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RIO DE JANEIRO – RJ
AGOSTO/2013
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UNIRIO
RIO DE JANEIRO – RJ
AGOSTO/2013
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Agradeço aos meus pais, Deise e Wilson, pelo apoio incondicional e pela oportunidade de prosseguir com
meus estudos e concluir minha graduação.
À minha família e aos meus amigos pelo incentivo. Ao meu namorado, Rodrigo, e à sua família, que aceitou
participar da minha pesquisa para a realização desse trabalho.
Aos professores da UNIRIO que foram importantíssimos na minha formação acadêmica, mas também na
minha formação pessoal, em especial à minha orientadora, Professora Vera Loureiro, por toda a paciência,
dedicação e por tornar possível a conclusão dessa monografia.
Agradeço à minha grande amiga, Mariana, que passou por todas as dificuldades e alegrias acadêmicas comigo.
E a Luana pelo companheirismo e incentivo durante o curso.
E, agradeço, principalmente, a Deus por suas bênçãos e por ter ajudado a manter a fé em todos os
momentos.
Obrigada. Eu amo vocês.
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“Quando é verdadeira, quando nasce da
necessidade de dizer, a voz humana não encontra
quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala
pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros. Ou
por onde for. Porque todos, todos, temos algo a
dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra
que merece ser celebrada ou perdoada pelos
demais.”
Eduardo Galeando.
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RESUMO:
O objetivo do presente trabalho é abordar a importância da Língua de Sinais para a inclusão
social do surdo, considerando como referenciais teóricos as concepções sócio-histórico-
cultural de Vygotsky e a educação bilíngue para surdos, que entende a língua de sinais como
primeira língua, reconhecida como natural para esses sujeitos e a língua portuguesa como
segunda língua. Esta monografia apresenta o estudo de caso de uma criança surda, usuária de
implante coclear que, inicialmente, não havia adquirido uma língua (seja oral ou de sinais) e
aponta o seu desenvolvimento social e cognitivo após a entrada no Instituto Nacional de
Educação de Surdos (INES). Esta monografia aborda também a questão familiar, as
dificuldades e as quebras de paradigmas de se ser uma criança surda no mundo ouvinte.
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SUMÁRIO
1. Introdução........................................................................................................................... 7
2. Problematização.................................................................................................................. 7
3. Justificativa......................................................................................................................... 8
4. Objetivos............................................................................................................................. 9
4.1. Objetivos Gerais.............................................................................................................. 9
4.2. Objetivos Específicos...................................................................................................... 9
5. Educação de Surdos............................................................................................................. 10
5.1. História da educação de surdos...................................................................................... 10
5.2. Benefícios da língua de sinais e da educação bilíngue..................................................15
5.3 Educação de surdos: paradigmas brasileiros................................................................... 19
5.4 Em defesa da língua de sinais e da educação bilíngue em leis e números...................... 24
6. Teoria Sociointeracionista de Vygotsky.............................................................................. 25
6.1 Linguagem, aprendizagem e desenvolvimento na teoria sócio-histórica-cultural
de Vygotsky ............................................................................................................................ 25
6.2 Pensamento e linguagem................................................................................................. 29
6.3. Vygotsky e a Surdez...................................................................................................... 32
7. Metodologia......................................................................................................................... 35
8. Contexto.............................................................................................................................. 36
9. A realidade de uma criança surda no mundo ouvinte.......................................................... 37
10. Considerações Finais.......................................................................................................... 45
11. Referências Bibliográficas ................................................................................................ 48
Anexos .................................................................................................................................... 51
Anexo 1 ................................................................................................................................ 52
Anexo 2 .................................................................................................................................53
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1. Introdução
Esse trabalho tem como objetivo falar sobre a Língua de Sinais, seus benefícios para o
desenvolvimento sociocultural e cognitivo das pessoas surdas e defender o ensino da mesma
como primeira língua para os surdos. Através da língua de sinais o surdo se desenvolve
cognitiva e socialmente, com sua aquisição pode interagir com o mundo surdo, mas também
com o mundo ouvinte. A comunidade surda tem sua própria cultura, sua própria identidade e
língua, que varia de país para país, e deve se orgulhar disso, como também narrar-se como
surda e perceber que não é deficiente, apenas diferente e percebe o mundo de forma visual.
A linguagem é essencial no desenvolvimento de qualquer criança, pois a linguagem é
um instrumento de poder e aos surdos não pode ser negado o direito de usufruir dos
benefícios de uma língua, portanto, aceitar a diferença do surdo e conviver com a diversidade
humana é um desafio proposto à sociedade. A língua de sinais se torna uma ferramenta que
permite ao surdo maior mobilidade e fluidez nas formações discursivas, como também
fornece subsídios que o ajudam na constituição de suas identidades frente às imposições
culturais do ouvinte.
O tema da surdez envolve algumas questões históricas e, acredito que ainda há muito
que estudar e contribuir para educação de surdos. Portanto, trabalharei nesse projeto sobre a
história da educação de surdos, contando cada passo de todos os conceitos educacionais que já
delinearam os processos de ensino-aprendizagem destes sujeitos (oralismo, comunicação total
e educação bilíngue). Também discutirei a questão do desenvolvimento cognitivo, cultural e
identificatório do sujeito surdo por meio da interação social e da aquisição da sua língua
natural, língua de sinais, que lhe é garantida por direito, mas ainda assim pouco reconhecida
pela comunidade ouvinte, que forma a parte majoritária da nossa sociedade.
2. Problematização.
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3. Justificativa.
Eu escolhi esse tema porque as matérias que mais me agradaram no decorrer do curso
foram relacionadas à Educação Especial, essas matérias foram: Libras, Educação e Surdez e
Desenvolvimento Humano e Inclusão Escolar. Eu gosto tanto do tema que me matriculei em
um curso de extensão de Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Minha escolha se deu porque pretendo pesquisar aspectos sobre a importância do
ensino da língua de sinais para surdos e a aquisição para a formação de sua identidade e
cultura; como também a importância para o desenvolvimento cognitivo e social dos sujeitos
surdos.
Os temas Educação e Surdez e o ensino da língua de sinais são os que eu mais gosto
de ler, escrever e que escolho como tema da minha monografia, principalmente por ser um
tema que acredito ainda haja muita coisa a se acrescentar e defender na formação de
professores.
A constituição brasileira (1988) assegura o direito de diferentes expressões culturais
no povo brasileiro, assegurando também os direitos culturais dos surdos. A constituição ainda
conta com a legislação que não legitima a exclusão, possibilitando o pleno direito à diferença.
Estas legislações estabelecem alguns fatos obrigatórios, como por exemplo, a educação
especial, a educação inclusiva que, mesmo não garantindo o acesso à cultura surda, garantem
o direito à educação.
A Lei 10.436 de 24 de abril de 2002 garantiu a língua de sinais como língua nativa da
comunidade surda. No mesmo caminho, o Decreto 5.626 de 22 de dezembro de 2005 trouxe
importantes inovações para educação de surdos, pois identifica os surdos como aqueles que
interagem com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando, assim, sua cultura
principalmente pelo uso da língua de sinais. Essa lei garante ainda um intérprete/tradutor para
alunos surdos nas escolas onde eles se encontram, assegurando também o seu direito de ser
diferente.
No campo da pesquisa sobre as políticas voltadas para este segmento, Skliar (1998)
defende que as crianças surdas devem crescer bilíngues, sendo a primeira língua a de sinais e
a segunda língua, a originária de seu país. A aquisição da língua de sinais garante ao surdo o
desenvolvimento linguístico e, além disso, permite o desenvolvimento cognitivo, sócio-
afetivo-emocional e o desenvolvimento da identidade e da cultura surda. Behares (2000), por
sua vez, apresenta um argumento de reconstrução do processo educacional, a fim de inserir o
surdo no mundo dos ouvintes pela percepção de que eles são diferentes e não anormais ou
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deficientes. O autor propõe um projeto político e educacional que visa a criação de políticas
linguísticas, de identidade, comunitárias e culturais e que reconheça que o melhor para o
surdo é uma Educação Bilingue Bicultural, pois propõe dirigir através da identidade
bicultural da criança surda seu acesso à cultura ouvinte majoritária, tendo como enfoque a
utilização da língua de sinais da comunidade e todos os benefícios socioculturais e intelectuais
que sua aquisição proporciona para permitir o acesso rápido e natural da criança surda ao
currículo da comunidade ouvinte.
A partir dessa orientação, encaminho o projeto aqui apresentado tendo como
perspectiva de analise as concepções do mundo da surdez.
4. Objetivos.
4.1. Objetivos gerais.
Refletir sobre as representações sociais da surdez e dos sujeitos
surdos;
Analisar alternativas educacionais para os surdos;
Demonstrar a diferença linguística e cultural dos surdos;
Demonstrar a importância do ensino da língua de sinais para surdos;
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5. Educação de Surdos
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Foi somente no século XVIII que surgiu a possibilidade de se pensar na língua gestual
para estes sujeitos. Com essa nova perspectiva, separou-se de vez os defensores do oralismo,
que pregavam que os surdos deveriam falar e se comportar como ouvintes, reabilitando-se da
surdez, e os gestualistas, que defendiam a fala gestual como forma de socialização e
desenvolvimento cognitivo dos sujeitos surdos. Os oralistas reprimiam quem não pudesse
falar, impunham que os surdos deveriam aprender a língua falada, ainda que com essa
estratégia os surdos não se desenvolvessem e não se integrassem socialmente. Os gestualistas
perceberam que o gestual tornaria possível o desenvolvimento dos surdos em vários âmbitos.
Dentre os defensores do gestualismo está o francês Charles M. De L’Epée, primeiro
estudioso sobre a língua de sinais e criador do primeiro método educacional que valorizasse
também a língua gestual. O método criado foi chamado de “sinais metódicos”, que consiste
em os educadores aprenderem a língua de sinais para se comunicarem com os surdos e então
utilizá-la para ensinar a língua falada e escrita da sociedade em que vivem.
