras apresentadas, sempre que possível.

A Estrutura Fonológica e Morfológica da Libras

As gramáticas da Libras surgidas tiveram sua construção baseada


no formato da gramática normativa da língua oral. Dessa forma, foram
observados os respectivos correspondentes na Libras para a estrutura
fonológica, morfológica, sintática, semântica e pragmática, até porque as
línguas têm tais estruturas.
No campo da fonologia, procurou-se encontrar as unidades
mínimas sem significado do sinal (QUADROS; KARNOPP, 2004). O
termo fonológico está sendo utilizado aqui porque está sendo seguida a
terminologia de Brito (1995) e Quadros e Karnopp (2004). Os estudiosos
da estrutura fonológica da língua de sinais organizam as unidades
mínimas em parâmetros. Conforme Brito (1995), há cinco parâmetros na
Libras agrupados em primários e secundários. Os parâmetros primários
são Configuração de Mãos (CM), Ponto de Articulação (PA) e Movimento
(M). Os secundários são dois, denominados de forma mais clara a partir
da classificação dada por Quadros e Karnopp (2004): Orientação (Or) e
Expressões Não Manuais (ENM).
Por morfologia entende-se o estudo da unidade mínima que contém
significado. Na morfologia o que se leva em consideração são as várias
combinações mínimas que dão significado a um termo. Então, toda a

50 UNIDADE 02
exposição feita nesta parte partirá da fonologia até a morfologia, ou seja,
será apresentada a unidade mínima e em seguida serão explicitadas as
possibilidades de combinação para se chegar a um significado.
Neste subcapítulo todos os aspectos fonológicos serão explicados
levando em consideração a possibilidade de se ter o componente
morfológico em cada exemplo. Assim, cada parâmetro que sozinho não
tem significado será explanado de forma que se possa enxergá-lo dentro
de um sinal, que é a parte com significado.

Configuração de Mãos (CM)

As configurações de mão são as formas que a mão assume para,


em combinação com outra forma, poder adquirir um significado. Brito
(1995, p.36) afirma “são as diversas formas que a(s) mão(s) toma(m) na
realização do sinal’’.
Na figura 8 há todas as configurações possíveis que a mão pode
assumir ao realizar um sinal.

Figura 8 (configuração de mãos Fonte: http://www.acessobrasil.org.br/libras)

A combinação de cada configuração dessas pode ser com o Ponto


de Articulação (PA), com o Movimento (M), com a Orientação (Or) e/ou
com as Expressões Não Manuais (ENM). Essas combinações podem ser
uma a uma ou com mais de uma.

A LÍNGUA DE SINAIS 51
Por exemplo, a palavra ‘’pouco’’ (CM + PA – espaço neutro; Figura
9).
Nesse sinal, é preciso apenas ter uma configuração de mão,
na qual dois dedos são postos paralelamente e parada. É necessário
colocar a mão com a Configuração de Mão em frente ao corpo. Como ela
não toca nenhuma parte do corpo, o Ponto de Articulação é considerado
espaço neutro, conforme pode ser verificado a seguir:

Figura 9 (fonte: Capovilla e Raphael, 2001)

Ponto de Articulação (PA)

O ponto de articulação é o local do corpo onde é feito o sinal. Para


a formação dos sinais a CM se apoia em uma parte do corpo, pode ser
na região da cabeça, tronco, braços, mão ou à frente do corpo. É muito
interessante a observação de Brito (1995, p. 38), quando afirma que,

Os sinais realizados em contato ou próximos a


determinadas partes do corpo pertencem, muitas vezes,
a um campo semântico específico, organizado a partir
de características icônicas. O que se refere à visão é
realizado perto dos olhos; o que se refere à alimentação,
perto da boca; o que se refere a sentimentos, perto do
coração; o que se refere a raciocínio perto da cabeça.

O PA também é responsável pelo significado. Os pontos de


articulação podem ser vistos na figura 10. Os círculos indicam a base
dos pontos de articulação. Na cabeça, pode haver contato na testa, no(s)
olho(s), no nariz, na boca, no queixo ou nas bochechas. No tronco, o
sinal pode ter contato nos ombros, no peito, na barriga ou até mesmo
no quadril. Nos braços, o contato pode ser no antebraço, no braço ou
no pulso. Esses contatos dos braços podem ser na parte de dentro ou
de fora. O espaço neutro é toda a parte da frente do tronco onde a mão
alcança, é o tipo de PA em que não há contato. O contato também pode
ser realizado na mão, na palma ou nas costas da mão.

52 UNIDADE 02
Figura 10

O PA é definidor de significado porque uma determinada CM pode


ter significados diferentes dependendo do ponto de articulação em que
ela seja posicionada.
Tanto na palavra ‘’um’’, figura 11, quanto na palavra ‘’nariz’’, figura
11.1, a CM é a mesma, mas, os pontos de articulação são diferentes.
O ponto de articulação da palavra ‘’um’’ é o espaço neutro, que é o
local à frente do tronco, e o ponto de articulação da palavra ‘’nariz’’ é na
região da cabeça – mais especificamente no próprio nariz. Outros sinais
bastante conhecidos e facilmente encontrados na Internet e que têm uma
configuração de mão e localização no espaço neutro são a representação
das letras do alfabeto e dos numerais (figura 12).

Figura 11

Figura 11.1

A LÍNGUA DE SINAIS 53
Figura 12. Fonte: http://www.feneis.org.br/page/libras_alfabeto.asp#feneis

Movimento (M)

O movimento das mãos ou do corpo também é uma unidade


mínima que contribui para a significação do sinal. Os movimentos com
as mãos podem ser de circular, em espirais, ondulado e de fricção. Brito
(1995) diz que o movimento tem direção, aspecto muito importante para
compreensão dos verbos direcionais em Libras. Assim, tem-se a direção
do movimento para cima, para baixo, para frente, para trás e para os lados.

54 UNIDADE 02
Ainda há o movimento repetido, ou seja, quando o mesmo movimento
acontece repetidamente, este dá a ideia de continuidade que em geral
está ligada à ação. Uma mesma configuração e um mesmo ponto de
articulação, mas com movimentos diferentes podem gerar significados
diferentes. Um exemplo parecido é como acontece com os sinais ‘’legal’’
e ‘’avaliação’’ (figura 13 e figura 13.1). O sinal legal tem a configuração de
mão com o dedo polegar esticado para cima e os demais dedos da mão
fechados, no ponto de articulação há espaço neutro e sem movimento.
O sinal avaliação tem a mesma configuração de mão e o mesmo ponto
de articulação, mas o movimento muda: passa a ter movimento repetido
para baixo e para cima.

Figura 13

Figura 13.1 ( fonte Capovilla e Raphael, 2001)

Observe os exemplos: ‘’calma’’ tem o movimento de cima para


baixo (figura 14), ‘’computador’’ tem o movimento circular, (figura 15)
‘’conhecer’’ tem o movimento para frente e para trás em frente ao queixo
(figura16), ‘’todo dia’’ tem os movimentos para a direita e para a esquerda
localizados na fonte da cabeça (figura 17), ‘’furacão’’ com movimento em
espiral (figura 18) e ‘’morte’’ com movimento da esquerda para a direita
localizado abaixo do pescoço (figura 20). O fato de o movimento ser
um parâmetro de produção de unidades mínimas sem significado não
quer dizer que não haja sinal sem movimento, há sinais completamente
estáticos, como por exemplo o sinal ‘’gordo’’, (figura 19).

A LÍNGUA DE SINAIS 55
Figura 14
Fonte Capovilla e Raphael, 2001

Figura 15
Fonte Capovilla e Raphael, 2001

Figura 16
Fonte Capovilla e Raphael, 2001

Figura 17
Fonte Capovilla e Raphael, 2001

Figura 18
Fonte Capovilla e Raphael, 2001

56 UNIDADE 02
Figura 19
Fonte Capovilla e Raphael, 2001

Figura 20
Fonte Capovilla e Raphael, 2001

Orientação (Or)

Quadros e Karnopp (2004) definem ‘’orientação’’ como sendo a


direção que a mão assume no momento da produção do sinal. Neste
caso, há sinais que mudam seu significado dependendo da posição em
que está a palma da mão, por exemplo: ‘’criança’’ (figura 21), cuja posição
é a palma da mão direcionada para baixo e ‘’prometer’’ (figura 21.1) no
qual a palma da mão está direcionada para frente.

Figura 21
Fonte Capovilla e Raphael, 2001

Figura 21.1
Fonte Capovilla e Raphael, 2001

A LÍNGUA DE SINAIS 57
Expressões Não Manuais (ENM)

Em geral, as palavras em Libras são formadas com mais de dois


parâmetros porque é muito frequente o uso das ENMs pelos surdos. As
ENMs são muito importantes e, embora muitas pessoas não as percebam
como definidoras de significado, são capazes de completar muitas
informações que os surdos querem expressar. Os estudos linguísticos
acerca das ENMs já têm encontrado sua funcionalidade na língua de
sinais. Algumas ENMs são as faciais, conforme pode ser visto nas figuras
de 22 a 28.

‘’alegria’’ - figura 22. ‘’raiva’’ - figura 23.


Fonte: www.acessobrasil.org.br/libras Fonte:www.acessobrasil.org.br/
libras

‘’preocupação’’ - figura 24 . ‘’dúvida’’ - figura 25.


Fonte: www.acessobrasil. Fonte: www.acessobrasil.org.br/libras
org.br/libras

58 UNIDADE 02
‘’sério’’ - figura 27.
‘’desespero’’ - figura 26.
Fonte:www.acessobrasil.
Fonte:www.acessobrasil.org.br/libras
org.br/libras

‘’admiração’’ - figura 28.


Fonte: www.acessobrasil.org.br/
libras

O uso de um parâmetro ou a combinação entre dois ou mais é


que forma os sinais com significado da língua de sinais. Então, para se
produzir um sinal é preciso estar atento à configuração de mão que está
sendo utilizada e à forma como esta está sendo usada. Para compreender
o que está sendo dito é preciso perceber o sinal e todo o espaço em
que ele é produzido. Por exemplo: se um enunciado relata um fato triste
haverá uma carga muito forte de ENM. Por isso, para compreender
as frases não se pode tentar acompanhar as mãos olhando fixamente
nelas, é preciso olhar para o rosto do interlocutor e perceber todos os
movimentos com sinais que são feitos. A compreensão da Libras não
passa pela decodificação de cada sinal porque entre a gesticulação
de um sinal e outro não há paradas estanques, eles são produzidos
continuamente de forma que produz um enunciado completo, de acordo
com o que se poderá observar na prática da Libras.

A LÍNGUA DE SINAIS 59
Quantificação

RECAPITULANDO A quantificação em língua portuguesa é estudada nas gramáticas


como numeral. Este é classificado como cardinal e ordinal. O primeiro é o
A fonologia da
língua de sinais que dá ideia de quantidade, que em Libras é representado pelos números
observa os cardinais, mas, na forma de sinal. O segundo dá ideia de ordem, que em
tipos de cada língua portuguesa tem um nome específico para cada um como: primeiro,
parâmetro que são:
segundo ... vigésimo. Em Libras os ordinais são diferentes dos cardinais
Configuração das
mãos (CM), Ponto até o nono, a partir do décimo se usa o número cardinal e a significação
de Articulação (PA), de ordem é definida pelo contexto. Assim, vê-se nos exemplos abaixo
o Movimento (M), expostos em frases.
Orientação (Or) e/
ou Expressões Não
Manuais (ENM). Observação:
Antes de cada figura será colocada uma frase que será escrita em
português e transcrita no código alfabético para facilitar o entendimento,
uma vez que o público alvo deste texto são ouvintes não falantes de
Libras.

Saiba Mais

Nesta unidade serão trabalhados os aspectos básicos da gramática da


Libras, mas, você pode acessar o link: http://abbapai.wordpress.com/
libras-linguagem-brasileira-de-sinais/ e ter acesso à algumas aulas em
vídeo de Libras básica, porém, veja como os sinais são feitos, mas, não
gesticule a boca como eles; os surdos fazem muito pouco isso, ok?

Frase 1 (figura 29, fonte Capovilla e Raphael, 2001): na fila tem quatro pessoas.
Libras: "fila pessoa quatro".

Nessa frase pode-se perceber que, em Libras, o verbo ter foi


omitido. É muito recorrente o uso de omissão em Libras; nem sempre o que

60 UNIDADE 02
é necessário em língua portugueso é preciso em Libras; ao falar de ‘’fila’’
já se subentende que existem pessoas, então, deduz-se que há quatro
pessoas na fila. Muitas vezes, o contexto é utilizado para compreensão
dos enunciados em Libras. Por exemplo, em Libras, a palavra pessoa
vir antecedida à quantidade deve-se ao fato de ser comum o uso dessa
inversão. Mas, também há o caso de topicalização em Libras. Se para
o interlocutor o importante é enfatizar a palavra ‘’quatro’’, a frase fica
organizada em Libras na seguinte ordem: quatro- pessoa- fila, que seria
uma ordem mais próxima da ordem do português.
É com relação a essa ordem que se deve ter cuidado, pois
muitas pessoas aprendem alguns sinais em Libras e acredita que já
pode comunicar-se fluentemente em Libras ou até mesmo ser intérprete
de Libras. Entretanto, essas pessoas muitas vezes fazem o português
sinalizado e não sinaliza em Libras propriamente. É comum iniciantes
ordenarem os vocábulos da Libras de acordo a ordem do português, até
porque a tendência de todo aprendiz é procurar semelhança entre o novo
e o já conhecido. Quanto a isso não há preocupação, só existe problema
quando um iniciante acha que pode ser intérprete, pois esta função tem
um papel social muito importante no sentido da aceitação do surdo na
comunidade ouvinte.
Mas, voltando ao caso da estrutura da Libras, veja:

Frase 2 (figura 30, fonte Capovilla e Raphael, 2001):


Na fila eu estou em terceiro lugar.
fila eu terceiro.

A LÍNGUA DE SINAIS 61
O pronome ‘’eu’’ em geral é omitido, mas ele foi posto porque aqui
não há um contexto situacional concreto, como é o caso muitas vezes na
comunicação com o surdo. Quando se inicia uma conversa com o surdo
em Libras, define-se a pessoa sobre quem se está falando, depois, nos
demais turnos da fala (enunciados falados), não se repete a pessoa,
mesmo com a utilização de pronome. Em português, a pessoa no discurso
depois de definida é retomada através do uso de pronomes referentes a
ela ou através de omissão. Em Libras não há muitas retomadas.
A palavra ‘’fila’’, tanto nesse exemplo como no outro, aparece
primeiro porque o tema central é fila. Em Libras, o início da conversa
geralmente acontece utilizando o sinal que indica o tema da conversa.
Como houve a intenção de indicar a pessoa sobre quem se fala, logo em
seguida aparece o pronome eu para depois aparecer a posição que esse
sujeito assume na fila.
Quanto ao verbo ‘’estou’’, ele não aparece porque em Libras não
existem os verbos estar e ser. Quanto à flexão de gênero - se terceiro ou
terceira - em Libras também não existe, assim como não há preposições. A
palavra ‘’lugar’’ em Libras não aparece porque não existe a necessidade,
quando se usam os ordinais já fica subentendido que se está falando de
posição.
Os ordinais referentes a primeiro, segundo e terceiro, quando se
trata de vezes, são feitos de forma diferente de quando se está falando
de posição. Assim, “Ele é o primeiro colocado” é diferente de dizer “fez a
primeira vez”. Veja o termo ‘’primeiro’’ na figura 31. Sempre que se falar
que alguma coisa foi feita de uma a três vezes, mas, que traga o sentido
de ordem e não de quantidade será feito como se vê em: primeira vez
(figura 32), segunda vez (figura 33) e terceira vez (figura 34),

Figura 31 - "primeiro"
Fonte Capovilla e Raphael, 2001

62 UNIDADE 02
Figura 32 - "primeira vez"
Fonte Capovilla e Raphael, 2001

Figura 33 - "segunda vez"


Fonte Capovilla e Raphael, 2001

Figura 34 - "terceira vez"


Fonte Capovilla e Raphael, 2001

Frase 3 (figura 35 fonte Capovilla e Raphael, 2001):


Ele foi para a fila duas vezes.
Libras: "ele foi duas vezes fila".

A LÍNGUA DE SINAIS 63
Nessa frase, o pronome aparece primeiro, porque o exemplo sendo
visto isoladamente, dá a ideia de que uma conversa está sendo iniciada
e a ordem das palavras está numa forma como se o locutor tivesse a
intenção de enfatizar o sujeito da ação: ele. Nesse contexto, aparece
primeiro o pronome e depois do verbo aparece ‘’duas vezes’’, que tem
a ideia de quantidade. Quando se imagina uma pessoa indo para a fila,
saindo e indo novamente, pensa-se numa ação repetida. Assim, a ação
de ir teve a quantidade de duas vezes. Também é usado o sinal “duas
vezes” por haver a intenção de enfatizar a quantidade, caso contrário,
apenas repetiria o verbo.
Na Libras, a preposição novamente não aparece, porque não existe
nessa língua. Existem alguns surdos que criaram um sinal à preposição
‘’para’’, mas isso ocorreu por influência de alguns ouvintes falantes de
Libras. Algumas pessoas pensam que criar sinais correspondentes para
algumas palavras da língua portuguesa é correto, mas, na verdade, o
que acontece é um desrespeito à autonomia da Libras. Os surdos quando
conversam com outros surdos não utilizam o recurso ‘’para’’ porque
não há necessidade, mesmo sem a preposição ele consegue se fazer
compreender muito bem. A necessidade na verdade é do ouvinte, cuja
estrutura de língua oral sempre há o uso de preposições.

Frase 4 (figura 36, fonte Capovilla e Raphael, 2001):


Na fila eu estou em vigésimo lugar.
Libras: "fila eu vinte".

64 UNIDADE 02
Na frase 4, o exemplo demonstra o uso do cardinal no lugar do
ordinal, que por sua vez pode ser feito assim porque é um número maior
que nove, conforme foi explicado anteriormente.

Advérbio

Na Libras, também existem os advérbios, dentre eles será


discutido aqui o advérbio de intensidade. É muito interessante a forma
como se intensifica uma ação em Libras. Em geral, os iniciantes tendem a
acrescentar o sinal ‘’muito’’ ao sinal do verbo, do adjetivo ou do advérbio
que ele quer intensificar. No entanto, em Libras o sinal muito (figura 37)
tem sentido de quantidade.

Fiigura 37, fonte Capovilla e Raphael, 2001

Frase 5 (figura 38, fonte Capovilla e Raphael, 2001).


