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CAPÍTULO 3

E ESSA TAL DIVERSIDADE…

Diversidade A chama da diferença


A humanidade caminha
Foi pra diferenciar Atropelando os sinais
Que Deus criou a diferença A história vai repetindo
Que irá nos aproximar Os erros que o homem traz
Intuir o que ele pensa O mundo segue girando
Se cada ser é só um Carente de amor e paz
E cada um com sua crença Se cada cabeça é um mundo
Tudo é raro, nada é comum Cada um é muito mais
Diversidade é a sentença O que seria do caos
O que seria do adeus Sem a paz?
Sem o retorno? O que seria da dor
O que seria do nu Sem o que lhe apraz?
Sem o adorno? O que seria do não
O que seria do sim Sem o talvez e o sim?
Sem o talvez e o não? O que seria de mim?
O que seria de mim O que seria de nós?
Sem a compreensão? [...]
A vida é repleta A chama da diferença
[...] (Lenine, 2010)
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Diversidades O BÊ-Á-BÁ PARA A COMPREENSÃO DAS DIFERENÇAS

Essa canção tem na sua essência a reflexão da pluralidade exis-


tente no mundo, enfatizando a importância da diversidade, das diferen-
ças; por meio de metáforas, privilegia as antíteses, clama o reconheci-
mento dessa verdade e a compreensão.
Você já pensou “o que seria de nós” se não houvesse a pluralida-
de, as diferenças?
Vamos lá!
Concentre-se e imagine um arco-íris. Um arco multicolorido, com-
posto de sete cores, que surge quando o sol ilumina a umidade suspen-
sa no ar, após chover intensamente.
É lindo, não é?
As múltiplas cores, mais precisamente sete, que compõem essa
maravilha: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta. Imagi-
ne a forma do arco desenhada em um lindo céu azul.
Agora imagine se o arco-íris fosse somente da cor azul. Não pode-
ríamos percebê-lo, pois não se destacaria no céu, porque este também
é azul. Assim, não seria um arco-íris com suas múltiplas cores, seria
somente céu. Perderia todo o encanto que ele nos proporciona, pois é
esse se deslumbrar com o diferente que forma a beleza do mundo. E
essa beleza precisa ser respeitada em sua plenitude. É essa composi-
ção formada pela diferença, pela pluralidade, que caracteriza o que é
diverso. O mundo é constituído pelos múltiplos aspectos que diferen-
ciam o diverso de algo ou de outra pessoa.
Vimos nos capítulos anteriores que falar de diversidade não é uma
tarefa fácil, pois nós, seres humanos, somos complexos e diversos. A
homogeneidade criada em virtude dos processos sociais ao longo de
nossa história ainda é tida como padrão, porém hoje essa crença não
cabe mais, por isso é preciso falar sobre diversidade.
Falar sobre diversidade é admitir muito mais do que a existên-
cia de uma margem ou de um centro, da oposição entre uma pessoa
branca e uma pessoa negra, uma pessoa heterossexual e uma pessoa
homo ou bissexual, uma pessoa argentina e uma pessoa brasileira,
uma pessoa rica e uma pessoa pobre, uma pessoa masculina e uma
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pessoa feminina, uma pessoa morfologicamente “normal” e uma pes-


soa com deficiência – isto é, a admissão, nessa oposição, da existência
de algo que seja correto ou errado, normal ou anormal. Falar sobre
diversidade é reconhecer a existência de pessoas privilegiadas que “ao
longo de séculos de investimento de poder e saber [...] passaram a ser
[consideradas] como universais pelas epistemologias e pelas políticas”,
e por isso “as diversidades acolhem marcas sociais daqueles [...] que
não foram convencionados como ‘normais’” (YAGO, 2019, p. 55).
Podemos perceber, então, que a beleza do mundo é formada pe-
las diferenças, pelas pluralidades, por sua diversidade – que represen-
ta a união dessas pluralidades –, vivendo em harmonia, respeitando o
que é diferente e, principalmente, buscando o estabelecimento de rela-
ções socialmente equânimes e justas. Com esse entendimento, quais
seriam algumas das categorias de análise da diversidade humana?
Utilizamos aqui a palavra “algumas” pois “diversidade é sempre o
amanhã” (PARANHOS, 2021, s. p.), o que nos sugere uma incomple-
tude, uma inconclusão, um eterno vir a ser que possibilita o surgimento
de novos deslocamentos, novas diferenças e novas diversidades.

