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a diferença. Isto reflete a tendência a tomar aquilo que so- a identidade e a diferença têm que ser nomeadas. É apenas
mos como sendo a norma pela qual descrevemos ou avalia- por meio de atos de fala que instituímos a identidade e a
mos aquilo que não somos. Por sua vez, na perspectiva que
venho tentando desenvolver, identidade e diferença são
I diferença como tais. A definição da identidade brasileira,
por exemplo, é o resultado da criação de variados e comple-
I
vistas como mutuamente determinadas. Numa visão mais xos atos lingüísticos que a definem como sendo diferente de
radical, entretanto, seria possível dizer que, contrariamente outras identidades nacionais.
à primeira perspectiva, é a diferença que vem em primeiro Como ato lingüístico, a identidade e a diferença estão
lugar. Para isso seria preciso considerar a diferença não sujeitas a certas propriedades que caracterizam a linguagem
simplesmente como resultado de um processo, mas como o em geral. Por exemplo, segundo o lingüista suíço Ferdinand
processo mesmo pelo qual tanto a identidade quanto a de Saussure, a linguagem é, fundamentalmente, um sistema
diferença (compreendida, aqui, como resultado) são produ- de diferenças. Nós já havíamos encontrado esta idéia quan-
zidas: Na origem estaria a diferença - compreendida, agora, do falamos da' identidade e da diferença como elementos
como ato ou processo de diferenciação. É precisamente essa que só têm sentido no interior de uma cadeia de diferencia-
noção que está no centro da conceituação lingüística de ção lingüística ("ser isto" significa "não ser isto" e "não ser
diferença, como veremos adiante. aquilo" e "não ser mais aquilo" e assim por diante).
De acordo com Saussure, os elementos - os signos - que
Identidade e diferença: criaturas da linguagem
constituem uma língua não têm qualquer valor absoluto, não
Além de serem interdependentes, identidade e diferen- fazem sentido se considerados isoladamente. Se considera-
ça partilham uma importante característica: elas são o resul- mos apenas o aspecto material de. um signo, seu aspecto
tado de atos de criação lingüística. Dizer que são o resultado gráfico ou fonético (o sinal gráfico "vaca", por exemplo, ou
de atos de criação significa dizer que não são "elementos" seu equivalente fonético), não há nele nada intrínseco que
da natureza, que não são essências, que não são coisas que remeta àquela coisa que reconhecemos como sendo uma
estejam simplesmente aí, à espera de serem reveladas ou vaca - ele poderia, de forma igualmente arbitrária, remeter
descobertas, respeitadas ou toleradas. A identidade e a a um outro objeto como, por exemplo, lima faca. Ele só
diferença têm que ser ativamente produzidas. Elas não são adquire valor - Oll sentido - numa cadeia infinita de outras
criaturas do mundo natural ou de um mundo transcenden- marcas gráficas ou fonéticas que são diferentes dele. O
tal, mas do mundo cultural e social. Somos nós que as fa- mesmo ocorre se consideramos o significado que constitui
bricamos, no contexto de relações culturais e sociais. A um determinado signo, isto é, se consideramos seu aspecto
identidade e a diferença são criações sociais e culturais. conceitual. O conceito de "vaca" só faz sentido numa cadeia
Dizer, por sua vez, que identidade e diferença são o infinita de conceitos que não são "vaca". Tal como ocorre
resultado de atas de criação lingüística significa dizer que com o conceito "sou brasileiro", a palavra "vaca" é apenas .
, \.
elas são criadas por meio de atas de linguagem. Isto parece uma maneira conveniente e abreviada de dizer "isto não é
uma obviedade. Mas como tendemos a tomá-las como da- porco", "não é árvore", "não é casa" e assim por diante. Em
das, como "fatos da vida", com freqüência esquecemos que outras palavras, a língua não passa de um sistema de dife-
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(o
renças. Reencontramos, aqui, em contraste com a idéia de sença". Essa "ilusão" é necessária para que o signo funcione
diferença como produto, a noção de diferença como a ope- corno tal: afinal, o signo está no lugar de alguma outra coisa.
ração ou o processo básico de funcionamento da língua e, Embora nunca plenamente realizada, a promessa da pre-
por extensão, de instituições culturais e sociais como a iden- sença é parte integrante da idéia de signo. Em outras
tidade, por exemplo. palavras, podemos dizer, com Derrida, que-a plena presença
(da "coisa", do conceito) no signo é indefinidamente adiada.
Mas a linguagem vacila ... É também a impossibilidade dessa presença que obriga o
signo a depender de um processo de diferenciação, de
A identidade e a diferença não podem ser compreendi-
diferença, como vimos anteriormente. Derrida acrescenta
das, pois, fora dos sistemas de significação nos quais adqui-
a isso, entretanto, a idéia de traço: o signo carrega sempre
rem sentido. Não são seres da natureza, mas da cultura e
não apenas o traço daquilo que ele substitui, mas também
dos sistemas simbólicos .que a compõem. Dizer isso não
o b-aço daquilo que ele nã0' é, ou seja, precisamente da
significa, entretanto, dizer que elas são determinadas, de
diferença. Isso significa que nenhum signo pode ser sim-
uma vez por todas, pelos sistemas discursivos e simbóli-
plesmente reduzido a si mesmo, ou seja, à identidade. Se
cos que lhes dão definição. Ocorre que a linguagem,
quisermos retomar o exemplo da identidade e da diferença
entendida aqui de forma mais geral corno sistema de
cultural, a declaração de identidade "sou brasileiro", ou seja,
significação, é, ela própria, uma estrutura instável. É pre-
a identidade brasileira, carrega, contém em si mesma, o
cisamente isso que teóricos pós-estruturalistas corno Jac-
h-aço do outro, da diferença - "não sou italiano", "não sou
ques Derrida vêm tentando dizer nos últimos anos. A lin-
chinês" etc. A mesmidade (ou a identidade) porta sempre o
guagem vacila. Ou, nas palavras do lingüista Edward Sapir
h-aço da ou h-idade (ou da diferença).