Em 1775, De L’Epée fundou a primeira escola especializada, onde eram utilizados os
sinais metódicos. Diferentemente de seus antecessores, De L’Epée divulgava suas técnicas,
chegando a lançar, em 1776, um livro com seus métodos e estratégias. Alguns dos alunos de
sua escola liam e escreviam em Francês, muitos deles tornaram-se professores de outros
surdos e alguns chegaram a publicar livros contando as problemáticas da surdez. O autor
defendia que “a linguagem de sinais é concebida como a língua natural dos surdos como
veículo adequado para desenvolver o pensamento e sua comunicação.” (De L’Epée apud
Lacerda, 1998, p. 3). E afirma ainda que “o domínio de uma língua, oral ou gestual, é
concebido como instrumento para o sucesso de seus objetivos e não como um fim em si
mesmo” (De L’Epée apud Lacerda, 1998, p. 3)
Contemporâneo ao trabalho gestualista de De L’Epée existiam oralistas ferrenhos,
como o português Pereira e o alemão Heinecke, que criticavam as estratégias do francês.
Heinicke, considerado fundador do oralismo, pregava que somente através da língua oral é
possível se formular o pensamento, sendo a língua escrita secundária, devendo vir a ser
aprendida depois da aquisição da língua falada.
Os avanços nas propostas pedagógicas deram origem ao I Congresso Internacional
sobre a instrução de surdos, em 1878, em Paris. O congresso contribuiu para o avanço social
dos sujeitos surdos, como a possibilidade desses de passarem a assinar documentos. Foi o
primeiro passo, ainda que não lhes garantisse a integração social. Dois anos após, ocorreu o II
Congresso, sediado em Milão, e teve como maioria os seguidores e defensores do oralismo,
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visto que a prática voltava a ganhar cada vez mais adeptos e se estendendo a quase todos os
países europeus. Como consequência de tantos adeptos, a linguagem gestual foi banida como
forma de comunicação, sumindo junto com ela os professores praticantes do gestualismo, que
eram os responsáveis pela educação e metodologia de ensino nas escolas. A prática do
oralismo voltou a ser referencia e suas estratégias educacionais divulgadas por todo o mundo.
Os oralistas pregavam que o uso de gestos e sinais desviavam o surdo da
aprendizagem da língua falada, considerada socialmente mais importante, porém o oralismo,
que foi defendido por séculos, mostrou-se insuficiente pedagogicamente. Os surdos profundos
não aprenderam a falar satisfatoriamente, gerando então um desenvolvimento global tardio e
falho. A aprendizagem da leitura e da língua escrita também fracassou, comprovando que se
formavam sujeitos pouco preparados para o convívio social, marginalizando cada vez mais os
surdos.
O oralismo ficou em vigência até a década de 50 do século XX, sempre como
soberana abordagem educacional para surdos. Até que surgem as próteses, só que essa nova
perspectiva não rompe com a anterior, a busca pela prótese e os profissionais que incentivam
o implante continuam seguindo os preceitos educacionais do oralismo, visando a vocalização
dos sujeitos surdos. O ponto forte no oralismo é a incansável busca por alternativas que façam
dos sujeitos surdos, ouvintes. Dentre esses processos destaco o implante coclear, que consiste
em uma cirurgia para a implantação de dispositivo eletrônico, que tem por finalidade
estimular através de eletrodos as fibras neurais, possibilitando ao operado a capacidade de
perceber o som. Segundo Nussbaum (2003 apud SANTANA, 2007, p. 134) o implante
coclear possibilita ao usuário a percepção dos sons, percebendo e enviando esses sons,
transformados por sinais elétricos, ao nervo auditivo, a fim de ser decodificado pelo córtex
cerebral. Contudo os implantes não permitem a interpretação dos sons e tão pouco garantem a
que o implantado fale como um ouvinte.
O implante surgiu como a cura para surdez profunda, com a cobrança social de que os
que não falam oralmente são marginais, e quando digo marginais, me refiro àqueles que
vivem à margem da sociedade, essa mesma sociedade que impõe que a fala deve ser somente
oral. Laborit (2000, p. 115) em seu livro O voo da Gaivota demonstra todo o sentimento
quanto a essas imposições do mundo ouvinte.
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cabelos em pé. Fazerem-nos ouvintes é aniquilar a nossa identidade.
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Terminologia encontrada no texto “Um pouco da historia das diferentes abordagens na educação de surdos”
de Cristina Lacerda, para se referir a surdos que utilizam AASI (próteses auditivas).
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A partir da década de 60, com Willian Stokoe o estudo da língua de sinais voltou a ser
pauta. Surgiram estudos sobre a língua de sinais adotada por comunidades surdas, afinal, à
margem do sistema os surdos sempre utilizaram seus próprio modo de comunicação por
sinais, raramente se encontrava um grupo de surdos que não utilizassem gestos e sinais,
mesmo quando ainda eram proibidos.
Os estudos iniciais sobre a língua de sinais, começados por Stokoe, demonstraram que
a linguagem de sinais preenchia os requisitos linguísticos semelhantes à linguagem oral, e é o
que faz surgir, nos anos 70, a comunicação total, que pratica o uso de sinais, leitura labial,
alfabeto digital e a língua falada. Esta ultima deixa de ser um objetivo e passa a ser mais uma
área trabalhada por essa nova estratégia pedagógica. Os surdos podem escolher suas formas
de comunicação preferidas e se comunicarem como desejarem, todas as modalidades
linguísticas são aceitas, buscando uma maior facilidade posterior na aquisição da língua
falada, escrita e também na leitura. No entanto, essa metodologia ainda apresenta falhas
consideráveis na formação social e cognitiva dos surdos. A comunicação total abriu portas
para o contato com os sinais, dando início a uma nova possibilidade educacional e cultural,
como a comunicação bilíngue, que contrapõe-se ferrenhamente ao oralismo.
Como diz Behares (2000), a comunicação total propõe “estabelecer um fluxo
comunicativo direto com a criança através de todos os recursos imagináveis ou possíveis.”
(p.11). Ou seja, qualquer forma de comunicação era válida. Fala, leitura labial, escrita,
mímica. Essa perspectiva vê o surdo como diferente e ainda tem como principal objetivo
romper com o bloqueio de comunicação, tendo como meta superar o fracasso do oralismo. Foi
um avanço se pensarmos como forma de interação com outros surdos e com o meio, mas
ainda assim era uma educação falha, que contava com profissionais, os professores ouvintes,
que tinham contato com a comunidade surda e com intérpretes. A comunicação total abrange
também o bimodalismo, que visa oralizar o surdo, utilizando desde o início da educação da
criança surda, a linguagem oral, acompanhada da sinalização da língua de sinais do seu país.
Como a criança surda tem na língua de sinais a sua linguagem natural, claro que o que elas
recebem dessa interação, é somente o gestual, ou seja, não se alcançava a oralização desta
forma, pois a língua natural fala mais alto.
Somente na década de 90 o bilinguismo surge com força total. Considerando que essa
nova corrente rompe com o conceito de deficiência e segue uma perspectiva
socioantropológica, pois percebe o surdo como diferente e possuidor também de uma cultura
e de uma identidade própria. O bilinguismo considera o canal visogestual de extrema
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importância para a aquisição de linguagem dos surdos e a língua de sinais é considerada a
língua natural desses sujeitos. A língua de sinais é adquirida pelos surdos com rapidez e
naturalidade através de interação, assim como a língua oral é para os sujeitos ouvintes. Na
educação bilíngue propõe-se que sejam ensinadas duas línguas, sendo a primeira língua, a de
sinais, e a segunda, a língua majoritária do grupo ouvinte, podendo ser escrita ou oral, numa
modalidade sucessiva, ou seja, primeiro se aprende a linguagem gestual e somente depois a
segunda língua, pois assim, sinalizando, o surdo desenvolve sua capacidade de competência
linguística, abrindo caminho para a aprendizagem e outras línguas.
A educação bilíngue encoraja o desenvolvimento da fala, mas não limita-se apenas a
ela. Essa perspectiva vê a língua de sinais em igualdade de condição com a língua oral, não
menos estruturada ou complexa. São responsáveis pela educação dos surdos, professores
igualmente surdos, servindo-lhes também de modelo identificatório. O bilinguismo tem como
filosofia o desenvolvimento cognitivo-linguístico-social e cultural do sujeito surdo. Onde
estes podem ter acesso às duas línguas, podem conviver com outros surdos, possibilitando a
formação cultural desses sujeitos.
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A educação bilíngue vem para romper com a concepção oralista e da comunicação
total e, nesse novo paradigma, não se discute somente a mudança metodológica, mas também
ideológica, aceitando a língua de sinais como língua natural dos surdos, sua importância no
processo educativo, assim como o convívio com surdos adultos fluentes na língua de sinais a
fim de condicionar a interação com os seus semelhantes sendo esta uma condição essencial
para a garantia de uma educação bilíngue eficaz.
Outra mudança ideológica é a aceitação da cultura surda – passando a ser
compreendida como uma experiência visual que ocorre em todos os tipos de produções,
representações e significações dos surdos, e não somente como uma forma de comunicação –
transformando em uma pedagogia socializada, rompendo com as práticas clínico-terapêuticas
e com a obsessão da correção do déficit, assumindo a linguagem como mediadora das
interações e da significação de mundo.
O contato com a comunidade surda é de extrema importância, como afirma Vygotsky
(apud Gesueli, 2006, p.3) “a relação do homem com o mundo não é direta, mas mediada, as
ocorrências de mediação primeiramente vão emergir de outrem e depois vão orientar-se ao
próprio sujeito.” E ainda segundo Góes (1998, apud Gesueli, 2006, p. 4) “a construção da
identidade só poderá ser examinada considerando-se a dinâmica de significados e sentidos
produzidos e interpretados no jogo interativo do sujeito com outro”.
