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Deficiência Intelectual

sumário

Deficiência intelectual: o conceito................................................................................. 2


Deficiência intelectual ou atraso cognitivo? .................................................................. 4
Quais são as causas da deficiência intelectual ou atraso cognitivo? ............................ 5
Como se diagnostica a deficiência intelectual ou atraso cognitivo? .............................. 7
Principais causas de deficiência intelectual .................................................................. 8
Deficiência intelectual: os sentidos da cultura, da história e da escola ....................... 10
Como lidar com alunos com deficiência intelectual na escola? .................................. 16
Acompanhamento da trajetória escolar na área da deficiência .................................. 17
Intelectual: a importância do olhar do professor ......................................................... 17
aracterísticas da deficiência intelectual ..................................................................... 20
A importância das habilidades sociais ........................................................................ 22
O envolvimento entre pais e filhos com deficiência intelectual ................................... 24
A educação de pessoas com deficiência intelectual ................................................... 29
A deficiência intelectual na perspectiva da teoria histórico ........................................ 31
Cultural ....................................................................................................................... 31
Entenda a diferença entre deficiência intelectual e doença ....................................... 37
Mental ........................................................................................................................ 37
Aprendizagem escolar e deficiência intelectual .......................................................... 39
Deficiência intelectual: um novo olhar conceitual ....................................................... 40
Referências ................................................................................................................ 44

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DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: O CONCEITO

O conceito de Deficiência intelectual, passou no decorrer dos anos por diversas


definições e terminologias para caracterizá-la, tais como: Oligofrenia, Retardo mental,
Atraso mental, Deficiência mental, etc. De acordo com Krynski et al. (1983), esse tipo de
deficiência é um vasto complexo de quadros clínicos, produzidos por várias etiologias e
que se caracteriza pelo desenvolvimento intelectual insuficiente, em termos globais ou
específicos.
Segundo a Associação Americana de Deficiência Mental (AAMR) e o Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), Deficiência Intelectual ou
Deficiência Mental (DM – como não é mais chamada) é o estado de redução notável do
funcionamento intelectual, significativamente abaixo da média, oriundo no período de
desenvolvimento, e associado à limitações de pelo menos dois aspectos do
funcionamento adaptativo ou da capacidade do indivíduo em responder adequadamente
às demandas da sociedade em comunicação, cuidados pessoais, competências
domésticas, habilidades sociais, utilização dos recursos comunitários, autonomia, saúde
e segurança, aptidões escolares, lazer e trabalho.

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A deficiência intelectual se caracteriza também por um quociente de inteligência


(QI) inferior a 70, média apresentada pela população. Esta é uma nova classificação e tem
importantes implicações para o sistema de prestação de serviços para pessoas com esse
tipo de deficiência. A maneira anterior de classificação fazia referência aos elementos
diagnósticos da deficiência mental. Assim, a utilização de um único código de diagnóstico
de deficiência mental se afasta da conceituação prévia amplamente baseada no QI, que
estabelecia as categorias de leve, médio, severo e profundo. Deste modo a pessoa era
diagnosticada como deficiente mental ou não, com base no comprometimento dos três
critérios de: idade de instalação, habilidades intelectuais significativamente inferiores à
média, limitações em duas ou mais das dez áreas de habilidades adaptativas
estabelecidas.

Números

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) 10% da população em países


em desenvolvimento, são portadores de algum tipo de deficiência, sendo que metade
destes são pessoas com deficiência intelectual. No Brasil, segundo censo 2000, foram
identificados 2.844.936 casos de deficiência intelectual, sendo 1.545.462 homens e
1.299.474 mulheres. Representando 8,3% das deficiências encontradas em toda a
população nacional. O censo indica ainda que há um número maior de deficiências do que
de deficientes, uma vez que as pessoas incluídas em mais de um tipo de deficiência foram
contadas apenas uma vez. O número de pessoas que apresentam mais de uma
deficiência no Brasil é de quase 10 milhões.

Diagnóstico
Na maioria dos casos o diagnóstico é feito baseado no atraso no desenvolvimento
neuro-psicomotor (a criança demora em firmar a cabeça, sentar, andar, falar) e na
dificuldade no aprendizado (dificuldade de compreensão de normas e ordens, dificuldade
no aprendizado escolar), mas existem ou critérios para o diagnóstico da DM como:
•Funcionamento intelectual significativamente inferior à média;
•Déficits ou prejuízos concomitantes no funcionamento adaptativo atual;

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•Início no período de desenvolvimento até os 18 anos;


•Diversidades culturais e lingüisticas, assim como as diferenciadas formas de
comunicação e comportamentos;
•Limitações nas áreas adaptativas de acordo com as exigências de cada meio,
idade e necessidade de suportes individualizados;
•Capacidades específicas sempre coexistem com outras habilidades adaptativas.
É preciso que haja uma série de sinais associados para que se suspeite de
deficiência mental. Um único aspecto não pode ser considerado como indicativo de
qualquer deficiência. O diagnóstico da deficiência intelectual deve ser feito por uma equipe
multiprofissional, composta de pelo menos um assistente social, um médico e um
psicólogo.

Causas e fatores de risco


Muitas são as causas e os fatores de risco que podem levar à instalação da
deficiência mental. Põem muitas vezes, mesmo utilizando sofisticados recursos
diagnósticos, não se chega a definir com clareza a etiologia (causa) da deficiência
intelectual.

Síndromes
Inclui-se também nas deficiências mentais algumas síndromes como:
•Sindrome de Down
•Síndrome de Angelman
•Síndrome de Rubinstein-Taybi
•Síndrome de Lennox-Gastaut
•Esclerose Tuberosa

DEFICIÊNCIA INTELECTUAL OU ATRASO COGNITIVO?

Deficiência intelectual ou atraso mental é um termo que se usa quando uma pessoa
apresenta certas limitações O que é Deficiência Intelectual ou atraso cognitivo?

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Deficiência intelectual ou atraso mental é um termo que se usa quando uma pessoa
apresenta certas limitações no seu funcionamento mental e no desempenho de tarefas
como as de comunicação, cuidado pessoal e de relacionamento social.
Estas limitações provocam uma maior lentidão na aprendizagem e no
desenvolvimento dessas pessoas.
As crianças com atraso cognitivo podem precisar de mais tempo para aprender a
falar, a caminhar e a aprender as competências necessárias para cuidar de si, tal como
vestir-se ou comer com autonomia. É natural que enfrentem dificuldades na escola. No
entanto aprenderão, mas necessitarão de mais tempo. É possível que algumas crianças
não consigam aprender algumas coisas como qualquer pessoa que também não
consegue aprender tudo.
Quais são as causas da Deficiência Intelectual ou Atraso Cognitivo? No seu
funcionamento mental e no desempenho de tarefas como as de comunicação, cuidado
pessoal e de relacionamento social.
Estas limitações provocam uma maior lentidão na aprendizagem e no
desenvolvimento dessas pessoas.
As crianças com atraso cognitivo podem precisar de mais tempo para aprender a
falar, a caminhar e a aprender as competências necessárias para cuidar de si, tal como
vestir-se ou comer com autonomia. É natural que enfrentem dificuldades na escola. No
entanto aprenderão, mas necessitarão de mais tempo. É possível que algumas crianças
não consigam aprender algumas coisas como qualquer pessoa que também não
consegue aprender tudo.

Quais são as causas da Deficiência Intelectual ou Atraso Cognitivo?

Os investigadores encontraram muitas causas da deficiência intelectual, as mais


comuns são:
Condições genéticas: Por vezes, o atraso mental é causado por genes anormais
herdados dos pais, por erros ou acidentes produzidos na altura em que os genes se

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combinam uns com os outros, ou ainda por outras razões de natureza genética. Alguns
exemplos de condições genéticas propiciadoras do desenvolvimento de uma deficiência
intelectual incluem a síndrome de Down ou a fenilcetonúria.
Problemas durante a gravidez: O atraso cognitivo pode resultar de um
desenvolvimento inapropriado do embrião ou do feto durante a gravidez. Por exemplo,
pode acontecer que, a quando da divisão das células, surjam problemas que afetem o
desenvolvimento da criança. Uma mulher alcoólica ou que contraia uma infecção durante
a gravidez, como a rubéola, por exemplo, pode também ter uma criança com problemas
de desenvolvimento mental.
Problemas ao nascer: Se o bebê tem problemas durante o parto, como, por
exemplo, se não recebe oxigênio suficiente, pode também acontecer que venha a ter
problemas de desenvolvimento mental.
Problemas de saúde: Algumas doenças, como o sarampo ou a meningite podem
estar na origem de uma deficiência mental, sobretudo se não forem tomados todos os
cuidados de saúde necessários. A mal nutrição extrema ou a exposição a venenos como
o mercúrio ou o chumbo podem também originar problemas graves para o
desenvolvimento mental das crianças.
Nenhuma destas causas produz, por si só, uma deficiência intelectual. No entanto,
constituem riscos, uns mais sérios outros menos, que convém evitar tanto quanto possível.
Por exemplo, uma doença como a meningite não provoca forçosamente um atraso
intelectual; o consumo excessivo de álcool durante a gravidez também não; todavia,
constituem riscos demasiados graves para que não se procure todos os cuidados de
saúde necessários para combater a doença, ou para que não se evite o consumo de álcool
durante a gravidez.
A deficiência intelectual não é uma doença. Não pode ser contraída a partir do
contágio com outras pessoas, nem o convívio com um deficiente intelectual provoca
qualquer prejuízo em pessoas que o não sejam. O atraso cognitivo não é uma doença
mental (sofrimento psíquico), como a depressão, esquizofrenia, por exemplo. Não sendo
uma doença, também não faz sentido procurar ou esperar uma cura para a deficiência
intelectual.