(1921), "todas as gramáticas vazam".
O exemplo da consulta ao dicionário talvez ajude a
Essa indeterminação fatal da linguagem decorre de uma
compreender melhor as questões da presença e da diferença
característica fundamental' do signo. O signo é um sinal,
em Derrida. Quando consultamos uma palavra no dicioná-
uma marcá, um traço que está no lugar de uma outra coisa,
rio, o dicionário nos fornece uma definição ou um sinônimo
a qual pode ser um: objeto concreto (o objeto "gato"), um
daquela palavra. 'Em nenhum dos casos, o dicionário nos
conceito ligado a um objeto concreto (o conceito de "gato") apresenta a "coisa" mesma ou o "conceito" mesmo. A defi-
ou um conceito abstrato ("amor"). O signo não coincide COJTI nição do dicionário simplesmente nos remete para outras
a coisa ou o conceito. Na linguagem filosófica de Derrida, palavras, ou seja, para outros signos. A presença da "coisa"
poderíamos dizer que o signo não é uma presença, ou seja, mesma ou do conceito "mesmo" é indefinidamente adiada:
a coisa ou o conceito não estão presentes no signo. ela só existe como traço de uma presença que nunca. se
Mas a natureza da linguagem é tal que não podemos concretiza. Além disso, na impossibilidade da presença, um
deixar de ter a ilusão de ver o signo como uma presença, isto determinado signo só é o que é porque ele não é um outro,
é, de ver r~osigno a presença do referente (a "coisa") ou do nem aquele outro etc., ou seja, sua existência é marcada
conceito. E a isso que Derrida chama de "metafísica da pre- unicamente pela diferença que sobrevive em cada signo
como traço, como fantasma e assombração, se podemos assim
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,. -
dizer. Em sUI,Ua,o signo é caracterizado pelo.diferimento ou A identidade e a diferença: o poder de definir
adiamento (da presença) e pela diferença (relativamente a
Já sabemos que a identidade e a diferença são o resultado
outros signos), duas características que Derrida sintetiza no
conceito de différance. . de um processo de produção simbólica e discursiva. O pro-
cesso de adiamento e diferenciação lingüísticos por meio do
Toda essa conversa sobre presença, adiamento e dife- qual elas são produzidas está longe, entretanto, de ser
rença serve para mostrar que se é verdade que somos, de simétric00 identidade, tal como a diferença, é uma relação
certa forma, governados pela estrutura da linguagem, não S?ci~ Iss~ si~n~fica que sua definição - discursiva e lingüís-
podemos dizer, por ou tro lado ue se trate exatamente tica - esta sujeita a vetores de força, a relações de poder.
de uma estrutura muito segura. Somos dependentes, nes- rnlas não são simplesmente definidas; elas são impostas. Elas
te caso, .de uma estrutura ue balan a. O adiamento in- não convivem harmoniosamente, lado a lado, em um campo
definido do significado e sua dependência de uma ope- sem hierarquias; elas são disputadaS]
ração de diferença significa que o processo de significa-
ção é fundamentalmente indeterminado, sempre incerto Não se trata, entretanto, apenas do fato de que a defi~i-
e vacilante. Ansiamos pela presença - do significado, do ção da identidade e da diferença seja objeto de disputa entre
referente (a coisa à qual a linguagem se refere). Mas na grupos sociais assimetricarnente situados relativamente ao
medida em que não pode, nunca, nos fornecer essa desejada poder. Na disputa pela identidade está envolvida uma dis-
presença, a linguagem é caracterizada pela indeterminação puta mais ampla por outros recursos simbólicos e materiais
e pela instabilidade. da sociedade. A afirmação da identidade e a enunciação da
diferença traduzem o desejo dos diferentes grupos sociais,
Essa característica da linguagem tem conseqüências
assimetricamente situados, de garantir o acesso privilegiado
importantes para a questão da diferença e da identidade
aos bens sociais. A identidade e a diferença estão, pois" em
cul~U'ais.0' a medida ~m q~e são defi~idas, em ~arte, por
estreita conexão com relações de poder. O poder de definir
mero da lmguagem, a Identidade e a diferença nao podem
a identidade e de marcar a diferença não pode ser separado
deixar de ser marcadas, também, pela indeterminação e pela
das relações mais amplas de poder. A identidade e a dife-
instabilidade. Voltemos, uma vez mais, ao nosso exemplo da
rença não são, nunca, inocentes.
identidade brasileira. (identidade "ser brasileiro" não
pode, como vimos, ser compreendida fora de um processo Podemos dizer queEde existe diferenciação - ou seja,
deprodução simbólica e discursiva, em que o "ser brasilei- i~en_tid~de e diferença - aí está presente ~~ diferen-
ro" não tem nenhum referente natural ou fixo, não é um paçao e o processo central pelo qual a l~~ e a di-
absoluto que exista anteriormente à linguagem e fora del~ ferença são produzidas. Há, entretanto, uma série de outros
Ma só tem sentido em relação com uma cadeia de significa- processos que traduzem essa diferenciação ou quecom ela
~ formada por outras identidades nacionais que, por sua guardam uma estreita relação. São outras tantas marcas da
vez, tampouco são fixas, naturais ou predeterminadas. Em presença do poder: incluir/excluir "estes pertencem, aque-
suma, a identidade e a diferença são tão indeterminadas.e les não"); emarcar 'onteiras ("nós" e "eles"); lclassificarJ.