Diversidade étnico-racial

A discriminação étnico-racial, conforme previsto na Lei no 12.288,


de 20 de julho de 2010, refere-se a “qualquer distinção, exclusão, restri-
ção ou preferência baseada na raça, ascendência, cor, origem nacional
ou étnica com a finalidade ou o efeito de dificultar ou impedir o reco-
nhecimento e/ou exercício”, tendo como base a igualdade, dos direitos
humanos e das “liberdades fundamentais nos campos social, político,
econômico, cultural ou qualquer outra área da vida pública” (BRASIL,
2010, s. p.).
A nossa diferença enquanto seres humanos, compreendendo o
termo como equivalente a pessoas em sua existência biológica, e su-
jeitos sociais surge como uma de nossas maiores semelhanças. No
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entanto, é de extrema importância lembrar que a identidade construída


pelas pessoas negras não ocorre somente em oposição às pessoas
brancas, mas também pelo diálogo com elas. As diferenças, assim, im-
plicam esses processos de deslocamento, que ora aproximam, ora dis-
tanciam. É nessa relacionalidade que nos é possibilitado o aprendizado
acerca das identidades (GOMES, 2002). Diante do fato de que a cultura
brasileira tem alguns de seus enlaces na pluralidade, “nos tornando
diferentes uns dos outros”, é nessas “diferenças que reconhecemos
nossas identidades de valores” (FREITAS, 2019, p. 16).
Outrossim, devemos problematizar tal pluralidade, a fim de que o
conceito não seja “romantizado”, haja vista o fato de que

[o] Brasil é um país plural, diverso e em constante construção das


suas relações sociais. Sua identidade cultural e étnica está alicer-
çada em uma história marcada pela dominação europeia, onde
a assolação da condição humana de grupos étnicos, escravidão
e genocídio foram o cerne da construção desse país (ARAÚJO,
2015, p. 11).

Ao abordarmos a questão da dominação de pessoas negras, é im-


portante termos claro que nenhuma pessoa nasce escrava. Essa é uma
postura equivocada, pois elas foram e são escravizadas. Isso precisa
estar claro em nossas mentes, pois o termo “escravo” naturaliza uma
condição, traz a ideia de que ser escravo, submisso e passivo é uma
condição intrínseca das pessoas de cor preta, carregando um significa-
do preconceituoso e pejorativo diante de uma construção histórica da
humanidade.
Não podemos negar que “[s]omos filhos de uma forte miscigena-
ção entre os brancos, negros e índios, onde não podemos nos distinguir
e nos determinar como fazendo parte de somente um desses grupos:
somos filhos da diversidade” (ARAÚJO, 2015, p. 11); porém, esse ter-
mo, “miscigenação”, deve ser percebido como possuidor de inúmeros
– e complexos – sentidos e significados, até mesmo os mais perversos.
Prova disso é o famoso mito da democracia racial, inaugurado pelo
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sociólogo Gilberto Freyre em Casa-grande & senzala, publicado em


1939. O conceito, em si, não foi utilizado pelo autor, com os mesmos
termos, nessa obra; contudo, Freyre, com o passar dos anos, produziu
inúmeras publicações utilizando a terminologia e relacionando sua gê-
nese ao livro em questão. Na tentativa de condensar seus argumentos,
podemos dizer que Freyre defendia que o Brasil posterior à Lei Áurea
tornara-se um país onde pessoas negras e pessoas brancas conviviam
em harmonia, fato que deveria suscitar, inclusive, o orgulho nacional
(FREYRE, 2006).
Pessoas autoras como o antropólogo Kabengele Munanga e o
sociólogo Florestan Fernandes, que estudam temáticas relacionadas
ao racismo estrutural brasileiro, e como a psicóloga Lia Vainer Schu-
cman, especialista em estudos relacionados à branquitude, repudiam
veementemente as teorias de Freyre e, ademais, afirmam que elas co-
laboraram, e muito, para solidificar opressões e violências ligadas à cor
em nosso país.
Conforme Guimarães (2002, p. 50):

[...] “Raça” é não apenas uma categoria política necessária para


organizar a resistência ao racismo no Brasil, mas é também uma
categoria analítica indispensável: a única que revela que as discri-
minações e desigualdades que a nação brasileira de “cor” enseja
são efetivamente raciais e não apenas de “classe”.

Assim como a escravização, a raça foi feita, o conceito de “negro”


foi construído, e hoje devem ser, sim, mantidos na base dos discursos,
garantindo sua perspectiva política. Quando dizemos que a raça tam-
bém foi construída, estamos falando de uma construção social perver-
sa que, em um primeiro momento, teve o objetivo de distinguir pelas
diferenças e, posteriormente a isso, acabou culminando em mais um
dispositivo de opressão. As pessoas foram, ao longo dos anos, raciali-
zadas, tornaram-se pertencentes a uma outra raça por conta de sua cor
de pele. Com base nessa diferença, outros campos de poder foram se
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entrelaçando – classe e gênero como os mais expressivos –, culminan-