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A grande maioria das crianças com deficiência intelectual consegue aprender a


fazer muitas coisas úteis para a sua família, escola, sociedade e todas elas aprendem algo
para sua utilidade e bem-estar da comunidade em que vivem. Para isso precisam, em
regra, de mais tempo e de apoios para lograrem sucesso.

Como se diagnostica a Deficiência Intelectual ou Atraso Cognitivo?

A deficiência intelectual ou atraso cognitivo diagnostica-se, observando duas


coisas:
A capacidade do cérebro da pessoa para aprender, pensar, resolver
problemas, encontrar um sentido do mundo, uma inteligência do mundo que
as rodeia (a esta capacidade chama-se funcionamento cognitivo ou
funcionamento intelectual)
A competência necessária para viver com autonomia e independência na
comunidade em que se insere (a esta competência também se chama
comportamento adaptativo ou funcionamento adaptativo).
Enquanto o diagnóstico do funcionamento cognitivo é normalmente
realizado por técnicos devidamente habilitados (psicólogos, neurologistas,
fonoaudiólogos, etc.), já o funcionamento adaptativo deve ser objeto de
observação e análise por parte da família, dos pais e dos educadores que
convivem com a criança.
Para obter dados a respeito do comportamento adaptativo deve procurar saberse o
que a criança consegue fazer em comparação com crianças da mesma idade cronológica.
Certas competências são muito importantes para a organização desse
comportamento adaptativo:
As competências de vida diária, como vestir-se, tomar banho, comer.
As competências de comunicação, como compreender o que se diz e saber
responder.
As competências sociais com os colegas, com os membros da família e com
outros adultos e crianças.

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Para diagnosticar a Deficiência Intelectual, os profissionais estudam as


capacidades mentais da pessoa e as suas competências adaptativas. Estes dois aspectos
fazem parte da definição de atraso cognitivo comum à maior parte dos cientistas que se
dedicam ao estudo da deficiência intelectual.
O fato de se organizarem serviços de apoio a crianças e jovens com deficiência
intelectual deve proporcionar uma melhor compreensão sobre a situação concreta da
criança de quem se diz que tem um atraso cognitivo.
Após uma avaliação inicial, devem ser estudadas as potencialidades e as
dificuldades que a criança apresenta. Deve também ser estudada a quantidade e natureza
de apoio de que a criança possa necessitar para estar bem em casa, na escola e na
comunidade.
Esta perspectiva global dá-nos uma visão realista de cada criança. Por outro lado,
serve também para reconhecer que a “visão” inicial pode, e muitas vezes devem mudar
ou evoluir. À medida que a criança vai crescendo e aprendendo, também a sua capacidade
para encontrar o seu lugar, o seu melhor lugar, no mundo aumenta.

PRINCIPAIS CAUSAS DE DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

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Entre os inúmeros fatores que podem causar a deficiência intelectual, destacamse


alterações cromossômicas e gênicas, desordens do desenvolvimento embrionário ou
outros distúrbios estruturais e funcionais que reduzem a capacidade do cérebro.
Síndrome de Down: é a mais freqüente entre as anomalias genéticas que causam
Deficiência Intelectual (1 a cada 600 bebês nascidos vivos) e o risco da incidência aumenta
com a idade materna. Em 94% dos casos, a trissomia é acidental (trissomia simples),em
apenas 3,3% dos casos, ocorre por translocação, podendo ser neste caso, hereditária
(pode ocorrer mais de uma caso na família) e, em 2,4% dos casos, ocorre o mosaicismo
celular, no qual a pessoa possui uma linhagem de células normais e uma trissômica. As
características deste síndrome incluem: deficiência intelectual, hipotonia global (criança
com os músculos mais “molinhos”, principalmente quando bebês), dismorfias como baixa
implantação das orelhas, cabelos lisos, baixa estatura, com tendência à obesidade,
alteração nas pregas das mãos e pés, dentre outras.
Síndrome do X-Frágil: depois da Síndrome de Down, é a causa genética mais
freqüente de Deficiência Intelectual. As pessoas com esta síndrome, apresentam algumas
características físico-faciais, como face alongada, orelhas grandes e em abano, testículos
aumentados, mas o que mais chama atenção é sua característica comportamental (muito
agitado, arredio, com dificuldade de interação e contato com o outro, lembrando um
Autismo). É transmitida pelo cromossomo X e afeta preferencialmente os meninos.
Síndrome do Cri du chat (miado do gato): o nome da síndrome deve-se ao choro
característicos dos bebês, semelhante ao miado do gato, e que é decorrente de
malformação da laringe. O comprometimento intelectual pode ser bastante intenso.
Síndrome de Prader-Willi: o quadro clinico varia de paciente a paciente, conforme
a idade. No período neonatal, a criança apresenta severa hipotonia muscular, baixo peso
e pequena estatura.
Síndrome de Angelman: distúrbio neurológico que causa deficiência intelectual,
comprometimento ou ausência de fala, epilepsia, atraso psicomotor, andar desequilibrado,
com as pernas afastadas e esticadas, sono entrecortado e difícil, alterações no
comportamento, entre outras.
Erros Inatos de Metabolismo (Fenilcetonúria, Hipotireoidismo congênito, etc.):

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alterações metabólicas, em geral enzimáticas, que normalmente não apresentam sinais


nem sintomas sugestivos de doenças. São detectados pelo Teste do Pezinho, e quando
tratados adequadamente, podem prevenir o aparecimento de deficiência intelectual.
Alguns achados clínicos ou laboratoriais que sugerem esse tipo de distúrbio metabólico:
falha de crescimento adequado, doenças recorrentes e inexplicáveis, convulsões, ataxia,
perda de habilidade psicomotora, hipotonia, sonolência anormal ou coma, anormalidade
ocular, sexual, de pelos e cabelos, surdez inexplicada, acidose láctea e/ou metabólica,
distúrbios de colesterol, entre outros.

DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: OS SENTIDOS DA CULTURA, DA HISTÓRIA E


DA ESCOLA

“[...] a deficiência não é algo que emerge com o nascimento de alguém ou com a
enfermidade que alguém contrai, mas é produzida e mantida por um grupo social na
medida em que interpreta e trata como desvantagens certas diferenças apresentadas por
determinadas pessoas. Assim, as deficiências devem [...] ser encaradas também como
decorrentes dos modos de funcionamento do próprio grupo social e não apenas como
atributos inerentes às pessoas identificadas como deficientes.” Sadao Omote,
1994

A deficiência intelectual não pode ser percebida de forma abstrata ou


descontextualizada das práticas sociais; assim, ao falar sobre a condição de deficiência
intelectual, obrigatoriamente temos algo a dizer sobre as relações entre as pessoas e o
processo de mediação que se estabelecem circunscritas num contexto cultural, histórico
e social, e desta forma também no da escola, como centro gerador de interpretações que
imputa significado às diferenças.
Sem dúvida que a deficiência intelectual não é uma diferença qualquer que possa
ser incorporada pela escola sem a compreensão adequada de suas múltiplas
determinações; porém, não se pode admitir que seja apreendida numa concepção
biologizante, individualista e, portanto, desumanizadora, pois subtrai destas pessoas
aquilo que se tem de mais precioso: a dimensão humana. E isto significa que “tudo o que

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envolve o homem é humano, é social, é cultural, com limites desconhecidos” (Padilha,


