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IMPLICAÇÕES NO
USO DAS NOMENCLATURAS
Resumo
O texto tem como foco analisar o que está posto culturalmente, quando se utiliza
nomenclaturas como: deficiência mental e deficiência intelectual, ao referir-se ao
desenvolvimento da pessoa com deficiência em seu processo de aprendizagem. Trata-se do
que pode ser mensurável, como resultados de testes de QI, ou leva-se em conta a
possibilidade de superação das limitações apresentadas, através de recursos e práticas
diversificadas? Este foi o objetivo da investigação do caso apresentado: “o desenvolvimento
escolar de Ramon”. A partir da perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural e suas
contribuições para a organização do processo educativo, é possível enveredar por caminhos
que levem a uma compreensão ampla do que seja o desenvolvimento global de uma pessoa
com deficiência mental e porque este termo evoluiu para o termo “intelectual”. Para se
chegar a esta discussão foi necessário o aporte teórico referente à deficiência mental e às
práticas pedagógicas, inclusive aquelas referentes ao Atendimento Educacional Especializado
para a Deficiência Mental, documento oficial, utilizado pelas práticas inclusivas nas escolas
públicas brasileiras e nos diferentes níveis de ensino. No diálogo com o pensamento
vygotskiano, foram encontrados subsídios necessários para ir além do desenvolvimento
intelectual já apresentado pela pessoa, compreendendo suas possibilidades de ampliação na
relação com o ambiente cultural no qual esta pessoa insere-se, e dar a devida atenção àqueles
que são os seus pares neste ambiente. Só a partir desta abordagem histórico-cultural, acredita-
se ser possível investigar o sujeito e proporcionar-lhe a liberdade para ser ativo na apropriação
do conhecimento e para se relacionar com outras pessoas em idades e condições de
aprendizagem diferenciadas.
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Aluna do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação/PPGE (UNIOESTE/Cascavel). Graduada em
Pedagogia (UERJ). Especialista em Educação Especial Inclusiva (Universidade Gama Filho-RJ) e em Educação
e Reeducação Psicomotora (UERJ). Membro do Grupo de Pesquisa Aprendizagem e Ação Docente (GPAAD-
UNIOESTE). E-mail: suzimaciel@yahoo.com.br.
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Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP e Pós-doutora em Psicologia, Desenvolvimento e
Aprendizagem (UNICAMP). Líder do Grupo de Pesquisa Aprendizagem e Ação Docente (GPAAD-
UNIOESTE). P. Professora Associada do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná. E-mail: szymanski_@hotmail.com
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Introdução
A Organização Mundial de Saúde (OMS -1980) propôs três níveis para esclarecer as
deficiências, a saber: deficiência, incapacidade e desvantagem social. Já em 2001, esta
proposta foi revista e a pessoa com deficiência passou a ser vista com funcionalidade global,
com relação aos fatores contextuais e do meio, representando assim um rompimento com o
isolamento, pois, essa pessoa sendo capaz de se relacionar com fatores externos e consigo
também, se relaciona com as demais pessoas.
A Convenção de Guatemala, que ocorreu em 1999, internalizada à Constituição
Brasileira, através do Decreto 3.956/2001, no seu artigo 1º, definiu deficiência como uma
restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória que limita a
capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada
pelo ambiente econômico e social.
Essa definição contribuiu para que a deficiência fosse vista como uma situação,
permanente ou transitória, que merece atenção da sociedade, para que os sujeitos nela
envolvidos não sejam prejudicados ao exercerem sua cidadania. Esta é uma questão de
organização social, respaldada pela legislação brasileira.
Políticas públicas garantem o acesso de todas as crianças à escola. Mas apesar disso,
nem todas as crianças chegam à aprendizagem de fato. Ao mesmo tempo em que a escola
inclui, tentando facilitar o acesso em seu espaço físico, tem um longo caminho a percorrer
para vencer o fracasso na escolarização de alunos com limitações, principalmente a mental.