do no que hoje conhecemos como racismo (BRAH, 2006).
Assim, o conceito de raça, se usado para abordar tão somente
qualquer tipo de “diferenciação” (BRAH, 2006) – repare que não esta-
mos utilizando aqui o termo “diferença” –, acaba reproduzindo o concei-
to da democracia racial, mostrando um Brasil sem diferenças, composto
pelas três “raças” – o índio, o branco e o negro – que se miscigenaram,
dando origem ao povo brasileiro. Por meio desse conceito, passa-se
a neutralizar as diferenças culturais e a naturalizar uma concepção de
cultura uniforme; porém, as discriminações praticadas com base em
diferenças ficam ocultas sob os holofotes de uma igualdade que não
existe, falseando a vivência do sofrimento e da exclusão.
Após definirmos que racialização é, em síntese, a imposição de
determinadas categorias ao grupo dominado pelo grupo dominante,
podemos refletir que não somente ocorre uma racialização motivada
pela cor. Paralelamente, observou-se que a imposição de noções es-
tereotipadas de “necessidade cultural comum” acerca de grupos hete-
rogêneos, com aspirações e interesses sociais diversos (HALL, 2005;
BRAH, 2006), também começou a ser construída de forma expressiva
e ostensiva. Surge o etnicismo, uma “modalidade” de racialização rela-
cionada aos aspectos culturais. Por tal razão, o termo “etnia” passou a
ser utilizado em conjunto com a ideia de raça, possibilitando a gênese
da expressão étnico-racial.
“A sociedade com personalidade negra sofre com o racismo, como
sendo um mito da democracia racial que foi um processo construído
historicamente, acerca de qualquer processo de socialização entre os
indivíduos” (GOMES, 2011, p. 149), do mesmo modo que sofre com o
etnicismo, que desconsidera as especificidades culturais e, no escopo
destas, as diferenças estabelecidas.
Imagine: você chega a um determinado lugar e encontra um se-
nhor vestido com roupas árabes. Nesse lugar, há uma terceira pessoa
que conhece o senhor em questão, e você pergunta a ela qual é o
nome dele. O tal senhor se chama Sallim, um nome reconhecidamente
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árabe. Você começa a observar os trejeitos daquela pessoa, o sotaque


bastante carregado, e nota que ele está entregando algumas esfirras
para uma moça. Durante a observação, você começa a ouvi-lo e o es-
cuta falar de um dia em que esteve “na igreja”. Provavelmente, ao ouvir
o termo “igreja”, você deve ter sentido certo incômodo. Ouvindo mais
um pouco, você o escuta dizendo que estava “pregando”. Não mais
conseguindo segurar a curiosidade, vai até aquela pessoa que conhece
o senhor e pergunta que igreja é essa da qual ele fala? Para sua sur-
presa, você acaba sabendo que aquele senhor é um pastor evangélico.
Muito provavelmente, ao julgar os trajes, o sotaque, o aspecto,
entre outros marcadores, você diria que aquele senhor era mulçumano.
Mas não. Assim também acontece quando você se refere às pessoas
negras como “africanas”, mas não é capaz de definir de qual país elas
vêm. Lembre-se, a África é um continente. Todas essas reflexões sus-
tentam a necessidade de perceber a diversidade étnico-racial.
Temos um caminho árduo a ser trilhado, voltado à conscientização
humana, mesmo diante de políticas que promovam a equidade étnico-
-racial e que visem à luta contra o racismo em todas as esferas da vida
social, ou ainda diante daquelas direcionadas a grupos marginalizados
e discriminados, possibilitando um tratamento justo para todas as pes-
soas que representam a classe negra.

Diversidade geracional/etária

Para falarmos sobre a questão da diversidade geracional ou etá-


ria, é preciso ter claro em nossas mentes como se classifica no Brasil
a população por faixa etária. De acordo com o IBGE, a divisão etária é
realizada da seguinte forma:

● Jovens – do nascimento até aos 19 anos de idade.


● Adultos – correspondem à população que possui entre 20 e 59
anos de idade.
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● Idosos ou melhor idade – pessoas com 60 anos de idade ou


mais.

“O envelhecimento populacional é um dos fenômenos mais signi-


ficativos no século XXI” (CEPELLOS; TONELLI, 2017, p. 4). Ter um en-
velhecimento bem-sucedido está atrelado ao bem-estar físico e social,
que se deve às “condições e aos valores existentes no ambiente em
que o indivíduo envelhece, e às circunstâncias de sua história pessoal
e de seu grupo etário”, preservado “o potencial individual para o desen-
volvimento, respeitando os limites da plasticidade de cada um” (NERI,
1995, p. 34).
Envelhecer de forma bem-sucedida é uma dádiva. Apesar de a
juventude ser vista como um dos melhores períodos da vida, não po-
demos negligenciar o aumento da expectativa de vida do brasileiro,
que está levando a pirâmide etária a se inverter nas próximas décadas.
Conforme o IBGE, em 2019, o número de idosos no Brasil chegou a
32,9 milhões, evidenciando que a tendência de envelhecimento da po-
pulação converge para uma maioria de idosos até 2050. Isso exige uma
nova compreensão da terceira idade no ambiente social.
Dessa forma, “o tempo de vida das pessoas na sociedade con-
temporânea tem se tornado mais extenso, respaldado pelos avanços
da ciência, da saúde e de tecnologias que atuam em prol da longe-
vidade” (SABBAG, 2021, p. 15). Nesse tempo de vida, são formadas
as gerações, o termo usado “no sentido de classe e/ou de categoria
de idade característica, sendo comum destacar a presença da jovem
geração, das gerações adultas e da velha e/ou antiga geração”, con-
forme Batista e Galelli (2014, p. 3). Essa diversidade de gerações vem
crescendo atualmente, e dividirem o mesmo espaço social é fator para
que ocorram diversos conflitos.
“Cada sociedade observa o envelhecimento de acordo com a cul-
tura adotada, podendo existir a noção de respeito ou desprezo” (SAN-
TOS, 2020, p. 35). É interessante refletirmos que o preconceito para
com pessoas idosas, na sociedade ocidental, é uma questão cultural,
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pois existem outras culturas em que a pessoa idosa é respeitada por