2001, p.04), e é exatamente a possibilidade ilimitada de aprender que deve inspirar a
prática pedagógica nas escolas, com todos os alunos e, consequentemente, também com
aqueles com deficiência intelectual, uma vez que “lo que decide el destino de la persona,
em última instancio, no es el defecto em si mismo, sino sus consecuencias sociales, su
realización psicosocial” ³ (1997, p.19).
Oliveira (2007), ao enfocar o pensamento de Vygotsky, enfatiza o caráter histórico
e cultural na constituição da subjetividade humana, o que nos permite sair de um estágio
primitivo de comportamento para um mais complexo, que incorpora a cultura e a produção
da humanidade em determinado momento histórico, retomando, portanto, um dos
fundamentos da teoria de Marx, o qual afirma “que os Homens fazem sua própria história,
mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob
aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” (Marx,
1997). Desta forma, todos nós estamos submetidos ao nosso tempo, às nossas invenções,
criações e possibilidades cultural e historicamente conquistadas; da mesma forma,
aqueles com deficiência intelectual.
É preciso que compreendamos que, ao falarmos da deficiência intelectual, não
podemos nos apartar do que é genérico: a lei do desenvolvimento humano que, conforme
Vygotsky (1997), é a premissa geral que “debe ser puesta en la base del estudio científico
del desarrollo del retrasado mental, es la concepción sobre la unidad de las leyes que
rigen el desarrollo del niño normal [...]” (p.133).
De Carlo (2001), também com base em Vygotsky, aponta que a “deficiência tem
caráter mais social do que biológico. As particularidades psicológicas [...] estão mais
relacionadas ao social que ao núcleo biológico, ainda que este não possa ser desprezado.
” (p.68). Então, não se trata de desconsiderar o núcleo biológico, mas de considerá-lo na
dialética das intermediações entre o substrato biológico e o cultural, compreendendo que
a dimensão humana está fortemente colocada na história e na cultura, e não no biológico,
ou seja, o que nos torna pertencentes ao humano são as capacidades culturalmente
colocadas, como a linguagem, a representação, os atos cotidianos da cultura;
apropriarmo-nos das formas de ser da nossa cultura, desde os atos simples – banhar-se,
pentear o cabelo, escovar os dentes, comer com talheres, vestir roupas –, até atos mais

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sofisticados, como o uso da linguagem, da escrita, do cálculo, do desenho, da música, da


arte, da religiosidade. Nenhum destes atos, do simples ao complexo, está determinado
biologicamente, mas são apropriados pelos processos de mediação, com os outros ou
com objetos de nossa cultura, de caráter instrumental e/ou simbólico.
Isto deve ser fortemente considerado quando lidamos com a deficiência na
adolescência ou idade adulta, uma vez que, em suas experiências com a vida, foram
superando limites interpostos pela deficiência, por compensações sociais e culturais,
adquirindo novas formas de viver e se relacionar com o mundo, inclusive o escolar.
Portanto, o coletivo é fator fundamental no processo de compensação e é através
das interações sociais e pela mediação semiótica que se dá a reorganização do
funcionamento psíquico de pessoas [com] deficiência, o que cria possibilidades para que
elas alcancem um nível de desenvolvimento superior (De Carlo, 2001, p.71).
Carvalho e Maciel (2003), em relação ao próprio conceito de deficiência intelectual
, afirmam que as condições intelectuais destes sujeitos devem ser culturalmente
significadas e qualificadas no interior de suas práticas sociais, ou seja, em seu contexto,
pois a interpretação sobre sua condição e possibilidades depende diretamente das
concepções, percepções e valores presentes no meio social e cultural.
Assim, a deficiência é a expressão de limitações no funcionamento individual dentro
de um contexto social. Portanto, não é fixada nem dicotomizada. Ela é fluida, contínua e
mutável e, além disso, é possível reduzir a deficiência através de intervenções, serviços e
apoios. (Oliveira, 2011, p.12)
E é nisto que a escola deve centrar sua atenção: como se podem criar
possibilidades de aprendizagem no contexto escolar, interpondo uma substancial
mudança de foco, onde as dificuldades não são aprendidas simplesmente como fatores
inerentes à condição biológica, mas como, também, provenientes das limitações do
contexto social, no caso, escolar.
Oliveira (2009) já apontava que “a condição de deficiência intelectual não pode
nunca predeterminar qual será o limite de desenvolvimento do indivíduo. [...] Cabe à escola
criar as condições necessárias [...] para a superação de seu próprio limite.” (p.73, 74).
Ainda com o pensamento em Vygotsky, é preciso considerar que é inexistente a
ideia de deficiência intelectual de forma generalizante, como se estivéssemos, o tempo

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todo, falando de um grupo homogêneo com determinações únicas, sem distinção. Ao


contrário, estamos falando de pessoas, localizadas em seu tempo e em sua história,
portanto, únicas, particulares, singulares. É o próprio autor que nos alerta:
Hay tantas variantes de deficiencias intelectuales como factores de percepción de
las relaciones. El débil mental nunca puede ser presenteado como débil mental em
general.[...] son posibles no uno, sino muchos tipos cualitivamente distintos de deficiencia
intelectual y que, por último, a causa de la complejidad Del intelecto, su estructura admite
una amplia compensación de las diversas funciones . (1997, p.24)
Ao apreendermos a dimensão histórica e cultural da deficiência intelectual,
conseguimos localizar com maior clareza o papel insubstituível do professor como um
mediador qualificado e mais experiente, que poderá levar estes estudantes a níveis
superiores de funcionamento. Claro que não estamos nos referindo a um conceito abstrato
da função do professor ou da prática pedagógica, mas, da mesma forma, submetidos à
história e à cultura, portanto, às condições que lhe são permitidas para o exercício do
ensino. Como diz Pletsch:
[...] o conceito de prática pedagógica não se limita apenas às ações dos professores
em sala de aula. [...] também são influenciadas pelas dimensões individuais dos docentes
e pelo contexto sociopolítico e cultural em que a escola está inserida. (2010, p.158)
Oliveira (2009) também coloca o caráter social da prática educativa e que “são as
forças constitutivas dessa prática que irão possibilitar a emancipação dos alunos e o
desenvolvimento das funções superiores de pensamento e linguagem.”(p.75) Neste
mesmo texto pontua alguns aspectos que devem ser considerados na prática educacional
com estes estudantes, como a metodologia de ensino, o nível e intensidade dos apoios,
os recursos de ensino e as adequações curriculares individuais.
Valentim (2010) também aponta o desafio da atualidade em constituir uma prática
escolar capaz de atender as necessidades dos estudantes com deficiência intelectual,
suas particularidades e seu ritmo de aprendizagem, sem impor-lhes o mesmo padrão de
desempenho escolar dos outros, e é neste sentido que corrobora à ideia de adequação
curricular e o desenvolvimento de estratégias na sala de aula, como trabalhos em grupos,
utilização de recursos e materiais que apoiem o tema da aula, organização física da sala
[...], de forma a colaborar com o desenvolvimento das atividades propostas, como grupos

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pequenos, grandes, disposição das carteiras em círculos, atividades no chão,


desenvolvidas em outros espaços da escola, como quadra poliesportiva, pátio, entre
tantas outras propostas que não são novas, apenas fogem do tradicional [e que] podem
contribuir para o desenvolvimento acadêmico e social do aluno com deficiência e seus
colegas de turma. (p. 51, 52)
Estamos num tempo histórico capaz de criar novos espaços educacionais,
colaborativos, dinâmicos, flexíveis. Shimazaki (2006) demonstra as diferentes maneiras
de ensinar aqueles com deficiência intelectual e que, através do resgate histórico,
podemos encontrar duas formas de ensiná-los: uma que a autora considera reducionista,
uma vez que se baseia no treinamento e “ensino de habilidades, feita de forma isolada e
descontextualizada”, e outra, que “se preocupa na construção de formas integradas com
as áreas do conhecimento humano, contextualizado” (p.50, 51). Oliveira (2009) também
indica o quanto, na contemporaneidade, nos distanciamos de “modelos mecanicistas e
repetitivos de aprendizagem” e o quanto é preciso assumir uma nova postura diante dos
estudantes com deficiência intelectual:
“possibilitar a sua constituição como sujeitos históricos, capazes de apreensão dos bens
simbólicos e de desenvolvimento de seu pensamento e não apenas de suas habilidades”
(p.75).
Os mesmos princípios são encontrados em De Carlo quando insiste que a escola
deve dirigir seus esforços à criação positiva de formas de trabalho que levem o sujeito a
vencer as dificuldades criadas pela deficiência, [...] mas suas metas não devem ser
distintas daquelas do ensino comum, [...] devem ser educadas como metas semelhantes
às propostas para as pessoas [...] normais, relacionando-se estreitamente com sua
comunidade para alcançar uma efetiva inserção social. (p.77,78)
E, então, nos aproximamos do currículo escolar e de suas formas de aplicação, ou
seja, cabe a cada professor, a partir da especificidade de seu componente curricular,
pensar formas de aproximação do estudante com deficiência intelectual com o objeto de
conhecimento de sua disciplina, mas, pensando no currículo como uma proposta integrada
da escola, “concebido como uma construção sociocultural abrangente, que envolve as
práticas e saberes construídos nos processos de interações do cotidiano escolar.”
(PlestCh, 2010, p. 158), ou seja, na perspectiva da inclusão escolar não se pode atuar de