A deficiência mental é um verdadeiro impasse para o ensino na escola regular. É
difícil diagnosticá-la, e seu conceito está sempre sendo revisado (BRASIL, 2007, p.14). A
medida do coeficiente de inteligência (QI), por exemplo, foi utilizada durante muitos anos
como único parâmetro para definição dos casos.
Entretanto, o próprio Código Internacional de Doenças (CID 10), desenvolvido pela
Organização Mundial de Saúde, ao especificar o Retardo Mental (F70-79), propõe uma
definição ainda baseada no coeficiente de inteligência (QI), classificando-o entre leve,
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a) Fatores ambientais.
b) Fatores pessoais.
c) Um construto está associado à Parte 2: facilitadores ou barreiras existentes nos
fatores ambientais.
d) Quanto aos problemas que a deficiência mental pode acarretar à pessoa, podem
ser observados os seguintes aspectos:
a. Em sua capacidade de realizar, por impedimentos na funcionalidade.
b. Em sua habilidade de realizar, devido a limitações na atividade de um modo
geral.
c. Em suas oportunidades de funcionar no meio físico e social, devido a
restrições de participação.
Além de fatores pessoais, a CIF abrange importantes domínios contextuais do
convívio humano: o lar, a família, a educação, o trabalho e a vida social. Daí a importância de
se considerar na deficiência mental, não apenas o corpo, mas relacioná-lo ao ambiente e à
vida social da pessoa.
e) A definição de deficiência mental segue convergente nos diversos sistemas de
classificação internacionais. A AAMR tem sido referência para os demais
sistemas em relação ao diagnóstico e classificação da deficiência mental, porque a
sua última versão/2002 foi posterior à publicação do DSM-IV e da CID-10. Os
sistemas 2002 da AAMR, como o CIF, apresentam a perspectiva funcionalista,
ecológica e multidimensional.
Para o entendimento da deficiência mental, é necessário que os profissionais que lidam
com esse conceito, atentem pra a relação entre o Sistema AAMR/2002 e a CIF, porque ambos
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Segundo Diament e Cypel (1989, p. 810), “A deficiência mental (DM) não é uma
entidade nosológica e sim, um complexo sintomatológico, cuja única unidade reside na
deficiência intelectual”. Localiza-se no intelecto, mas não se trata de uma patologia que possa
ser tratada e curada. O déficit intelectual limita o sujeito em suas aquisições, principalmente
cognitivas. Porém apontamos para o objetivo da educação inclusiva: oferecer meios, para que
o sujeito interaja com o conhecimento, de forma a minimizar as limitações causadas pela
deficiência.
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Nome fictício.
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realmente significativo para o aluno e para o grupo com o qual trocava experiências de vida e
de aprendizagens. O fato de o aluno ter confiança para relatar aspectos da sua vida pessoal
para um grupo reduzido (8 a 12 alunos) sendo suas particularidades respeitadas e
compartilhadas foi decisivo para um resultado satisfatório. Após três anos, Ramon participou
de uma peça teatral, direcionada a cerca de 180 alunos, do 6º ao 9º anos da escola.
A forma como os homens se relacionam com o meio ambiente, estão produzindo e
sendo afetados por mudanças, constitui-se em um conteúdo bastante relevante para o saber
sistematizado da escola. Nesta ocasião, em 2008, foi produzido um documentário sobre a
“Ilha da Conceição”, local em que a escola localiza-se, mostrando a dificuldade dos
pescadores em encontrar peixes e utilizar as praias para o lazer devido à poluição na baía de
Guanabara. No aspecto saúde, o nível de poluição chegou a ponto de impedir o acesso às
praias que circundavam a região, pelo perigo de adquirir doenças de pele entre outras
provocadas pela poluição do mar. No aspecto econômico, os pescadores já não encontravam
peixes naquela região, precisando buscá-los em regiões distantes o que lhes trazia enorme
prejuízo. A família do aluno fazia parte das famílias afetadas pela poluição. Por isso, sua
necessidade de engajar-se em um movimento que trazia à tona essa discussão, que permeou
seu processo de aprendizagem também em outros conteúdos não referentes à poluição da Baía
de Guanabara.