seus conhecimentos, suas vivências e sua sabedoria, em razão de sua
jornada, e se tornam essenciais os seus ensinamentos.
Precisamos entender o envelhecer como algo bom e a importân-
cia de termos políticas públicas, pois o envelhecimento é inevitável.
Faz-se necessário repensar essa realidade e combater a discriminação
contra pessoas ou grupos baseada em idade, conhecida como discri-
minação etária. “A discriminação por idade é/tem se tornado um fator
bastante comum atualmente; legitima a separação e o conflito existente
entre as gerações, bem como, reduz recursos e oportunidades que po-
deriam ser disponibilizadas para com os sujeitos mais velhos” (HELAL;
SILVA, 2019, p. 3).
O preconceito etário infelizmente acontece de forma bastante la-
tente na sociedade, de um modo geral – nos órgãos governamentais,
no sistema de saúde, no mercado de trabalho, na mídia, entre outros
espaços. “A visão cultural negativa a respeito do envelhecimento é re-
forçada pela mídia e pela propaganda que, não raro, retratam os mais
velhos com clichês e fórmulas padronizadas” (IRVING, 2019. p. 7). É
nesses clichês e nessa padronização que é criada a estereotipagem.
Desse modo, a discriminação de pessoas mais velhas baseada na es-
tereotipagem, chamada de etarismo, leva as pessoas a serem mais
propensas a atribuir características positivas aos membros de seu pró-
prio grupo (viés de grupo) e características negativas para outros gru-
pos dos quais não fazem parte (LALONDE; GARDNER, 2011).
O termo “etarismo”, também conhecido como ageísmo, é compre-
endido como toda e qualquer ação que envolva intolerância para com
as pessoas por conta da sua idade. “Ageísmo” vem da língua inglesa,
“ageism”, que vem, por sua vez, de “age”, que significa idade. Esse
tipo de etarismo delineia a hostilidade e a discriminação sofridas por
pessoas com base na idade cronológica. O ageísmo está atrelado à
diversidade e à inclusão, que, recentemente, passaram a fazer parte
das preocupações sociais e políticas, como apontado por Torres, Vas-
ques-Menezes e Presotti (2017).
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Para a Associação Americana de Psicologia (APA, em inglês), or-


ganização que representa profissionais de psicologia nos Estados Uni-
dos da América e no Canadá, o preconceito de idade é uma questão
séria, que deve ser tratada da mesma forma que outras discriminações,
como aquelas baseadas em gênero, etnia ou orientação sexual, por
exemplo. Nesse sentido, encontrar formas de minimizar o ageísmo se
torna essencial, na medida em que a população de idosos continua a
aumentar.
“Os estigmas: velho, idoso, rabugento, esclerosado, ultrapassado,
já deu o que tinha que dar [–] vêm se acumulando durante séculos e
levarão, ainda, algum tempo para serem abolidos do imaginário cultu-
ral brasileiro” (SANTOS, 2020, p. 33). Além desses, devemos lembrar
alguns outros estigmas que, na maioria das vezes, nem mesmo são
caracterizados como tal. Na verdade, isso se dá pelo fato de que as
pessoas frequentemente não imaginam que “possam existir” essas re-
alidades. Por exemplo: pessoas idosas que possuem vida sexual ativa,
pessoas idosas LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e tran-
sexuais, queer, intersexuais, assexuais, entre outras), pessoas idosas
que trabalham, que dirigem (bem), que são economicamente ativas ou
até mesmo que decidem estudar e empreender. Estamos em tempos
de clamar por mudanças; precisamos revisitar conceitos, quebrar pa-
drões para todos, começando por derrubar alguns tabus e estereótipos
e por celebrar a longevidade de cada pessoa ou grupo social, assimi-
lando as rugas e as marcas de expressão, os anos de vida e a vivência
pessoal e profissional, desconstruindo a diversidade – uma realidade e
um desafio cultural dos novos tempos.

Diversidade de gêneros

Queremos realizar uma parada, antes de iniciarmos nossa conver-


sa acerca da diversidade de gêneros, para problematizarmos e esclare-
cermos algumas situações ainda bastante complexas no cenário atual.
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É importante que façamos isso já, pois, após a diversidade de gêneros,