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forma isolada, e sim buscar incansavelmente o diálogo na escola e a aproximação de


formas coletivas de atuação, principalmente considerando-se as características do Ciclo
II do Ensino Fundamental.
Entendemos que as práticas curriculares são ações que envolvem a elaboração e
a implementação do currículo em suas diferentes dimensões (planejamento,
metodologias, estratégias de ensino, avaliação, tempo e espaço de aprendizagem), as
quais, por sua vez, são vinculadas ao processo histórico-cultural dos sujeitos partícipes.
Nessa perspectiva, as práticas curriculares são desenvolvidas de forma coletiva, e não
individualizada, pelos diferentes sujeitos presentes na instituição escolar, especialmente
professores e alunos, considerando-se as contradições, tensões, conflitos, inovações e
mudanças que figuram no espaço escolar. (PlestCh, 2010, p.159)
São esses espaços, coletivos e dialógicos que a escola precisa, ainda, construir e
que a inserção de estudantes com deficiência intelectual no Ciclo II do Ensino
Fundamental nos empurra na busca de uma nova lógica educacional e escolar. Não há
mais como ficar mudo diante de práticas educacionais desumanizadoras, opressoras e
dominadoras, que mantêm, no dizer de Silva (2009), um método depositário,
desconsiderando o conhecimento e as possibilidades múltiplas do estudante, como se o
papel do professor fosse o de:
[...] “depositar” o conhecimento em seu receptor (o educando), preservando o claro
distanciamento hierárquico diariamente reconstruído entre os dois, e que é pautado em
indiscutível postura que os reafirma enquanto agentes únicos do conhecimento. (p.76)
Bem sabemos que isto não se aplica mais ao ensino na atualidade. Independente
da deficiência intelectual, mas também sem desconsiderá-la, precisamos construir novos
espaços educacionais, abertos, dinâmicos, coletivos, dialógicos e comprometidos com a
aprendizagem de todos os estudantes, sejam eles deficientes ou não e, além disto, ampliar
nosso conceito do aprender, desconstruindo a ideia de padrão e de homogeneização tão
presentes no cotidiano escolar.
A nós cabe uma esperança: que a presença de estudantes com deficiência
intelectual nos contextos escolares possa nos mobilizar na construção de uma escola
emancipadora, libertária, capaz de reconhecer as possibilidades de cada um, por mais
diferentes que elas possam ser. Aí sim teremos construído uma nova lógica educacional!

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COMO LIDAR COM ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA


ESCOLA?

Segundo a psicopedagoga especialista em Inclusão, Daniela Alonso, as limitações


impostas pela deficiência dependem muito do desenvolvimento do indivíduo nas relações
sociais e de seus aprendizados, variando bastante de uma criança para outra.

Em geral, a deficiência intelectual traz mais dificuldades para que a criança


interprete conteúdos abstratos. Isso exige estratégias diferenciadas por parte do
professor, que diversifica os modos de exposição nas aulas, relacionando os conteúdos
curriculares a situações do cotidiano, e mostra exemplos concretos para ilustrar ideias
mais complexas.

Para a especialista, o professor é capaz de identificar rapidamente o que o aluno


não é capaz de fazer. O melhor caminho para se trabalhar, no entanto, é identificar as
competências e habilidades que a criança tem. Propor atividades paralelas com conteúdos
mais simples ou diferentes, não caracteriza uma situação de inclusão. É preciso
redimensionar o conteúdo com relação às formas de exposição, flexibilizar o tempo para
a realização das atividades e usar estratégias diversificadas, como a ajuda dos colegas
de sala - o que também contribui para a integração e para a socialização do aluno.

Em sala, também é importante a mediação do adulto no que diz respeito à


organização da rotina. Falar para o aluno com deficiência intelectual, previamente, o que
será necessário para realizar determinada tarefa e quais etapas devem ser seguidas é
fundamental.

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ACOMPANHAMENTO DA TRAJETÓRIA ESCOLAR NA ÁREA DA


DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: a importância do olhar do professor

[...] A educação é um ato de amor, por isso um ato de coragem. Não se pode temer
o debate. A análise da realidade. Não se pode fugir à discussão criadora sob pena de ser
uma farsa (Freire, 1983, p. 96).
A sociedade contemporânea, apesar de todo o discurso de igualdade, enfrenta
enormes dificuldades para lidar com o que é diferente e, dessa maneira, todas as formas
que não se enquadram no modelo padrão são tidas como desviantes e postas à margem
do processo social e, como consequência, também do processo educacional. Cabe a nós,
professores, pensar além do nosso tempo, inaugurar caminhos, traçar novas percepções,
inovar!
Quebrar paradigmas é sem dúvida uma das tarefas da escola, aliado à
desconstrução dos conceitos tradicionais que estão historicamente arraigados no sistema
educacional. Uma das principais características das abordagens tradicionais é o
reducionismo das oportunidades oferecidas aos estudantes com alguma deficiência. Este
contexto evidencia a falta de um referencial aliado à construção de um projeto pedagógico
coletivo que enfatize a diversidade.
O novo contexto educacional preconiza a diversidade e o princípio de inclusão, nos
obriga a uma reflexão profunda sobre a ação educativa, o ato pedagógico do ensinar as
condições de aprendizagem e o nível de competência curricular de cada estudante.
Conhecer as suas potencialidades e necessidades e ao identificar as dificuldades, pensar
e organizar os apoios necessários para sua aprendizagem. Além disso, considerar as
especificidades do estudante com deficiência intelectual para que possamos exercer o ato
do ensino de forma adequada, competente e lhes proporcionar novas formas de lidar com
o conhecimento e com o aprender escolar.
Referencial sobre Avaliação da Aprendizagem Deficiência Intelectual 51
É preciso valorizar os seus acertos, trabalhar suas potencialidades e estimulálos a
vencer as dificuldades, e nunca subestimá-los, uma vez que ainda temos muito a revelar
em relação às suas possibilidades educacionais e de aprendizagem; portanto, não
podemos limitá-lo ou apegar-nos, simplesmente, ao conhecimento das suas fragilidades

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Deficiência Intelectual

e dos limites de seu desenvolvimento, mesmo porque há entre os estudantes com


deficiência intelectual diferenças que se relacionam a diversos aspectos e se assemelham
às diferenças existentes entre as pessoas. E, em verdade, devemos observar e ter clareza
de que aprender é uma ação humana criativa, individual, heterogênea e regulada pelos
processos de mediação, aspecto mais importante a ser considerado pela escola do que
unicamente sua condição intelectual.
A escola tem um papel importante no desenvolvimento global dos estudantes,
principalmente daqueles com deficiência, seja no desenvolvimento motor, intelectual,
social ou afetivo. Ela precisa tratar o estudante com respeito e planejando novas formas
de mediação pedagógica para que possamos tornar a autoestima e a autoconfiança mais
elevada por meio da possibilidade de execução das atividades, da apropriação do
conhecimento escolar, do respeito às suas especificidades e, consequentemente,
caminhando em direção aos princípios de uma escola pública de qualidade, ou seja,
aquela que propicia a todos o aprender!
O estudante com deficiência intelectual precisa vivenciar cada atividade e, como os
demais, participar igualmente de todos os momentos (planejamento, execução, avaliação
e socialização dos conhecimentos). Elucida-se, entretanto, que um dos aspectos
importantes para que o docente deve atentar e ter clareza relaciona-se à busca de
alternativas pedagógicas que possam assegurar a participação e atuação do estudante
com deficiência intelectual no processo educacional, no ambiente de sala de aula, e que
a sua presença seja considerada. É preciso garantir que o estudante vivencie cada
momento da aula e, a partir daí, entender que ele precisa conhecer e se expressar, dentro
de suas possibilidades.
Todas as nossas ações possuem sentido histórico e, considerando que a tarefa da
escola é levar os estudantes com deficiência intelectual à inserção cultural, significar suas
atitudes, sua fala, seu desenho, suas produções e sua aprendizagem, é preciso que se
instale uma prática pedagógica dinâmica, interativa e colaborativa. As atividades
propostas pelo professor devem considerar a dimensão da prática social, do universo de
significação de cada grupo escolar, para que o estudante possa se identificar com o
conhecimento e expandir sua relação com o mundo (SP/SME, 2008).