A partir do convívio com a língua de sinais e em contato com professores surdos, estes
podem perceber as diferenças das línguas, portuguesa e de sinais, e compreender que cada
uma tem seu valor e sua função. E então passam a se identificar como usuários efetivos da
língua de sinais e se integrarem política e socialmente com a comunidade surda. “Garantir o
uso da língua de sinais no contexto escolar parece primordial para que haja reconhecimento
da surdez, pois é por intermédio da linguagem que significamos o mundo e consequentemente
nos significamos” (Gesueli, 2006, p.9)
Os surdos só farão leitura de mundo através da língua de sinais, ainda que estes sejam
oralizados, pois não teria como eles se reconhecerem como parte integrante da comunidade
surda sem o domínio da língua de sinais, e tão pouco se identificar com a comunidade
ouvinte. Ainda que se assumir como integrante de um grupo minoritário e discriminado seja
um processo complexo, somente através do contato com outros surdos fluentes na língua de
sinais será possível uma educação bilíngue eficaz. Como nos aponta Gesueli (2006:290):
O surdo possui uma identidade política própria, faz parte de uma cultura rica e tem a
sua própria língua, porém, nem todos os surdos têm acesso a sua cultura, a sua linguagem, a
sua identidade cultural, alguns por falta de conhecimento, outros por exigências familiares.
Com isso, a escola precisa estar aberta à cultura surda, precisa reconhecê-la como tal, precisa
proporcionar meios para que seus educandos não sejam vistos como deficientes auditivos,
mas como alguém que possui uma identidade cultural própria, significativa e com
características próprias. Esta instituição precisa proporcionar recursos linguísticos para que o
surdo possa se desenvolver de forma autônoma, preparando-o para enfrentar desafios, não o
vendo sob o ângulo da surdez, mas da diferença.
Considerando as discussões levantadas por Skliar (1998), percebe-se que o surdo não é
diferente porque não ouve, mas porque desenvolve potencialidades culturais diferentes das
dos ouvintes, que são baseadas na linguagem e na experiência visual. A pessoa surda vivencia
a falta de audição num mundo de sons, o que a impede de adquirir naturalmente a linguagem
oral usada pela maioria, baseando-se nessa diferença sua identidade é construída utilizando
estratégias cognitivas, comportamentais e culturais diferentes da maioria dos ouvintes.
Com relação à criança/pessoa surda, que não tem teve possibilidade de vivenciar a
cultura surda desde os primeiros meses, é pelo acesso a língua de sinais que ela vai produzir
essa interrelação e construir sua identidade em todos os seus aspectos: linguísticos, cognitivos
e sociais. Com o acesso à língua de sinais o mais cedo possível, o sujeito surdo teria assim
garantido seu direito a uma língua de fato, o que possibilita a aquisição do pensamento e, logo
assim, o seu desenvolvimento. A criança que nasce surda, ou se torna surda nos primeiros
anos de vida, apresenta dificuldades em relação à aquisição de linguagem, o que poderá
ocasionar déficit em outras áreas, nas relações sociais, por exemplo, e no “bloqueio” da parte
do cérebro responsável pela linguagem. Por não receber estímulo, essa parte se atrofia (assim
como qualquer parte do corpo), tornando quase impossível, ou bastante precária, a aquisição
de uma língua.
Seguindo ainda na visão de Vygostky (1998), a criança surda não é capaz de
estabelecer as primeiras relações sociais por meio da família. Crianças surdas filhas de pais
ouvintes são privadas dessas primeiras interações que são de grande importância para sua
cognição, pois o sujeito é interativo, adquire conhecimentos a partir de relações interpessoais
e de troca com o meio, a partir de um processo denominado mediação. Os surdos só poderão
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ter essa troca com o meio, se estiverem em contato com outras crianças e adultos surdos, pois
através dessa interação eles irão adquirir a língua de sinais e então poderão estruturar seu
pensamento e desenvolver-se cognitiva e socialmente.
As relações sociais acontecem por meio da linguagem, portanto pessoas surdas não
têm dificuldades de aquisição da linguagem, mas essa facilidade ou dificuldade vai decorrer
das possibilidades proporcionadas pelo meio social no qual estão inseridos. Crianças ouvintes
adquirem espontaneamente a linguagem. Apesar de crianças ouvintes e surdas aparentemente
serem iguais, se a criança surda não for devidamente estimulada à aquisição da língua de
sinais ocorrerá com maior dificuldade, pois essa criança ficou mais tempo sem interação com
o mundo e seus desenvolvimentos socioculturais não foram devidamente estimulados. A
relação do sujeito com a língua é que vai produzir a diferença, portanto, o vínculo do surdo
com a língua de sinais vai ser determinante e essencial. Como vimos durante o período de
fracasso da oralização e da comunicação total, e agora com o reconhecimento da língua de
sinais como língua oficial dos surdos, esse acesso vai dar possibilidade de ele vir a assumir
uma posição discursiva que não se reduza à mera reprodução.
A língua de sinais é uma ferramenta decisiva no processo de linguagem, na elaboração
das formações discursivas dos surdos e na compreensão do seu discurso, no processo de
formação da identidade e do pensamento. Percebo a linguagem como principal meio de
desenvolvimento cognitivo, pois é por meio dela que nos relacionamos com o mundo e
aprendemos e reaprendemos através da interação com o próximo, e para os surdos não poderia
ser diferente. O ensino da língua de sinais é essencial para que eles tenham acesso a uma
língua de fato e por meio dessa linguagem formem e reformem o pensamento, podendo
também através dela se relacionar com a comunidade surda e ouvinte, interagirem e por meio
da relação sociocultural se desenvolverem cognitiva e intelectualmente, evitando assim o que
era visto anteriormente com muita frequência, a segregação e exclusão dos surdos, colocando-
os à margem do mundo social, educacional e cultural, impedido-os de interagir na sociedade,
na escola e no mercado de trabalho.
A educação bilíngue parte do princípio que a língua de sinais deve ser ensinada como
primeira língua para os surdos, pois é a sua língua natural, todas as crianças surdas podem
adquirir sua língua natural, a língua de sinais, através de interações com a comunidade surda,
assim como qualquer criança ouvinte adquire sua língua através de suas interações sociais.
Língua natural não se entende como espontaneidade biológica, mas como aquela que é natural
para os indivíduos que compõe aquela sociedade, para uso específico de seus usuários.
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No processo educativo, o bilinguismo trabalha com base nas duas línguas diferentes,
oral e de sinais, respeitando a autonomia e as diferenças entre elas, elaborando uma pedagogia
que não afete a experiência sociolinguística da criança. A língua oral é ensinada depois que a
criança já adquiriu habilidades interativas e cognitivas pela experiência com sua língua
natural. Behares (2000) diz que os surdos são membros em potencial de uma comunidade
minoritária e a partir da cultura dessa comunidade podem então alcançar sua interação
consistente nessa cultura ouvinte. Ou seja, através de toda aquisição do pensamento, do
aprendizado da língua de sinais, a criança surda poderá se desenvolver na língua oral
majoritária da sociedade a qual pertence. Com seu cognitivo já estruturado, o surdo pode,
então, desenvolver a língua portuguesa como segunda língua.
Para Souza (2000:92) “No caso dos surdos, faz-se necessário franquear-lhes a palavra,
quer dizer, antes de escreverem nosso idioma, deveriam poder se narrarem em sinais, e suas
narrativas precisam ser acolhidas por uma escuta também em sinais.”
A língua portuguesa como segunda língua tem como prioridade o aprendizado da
língua escrita, chamado de letramento e não de alfabetização, pois nessa nomenclatura se
remete à relação letra/som. É valorizada a aprendizagem da escrita, pois para o surdo, o
letramento se dá de forma diferente dos ouvintes. A camada dominante da sociedade aprende
a escrever através da rota fonológica, que se dá através do grafema-fonema que é a
decodificação através do som. Já na surdez o processo ocorre pela rota lexical, que é o
reconhecimento visual das palavras, assim como ocorre com o sujeito já alfabetizado, que
consegue ler um texto mesmo que algumas letras estejam trocadas ou apagadas, pois essas
palavras já foram absorvidas pelo novo vocabulário interno.
A partir desse ensinamento da língua portuguesa como segunda língua o surdo pode,
enfim, adentrar na sociedade ouvinte, se comunicando através da linguagem escrita e da
leitura. Tendo em vista que o surdo tem acesso ao mundo através da visão essa perspectiva de
ensino da língua portuguesa deve ser respeitada, assim como a língua de sinais, que é uma
língua plena, complexa, com organização sintática, componentes gramaticais e capaz de se
expressar como qualquer outra língua falada.
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língua de sinais. O bilinguismo defende que a língua de sinais deve ser ensinada desde cedo às
crianças, para que se possa garantir a efetiva comunicação simbólica, possibilitando o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores. O bilinguismo não se caracteriza por
uma metodologia de ensino vinda para substituir o oralismo ou a comunicação total, mas
como uma mudança ideológica quanto à educação de surdos.
No entanto, o Brasil é um tanto quanto atrasado no amparo desses sujeitos. Muito
surdos brasileiros não sabem a respeito da Libras, acreditam que esta e a língua portuguesa
sejam a mesma, diferenciando apenas na sua materialidade, escrita, gestual ou oral, e quando
o surdo desconhece a língua de sinais e a associa a língua portuguesa, considerando que a
primeira é a forma gestual da segunda, é que a língua de sinais fica em posição inferior à
língua portuguesa. Existem também os surdos adultos que nunca tiveram contato com a língua
de sinais e foram submetidos a práticas que tentam fazer do surdo ouvinte, com treinos e
técnicas descontextualizadas e perversas. Alguns desses surdos ainda estudaram em escola de
ouvintes, onde eles não compartilhavam ideias com os professores e com outros alunos e o
ensino de português era falho e com ênfase em regras gramaticais, ensinadas com base em
textos simples e curtos. Todos esses fatos levavam ao abandono escolar e, consecutivamente,
à marginalização dos surdos.