Ele tem muitos livros.
Libras: "ele livro muito".

Na frase 6 (figura 39) há uma oração simples, na ordem direta


e contendo todas as informações que se pretende passar, mas, na
frase 7 (figura 40) a oração simples se diferencia da anterior apenas
pela existência do intensificador: ‘’muito’’. A intensidade é representada
pela repetição do sinal. Em alguns casos, a repetição de um verbo dá a
ideia de muito porque é uma ação feita repetidas vezes. Se o enunciador
quiser enfatizar a intensidade, ele acrescenta à repetição do sinal a ENM
realizada na face, como se pode observar no exemplo sobre ‘’muito
nervoso’’.

A LÍNGUA DE SINAIS 65
Frase 7 (figura 40, fonte Capovilla e Raphael, 2001):
O menino estuda muito.
Libras: "menino estudar-muito".

Frase 8 (figura 41, fonte Capovilla e Raphael, 2001):


O menino está nervoso.
Libras: "menino nervoso".

Com relação à frase 8 (figura 41), percebe-se uma boa diferença


entre a frase em português e em representação alfabética. Na
representação alfabética não tem o artigo nem o verbo estar, pois esses
dois elementos não existem em Libras. Apenas o contexto define se a
oração está falando sobre um estado ou um ser, assim como define se
está sendo falado sobre um sujeito determinado ou indeterminado. Nessa
frase também não há recorrência de intensificador, como há na Frase 9
(figura 41.1), na qual o advérbio de intensidade não aparece como CM,
mas aparece em ENM, que é a expressão facial.

66 UNIDADE 02
Frase 9 (figura 41.1):
O menino está muito nervoso
Libras: "menino nervoso-muito".

Na frase 10 (figura 42) há uma frase simples para demonstrar,


como nos outros casos, a diferença entre uma frase com intensificador
e outra sem ele. Na frase 9, há um advérbio intensificando um adjetivo,
na frase 11 (figura 43) tem um advérbio intensificando outro advérbio.
Neste caso, há a repetição do sinal da mesma forma que aconteceu com
o verbo. Quem define se a intensidade do sinal vai ser representada pela
repetição ou pela ENM é o sinal não a sua classe gramatical.

Frase 10 (figura 42, fonte: Brito, 1995):


A casa é longe
Libras: "casa longe".

Frase 11 (figura 43, fonte: Brito, 1995 e Capovilla e Raphael, 2001):


A casa é muito longe
Libras: "casa longe-muito".

A LÍNGUA DE SINAIS 67
A intensificação em Libras pode ser feita através da repetição do
sinal ou através da expressão facial ou dos dois. Em geral, quando se
trata de sentimento o recurso utilizado é a expressão facial e quando se
trata de ação o recurso mais utilizado é a repetição.

Verbos

Os verbos denominam ação, estado e fenômenos. Esta é a ideia


básica que se tem do verbo e ela pode ser usada quando se fala em
verbo na Libras, porém, há várias diferenças entre o verbo de língua oral
e o verbo em Libras.

Tempo verbal em Libras

Em português as desinências verbais são responsáveis pelo tempo


do verbo, em Libras o tempo é marcado pela mudança de movimento ou
pelo acréscimo de sinal na frase. Na frase abaixo, o tempo verbal é o
presente para ser contraponto com os demais tempos demonstrados.

Frase 12 (figura 44, fonte Capovilla e Raphael, 2001):


Eu estudo.
Libras: "eu estudar".

Frase 13 (figura 45, fonte Capovilla e Raphael, 2001):


Eu estudei.
Libras: "eu passado estudar".

68 UNIDADE 02
Na frase 13 (figura 45), o tempo é marcado pelo sinal passado.
Como se pode observar na frase transcrita em código alfabético, o sinal
passado normalmente aparece antes do verbo, mas essa não é uma
regra irredutível. O sinal passado também pode aparecer depois do verbo.
Geralmente, em início de conversa, há a preocupação de marcar o tempo
do verbo, principalmente quando se vai narrar uma história. Neste caso,
o sinal passado aparece logo antes da oração e depois não aparece
mais, assim, o interlocutor precisa ficar atento ao início da narrativa para
saber em qual tempo o caso é contado.
O sinal passado indica que a ação foi realizada em um passado
que não se sabe qual ou não se quer dizer exatamente qual é.
Diferentemente do que se pode observar na frase 14 (figura 46), neste
caso há a marcação do tempo exato, que foi num dia anterior que se
estudou. Como o sinal ‘ontem’ já se subentende que é passado, então,
não é necessário acrescentar o sinal passado. O sinal ‘ontem’ aparece
na maioria das vezes no início da oração, da mesma forma acontece com
o sinal amanhã conforme se pode ver na frase 15.

Frase 14 (figura 46, fonte Capovilla e Raphael, 2001):


Eu estudei ontem.
Libras: "ontem eu estudar".

Frase 15 (figura 47, fonte Capovilla e Raphael, 2001):


Eu estudarei amanhã.
Libras: "amanhã eu estudar".

A LÍNGUA DE SINAIS 69
16 (figura 48, fonte Capovilla e Raphael, 2001):
Eu estudarei.
Libras: "futuro eu estudar".

Com relação à classificação dos tipos de verbos, para efeito de


simplificação serão trabalhadas as classificações propostas por Brito
(1995). Em Quadros e Karnopp (2004) há outra proposta de classificação,
porém, demandaria em trabalho exaustivo para a compreensão dessas
classificações. Outro motivo para o não uso da gramática dessas autoras
é o fato da necessidade de estudos mais aprofundados a respeito dessas
questões, assim como de outras que naturalmente são necessárias, pois
os estudos linguísticos sobre Libras ainda são escassos.
Seguindo a proposta de Brito, os verbos são: continuativo,
durativo, pontual, iterativo e direcional. Esses verbos têm a característica
de incorporação porque para que ele adquira outro sentido, ou seja, para
que a ele seja acrescentado um significado, não se precisa utilizar outro
sinal junto a ele, apenas é modificada sua forma de produção. Brito afirma
que essa é uma forma de incorporação.
O verbo continuativo é o verbo que para significar uma ação
que tem ideia de continuidade basta repetir o sinal continuamente sem
nenhuma interrupção. A quantidade de vezes que o sinal vai ser repetido
depende da intensidade que se quer colocar na ação.

Frase 17 (figura 49):


O professor olha os livros dos meninos.
Libras: "professor livro menino olha-olha-olha".

70 UNIDADE 02
Outra classificação que Brito oferece para o verbo é o durativo,
embora a nomenclatura seja parecida com continuativo eles são
diferentes. O verbo durativo é marcado pela ação sem interrupção, mas,
sem demarcar repetição. É uma ação que começa e demora a cessar,
como se pode ver no exemplo da frase 18 (figura 50). Na figura vê-se
uma seta mais comprida, é para indicar a durabilidade do sinal e não
para a pessoa esticar o braço sem parar.

Frase 18 (figura 50, fonte Capovilla e Raphael, 2001):


O menino presta atenção ao professor explicando o quadro.
LIbras: "quadro professor explicar menino oooolhaaaa".

Com o mesmo verbo pode-se ter o exemplo do verbo pontual:


aquele cuja ação é realizada normalmente e é uma ação “rápida”, conforme
se vê na frase 19. O sentido que se quer passar é que o professor olha a
lição e pronto, não tem continuidade nem durabilidade.

Frase 19 (figura 51, fonte Capovilla


e Raphael, 2001):
O professor olha a lição do menino.
professor olhar lição menino.

A LÍNGUA DE SINAIS 71
Os verbos direcionais são os verbos que fazem movimento para
frente, para trás ou para um dos lados para ter a significação da ação que
se quer expressar. Os verbos direcionais são muito fáceis de aprender:
o verbo ir - exposto na frase 20 - e o verbo vir - na frase 21. O verbo ir é
feito com a configuração de mão “um” e com o movimento retilíneo que
sai de um ponto x para um ponto y. Esses pontos variam de acordo com
a pessoa com quem ele concorda e com o seu complemento, que pode
ser uma pessoa ou um lugar.
No exemplo da frase 20, os referenciais são pessoas: professor
e aluno. Note que o ponto inicial é professor (tem função de sujeito na
oração) e o ponto final é aluno (tem função de objeto na oração). Quando
os referenciais mudam, mudam-se os pontos iniciais e finais.

Frase 20 (figura 52, fonte


Capovilla e Raphael, 2001):
O professor vai até o aluno.
Libras: "professor ir-até aluno"

Quanto ao verbo vir, seu movimento é contrário ao do ir e a forma


de identificar o verbo sobre o qual se fala é observar o contexto da oração.

Frase 21 (figura 53, fonte


Capovilla e Raphael, 2001):
O aluno vem até o professor.
Libras: "aluno vir-até professor"

72 UNIDADE 02
O verbo interativo tem o sentido de ação que não cessa e para
expressar essa ação o movimento do verbo é repetido quase sem parar.
Conforme frase 22, a ação cotidiana do professor é ensinar, então,
essa não é uma ação que pode ser cometida e acabada em princípio. A
repetição indica ênfase na ação.

Frase 22 (figura 54, fonte Capovilla e Raphael, 2001):


O professor ensina.
Libras: "professor ensinar".

Então, como se pode ver, a Libras não tem mistério. Para aprendê-
la deve-se fazer a associação entre a imagem dos objetos e as ações;
deve-se desenvolver bem a compreensão dos conceitos das palavras
e buscar associação com a semântica dos sinais. Isso pode ajudar a
aumentar o acervo vocabular; é, assim, mais eficaz que a busca da
associação com as palavras em português.

A Estrutura Sintática, Semântica e Pragmática da Libras

Sintaxe é o campo da ciência linguística que estuda a produção


de significação através das relações entre as palavras e entre as frases,
observando a organização dessas. Semântica é o estudo dos significados
que as estruturas das línguas podem ter, sendo assim, ela observa as
relações de significado e de sentido, no caso, dos sinais. A pragmática
estuda a forma como são negociados os significados, dependendo da
situação, ou seja, do contexto em que ele é produzido.
Pode-se, então, afirmar a respeito da língua de sinais que os
sinais têm significado e sentido. O significado é mais ou menos estático,
mas pode ser mudado de acordo com a situação de uso, sendo assim,
também na Libras há discursos formais e informais e também um jogo de
sentido nas produções durante as interações entre interlocutores.
Aqui serão apresentadas algumas noções básicas sobre os
resultados que os estudos linguísticos sobre a Libras têm encontrado
com base em Brito (1995), Quadros e Karnopp (2004). Dentre algumas
das relações que as autoras observaram, estão: a ordem das orações,

A LÍNGUA DE SINAIS 73
modais e os tipos de negação.

Orações

O eixo central da oração é o verbo. A partir do momento em que


ele aparece, toda a organização da frase acontece em torno dele. As
orações em Libras têm a mesma função das orações da língua oral,
porém, na libras a ordem é bem mais flexível que a ordem das orações
em língua oral-auditiva.
As orações da Libras se diferenciam das orações das línguas orais
por terem maior flexibilidade à formação de orações indiretas, aquelas
em que há sujeito pós-posto por exemplo. As orações em Libras têm
basicamente três estruturas: SVO, OSV e VSO, apenas para esclarecer:
S (sujeito), V (verbo) e O (objeto), de acordo com o que se pode ver nos
exemplos expostos nas frases a seguir. Nos exemplos são exploradas as
três possibilidades de ordem com o mesmo verbo, e essa recorrência é
comum encontrar durante a comunicação com o surdo; as recorrências
são para a frase: O menino guarda o livro.

Frase 23 (figura 55, fonte Capovilla e Raphael, 2001):


Ocorrência: SVO
Libras: "menino guardar livro"

74 UNIDADE 02
Frase 24 (figura 56, fonte Capovilla e Raphael, 2001):
Ocorrência: OSV
Libras: "livro menino guardar"

Frase 25 (figura 57, fonte Capovilla e Raphael, 2001):


Ocorrência: VSO
Libras: "guardar menino livro"

A LÍNGUA DE SINAIS 75
Embora a ocorrência da frase 25 pareça esdrúxula, ela é
completamente possível em Libras porque o surdo utiliza-se de ENM
para completar o sentido da frase. Como ela não é feita mecanicamente,
passa a ter um sentido completo em Libras. Nos casos das frases 24 e
25, justifica-se a inversão da ordem através do recurso de topicalização.
Se é pretendido chamar a atenção para o Objeto Direto, então, ele é
atraído para o início da oração (frase 24), mas, se a intenção é chamar a
atenção para a ação, coloca-se o verbo no início da oração.
De acordo com o que já foi apresentado sobre estrutura da Libras,
percebe-se que há muita inversão da ordem das orações, isso acontece
porque o recurso da topicalização é bastante utilizado em Libras.

Modais

Os modais são palavras que, geralmente, vinculadas ao verbo,


acrescentam sentido ao predicado. Dessa forma, pode-se acrescentar
informação de possibilidade ou de obrigatoriedade entre outras. Dentre
os modalizadores serão apresentados alguns que estão presentes nos
estudos de Brito (1995) são eles: alético e deôntico.
O modal alético é carregado do sentido de necessidade ou de
possibilidade, com um teor de verdade.

Frase 26 (figura 58, fonte Capovilla e Raphael, 2001):


A escola pode ser boa.
Libras: "escola pode boa"

76 UNIDADE 02
Nesse exemplo, a informação indica que não há certeza da escola
estar sendo boa, mas existe a possibilidade. Ou a escola não é boa, mas,
pode vir a ser.
O modal deôntico acrescenta um sentido de obrigatoriedade ou
permissão, os modais têm subjacente o significado de norma. Na frase
27, se está afirmando que a ação não pode deixar de ser feita em algum
momento, mas deixando a possibilidade de não acontecer.

Frase 27 (figura 59, fonte Capovilla e Raphael, 2001):


O menino precisa estudar.
Libras: "menino precisar estudar"

Tipos de negação:

A negação em Libras é feita de várias formas, e abaixo estão os


exemplos com algumas dessas possibilidades.
Uso do item lexical ‘’não’’ – a negativa acontece quando é usado o
sinal correspondente ao vocábulo ‘não’ com a configuração de mão (CM)
para negar uma ação.

A LÍNGUA DE SINAIS 77
Frase 28 (figura 60, fonte Capovilla e Raphael, 2001):
O menino não come o lanche.
Libras:"menino lanche comer não"

Suprassegmental – nesse tipo de negação a expressão é realizada


com a cabeça ao mesmo tempo em que um sinal é feito com as mãos.
Esse é um dos casos de simultaneidade, pois, duas informações estão
sendo transmitidas ao mesmo tempo.

Frase 29 (figura 61, fonte Capovilla e Raphael, 2001):


O professor não acredita no menino.
LIbras: "professor acredita-não menino"

Incorporação – neste caso a negação está no próprio sinal, que


em geral tem um movimento de afastamento do corpo, como se trouxesse
a ideia de rejeição da ação. A negação é encontrada no significado do
sinal. Esses casos estão exemplificados nas frases 30 e 31.

78 UNIDADE 02
Frase 30 (figura 62, fonte Capovilla e Raphael, 2001):
O menino não gosta de estudar.
LIbras: "menino estudar gostar-não"

Frase 31 (figura 63, fonte Capovilla e Raphael, 2001):


O menino não sabe estudar.
Libras: "menino saber-não estudar"

Outras situações de negação:

Na frase 32, há uma frase afirmativa para ter uma contraposição


às frases negativas. Nas frases 33, 34 e 35 estão os exemplos das várias
possibilidades de formação de frases negativas com um mesmo verbo.

A LÍNGUA DE SINAIS 79
Frase 32 (figura 64, fonte Capovilla e Raphael, 2001):
O menino aprende
Libras: "menino aprende"

Na frase 33 há um caso de negação com o uso do item lexical


‘’não’’. Esta forma é mais parecida com a negação em português.

Frase 33 (figura 65, fonte Capovilla e Raphael, 2001):


O menino não aprende.
Libras: "menino aprender não"

Na frase 34 a negação é feita com o sinal ‘’nunca’’, porque ele traz


uma ideia de negação menos flexível que a anterior e é mais próxima da
irredutibilidade.

80 UNIDADE 02
Frase 34 (figura 66, fonte Capovilla e Raphael, 2001):
O menino nunca aprende.
LIbras: "menino aprender nunca"

Na frase 35 o uso do sinal ‘’nada’’ traz o sentido de negação e de


incapacidade.

Frase 35 (figura 67, fonte Capovilla e Raphael, 2001):


O menino aprende nada.
Libras: "menino aprender nada"

A LÍNGUA DE SINAIS 81
Com base nesses exemplos vistos, percebe-se que a escolha
por um tipo ou forma de negação depende do contexto e do sentido
pretendido para a oração.