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Deficiência Intelectual

Quando se trata de planejar e avaliar o estudante com deficiência intelectual,


também há a necessidade da exploração, contextualização e vivência prática do conteúdo.
Cremos que, no que diz respeito ao conhecimento, o contato e a interação com a realidade
imediata são atos imprescindíveis para que possamos levá-lo a melhores níveis de
funcionamento intelectual. E as condições para tal exercício devem ser disponibilizadas
através das vivências e experiências que resgatem a memória histórica, que considere as
práticas sociais, a aplicabilidade do conhecimento e a articulação entre os diferentes
componentes curriculares.
A aprendizagem do estudante com deficiência intelectual será favorecida quando o
professor fizer uso de todas as vias. Essas vias são os sentidos. Exploremos os sentidos
dos estudantes e teremos indicativos de suas potencialidades.
É relevante notar que, no ambiente escolar, encontra-se um forte potencial de
aprendizagem para todos os estudantes e também para os estudantes com deficiência
intelectual. Precisa-se observar que esse ambiente apresenta uma multiplicidade de
identidades enquanto áreas de conhecimento.
Assim, com base nas Orientações Curriculares – Proposição de Expectativas de
Aprendizagem, do Ensino Fundamental II, consideramos que as expectativas poderão ser
atingidas pelos estudantes com deficiência intelectual, mesmo que necessitem de apoio
direto do professor ou de seus colegas, o que não diminui a qualidade de seu
desempenho. E, ao avaliar o estudante, o professor precisa considerar seu cotidiano e
suas especificidades, e, sempre que necessário e de acordo com a proposta de cada
disciplina, fazer os registros de forma descritiva.
Sabemos que um referencial de avaliação é apenas um passo dentro da
complexidade escolar, porém inaugura a possibilidade de o professor prever ações e
estratégias para levá-lo ao conhecimento e pode ser, sem dúvida, um dos caminhos em
direção à transformação e universalização das escolas, tornando-as um ambiente
acolhedor e mais humano, portanto, inclusivo, democrático, público e de qualidade. Cada
um de nós tem um papel a desempenhar neste processo e fica aqui a esperança de que
nós, professores, possamos assumir sem restrições o ato educativo com respeito à
diferença ou diversidade.

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Deficiência Intelectual

CARACTERÍSTICAS DA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

O termo deficiência intelectual tem sido objeto de controvérsia na literatura


especializada. A definição da Organização Mundial de Saúde (CID-10, 1993) faz
referência genérica a aspectos funcionais colocandoos como indicadores ou
consequências do funcionamento intelectual rebaixado. Esse funcionamento é percebido
como o núcleo da própria definição e do critério diagnóstico. (Barbosa e Del Prette, 2002,
p.1). Para se ter um diagnóstico definitivo, segundo a Classificação Internacional de
Doenças, na sua 10a. revisão (CID-10, 1993), deve-se observar um nível reduzido de
funcionamento intelectual, o que resultará em capacidade diminuída para se adaptar às
exigências diárias do contexto social normal.

O DSM-IV-TR (2003), Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, muito


embora destaque uma etiologia orgânica, adiciona critérios funcionais e psicométricos na
caracterização da deficiência intelectual, enfatizando os aspectos funcionais, ao definir e
especificar áreas de conduta adaptativa como parte dos critérios diagnósticos. Essa
definição orienta na verificação do funcionamento intelectual significativamente inferior à
média, dos deficits ou comprometimentos concomitantes ao funcionamento adaptativo em
pelo menos duas das seguintes áreas: comunicação, cuidados pessoais, vida doméstica,
habilidades sociais/interpessoais, uso de recursos da comunidade, independência,
habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança. Além disso, para a
caracterização da deficiência intelectual, é necessário o início anterior aos 18 anos.

Kaplan, Sadock e Greb (1977) relatam que até pouco tempo atrás, tanto o termo
deficiência mental quanto o termo retardo mental eram usados de modo intercambiável,
quando então a American Association on Intellectual and Developmental Disabilities
(2010) escolheu deficiência intelectual como o
preferível. A AAIDD (2010) vem liderando o
campo de estudos sobre deficiência intelectual,
definindo conceituações, classificações, modelos
teóricos e orientações de intervenções em

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Deficiência Intelectual

diferentes áreas. Embora secular e influenciando sistemas de classificação


internacionalmente conhecidos como o DSM-IV-TR e a CID-10, a AAIDD não é conhecida
no Brasil como são os outros dois sistemas. Esse fato talvez se deva à pouca divulgação
de suas produções entre especialistas e pesquisadores brasileiros. O atual modelo
proposto pela AAIDD traduz uma concepção multidimensional, funcional e bioecológica
de deficiência intelectual, adicionando sucessivas inovações e reflexões teóricas e
empíricas em relação aos seus modelos anteriores. Luckasson et al (2002, p.43)
apresenta a seguinte definição de deficiência intelectual: incapacidade caracterizada por
limitações significativas, tanto no funcionamento intelectual quanto no comportamento
adaptativo e está expressa nas habilidades práticas, sociais e conceituais, originando-se
antes dos 18 anos de idade. Observa-se, nessa definição, que a deficiência intelectual não
representa um atributo da pessoa, mas um estado particular de funcionamento (Almeida,
2004).
A concepção multidimensional da Associação (citado em Carvalho e Maciel, 2003)
explica a deficiência intelectual em cinco dimensões, que envolvem aspectos relacionados
à pessoa, ao seu funcionamento individual no ambiente físico e social, ao contexto e aos
sistemas de apoio. Uma dessas dimensões dá importância ao comportamento adaptativo,
que se define como o conjunto de habilidades conceituais, sociais e práticas adquiridas
pelo indivíduo para fazer face às necessidades da vida diária; as habilidades conceituais
estão relacionadas aos aspectos acadêmicos, cognitivos e de comunicação; as
habilidades sociais estão relacionadas à competência social exemplificada pela
responsabilidade, autoestima, habilidades interpessoais, credulidade e ingenuidade,
observância de regras, normas e leis; as habilidades práticas estão relacionadas ao
exercício da autonomia, como: alimentar-se, arrumar a casa, deslocar-se de maneira
independente e utilizar meios de transportes. Uma outra dimensão que se considera
também importante é a relativa participação, a interação e os papéis sociais em se que
ressalta a importância da vida comunitária, que se refere à avaliação das interações
sociais e dos papéis vivenciados pela pessoa bem como à sua participação na
comunidade em que vive. São consideradas as condições em que a pessoa vive e sua
qualidade de vida.

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Deficiência Intelectual

Segundo Del Prette e Del Prette (2002), a adoção de critérios funcionais de


diagnósticos da deficiência intelectual revela uma preocupação com a reversão das
dificuldades desses indivíduos entendidas como necessidades educacionais especiais.
Essa noção remete a uma perspectiva educacional em termos do compromisso não só da
família como também da escola, com objetivos socialmente relevantes para essa clientela
e com planejamento de intervenção social e educativa, mostrando, portanto, a questão do
relacionamento interpessoal desses indivíduos e as habilidades requeridas para isso.
(Barbosa e Del Prette, 2002, p. 1).

A IMPORTÂNCIA DAS HABILIDADES SOCIAIS

As relações interpessoais, base da vida em sociedade, são uma parte essencial da


atividade humana. Praticamente todas as teorias de desenvolvimento abordam a questão
da socialização e da importância das interações e relações sociais como indicadores de
saúde mental e de desenvolvimento. As habilidades sociais estão sempre nos contextos
e, com a crescente complexidade das demandas sociais, quer profissionalmente, quer
pessoalmente, há uma exigência cada vez maior dessas habilidades.

Carneiro e Falcone (2004) definem o indivíduo socialmente habilidoso como aquele


que é capaz de lucrar com maior frequência, realizar o mínimo de tarefas desagradáveis
e desenvolver ainda relacionamentos benéficos e produtivos. Assim, a emissão de
comportamentos socialmente habilidosos faz aumentar a satisfação pessoal e, em
consequência, levar a melhoria na qualidade de vida.
Segundo Caballo (1996), as condutas socialmente habilidosas constituem uma
série de comportamentos emitidos em um contexto interpessoal que refletem os
sentimentos, atitudes, desejos, opiniões e direitos do indivíduo de um modo adequado à
situação, com o respeito por essas condutas nos outros e a disposição para solucionar os
problemas imediatos daquela situação, além da minimização da possibilidade de
ocorrência de futuros problemas.

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Deficiência Intelectual

No relato de Molina e Del Prette (2006), as habilidades sociais podem também


constituir necessidades especiais educativas para qualquer criança na medida em que os
deficits em relação aos parâmetros de normalidade, ou seja, ao repertório minimamente
desejável em dado contexto social e cultural, dificultam ou impedem seu funcionamento
adaptativo em termos de independência pessoal, responsabilidade social e qualidade das
relações. Há necessidade, portanto, que os pais, figuras centrais na educação dos filhos
dentro do primeiro microssistema, que é o familiar, estejam atentos desde cedo às suas
práticas quanto às habilidades sociais aplicáveis à educação das crianças (Silva, 2000).
Essa última autora afirma que habilidade social educativa de dialogar com os filhos, por
exemplo, é o alicerce para o desenvolvimento de todas as demais habilidades sociais
educativas. Elas auxiliam os pais a mostrarem os padrões de comportamentos, de valores
e de normas de cultura para os filhos.
Nas últimas décadas, as habilidades sociais têm obtido um importante papel no
estudo de pessoas com distúrbios de aprendizagem, com atraso no desenvolvimento e
com deficiência intelectual. Os estudos sobre competência social dessas pessoas,
segundo Del Prette e Del Prette (2005), apontam dificuldades na estruturação de frases,
deficits nos componentes da comunicação não verbal e baixa competência na habilidade
para reformulação da própria fala. Ainda segundo esses autores, pesquisas recentes com
adultos portadores de deficiência intelectual constataram falhas em diversas áreas,
principalmente nas habilidades assertivas de lidar com críticas, de recusar e discordar e
nas relacionadas a dificuldade na emissão de componentes expressivos, verbais e não
verbais.