Fernandes e Moreira (2009) afirmam que os surdos ainda sofrem com o antagonismo
encontrado nas escolas. Ora é combatido o uso do bilinguismo, considerando o discurso da
igualdade, e em outro momento é defendido, pois o processo de ensino-aprendizagem sempre
foi cruel com os surdos, tratando-os como ouvintes. Outra dificuldade no cenário da educação
bilíngue pode ser explicada também pelo longo tempo que os surdos passam sem ter acesso a
sua língua natural, já que a grande maioria dos surdos são filhos de ouvintes, cabendo à escola
essa ação mediadora do ensino da língua de sinais.
Junto com as condições que os surdos enfrentam desde seu nascimento, sendo
privados de interação verbal, estes ainda convivem com as problemáticas educacionais do
Brasil quando se trata da educação dos surdos. Encontramos no cenário educacional brasileiro
algumas vertentes quando o assunto é a educação de surdos. O primeiro modelo é a inclusão
do aluno bilíngue em uma sala monolíngue, que o aproxima da língua portuguesa, mas o
impossibilita a interação social. E o modelo que utiliza a língua de sinais como ponte para o
ensino de língua portuguesa. Todos os modelos têm como objetivo a normalização dos
surdos, para que esses possam conviver socialmente, desvalorizando a sua língua natural e a
sua cultura. Diante dessas possibilidades educacionais que encontramos no Brasil, pode-se
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dizer que os surdos “são bilíngues por contingência e não por opção” (Fernandes e Moreira
2009: 227)
A falta de estrutura para uma educação bilíngue de qualidade gera algumas situações
para os surdos, como a imersão na língua dominante em busca da assimilação linguística, ou a
segregação, onde se ensina somente a língua materna, sem se importar com a dominante. Ou
ainda, os programas transitórios, onde a língua materna é usada como instrumento para a
substituição gradual pela língua dominante. Já a inclusão limita o bilinguismo, pois a segunda
língua é ensinada apenas para um enriquecimento limitado de conhecimento. E os programas
separatistas, que valorizam somente a língua natural, tendo pouco contato com a segunda
língua, caracterizando um bilinguismo limitado. Todas essas situações vão na contramão do
real benefício da língua de sinais para o sujeito surdo, ao invés de favorecer ao processo
educacional destes, continuam a segregá-los.
Outra problemática encontrada na educação de surdos brasileira são as diferentes
ideologias escolares: escola regular, escola especial e escola inclusiva. A primeira tem na
língua portuguesa a única forma de interação e instrução. As escolas especiais adotam o
português como língua principal, apesar da língua de sinais ser utilizada, a falta de
conhecimento e limitação por parte do professor tornam a escola fraca do ponto de vista
bilíngue. E a escolas inclusivas onde os modelos dos alunos surdos são professores e
intérpretes sem qualificação profissional, fazendo do processo educativo algo sem
credibilidade. Esses três tipos de escola que temos acabam por fortalecer a crença de que a
língua de sinais é desqualificada e primitiva, fazendo com que a língua de sinais seja vista
como inferior à língua dominante, gerando no surdo a incapacidade de se identificar como um
grupo com cultura e identidade própria.
Os surdos continuam sendo vistos como um problema dentro da escola. No período
oralista o problema era o não falar da língua dominante e hoje por falarem uma língua que
quase ninguém conhece. O reconhecimento do direito dos surdos não deve ir de encontro
com as supostas igualdades de direitos, onde a igualdade de oportunidade é dada através da
desigualdade de condições. Por isso, defende-se tanto que os programas educacionais
bilíngues contribuam para que as características linguísticas e sócio-histórico-cultural dos
surdos sejam reconhecidas e valorizadas.
O bilinguismo surgiu para propiciar uma educação de qualidade para os sujeitos
surdos, com o reconhecimento do valor social da língua de sinais, pois esta ocupa um papel
socioideológico no processo linguístico da particularidade desses sujeitos. São defendidas
21
propostas políticos-pedagógicas quanto à educação de surdos ter a língua de sinais como
primeira língua, pois consideram que o saber dessa primeira é determinante na construção dos
saberes na segunda e defendem ainda que os surdos devem adquirir a sua língua natural em
contato com outros surdos adultos usuários e fluentes na língua de sinais e somente a partir
desse contato e da aquisição da língua de sinais, ensinar a segunda língua, que deve ser
preferencialmente escrita.
A proposta bilíngue foi pensada para crianças surdas que terão desde pequenas contato
com a sua língua natural, convivendo com outros surdos adultos usuários da língua. Mas
como adotar essa proposta pedagógica quando o surdo já é adulto e viveu anos isolado da
língua de sinais e da língua portuguesa? Skutnabb-Kangas (1994, apud Lodi e Moura, 2006)
citam alguns conceitos para esse questionamento. Para se entender a língua 1 (um) é preciso
considerar alguns critérios como: origem, identificação interna e externa, competência e
função. Isso quer dizer que devemos considerar esses cinco pontos para pensarmos a língua de
maneira plural.
A origem se caracteriza pela língua que primeiro é aprendida pelo sujeito.
Identificação interna é a autoidentificação do sujeito com a língua falada por ele e a
identificação externa, como são identificados pelos outros a partir de sua língua. Competência
refere-se a qual língua o sujeito melhor domina e função é analisar a língua mais utilizada
pelo sujeito. Sendo assim a concepção de Língua 1 (um) deixa de ser estática, podendo se
alterar no decorrer da vida de cada sujeito.
Ou seja, não é porque o sujeito nunca teve contato com a língua de sinais que aquela
não seja sua língua natural, ainda que pelo critério de origem não tenha sido a primeira língua
a ser aprendida. Quanto aos outros critérios, a língua de sinais pode se tornar a língua 1 (um)
desde que seja dada a oportunidade de convívio com outros surdos usuários da língua de
sinais e, então, estes se tornam fluentes, podendo redefinir sua cultura e identidade.
Através do contato com outros surdos fluentes na língua de sinais, esses surdos que
não tiveram contato desde cedo com a língua de sinais podem ressignificar a surdez num
contexto de diversidade, sendo possível o alcance da aceitação social como sujeito surdo, a
aceitação da língua de sinais como língua de valor, tal como a língua portuguesa,
encontrando, ainda, aspectos positivos consequentes dessa aproximação com sua língua
natural e seus semelhantes, fazendo com que percebam que a língua de sinais traz consigo um
papel socioideológico, sendo importantíssima para os processos linguísticos e da
subjetividade dos surdos, como cita Bakhtim (2000, apud Lori e Moura, 2006, p. 7) “a tomada
22
de consciência do eu ocorre somente quando o eu se coloca sob determinada norma social, e
que esse processo só é possível na medida em que o eu olha para si pelos olhos de outro”.
Enfim, com base nos parâmetros educacionais envolvendo a educação de surdos que
se encontra no Brasil, onde todas as escolas se defendem como humanistas, inclusivas, mas
infelizmente percebemos que em todas elas os surdos são reféns de práticas pedagógicas que
produzem sua exclusão e marginalização. Skliar (apud Loureiro, 2006) caracteriza essas
escolas como instituições que incluem o surdo na sala da aula para o convívio com os demais,
mas não lhes dá condições de se desenvolver social-cognitiva-linguística e culturalmente
como a maioria.
Precisa-se entender que o surdo faz parte de uma minoria linguística e como seria
possível a aquisição da língua de sinais por alunos surdos que ainda não a possuem? Como
interagiriam? Como seriam ministradas as disciplinas? Loureiro (2006) defende que o surdo
precisa primeiramente adquirir a sua língua natural e que uma educação inclusiva deveria
defender uma pedagogia voltada para a aprendizagem e desenvolvimento desses sujeitos,
assim como na educação bilíngue, que consiste em promover a aquisição da língua de sinais
como primeira língua. A autora afirma também que
23
5.4. Em defesa da língua de sinais e da educação bilíngue em leis e números
A língua de sinais foi garantida, a partir de leis, aos sujeitos surdos como língua
natural de sua comunidade. No ano de 2002 foi sancionada a lei 10.436 que “reconhece, no
artigo 1º, como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras,
e outros recursos de expressão a ela associados.” É entendida como língua brasileira de sinais
A lei que entrou em vigor em 24 de abril de 2002 garante aos surdos o direito de
exercer a língua de sinais como primeira língua, para que assim interajam socialmente e
tenham direito de fato a inclusão social.
Outra lei de suma importância para a educação de surdos é o decreto 5.626, instituído
em 22 de dezembro de 2005. De acordo com o artigo 3º da lei
a Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos
de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e
superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas
e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
26
homem como ser biológico, histórico e social. Vygotsky sempre considerou o homem
inserido na sociedade e, sendo assim, sua abordagem sempre foi orientada para os processos
de desenvolvimento do ser humano com ênfase da dimensão sócio-histórica e na interação do
homem com o outro no espaço social. Sua abordagem sociointeracionista buscava, então,
caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de
como as características humanas se formam ao longo da história do indivíduo.
Vygotsky (REGO, 1996 e KHOL, 2008) acredita que não só as características
individuais, mas até mesmo suas atitudes individuais estão completamente repletas de trocas
com o coletivo, ou seja, mesmo o que tomamos por mais individual de um ser humano foi
construído a partir de sua relação com o outro. Sendo assim, não é suficiente ter todo o
aparato biológico da espécie para realizar uma tarefa se o indivíduo não participa de
ambientes e práticas específicas que propiciem esta aprendizagem, pois é a partir da interação
com outros indivíduos que se promove o desenvolvimento das estruturas mentais.