Aquisição de Libras como Primeira língua

Além de ser um fator importante para o desenvolvimento da


identidade das pessoas e, consequentemente, para elevar a autoestima,
a língua é preponderante para o desenvolvimento do conhecimento
abstrato, portanto, do desenvolvimento cognitivo. Também é importante
para o desenvolvimento interacional dos sujeitos, através do qual
partilham conhecimentos, valores e culturas. Diante da importância que
a língua tem na vida dos sujeitos, compreende-se que o uso da língua é
um direito de todos. No caso do surdo, o direito à língua se refere ao uso
da Libras, que é a sua língua natural.
A partir do ponto de vista de que o surdo tem a língua de sinais como
língua natural, entende-se que o surdo deve aprender primeiro a Libras
e depois a língua oficial do país. Sendo assim, a Libras é sua primeira
língua (L1) e o português a sua segunda língua (L2). Pesquisadores
como Quadros (1997), Fernandes (2003), Sampaio (2007) e Di Donato
(2008) defendem a Libras como primeira língua do surdo.
Toda criança nos primeiros anos de vida tem o potencial de
aprender uma língua Vigotsky (1998) afirma que, inicialmente, a criança
aprende a se comunicar utilizando sons e gestos, porém, a quantidade
de estímulos para um ou para outro é que vai definir qual língua ela
vai melhor desenvolver. De acordo com Mayberry (1998), existe uma
forte correlação entre o período crítico do desenvolvimento do sistema
visual e o desenvolvimento do sistema linguístico, por isso, a língua de
sinais deve ser adquirida cedo. No caso do surdo a maior estimulação é
a visual, portanto, é natural que ele melhor desenvolva a percepção dos
gestos do que dos sons. Se esses gestos chegam até ele em forma de
língua, naturalmente ele a aprende. É nesta perspectiva que se diz que a
língua natural dos surdos é a de sinais.
A preocupação em defender que o surdo tenha a língua de
sinais como primeira língua a de sinais está vinculada ao cuidado com
o desenvolvimento cognitivo dele. Quanto antes uma criança aprende
uma língua, mais cedo ela sai da inteligência prática para desenvolver a
inteligência abstrata.
A língua exerce um papel importante no desenvolvimento cognitivo

82 UNIDADE 02
das pessoas, pois, segundo Vigotsky (1998), a palavra por ser carregada
de sentido exige que o sujeito realize as operações mentais para
compreendê-la, assim como para compreender as motivações de uso
dela. Por isso, a produção da fala, interpretada aqui como comunicação, é
importante para as operações cognitivas porque controla o comportamento
(VIGOTSKY, 1998). Nessa mesma linha de pensamento, Sacks (1998)
comenta que algumas pesquisas mostram que a aquisição ou não de
uma língua influencia na divisão hemisférica, ou seja, na distribuição de
certas funções dos hemisférios cerebrais. Os estudos de Piaget (1975)
corroboram com a defesa de que a língua influi no desenvolvimento
cognitivo, pois ele diz que o desenvolvimento intelectual está atrelado
ao processo de assimilação e, de forma indispensável, à acomodação.
Além disso, que “a linguagem é condição necessária à realização das
estruturas lógicas” (PIAGET, 1973, p.63).
A relação entre língua e cognição se estabelece nas operações
cognitivas mediadas pela linguagem. Tomasello (2003) afirma que
o processo de aquisição da linguagem, chamado de internalização,
transforma principalmente a natureza das representações cognitivas da
criança. Tomasello (p. 11) diz que

a linguagem é firmada sobre duas colunas básicas, uma


delas é a comunicação, seja entre humanos ou entre
animais irracionais, e a outra é o pensamento onde ocorre
o encaixe, a compreensão generalizada do mundo. [...]
À medida que a criança vai dominando os símbolos
lingüísticos de sua cultura, ela adquire a capacidade de
adotar simultaneamente múltiplos pontos de vista sobre
uma mesma situação perceptual.

A comunicação entre seres humanos ocorre através da língua e


é nas interrelações sociais que o sujeito se constitui enquanto falante
de uma língua, portanto, dominante de um código linguístico capaz de
representar pensamentos lógicos utilizados na interação verbal.
Tomasello (2003) conceitua a linguagem natural como sendo uma
instituição social simbolicamente incorporada que surgiu historicamente
de atividades sociocomunicativas preexistentes.
Quanto à influência da língua no processo interacional, parte-se
do pressuposto de que o sujeito é constituído socialmente através da
língua. Por isso, é importante que o ser humano adquira uma língua, seja
ela espaço-visual ou oral-auditiva, contanto que a aquisição seja efetiva.

A LÍNGUA DE SINAIS 83
A aquisição da língua espaço-visual ocorre naturalmente, da
mesma forma que a aquisição da língua oral-auditiva acontece para os
ouvintes. A aquisição da língua de sinais para os surdos acontece de
forma natural e “a aquisição da gramática da língua de sinais ocorre de
um modo muito semelhante a da gramática da fala, e mais ou menos na
mesma idade” (SACKS, 1998, p.133).
Para Sá (2000), a relação entre os surdos e a língua de sinais
ocorre da mesma forma que acontece a relação entre a língua oral-
auditiva e o ouvinte, eles não têm consciência do uso das estruturas
gramaticais da língua, mas as usam corretamente. Essa capacidade de
internalizar a língua de sinais e suas estruturas gramaticais, semânticas
e pragmáticas o surdo tem, desde que ele tenha oportunidade de interagir
em sua língua para apropriar-se dela.
Defender a Libras como primeira língua do surdo também é uma
forma de tutelar o direito de pensar autonomamente, de interagir com
consciência de seu papel social e de permitir-lhe impor-se na sociedade
como ser diferente.
Diante de tamanha responsabilidade da língua sobre o
desenvolvimento do surdo, é importante que a língua seja adquirida nos
primeiros anos de vida. Santana (2007, 53) afirma:

A teoria do período crítico para a aquisição da linguagem


se baseia no desenvolvimento neurológico e na
importância do input para adquirir a fala. Enquanto o
sistema neurológico está imaturo, a natureza do input
determinará a sua evolução. Mas, se a maturidade já foi
alcançada, é improvável que o sistema seja influenciado
pelo ambiente.

No entanto, há controvérsias quanto a essa indicação porque há


muitos casos de surdos que aprenderam a Libras com idade em torno
dos doze anos e outros em fase adulta. As experiências vivenciadas por
esses surdos, os quais foram proibidos de aprender Libras na infância e
não conseguiram aprender a falar português, fazem reconsiderar a idade
crítica de aquisição de língua. Conforme se pode observar no relato de
Di Donato (2008, p.1):

Há, via de regra, uma inadequação no período de


aquisição da língua de sinais como L1 e uma inadequação
metodológica, desconsiderando as suas especificidades.
Como se constrói uma identidade sem língua? Este Eu

84 UNIDADE 02
Surdo que fala uma língua minoritária. [...] A língua de
sinais deve ser adquirida nos primeiros anos de vida com
modelos surdos.

As crianças que têm acesso à língua de sinais desde bebê têm


condições para apreender a estrutura da língua em tempo normal de
aprendizagem de uma língua. O processo de aquisição via modo viso-
espacial em nada compromete a aquisição da Libras na idade em
torno de dois anos. Esse processo acontece normalmente quando os
pais interagem com as crianças desde bebês por intermédio da língua
de sinais (MAYBERRY e SQUIRES, sd). Essa é a forma ideal para a
aquisição de Libras pelos surdos, porém, o professor em sala de aula
não pode esperar receber uma criança já falante de sua língua. Muitas
crianças surdas, que nascem em lares cujos pais são ouvintes, ficam
isoladas da linguagem que os cerca (MAYBERRY, 1998) por não terem a
percepção auditiva nem pais falantes de Libras. Em geral, o que acontece
é que os surdos aprendem a Libras nas escolas e normalmente os pais
sentem muita dificuldade em aceitar a diferença do filho, portanto, sua
língua também.
Normalmente, os surdos nascem em famílias em que todas as
pessoas são ouvintes e falantes de português. O nascimento de uma
criança “deficiente” gera muito sofrimento psíquico e a reação inicial
dessas famílias é tentar encontrar um tratamento de cura da surdez. A
rejeição ao problema se estende à rejeição da língua do surdo, de forma
que as famílias pouco se interessam em aprender a língua de sinais,
além disso, sentem muita dificuldade em aprender outra língua diferente
da sua.
As famílias preferem esperar o surdo ser oralizado para se
comunicar com ele. Esse tempo de espera é longo e as perdas e o
sofrimento do surdo por falta de interação, inicialmente na família, são
imensuráveis. Em geral, o surdo quando se agrupa com seus pares
falantes de sua língua tende a se afastar da família e procura estar sempre
em companhia de seus colegas. Em contrapartida, as famílias sempre se
queixam muito, acusando o surdo de preferir as pessoas de fora ao invés
de estar com as pessoas da família, especialmente nas datas em que
convencionalmente as famílias se reúnem. Elas não param para pensar o
quanto é ruim estar no meio de pessoas em que todas estão se divertindo
e ele não tem a menor ideia do que está sendo conversado.
Como a realidade mostra que os surdos não conseguem adquirir
a Libras em tempo ideal, Fernandes (2003) advoga que a criança deve

A LÍNGUA DE SINAIS 85
aprender uma Língua até os 12 anos de idade, pois, após essa fase,
ela tem seu processo de aquisição da língua e seu desenvolvimento
cognitivo comprometidos, uma vez que a língua tem papel fundamental
nesse processo. Mas, não se pode esquecer que a língua de sinais é
essencial para a pessoa humana que é o surdo, ela é indispensável,
portanto, ela deve ser adquirida mesmo que tardiamente. Santana (2007,
64) diz que: “A aquisição de uma língua não é impossível durante a fase
adulta, porém, enquanto as crianças têm grande proficiência, os adultos
nem sempre”.
Ainda há muitos surdos pelo país que não têm Libras, por isso, os
esforços precisam ser duplos: um para garantir que as crianças surdas
adquiram o quanto antes a Libras e o outro deve ser direcionado para
aqueles surdos que não têm Libras. É preciso a possibilidade de se
fazer um mapeamento dos surdos que não têm Libras no país para criar
um programa de ensino de Libras para ele e sua família. A indicação
de idade crítica de Fernandes possibilita trabalhar com a realidade do
processo de aquisição de linguagem do surdo que tem acesso a Libras
desde pequeno.
Além da necessidade de aprendizagem da Libras sinalizada, é
necessário que o surdo aprenda a Libras escrita. Se, no caso do ouvinte,
aprender a escrita de sua língua é um caso de direito enquanto cidadão,
no caso do surdo além de ser um fator de cidadania é um caso de
respeito à sua língua. Além desses argumentos, é necessário entender
como acontece o processo de desenvolvimento do conhecimento
metalinguístico dos sujeitos. As crianças ouvintes ao chegarem à escola
já falam sua língua materna e ali ela vai aprender a pensar sua língua
metalinguisticamente. Esse é um processo lento e difícil. Porém, essa
dificuldade é ainda maior para a criança surda, não pelo fator capacidade,
mas pelo modo como vem sendo imposto o letramento ao surdo. O surdo
ao chegar à escola não conhece nada da língua portuguesa, essa é
completamente estranha para ele.
Para justificar a necessidade do conhecimento metalingüístico,
Stumpf (2005, 99) afirma:

O conhecimento do conceito metalingüístico supõe


que para refletir sobre a linguagem é necessário
poder colocar-se fora dela. Poder observá-la, e isso
está intimamente relacionado com a possibilidade de
ler e escrever. A razão pela qual ler e escrever é um
instrumento de reflexão metalingüística é a de que

86 UNIDADE 02
para poder realizar essa tarefa é necessário avaliar
os significados precisos dos termos e das relações
gramaticais entre eles para poder compreender ou
escrever textos. [...] Assim como a escrita de língua de
sinais não tem ainda reconhecimento formal na educação
dos surdos, também a língua de sinais tem muito pouco
espaço nos currículos das escolas e classes especiais.
A escrita visual direta da língua de sinais pode levar ao
bilingüismo pleno. Enquanto isso, pelas dificuldades de
ensinar que apresenta e a necessidade que representa
como instrumento de inserção social, o português escrito
poderá contar com um referencial lingüístico consistente
na L1 (Libras) que possibilitará trabalhar a L2 (português
escrito) com propriedade.

Supondo que a criança surda chegue á escola sabendo sua língua


natural (Libras), o que na maioria das vezes não acontece, a criança sem
maturidade na sua língua vai ser exposta à escrita da língua portuguesa.
Ora, se há mais diferença do que semelhanças entre a língua de sinais e a
língua portuguesa, como uma criança que ainda não tem seu pensamento
metalingüístico desenvolvido vai desenvolver a metalinguagem da língua
portuguesa o suficiente para escrever um texto “perfeito” em português?
Com base nessas dificuldades, Stumpf (2005, p.226) advoga em
prol do ensino da escrita de sinais para surdos, justificando que a escrita
de sinais é a escrita que faz sentido para a criança surda, neste sentido,
compreende que

O SignWriting é para a criança surda “ visualmente


fonético” ou uma escrita visual em perfeito acordo com as
suas potencialidades. Como a criança ouvinte constrói na
escola suas aprendizagens da língua oral com o concurso
da língua escrita e, por essa construção, acede a níveis
cada vez mais elevados de conhecimento. Assim também,
para a criança surda, aceder à escrita de sua língua de
sinais significa dotá-la de uma ferramenta indispensável
para qualificar seu grau de participação na cultura e na
sociedade. A população surda hoje é marginalizada, pois
em sua quase totalidade funcionalmente analfabeta, em
uma sociedade cada vez mais dependente da palavra
escrita (Idem).

É preciso prestar atenção na proposta de Stumpf porque as


dificuldades de escolarização para o surdo são muito grandes, devido à
estrutura que lhe é apresentada, além do mais, se a intenção é praticar o

A LÍNGUA DE SINAIS 87
bilinguismo, então, por que não valorizar a escrita de sinais?
Adotar uma política e uma metodologia do bilinguismo não pode
significar impor ao surdo o conhecimento da Libras e da língua portuguesa;
é preciso mexer com toda a estrutura educacional em prol disso. Já está
em tempo de rever qual educação bilíngue está sendo oferecida ao
surdo. Parece lógico que o princípio seja o respeito mútuo das línguas:
do ouvinte e do surdo. Sendo assim, ambos precisam aprender as duas
modalidades linguística: sinalizada e escrita.

Resumindo

A gramática de língua de sinais é tão rica quanto a gramática de


qualquer outra língua, por isso, os estudos linguísticos sobre a Libras
encontram as classes gramaticais correspondentes à fonologia, morfologia,
sintaxe, semântica e pragmática. Porém, a sua diferença de estrutura e de
produção provoca estranhamento nos aprendizes ouvintes. Compreender
a diferença entre a estrutura da Libras e do português pode ser o primeiro
passo para uma boa aprendizagem da Libras por parte do ouvinte e do
português por parte do surdo. Com relação ao surdo, é essencial que
ele aprenda primeiro a Libras, pois essa é sua língua natural. Colocar
em práticar essa abordagem linguística é uma questão de respeito à sua
condição humana.

Exercício Proposto

1. As modalidades da Libras são diferentes das modalidades de


língua oral-auditiva. A partir desse ponto de vista, enumere as diferenças
entre a estrutura da Libras e do português e escolha três exemplos expostos
na parte gramatical da Libras que representem algumas das diferenças
apontadas.

Fórum

Qual a importância do conhecimento da diferença entre a estrutura


da Libras e do português para o ensino do surdo? Justifique sua resposta
apontando exemplos.

88 UNIDADE 02
UNIDADE 03
A comunicação e a
aprendizagem por
meio da Libras

OBJETIVO:
• Compreender as formas de comunicação que o surdo pode
disponibilizar para estabelecer comunicação com outros surdos e com
ouvintes.
A comunicação e a
aprendizagem por meio
da Libras

A Comunicação Mediada pelo Intérprete de Libras na Escola

O surdo faz parte de um grupo minoritário no país e tem conseguido


maiores espaços sociais à medida que a Libras adquiriu status de língua,
cujas características são próprias e autônomas. Uma vez que o surdo
é usuário de uma língua não majoritária e não possui condições de
comunicar-se através da língua oral, o intérprete passa a ser vital durante
a comunicação entre os surdos que não falam o português e os ouvintes
que não falam a Libras.
O intérprete de Libras é aquele que transforma uma informação
em português para Libras e vice versa (QUADROS, 2004). Como toda
interação requer o uso de uma língua em comum, a interação entre
esses sujeitos acontece através da mediação de comunicação pelo
intérprete de língua de sinais. Nessa perspectiva, em locais compostos
hegemonicamente por falantes de português a interação e a participação
do surdo nos acontecimentos se dá por intermédio da interpretação.
O intérprete de línguas tem a função de verter uma determinada
informação de uma língua para outra, o que é feito de uma língua
alvo para uma língua fonte (QUADROS, 2004). A língua para a qual a
mensagem está sendo interpretada, ou traduzida, é considerada alvo e
a língua na qual se recebe tal informação é a considerada fonte. Com
relação à língua de sinais, é mais frequente a interpretação simultânea
do português oral para a Libras sinalizada. Com as exigências legais, no
que diz respeito à garantia de comunicação entre surdos e ouvintes, em
muitos eventos – principalmente aqueles promovidos pelos governos –
têm contado com a presença de intérprete de Libras.
Como esta é uma realidade nova nos eventos, ainda há muitos

A comunicação e a aprendizagem por meio da Libras 91


atropelos ao contratar o intérprete. Geralmente, os organizadores
se sentem desconfortáveis com a presença do intérprete e inseguros
na contratação desse profissional, pelo fato de não saber se estão
contratando pessoas verdadeiramente proficientes para a interpretação,
porque não conhecem nada sobre Libras nem sabem o que é necessário
para esse profissional atuar durante o evento. Por isso, é importante que
a profissão do intérprete seja divulgada e que haja o maior número de
pessoas falantes pelo menos da Libras básica.
O intérprete de Libras é um profissional que adota conduta
regrada pelo código de ética, conforme exposto no site da FENEIS. Ele
é um profissional que está em evidência durante sua atuação e precisa
atuar de frente para os interlocutores surdos e ouvintes ou até mesmo
diante de plateias (QUADROS, 2004), porque ele não pode ficar em lugar
recluso, como acontece com os intérpretes de língua oral, dado que a
Libras é uma língua visuo-espacial.
O código de ética preceitua que:

1) O intérprete deve ser uma pessoa de alto caráter


moral, honesto, consciente, confidente e de equilíbrio
emocional. Ele guardará informações confidenciais e
não poderá trair confidências as quais foram confiadas
a ele;
2) O intérprete deve manter uma atitude imparcial durante
o transcurso da interpretação, evitando interferências e
opiniões próprias, a menos que seja perguntado pelo
grupo a fazê-lo;
3) O intérprete deve interpretar fielmente e com o melhor
da sua habilidade, sempre transmitindo o pensamento, a
intenção e o espírito do palestrante. Ele deve lembrar os
limites da sua função particular - de forma neutra - e não
ir além da sua responsabilidade;
4) O intérprete deve reconhecer seu próprio nível de
competência e usar prudência em aceitar tarefas,
procurando assistência de outros intérpretes e/ou
profissionais, quando necessário, especialmente em
palestras técnicas;
5) O intérprete deve adotar uma conduta adequada
de se vestir, sem adereços, mantendo a dignidade da
profissão e não chamando atenção indevida sobre si
mesmo, durante o exercício da função;
6) O intérprete deve ser remunerado por serviços
prestados e se dispor a providenciar serviços de
interpretação, em situações onde fundos não são
disponíveis;

92 UNIDADE 03
7) Acordos em níveis profissionais devem ter remuneração
de acordo com a tabela de cada estado, aprovada pela
FENEIS;
8) O intérprete jamais deve encorajar pessoas surdas a
buscarem decisões legais ou outras em seu favor;
9) O intérprete deve considerar os diversos níveis da
Língua Brasileira de Sinais;
9) Em casos legais, o intérprete deve informar à
autoridade quando o nível de comunicação da pessoa
surda envolvida é tal, que a interpretação literal não é
possível e o intérprete, então, terá de parafrasear de
modo crasso o que se está dizendo para a pessoa surda
e o que ela está dizendo à autoridade;
10) O intérprete deve se esforçar para reconhecer os
vários tipos de assistência necessitados pelo surdo
e fazer o melhor para atender as suas necessidades
particulares;
11) Reconhecendo a necessidade para o seu
desenvolvimento profissional, o intérprete deve se
agrupar com colegas profissionais com o propósito
de dividir novos conhecimentos e desenvolvimentos,
procurar compreender as implicações da surdez e as
necessidades particulares da pessoa surda alargando
sua educação e conhecimento da vida, e desenvolver
suas capacidades expressivas e receptivas em
interpretação e tradução;
12) O intérprete deve procurar manter a dignidade, o
respeito e a pureza da Língua de Sinais. E também deve
estar pronto para aprender e aceitar sinais novos, se isto
for necessário para o entendimento;
13) O intérprete deve esclarecer o público no que diz
respeito ao surdo, sempre que possível, reconhecendo
que muitos equívocos (má informação) têm surgido por
causa da falta de conhecimento do público na área da
surdez e comunicação com o surdo. (FENEIS, sd).