Rosin-Pinola, Del Prette e Del Prette (2007), ao compararem o desempenho social


de alunos com alto e baixo rendimento e deficientes intelectuais, constataram que, na
avaliação do professor, tanto o grupo de baixo rendimento quanto o dos deficientes
apresentam dificuldades acadêmicas e baixos escores relativos a habilidades sociais de
responsabilidade, autocontrole e cooperação entre os pares. O grupo portador de
deficiência apresenta ainda baixos escores nos itens assertividade e autodefesa,
apresentando, segundo os autores, uma desvantagem de aquisição. Diferencia-se dos

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Deficiência Intelectual

outros grupos também no que diz respeito à briga com os outros, baixa autoestima,
ameaça ou intimidação, apresentando problemas de comportamento externalizantes.

Riches (1996) propõe que se dê atenção especial às habilidades sociais exigidas


na vida diária de pessoas com deficiência intelectual. Durante muito tempo, foi dada
ênfase às habilidades específicas, como treino de ir ao toalete, vestir-se ou alimentarse
de forma independente ou mesmo habilidades essenciais para a sobrevivência em
comunidade e para a vida independente, como manejo de dinheiro e habilidades
domésticas. Segundo a autora, é preciso também dar atenção aos programas dirigidos
aos processos de interação social de forma que estejam fundamentados no entendimento
do encontro entre as pessoas. Nesse sentido, avaliar e promover o envolvimento dos pais
com os filhos pode ser a mola propulsora do desencadeamento de melhor desempenho
interpessoal desses filhos. Os pais podem servir de modelos comportamentais para os
filhos, e uma boa relação entre pais e filhos que desenvolva vínculos afetivos pode
propiciar comportamentos mais competentes, gerando mais autonomia e possibilidades
de inclusão social.

O ENVOLVIMENTO ENTRE PAIS E FILHOS COM


DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

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Deficiência Intelectual

A família, desde tempos longínquos, corresponde a um grupo social que exerce


marcada influência sobre a vida das pessoas, e tem sido apontada como uma das únicas
possibilidades de desenvolvimento social e emocional para uma criança. A estrutura
familiar, quando em bom funcionamento, demonstrando uma clara separação de gerações
oferece a cada componente desses subsistemas a experiência de participar de um
ambiente seguro e acolhedor (Terra dos Homens, 2002). Neste sentido, a harmonia, a
qualidade do relacionamento entre pais e a qualidade do relacionamento entre pais e filhos
são aspectos importantes que irão exercer influência direta na sua personalidade e no seu
sucesso escolar (Tállon, Ferro, Gomes, & Parra, 1999). Assim, a relação entre pais e filhos
é a que apresenta o vínculo mais forte dentro do contexto familiar, pois, segundo Romanelli
(1997), está ligada à reprodução da família em sentido mais amplo, englobando a
reprodução biológica e, principalmente, a reprodução social.
Romanelli (1998, 2003), em pesquisa realizada com pais e filhos, verificou que
famílias de classes médias baixas mudaram suas percepções quanto ao papel do genitor
com os filhos. O pai concebe a existência de maior proximidade na relação, com maior
expressão de afeto pelos filhos e disponibilidade para dialogar. A autoridade deixa de ser
exercida para impor a vontade, e os filhos podem, então, expressar suas reivindicações.
Os pais procuram avaliar as peculiaridades dos filhos apreendendo e procurando aceitar
aquilo que os constitui únicos. Os pais avaliam e explicitam suas preocupações com a
escolarização dos filhos, pois isso resultará em maior segurança e garantia de seus
direitos individuais.
Em uma perspectiva social abrangente, é importante compreender o processo de
desenvolvimento de crianças com necessidades especiais educativas por meio da análise
de variáveis da pessoa, do processo interacional e do contexto imediato e mediato do
âmbito da família (Sigolo, 2004). O contexto familiar deve ser considerado de importância
crucial para o desenvolvimento infantil, podendo atuar como fonte de recursos e
mecanismos protetores para lidar com condições adversas. De maneira geral, os pais
expressam níveis elevados de afeto positivo e apresentam razoável disposição para
interagir.
Segundo Paniagua (2004), ter um filho é um dos acontecimentos mais vitais para
um ser humano. Os vínculos afetivos entre pais e filhos normalmente são tão intensos

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Deficiência Intelectual

como as emoções que se põem em jogo. Um filho é sempre fonte de ilusões ou medos. O
fato de que ser pai seja algo habitual não significa que seja fácil, pois quando o filho tem
alguma dificuldade, tudo pode se tornar muito difícil. Por outro lado, Nunes (2003), em
seus estudos sobre as famílias com filhos com deficiência, descreve os conflitos presentes
nos vínculos e os indicadores de risco no meio familiar. Essa autora concluiu que esses
conflitos não surgem do resultado direto da deficiência, mas da adaptação ou não a essa
nova realidade.
Desde o momento em que os pais ficam sabendo da existência de uma deficiência,
há muita preocupação com o presente e com o futuro da criança que irá acompanhá-los
por toda a vida. Ao longo do desenvolvimento da criança, os pais terão de decidir sobre
tratamentos médicos, opções educativas, enfim, sobre o aumento de dedicação que, em
geral, requer um filho com necessidades especiais. Muitas vezes, a criança com
deficiência irá necessitar de muito mais cuidados físicos, assim como de mais tempo de
interação e mais situações de jogo ou estudo compartilhado. O desenvolvimento de
programas de estimulação desde cedo, as atividades de lazer e o reforço familiar ao longo
da escolarização representa, para os pais, um grande esforço pessoal.
Góes (2006) constata que, para os pais, a deficiência intelectual na criança significa
a perda do filho idealizado, e que aqueles têm dificuldade em encontrar sinais que se
ajustem às suas representações do filho ideal. Além disso, existem, no ambiente cultural,
representações sociais preenchidas de qualidades desfavoráveis em relação à deficiência
intelectual. Os pais acumulam crenças geralmente negativas, e estas são referências
iniciais para a construção de suas representações sobre o filho portador de necessidades
especiais.
Glat e Duque (2003), em uma pesquisa qualitativa com dezesseis pais de filhos com
necessidades especiais, ao analisarem a dinâmica de ações e relações familiares a partir
de seus depoimentos, concluíram que a preocupação com a incerteza do futuro de seus
filhos foi um ponto relevante nesse estudo. As autoras viram que essa preocupação faz
com que eles se esforcem para dar aos filhos uma educação que possa, principalmente,
desenvolver habilidades que garantam maior independência e autonomia possível na vida
adulta. Nesse estudo, as autoras concluíram também que, apesar de os pais viverem suas
angústias, desespero e depressão no contato íntimo e diário com seus filhos, eles tiveram

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Deficiência Intelectual

inúmeras oportunidades de compensação e conseguiram superar as crises, de acordo


com sua maneira de ser, amando e convivendo com os filhos apesar de todas as
dificuldades.
Hanson (2003) estudou famílias em que filhos com síndrome de Down participaram
de um programa de intervenção na infância, que foi reavaliado vinte e cinco anos depois.
Os dados mostraram que os pais percebem as características positivas da criança, desde
o fato de ser considerada uma benção até as experiências prazerosas dos pais ao
verificarem, no dia a dia, as aquisições dos filhos com síndrome de Down.
Segundo Cia, d'Affonseca e Barham (2004), são poucos os estudos que nos
permitem saber qual é a qualidade do relacionamento entre pais e filhos no Brasil. Além
disso, o papel do pai se encontra em fase de mudanças, sendo inúmeras as famílias em
que ambos (mãe e pai) trabalham fora, o que tem levado à redefinição do papel paterno.
Essas autoras estudaram o impacto da qualidade do relacionamento entre pai e filho sobre
o desempenho acadêmico de crianças escolares, em amostra de cinquenta e oito pais e
seus filhos que cursavam os anos finais do ensino fundamental. Puderam verificar que,
quanto maior a frequência de comunicação entre pai e filho e a participação dos pais nas
atividades escolares, culturais e de lazer, maior a pontuação das crianças em escrita e
leitura e maior o seu desempenho acadêmico.
Uma outra pesquisa que teve como objetivo comparar e correlacionar indicadores
do repertório de habilidades sociais e do envolvimento dos pais na educação dos filhos
(Cia, d'Affonseca, & Barham, 2006) revela que os relatos realizados pelos cônjuges
indicam atividades diferenciadas. Os pais, por exemplo, se ocupavam com maior
frequência em proporcionar lazer fora de casa aos filhos, e as mães, em estabelecer
horário de deitar e em controlar a higiene. Essa diferença de participação e de
envolvimento dos pais (mãe e pai) nos cuidados com os filhos é semelhante aos dados
das pesquisas de Bertolini (2002), em que há uma divisão razoavelmente estruturada de
atividades, na qual o homem se ocupa da parte social e de lazer e as mães, dos cuidados
diários da casa. Segundo essa autora, nesse estudo em que verificaram as relações entre
o trabalho da mulher e a dinâmica familiar, alguns homens afirmam que, sensibilizados
com o acúmulo de atividades das companheiras dentro e fora do lar, estão dispostos a dar
sua parcela de contribuição espontaneamente. O impacto dessas mudanças para o