instáveis quanto a linguagem da qual dependem. ("bons e maus"; "puros e impuros"; "desenvolvidos e primi-
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lo
separação e distinção, supõem e, ao mesmo tempo, afirmam JEixar uma determinada identidade como)anorm3Yé uma
e reafirmam relações de poder. "Nós" e "eles" não são, neste das formas privilegiadas d~lierarquização)das identidades
caso, simples distinções gramaticais. Os pronomes "nós" e e das diferenças. A normalização é um dos processos mais
"eles" não são, aqui, simples categorias gramaticais, mas sutis pelos quais o poder se manifesta no campo da identi-
evidentes indicadores de posições-de,-sujeito fortemente dade e da diferença.lf:[õmíaliz;j significa Beger - arbitra-
marcadas por relações de poder. riamente - uma identidade específica como o parâmetro em
._ Dividir o mundo social entre "nós" e "eles" significa relação ao qual as outras identidades são avaliadas e hierar-
I.J '
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,. Na medida em que é um -
produção de díf _ a operaçao de diferenciação de de gênero (quando se justifica a dominação masculina por
tivo do norma] ~s:~ça, o anormal é inteiramente const;tu-
meio de argumentos biológicos, por exemplo), ele é menos
pende da difer~nça l:ld~~~l~ ~ c~finição da identidade de- utilizado nas tentativas de estabelecimento das identidades
finição do anonna] 'A _,InIçaO o normal depende da de- nacionais, onde são mais comuns essencialismos culturais,
e- qUI o que é deixado d fi '
parte d a definição e da constit - - d "d e ,?ra e sempre No caso dashdentidades nadonais)é extremamente co-
daquilo que é consid _ d ll1~a~ o entro - A definição
- ela o aceItavel de-"'á I mum, por exemplo, o apelo a mitos fundadores. As identi-
1l1teiramente depende t d' d fi' , _' sej ver, natural é
n e
derado abjeto rejeitável a ti a e rnrçao d 'I ' dades nacionais funcionam, em' grande parte, por meio
IlA aqur o que e consí-
nica é perma~enteme
, n e aSSOm radab I
t
t' n 1l1atu ra identidade hegemô-
daquilo que BEmedith An erson hamou de "com'unidades
imaginadas". Na medida em que não existe nenhuma "co-
CUJaexistência ela não r. " 'd pe o seu Outro, sem
, , rana senti o Com b munidade natural" em torno da qual se possam reunir as
o InIcio, a diferença é parte atí d [" ~ sa emos desde
• ,c rva a Iormaçao da identida~
pessoas que constituem um determinado agrupamento na-
.cional, ela precisa ser inventada, imaginada. É necessário
Fixando a identidade' ' criar laços imaginários que permitam "ligar" pessoas que,
? processo de produção da iden íd
movuTIentos' de um I d _
'
ti ade oscila entre dois
sem eles, seriam simplesmente indivíduos isolados, sem
nenhum «sentimento" de terem qualquer coisa em comum,
I d ' a o, estão aqueles pr .
em a fixar e a estabilizar a identidad, lOcessos que ten- 0. líng_~~ tem sido um dos elementos centrais desse
J.
sos que tendem a subve 't~ I de, de outro, os proces-
I processo semelhante
dí
I e- a e a
ao que Ocorre c
'1 a, E' um
esesta b 1'I'iza- processo - a história da imposição das nações modernas
coincide, em grande parte, com a história da imposição de
IScursivos e lingüÍstico ,om os mecanismos uma língua nacional única e comum. Juntamente com a
da identidade Ta] .' s 11 ?S quais se sustenta a produção
, ,como 1
a mgu'lgcm t d~' língua, é central a consh"Ução de símbolos nacionais: hinos,
tidade é para a fixa'- E c ,a en encia da íden- bandeiras brasões. Entre esses símbolos, destacam-se os
'
I1l1guagem, a identid d çao. 'ntretanto tal
' ,como OCorre com a chamado~ "mitos fundadoreGFundamentalmente,t mi-
, a e esta sempre esc d i:
e tuna tendência e ao apan o, A llxação to fundador remete a um momento crucial do passa o em
, ,mesmo tempo, uma impossibilidade
A teona cultural e socia]' ,_, ' que algum gesto, algum acontecimento, em geral herói-
rido os diversos tenito' _' d ~dos-e~tluturalIsta tem percor- co, épico, monumental, em geral iniciado ou executado
IIOS a 1 entIdade t
ver tanto os processos q t '" para entar descre- por alguma figura "providenciar', inaugurou as bases de
, ue entamÍlxa hq t 1
Impedem sua fixa - ~ ',d - c uan o aque es que uma suposta identidade nacional. Pouco importa se os
d d c çao, J.em SI o analisad'" ,
a es nacionais, as identidades d "~ a~,aSSI~, as Identi- fatos assim narrados são "verdadeiros" ou não; o que im-
sexuais, as identid''l.des' " ~ gene! o, as Identidades porta é que a narrativa fundadora funciona para dar à
1aClats e étmC'ls En b
fu ncionamen to n cc>" (, 1 ora estejam em identidade nacional a liga sentimental e afetiva que lhe
cultural, e ~socia'l,a~l~I)~s~)ISv~il~~~;~l~n~~,n~~~s~a identidade garante uma certa estabilidade e fixação, sem as quais ela
cem a c1mamicas diferentes A'" 1 Ocessos, eles.obede_ não teria a mesma e necessária eficáciã] .