A função primeira do intérprete de Libras é de mediação de


comunicação entre surdos e ouvintes (QUADROS, 2004). Portanto,
quando uma conversa ou palestra está sendo interpretada, não são as
idéias do intérprete, ou não devem ser, mas dos interactantes. Dessa
forma, uma pessoa ouvinte quando quiser falar com um surdo, deve
chamá-lo e não ao intérprete, este deve ser chamado por quem está
contratando o serviço. Uma vez presentes todos os interessados e o
intérprete, o ouvinte deve se dirigir ao surdo enquanto fala, mesmo que
ele esteja olhando para o intérprete, pois ele consegue ver através do

A comunicação e a aprendizagem por meio da Libras 93


reflexo que seu interlocutor está lhe observando. Há muitos casos em
que o ouvinte ao falar com o surdo volta todo o seu olhar e corpo para
o intérprete como se estivesse falando com o intérprete e não com o
surdo, neste caso, perde-se todo o contato olho no olho com o surdo.
Também acontece dos ouvintes – ao terem algum questionamento sobre
a surdez, sobre a cultura surda ou sobre a história de vida do surdo –
fazerem a pergunta ao intérprete. Nesses casos, uma vez que o surdo
está presente, o intérprete deve chamar o surdo para que a conversa
aconteça entre o surdo e a pessoa interessada. No entanto, em casos em
que não existe a presença do surdo o intérprete deve explicar, se souber,
porque uma das funções sociais desse profissional é a divulgação da
cultura surda.
Conforme Rosa (2005), esse profissional representa a conquista
de um dos direitos do surdo e Gesser (2006) afirma que a presença do
intérprete garante ao surdo a manifestação do seu discurso político-
ideológico. Conforme comentado anteriormente, o intérprete que sempre
se adianta para responder às questões de ordem político-ideológicas no
lugar do surdo está invertendo os papéis, mesmo que a intenção seja
de defendê-lo. Por mais que o intérprete conheça a realidade do surdo
e estude sobre sua cultura é sempre necessário que o próprio surdo fale
de si e de sua cultura, mesmo que este não tenha tanta segurança para
tal. O intérprete deve agir assim principalmente se estiver interpretando
mediante contratação e não como amigo, como acontece em muitos
casos de interpretação voluntária.
Em algumas situações, a atuação do intérprete se torna
indispensável, sobretudo em contextos de serviços sociais que não
contam com a maioria falante de Libras, espaços como: na educação, nos
hospitais, na justiça, na ação social, entre outros que sejam vinculados
aos direitos civis e sociais. Conforme Alves, Batista e Valentim (2010), a
necessidade de intérprete nos vários locais acima citados é reconhecida
pelo surdo, conhecimento que adquiriu com a própria experiência,
diria até de sofrimento. Ao conversar com um surdo engajado na luta
da comunidade fica-se sabendo de histórias absurdas por falta da
comunicação eficaz nos setores de serviços sociais básicos.
A atuação profissional do intérprete de Libras requer a interação
com o surdo, e esse, devido a sua carência de informação, requer do
intérprete um envolvimento com as questões sociais do grupo ou até
pessoais.
A interpretação é essencial para a melhoria da qualidade de vida

94 UNIDADE 03
do surdo, pois é uma forma de respeito ao direito à comunicação em
Libras, para assegurar-lhe o direito à inclusão social.
Devido à dependência que o surdo tem do intérprete em situações
de comunicação com o ouvinte não falante de Libras, alguns surdos e
alguns intérpretes têm confundido a delimitação de papéis. No caso
do surdo, a amizade com um intérprete não pode ser confundida com
a garantia de se ter assegurada a comunicação com o ouvinte. Nos
casos em que o intérprete esteja a seu dispor para resolver todos os
seus problemas, este não pode achar que deve mesmo estar sempre a
dispor do surdo porque ele não tem outra pessoa com quem contar para
resolver seus problemas. Surdos e intérpretes precisam compreender
que o contato profissional e pessoal são diferentes, ninguém quer ter
uma relação parasitológica com outra pessoa e a relação com o surdo
não deve ser assim. Tampouco o intérprete deve manter uma relação com
o surdo com o interesse de garantir seu espaço de atuação profissional,
essa garantia deve ser adquirida naturalmente.
Conflitos como esses existem porque não há uma ação política
eficaz que intervenha de forma que garanta ao surdo a presença de
intérprete em todos os setores do serviço social, assim como não há
consciência nem compromisso do setor privado.
A função do intérprete não pode se reduzir ao assistencialismo.
O intérprete deve cumprir seu compromisso em traduzir/interpretar as
informações fidedignamente, respeitando todos os princípios éticos.
Quanto ao crescimento do surdo, este o adquirirá naturalmente e através
do processo educativo; não é papel do intérprete educar o surdo, essa é
uma função da família e da escola. O surdo conta com o intérprete para,
na mediação da comunicação, poder ter a oportunidade de construir e
reconstruir significados juntamente com o outro, no caso o ouvinte. Por
isso, e nessa perspectiva, é importante uma tradução correta, idônea
e compromissada. Essa contribuição já é imensa e extremamente
importante, mas, se o intérprete é inquieto e tem uma predisposição à
filantropia a comunidade surda agradece pelos seus serviços voluntários.
A partir de uma visão idealizada, na escola a função do intérprete
é a mesma: mediar comunicação entre surdos e ouvintes. O que
diferencia esse local de outros é o fato de o intérprete precisar ter maior
conhecimento de termos da área de educação.
Na escola, a Libras é o meio de comunicação em dois tipos de
situação de ensino ao surdo: em escolas regulares que têm surdos
matriculados e em escolas ou salas de aula específicas para surdos.

A comunicação e a aprendizagem por meio da Libras 95


A escola regular é a mais conhecida de todos porque, por ela,
todos passaram um dia. É aquela em que a maioria dos alunos não
possui necessidades de atendimento especial aparente. Em contraponto
ao surdo, todos são ouvintes. Quando há um aluno surdo matriculado
nesse tipo de escola, ele fica inserido em uma sala de aula junto com
os ouvintes não falantes de Libras. Neste caso, é necessária e é pré-
estabelecida pelo Decreto 5.626/05 a contratação de intérprete de
Libras para interpretar as aulas e, assim, mediar a comunicação entre
os professores, os alunos ouvintes, os surdos e também, com o restante
da escola.
Num ambiente de sala de aula regular, o intérprete fica posicionado
à frente da turma, de frente para os surdos e próximo do quadro negro.
O posicionamento frente à turma se deve à necessidade de o intérprete
estar na frente e próximo ao quadro. Estar próximo ao quadro deve-se ao
fato de os professores, na maioria das vezes, utilizarem o quadro como
recurso visual para suas aulas, seja escrevendo, seja expondo slides.
Assim, o surdo, ao tempo em que visualiza a interpretação, tem acesso
ao que está sendo exposto. Embora ainda sejam encontrados alguns
problemas com relação à exposição e explicação simultâneas, porque
os ouvintes conseguem ouvir e ver ao mesmo tempo, mas o surdo não
consegue ver em tempo real ao mesmo tempo a interpretação e a escrita
no quadro, como é o caso de muitas aulas de matemática.
Quanto a ficar em frente aos surdos, deve-se ao fato de a Libras
ser uma língua visual, sendo assim, há a necessidade de que o surdo
tenha acesso à língua sem interferências de outros movimentos, seria
algo parecido com o ruído quando precisamos escutar algo. Por isso, é
sempre solicitada a preferência dos lugares da frente para os surdos.
Uma vez posicionado, o intérprete traduz tudo que está sendo dito
durante as aulas simultaneamente às falas, sejam elas dos professores,
sejam dos alunos nas participações das aulas. Também traduz o que os
surdos sinalizam durante as suas participações nas aulas com opiniões
e perguntas. Além das aulas em si, o intérprete atua durante a realização
de atividades em sala de aula. Quando as atividades são em grupo, o
intérprete traduz as comunicações entre os surdos e os colegas e entre os
surdos e o professor, nos momentos em que se pedem esclarecimentos
sobre as atividades. No caso da preparação das atividades, como os
surdos não sabem ou sabem muito pouco ler e escrever, o intérprete
ajuda na leitura e escrita das respostas ou produção textual.
No entanto, a necessidade de intérprete em escolas com apenas

96 UNIDADE 03
salas de aula regular não acontece apenas dentro de sala de aula. Na
maioria das vezes, pensa-se que o surdo só precisa de intérprete na sala
de aula, mas isso é engano. Ele circula por todos os espaços da escola,
por isso ele precisa se comunicar com os professores, com os colegas,
com a direção e a coordenação, com o pessoal da limpeza e com os
demais profissionais que ocupam os espaços que haja na escola.
Damázio (2007, p. 50) esclarece que,

A atuação do tradutor/intérprete escolar, na ótica da


inclusão, envolve ações que vão além da interpretação
de conteúdos em sala de aula. Ele medeia a comunicação
entre professores e alunos, alunos e alunos, pais,
funcionários e demais pessoas da comunidade em
todo o âmbito da escola e também em seminários,
palestras, fóruns, debates, reuniões e demais eventos
de caráter educacional. Com relação à sala de aula,
devemos sempre considerar que este espaço pertence
ao professor e ao aluno e que a liderança no processo de
aprendizagem é exercida pelo professor, sendo o aluno
de sua responsabilidade. [...] Não cabe ao tradutor/
intérprete a tutoria dos alunos com surdez e também é
de fundamental importância que o professor e os alunos
desenvolvam entre si interações sociais e habilidades
comunicativas, de forma direta evitando-se sempre que
o aluno com surdez, dependa totalmente do intérprete.

O fato de a comunicação ser prerrogativa de interação e por estar


em todos os espaços, o intérprete tem sofrido com vários problemas.
Um problema grande que o intérprete tem sofrido nas escolas é o
não revezamento. Um intérprete precisa parar a cada vinte minutos
para descansar os braços, pois os movimentos são repetitivos e ele
está vulnerável a ter tendinite (inflamação nos tendões). É preciso
compreender que a ação do intérprete não é um trabalho de atendimento
individual, assim, a interpretação acontece da mesma forma para um ou
mais surdos. No caso de contratação de intérprete para sala de aula, isso
é feito de acordo com a quantidade de turmas que tenham surdos.
É necessário que haja dois intérpretes por turma para que possam
fazer o revezamento a cada 20min, pois as aulas são basicamente dadas
em exposição oral, de maneira tradicional, em que o professor fala o
tempo todo ou de forma interativa com constante participação dos alunos.
Nos dois casos o intérprete não para de sinalizar, porque precisa traduzir
tudo o que está sendo dito pelas pessoas.

A comunicação e a aprendizagem por meio da Libras 97


Como as escolas só têm contratado um intérprete por turma, o
intérprete fica em média quatro horas interpretando sem parar. Não se
tem parado para pensar que a interpretação é um trabalho contínuo
e repetitivo, além de outras habilidades. Então, os contratantes têm
questionado: e nas aulas em que os professores pedem para o aluno
fazerem exercício? A resposta a esta pergunta pode ser com as seguintes
perguntas: Isto ocorre isso em todas as aulas? Todos os exercícios são
individuais? O surdo sabe ler para não precisar de tradução das questões?
Sabe escrever para não precisar de ajuda na hora da escrita? A resposta
para todas essas perguntas é ‘’não’’. Sendo assim, o intérprete tem tido
que se desdobrar para atender toda a demanda dentro de sala de aula e
fora dela.
O Decreto 5.626/05 prevê atendimento de apoio pedagógico
em horário oposto para o surdo, mas esse atendimento não tem sido
providenciado, e tem sido deixado por conta do intérprete. Entretanto, a
falta de conhecimento sobre surdez e a falta de preparo dos profissionais
para atender ao surdo demandam uma ação maior que a própria
interpretação. Aliado a essa sobrecarga, a indicação de Quadro (2004)
é que uma das funções dos intérpretes no ambiente educacional é dar
apoio aos profissionais quanto a melhor metodologia a ser trabalhada
com o surdo. A questão agora é: o intérprete é educador ou intérprete?
Se há formação em educação, em qual horário ele vai dar esse apoio?
A situação da inclusão do surdo na sala de aula regular está muito mal
remediada. Para inseri-lo em sala de aula, são necessárias medidas que
não comporta serem discutidas neste momento.
Além dos problemas que foram apontados, na sala regular de
ensino com presença de surdos muitas vezes a comunicação não lhe é
assegurada, como se pode perceber através dos dados encontrados por
Simeão (2008, p. 40),

[...] os alunos, na sua maioria, não são compreendidos


e, às vezes, sentem-se ‘forçados’ a usar de outros
meios para adquirir uma comunicação mais efetiva com
seu professor. Isso é prejudicial, pois quase sempre
a mensagem é transmitida de maneira errônea e
inadequada causando assim perdas na comunicação
e um grande constrangimento ao aluno, pois uma vez
que é incompreendido pensa que o erro parte só dele,
enquanto surdo, e sente dificuldade para outros possíveis
diálogos.

98 UNIDADE 03
Em casos como esses, professores e alunos surdos precisam
buscar alternativas para conseguir uma comunicação mínima; porém, a
falta de comunicação efetiva provoca a queda do nível de aproveitamento
dos conteúdos escolares aos quais os surdos estão expostos. Para que
haja inclusão de fato, são necessárias tomadas de medidas a fim de que
haja profissionais realmente preparados para trabalhar com esse tipo de
aluno – a comunicação é apenas a primeira de todas as medidas.

A Comunicação do surdo em Libras na Escola

Outros ambientes educacionais que os surdos frequentam e nos


quais se comunicam em língua de sinais são: a escola específica e a
sala de aula específica. A escola específica é aquela onde apenas os
surdos estudam. Nesses ambientes a comunicação que prevalece é
através da Libras e para o surdo ela é estabelecida com eficácia. Nessa
realidade, todos os profissionais precisam ser bilíngues: serem fluentes
em português e em Libras e/ou ter surdos trabalhando.
O problema que se tem enfrentado é a não garantia de se ter todos
os profissionais fluentes nesses espaços e quanto aos surdos, no país
ainda não há surdos com formação em todas as áreas do conhecimento.
O que se tem visto com relativa facilidade em algumas capitais é surdo
com formação em pedagogia e alguns surdos que estão prestes a se
formarem em Letras-Libras pela UFSC (Universidade Federal de Santa
Catarina) e futuramente também pela UFPB (Universidade Federal da
Paraíba).
A proposta é que nas escolas específicas para surdos toda a
comunicação seja em Libras, que se ensine o surdo a ler e escrever em
português e que toda a metodologia seja adequada para o surdo, porque
este tem suas especificidades.
As salas de aula específicas são salas de aula só para surdos
dentro de escolas de ensino regular. Nessas salas, espera-se que
os professores sejam bilíngues e que trabalhem com metodologias
específicas para surdos. Neste caso, como os surdos precisam circular
em todos os ambientes da escola, também é importante que todos os
funcionários e alunos sejam bilíngues.
Em casos de escolas específicas e de salas específicas, as
interações professor-aluno acontecem mais naturalmente e sem
interferência, por isso é tão importante que os professores de surdos
sejam bilíngues, também para que se garanta o mínimo de entendimento

A comunicação e a aprendizagem por meio da Libras 99


dos conteúdos a serem trabalhados em sala de aula porque, conforme
resultados encontrados na pesquisa de Simeão (2008, p.38), além da
Libras, os conhecimentos de português também são necessários para
o aprendizado desse aluno. Entretanto, na escola a realidade é bem
diferente do ideal.

Quanto a comunicação, bem sabemos, como já foi dito


antes, que ela é uma das maiores barreiras encontradas
pelos alunos no processo de escolarização e que a falta
desta, por muitas vezes tem ocasionado os altos índices
de evasão dos alunos surdos da escola. [...] nenhum
deles (professores) utiliza diretamente a LIBRAS,
aproveitando-se de recurso humano como intérpretes e
os próprios alunos ouvintes, ou mesmo materiais como
bilhetes, lousa e pincel.

A comunicação entre os sujeitos é muito importante para seu


crescimento intelectual e social. Em se tratando de relacionamento do
grupo classe, é de extrema importância a boa interação entre ‘’aluno
e aluno’’ e ‘’aluno e professor’’. Através da troca de experiências entre
alunos, eles podem adquirir autoconfiança enquanto grupo e enquanto
indivíduo, consequentemente, podem desenvolver autonomia para
realizarem seus trabalhos de classe e extra-classe. Isso compreendendo
que interagir “é um jogo complexo de expectativas recíprocas nas quais
os sujeitos constituem suas identidades no (e pelo) sistema interpessoal,
e onde a realidade social se constitui na intercompreensão” conforme as
idéias de Bange (apud, MILANEZ, 1993, p. 31).
O ideal é que o surdo conviva com falantes de Libras, principalmente
com outros surdos, porque a criança surda tem como modelo outro surdo
adulto. Em ambientes em que nem todos são surdos é preciso que as
pessoas sejam bilíngues para que esses locais não sejam limitadores
de suas interações. Em escolas específicas é preciso que todos os
profissionais sejam bilíngues, ou seja, falantes fluentes também da Libras.