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Deficiência Intelectual

desenvolvimento infantil somente poderá ser conhecido a partir de estudos que avaliem a
interação dos pais com seus filhos.
Cardozo e Soares (2010) investigaram se as habilidades sociais dos pais de
crianças com deficiência intelectual influenciaram o seu envolvimento na educação dos
filhos. Foram comparados indicadores do repertório de habilidades sociais e do
envolvimento dos pais na educação dos filhos, e foram também comparados mães e pais
nos dois conjuntos de medida. A hipótese de que as mães seriam mais envolvidas na
educação dos filhos com deficiência intelectual do que os pais foi corroborada. Os
resultados apontaram maior participação das mães na educação, na participação das
atividades escolares, no lazer e nas atividades culturais e nos cuidados com os filhos.
Demonstrou-se que, apesar de os pais (homens) apresentarem um repertório de
habilidades sociais um pouco mais enriquecido, isso não foi relevante para que se
envolvessem mais com os filhos.
Segundo Dessen e Costa (2005), em um trabalho com crianças com
desenvolvimento típico, o relacionamento marital estaria sendo apontado como fator
importante para a qualidade das relações que os pais mantêm com os filhos. Segundo as
autoras, a convivência entre cônjuges, quanto às formas de comunicação e estratégias
para resolver os problemas, estariam influenciando a criação de estilos parentais de
cuidados dos filhos e a qualidade dessas relações. No que tange às situações de conflito,
esses autores relatam que mães insatisfeitas tendem a compensar os filhos sendo mais
responsivas e envolvendo-se mais com suas crianças. Por outro lado, pais emitem
condutas negativistas e intrusivas em relação aos filhos, afastando-se do convívio mais
direto, apesar de viverem sob o mesmo teto. É possível que, no caso de pais e mães de
filhos com deficiência intelectual, isso possa ocorrer, principalmente, com relação ao
estresse vivenciado pelo pai, oriundo às vezes de dificuldades financeiras, e pelo fato de
ter um filho com deficiência intelectual. Afinal, os sentimentos e as representações
familiares que existiam anteriormente ao nascimento desse filho se deterioram, gerando
uma crise de identidade nesse pai. Por outro lado, o envolvimento das mães de filhos com
deficiência intelectual, principalmente com relação aos cuidados, leva-as a caminhar à
procura de tratamento para os filhos. Miltiades e Pruchno (2001) realizaram um estudo
com mães de filhos adultos com deficiência e chegaram à conclusão que essas mulheres

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Deficiência Intelectual

continuam vivendo situações de cuidado e de responsabilidades pela vida dos filhos,


assumindo um papel vitalício de cuidadoras. Estão sempre procurando manter as diversas
formas de tratamento, em infindáveis negociações com as instituições de reabilitação ou
redes de apoio. Em função dessa demanda, pode-se supor que tenham adquirido
habilidades de traquejo na conversação, o que supõe conhecimento das regras e normas
de relacionamento.
Segundo Sarti (2003), as pesquisas realizadas sobre as relações familiares
demonstram que houve mudanças nos papéis, em função do que as mulheres
conseguiram, evidenciando os conflitos da família moderna no que diz respeito à
conciliação entre a individualidade e as responsabilidades familiares. Segundo a autora,
nas famílias que possuem condições econômicas deficitárias, esse conflito é menor em
decorrência dos vínculos familiares que se sobrepõem aos indivíduos. Percebe-se, no
entanto, que, apesar dos avanços sociais da mulher, ela ainda ocupa uma posição de
maior subordinação nas relações familiares, que, em geral, permanecem com um padrão
tradicional e hierárquico de funcionamento.
Ainda que os papéis de mães e pais continuem se diferenciando segundo uma
tradição histórica cultural já antiga, em que pais têm o papel de provedores e mães de
cuidadoras e que, ainda hoje, sejam mais envolvidas com os filhos, quando se trata de
pais e mães de portadores de deficiência intelectual, essas manifestações de habilidade
e envolvimento na educação dos filhos têm se mostrado essenciais para o
desenvolvimento dos filhos. À medida que os pais são habilidosos, servem de modelos
referenciais para seus filhos no desenvolvimento e no aprimoramento de comportamentos
também mais habilidosos. O envolvimento com os filhos os ajuda a descortinar um vínculo
afetivo que lhes proporciona mais segurança no relacionamento interpessoal e, em
consequência, melhor desempenho de comportamentos competentes socialmente, ou
seja, mais autonomia e qualidade de vida.

A EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

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Deficiência Intelectual

Desde o início da década de 1990, a Educação Especial vem sendo constituída na


perspectiva da Educação Inclusiva. A partir de então, assistimos à elaboração de diversos
documentos internacionais e nacionais que visam à efetivação desta proposta de ensino.
No âmbito internacional, destacamos a Declaração Mundial sobre Educação para Todos,
de 1990, conhecida como Declaração de Jomtien (BRASIL, 1991), e a Declaração de
Salamanca (BRASIL, 1994) que serviram de norteadoras para a elaboração dos
documentos nacionais, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
9.394/96 (BRASIL, 1996), bem como os Parâmetros Curriculares Nacionais – Adaptações
Curriculares: Estratégias para a Educação de Alunos com Necessidades Educacionais
Especiais em 1998 (BRASIL, 1998), as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica em 2001 (BRASIL, 2001), e a Política Nacional da Educação na
perspectiva da Educação Inclusiva no ano de 2008. (BRASIL, 2008). Esses documentos
têm viabilizado medidas para garantir o acesso das crianças com necessidades
educativas especiais no ensino regular. No entanto, de acordo com o Ministério da
Educação – MEC (BRASIL, 2006), o atendimento educacional ao deficiente mental1
apresenta-se 129 como um embate, considerando as peculiaridades desse público.
Diante do conflito entre o conclamado nos documentos oficiais e a realidade objetiva
do atendimento a esse público, acreditamos ser de suma importância uma prática
educativa fundamentada em sólida fundamentação teórica que promova o
desenvolvimento da pessoa com deficiência intelectual. A Psicologia Histórico-Cultural,
pautada no materialismo histórico e dialético, possibilita o desenvolvimento do homem
omnilateral, inclusive aquele que teve o seu desenvolvimento dificultado pela deficiência
e encaminha para o delineamento de práticas pedagógicas que contribuam de maneira
efetiva para a aprendizagem e o desenvolvimento das pessoas com deficiência. Desse
modo, é discorrer sobre as implicações da Psicologia HistóricoCultural para a Educação
Especial, sobretudo para a educação da pessoa com deficiência intelectual.
Para isso, organizamos o nosso estudo em dois momentos. A princípio,
apresentaremos a defectologia de Lev Semenovich Vygotsky2 (1896–934), bem como a
sua compreensão acerca da deficiência intelectual; em seguida, analisaremos alguns
pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural para a educação escolar da pessoa com
deficiência intelectual.

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Deficiência Intelectual

Entendemos que a nossa pesquisa torna-se significativa diante da necessidade


histórica de viabilizarmos uma proposta de ensino que fundamente o trabalho pedagógico
com os deficientes intelectuais, haja vista que a educação desses alunos ainda se constitui
em um desafio.
Entendemos que o reduzido interesse da academia pela aprendizagem do
deficiente intelectual, apresentado pelas autoras Anache e Mitjáns (2007), pode
representar uma prática escolar fundamentada em características negativas, que se apoia
no que falta à criança, no que a criança não é, o que tem provocado uma diminuição das
exigências escolares e uma formação mínima a esse público. Defendemos a superação
dessa concepção por uma ação pedagógica consciente, que invista na possibilidade do
que essa criança possa vir a ser, por meio da aprendizagem e do desenvolvimento de
suas potencialidades humanas.