abordaremos as diversidades sexuais. Existe uma estreita proximidade
entre os conceitos de gênero, sexualidade e sexo. Proximidade, porém,
não conexão.
A primeira pergunta que devemos fazer é: de onde vem, onde
surge essa proximidade?
Esses três conceitos, quando colocados em conjunto, formando
um tripé, estabelecem o chamado padrão cisheteronormativo (SIER-
RA; CÉSAR, 2016). O prefixo “cis” é proveniente do latim e significa
“do lado de cá”, ou seja, do mesmo lado. Nessa situação, admitimos
que só existe esse lado, ou ainda que esse é o lado considerado
como correto. Dessa forma, o termo “cisgênero” é utilizado para se
referir às pessoas cujo gênero é o mesmo que o designado em seu
nascimento. “Hétero” está relacionado a uma das formas de sexua-
lidade – nesse caso, aquela que compreende as relações afetivas
entre pessoas de gêneros opostos. Por fim, “normativo” designa o pa-
drão, a normatização que existe por detrás desse conceito. O padrão
cisheteronormativo, então, regulamenta pessoas no entendimento de
que o único tipo de relação aceitável e possível é aquele entre duas
pessoas de gêneros opostos.
O termo “sexo” está atrelado às distinções biológicas e “designa
somente a caracterização genética e anátomo-fisiológica dos seres hu-
manos” (OLINTO, 1998, p. 162). No entanto, retornando aos primeiros
trechos de nossa obra, devemos lembrar que somos pessoas constitu-
ídas sob uma estrutura binária. Dessa maneira, o sexo também acaba
definido como binário: macho ou fêmea. A questão do sexo deve ser
analisada por uma ótica minuciosa, pois ele acaba sendo utilizado por
discursos fundamentalistas na tentativa de esvaziar a diversidade de
gêneros e/ou sexual, com falas como: “Ah, mas se tem vagina é mulher,
se tem pênis é homem”. Não, o sexo não é binário. Prova disso são as
pessoas conhecidas como “intersexo”, que desenvolvem característi-
cas sexuais que não podem ser estabelecidas como exclusivamente
femininas ou masculinas.
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Já o termo “gênero” refere-se a uma categoria socialmente cons-


truída (SCOTT, 1995) relacionada à diferenciação entre ser mulher ou
ser homem, ao feminino e ao masculino. Essa construção social está
atrelada à diferença genética, mas de forma mais ampla e complexa.
“Gênero é um conceito das Ciências Sociais surgido nos anos 1970, re-
lativo à construção social [acerca] do sexo” anatômico (OLINTO, 1998,
p. 162). “Ele foi criado para distinguir a dimensão biológica da dimen-
são social, baseando-se no raciocínio de que há machos e fêmeas na
espécie humana, no entanto, a maneira de ser homem e de ser mulher
é realizada pela cultura” (BORGES, 2007, p. 509). Dessa forma, pode-
mos dizer que “gênero significa que homens e mulheres são produtos
da realidade social e não decorrência da anatomia de seus corpos”, e
ainda que o conceito de gênero “pode ser entendido como o processo
pelo qual a sociedade classifica e atribui valores e normas, construindo
assim, as diferenças e hierarquias sexuais, delimitando o que seriam
papéis masculinos e femininos” (BORGES, 2007, p. 509).
Compreendido o que seria essa construção acerca da catego-
ria gênero, agora nos cabe desconstruí-la. A desconstrução se dá
pelo fato de que sua configuração marginaliza, deixando à mercê,
milhares de pessoas que não estão dentro desse espectro binário
entre homem e mulher, fruto da cisheteronormatividade compulsória
(PEREIRA; SIERRA, 2020). Essas pessoas, a partir da impossibilida-
de de deslocamentos, experienciam sofrimentos inenarráveis – afinal,
elas não existem.
Pessoas transgênero são aquelas que não se “encaixam” nos pa-
drões binários. Não, não é que elas “decidem não se encaixar”, pois,
se essa possibilidade existisse, considerando o panorama transfóbi-
co do país que mais mata pessoas trans* no mundo (ANTRA, 2021),
com toda a certeza elas não decidiriam seguir por tal caminho. Elas
são transgênero desde sempre. Elas experienciam a disrupção e a dis-
sidência (BUTLER, 2014), e qualquer tentativa de apagamento e de
silenciamento destas culminam em ações preconceituosas, discrimina-
tórias, violentas e até mesmo criminosas (JESUS, 2014).
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Vamos atentar à terminologia: identidade de gênero. Consideran-


do-a uma identidade, ou seja, a noção daquilo que singulariza uma
pessoa e que, ao mesmo tempo, a identifica quanto à comunalidade
(HEIDEGGER, 2018), a identidade de gênero está, ainda, associada a
um padrão pessoal, ou melhor, subjetivo. A subjetividade deve ser en-
tendida como o lugar onde as coisas e as relações ganham sentido – é
o lugar do vir a ser, do processo, das significações (BRAH, 2006) a um
nível psíquico consciente e inconsciente. Ou seja, nós não podemos
determinar qual é a identidade de gênero de uma pessoa. Somente ela
pode. Aquilo que aparece, que está diante de nossos olhos, é conheci-
do como “expressão de gênero”, que, como o próprio nome diz, poderá
expressar, ou não, a identidade de gênero da pessoa por meio de mar-
cadores socialmente construídos. Dentro das expressões de gênero,
observamos a existência das cisgênero masculinas ou femininas, bem
como das transgêneras e andróginas.
A negação de direitos e uma perpetuação de ideologias pairam
sobre nossa sociedade, em que “[a] construção dos gêneros e das
sexualidades dá-se através de inúmeras aprendizagens e práticas, in-
sinua-se nas mais distintas situações [...]. É um processo minucioso,
sutil, sempre inacabado” (LOURO, 2007, p. 18). Não que tenhamos que
acabá-lo, partindo da perspectiva de que, enquanto pessoas, somos
inconclusas (FREIRE, 1996), mas devemos transgredi-lo, percebê-lo
como um caminho árduo a ser seguido, com o intuito de desconstruir
uma mentalidade arcaica. Torna-se, assim, viável a construção de uma
nova sociabilidade, respeitando a diversidade e as potencialidades das
pessoas, independentemente de seu gênero, favorecendo a equidade
nas relações humanas por meio da sua potencialidade.