" SSII1lpor exemplo
o recurso à biologia é evidente na'd' .~ " : enquanto Os ~nitos fundadorêSJIue tendem a fixar as identidades
ll1c1nllcada Identidade
nacionais são, assim, um exemplo importante de essencia-
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Usmo cultural. Embora aparentemente baseadas em argu- mente teóricos; eles são parte integral da dinâmica da pro-
mentos biológicos, as tentativas de fixação da identidade que dução da identidade e da diferença.
apelam para a natureza não são menos culturais. Basear a
oLhibridisrl5SiJpor exemplo, tem sido analisado, sobre-
ínferiorízação das mulheres ou de certos grupos "raciais" ou
tudo, em relação com o processo de produção das identida-
étnicos nalguma sUl?ostacarac~elÍstica natural ou biológica não
des nacionais, raciais e étnicas. Na perspectiva da teoria cul-
é simplesmente um erro "científico", mas a demonstração da
tural contemporânea, o hibridismo - a mistura, a conjunção, o
tmpos} -ode uma elo üente rade cultural sobre uma nature-
intercurso entre diferentes nacionalidades, entre diferentes
za que, em si mesma, é - cultura mente an o=-sí enciosa.
etnias, entre diferentes raças - coloca em xeque aqueles pro-
]A; c~~mad~s inter :)r(~.~~,Çõ~sbiológicas_são: antes de serem
cessos que tendem a conceber as identidades como fundamen-
l>fologlcas tnte1):wetaçOQa Isto é, elas nao sao mais do que a
talmente separadas, divididas, segregadas. O processo de hí-
.imQosi ão e uma matriz de si nifica ão sobre uma atélia
brídízação confunde a suposta pureza e insolubilidade dos
que, sem elas, não tem qualquer significado. Todos os essen-
grupos.que se reúnem sob as diferentes identidades nacionais
cialismos são, assim, culturais. Todos os essencialismos nas-
raciais ou étnicas. A identidade que se forma por meio do
cem do movimento de fixação que caracteriza o processo de
hibridismo não é mais integralmente nenhuma das identi-
produção da identidade e da diferenç'S
dades originais, embora guarde traços delas.
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diáspora forçada dos povos africanos por meio da escraviza- Seio movimento entre fronteiras coloca em evidência a
ão, por exem lo ou podem ser simplesmente metafóricos. instabilldade da identidad~ nas próprias linhas de fron- \ r
"Cmzar fronteiras" por exemplo, pode significar simples- teira, nos limiares, nos interstícíos, que sua precariedade se
mente mover-se livremente entre os territórios simbólicos torna mais visívej]Aqui, mais do que a partida ou a chegada,
de diferentes identidades. LÇmzar fronteiras" significa não- é cruzar a fronteira, é estar ou permanecer na fronteira, que
respeitar os sinais que demarcam - "artificialmente" - os é o acontecimento crítico. Neste caso, é a teorização cultural
limites entre os territórios das diferentes identidade_9 contemporânea sobre{iêõero e sexuãhdadê}que ganha cen-
tralidade. Ao chamar a atenção para o caráter cultural e
Mas é no movimento literal, concreto, de grupos em
movimento, por obrigação ou por opção, ocasionalmente ou construído do gênero e da sexualidade, a teoria feminista e
constantemente, que a teoria cultural contemporânea vai a teoria queer contribuem, de forma decisiva, para o ques-
buscar inspiração para teorizar sobre os processos que ten- tionamento das oposições binárias - masculino/feminino,
dem a desestabilizar e a subverter a tendência da identidade h'éterossexual/homossexual- nas quais se baseia oprocesso
à fixação. Diásporas, como a dos negros africanos escraviza- dê fixação das identidades de gênero e das identidades sexuais.
dos, por exemplo, ao colocar em contato diferentes culturas A possibilidade de "cruzar fronteiras" e de "estar na fronteira",
e ao favorecer processos de miscigenação, colocam em mo- de ter uma identidade ambígua, indefinida, é uma demonstra-
vimento processos de hibridização, sincretismo e criouliza- ção do caráter "artificialmente" imposto das identidades fixas.
ção cultural que, forçosamente, transformam, desestabili- O "cruzamento de fronteiras" e o cultivo propositado de iden-
zam e deslocam as identidades originais. Da mesma forma, tidades ambíguas é, entretanto, ao mesmo tempo uma podero-
movírçcntos migratórios cm geral, como os que, nas últimas sa estratégia política de questionamento das operações de
décadas, por cxen.plo, deslocaram grandes contingentes fixação da identidade. A evidente artificialidade da identi-
populacíonaf das :\J1ti.gas colónias para as antigas metrópo- dade das pessoas travestidas e das que se apresentam como
r I
I.
drag-queens, por exemplo, denuncia a - menos evidente-
II Ies, ravorcccm processos que afetam tanto as identidades
subordinadas quanto as heger~~_ônicas. Finalmente, é a [viagem] ar~lficialidade de todas as identidades.
em geral que tomada como[metáfo~ do caráter necessaría-
é
mente móvel da identidade. Embora menos traumática que a Identidade e diferença: elas têm que ser
diáspora ou a migração forçada, a viagem obriga quem viaja a representadas
sentir-se "estrangeiro", posicionando-o, ainda que temperaria- Já sabemos que a identidade e a diferença estão estrei-
mente, como o "outro". A viagem proporciona a expeliência do lamente ligadas a sistemas de significação. IA identidade é
"não sentir-se em casa" que, na perspectiva da teoria cultural um significado - cultural e socialmente ahi'buíd91 A teoria
conte~orâJ~ea, caracteriza, na verdade, toda identidade cul- cultural recente expressa essa mesma idéia por meio do
tural. ~a VIagem, podemos experimentar, ainda que de conceito de representação. Para a teoria cultural contempo-
forma limitada, as delícias -. e as inseguranças - da instabi- II,
II rânea, a identidade e a diferença estão estreitamente asso-
lidade e da precariedade da identidade] . ciadas a ~stemas de representasã~:
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° conceito de representação tem uma longa história, o
que lhe confere uma multiplicidade de significados. Na
sentação mental ou interior. A\t:epresentaçãolé, aqui, sempre
marca ou traço visível,~xten0t1
história da filosofia ocidental, a idéia de representação está
ligada à busca de formas apropriadas de tomar o "real" presen- Em segundo lugar, na perspectiva pós-estrutur~st~, o
te - de apreendê-lo o mais fielmente possível por meio de conceito de representação incorpora todas as características
sistemas de significação. Nessa história, a representação tem-se de indeterminação, ambigüidade e instabilidade atribuídas
apresentado em suas duas dimensões - a representação exter- à linguagem. Isto significa questionar q~aisqu~r d:s prete.n-
na, por meio de sistemas de signos como a pintura, por exem- sões miméticas, especulares ou reflexivas atribuídas à 1:-
plo, ou a própria linguagem; e a representação interna ou presentação pela perspec~va ~~ássica.A~ui: a represe~taç.ao
mental- a representação do "real" na consciência. não aloja a presença do real ou elo significado. A I epr e-
scn tação não é simplesmente um meio transpare~te de
0lPós-estruturalismoJe a chamada "filosofia da diferen-
expressão de algum suposto referente. Em v~z .disso~ a
ça" erguem-se, em parte, como uma reaçâo à idéia clássica
representação é, como qualquer sistema de sígnífícação,
de representação. É precisamente por conceber a lingua-
uma forma de atribuição de sentido. Como tal, a .re~l:e-
gem - e, por extensão, todo sistema de significação _
soutação é um sistema lingüístico e cultur~: arbltrarl~
como uma estrutura instável e indeterminada que o pós-es-
indeterminado e estreitamente ligado a(relaçoes de poder.