Prática de Comunicação em Libras na Escola

A Libras, como qualquer outra língua, possui um amplo leque de


vocábulos, portanto, dominá-la não significa aprender alguns vocábulos
para comunicar-se minimamente com o surdo. Uma disciplina de Libras
em um curso de formação para professores, ou outros, jamais estará
formando falantes fluentes em Libras. Como se pode ver, a questão da

100 UNIDADE 03
surdez é complexa e não se podem
formar profissionais sem as noções
básicas acerca das complexidades da
educação de surdos.
Diante dessa realidade e da
necessidade da noção de comunicação
com o surdo em sala de aula, neste
subitem a intenção é apresentar
algumas frases e vocábulos em Libras
pertencentes ao contexto escolar, para Situação 1 - Crianças vão à escola (figura 68)
que o aluno tenha a noção da prática
de construções frasais e conhecimento de sinais em Libras.
Para esta apresentação, as frases serão criadas a partir de uma
figura e escritas no código alfabético, mas de acordo com a sintaxe da
Libras. Sendo assim, não haverá mais frases escritas em português
propriamente dito, pois compreende-se que a noção de construção de
frases na ordem sintática da Libras já foi trabalhada na unidade anterior.
Após a figura principal é exposta uma lista de sinais.

Menina menino vestir roupa ir escola todo-dia (figura 68.1)

A comunicação e a aprendizagem por meio da Libras 101


Menino menina mochila ter (figura 68.2)

102 UNIDADE 03
Mochila dentro caderno lápis borracha (figura 68.3)

Hora escola sete meia (figura 68.4)

Escola pessoa várias entrar (figura 68.5)

A comunicação e a aprendizagem por meio da Libras 103


Vocábulos:

Diretor (figura 68.6)

Supervisor (figura 68.7)

Coordenador (figura 68.8)

Semana (figura 68.9)

104 UNIDADE 03
Segunda-feira (figura 68.10)

Terça-feira (figura 68.11)

Quarta-feira (figura 68.12)

Quinta-feira (figura 68.13)

A comunicação e a aprendizagem por meio da Libras 105


Sexta-feira (figura 68.14)

Sábado (figura 68.15)

Domingo (figura 68.16)

Anteontem (figura 68.17)

106 UNIDADE 03
Ontem (figura 68.18)

Hoje (figura 68.19)

Amanhã (figura 68.20)

Lápis de cor (figura 68.21)

A comunicação e a aprendizagem por meio da Libras 107


Papel (figura 68.22)

Apontador (figura 68.23)

Tesoura (figura 68.24)

Cola (figura 68.25)

108 UNIDADE 03
Grampeador (figura 68.26)

Bom dia (figura 68.27)

Boa tarde (figura 68.28)

Boa noite (figura 68.29)

A comunicação e a aprendizagem por meio da Libras 109


Oi (figura 68.30)

Tudo bom?! (figura 68.31)

Situação 2 – Aula de português (figura 69)

110 UNIDADE 03
Professor ensinar português Libras (figura 69.1)

Sala estudar menino três (figura 69.2)

A comunicação e a aprendizagem por meio da Libras 111


Vocábulos:

Biblioteca (figura 69.3)

Direção (figura 69.4)

Lanchonete (figura 69.5)

Pátio escolar (figura 69.6)

112 UNIDADE 03
Banheiro (figura 69.7)

Escadas (figura 69.8)

Bilíngue (figura 69.9)

Comunicação total (figura 69.10)

A comunicação e a aprendizagem por meio da Libras 113


Oralismo (figura 69.11)

Avisar (figura 69.12)

Completar (figura 69.13)

Confundir (figura 69.14)

114 UNIDADE 03
Copiar (figura 69.15)

Corrigir (figura 69.16)

Decorar (figura 69.17)

Ler (figura 69.18)

A comunicação e a aprendizagem por meio da Libras 115


Organizar (figura 69.19)

Perguntar (figura 69.20)

Situação 3 – Alunos conversando (figura 70)

116 UNIDADE 03
Menino menina sentar escola (figura 70.1)

Menino conversar menina (figura 70.2)

Menino morar passado São Paulo (figura 70.3)

A comunicação e a aprendizagem por meio da Libras 117


Menina morar Piauí (figura 70.4)

Menina morar Piauí (figura 70.4)

118 UNIDADE 03
Palavra (figura 70.6)

Letra (figura 70.7)

Ponto final (figura 70.8)

Vírgula (figura 70.9)

A comunicação e a aprendizagem por meio da Libras 119


Ponto de exclamação (figura 70.10)

Acento circunflexo (figura 70.11)

Acento agudo (figura 70.12)

Ano (figura 70.13)

120 UNIDADE 03
Ano passado (figura 70.14)

Ano que vem (figura 70.15)

Bimestre (figura 70.16)

Semestre (figura 70.17)

A comunicação e a aprendizagem por meio da Libras 121


Resumindo

A comunicação primordial com o surdo é através da Libras, por isso,


em ambientes escolares que tenham surdos como alunos deve-se
priorizar e valorizar a comunicação em Libras. Em escolas regulares com
presença de alunos surdos a comunicação durante as aulas é mediada
pelo intérprete de Libras e em escolas ou salas de aulas específicas
para surdos os professores devem ser bilíngues, portanto, dispensa-se a
mediação do intérprete.

Exercício Proposto

1. A comunicação com o surdo pode acontecer de diversas formas, com


base no que foi estudado no capítulo enumere as formas de comunicação
com o surdo e indique qual delas é a que promove a inclusão social.

2. Pesquise uma figura do contexto escolar e descreva-a em escrita


alfabética, mas, de acordo com a estrutura sintática da Libras.

Fórum

Para oferecer uma educação de boa qualidade para o surdo a Libras


é apenas o começo, portanto, há muitas questões que envolvem esse
processo. Quais línguas são mais importantes para o surdo e até que
ponto a Libras pode ajudar?

122 UNIDADE 03
UNIDADE 04
O ensino de língua
portuguesa para
surdos e a narrativa
em Libras

OBJETIVO:
• Compreender os fatores que envolvem o ensino de língua portuguesa
para surdos e a importância da literatura infantil para o letramento dos
surdos em língua portuguesa.
A O ensino de
língua portuguesa
para surdos
e a narrativa em Libras

A Aquisição do Português como Segunda Língua

A primeira língua do surdo é a Libras, que ele adquire nas escolas


ou nas comunidades surdas, a sua segunda língua é a portuguesa, que
deve ser adquirida na escola. Portanto, é dever da escola ensinar a Libras
como primeira língua e o português como segunda língua. Isso quer
dizer que o surdo vai aprender português após conhecer a Libras, o que
demanda uma responsabilidade maior da escola, que para tanto precisa
de profissionais capacitados. Nessa perspectiva, Svartholm (1999, p. 18)
afirma:
[...] as escolas para os surdos possuem uma
responsabilidade extra no desenvolvimento da primeira
língua dos estudantes, uma vez que a maioria não possui
sua língua materna no sentido mais exato da palavra.

Conforme Freire (1999, p. 37),

La escuela de sordos tiene que darle al niño lo que no


puede darle la família, hacerse responsable de eso, y
darle um alívio a los padres que no son ni pueden ser
maestros de niños sordos, como no pudieron ser antes
logopedas.

Nessa linha de pensamento, Stumpf (2005, p. 98) afirma,

Não é a surdez em si a causa dos maiores problemas


dos surdos e sim algumas das conseqüências da
surdez, principalmente a dificuldade e distorção da vida
comunicativa que ocorrem nos casos de surdez congênita
ou pré-verbal, em que a criança, nascida em uma família
ouvinte, fica impedida de adquirir a linguagem.

O ensino de língua portuguesa para surdos e a narrativa em Libras 125


Com essa ressalva de Stumpf, percebe-se que a primeira barreira
enfrentada pelo surdo congênito, ou que tenha perdido a audição no
período pré-verbal, está na estrutura familiar. O fato da criança surda
não ter como língua materna a Libras prejudica seu desenvolvimento
linguístico e todos os outros que dele dependam, por isso o aparato deve
ser feito também às famílias.
A partir dessa realidade, a escola realmente precisa se desdobrar
para atender a demanda gerada pela necessidade de preparar o surdo
para exercer sua cidadania, cumprindo seus deveres e recebendo seus
direitos de forma digna.
Nesse entremeio, toda a estrutura educacional deve ser adequada
para atender a esse público e algumas ações já têm sido realizadas e
preconizadas em lei. Mas, ainda é necessário uma avaliação eficiente
sobre o atendimento ao surdo, para que se possa atender ao surdo de
forma a contribuir efetivamente para a melhora da sua educação. Ainda
existem muitas tentativas fracassadas quanto à educação do surdo, pois
esta só pode ser considerada de sucesso quando o aluno surdo conseguir
sair da escola letrado e com competência de competir no mercado de
trabalho e nos processos seletivos, que requerem conhecimento de
língua portuguesa de forma igual aos falantes dessa língua.
No que se refere às providências tomadas em lei a fim de melhorar
a qualidade da educação do surdo, apenas algumas estão sendo
implementadas. Dentre elas, há providências bem importantes para o
ensino de segunda língua para o surdo, e no decreto 5.626/05 indicado
que

Art. 15. Para complementar o currículo da base nacional


comum, o ensino de Libras e o ensino da modalidade
escrita da Língua Portuguesa, como segunda língua
para alunos surdos, devem ser ministrados em uma
perspectiva dialógica, funcional e instrumental, como:
I - atividades ou complementação curricular específica na
educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental;
e
II - áreas de conhecimento, como disciplinas curriculares,
nos anos finais do ensino fundamental, no ensino médio
e na educação superior.
VI - adotar mecanismos de avaliação coerentes com
aprendizado de segunda língua, na correção das
provas escritas, valorizando o aspecto semântico e
reconhecendo a singularidade lingüística manifestada no
aspecto formal da Língua Portuguesa; [...]

126 UNIDADE 04
Este último ponto tem sido bastante discutido em algumas cidades,
pois os surdos que terminam o ensino médio têm participado de processos
seletivos como: vestibulares e concursos, mas não têm conseguido ser
aprovados porque não sabem ler proficientemente. A questão é que o
surdo tem sido vítima do sistema. Hoje, já se assume que a falha no
aprendizado do português pelo aluno surdo está na metodologia e não
no aluno, embora muitos professores ainda assumam o discurso de que
o surdo não aprende português. Todavia, esse sujeito não tem culpa de
não saber ler e escrever com eficiência. Mesmo aqueles que têm uma
certa autonomia na procura de conhecimentos através dos estudos e são
dedicados e esforçados não conseguem adquirir habilidade de leitura e
interpretação suficiente para serem aprovados em processos seletivos.
Ao reconhecer a falha no sistema, as pessoas que lutam pelos
direitos dos surdos defendem que eles têm direito à prova traduzida para
Libras, é nessa perspectiva que o decreto prevê adaptação em provas
para surdos.
O ensino instrumental é previsto no decreto, mas, se esse trabalho
existe, ainda não está sendo divulgado. O ensino instrumental significa
ensinar utilizando textos que são da área de atuação profissional do surdo
ou que sejam aqueles que são utilizados na escola para aprendizagem
de outros conteúdos que não sejam língua portuguesa.
Potencial para aprender outra língua o surdo tem e alguns casos
raros existem, como o de Stumpf, autora citada neste trabalho e o caso
dado como exemplo por Freire (1999, p. 40):

[...] los uncos casos conecidos – ampliamente publicitados


– de personas sordas que han alcanzado a dominar
la lengua escrita, cursando estúdios universitario e
llegando inclusive a ser licenciados em letras y escritores
poliglotas, son casos de sordos-ciegos, entre los cuales
sobresale el de Helen Keller.

A respeito da visão sobre a capacidade do surdo para aprender


a escrita do português, Svartholm (1999, p. 19) assume o discurso da
maioria ao dizer que

[...] Ao contrário da fala, a língua escrita é totalmente


acessível através da visão. Dessa forma, ela oferece
informações significativamente mais confiáveis e
completas sobre como a língua sueca é construída do
que é possível através da fala. A fala e a leitura de lábios

O ensino de língua portuguesa para surdos e a narrativa em Libras 127


de língua falada talvez sejam melhor descritas como
uma aplicação, um domínio expandido, das habilidades
suecas que o estudante surdo adquiriu através do
aprendizado da língua escrita.

O discurso recorrente é que o surdo aprende a língua portuguesa


escrita porque pode aproveitar a percepção visual para ler, assim, não
precisa da audição para ter acesso à língua. Esse é um discurso centrado
na percepção visual do surdo, sujeito que tem melhores condições de
responder aos estímulos visuais do que aos auditivos. Nesse processo,
em se tratando de língua oral, ou o surdo se utiliza da leitura labial para
compreender o que está sendo dito ou lê sua forma gráfica: a escrita.
A experiência com o ensino de leitura labial tem mostrado que
nem todos os surdos conseguem adquirir a habilidade de leitura labial.
Além disso, a necessidade de o interlocutor ter que estar sempre de
frente para o surdo torna-se um empecilho para a comunicação.
A ideia do aproveitamento da percepção visual do surdo para
que através da visão ele apreenda a escrita é correta, mas, não é só
esse fator que conta para o ensino da língua escrita para surdos. A
aprendizagem de uma língua escrita requer muito mais que percepção
de formas das letras e de decodificação de tais formas, conforme se
poderá compreender mais adiante.
Retomando a questão da aquisição de língua portuguesa, sempre
que se fala de aquisição de segunda língua se fala da aquisição de
primeira língua também, porque mesmo durante o ensino da segunda
língua, toda a comunicação é realizada em Libras. Entretanto, na prática
metodológica, na maioria das vezes, o trato com o ensino de segunda
língua tem acontecido como se a primeira língua não influenciasse na
segunda.
As pessoas quando estão expostas a outra língua diferente da sua
língua materna tendem a tentar fazer associações para aprender melhor
e mais rápido. Acontece também de o usuário da nova língua utilizar-se
de estruturas da língua materna quando está se comunicando com essa
outra língua. Isso ocorre quando o surdo está aprendendo português ou
quando, por ter aprendido a Libras na fase adulta, está falando em Libras,
conforme se percebe no comentário de Santana (2007, p. 67, grifo nosso)
que diz, comparando o falante nativo com falantes que aprenderam sua
própria língua tardiamente, afirma que:

Os sujeitos FT (falantes tardios) produzem estruturas

128 UNIDADE 04
cristalizadas, não analisam as palavras e falham nas
análises morfológicas internas. Eles produzem palavras
em contextos nos quais uma análise seria necessária.
Também fazem manutenção de formas holísticas e
supergeneralização de formas linguísticas. Já os sujeitos
FN (falantes nativos) cometem erro predominantemente
componenciais, nos quais parte das estruturas é
produzida onde há combinação de morfemas e
generalização de várias regras.

Assim como os falantes tardios, que são os que aprendem muito


tarde uma língua, os falantes de uma nova língua tendem a memorizar
algumas estruturas para reproduzi-las quando achar oportuno. Também
utilizam estruturas da própria língua.
Por isto, o surdo quando escreve em português produz textos com
muitas recorrências de estrutura da Libras. Muitas pessoas ao ler o texto
do surdo pensam que eles escrevem aleatoriamente, mas, na verdade
é interferência da Libras. Como na Libras não existem os conectores
(artigos, preposições e conjunções) os surdos sentem muita dificuldade
para compreender a funcionalidade desses elementos nas frases e os
professores de língua portuguesa sentem muita dificuldade de ensinar.
O conhecimento da Libras por parte do professor de surdos em
muitas situações torna-se preponderante, principalmente para o ensino
de língua portuguesa para surdos. Esse pensamento é confirmado pela
visão de Fernandes (1999) e, nesta perspectiva, Dorziat e Figueiredo
(2003, p. 6) afirmam,

[...] a língua de sinais, como uma primeira língua, é


essencial para que o surdo, vendo-se a si mesmo, possa
enxergar o outro, o ouvinte, e, enxergando o outro, possa
adentrar no mundo da linguagem escrita desse, de forma
mais apropriada. [...] Na ausência da linguagem oral, que
funcionaria num primeiro momento como substrato da
linguagem escrita, que só mais tarde ganha autonomia
como um sistema simbólico de primeira ordem, a língua
de sinais exerce a função de organizadora das idéias dos
surdos. [...] Ela não é apenas o código adequado para o
ensino de surdos. O uso da língua de sinais é critério
básico para esse trabalho, assim como o são as línguas
orais no ensino de ouvintes. Ela não é apenas o código
adequado para o estabelecimento da comunicação
professsor-aluno, aluno-aluno, mas é a ferramenta
mais importante na assimilação dos significados, na
formação de sentido e na conseqüente estruturação do

O ensino de língua portuguesa para surdos e a narrativa em Libras 129


pensamento para os surdos.

Reconhecer que saber a Libras é importante para o ensino


e, consequentemente, para o profissional que trabalha com o surdo,
já é um relevante avanço. Entretanto, o ensino de segunda língua
para surdos requer que o professor seja fluente em Libras e conheça
o processo pragmático e metalinguístico da Libras. O surdo sempre
vai aprender a língua portuguesa tendo como parâmetro a sua língua
natural e o professor precisa estar atento para inferir os momentos em
que o surdo está fazendo comparação inadequada de uma sentença;
deve estar atento, por exemplo, para explicar a diferença dentro de uma
visão pragmática. Ou, no caso de haver semelhança, o professor deve
perceber e enfatizar as inferências que o aluno está fazendo.
O fato é que, no Brasil, ainda se procura o método ideal para
ensino de língua portuguesa para o surdo, postulada como segunda
língua para esse grupo. Apesar dos avanços, as dificuldades que o surdo
ainda enfrenta com relação ao aprendizado de língua portuguesa ainda
são grandes. Dorziat e Figueiredo (2003, p. 5) afirmam que “os surdos,
como grande parte dos ouvintes, não sabem ler bem e não estão aptos a
usar a língua escrita para o que ela realmente serve”, que é a interação
verbal, mesmo em se tratando de escrita. A funcionalidade da língua
escrita é basicamente interacional, pois, um determinado gênero está
direcionado ao outro com fins específicos. O texto não existe para si,
mas, para e em prol do outro e da situação na qual os interlocutores dos
discursos estão inseridos. Conforme Antunes (2009, p. 22),

A troca dos bens simbólicos, que constituem o patrimônio


cultural dos grupos humanos, passa irremediavelmente
pela mão dupla da interação verbal. Quer dizer, a
linguagem é o suporte, a mediação pela qual tudo passa
de um indivíduo a outro, de um grupo a outro, de uma
geração a outra. E é também o meio pelo qual se criam
e se instauram os valores que dão sentido a todas as
coisas, inclusive ao próprio homem.