Diversidade sexual

A diversidade sexual vai além da questão de sexo e gênero: abran-


ge a esfera da sexualidade humana, envolvendo os aspectos afetivos
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e/ou sexuais, ou seja, a atração afetiva e/ou sexual por outras pessoas.
É importante você compreender que a orientação sexual não é opção.
Não é uma escolha.
Vimos que o sexo está relacionado a questões genéticas, bioló-
gicas, e que o gênero, em sua subjetividade, está relacionado aos pa-
péis sociais diferenciados para mulheres, pessoas trans* e homens. A
orientação sexual “[c]onstitui os desejos internos e a atração externa
da pessoa por alguém, diferindo do senso pessoal de pertencimento
a determinado gênero” (PARANHOS et al., 2021, p. 2), possibilitando
entender que heteroafetividade, homoafetividade e biafetividade fazem
parte da orientação sexual, que, por sua vez, remete à atração que se
sente por outras pessoas. Porém, a orientação vai muito além de homo,
bi e heteroafetividade.
A sigla LGBTQIA+ refere-se a pessoas lésbicas, gays, bissexu-
ais, transexuais, transgênero, queer, intersexuais, assexuais e outras
orientações múltiplas – devemos lembrar que as pessoas queer se
identificam com essa categoria (como queer) justamente pelo fato de
não se compreenderem como uma identidade; aqui utilizamos a sigla
que integra o “Q” por uma questão de resistência – que rompem com o
sistema dominante cisheteronormativo, pois “são aquelas identidades
que se consideram discordantes do conceito binário e biologicista de
identidade e expressão de gênero” (PARANHOS et al., 2021, p. 2).
Por romper com o sistema dominante, a comunidade LGBTQIA+,
em muitos casos, passa a ser alvo de intolerância, discriminação, pre-
conceitos e violências, considerando-se o fato de que “qualquer pessoa
que saia do padrão heterossexual é tratada com descaso, desprezo,
humilhação e até violência física” (PIVA, 2017, p. 4708).
Podemos denominar essa intolerância de homofobia, reconheci-
da como “a modalidade de preconceito e de discriminação direcionada
contra homossexuais” (RIOS, 2009, p. 59). “A homofobia é uma espé-
cie de medo irracional diante da homossexualidade ou do homossexu-
al, [um medo] que se manifesta em violência física ou verbal, demons-
trando todo o preconceito que a definição sexual da pessoa envolvida
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acarreta” (PIVA, 2017, p. 4708). Infelizmente, hoje, existe uma parte da


sociedade que rejeita a natureza diversa da sexualidade e ainda, além
de rejeitar, estabelece um padrão de normalidade e pune quem não o
satisfaz.
Um outro padrão, configurado em estigma, bastante importante
e pertinente para nossa discussão, diz respeito às pessoas assexua-
das. Sabemos do preconceito existente contra pessoas homossexuais
– gays e lésbicas – e contra pessoas bissexuais – que se concretiza
em torno do discurso de “indecisão”; porém, devemos nos aprofundar
no primeiro caso. Existe uma discursividade de verdade (FOUCAULT,
2012) de que todas as pessoas fazem sexo, muito por conta da neces-
sidade reproducionista acelerada durante a Revolução Industrial. Mas
o que falar de pessoas assexuadas? Sim, elas existem e algumas delas
- em sua grande maioria - não fazem sexo. A maior parte dessas pesso-
as experienciam outras formas de prazer que não aquelas contidas no
ato sexual em si e são completamente apagadas, inclusive dentro da
própria comunidade LGBTQIA+, por tal fato.
Todas essas formas de agir depõem contra o mundo diverso em
que vivemos, contra a própria espécie humana. Reconhecer e respeitar
todas essas possibilidades é reverenciar a diversidade humana, contri-
buindo para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, diversa,
igualitária e livre.

Diversidade das pessoas com deficiência (PCD)

As pessoas com deficiência precisam ser reconhecidas por suas


potencialidades, por sua experiência de deficiência na construção da
subjetividade, e não exclusivamente como condição de uma minoria.
Não podemos negar os possíveis impedimentos corporais e as impli-
cações que as pessoas com deficiência podem ter, mas é essencial
que valorizemos as experiências dessas pessoas e suas configurações
singulares e criativas ao vivenciá-las (GESSER; NUERNBERG, 2014).
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Diversidades O BÊ-Á-BÁ PARA A COMPREENSÃO DAS DIFERENÇAS

Dessa forma, é imprescindível incorporar a temática voltada à defici-


ência como categoria de análise transversal nas ciências humanas e
sociais.