truturalismo questiona a noção clássica de representação.
Isso não impediu, entretanto, que teóricos e teóricas ligados É aqui que a representação se liga ~ identi~ade e à
sobretudo aos Estudos Culturais como, por exemplo, Stuart diferença. A identidade e a difer~nça sao ~streItamente
Hall, "recuperassem" o conceito de representação, desen- dependentes da representação. E P?r m.elO da rep.re-
volvendo-o em conexão com uma teorização sobre a identi-. sentação, assim compree~dida, que a Identidade e _a dife-
dade e a diferença. ronça adquirem sentido. E por me i? da representação ~u~,
por assim dizer, a identidade e a dif~ren~~ pass,am. a eXl~tll:
Nesse contexto, a representação é concebida como um
Representar significa, neste caso, dizer: essa·e a identida-
sistema de significação, mas descartam-se os pressupostos
do", "a identidade é isso".
realistas e miméticos associados com sua concepção filosó-
fica clássica. Trata-se de uma representação pós-estrutura- É também por meio da representação que_a identidade
lista. Isto significa, primeiramente, que se rejeitam, so- , H diferença se ligam a sistemas de poder. Q~em te~1 ~ l. ~
bretudo, quaisquer conotações mentalistas ou qualquer as- poder de repr~sentar tem o poder de de~nir e detetnuna: I
sociação com uma suposta interioridade psicológica. No a identidade. E por isso que a represe~taçao ocu~a um .luga~
registro pós-estruturalista, a representação é concebida uni- t50 central na teorização contemporanea sobre ldenh.dade
camente em sua dimensão de significante, isto é, como e nos movimentos sociais ligados à identidade. QuestIo~ar
sistema de signos, como pura marca material. A repre- a identidade e a diferença significa, nesse contexto, questio-
sentação expressa-se por meio de uma pintura, de uma nar os sistemas de representação que lhe dão suporte e
fotografia, de um filme, de um texto, de uma expressão oral. sustentação. No centro da crítica da identidade e da di~e
~ representação não é, nessa concepção, nunca, repre- rença está uma crítica das suas formas de l~e~tesentaça~.
Não é difícil perceber as implicações pedagógicas e currí-
II
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.
cu lares dessas conexões entre identidade e representação. posições fazem com que algo se efetive, se realize. Austin
A pedagogia e o currículo deveriam ser capazes de oferecer chama a essas proposições de "performativas". São exem-
oportunidades para que as crianças e os/as jovens desen- plos típicos de proposições performativas: "Eu vos declaro
volvessem capacidades de crítica e questionamento dos marido e mulher", "Prometo que te pagarei no fim do mês",
sistemas e das formas dominantes de representação da iden- "Declaro inaugurado este monumento".
tidade e da diferença.
Em seu sentido estrito, só podem ser consideradas per-
formativas aquelas proposições cuja enunciação é absoluta-
Identidade e diferença como performatividade mente necessária para a consecução do resultado que anun-
Remeter a identidade e a diferença aos processos dís- ciam. Entretanto, muitas sentenças descritivas acabam
cursivos e Iíngüístícos que as produzem pode significar; funcionando como performativas. Assim, por exemplo, uma
entretanto, outra vez, simplesmente fixá-las, se nos limitar- sonhmça'como "João é pouco inteligente", embora pareça
mos acompreender a representação de uma forma pum- !1()1' simplesmente descritiva, pode funcionar - em um .sen-
mente descritiva. Será o conceito de perforrnatividade, tido mais amplo - como performativa, na medida em que
desenvolvido, neste contexto, sobretudo pela teórica Judith sua repetida enunciação pode acabar produzindo o "fato"
Butler (1999), que nos permitirá contornar esse problema. (III ) suposta~ente apena~ deveria. descre-;,ê-Io. É pr~C.iS~-
O conceito de performatividade desloca a ênfase na ídenti- m n« a partir desse sentido ampliado de performativida-
~ade como descrição, como aquilo que é - uma ênfase que d 1ft que a teórica Judith Butler analisa a produção da iden-
e, de certa forma, mantida pelo conceito de representação lidudc como uma questão de performatividade.