Na tarefa de ensinar ao surdo a língua portuguesa, a escola não


pode achar que ao ensinar palavras soltas está cumprindo seu papel.
O professor de língua portuguesa para surdo não pode perder de vista
o papel social importante que essa língua exerce para os sujeitos
brasileiros. Neste sentido, este professor não pode deixar de letrar seus
alunos, caso contrário, seu fazer pedagógico correrá o risco de estar

130 UNIDADE 04
sendo um fazer excludente. Aliado a uma metodologia mediadora do
alcance do surdo das produções textuais, o ensino de língua portuguesa
deve cumprir seu papel de incluir. Dessa forma, Antunes (2009, p. 43)
sugere algumas formas de se fazer uma pedagogia inclusiva dentro de
sala de aula e através do ensino de língua:

Primeiramente, estimulando o senso crítico do aluno por


meio de múltiplas atividades de análise e de reflexão;
instigando a curiosidade, a procura, a pesquisa, a vontade
de descoberta, o que implica a não conformação com
o que já está estabelecido; desestimulando, portanto,
o simplismo e o dogmatismo com que as questões
linguísticas têm sido tratadas. [...] e de um ensino de
língua viabilizador do desenvolvimento do cidadão
crítico. Do ponto de vista mais estritamente linguístico,
o ensino de línguas poderia promover a formação do
cidadão:
• Fomentando a conscientização do grande significado
da linguagem para a construção dos sentidos de todas
as coisas;
• Concentrando-se na exploração dos usos da língua
– em todos; nos usos informais e nos usos formais, de
diferentes gêneros, de diferentes dialetos, - de modo
que o aluno possa partilhar do mundo da produção, da
circulação e da análise da cultura, com destaque, é claro,
para a arte literária;
• Incentivando toda forma de interação – como recurso
de atuação competente do sujeito nas comunidades
(família, trabalho, escola, lazer) em que está inserido;
• Fomentando a prática de observação, da análise, do
questionamento, da reflexão crítica, com a convicção
de que conhecer é um processo em constante
desenvolvimento e de que não existe um saber pronto,
acabado, inalterável;
• Estimulando o desenvolvimento de um saber geral, de
uma competência lexical, pela ampliação do repertório
de informações e da capacidade do usuário para criar,
recriar, ressignificar e incorporar novas palavras;
• Explicitando as instituições linguísticas já sedimentadas
ou ampliando as concepções acerca dos fenômenos
específicos aos usos da língua;
• Favorecendo a discussão sobre os mitos que se
impuseram sobre as línguas em geral, sobre a língua
portuguesa e sua trajetória histórica nas muitas terras
que Portugal colonizou;
• Acatando e valorizando a pluralidade linguística que
se manifesta nos mais variados falares nacionais,

O ensino de língua portuguesa para surdos e a narrativa em Libras 131


abominando, assim, todo e qualquer resquício de
discriminação ou preconceito por este ou aquele modo
de falar.

Propósitos como estes colocados por Antunes devem ser


perseguidos também pelo professor de língua portuguesa para surdos. O
que vai diferenciar é o caminho que vai ser seguido para atingir os mesmos
objetivos que se busca alcançar com os ouvintes. Não se pode pensar
que a diferença na educação do surdo está na necessidade de simplificar
o conteúdo para o surdo. Todo o trabalho deve estar voltado para ensinar
a ler e escrever porque, de acordo com Fernandes (1999, p.61), ler e
escrever são práticas culturais que pressupõem relações interculturais,
pois, embora dependam de processos individuais, são adquiridas e
exercitadas em contextos coletivos, socialmente organizados.
As pesquisas sobre produção textual do surdo têm apontado
que o surdo tem capacidade de produzir em língua portuguesa e que
o diferencial entre o texto do surdo e o do ouvinte é a interferência de
algumas estruturas da língua de sinais no texto escrito em português. Na
verdade, é importante que se pesquise sobre o impacto que a língua de
sinais tem no letramento dos surdos, para se compreender até que ponto
há interferência.
Exemplos desse tipo de texto de surdo podem ser encontrados
no trabalho de Fernandes (1999), por exemplo, na página 69 podem-se
ver frases como: “Eu precisa # camisinha mulher precisa # camisinha
mochila”. O tema da discussão era AIDS e a pessoa quer dizer que
precisa ter camisinha feminina na mochila. Provavelmente, para se
prevenir contra a AIDS. A autora colocou o símbolo do jogo da velha
para pontuar o local onde está faltando preposições. Nesse caso, a frase
estaria completamente na estrutura da língua portuguesa se estivesse
da seguinte forma: ‘’Eu preciso ter camisinha feminina e preciso tê-la
na mochila’’. Essa é uma escrita provável, não se sabe se o caso seria
realmente de apenas acrescentar a preposição ‘’de’’ após o verbo precisar,
porque ainda assim a frase estaria na estrutura da Libras. A pessoa que
escreveu ‘’camisinha mulher’’ escolheu a palavra mulher ao invés de
feminina porque em Libras a designação de feminino e masculino é feita
com as palavras mulher e homem. A falta de preposição demonstra que é
uma interferência da Libras no português, porque não existe preposição
em Libras; o surdo que usa alguma preposição o faz por empréstimo
linguístico do português. Demonstra também que o surdo que escreveu

132 UNIDADE 04
essa frase não aprendeu regência verbal. Boa parte dos problemas de
falta de preposição na escrita do surdo seria solucionada com o ensino
da regência verbal.
Em uma pesquisa em que se averiguou sobre o nível de escrita de
surdos que estudaram graduação com metodologia bilíngue, Svartholm
(1999, p. 20) encontrou indicações mostrando que

[...] Os resultados confirmam a avaliação do professor


de grupo: sua capacidade de leitura era totalmente
comparável a dos estudantes ouvintes no mesmo
grupo de idade. Sua capacidade em se expressar na
escrita ficou um tanto abaixo desse nível de habilidade
da língua. Elas ainda possuíam alguns erros menores
de gramática quando escreviam, mas sua língua era
totalmente compreensível.

Atualmente, é preciso discutir bastante a respeito do que se


entende por bilinguismo. No caso apresentado por Svartholm, os surdos
estudam em escolas especiais e são expostos ao ensino contrastivo.
A metodologia adotada é a comparação entre as estruturas da língua
sueca e da língua de sinais sueca. Eles trabalham sempre comparando
as duas línguas. Svartholm afirma que tem dado bons resultados, mas
que está longe de ser alcançado o ideal. Pelo menos, há uma tentativa
em que os surdos estão sendo expostos a uma metodologia direcionada
para suas particularidades e com profissionais que compreendem essas
particularidades, embora ainda precisem de melhor preparo, conforme
relato da autora.
Não se pode confundir a educação bilíngue com a exposição de um
aluno surdo a situações que tenham as duas línguas presentes, que é o
caso da comunicação mediada pelo intérprete. Numa sala de aula regular,
com uma aula de português na qual o objeto de estudo é o português
e onde se está discutindo sobre a estrutura da língua, a abordagem é
voltada toda para um público cuja língua materna é o português. Todo
o discurso desse tipo de aula já está pronto, levando em consideração
que o aluno, no caso o ouvinte, já conhece toda a estrutura da língua e já
tem um certo domínio do seu uso semântico e pragmático. Nem todos os
conhecimentos que são supostamente dominados pelo aluno ouvinte são
conhecidos pelo aluno surdo. Numa aula como essa, mesmo com a aula
interpretada, os alunos surdos têm pouco aproveitamento do conteúdo
explorado.
Além desse problema, em geral, em situações de aprendizagem

O ensino de língua portuguesa para surdos e a narrativa em Libras 133


em ambiente hegemonicamente de ouvinte, os surdos são colocados em
postura de complacência. De acordo com Guerrero (1998), o indivíduo
que mantém uma postura de complacência aprende menos do que o
sujeito dominante, e a partir dessa perspectiva deduz-se que os surdos
têm seu desenvolvimento cognitivo comprometido pela posição em que
se encontra nesse ambiente.
No caso de surdos que não contam com a presença de intérprete
em sala de aula regular, mas têm uma boa leitura labial, uma das muitas
queixas feitas é a não compreensão da explicação dos conteúdos nas
aulas, pois o recurso didático utilizado em sala de aula, onde a maioria
dos alunos é ouvinte, está centrado na estimulação auditiva, através de
aulas expositivas. Isso é comprovável de acordo com o dado oferecido por
Botelho (1998; p. 42) em que diz: “durante a comunicação do surdo com o
ouvinte em uma situação de leitura labial por parte do surdo, apenas 25%
é entendido por ele”. Outros, embora participem de salas compostas
por alunos exclusivamente surdos, se queixam de não compreenderem
o funcionamento da língua portuguesa para produção de leitura e escrita
com autonomia, como faz o ouvinte.
Partindo das exposições acima, percebe-se a importância que a
leitura exerce no desenvolvimento sociocognitivo das pessoas, porque
apesar de o surdo saber ler (decodificar), ele não consegue, sozinho
ou acompanhado por professores ou familiares que o auxiliam em seus
estudos, recuperar o que foi perdido em sala de aula.
Esse aluno, quando precisa ou quer um melhor desempenho
escolar, convive com a dependência de um suporte para o desenvolvimento
dos trabalhos escolares, o que acarreta, muitas vezes, desestímulo para
continuação dos estudos.
Essa situação comentada é uma visão otimista a respeito da forma
como o surdo se desenvolve no sistema escolar, mas é bem verdade
que muitos não conseguem ser oralizados, seja por possuírem surdez
profunda ou outros fatores clínicos ou por falta de oportunidade de ter
acesso a uma metodologia adequada. Como também é verdade que
existem muitos surdos, principalmente no interior do Brasil, que sequer
sabem algum sinal da Libras.
Para os surdos que já são fluentes e alfabetizados em Libras, um
aspecto que deveria ser enfatizado no ensino de português é a prática da
leitura, para servir como um atenuante dos problemas do surdo no seu
desenvolvimento escolar e como cidadão de uma sociedade letrada. A
leitura pode tornar-se um subsídio importante para seu desenvolvimento

134 UNIDADE 04
sociocognitivo e de conhecimento de mundo.
A prática da leitura representa para o aluno surdo um mecanismo
para explorar o mundo, adentrar num mundo que não se limite ao
universo restrito do grupo de amigos e familiar, um mecanismo para
garantir: informação, formação profissional, prazer, desenvolvimento
sociointeracionista e para descobrir a si mesmo através da leitura.
É importante entender os diversos fatores que são fundamentais
para o bom desempenho da atividade docente, principalmente na
área de ensino de língua portuguesa. É vital compreender que ensinar
língua não é ensinar metalinguagem; que leitura não é uma atividade
de decodificação dos termos desconhecidos, nem uma atividade de
preenchimento de tempo porque o professor não preparou alguma aula.
É importante compreender a língua como um código linguístico
comum em uma determinada sociedade, para expressão de pensamentos,
sentimentos, ideias e que nela estão impregnados valores socioculturais.
Quanto à forma de trabalhar com ela em sala de aula, é requerido do
professor mais cuidado com sua postura, pois o professor não pode
deixar parecer que sua função é julgar a competência do aluno enquanto
usuário da língua. Essa postura carrega a cultura de que uma pessoa só
é pensante à medida que pode se comunicar, dessa forma um sujeito é
considerado tão inteligente quanto melhor ele desenvolva seu discurso.
Como o uso da língua está ligado à capacidade cognitiva, o
professor deve assumir a responsabilidade de levar o aluno a entender
que sua função é de ajudá-lo a compreender a língua nas diversas
instâncias de uso. Para isso, é preciso que o professor compreenda a
função da linguagem na concepção de Chiarottino (apud OLIVEIRA,
1999, p. 75).

a linguagem depende da função semiótica ou simbólica


(capacidade de distinguir o significado do significante),
sendo essa função necessária, mas não suficiente
para a aquisição da linguagem, cujo discurso depende
de toda uma organização espaço-temporal-causal das
representações.

A postura do professor de leitura, embora como mediador, tem


também suas particularidades, portanto, conforme Garcia (1992; p. 37),
“mediar a leitura é abrir caminho para o leitor, sem apresentar uma leitura
pronta e sem colocar obstáculos no meio, permitindo que o diálogo entre
texto e leitor se processe de modo mais natural possível”.

O ensino de língua portuguesa para surdos e a narrativa em Libras 135


Para um trabalho eficiente com a língua, é importante considerar
que: “usar a língua em situação é um dos fundamentos da renovação
metodológica do ensino”. Milanez (1993, p. 32) e ainda de acordo com as
ideias de Geraldi (1997, p. 45),

Uma coisa é saber a língua, isto é, dominar as habilidades


de uso da língua em situações concretas de interação,
entendendo e produzindo enunciados, percebendo as
diferenças entre uma forma de expressão e outra. Outra
é saber analisar uma língua dominando conceitos e
metalinguagens a partir dos quais se fala sobre a língua
se apresentam suas características estruturais e de uso.

Também é relevante que o aluno compreenda o funcionamento da


língua em comunhão com o entendimento da estruturação de texto para
que possa adquirir habilidade de leitura crítica, pois, como diz Sercundes
(1997, p. 94):

Se o aluno for capaz de perceber como a língua se


organiza, notará a diversidade de discurso - que se
apresenta nas diferentes fontes e formas de leitura; dentro
e fora da sala de aula. Gradativamente terá contato com
outras visões de mundo, ampliará os conhecimentos de
si, do mundo que o cerca. Sendo autor e leitor crítico,
verificará que o domínio da variedade padrão possui
implicações sociais.

Quanto à concepção de leitura, Martins (1982, p. 17) dá uma


importante contribuição afirmando:

quando começamos a organizar os conhecimentos


adquiridos a partir das situações que a realidade nos
impõe e da nossa atuação nela; quando começamos a
estabelecer relações entre as experiências e a tentar
resolver os problemas que se nos apresentam - aí então
estamos procedendo leituras as quais nos habilitam
basicamente a ler tudo e qualquer coisa.

A partir de uma visão ampla de leitura, concebe-se que não só


existe a leitura do texto verbal, mas, do não-verbal também. E, ainda, como
justificativa dessa declaração Ferrara (1986, p. 25) concebe que: “leitura
é uma tentativa de organização entre convergências e divergências; ler é

136 UNIDADE 04
operar com o heterogêneo e organizar é saber distinguir, por comparação,
o igual e o diferente.” E de acordo com Ferrara (1986, p. 15) com relação
ao texto não-verbal: “texto não-verbal é uma linguagem sem código” e
mais adiante (p. 24) “imagens e sensações despertam a memória das
nossas experiências sensíveis e culturais, individuais e coletivas, de
modo que toda nossa vivência passada e conservada na memória seja
acionada”, pois, será o texto não-verbal um ponto de partida para o
desenvolvimento da habilidade de interpretação dos textos.
É preciso a mesma atenção com relação à produção da escrita,
porque ela está ligada diretamente à leitura; um bom leitor tem melhor
chance de produzir um bom texto. Sendo assim, é interessante a
concepção de Faraco e Tezza (1992, p. 101): “Saber ler e escrever é,
portanto, muito mais que dominar uma técnica ou um sistema de sinais: é
agir sobre o mundo e defender-se dele, sempre em situações específicas
e concretas, intencionalmente construídas e com objetivos claros”.
A partir dessas concepções, a leitura pode ser trabalhada numa
perspectiva longe da mera decodificação de palavras. Conforme Kleiman
(1998, p. 16), “os livros didáticos estão cheios de exemplos em que o
texto é apenas pretexto para o ensino de regras sintáticas, isto é, para
procurar adjetivos, sujeitos ou frases exclamativas”. Mais adiante (p. 20)
a autora ressalta que “não é uma atividade de leitura, novamente, no bom
sentido da palavra, apoiadas na nossa experiência prévia, focalizando
significados de palavras específicas ou para inferir seu significado, [...]”
e a respeito da leitura como decodificação, conforme já foi abordado
anteriormente, diz (p.20):

A atividade compõe-se de uma série de automatismos


de identificação e pareamento das palavras do texto com
as palavras idênticas numa pergunta ou comentário. Isto
é, para responder a uma pergunta sobre o texto, o leitor
só precisa passar o olho pelo texto à procura de trechos
que repitam o material já decodificado da pergunta.

Por isso, o desenvolvimento do trabalho de leitura é instigar o


aluno de forma que o leve à reflexão crítica sobre o texto lido e não
repetir respostas induzidas pelo professor ou responder questões “certas”
produzidas por livros didáticos, pois, segundo a concepção de Koch (1983)
a leitura oferece a possibilidade de haver várias interpretações e que é
preciso mostrar ao educando que para cada leitura de um mesmo texto
pode haver interpretações diferentes, assim, o leitor constrói e reconstrói

O ensino de língua portuguesa para surdos e a narrativa em Libras 137


significados para o texto e aprimora sua percepção da intencionalidade
subjacente ao discurso do escritor.
A leitura é um aspecto do ensino de língua importante na
formação do indivíduo, pois é através dela que é possível desenvolver
o amadurecimento linguístico do cidadão e a sua visão crítica enquanto
leitor e enquanto cidadão atuante numa sociedade.
O trabalho com a leitura dentro da perspectiva social e do trabalho
em situação de uso deve ser com textos variados, pois, de acordo com
Geraldi (2006, p. 92), existem diversos tipos de leitura, “leitura-busca
de informações; leitura-estudo do texto; leitura do texto-pretexto, leitura-
fruição do texto”. Para atingir o objetivo dessa proposta faz-se necessário
o estudo de textos do tipo: publicitário, literário e visual ou não-verbal.
Essa perspectiva demonstra a necessidade do trabalho de leitura como
atividade social porque em sociedade letrada exige-se dos cidadãos
competência para apreensão e aferição de informação. Conforme Cazarin
(2006, p. 301),

Ler constitui-se, assim, em uma prática social que


mobiliza o interdiscurso, conduzindo o leitor, enquanto
sujeito histórico, a inscrever-se em uma disputa de
interpretações. Este desestabiliza sentidos já dados, daí
o efeito de inconsistência de todo e qualquer texto, que se
caracteriza como uma heterogeneidade provisoriamente
estruturada.