Os conceitos sociointeracionistas fazem-se sempre presentes para lidar com o
desenvolvimento das crianças utilizando, durante todo o processo de ensino-aprendizagem, a
interação de um mediador, ou seja, a capacidade de solucionar questões com a ajuda de um
parceiro mais experiente, sendo importante a ideia de que existirá uma troca entre o
desenvolvimento da criança com o mediador, levando em consideração os conhecimentos que
a criança já traz, interagindo diretamente com os conhecimentos trazidos pelo mediador. E
assim também com quem está mediando, somando seus conhecimentos com o conhecimento
do próximo e com o espaço social em que está inserido.
Para Vygotsky, o processo de aprendizagem não deve se focalizar no que a criança
aprendeu, mas sim no que ela está aprendendo. Nas práticas pedagógicas sempre procuramos
prever no que aquele aprendizado poderá ser útil àquela criança, não somente no momento em
que é ensinado, mas para o futuro. É um processo de transformação constante na trajetória das
crianças.
A aprendizagem é, portanto, um processo social que se realiza por meio das
possibilidades criadas pelas mediações do sujeito e dado contexto sócio-histórico que o
rodeia, pois todo individuo é membro de uma comunidade social e depende de interrelações
para moldar-se comportamental, psicológica e materialmente perante a sociedade.
O aprendizado só ocorre verdadeiramente quando o conteúdo tem significado. No caso
dos surdos, as palavras orais não compreendem significado algum, pois elas não estão
inseridas em seu mundo, em seu cotidiano. Já no caso do conteúdo gestual, que é rico em
27
significado para os surdos, faz do processo de aprendizagem continuo e dinâmico. Sendo
assim, os significados e sentidos construídos são resultados de interações diversas entre quem
aprende, quem ensina e o conteúdo. O aluno é personagem principal deste processo, sendo
ativo na construção de seu conhecimento, por meio do contato com o grupo e com o
conteúdo. Quem ensina é responsável por dar direção e sentido, orientando a construção
desses significados. E o conteúdo favorece a reflexão do aprendiz.
A partir dessa perspectiva da construção do significado, Vygotsky (1998) define esse
desenvolvimento em dois pontos, desenvolvimento real e potencial. O desenvolvimento real é
quando o individuo soluciona os problemas sozinho, quando as funções já amadureceram, e o
ciclo está completo. Quanto ao desenvolvimento potencial, refere-se ao problema que ainda
não pode ser resolvido sem supervisão, colaboração e orientação de outros indivíduos. Esse
processo de desenvolvimento é chamado por Vygotsky de Zona de Desenvolvimento
Proximal (ZDP) que consiste, segundo o autor, em:
28
andar sozinha só vai conseguir andar com a ajuda de um adulto que a segure pelas mãos a
partir de um determinado nível de desenvolvimento. Aos três meses de idade, por exemplo,
ela não é capaz de andar nem com ajuda.
Portanto, segundo o autor, as interações têm um papel crucial e determinante. Para
definir o conhecimento real, ele sugere que se avalie o que o sujeito é capaz de fazer sozinho,
é aquele que já foi consolidado pelo indivíduo, de forma a torná-lo capaz de resolver situações
utilizando seu conhecimento de maneira autônoma. E o desenvolvimento potencial aquilo que
ele consegue fazer com ajuda de outro sujeito. Assim, determina-se a ZDP. E o nível de
riqueza e diversidade das interações determinará o potencial atingido. Quanto mais ricas as
interações, maior e mais sofisticado será o desenvolvimento.
29
O autor defende que a linguagem é aprendida no meio social em que o indivíduo vive.
Ele enfatiza que a linguagem é considerada como instrumento complexo que torna possível a
comunicação com a sociedade. Sem linguagem, o ser humano não é social, nem histórico nem
cultural. Através da linguagem aprendemos a pensar. Para Vygotsky a linguagem passa por
três fases: a primeira é a linguagem social, onde a sua principal função é a comunicação. A
segunda fase é a linguagem egocêntrica, onde há a transição da função comunicativa para a
intelectual, não há intenção de comunicar ou interagir, é um “falar sozinho”, consigo mesmo,
que é essencial para a organização das ideias e planejamento das ações. A terceira fase da
linguagem está ligada diretamente ao pensamento, é a linguagem interior onde as palavras
passam a ser pensadas, mesmo que não sejam faladas, como cita Marta Kohl “é uma forma
interna de linguagem, dirigida ao próprio sujeito e não a um interlocutor externo. É um
discurso sem vocalização, voltado para o pensamento, com função de auxiliar o indivíduo nas
suas funções psicológicas.” (2010, p. 51). Ou seja, é uma linguagem feita de ideias não
verbalizadas, utilizando a linguagem como instrumento de pensamento.
As contribuições de Vygotsky para a educação giram em torno da relação
sociocultural e da interação, e sugerem a análise dos seguintes fatores do desenvolvimento: a
espécie humana tem sua própria história, cada indivíduo tem sua história, o sujeito deve ser
considerado em sua relação sociocultural e o desenvolvimento do indivíduo é singular, cada
um tem seu tempo de assimilação.
A criança nasce inserida num meio social, que é a família, e é nela que estabelece as
primeiras relações com a linguagem na interação com os outros, e essa interação é uma das
maiores responsáveis pelo desenvolvimento da criança. A aprendizagem da criança antecede a
entrada na escola e o aprendizado escolar produz algo novo no desenvolvimento infantil,
evidenciando as relações interpessoais.
A aprendizagem acontece em todo lugar. O processo de formação de pensamento é
despertado pela vida social e pela constante comunicação que se estabelece entre crianças e
adultos. A linguagem intervém no processo de desenvolvimento intelectual da criança desde o
nascimento, é um processo fundamental, pois sem linguagem não há pensamento, portanto a
interação social torna-se o motor do desenvolvimento.
O conceito de desenvolvimento está ligado à evolução contínua de nós, seres
humanos, durante todo o ciclo vital. Essa evolução ocorre em diversos campos da nossa
existência. São eles: afetivo, cognitivo, social e motor. Essa contínua evolução não se
determina através apenas por processos de maturação genéticos ou biológicos. A interação
30
com o meio é um fator de extrema importância para o desenvolvimento humano. Esse meio
envolve vários aspectos, tais como: cultura, sociedade, práticas e interação.
Na construção social, Vygotsky considera as crianças como sujeitos sociais que
constroem o conhecimento socialmente produzido. O desenvolvimento é a apropriação ativa
do conhecimento. Esse processo de desenvolvimento na fase escolar deve ser provocado de
fora para dentro pelo professor, que é uma figura fundamental no processo de preparação do
aluno. É imprescindível aos educadores, compreender que todo mundo é modificável através
da mediação, o professor é o organizador do ambiente social, que é o fator educativo por
excelência, é por isso que ele enfatiza a posição do aluno como aquele que dirige o seu
próprio processo de aprendizagem.
Portanto, é preciso que o educador tenha metas e objetivos, saber sobre o que se vai
ensinar, mas não se pode perder de vista para quem se está ensinando. Deve-se ter consciência
no processo ensino-aprendizagem de que se quer formar um aluno concreto, real, num
processo integrado ao contexto cultural e histórico em que se situa.
A principal influência no desenvolvimento humano é a cultura. E isso pode ser
explicado pelo fato de que os seres humanos desde o nascimento já convivem com uma
cultura, e ela se torna presente em todos os aspectos da vida. O contexto cultural é
imprescindível nas principais transformações e evoluções desde a infância até a fase adulta.
Através da interação social ocorrem a aprendizagem e o desenvolvimento. É por ela
que criamos novas formas de agir no mundo, ampliando assim nossas ferramentas de atuação
nesse contexto cultural tão complexo que atua em toda nossa existência. Na comunidade
surda, a interação social é de extrema importância para a formação da identidade surda, do
desenvolvimento social, cultural, e cognitivo de seus sujeitos. Diria, talvez, que para essa
comunidade a sociointeração é ainda mais importante do que para os ouvintes, pois,
considerando como pressuposto teórico o sociointeracionismo que entende a linguagem como
forma ou processo de interação, percebe-se o termo interação como uma ação de construção
colaborativa de conhecimentos, sendo assim, uma troca de aprendizagem mútua,
possibilitando o desenvolvimento em seus diversos âmbitos.
Sabendo-se que a interação acontece pela comunicação, pela linguagem, e em todas as
relações sociais entre indivíduos organizados em sociedade. A linguagem, portanto, pode ser
pensada como um dispositivo decisivo na formação dos processos mentais, constituindo um
fator essencial para que se desenvolvam aspectos cognitivos, sociais e emocionais,
31
evidenciando a importância da aprendizagem da uma língua, sendo a língua de sinais para o
surdo.
2
Terminologia utilizada no início do século XX, período em que Vygotsky produziu seus textos.
³ Nomenclatura utilizada na tradução do texto de Vygostsky, feita pelas autoras Marta Kohl, Denise Sales e
Priscila Marques.
32
quanto possível em sociedade, para conviverem com pessoas normais é importante para o
desenvolvimento social, cultural dessas crianças.
Atualmente, novos estudos seguem as tendências expostas por Vygotsky e mostram
que a cultura influencia no comportamento natural da criança, criando novos rumos de
desenvolvimento, onde a assimilação transforma as funções naturais das crianças. Através da
cultura, das relações culturais, a criança adquire conhecimento também. Esses novos estudos
deram um salto nos princípios da educação das “crianças anormais.” Naturalmente, a criança
surda não irá aprender a falar, não por problemas no aparelho fonador, mas por se privada da
percepção auditiva, criando-se então artifícios culturais, sistema especial de signos ou
símbolos culturais, que proporcionam a organização psicofisiológica da criança anormal.