- para a idéia de "tornar-se", para uma concepção da iden- Em geral, no dizer algo sobre certas características iden-
tidade como movimento e transformação. ' tit(IXItlS de algum grupo cultural, achamos que estamos sim-
A formulação inicial do conceito de "performatividade" plesmente descrevendo uma situação existente, um "fato"
deve-se aJ.A. Austin (1998). Segundo Austin, contrariamen- do mundo social. O que esquecemos é que aquilo que di-
te à visão que geralmente se tem, a linguagem não se limita zomos faz parte de uma rede mais ampla de atos língüís-
a proposições que simplesmente descrevem uma ação, uma tícos que, em seu conjunto, contribui para definir ou
situação ou um estado de coisas. Assim, se nos pedirem para te forçar a identidade que supostamente apenas estamos
dar um exemplo de uma proposição típica, provavelmente d screvendo. Assim, por exemplo, quando utilizamos
nos sairíamos com algo como "O livro está sobre a mesa". uma palavra racista como "negrão" para nos referir auma
Trata-se, tipicamen te, de uma proposição que Austin chama p issoa negra do sexo masculino, não estamos simples-
de "constatatíva" ou "descritiva". Ela simplesmente descre- monte fazendo uma descrição sobre a cor de uma pessoa.
ve uma situação, Mas a linguagem tem pelo menos uma Estamos, na verdade, inserindo-nos em um sistema Iin-
outra categoria de proposições que não se ajustam a essa güísttco mais amplo que contribui para reforçar a negativi-
definição: são aquelas proposições que não se limitam li dade atribuída à identidade "negra",
descrever um estado de coisas, mas que fazem com que Esse exemplo serve também para ressaltar outro ele-
alguma coisa aconteça. Ao serem pronunciadas, essas pro- mento importante do aspecto performativo da produção da
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identidade. A eficácia produtiva dos enunciados perforrna- sempre retirada de um determinado contexto e inserida em
tivos ligados à identidade depende de sua incessante repe- um contexto diferente.
tição. Em termos da produção da identidade, a É exatamente essa "citacionalidade" da linguagem que
ocorrência de uma única sentença desse tipo não teria se 'combina com seu caráter performativo para fazê-Ia tra-
nenhum efeito importante. É de sua repetição e, sobre- balhar no processo de produção da identidade. Quando
tudo, da possibilidade de sua repetição, que vem a força utilizo a expressão "negrão" para me referir a um homem
que um ato lingüístico desse tipo tem no processo de negro, não estou simplesmente manifestando uma opinião
produção da identidade. É aqui que entra outra noção q-u·e. tem origem plena e exclusiva em minha intenção, em
semiótica importante, uma noção que foi especialmente mtnha consciência ou minha mente. Ela não é a simples
ressaltada por Jacques Derrida. Uma característica es- "pressão singular e única de minha soberana e livre opi-
sencial do signo é que ele seja repetível. Isto quer dizer nirlO. Em um certo sentido, estou efetuando uma operação
que quando encontro um signo como "vaca", eu devo ser dQ "recorte e colagem". Recorte: retiro a expressão do
capaz de reconhecê-lo como se referindo, de forma relati- contexto soci~l mais amplo em que ela foi tantas vezes
vamente estável, sempre, à mesma coisa, apesar de variações enunciada. Colagem: insiro-a no novo contexto, no contexto
"acidentais" - diferenças de caligrafia, por exemplo. Se as 111 CJueela reaparece sob o disfarce de minha exclusiva
palavras ou os signos que utilizamos para nos referir às opinião, como o resultado de minha exclusjva operação
coisas ou aos conceitos tivessem que ser reinventados, a mental. Na verdade, estou apenas "citando". E essa citação
cada vez e por cada indivíduo - isto é, se não fossem re-
petíveis - já não seriam signos tais como os concebemos.
°
(Jlle r icoloca.em ação enunciado performativo que reforça
I I O lt"PÇCt.Q negativo atribuído à identidade negra de nosso
Derrida n991) estende essa idéia para a escrita, em 'xcmplo..Minha frase é apenas mais uma ocorrência de uma
particular, e, mais geralmente, para a linguagem. Para Der- Ci~í\~10que tem sua origem em um sistema mais amplo de
rida, o que caracteriza a escrita é precisamente o fato de Opcl'~çQesde oitação, de performatividade e, finalmente, de
que, para funcionar como tal, uma mensagem escrita qual- d 'fír'lição, produção e reforço da identidade cultural.
quer precisa ser reconhecível e legível na ausência de quem Segundo Judith Butler (1999), a mesma repetibilidade
a escreveu e, na verdade, até mesmo na ausência de seu que garante a eficácia dos atos performativos que reforçam
suposto destinatário. Mais radicalmente, ela é inde- as identidades existentes pode significar também a possibí-
pendente até mesmo de quaisquer supostas intenções que lídnde da interrupção das identidades hegemônicas. A repeti-
a pessoa que a escreveu pudesse ter tido no momento em çno pode ser interrompida, A repetição pode ser questionada
que o fez. Tudo isso é sintetizado na fórmula de que "a , contestada, É nessa interrupção que residem as possibilida-
escrita é repetível". Segundo Derrida, isso vale para a lin- d 'S de instauração de identidades que não representem sim:
guagem em geral. Ele chama essa característica, essa repe- plesmente a reprodução das relações de poder existentes. E
tibilidade da escrita e da linguagem, de "citacionalidade". issa possibilidade de interromper o .processo d e " recorte e
Nesses termos, '0 que distingue a linguagem (como uma colagem", de efetuar uma parada no processo de "cítacionali-
extensão da escrita) é sua citacionalidade: ela pode ser cinde" que caracteriza os atos performativos que reforçam
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as diferenças instauradas, que toma possível pensar na pro- identidade é instável, contraditória, fragmentada, inconsis-
dução de novas e renovadas identidades. tente, inacabada. A identidade está ligada a estruturas dis-
cursivas e narrativas. A identidade está ligada a sistemas de
Pedagogia como diferença representação. A identidade tem estreitas conexões com
relações de poder.