A integração dessa categoria [deficiência] não restringe a investi-


gação, nem exclui o estudo de outros determinantes já considera-
dos nas análises da psicologia social, como os de raça, geração,
classe social ou gênero. Pelo contrário, a deficiência desloca o
marco conceitual para reforçar a compreensão de como esses
determinantes se entrelaçam em vários sistemas, redefinindo-se
e constituindo-se mutuamente um ao outro. Portanto, no contexto
contemporâneo, a inclusão da deficiência como categoria de aná-
lise é de grande importância analítica e política à psicologia social
(GESSER; NUERNBERG; TONELI, 2012, p. 563).

Reconhecer o potencial e o desenvolvimento de pessoas com de-


ficiência é uma forma de garantir os seus direitos e a igualdade. Dian-
te das diversas manifestações sociais em defesa das minorias, foram
criadas diretrizes e normativas legais estabelecendo parâmetros para
as intervenções voltadas à proteção e à inclusão de pessoas com defi-
ciências na sociedade, implementando políticas públicas direcionadas
ao alinhamento do seu compromisso social ao tema das diversidades.
Diante desse compromisso, as pessoas com deficiência têm di-
reitos legais quanto às políticas públicas traçadas com o propósito de
inclusão na sociedade, permitindo que mostrem suas potencialidades e
sua capacidade de desenvolver várias atividades, desafiando assim o
preconceito de pessoas que as viam como desprestigiadas no que se
refere ao paradigma biomédico.
Dessa forma, para ficar clara a aplicação de políticas públicas, o
artigo 3o do Decreto no 5.296 (BRASIL, 2004, s. p.) considera:

Deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou


função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacida-
de para o desempenho de atividade, dentro do padrão considera-
do normal para o ser humano;
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Diversidades O BÊ-Á-BÁ PARA A COMPREENSÃO DAS DIFERENÇAS

Deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou


durante um período de tempo suficiente para não permitir recu-
peração ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos
tratamentos; e
Incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade
de integração social, com necessidade de equipamentos, adapta-
ções, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora
de deficiência possa receber ou transmitir informações necessá-
rias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou
atividade a ser exercida.

E o artigo 4o traz em sua essência o enquadramento de pessoa


portadora de deficiência nas seguintes categorias, conforme Decreto
no 3.298, de 20 de dezembro de 1999, atualizado pelo Decreto no
5.296 (BRASIL, 2004, s. p.):

Deficiência física – alteração completa ou parcial de um ou mais


segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento
da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia,
paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia,
triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação
ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros
com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades
estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempe-
nho de funções (Redação dada pelo Decreto no 5.296, de 2004);
Deficiência auditiva – perda bilateral, parcial ou total, de quarenta
e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequên-
cias de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz (Redação dada pelo
Decreto no 5.296, de 2004);
Deficiência visual – cegueira, na qual a acuidade visual é igual
ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica;
a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no
melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais
a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for
igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer
das condições anteriores (Redação dada pelo Decreto no 5.296,
de 2004);
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Diversidades O BÊ-Á-BÁ PARA A COMPREENSÃO DAS DIFERENÇAS

Deficiência mental – funcionamento intelectual significativamen-


te inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e
limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adap-
tativas, tais como: comunicação; cuidado pessoal; habilidades so-
ciais; utilização da comunidade; utilização dos recursos da comu-
nidade (Redação dada pelo Decreto no 5.296, de 2004); saúde e
segurança; habilidades acadêmicas; lazer; e trabalho;
Deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.

É importante abordar que pessoas com transtorno do espectro


autista também passaram a ser consideradas como pessoas com
deficiência a partir da promulgação da Lei no 12.764, em 2012, que
instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com
Transtorno do Espectro Autista. Porém, mesmo com o suporte de leis
públicas, ainda há a necessidade de discutir sobre o reconhecimento
da diversidade e do espectro voltado à deficiência, orientado por uma
perspectiva inclusiva, com foco na integralidade humana e pelo viés da
garantia de direitos humanos, da promoção de autonomia e da redução
das desigualdades enfrentadas por esse grupo minoritário.

Diversidade cultural

Para falarmos de diversidade cultural, precisamos primeiro ter


claro o conceito de cultura, que “é tudo o que o ser humano produz
para construir sua existência e atender a suas necessidades e desejos”
(ARANHA, 2006, p. 58). Diante desse conceito, podemos entender que
as pessoas ao nascer são inseridas em uma cultura e que, a partir de
suas experiências e vivências, passam a produzir e a propagar sua
cultura ao longo de suas trajetórias.
Atualmente, podemos ter duas linhas inseparáveis em relação
ao conceito de diversidade cultural. Uma das linhas está associada ao
contexto da diversidade interna de uma determinada sociedade, em
que as pessoas possuem características culturais heterogêneas, cons-
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Diversidades O BÊ-Á-BÁ PARA A COMPREENSÃO DAS DIFERENÇAS

truindo uma identidade nacional em conjunto, tendo a preocupação de


manter seus direitos por meio da democracia cultural e da busca pela
igualdade das minorias. A outra linha refere-se a uma perspectiva mun-
dial, por meio de trocas de bens e serviços culturais, objetivando um
intercâmbio equilibrado entre países.
Essas linhas, como dito, são inseparáveis, pois ambas carecem
de garantias de manutenção quanto à identidade cultural de um povo.
A preservação e a perpetuação dessa identidade são efetivadas prin-
cipalmente por meio de políticas públicas, dando o suporte para que
sejam produzidas, e não empobrecidas.
A diversidade cultural está vinculada a diferentes costumes e tra-
dições de uma sociedade, sendo estes representados por meio da lín-
gua falada, das crenças, dos comportamentos, dos valores, da culiná-
ria, da política, da arte, da música, das vestimentas, das manifestações
religiosas, entre tantos outros elementos.