Vygotsky defendia que a cegueira era pior que a surdez, mas concorda que a surdez
gera consequências mais graves por privar do contato e experiências sociais. Não se trata
apenas de se privar da comunicação, mas também do pensamento, pois sem a fala não há
consciência. Inicialmente, ele defendia o ensino da língua oral, pois acreditava ser a única que
levaria ao desenvolvimento abstrato. Os professores não deveriam permitir mímica ou língua
de sinais, e a língua oral deveria ser introduzida de maneira natural, através de jogos e
brincadeiras, pois dessa forma criaria-se uma atmosfera em que a criança sentiria necessidade
de falar.
Apesar de inovações de métodos de ensino da linguagem oral, as crianças preferiam
ainda assim, a língua de sinais ou a mímica como instrumento de ação mútua social, e essas
crianças desenvolvem espontaneamente uma fala particular. Língua essa, diferente de todas as
línguas humanas contemporâneas existentes, criada não para surdos, mas pelos próprios
surdos.
Mesmo privada de qualquer instrução, a criança ingressa no caminho do
desenvolvimento cultural; em outras palavras, é no desenvolvimento
psicológico natural da criança e no seu meio circundante, na necessidade de
comunicação com esse meio, que se encontram todos os dados necessários
para que se realize uma espécie de autoignição do desenvolvimento cultural,
uma passagem espontânea da criança do desenvolvimento natural ao
cultural. (KOHL, 2011, p. 868)
34
Surge, então, para a educação dos surdos, o alfabeto manual, substituindo o signo
sonoro das crianças ouvintes. A criança surda lê com os olhos e fala com as mãos. Essas
crianças surdas podem ainda compreender a língua falada através da leitura labial,
substituindo o som da fala por imagens visuais. Comprovando que a fala não está ligada ao
aparelho fonador, podendo sim ser substituída por sistemas diferentes de signos, como a
língua de sinais.
7. Metodologia
35
Inicialmente planejei realizar entrevistas gravadas com algumas pessoas da família,
dentre elas a mãe e do pai de Pietro, uma prima e uma tia fonoaudióloga, porém a família
começou a se esquivar de encontros onde pudessem acontecer a gravação, acho que por receio
de ver seu filho como objeto de estudo. É uma pena, pois a entrevista gravada possibilitaria
uma maior interação entre as partes (pesquisador e pesquisado), uma maior dinâmica e troca
de informações riquíssimas. Enviei por e-mail, então, algumas perguntas (Anexo 1) sobre a
criança, o diagnóstico da surdez, comportamento familiar, metodologias de ensinos que
buscaram, conhecimento da língua de sinais e histórico escolar da criança. A entrevista
realizada por e-mail permitiu analisar a criança em seus aspectos sociais, emocionais,
linguísticos e cognitivos.
Escolhi essa metodologia, pois acredito que ela possibilita a investigação do fenômeno
dentro de seu contexto real, proporcionando-me proximidade com o caso e o aprofundamento
das questões levantadas e de obtenção de novas e úteis hipóteses.
8. Contexto
4
Os nomes foram trocados para preservar a identidade dos sujeitos pesquisados.
36
educação para surdos veio um pouco mais tarde, quando Pietro estava com 5 anos de idade,
assim que perceberam que não respondia ao estímulo dos tratamentos fonoaudiólogicos.
Está no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) desde 2012 e hoje não faz
mais uso do implante, mas não foi feita nenhuma reversão da cirurgia, apenas não ligam o
aparelho externo. O pai e a mãe também estão fazendo curso no INES para aprender a língua
de sinais. Pietro sempre foi um menino bastante agitado e muito carinhoso e a família acredita
que a partir da sua entrada no INES seu comportamento melhorou significativamente.
Meu primeiro contato com o Pietro foi em 19/02/2011, aniversário do meu sogro em
uma pizzaria. Assim que chegamos, meu namorado avisou que tinha um primo pequeno que
não falava e que era muito bagunceiro e agitado, e que era para eu não me incomodar com
qualquer coisa que ele fizesse. Coincidentemente, eu tinha acabado de assistir algumas aulas
de Língua Brasileira de Sinais (Libras) no curso de férias da UNIRIO, ia acompanhando uma
amiga que estava fazendo a disciplina, e tinha me dito que era legal. Como eu ia cursar a
disciplina no semestre que estava por começar, me interessei e participei de algumas dessas
aulas.
Na pizzaria o menino ficou sentado o tempo todo, a mãe lhe deu comida na boca,
aliás, ela o trata como um bebê. Quando fomos para casa para cantar parabéns, percebi que ele
queria mexer em tudo, sempre muito inquieto e emitindo sons, mas a mãe sempre o
repreendia, mexia negativamente com a cabeça, ele respondia emitindo alguns sons, como se
tentasse falar, então vinha na direção da mãe, dava um beijo nela, um abraço e voltava a tentar
mexer nas coisas. Essa situação se repetiu algumas vezes. Minha sogra resolveu cantar
parabéns logo e depois eles foram embora.
Acredito que o Pietro seja uma criança agitada por ser uma criança surda que não
convivia com outras crianças surdas e, portanto, todas as suas angústias, frustações, alegrias e
agitações não podiam ser compartilhadas, ele não podia interagir com ninguém, pois não
possui uma língua. Outro ponto que favorece essa agitação é o fato dele ter um implante
coclear e até a sua entrada no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) ele sempre
estava usando o implante.
O implante coclear estimula o nervo auditivo através de pequenos eletrodos que são
37
colocados dentro da cóclea, através de ato cirúrgico, e o nervo leva estes sinais para o cérebro.
No entanto o aparelho capta todos os sons do ambiente, sendo ele uma criança implantada,
mas que não decodifica os sons que recebe e tão pouco sabe falar, ficar escutando barulhos de
um ambiente cheio de pessoas, conversando em grupos e cantando parabéns deve ser
angustiante e perturbador. Laborit (2000), que utilizou um aparelho a fim de fazê-la falar e
ouvir, explica:
não sei o que é barulho. Nem silêncio. São duas palavras sem sentido. A não
ser dentro de mim, onde o silêncio não existe. Ouço assobios, muito agudos.
Suponho que virão de outro lado, do exterior, do meu lado de fora, mas não,
são ruídos meus, que só eu escuto. [...] Cansavam-me aqueles sons tão
intensos, sons sem qualquer significado, que não conduziam a nada. Tirava o
aparelho para dormir, o barulho angustiava-me. Um ruído alto sem nome,
sem qualquer ligação, deixava-me nervosa. (p. 15)
O Pietro fazia sons em quanto mexia nas coisas, algumas vezes ele gritava, outras os
sons eram quase imperceptíveis. Laborit (2000), surda, que usou aparelho monofônico e que
passou por todas as angústias e aflições de ser surda filha de pais ouvintes, justifica em seu
livro O Voo da Gaivota, de onde vem o seu apelido, gaivota, pois ela gritava muito, como
uma ave marinha, pontificando que “devia gritar para tentar distinguir a diferença entre o meu
grito e o silêncio. Para compensar a ausência de todas aquelas palavras que eu via mexer nos
lábios da minha mãe e do meu pai, cujo sentido ignorava” ( p.7)
Podemos pensar que as atitudes do Pietro se assemelham as da autora. Para se
comunicar, a criança tenta de alguma forma chamar a atenção dos pais. Ocorre-me também a
ideia de que essa atitude de gritar possa ser para demonstrar tamanho desconforto com o
implante, que funciona amplificando os sons de um ambiente, e nessa situação um ambiente
cheio e, portanto, ainda mais barulhento.
Assim como os pais de Laborit, os pais de Pietro buscaram, primeiramente, a
“normalização” do filho, pois vivem em uma sociedade ainda muito preconceituosa, que vê o
diferente como anormal, defeituoso, incapaz, ainda que na verdade o surdo seja apenas
diferente, pois percebe o mundo de maneira visual e faz parte de uma minoria linguística, e
essa linguagem é tão bem estruturada quanto a língua falada.
Em uma segunda situação, 17/09/2011, em um churrasco de aniversário de José, pai de
Pietro, cheguei com meus sogros, minha cunhada e meu namorado por volta das 19horas.
Reparei que estavam todos da família na varanda, menos o Pietro. Durante a conversa
38
perguntei por ele e me responderem que ele estava no quarto, que não iria sair por causa de
uma tia de idade que estava lá e ela sempre reclama da agitação e da bagunça dele.
Quando foi por volta das 22horas ele veio para comer, mas pegava a carne com os
convidados e corria de volta para dentro de casa. A mãe pedia, através de um sinal, para ele
ter calma. Fazia o sinal e falava com ele: “calma”, mas não adiantava muito e lá ia ele
correndo de volta para dentro de casa. Foi então que começou o assunto sobre o
comportamento dele, que ele nunca parava quieto, que ele estava sempre agitado, ainda mais
quando havia muitas pessoas em casa.
Perguntei se Pietro estava estudando e me responderem que sim. Ele estudava na
época em uma escola para surdos no Grajaú, mas que esta estava falindo e ele não iria
continuar no ano seguinte. Então eu comentei sobre a FENEIS, que lá tinha aula de Libras
para os surdos e para as famílias também. Quando chamei o menino de surdo, todo mundo
ficou me olhando como se eu tivesse dito a pior coisa do mundo, menos o pai do Pietro, que é
mais participativo e fala com naturalidade da surdez do filho e da diversidade vivida pelos
surdos. Ele também estava aprendendo Libras nessa escola no Grajaú e não se importou muito
com o meu comentário.
Minha sogra, que é fonoaudióloga e indicou desde cedo alguns especialistas que ela
conhecia, acha que ele tem que falar oralmente e acredita que ele tenha algum outro problema
que ninguém consegue descobrir, afinal, como ela mesma diz: “ele não consegue falar nada
além de mamãe mesmo com todos os anos de tratamento e do implante coclear. Ele escuta, a
gente sabe porque ele olha quando chamamos seu nome, mas não reproduz nenhuma outra
palavra.” Logo depois encerramos o assunto.