Se prestarmos, pois, atenção à teorização cultural con-
temporânea sobre identidade e diferença, não poderemos Como tudo isso se traduziria em termos de currículo e
abordar o multiculturalismo em educação simplesmente pedagogia? O outro cultural é sempre um problema, pois
como uma questão de tolerância e respeito para com a coloca permanentemente em xeque nossa própria identída-
[I diversidade cultural. Por mais edificantes e desejáveis que do. A questão da identidade, da diferença e do outro é um
I possam parecer, esses nobres sentimentos impedem que problema social ao mesmo tempo que é um problema pe-
vejamos a identidade e a diferença como processos de d ~g6.gicoe curricular. É um problema social porque, em um
produção social, como processos que envolvem relações de múutlo heterogêneo, o encontro com o outro, com o estra-
poder. Ver a identidade e a diferença como uma questão de nho, com o diferente, é inevitável. É um problema pedagó-
produção significa h-atar as relações entre as diferentes I () 'curricular não apenas porque as crianças e os jovens,
culturas não como uma questão de consenso, de diálogo ou ,"Tn uma sociedade atravessada pela diferença, forçosamen te
comunicação, mas como uma questão que envolve, funda- lnt 'I'tlgcm com o outro no próprio espaço da escola, mas
mentalmente, relações de poder. A identidade e a diferença lnmuC:m porque a questão do outro e da diferença não pode
não são entidades preexistentes, que estão aí desde sempre dt'Jxl'w d SQl' matéria de preocupação pedagógica e curricu-
I
ou. que passaram a estar a aí a partir de algum momento fi,,: JI~\ mo quando explicitamente ignorado e reprimido, a
fundador, elas não são elementos passivos da cultura, mas ,i(.lhl do outro, do diferente, é inevitável, explodindo em
têm que ser constantemente criadas e recriadas. A identi- c::onflHos, ccnfrontos-hosulídades e até mesmo violência. O
dade e a diferença têm a ver com a atribuição de sentido ao rq~l'fllIMo tende a voltar - reforçado e multiplicado. E o
mundo social e com disputa e luta em torno dessa atribuição. J)1'Oblcn:Hl" é que esse "outro", numa sociedade em que a
fchmUdnde torna-se, cada vez mais, difusa e descentrada,
Nessa perspectiva, podemos fazer uma síntese, descre-
'Xpf' .ssa-se por meio de muitas dimensões. O outro é o ou-
vendo o que a identidade - tudo isso vale, igualmente, para
lJO g~ncro, o outro é a cor diferente, o outro é a outra
a diferença - não é e o que a identidade é.
li xuolídade, o outro é a outra raça, o outro é a outra nacio-
Primeiramente, a identidade não é uma essência; não é 1\ lldudo, o outro é O corpo diferente.
um dado ou um fato - seja da natureza, seja da cultura. A
Uma primeira estratégia pedagógica possível, que po-
identidade não é fixa, estável, coerente, unificada, perma-
deríamos classificar como "liberal", consistiria em estimular
nente. A identidade tampouco é homogênea, definitiva,
cultivar os bons sentimentos e a boa vontade para com a
acabada, idêntica, transcendental. Por outro lado, 'podemos
chamada "diversidade" cultural. Neste caso, o pressuposto
dizer que a identidade é uma construção, um efeito, um
b(ísico é o de que a "natureza" humana tem uma variedade
processo de produção, uma relação, um ato performativo. A
de formas legítimas de se expressar culturàlmente e todas
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devem ser respeitadas ou toleradas - no exercício de uma grupo, exercícios corporais, dramatizações são estratégias
tolerância que pode variar desde um sentimento paternalís- comuns nesse tipo de abordagem.
ta e superior até uma atitude de sofisticação cosmopolita de
Em algum lugar intermediário entre essas duas aborda-
convivência para a qual nada que é humano lhe é "estranho".
gens, situa-se a estratégia talvez mais comumente adot~da
Pedagogicamente, as crianças e os jovens, nas escolas, se-
na rotina pedagógica e curricular das escolas, que consiste
riam estimulados a entrar em contato, sob as mais varia-
cm apresentar aos estudantes e às estudantes uma visão
das formas, com as mais diversas expressões culturais dos
superficíal e distante das diferentes culturas. Aqui, o outro
diferentes grupos culturais. Para essa perspectiva, a di-
uparece sob a rubrica do curioso e do exótico, Além d: não
versidade cultural é boa e expressa, sob a superfície, nos-
lJH sstionar as relações de poder envolvidas na produçao da
sa natureza humana comum. O problema central, aqui, é
Identidade e da diferença culturais, essa estratégia as refor-
que esta abordagem simplesmente deixa de questionar
as relações de poder e os processos de diferenciação que,
~"."0 construir o outro por meio das categorias do exotismo
(' ún curlosídade. Em geral, 'a apresentação do outro, nessas
antes que tudo, produzem a identidade e a diferença. Em
nbcrdagens, é sempre o suficientemente distante, tant~ no
geral, o resultado é a produção de novas dicotomias, como
Sl)U(J0 quanto no tempo, para não apresentar nenhum nsco
a do dominante tolerante e do dominado tolerado ou a da
c!t: eonJi'onto e dissonância,
identidade hegemônica mas benevolente e da identidade
subalterna mas "respeitada". Fin~\lm(~Jlte,gostaria de argumentar em favor de uma
t· tl'lIlégin pedagógica e curricular de abordagem da identi-
Uma segunda estratégia, que poderíamos chamar de
dack • 11\dífercnça que levasse em conta precisamente as
"terapêutica", também aceita, liberalmente, que a diversi-
c''iJntrihu,j 'Õ iS da teoria cul tural recente, sobretudo aquela
dade é "natural" e boa, mas atribui a rejeição da diferença
d{' {I\N~il't\Çrl()pós-estruturalista. Nessa abordagem, a peda-
e do outro a distúrbios psicológicos. Para essa perspectiva,
~oS!hl (i) Ocurrículo tratariam a identidade e a diferen?a C01~O
a incapacidade de conviver com a diferença é fruto de
questões de política. Em seu centro, estaria uma discussao
sentimentos de discriminação, de preconceitos, de crenças
dn ld intldade e da diferença como produção, A pergunta
distorcidas e de estereótipos, isto é, de imagens do outro
cru '1:11 ti guiar o planejamento de um currículo e de uma
que são fundamentalmente errôneas. A estratégia pedagó-
I') xlugogía da diferença seria: como a identidade ~ a ~if~n~n-
gica correspondente consistiria em "tratar" psicologicamen-
çn são produzidas? Quais são os mecanism~s e ~ ms~ttllçoes
te essas atitudes inadequadas. Como o tratamento pre-
'lu estão ativamente envolvidos na criaçao da Identidade e
conceituoso e discriminatório do outro é um desvio de
dt, sua fixação?