Sendo assim, trabalha-se o letramento do aluno surdo, que é o


tipo de aprendizado eficaz que o surdo precisa, pois ele, de acordo com
a concepção de Soares (1999, p. 42),

não é alfabetização: este é que é um processo de


“pendurar” sons em letras (“ganchos”); costuma ser
processo de treino, para que se estabeleçam as relações
entre fonemas e grafemas, um processo de desmonte de
estruturas lingüísticas (“um martelo quebrando blocos de
gramática”). É prazer, é lazer, é ler em diferentes lugares
e sob diferentes condições, não só na escola, em
exercícios de aprendizagem. É informar-se através da
leitura, é buscar notícias e lazer nos jornais, é interagir
com a imprensa diária, fazer uso dela, selecionando o
que desperta interesse, divertindo-se com as tiras de
quadrinhos. É usar a leitura para se seguir instruções (a
receita de biscoito), para apoio à memória (a lista daquilo
que devo comprar), para a comunicação com quem está

138 UNIDADE 04
distante ou ausente (o recado, o bilhete, o telegrama).
É ler histórias que nos levam a lugares desconhecidos,
sem que, para isso, seja necessário sair da cama onde
estamos com livro nas mãos, é emocionar-se com as
histórias lidas, e fazer, dos personagens, amigos. É usar
a escrita para se orientar no mundo (o atlas), nas ruas
(os sinais de trânsito), para receber instruções (para
encontrar um tesouro [...] para montar um aparelho...
para tomar um remédio), enfim, é usar a escrita para não
ficar perdido. É descobrir a si mesmo pela leitura e pela
escrita, é entender-se, lendo ou escrevendo (delinear
o mapa de quem você é), e é descobrir alternativas e
possibilidades, descobrir o que você pode ser.

É importante que o aluno produza uma escrita como consequência


de um eficiente trabalho de leitura, e assim, pode-se trabalhar diretamente
com os textos dos alunos e com as reais dificuldades deles. Sercundes
(1997, p. 83) afirma isso dizendo que: “A produção, nesse caso, surge
de um processo contínuo de ensino/aprendizagem. Essa metodologia
permite integrar a construção do conhecimento com as reais necessidades
dos alunos”.
O trabalho de ensino de língua portuguesa deve ter em sua
essência o preparo para o letramento, numa perspectiva de que o ato de
ler e escrever também é uma questão política. Os sujeitos precisam da
língua portuguesa para interagir e se impor enquanto cidadãos diante da
sociedade ouvinte.

Literatura Infantil e Surdez: Reflexão Sobre Contação de


Histórias para Surdos

Na busca do letramento da criança, inclusive a surda, é importante


que várias atividades de leitura sejam realizadas na perspectiva do
trabalho com gêneros textuais. A diversidade de leitura contribui para que
o leitor tenha acesso a diversos saberes culturais e possa construir seu
leque de informações internalizadas que influenciarão nas suas leituras
ao longo da vida.
Toda leitura tem como base a ativação dos conhecimentos prévios
que são construídos com a vivência e a escola pode colaborar para sua
construção incentivando a leitura. No que se refere ao surdo, é importante
que ele aprenda a ler e a adquirir conhecimentos através da leitura. No
entanto, o surdo tem contado apenas com a Libras para essa aquisição,

O ensino de língua portuguesa para surdos e a narrativa em Libras 139


conforme Rosa e Trevizanutto (2002, p. 2),

O conhecimento prévio que o leitor surdo tem de mundo


é assimilado e transmitido através da língua de sinais. É
no uso dessa língua que se torna possível a compreensão
do texto fazendo da leitura uma atividade caracterizada
pelo engajamento e uso do conhecimento, em vez de
uma mera recepção passiva.

Se houver uma comparação entre o surdo e o ouvinte com


a mesma faixa etária e com o mesmo nível de escolaridade, pode-se
perceber o quanto o surdo está aquém em relação ao ouvinte. Respeitar
a Libras é acima de tudo respeitar o direito do ser surdo, mas isso não
quer dizer que isso signifique respeito ao estudante surdo. Respeitá-lo
nessa condição é oferecer-lhe acesso aos saberes escolares no mesmo
ou em melhor nível do que é oferecido aos ouvintes. A prática de leitura
entre os surdos tem sido desenvolvida no sentido da decodificação de
vocábulos, entretanto, ele precisa ler eficientemente porque o que tem
ocorrido é a pseudoleitura, pois, “o ato de ler sempre envolve apreensão,
apropriação e transformação de significados, a partir de um documento
escrito. Leitura sem compreensão e sem recriação do significado é
pseudoleitura” (ROSA e TREVIZANUTTO 2002, p. 5). Conforme Fülle
(2005, p. 5),

Cabe ao professor oferecer estes diferentes gêneros


como os contos de fadas, fábulas, lendas, poemas e
outros. Cada um destes gêneros traz diferentes valores
a serem considerados pelo professor. Estes vêm
mudando conforme a realidade que se vive atualmente,
correspondendo ao:
a) Espírito solidário, que enxerga o sujeito como parte
do todo;
b) Questionamento da autoridade como poder absoluto;
c) Sistema social de transformação, elevando o “ser”
sobre o “ter”;
d) Moral da responsabilidade, na qual o sujeito procura
agir conscientemente em relação ao outro;
e) Sociedade sexófila, tratando o sexo como algo natural
do ser humano;
f) Redescoberta do passado; vendo a origem das
relações do ser humano;
g) Evolução contínua da vida, vendo a morte como uma
transformação e não um fim;
h) Valorização da intuição, fazendo desaparecer os

140 UNIDADE 04
limites entre realidade e imaginação;
i) Anti-racismo, uma forma de reconhecer as diferenças
raciais;
j) A criança é um ser em formação.

Dentre os gêneros textuais que são de grande importância no


ensino infantil, os contos geram a possibilidade de trazer para o aluno
o desenvolvimento cognitivo do pensamento crítico e o acúmulo de
conhecimentos que poderão ser utilizados como conhecimentos prévios
e para a melhor compreensão de textos que se utilizam de intertexto
retirado de contos infantis e de contos de fadas. Além dessas habilidades,
a leitura de livros infantis pode trazer outras contribuições, como as
apontadas por Fülle (2005, p. 2).

Ler livros de literatura infantil é descobrir a passagem


para um mundo não só de fantasias, mas também de
realidades. Ler histórias nos permite vivenciar essas
experiências em diferentes momentos, não participando
enquanto personagem delas, mas como leitor. [...] permite
através do auto-estranhamento a reflexão e a análise que,
em conjunto com a escola, pode conseguir desequilibrar
e formar novas estruturas que levem o sujeito a pensar
com criticidade e elaborar opiniões próprias. [...] Ler
histórias para criança é sempre oportunizar que elas
possam sorrir e dar gargalhadas com situações vividas
pelos personagens, com idéias de um conto ou com o
jeito de escrever do autor, e então ser um pouco cúmplice
deste momento de humor, de brincadeiras, de fruição.
É também suscitar o imaginário, é ter a curiosidade
respondida e responder a tantas perguntas e encontrar
outras idéias para solucionar questões que incomodam
o ser humano durante a infância (como os personagens
fizeram.).

Lebedeff (2003, p. 1) compartilha do mesmo pensamento a


respeito da importância da leitura de contos para crianças, pois, para ela,

É ouvindo histórias que se pode sentir emoções


importantes, como a tristeza, a raiva, a irritação, o
bem-estar, o medo, a alegria, o pavor, a insegurança,
a tranqüilidade e tantas outras, e viver profundamente
tudo o que as narrativas provocam em quem as ouve.
É através de uma história que podem ser descobertos
outros lugares, outros tempos, outro jeito de vestir e
viver, outra ética, outra ótica.

O ensino de língua portuguesa para surdos e a narrativa em Libras 141


Portanto, a leitura é primordial no trabalho do letramento e na
formação do cidadão. Esses princípios se estendem à criança surda,
porém, muitas vezes os profissionais focam tanto sua atenção no déficit
auditivo que esquece que todas essas habilidades são necessárias
também à criança surda.
A criança surda, se estimulada corretamente e em tempo hábil,
tem as mesmas capacidades que as crianças ouvintes, a diferença é que
a comunicação acontece em Libras. Estudos indicaram que as respostas
das crianças surdas com relação ao trabalho de recontagem de narrativas
foram as mesmas que as das ouvintes. Elas possuem capacidade de
recontar a história utilizando estrutura dialógica, assumindo papel de
narrador e/ou negociando turnos do discurso. Neste sentido, Gesueli
(1998, p. 77) relata sobre sua experiência com reconto de histórias por
parte de crianças surdas:

O episódio mostra como as crianças assumem o papel


de narrador e como reelaboram a composição temática
da estória, considerando também o conhecimento
construído a partir de outros livros infantis trabalhados
em sala de aula. [...] o texto é enunciado pelo sujeito
numa composição com autonomia, fazendo do outro,
momentaneamente, audiência e não co-autor do
texto. [...] Os alunos trazem um novo sentido para o
texto, aquele que eles próprios construíram, ou seja, a
resolução da trama refere-se ao reencontro da família
(juntamente com o caçador), o que torna os personagens
muito felizes. Notamos que os alunos sobrepõem em
suas narrativas partes de outras estórias, ecos de outras
vozes.

Lebedeff (2003, p. 14) encontra os mesmos resultados e aponta


que os problemas encontrados no reconto das histórias se devia à falta
de fluência das crianças em Libras, conforme se pode ver abaixo:

Além da grande produção de proposições e inferências,


as crianças utilizaram estruturas de diálogo (exemplo: “o
sapo disse - por favor! Amigo!”), também foi expressiva
a utilização de verbos mentais [...] ao mostrar a
ilustração, a criança freqüentemente pantomima a
ação retratada. Além disso, faz mímicas faciais das
expressões dos personagens das ilustrações. [...]
Esses comportamentos, específicos de contadores de
histórias fluentes em língua de sinais, sugerem que as

142 UNIDADE 04
crianças estão bastante acostumadas com a atividade
de contar histórias e que não são apenas receptores
passivos das histórias, mas que também realizam
atividades de reconto e produção. [...] Esses dados
revelam a importância da interlocução entre contadores
de histórias surdos e ouvintes, pois ouvintes estariam
mais acostumados a utilizar estratégias “ouvintes” na
atividade de conto de histórias. Com relação às crianças
surdas, portanto, esse compartilhar histórias com o
adulto surdo torna-se essencial no seu desenvolvimento
lingüístico, pois até estratégias para contar histórias são
idiossincrásicas à língua de sinais. Além disso, deve-
se levar em conta que os professores surdos ainda são
uma minoria na educação das crianças surdas, o que
reforça a necessidade de formação desses profissionais
e de informação para os professores ouvintes sobre as
diferenças pragmáticas entre língua de sinais e língua
oral.

Lebedeff já chama a atenção para a importância da Libras no


trabalho do desenvolvimento das habilidades cognitivas na leitura ou
escuta de histórias. Com os ouvintes esse trabalho é feito com a leitura
– de preferência dramatizada – oral. Entretanto, com a criança surda
esse trabalho não pode ser feito da mesma forma: abrir o livro e ler as
palavras que lá estão escritas; embora já se tenha sonhado muito com
isso. Lebedeff (2003, p.3) alerta que não se pode trabalhar com o surdo
com a mesma perspectiva e metodologia que se trabalha com o ouvinte,
ou na perspectiva de que o surdo já possui domínio da língua escrita e
da língua oral:

Para as crianças surdas que vivem em ambientes


ouvintes, portanto, a possibilidade de receberem
histórias é muito limitada. Essas crianças precisam ter
familiares que aprendam a língua de sinais, ou conviver
com a comunidade surda, de modo que surdos adultos
contem histórias para elas. [...] Os autores solicitaram
output escrito, e sugerem que crianças surdas possuem
deficiências na habilidade de usar o esquema de
histórias durante a leitura, fato diagnosticado em razão
do número de distorções que produziam no seu reconto
escrito. Distorções que eles apontam como: recordação
equivocada, quebra da linha de história, introdução de
material novo e irrelevante, inversões temporais, etc.

Todo o trabalho com o surdo deve considerar que esse sujeito

O ensino de língua portuguesa para surdos e a narrativa em Libras 143


experiencia o mundo através da visão e essa forma de percepção do
mundo diferencia muito as produções culturais surdas, bem como seu
acesso aos bens culturais, dentre eles a produção literária. Todo o trabalho
precisa partir do estímulo visual, porque o surdo sente e percebe o mundo
através da visão, ele não sente necessidade dos sons para vivenciar as
coisas do mundo. Veja o relato de Sérgio Marmora de Andrade exposto
no trabalho de Campelo (2007, p. 101):

Nunca ouvi nenhum som sequer: as ondas no mar,


o vento, o canto dos pássaros e por aí vai. Para mim,
entretanto, esses sons nunca foram essenciais para a
compreensão do mundo, já que cada um deles sempre
foi substituído por uma imagem visual, que me transmitia
exatamente as mesmas emoções que qualquer pessoa
que ouve sente, ou talvez ainda com mais força, quem
sabe? [...] As minhas palavras nunca faltaram, e nunca
fui uma criança rebelde ou nervosa, por uma simples
razão: sempre tive como me comunicar, as pessoas em
minha volta sempre entendiam o que eu queria, pois
compartilhavam das mesmas palavras que eu: os sinais.

As imagens são tão importantes para o surdo a ponto de se


encontrar, nos relatos de Gesueli e de Lebedeff, a indicação de apontação
por parte do surdo às figuras dos livros. Eles não recorrem às palavras
para relembrar a história que está sendo contada, mas, às figuras, como
se vê: “Não se pode esquecer que os alunos também utilizam as figuras
do livro para esclarecer sua narrativa, como, por exemplo, apontar a
figura do personagem em vez de nomeá-lo pelo sinal” (GESUELI, 1998,
p. 80). Essa ideia é reforçada nos relatos sobre construção de poesias
por surdos feitos por Sutton-Spence e Quadros e no relato de Campelo,
quando fala de estratégias para ensinar ciência a surdo, qual defende a
importância da imagem visual na comunicação com o surdo.
Sobre a relação entre a construção de poemas e imagens, Sutton-
Spence e Quadros (2006, p. 117) afirmam:

A experiência sensorial de pessoas surdas é uma


característica central de muitos poemas na língua de
sinais. O som – e a ausência dele – tem lugar muito
pequeno nessas poesias e é raro encontrar um poema
na língua de sinais que foque em qualquer sentido a
perda da audição para pessoas surdas. [...] A linguagem
pode ser projetada de forma regular, uma vez que o
poeta usa recursos e sinais já existentes na língua

144 UNIDADE 04
com excepcional regularidade, ou pode ser projetada
de forma irregular, uma vez que as formas originais e
criativas do poeta trazem a linguagem para o primeiro
plano. A linguagem no primeiro plano pode trazer consigo
significado adicional, para criar múltiplas interpretações
do poema.

Quanto à importância do uso de recursos apoiados em imagens


para o ensino à criança surda Campello (2007, p. 102) afirma:

A Pedagogia, acompanhando as tendências da chamada


Sociedade da Visualidade, desdobrou-se em diferentes
sub-áreas, presentes, por exemplo: na pedagogia dos
cegos (na elaboração do seu currículo, prática, disciplina,
estratégia, evolução e jogos educativos aos cegos, ou
seja, deficientes visuais); na educação artística (como
pedagogia visual, no envolvimento atual da educação
artística e cultura visual com a pedagogia crítica e
suas ferramentas e práticas, aplicando-se também
no desenvolvimento da criatividade plástica, visual e
infantil das artes visuais); na comunicação (o estudo e
investigação do ensino da expressão e comunicação
visual, sua pedagogia e didática); na informática (o
programa pedagógico com a utilização de tecnologia
educacional através da computação, sua compreensão
e linguagem); na estética (como a representação sobre
o mundo do corpo, o gesto e cultura do corpo masculino
ou feminino, como uma pedagogia visual e mimética);
na fotografia, pintura e outros (com recursos visuais e
sua pedagogia crítica e concepção do mundo através
da subjetividade e objetividade nas artes visuais); na
formação e preparação da graduação de “professores
artistas” para o Ensino Fundamental e Médio (além da
formação pedagógica, o professor ou aluno terá uma
formação no sistema das artes: Dança, Música, Teatro
e Artes Visuais, podendo escolher qualificar-se em
qualquer uma delas). [...] O que estou fazendo não é
simplesmente uma tradução, como o intérprete de Língua
de Sinais acabou de falar, e sim uma explanação através
da imagem visual, como o outro disse. [...] Como na
Língua de Sinais, que é um campo pouco explorado, lá se
encontra a diversidade dos signos e outros sistemas de
significação através da velocidade e da expressividade
da leveza das mãos, dos braços que os desenham, na
leveza do ser no ar, no espaço ininteligível da percepção
dos olhares humanos!

O ensino de língua portuguesa para surdos e a narrativa em Libras 145


É importante que o professor de criança surda compreenda que a
língua de sinais não é tudo para o ensino ao surdo, mas, ela é o princípio
de tudo, por isso, Campelo (2007, p. 129) aponta as várias medidas que
têm sido tomadas com relação ao uso da Libras no ensino para surdo:

A Língua de Sinais, com a real importância da imagem


visual e suas implicações, tem levado ao reconhecimento
do direito lingüístico dos surdos no acesso às diversas
esferas federais, estaduais e municipais, na política
(como na execução das leis do reconhecimento da
língua de sinais), culturais (teatro), língua escrita
(como sign writing, denominada de escrita de sinais),
trabalho (presença dos intérpretes e instrutores de
Língua de Sinais) e educacionais (professores bilíngües,
professores surdos, intérpretes de Língua de Sinais,
funcionários, diretores das escolas públicas e privadas)
e para ter ao acesso à sua língua são necessárias pelo
menos as seguintes:
a) a aquisição da linguagem;
b) a língua enquanto meio e fim da interação social,
cultural, política e científica;
c) a língua como parte da constituição do sujeito, a
significação de si e o reconhecimento da própria imagem
diante das relações sociais (no sentido de Vigotsky,
1978);
d) a língua enquanto instrumento formal de ensino da
língua nativa (ou seja alfabetização, disciplinas de
língua de sinais como parte do currículo da formação de
pessoas surdas);
e) a língua portuguesa como uma segunda língua
(alfabetização e letramento).

Portanto, inclui-se no trabalho infantil com o surdo o trabalho com


contação de histórias, sendo este essencial para o desenvolvimento
escolar do aluno surdo, uma vez que é um saber que a escola cobra
do aluno ao longo dos anos, assim como se pressupõe em processos
seletivos que seja uma habilidade que todas as pessoas concluintes do
ensino médio já possuem.
Síntese da unidade
A educação de surdos requer um ensino que obedeça aos mesmos
princípios utilizados para os ouvintes, o que diferencia a educação de
um e de outro é o respeito à sua cultura e à sua língua. Portanto, os
princípios básicos de letramento do surdo são os mesmos: ensinar a
ler e escrever com proficiência e com função social. Por isso, o ensino

146 UNIDADE 04
de língua portuguesa vai além da alfabetização e do ensino de palavras
soltas e o ensino de contos se torna importante para a aquisição de
conhecimentos partilhados pela sociedade.