De acordo com todos os teóricos e textos estudados, acredito que a família isola o
menino por conta da dificuldade da família ouvinte compreender um membro surdo como seu
semelhante. Eles têm dificuldade de lidar com a diversidade linguística e cultural do sujeito
surdo, consideram que o surdo é diferente, mas no sentido pejorativo da palavra, consideram o
surdo como deficiente, incompleto, incapaz. Subestimam a capacidade intelectual dos surdos,
quando de fato só precisam entender que a diferença é na forma de comunicação, pois os
ouvintes falam através da voz e os surdos através de sinais, da língua gesto-visual.
A comunicação é necessidade humana e o surdo que nasce numa família ouvinte sofre
com essa falta de interação. Percebo algumas vezes que os pais preferem isolar o Pietro a
colocá-lo para interagir com a família, pois a língua de sinais é usada apenas por eles e pouco
conhecida pela família, que acredita que a língua seja apenas mímica, uma língua sem
39
prestigio, que parece servir apenas para chamarem a atenção do menino, para dar um recado,
e não como uma linguagem que possibilita a interação social dele.
Atualmente os pais estão fazendo curso de Libras no INES e já concluíram o 1º nível
do curso, mas na frente dos familiares, eles não utilizam muitos sinais além de “não”, “sim”,
“para”, e “olha pra mim”. Sinais que chamem a atenção do menino. Não sei se por vergonha,
ou por saber que ninguém da família vai entender, e preferem excluir a fala dele do que
excluir a família do assunto, até porque os encontros não são frequentes. O pai me parece
sempre mais solicito e vê o filho como diferente, a mãe nunca demonstra muito seus
sentimentos quanto à diferença dele, o que é indiscutível é o carinho deles com o menino.
A linguagem exerce papel principal na constituição dos sujeitos já que é através dela
que estabelecemos nossas relações socioafetivas, formulamos nosso pensamento, interagimos
com o mundo, ou seja, nos desenvolvemos social, cultural, intelectual e psicologicamente,
como afirma Rabelo (2001, p. 369) a ausência de instrumento comunicativo eficaz impede
que se realizem, satisfatoriamente, as funções básicas de linguagem – fator de interação
social, de transmissão cultural e construtivo do conhecimento e do próprio ser humano.
Concluo sabendo que o preconceito ainda está muito impregnado na sociedade ouvinte
e na família, mas, da mesma forma, considero importante ressaltar que o isolamento só trará
consequências desfavoráveis ao Pietro. Portanto, se a participação da família no processo
educativo e na formação social de qualquer criança é importante, com a criança surda não se
faz diferente. Isolando-a do convívio familiar por ela não falar a língua da maioria trará
consequências gravíssimas ao desenvolvimento. A família deve interagir com ele, se
interessar em conhecer e aprender a língua de sinais. É importante que se respeite e reconheça
a singularidade do Pietro como sujeito surdo.
Em um outro momento, uma tia do meu namorado fez um churrasco em um sábado à
tarde em Jacarepaguá. Eu fui com meu namorado, minha cunhada e meu cunhado e o filho
dele, Antônio, de 4 anos. Os adultos ficaram no quintal conversando e as crianças estavam
dentro de casa, havia duas meninas brincando na sala e o Pietro estava deitado no quarto
vendo televisão. Meu cunhado levou o Antônio para o quarto para ficar vendo televisão junto
com o Pietro. O quarto tinha uma janela que dava para a varanda, onde estávamos.
Depois de um tempo começamos a escutar o Antônio falar e aos poucos ir
aumentando a voz, olhei e vi que o Pietro estava assistindo o desenho e não prestava atenção
no Antônio. Ele começou a cutucar chamando o Pietro, que olhava e dizia que não com a
cabeça e se voltava de novo para a televisão. Logo depois aparece o Antônio com cara de
40
triste, chorando na varanda. Ele vai direto ao pai e fala que estava chamando o Pietro, pois
queria brincar e que o Pietro não queria falar com ele. Todos se entreolharam e ficaram sem
graça de explicar. Minha cunhada ficou vermelha de vergonha, o namorado dela riu meio sem
graça. Eu, então, falei pro Antônio que o Pietro era um menino que não escutava e, por isso,
ele não respondia, mas se ele pegasse algum brinquedo e mostrasse para ele, eles iam
conseguir brincar juntos e que gritar com o Pietro não iria adiantar. Minha cunhada resolveu ir
para o quarto com Antônio para brincar. Logo depois o Pietro se juntou e começou a
participar da brincadeira de tirar foto fazendo careta.
A surdez perante a família é considerada uma deficiência e não uma diferença cultural,
que traz consigo a diferença linguística. O tema é um tabu e pouco abordado, por vezes sendo
escondido como nesse caso com a criança, onde só foi ser levantado o assunto, após a queixa
de estar sendo “ignorado”. Essa concepção da surdez como deficiência, segue o modelo
médico, que tem sido responsável, em grande parte, pela resistência da sociedade em aceitar
as diferenças. A definição da surdez como patologia define as pessoas surdas como anormais
e as pessoas ouvintes como normais. No decorrer do trabalho vimos inúmeros
questionamentos sobre a marginalização dos surdos devido à visão patológica da surdez.
É notório que nessa família existe uma resistência em aprofundar o conhecimento
sobre o tema, o que indica a dificuldade de lidarem com o fato de terem uma criança em
condições culturais e linguísticas adversas. Evitar o assunto, mudar o foco da conversa é uma
forma de se defender da dor cotidiana de ter um ente querido com desenvolvimento atípico.
Behares (2000) afirma que a criança surda que nasce em um meio ouvinte enfrenta,
desde o nascimento, uma rede de construções identificatórias, prefiguradas pelas expectativas
de seus pais, os quais, naturalmente, esperam que ela também seja ouvinte.
Para o autor, o processo de socialização da criança surda com pais ouvintes é
complicado desde seu início, afinal, pais e filho são privados de interação por fazerem parte
de grupos culturais e linguísticos diferentes. Os pais ainda convivem com o longo processo de
confirmação de um diagnóstico e, posteriormente enfrentam um período de frustação, para
somente depois começarem a aceitar essa criança, aceitar que ela seja diferente do que foi
imaginado.
E é durante todo esse processo que vai ser construída a imagem social do que é a
surdez e do que é a criança surda para os pais, para os familiares e para a própria criança. E
por isso é importantíssimo o apoio e o reconhecimento da surdez por outros membros da
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família, respeitando, valorizando e incentivando a língua e a cultura das pessoas surdas,
repensando suas crenças e imagens em relação ao sujeito surdo.
No aniversário de 15 anos do Caio, irmão de Pietro, em 05/05/2013, fomos à casa dele
pois haveria um bolinho. O Pietro ficou no quarto até a hora do parabéns. Depois de
cantarmos, deles assoprarem a vela juntos, minha cunhada pegou o celular para tirar foto com
o aniversariante. O Pietro ficou em cima dela querendo mexer no celular, mas ninguém
deixou. Quando eu fui mexer no meu celular, ele veio perto de mim, pediu um pedaço de
bolo, ele me cutucava, apontava para o bolo e apontava pra boca dele, me deu um beijo e
bateu na tela do celular e apontou o dedo pra ele como se dissesse: “Deixa eu mexer?” Eu
deixei e todo mundo começou a falar “cuidado, cuidado!”, “pode quebrar, não deixa na mão
dele, não”, “Você é maluca? Um celular na mão desse menino?” Eu respondi que não tinha
problema, que ele não iria quebrar. Meu afilhado tem 5 anos e mexe melhor do que eu. Meu
namorado tentando tranquilizar as pessoas comentou: “É verdade, essas crianças de hoje em
dia sabem tudo de celular, tablet.”.
Eu ainda completei dizendo que era capaz dele mexer melhor até do que as outras
crianças da idade dele, pois o mundo dele é visual. O pai confirmou dizendo que ele mexe em
tudo, ele ganhou um iPad e já vence em todos os jogos, até do irmão em alguns. Ele ficou
mexendo no meu celular durante um tempo, brincou, já conhecia todos os jogos instalados.
Depois me deu um beijo e voltou para o quarto.
O preconceito quanto à capacidade dos sujeitos surdos é histórico, como aponta
Moores (1978, apud LACERDA, 1998): “Durante a Antiguidade e por quase toda a Idade
Média pensava-se que os surdos não fossem educáveis, ou que fossem imbecis” (p.2). Nesse
período, sombrio para a educação dos surdos, acreditava-se que somente curas ou atividades
sobrenaturais poderiam fazer com que os surdos convivessem socialmente. A concepção do
surdo como deficiente os designa o papel de desamparo e de coitados, sempre dependentes do
cuidado de outras pessoas.
Esses sujeitos são historicamente taxados de inúteis, imbecis e inválidos. As crianças
surdas nascidas em família ouvinte estão condenadas a enfrentar o preconceito familiar,
quando estes não estão solícitos a reconhecê-la como diferente, mas sim como deficiente. A
sociedade está impregnada da crença de que a deficiência está no surdo e não na nossa mente
fechada para a diversidade, o que vem ocasionando rigorosamente a discriminação do sujeito
surdo.
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A surdez é simplesmente uma diferença e pessoas surdas formam uma minoria
linguística e cultural, ela não é doente e/ou inválida. A principal diferença entre surdos e
ouvinte é a linguagem. A língua natural dos surdos é a língua de sinais que é uma linguagem
gesto-visual e, portanto, o campo visual é para o surdo tão importante quanto o campo
auditivo para o ouvinte. É através da visão que eles recebem as informações. Ou seja, a visão
é como uma alternativa positiva e eficiente para o canal auditivo, portanto a sua habilidade
visual é mais desenvolvida do que a de um ouvinte qualquer.
Deve-se quebrar esse paradigma de que o surdo é insuficiente e incapaz. Deve-se
possibilitar para a criança a condição de desenvolvimento de suas habilidades e capacidades e,
assim, acelerar o processo de sua integração social.