conduta, a pedagogia e o currículo deveriam proporcionar
atividades, exercícios e processos de conscientização que Para isso é crucial a adoção de uma teOlia que descreva
permitissem que as estudantes e os estudantes mudassem , explique o processo de produção da identida~e e da di-
fl!1' mça. Uma estratégia que simplesmente admita e reco-
suas atitudes. Para essa abordagem, a discriminação e o
preconceito são atitudes psicológicas inapropriadas e de- nheça o fato da diversidade torna-se incapaz de forne~er os
vem receber um tratamento que as corrija. Dinâmica de instrumentos para questionar precisamente os mecanismos
e as instituições que fixam as pessoas em determinadas
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"
identidades culturais e que as separam por meio da diferen- cidade estende e multiplica, prolifera, dis'semina. A diversi-
ça cultural. Antes de tolerar, respeitar e admitir a diferença, ~de é un: dado - da natureza ou da cultura, A multiplicidade
é preciso explicar como ela é ativamente produzida. A e um movimento. A diversidade reafirma o idêntico. A multi-
diversidade biológica pode ser um produto da natureza; o plicidade estimula a diferença que se recusa a se fundir com
mesmo não se pode dizer da diversidade cultural. A diver- o idêntico. Como diz José Luis Pardo:
sidade cultural não é, nunca, um ponto de origem: ela é, em Respeitar a diferença não pode significar "deixar que o
vez disso, o ponto final de um processo conduzido por outr~ seja como eu sou" ou "deixar que o outro seja diferente
operações de diferenciação. Uma política pedagógica e cur- de mim t~como eu sou diferente (do outro)", mas deixar que
o outro seja como eu não sou, deixar que ele seja esse outro
ricular da identidade e da diferença tem a obrigação de ir que não pode ser eu, que eu não posso ser, que não pode ser
além das benevolentes declarações de boa vontade para com Ul~ (outro) eu; :ignifica deixar que o outro seja diferente,
a diferença. Ela tem que colocar no seu centro uma teoria deixar ser u~nad~erença que não seja, em absoluto, diferença
que permita não simplesmente reconhecer e celebrar a di- entre duas ídentídades, mas diferença da identidade, deixar
ferença e a identidade, mas questioná-las. ~er~a outrídade que não é outra "relativamente a mim" ou
relativamente ao mesmo", mas que é absolutamente dife-
Por outro lado, os estudantes e as estudantes deveriam rente, sem relação alguma com a identidade ou com a
ser estimulados, nessa perspectiva, a explorar as possibili- mesmidade (Pardo, 1996, p. 154).
dades de perturbação, h'ansgressão e subversão das identi- Essas poderiam ser as linhas gerais de um currículo e
dades existentes. De que modo se pode desestabilizá-las, uma pedagogia da diferença, de um currículo e de uma
denunciando seu caráter construído e sua artificialidade?
pedagogia que representassem algum questionamento não
Um currículo e uma pedagogia da diferença deveriam ser
apen~s à identidade, mas também ao poder ao qual ela está
capazes de abrir o campo da identidade para as estratégias
e~h'eltamente associada, um currículo e uma pedagogia da
que tendem a colocar seu congelamento e sua 'estabilidade
d~f:re~lça,~ da multiplicidade. Em certo sentido, "pedago-
em xeque: hibridismo, nomadismo, travestismo, cruzamen-
~la slg~lfica precisamente "diferença": educar significa
to de fronteiras. Estimular, em matéria de identidade, o
mtr?d~zll: a cunha da diferença em um mundo que sem ela
impensado e o arriscado, o inexplorado e o ambíguo, em vez
se limitaria a reproduzir o ,mesmo e o idêntico, um mundo
do consensual e do assegurado, do conhecido e do assenta-
parado, um mundo morto. E nessa possibilidade de abertura
do. Favorecer, enfim, toda ex.rperimentação que torne difícil
para u~ outro mundo que podemos pensar na pedagogia
o retorno do eu e do nós ao idêntico.
corno diferença. Dessa forma, talvez possamos dizer sobre
Aproximar - aprendendo, aqui, uma lição da chamada a .pedagogia aquilo que Maurice Blanchot (1969, p. 115)
"filosofia da diferença" - a diferença do múltiplo e não do ~lsse sobre a fala e a palavra: fazer pedagogia significa
diverso. Tal como ocorre na aritmética, o múltiplo é sempre procurar acolher o outro como outro e o estrangeiro como
um processo, uma operação, uma ação. A diversidade é estrangeiro; acolher outrem, pois, em sua irredutível dife-
estática, é um estado, é estéril. A multipliCidade é ativa, é rença, em sua estrangeiridade infinita, uma estrangeiridade
um fluxo, é produtiva. A multiplicidade é uma máquina de tal que apenas uma descontinuidade essencial pode conser-
produzir diferenças - diferenças que são irredutíveis à var a afirmação que lhe é própria".
identidade. A diversidade limita-se ao existente. A multipli-
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t'
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