Exercício Proposto

Toda a atividade de ensino ao surdo precisa dar conta das mesmas


habilidades exigidas aos alunos ouvintes, para que se possa oferecer uma
educação de qualidade ao surdo. Nesta perspectiva,

a) Justifique a importância da contação de histórias para o desenvolvimento


cognitivo e social da criança surda e
b) Diga de que forma a contação de histórias pode contribuir para o
letramento do surdo. Justifique a sua resposta utilizando a teoria sobre
aquisição de língua portuguesa como segunda língua.

Fórum

Dentre as questões sobre ensino de língua portuguesa discutidas na


primeira parte desta unidade, quais (ou qual) podem ser consideradas
primordiais para o ensino de língua portuguesa para surdos? Responda
de acordo com a sua reflexão sobre a leitura do tema.

O ensino de língua portuguesa para surdos e a narrativa em Libras 147


Concluindo

Falar sobre surdez é mais que falar sobre Libras, embora ambos
estejam relacionados intrinsecamente. Como o surdo faz parte de um
grupo que sofreu com a exclusão social durante anos, ele construiu sua
própria história, que traz em seu âmago muita resistência às imposições
feitas pelo grupo majoritário. Por isso, a história da educação de surdos
não tem uma relação intrínseca com a história dos ditos normais. Ela é
constituída basicamente por três períodos marcados por metodologias de
tentativa de educar o surdo: oralismo, comunicação total e bilinguismo.
O oralismo foi uma tentativa falha de normalizar o surdo, enquanto a
comunicação total abriu a possibilidade de aceitação dos sinais. O
bilinguismo é o método que tem a melhor proposta de educação para o
surdo, porque tem como base o respeito à língua de sinais. Porém, essa
corrente filosófica ainda precisa ser melhor compreendida por todos os
profissionais que trabalham com surdez.
A língua é o fator primordial que define a identidade e a cultura
surdas. É uma língua com todas as concepções que uma língua pode ter,
porém, com características bem diferentes das línguas orais-auditivas.
Ela tem uma forma de produção que se utilizada das mãos e do corpo
para tal, portanto, toda a sua morfologia adquire características que só
se assemelham com outras línguas de sinais. A sua sintaxe também tem
uma organização própria, por conta da grande possibilidade da produção
de sinais simultâneos.
A partir de uma postura de respeito ao ser surdo, a Libras é
compreendida como primeira língua do surdo. Ela precisa ser aprendida
nos primeiros anos de vida, mas, como ainda há muitos surdos no país
que não a conhecem, é necessário que não se perca de vista que é
possível aprender uma língua em idade adulta. A Libras é extremamente
importante para o desenvolvimento educacional e social do surdo, porque
é ela que possibilita as interações sociais. Assim, quanto mais pessoas
souberem Libras no país, maiores são as chances de interação social
para o surdo. A interação social com membros do próprio grupo contribui
para o empoderamento da própria identidade e cultura e a interação com
membros de grupos diferentes ajuda na ampliação da cosmovisão de
mundo.
Uma vez que a língua portuguesa é a língua oficial e primeira

148 UNIDADE 04
língua do grupo majoritário do país, é importante que ela seja aprendida
pelo surdo. Nessa perspectiva, o português escrito se torna a segunda
língua do surdo. Seu aprendizado também aumenta a possibilidade de
interação e de apropriação dos bens culturais do país. Porém, ainda é
preciso desenvolver uma metodologia de ensino de língua portuguesa
como segunda língua eficaz, pois os problemas existentes com relação
ao aprendizado dessa língua têm sido grandes.
Para o atendimento eficaz ao surdo é preciso formação profissional
que tenha uma visão ampla da questão da surdez. Essa compreensão
global do sujeito possibilita a melhor aceitação e pode contribuir para
oferecer um direcionamento para o seu atendimento.

O ensino de língua portuguesa para surdos e a narrativa em Libras 149


ALVES, Edneia de Oliveira; BATISTA, Marie Goret; VALENTIM, Regina.
A função do intérprete: muito além da mediação de comunicação. In:
Colóquio Brasileiro de Educação na Sociedade Contemporânea:
processos pedagógicos e produção de conhecimento. 2, Campina
Grande, Universidade Federal de Campina Grande, Anais, Paraíba, 2010.

ANTUNES, Irandé. Língua texto e ensino: outra escola é possível. São


Paulo: Parábola Editorial, 2009.

BOTELHO, Paula. Segredos e silêncios na educação dos surdos.


Belo Horizonte: Autêntica, 1998.

BRASIL. Decreto n° 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta


a Lei n°10.436, de 24 de abril de 2002: Brasília: DF. 2005. Retirado de:
http://www.planalto.gov.br/ ccivil/leis/D5.626.htm. Acesso: 15 mai, 2010.

BRASIL. Lei n. 10.436, de 24 de abr de 2002. Dispõe sobre a Língua


Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências. Diário Oficial,
Brasília, 24 abr. 2002. p.23. Retirado de: http://www.planalto.gov.br/
ccivil/leis/L10436.htm Acesso: 15 mai, 2010.

BRITO, Lucinda Ferreira. Por uma gramática de língua de sinais. Rio


de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995.

CAMPELLO, Ana Regina e Souza. Pedagogia visual: sinal na educação


dos surdos. In: Quadros, Ronice Muller ; Perlin, Gladis (org.). Estudos
Surdos II. Petrópolis: Rio de Janeiro, Editora Arara Azul, 2007. Disponível
em: http://www.editora-arara-azul.com.br/estudosII.pdf. Acesso em: 20
jun, 2010.

CAPOVILLA, Fernando C. A evolução nas abordagens à educação da


criança surda: do oralismo à comunicação total, e desta ao bilingüismo. In:
CAPOVILLA, Fernando C. e RAPHAEL, W. D. Dicionário Enciclopédico
Ilustrado Trilíngüe da Língua de Sinais Brasileira. 1v. São Paulo:
Editora Universidade de São Paulo, 2001.
CAPOVILLA, Fernando C. et al – A escrita visual direta de sinais SignWriting
e seu lugar na educação da criança surda. In: CAPOVILLA, Fernando C.
e RAPHAEL, W. D. Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngüe da
Língua de Sinais Brasileira. 1v. São Paulo: Editora Universidade de
São Paulo, 2001. p.1491-1496.

CAPOVILLA, Fernando C. e RAPHAEL, W. D. Dicionário Enciclopédico


Ilustrado Trilíngüe da Língua de Sinais Brasileira. 1v. São Paulo:
Editora Universidade de São Paulo, 2001.

CAZARIN, Ercília Ana. A leitura: uma prática discursiva. Linguagem em


(Dis)curso – LemD, Tubarão, v. 6, n. 2, p. 299-313, mai-ago, 2006. Retirado
de: http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/0602/9%20
art%207%20%28cazarin%29.pdf. Acesso: 10 jun, 2009.

CÓDIGO DE ÉTICA, Federação Nacional de Educação e Integração do


Surdo. Retirado de: http://www.feneis.com.br/page/index.asp Acesso: 19
jul, 2010.

DAMÁZIO, Mirlene Ferreira Macedo. Atendimento educacional


especializado: pessoa com surdez. São Paulo: MEC/ SEESP, 2007.

DI DONATO, Adriana. A visualidade no letramento e seu aperfeiçoamento


em produções textuais por aprendizes surdos. In: ENCONTRO
NACIONAL DE LETRAMENTO. Anais. João Pessoa: Universidade
Federal da Paraíba, p.1-12, 2008.

DICIONÁRIO DE LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – Libras versão 2.1 –


web - 2008 Retirado de: http://www.acessobrasil.org.br/libras/. Acesso:
26 jul, 2010.

DIZEU, Liliane Correia Toscano de Brito; CAPAROLI, Sueli Aparecida.


A língua de Sinais constituindo o surdo como sujeito. In: Educação e
sociedade, v. 26, n. 91, p. 583-597, 2005. Disponível me: http://www.
scielo.br/pdf/es/v26n91/a 14v2691.pdf. Acesso em: 05 set, 2008.

DORZIAT, Ana; FIGUEIREDO, Maria Julia Freire. Problematizando o


ensino de Língua Portuguesa na Educação de Surdos. Revista Espaço, v.
18/19, dez, 2002 - jul, 2003. Retirado de: http://www.ines.gov.br/paginas/
revista/espaco18/ Espa%C3%A7o%20 Aberto%2005.pdf. Acesso em: 20
ago, 2008.

FARACO, Carlos Alberto & TEZZA, Cristóvão. Prática de texto: língua


portuguesa par nossos estudantes. Rio de Janeiro: vozes, 1992.
FÉLIX, Ademilde. Surdos e ouvintes em uma sala de aula inclusiva:
interações sociais, representações e construções de identidades. Tese
(Doutorado). Universidade Estadual de Campinas, 2008. Disponível em:
http://libdigi.unicamp.br/ document/?code=vtls000437843 Acesso em: 03
set, 2008.

FERNANDES, Sueli. É possível ser surdo em português? Língua de


sinais e escrita: em busca de uma aproximação. In: SKLIAR, Carlos.
Atualidade da Educação Bilíngüe para Surdos. Porto Alegre: Editora
Mediação, 1999.

FERNANDES, Eulália. Linguagem e Surdez. Porto Alegre: Artmed,


2003. p. 59-82.

FERRARA, Lucrécia D’Alécio. Leitura sem Palavras. São Paulo:


Ática,1986.

FREIRE, Alice Maria da Fonseca. Aquisição de português como segunda


língua: uma proposta de currículo para o Instituto Nacional de Educação
de Surdos. In: SKLIAR, Carlos. Atualidade da Educação Bilíngüe para
Surdos. Porto Alegre: Editora Mediação, 1999, p. 25-34.

FÜLLE, Angelita. A literatura infantil na escola. 2005 Disponível em:


http://www.meionorte.com/apoiopedagogico,a-literatura-infantil-na-
escola,85674.html. Acesso em: 5 jul, 2010.

GARCIA, E. O professor e a mediação da leitura, da teoria a prática:


a leitura na escola de 1o grau. São Paulo, Loyola, 1992.

GERALDI, João Wanderley. Prática de leitura na escola. In: GERALD,


João Wanderley. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006. 4ed.

GERALDI, João Wanderley. Prática de leitura na escola. In: Geraldi, João


Wanderley. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006. 4ed.

GESSER, Audrei. Um olho no professor surdo e outro na caneta:


ouvintes aprendendo a Língua Brasileira de Sinais. Campinas, SP : [s.n.],
2006. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Estudos da Linguagem. Disponível em: http://libdigi.unicamp.br. Acesso
em: 03 set, 2008.

GUERRERO, Patrícia Virgínia Troncoso. Interação social: a dominância


em situação de aprendizagem. Dissertação (Mestrado). Universidade
Estadual de Campinas, 1998. Disponível em: http://libdigi.unicamp.br/
document/?code=vtls000134752. Acesso em: 03 set, 2008.
GESUELI, Zilda Maria. A criança surda e o conhecimento construído
na interlocução em língua de sinais. 1998. 152f. Tese (Doutorado)-
Universidade de Campinas. Disponível em: http://libdigi.unicamp.br/
document/?code=vtls000183505. Acesso em: 03 set, 2008.

KLEIMAN, Angela. Oficina de Leitura: teoria e prática. São Paulo:


Pontes, 1998 p 100 6ed.

KOCH, Ingedore. Algumas Reflexões sobre o Ensino da Leitura. In:


Argumentação e Linguagem. São Paulo: Cortez, 1983, pp.160-162.

LEBEDEFF, T. B. Estudo da compreensão de histórias infantis em língua


de sinais por crianças surdas. In: II Seminário Internacional ‘’As redes
de conhecimento e a tecnologia: Imagem e cidadania’’, 2003, Rio
de Janeiro. Anais II Seminário Internacional ‘’As redes de conhecimento
e a tecnologia: Imagem e cidadania’’, 2003. Retirado de: www.lab-
eduimagem.pro.br/frames/seminarios/pdf/e5tatleb.pdf - Acesso em: 13
jul, 2010.

LEITE, Tarcísio de Arantes. O ensino de segunda língua com foco no


professor- História Oral de professores surdos de Libras. Dissertação
(Mestrado) Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas. Departamento de Letras Modernas. Programa de
Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos e Literário em Inglês. 250p.
(2004) Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/ disponiveis/8/8147/
tde-22082006 -102110/ Acesso: 02 set, 2008.

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: brasiliense, 1988.

MAYBERRY (1998 MAYBERRY, Rachel I). The critical period for


language acquisition and the deaf child’s language comprehension: a
psycolinguistic aproach. Bulletin d'Audiophonologie: Annales Scientifiques
de L'Université de Franche-Comté, 15, 349-358. Disponível em: http://
idiom .ucsd.edu/~rmayberry/pubs/ACFOSmayberry.pdf. Acesso em: 05
set, 2008.

MAYBERRY, Rachel I e SQUIRES, Bonita. Sign language acquisition.


In E. Lieven (Ed.) Language acquisition. Enciclopedy of language and
linguistics. 2ª ed. Oxford: Elsevier. Disponível em: http://idiom.ucsd.
edu/~rmayberry/pubs/ Mayberry-Squires.pdf. Acesso em: 05 set, 2008.

MILANEZ, Wânia. Condições Básicas para o Ensino de Oralidade em


Língua Materna. In:_________. Pedagogia do Oral. Campinas: Sama,
1993, pp.23-43.

OLIVEIRA, Sibele Traldi. Linguagem e cognição na Criança Surda. In:


LEVY Cilmara Alves da Costa e SIMONETTE, Patrícia. O surdo em Si
Maior. São Paulo: Rocca, 1999 pp. 66-95.

PERLIN, Gladis T.T. Identidades surdas. In: SKLIAR, C. A. Surdez: um


olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediações. 2005, p.51 – 73.

PIAGET, Jean. Psicologia da Inteligência. 4ªed. Rio de Janeiro: Editora


Fundo de Cultura, 1975.

PINKER, Steven. O instinto da linguagem: como a mente cria a


linguagem. São Paulo: Martins Fontes, tradução Claudia Berliner, 2002.

QUADROS, Ronice Müller. O tradutor e intérprete de língua brasileira


de sinais e língua portuguesa. Brasília: MEC ; SEESP, 2004. 94 p.

QUADROS, Ronice Müller de; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de


sinais brasileira: estudos lingüísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004, 221
p.

ROSA, Andréa da Silva; TREVIZANUTTO, Luciana Cristina. Letramento


e surdez: a língua de sinais como mediadora na compreensão da notícia
escrita. In: Educação Temática Digital, Campinas, v.3, n.2, p.1-10, jun.
2002. Retirado de: http://www.smec. salvador.ba.gov.br/site/documentos/
espaco-virtual/espaco-educar/educacao-especial/artigos/letamento%20
e%20surdez.pdf. Acesso em: 4 jul, 2010.

ROSA, Andréa da Silva. Entre a visibilidade da tradução de sinais e a


invisibilidade da tarefa do intérprete. Campinas – SP: Arara azul, 2005.
Retirado de: http://www.editora-arara-azul.com.br/pdf/livro5.pdf. Acesso:
15 mai, 2010.

SÁ, Karina Atrib Ferreira. Também somos brasileiros. In: Nova escola,
São Paulo, nº 132, p. 45, maio 2000.

SACKS, Oliver W. Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São
Paulo: Companhia das Letras, tradução de Laura Teixeira Motta, 1998.

SALLES, Heloisa Maria Moreira Lima, ett al. Ensino de Língua


Portuguesa para Surdos: caminhos para a prática pedagógica. Brasília:
MEC, SEESP, 2004.

SAMPAIO, Maria Janaina Alencar. A construção de textos na escrita de


surdos: estratégias do sujeito na transição entre sistemas lingüísticos.
Dissertação (Mestrado). 2007. p.185. Universidade Federal da Paraíba,
João Pessoa.

SANTANA, Ana Paula. Surdez e Linguagem: aspectos e implicações


neurolingüísticas. São Paulo: Plexus, 2007.
SASSAKI, Romeu Kasumi. Inclusão: construindo uma sociedade para
todos. Rio de Janeiro: WVA, 2003, 5ed.

SERCUNDES, Maria Madalena Iwamoto. “Ensinando a escrever”. In:


CHIAPPINI, Lígia. Aprender e ensinar com textos de alunos. São
Paulo: Cortez, 1997, pp. 75-97, v1.

SIMEÃO, Natália de Almeida. O conhecimento da libras e o processo


de ensino e de aprendizagem do surdo na perspectiva do professor
e do aluno do ensino regular. 2008. 58f, (Monografia) - Universidade
Federal do Piauí, Teresina.

SKLIAR, Carlos. A localização política da educação bilíngüe para surdos.


In: SKLIAR, Carlos. Atualidades da Educação Bilíngüe para Surdos.
Porto Alegre: Editora Mediação, 1999.

SOARES, Maria Aparecida Leite. A educação do surdo no Brasil.


Campinas, SP: Autores Associados, 1999.

STUMPF, Marianne Rosssi. Aprendizagem de escrita de língua de


sinais pelo sistema Sign Writing: Línguas de Sinais no papel e no
computador. Porto Alegre: UFRGS, Cinted, PGIE, 2005, Tese (doutorado).
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre.

SUTTON-SPENCE, Rachel; QUADROS, Ronice Müller. Poesia em língua


de sinais: traços da identidade surda. In: Quadros, Ronice Müller de
(org.). Estudos Surdos I – Série Pesquisas. Petrópolis: Rio de Janeiro,
Editora Arara Azul, 2006. Disponível em: http://www.editora-arara-azul.
com.br/ParteA.pdf Acesso em: 20 jun, 2010.

SVARTHOLM, Kristina. Bilinguismo do surdo. In: SKLIAR, Carlos.


Atualidade da Educação Bilíngüe para Surdos. Porto Alegre: Editora
Mediação, 1999.

TOMASELLO, Michel. Origens culturais da aquisição do conhecimento


humano. São Paulo: Martins Fontes, tradução de Claudia Berlinere,
2003.

VIGOSTSKY, Lev. Semenovich. A formação social da mente: o


desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6ª ed. São
Paulo: Martins Fontes, tradução José Cipolla Neto, Luis Silveira Menna
Barreto, Solange Castro Afeche, 1998.
156 UNIDADE 04
158 UNIDADE 04

Você também pode gostar