Observando crianças surdas e ouvintes a partir de 6 anos percebe-se que é
característico da faixa etária uma maior interação com outras crianças, pois é nesse período
que as crianças começam a formar os seus grupos de amigos. Nessa idade também percebo as
crianças com maior aptidão e anseio de contar aos adultos suas histórias. As crianças também
começam a mostrar algum grau de abstração. É nessa época também que a criança começa a
ver-se e a conhecer-se e assim firma as bases para a sua autovalorização que culminará e
amadurecerá por volta dos 7 e 8 anos de idade.
Na perspectiva em que se encontra o Pietro, esses desenvolvimentos não podem ser
observados, dado que ele começou a ter acesso a uma língua há 3 anos, quando entrou na
escola no Grajaú. Antes dessa experiência escolar, ele fazia tratamento clinico-terapêutico,
que não o favorecia em nada, pois como já foi abordado antes, essa metodologia trabalha com
palavras descontextualizadas, que representam apenas sons vazios, sem significado nenhum
para ele.
Qualquer característica dessa faixa etária se dá através do desenvolvimento da criança
desde os anos iniciais quando, segundo a concepção de Vygotsky, através da interação com
outros adultos, as relações sociais despertam e intensificam o pensamento. As relações,
interpessoais transformam-se em intrapessoais, assim o processo de desenvolvimento da
linguagem da criança acontece por intermédio da interação e das trocas interpessoais. Ou
seja, a linguagem tem um papel central na constituição dos sujeitos, pois é através dela que o
sujeito pode estabelecer relações com o mundo, modificando-o ao mesmo tempo em que é por
ele modificado. A linguagem é responsável pela organização da atividade mental, é através
dela que se constrói o pensamento.
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Pietro, durante os anos iniciais de sua vida, foi privado de interação social, os pais,
inexperientes, não sabiam sobre a importância da língua de sinais para o surdo e buscaram
através do implante coclear e do tratamento fonoaudiológico a cura para a surdez do filho
caçula. Com isso, o menino teve seu desenvolvimento social, cultural e cognitivo
prejudicados. Para Vygotsky o indivíduo não nasce pronto, mas é influenciado pelo ambiente
externo em que vive e pelas interações sociais ali presentes.
Rego (1999) explica a concepção vygostkiana:
Ou seja, todo homem se constitui como ser humano pelas relações que estabelece com
os outros. Desde o nosso nascimento somos socialmente dependentes dos outros. Somos seres
ontologicamente sociais, construímos a nossa história só e exclusivamente com a participação
de outros indivíduos. É a partir dessa concepção que Vygotsky formula a teoria
sociointeracionista, que entende que o conhecimento ocorre através da interação do sujeito
com o meio em que está inserido. O desenvolvimento continua a ocorrer durante toda a vida
do indivíduo, pois mantemos nossas relações.
Essa interação é possível por meio da linguagem, que é o mais completo sistema de
signos da cultura humana e através dela organizamos e expressamos nossos pensamentos.
Sem ela não seriamos seres sociais, históricos ou culturais. A aprendizagem precede
experiência escolar, mas com a criança surda, essa entrada na escola possibilitará o seu
desenvolvimento social, cognitivo, cultural. Cabe a escola, ao adulto surdo presente na sala de
aula o papel mediador, no sentido de mobilizar o grupo para as interações, possibilitando o
contado desse grupo com a língua de sinais, já que sabemos que a língua é imprescindível
para o desenvolvimento e a formulação do pensamento.
REILY (2004) afirma que o homem não age sem ser por meio de veículo sígnico, onde
estão inseridos o modo de viver, as invenções, as crenças e as formas de se comunicar
herdados de seu grupo social. Isto explica a importância da língua de sinais para a criança
surda quanto à formação do seu pensamento, como também para a formação da sua
identidade, pois mediante suas relações sociais e o acesso aos conceitos de sua comunidade,
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poderá alcançar a formação de uma maneira de pensar, de agir e de ver o mundo,
característicos da cultura da comunidade surda.
Durante a entrevista por e-mail com a família, uma situação me chamou a atenção.
Quando perguntei sobre a mudança comportamental de Pietro após o ingresso no INES e um
contato maior com outros surdos, os pais me responderam que o acesso a cultura surda fez
muito bem ao menino em todos os aspectos: sociais, comportamentais, emocionais. Os pais
afirmaram que o Pietro demonstra estar muito feliz com o convívio com outras crianças e a
possibilidade de interagir com elas. E, segundo eles, Pietro consegue estabelecer um canal de
comunicação com mais facilidade no dia-a-dia, proporcionando também uma maior interação
com os pais.
A mudança de visão da família com a língua de sinais foi perceptível nesses anos em
que acompanhei o Pietro, hoje os pais participam das festas e projetos no INES e o menino
não é visto, ainda que só pelos pais, como um incapaz, tanto que para testemunhar que
consideram o Pietro uma criança diferente e não anormal, o pai respondeu a ultima pergunta
da entrevista (Anexo 2) com letra em caixa alta “É IMPORTANTE RESSALTAR QUE
PIETRO É UM MENINO MUITO CARINHOSO E DE GRANDE SOCIABILIDADE. POR
ELE SER MUITO EXPRESSIVO, FICA FÁCIL ENTENDER O QUE ELE QUER
QUANDO TENTA ESTABELECER UM “CANAL DE COMUNICAÇÃO” CONOSCO”.
Sabemos essa mudança de visão dos pais, vai proporcionar na família uma nova
abertura para discussão do tema e até para aceitação, por parte de todos, da diferença
linguística e cultural de Pietro, rompendo com o preconceito e com o estereótipo de coitado e
de deficiente.
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10. Considerações finais
No entanto ao findar esse trabalho, tive a felicidade de ver que a visão da família está
mudando quanto à aceitação da surdez, da língua de sinais como língua natural dos sujeitos
surdos e a valorização do desenvolvimento das habilidades da criança, assim como o
reconhecimento do quão encantador é o Pietro.
Como sabemos que através da aquisição de uma língua e da interação com o meio e
com nossos pares podemos nos desenvolver, de maneira satisfatória, social, cultural, cognitiva
e emocionalmente, assim como discutido durante todo o trabalho, as desvantagens desse
atraso na apresentação de uma forma comunicativa interativa provocam estruturas de
isolamento psicológico nas crianças surdas, podendo levar a graves consequências no seu
desenvolvimento, pois sabemos que é a partir da aquisição de uma língua, no caso dos surdos
da língua de sinais, e da interação possibilitada pela língua que se dará o processo de
formação linguística e sociocultural do sujeito surdo.
Hoje o Pietro pode formar seu grupo de amigos e brincar com eles, já que está inserido
na comunidade surda, está tendo a possibilidade de interagir socialmente, de aprender a sua
língua natural, formular seu pensamento, aprender e se desenvolver. Contar histórias ainda
não lhe é garantido em 100% dos casos, ainda mais no âmbito familiar, onde só quem tem
acesso à língua de sinais são os pais, e os outros parentes desconhecem a língua. Como é
característico dessa idade o autoconhecimento, através dessa interação com outros surdos e
com surdos adultos ele poderá se reconhecer como parte integrante da comunidade,
provocando também o seu desenvolvimento cultural.
Sabemos que a falta de convívio com outros surdos desde cedo prejudicou a aquisição da
linguagem no período adequado para a elaboração do pensamento, prejudicando também o seu
desenvolvimento, mas com a entrada no INES, a participação dos pais no processo de
aprendizagem da língua de sinais, e a interação com surdos da sua idade e adultos, que servirão
como exemplo, ele poderá se desenvolver satisfatoriamente.
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Pretendo a partir desse estudo me aprofundar sempre mais, para que num futuro
próximo possa contribuir para a educação dos surdos, defendendo seus direitos de se
comunicarem através de sua linguagem natural, que é a língua de sinais, que possam de fato,
estudar sob uma perspectiva bilíngue e que através de sua cultura e identidade, do seu
desenvolvimento cognitivo pleno, possam ocupar seus lugares na sociedade e não apenas
viver a sua margem.
Acredito que ainda há muito a ser estudado com relação a educação, e quem sabe um
dia consigamos evoluir e conquistar o reconhecimento da língua de sinais como uma língua
de fato com toda a sua estrutura e complexidade, que seja respeitada como tal. Pensando um
pouco mais na frente, talvez um dia, a Libras seja a terceira língua mais falada no Brasil,
assim como a ASL é nos Estados Unidos, e que os surdos possam se perceber como parte
integrante da sociedade como um todo e não somente na comunidade surda.
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11. Referências Bibliográficas e Eletrônicas.
BEHARES, Luis Ernesto. Novas correntes na educação do surdo: dos enfoques clínicos aos
culturais. Santa Maria, UFSM, 2000.
______. Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais –
Libras e dá outras providências. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10436.htm >. Acesso em: 26 nov. 2011.
DAVIS, Claudia e OLIVEIRA, Zilma Moraes Ramos de. Psicologia na Educação. São
Paulo: Cortez, 2010.
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Acesso em: 25 nov. 2011.
KHOL, Marta. Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico.
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LOUREIRO, Vera Regina. A política de inclusão escolar no Brasil: pensando o caso dos
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SKLIAR, Carlos. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação 1998.
49
SANTANA, Ana. Paula. Surdez e Linguagem. Aspectos e implicações neurolinguísticas.
São Paulo: Plexus Editora, 2007.
SOUZA, Regina Maria. Práticas alfabetizadoras e subjetividade. In: In: LACERDA, C.;
GÓES, M.C.R. (Orgs.) – Surdez – Processos educativos e subjetividade. São Paulo: Lovise,
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VALSINER, J., VAN DER VEER, R. Vygotsky: uma síntese. São Paulo, SP: Editora
Loyola, 1996.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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ANEXOS
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Entrevista (Anexo 1)
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Anexo 2
Entrevista com pais/responsáveis realizada: 04/08/2013
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