O preconceito linguístico consiste numa discriminação contra lin-


guagens ou dialetos. Esse preconceito é social e tem como alvo
pessoas que falam de forma diferente, devido a um motivo histó-
rico ou geográfico. As classes dominantes impuseram o padrão
linguístico para todos, mas não permitiram às classes dominadas
o acesso a ele. Houve essa condição, que na verdade não é uma
contradição, mas uma estratégia político-ideológica. Isso, para
que pudessem ter, além de outros instrumentos de controle so-
cial, também o controle da língua. É o que Pierre Bourdieu chama
de a “língua legítima”: as classes dominadas reconhecem a língua
legítima, mas não a conhecem. Ou seja, elas sabem que existe
um modo de falar que é considerado melhor, o mais correto, im-
portante, mas elas não têm acesso a ele (PIVA, 2017, p. 4705).

O Brasil, por abranger um extenso território, “é reconhecido como


o país de diversidade cultural, devido a composição étnica da população
baseada em diversas matrizes populacionais, como a europeia, africa-
na e autóctone do qual se originou a miscigenação vista na atualidade”
(BITTENCOURT et al., 2019, p. 74). Em virtude dessa mescla de diver-
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sidade cultural existente no país, devido ao encontro étnico, formou-se


uma vasta cultura. Contudo, em razão da época da colonização, mais
especificamente a dos colonizadores europeus (portugueses), que se
constituíram enquanto “elite dominante e, em relação as tradições do
negro e do índio desde a colonização, [...] diversos aspectos dessas
culturas, principalmente a religiosidade, são nos dias atuais inferioriza-
das e alvo de preconceitos” (BITTENCOURT et al., 2019, p. 74).

Há desde a origem da diversidade cultural no Brasil certa exalta-


ção ao colonizador europeu, difundida por um padrão eurocêntri-
co e pela disseminação de uma pretensa superioridade europeia
em relação aos povos que aqui se encontravam, os nativos da
colônia (indígenas) e os diversos povos de diferentes etnias do
continente africano que vieram ao Brasil na condição de merca-
doria para alimentar séculos de escravidão. Os dois últimos povos
foram vistos por muito tempo pelas sociedades numa escala infe-
rior em relação ao português (europeu). Essa imagem de inferiori-
dade disseminou-se entre a população brasileira, refletindo-se em
preconceitos, marginalização e racismo ainda bastante presente
nas sociedades, mesmo que de forma sutil ou mascarada (LEAL,
2013, s. p.).

A cultura é social, intrínseca às pessoas, produzida por elas, pelas


suas individualidades e em seus relacionamentos sociais em conjunto
com o meio em que vivem. Perceber a diversidade nos espaços de con-
vivência coletiva é buscar entender as diferenças referentes às culturas
étnica, ideológica, religiosa, entre outras, mas que, ao serem coopta-
das por locais de poder, produzem sistemas sociais que as dividem em
grupos minorizados e majoritários. O preconceito cultural ainda é ex-
pressivo no Brasil, havendo a necessidade de reconhecimento dos gru-
pos minorizados frente a preceitos de desigualdade, descumprimento,
dignidade e respeito de seus direitos.

Muitas pessoas são desconsideradas pela relação [com o] local


onde nasceram. Esta é, certamente, uma das principais causas
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Diversidades O BÊ-Á-BÁ PARA A COMPREENSÃO DAS DIFERENÇAS

da intolerância e da xenofobia (preconceito contra estrangeiros


ou pessoas oriundas de outras origens). Exemplos típicos são os
norte-americanos e latinos, especialmente mexicanos, ou entre
europeus e os povos vindos do continente africano. A visão et-
nocêntrica caminha na contramão da visão global de sociedade,
pois é sinônimo de ignorância, desrespeito e falta de tolerância
(PIVA, 2017, p. 4709).

Esse é um olhar equivocado, que traz à tona a desigualdade e


o classismo social, o elitismo cultural, a xenofobia e outras formas de
opressão nelas e por elas atravessadas, suscitando questões de ódio e
de preconceito com a diversidade cultural, numa explícita violação dos
direitos humanos, e perfazendo uma divisão socioeconômica criada por
grupos sociais dominantes. De acordo com o artigo 5o da Constituição
Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988). Porém, ainda devemos
tornar claro o longo caminho que temos a percorrer até poder cumprir,
de fato, com aquilo que está expresso no texto-base de nosso país.
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