Em um contexto em que se valorizava: “Invenções que mudaram a vida do homem”,
ao interpretar a importância e propor uma invenção para os dias atuais, Ramon sugeriu um
carro que pudesse levar as pessoas de um lado para o outro, sem poluir a natureza,
descrevendo-o, ainda que de forma simplificada. Um fato importante que marcava as
pesquisas do aluno, quando buscava propagandas de carros em revistas e na Internet, era
deter-se no logotipo do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis), demonstrando assim sua preocupação com os prejuízos decorrentes da
intervenção humana no meio ambiente, o que era veiculado pela propaganda da época, além
de ser consenso do grupo.
Verificou-se, portanto, o pressuposto vygotskiano de que: com práticas pedagógicas
diferenciadas, é possível que alunos com deficiência intelectual, “retrasados mentales”,
possam ser impulsionados no seu desenvolvimento psíquico.
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Considerações Finais
Com este relato buscou-se além de situar o trabalho com este aluno especificamente,
com deficiência intelectual, demonstrar a possibilidade pontuada por Vygotski, de que os
alunos considerados “anormais” deveriam estudar os mesmos conteúdos que os demais,
considerados “normais”, isto é, tanto aqueles como estes deveriam ser expostos a um
currículo geral. Apenas as estratégias utilizadas para se chegar a estes conteúdos seriam
diferenciadas.
Aunque los niños retrasados mentales estudian un tiempo más prolongado, aunque
ellos aprendan menos que los niños normales y, por último, aunque se lês ensene de
outra manera, aplicando métodos y procedimentos especiales, adaptados a las
particularidades de sus estados, eilos aprenderán io mismo que todos los demás
niños y recibirán a misma preparación para la vida futura [...]
(VYGOTSKI, 1983, p.118).
justifica por si mesma, mas tem (...) a sua razão de ser no compromisso político” (Ibid.,p. 34-
35).
Conclui-se então com este trabalho, que a categorização da deficiência mental, assim
como sua evolução para o termo: intelectual, além de localizar a deficiência no intelecto, traz
consigo implicações histórico-culturais, que envolvem uma diversidade de áreas do
conhecimento, bem como áreas de atuação profissional distintas, as quais de alguma forma
irão se articular com o processo de ensino e de aprendizagem.
De forma que há necessidade de rever conceitos sempre, localizá-los historicamente,
o que requer do professor uma formação constante e ininterrupta para se apropriar de
conhecimentos em áreas, que antes não faziam parte da sua formação ou não precisavam ser
contempladas em sua sala de aula, como a área médica que categoriza as doenças mentais, por
exemplo, ou na área específica de atuação da psicologia, da psicanálise, etc. Apropriar-se de
conceitos em diferentes áreas, não exige que o professor conheça profundamente cada uma,
para nela interferir profissionalmente, mas para poder interferir na sua área, no processo de
ensino e de aprendizagem, de forma responsável, localizando as demandas apresentadas por
seus alunos no tempo e espaço, isto é historicamente. Num momento em que a sociedade
requer da escola, a inclusão de alunos com deficiência no ensino regular, requer também que
o professor esteja preparado para atender alunos com ou sem deficiências em seu processo de
escolarização.
REFERÊNCIAS
DIAMENT, A.; CYPEL, S. Neurologia Infantil Lefevr’e. 2. Ed. Rio de Janeiro: Atheneu,
1989.
SANTOS, Maria Sirley dos. Pedagogia da Diversidade. São Paulo: Memmon, 2005.
SMITH, J. D. (2002). The myth of mental retardation: paradigm shifts, disaggregation, and
developmental disabilities. Mental Retardation, 40 (1), 62-64.