A DEFICIÊNCIA INTELECTUAL NA PERSPECTIVA DA TEORIA HISTÓRICO


CULTURAL

Como visto, Vygotsky defendia a educação social fundamentada nos princípios


marxistas. Entendemos que essa concepção teórico/filosófica possibilitou a constituição

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Deficiência Intelectual

de uma educação especial humanizadora para as pessoas com deficiência intelectual,


pois tinha por objetivo o desenvolvimento da pessoa com deficiência em sua totalidade,
por meio da apropriação dos instrumentos intelectuais e materiais e da atuação consciente
na sociedade em que estava inserida.
Fundamentado nessa concepção teórica e no contexto social, político e econômico
favorável, Vygotsky dedicou parte dos seus estudos à deficiência intelectual. Para se
referir a esse público, o psicólogo russo utiliza o termo, atraso mental; imbecil, débil e
idiota referem-se a variações do atraso mental4. Atualmente, esses termos podem nos
parecer pejorativos, no entanto eles eram usuais no início do século XX, quando Vygotsky
desenvolveu seus primeiros estudos na área da defectologia.
É importante destacar que a classificação da pessoa com deficiência intelectual,
definida por Vygotsky (1997), não é estática, considerando os conceitos de compensação
e supercompensação da deficiência, que discutimos anteriormente, e as possibilidades de
desenvolvimento por meio da aprendizagem.
Para o autor, a deficiência intelectual designa “[...] todo o grupo de crianças, que
em relação ao nível médio, está atrasado em seu desenvolvimento e que, no processo de
aprendizagem escolar, manifesta incapacidade de seguir o mesmo ritmo dos demais
alunos.” (VYGOTSKY, 1997, p. 201). Esse grupo é complexo em sua composição,
considerando que as causas e a natureza da deficiência divergem muito. Vygotsky (1997)
subdivide a deficiência intelectual em dois grupos: como consequência de uma
enfermidade nervosa ou psíquica, cujo quadro pode mudar após o tratamento da mesma,
e como causa de um defeito orgânico que se expressa atraso no desenvolvimento
intelectual.
No que se refere à lei do desenvolvimento da criança com e sem deficiência,
Vygotsky (1997) a considera como uma lei única, com destaque ao ambiente onde a
criança está inserida. Esse ambiente tanto pode conduzir a criança com deficiência
intelectual a momentos negativos, que podem não atenuar a sua insuficiência inicial, como
podem provocar o desenvolvimento das suas potencialidades.
Vygotsky atribui significativa importância à vida social e ao engajamento coletivo
para o desenvolvimento da personalidade das pessoas com deficiência intelectual por
considerar a possibilidade de humanização destes indivíduos limitados biologicamente,

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mas com respectivas potencialidades a serem desenvolvidas. De acordo com Barroco


(2007), na perspectiva Vygotskyana, a base biológica inicial é considerada no
desenvolvimento dessa criança mas são as mediações que ela vivencia “[...] que
encaminharão o desenvolvimento numa ou noutra direção, sob um dado ritmo e
favorecendo ou não o alcance de progressos, indo de um primitivismo a um modo cultural
de funcionamento intelectual.” (BARROCO, 2007, p. 285).
Nesta linha de raciocínio, Vygotsky e Luria (1996) afirmaram, em suas pesquisas,
que a cultura e o meio ambiente refazem uma pessoa, não apenas por lhe proporcionar o
acesso ao conhecimento, mas por transformar a estrutura de seus processos psicológicos,
ao desenvolver técnicas para utilizar suas próprias capacidades. Entende-se por talento
cultural, o uso racional das capacidades de que se é dotado, mesmo que estas sejam
médias ou inferiores, 137 para alcançar determinado resultado. Os autores referem-se à
capacidade de utilizar os mediadores culturais já produzidos pela humanidade para
resolver tarefas em nível cognitivo.
Os psicólogos soviéticos compreendem que a condição biológica dificulta o
desenvolvimento de funções como a memória lógica, o pensamento abstrato e teórico em
sua forma mais elaborada, contudo, em nenhum momento, sugerem que essas crianças
devam ser excluídas de uma das mais significativas expressões da apropriação cultural.
Vygotsky, em relação a isso, defende o processo de escolarização para as pessoas com
deficiência intelectual e afirma o seguinte:
Ainda que as crianças mentalmente atrasadas estudem mais prolongamente, ainda
que aprendam menos que as crianças normais, ainda que, por último se lhes ensine de
outro modo, aplicando métodos e procedimentos especiais, adaptados as características
específicas de seu estado, devem estudar o mesmo que todas as demais crianças,
receber a mesma preparação para a vida futura, para que depois participem nela, em certa
medida ao par com os demais. (VYGOTSKY, 1997, p. 149).
Ante o exposto, retomamos a afirmação de Vygotsky quanto à necessidade de
investimento e viabilidade da educação das crianças com deficiência intelectual,
superando concepções que consideram o que a criança não tem e que acreditam na
impossibilidade de sua educação formal para esses alunos. Na obra que trata da
defectologia, Vygotsky propõe que trabalhemos com o processo de desenvolvimento das

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crianças com deficiência intelectual ao seu favor, buscando desenvolver suas funções
psicológicas. Devemos “[...] encontrar formas ideais de ações práticas para resolver a
tarefa histórica de superar realmente o retardo mental, esta enorme catástrofe social que
é um legado da estrutura da sociedade de classes.” (VYGOTSKY, 1997, p. 132). Temos
que encontrar caminhos que auxiliem o aluno no processo de compensação da
deficiência.
De acordo com a teoria Vygotskyana, existem quatro teses fundamentais e
concretas que caracterizam o desenvolvimento compensatório da criança com deficiência
intelectual.
A primeira é caracterizada como funções que se tornam mais complexas pela
utilização de recursos mediadores. Vygotsky parte do princípio de que nenhuma das
funções psicológicas (FPS) – tais como memória lógica, raciocínio abstrato, atenção
concentrada, por exemplo – realiza-se habitualmente de um só modo, mas de que cada
uma concretiza-se de modos diversos, tornando-se mais complexa com o uso de recursos
mediadores, como a linguagem, por exemplo, por meio da qual a criança se desenvolve.
Vygotsky (1995) afirma que o homem, diferentemente dos animais, cria estímulos
artificiais que funcionarão como estímulos auxiliares para dominar as próprias reações.
Para o autor, todo comportamento é mediado por instrumentos e signos; aqueles atuam
na modificação da realidade externa, enquanto estes atuam como “[...] estímulos-meios
artificiais introduzidos pelo homem na situação psicológica, que cumprem a função de
auto-estimulação.” (VYGOTSKY, 1995, p. 83). No caso da pessoa com deficiência, o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores é possível por meio de recursos
auxiliares que contribuem para a superação das funções limitadas ou inexistentes.
Essa primeira tese conduz a segunda que preconiza a coletividade como fator de
desenvolvimento das funções psíquicas superiores da criança com e sem deficiência. De
acordo com Vygotsky:
[...] toda função psicológica superior, no processo do desenvolvimento infantil, se
manifesta duas vezes, a primeira como função de conduta coletiva, como organização da
colaboração da criança com o ambiente, depois como função individual da conduta, como
capacidade interior de atividade do processo psicológico no sentido estrito e exato desta
palavra. (VYGOTSKY, 1997, p. 139).

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Assim, o desenvolvimento das funções psicológicas apresenta-se duas vezes no


processo de desenvolvimento infantil. A princípio, como expressão da conduta coletiva,
como organização da mediação entre a criança e o ambiente; em seguida, como função
individual da conduta, como capacidade interior de atividade do processo psicológico.
Para ilustrar, basta lembrar como a linguagem se transforma em meio de comunicação e
de pensamento. Desse modo, observamos que a conduta coletiva da criança não só ativa
e desenvolve suas funções psicológicas, mas também possibilita a origem de uma forma
de conduta nova. Entende-se que a coletividade é fonte de desenvolvimento das funções
psicológicas superiores, em especial para a criança com deficiência intelectual, conforme
destaca Vygotsky (1997).
A terceira tese trata das relações sistêmicas entre as funções, denominadas
vínculos interfuncionais. As FPS não se desenvolvem isoladamente; uma função interfere
na outra de forma complexa. Por exemplo, o desenvolvimento da memória lógica envolve
certa relação entre a atenção e o pensamento.
A última tese de compensação da deficiência intelectual apresentada por Vygotsky
aborda as vias de desvios, que apresentam significativo caráter pedagógico e criativo para
a criança. Essas vias consistem em caminhos ou recursos culturais que possibilitem a
realização de uma tarefa. Vygotsky (1997) recorre ao exemplo do uso das mãos utilizadas
para o cálculo, que adquirem o significado de um recurso para a criança pequena, quando
a tarefa está dificultada pelo caminho direto, isto é, por meio do pensamento e do
raciocínio lógico. O importante é que a criança pequena realize o cálculo, que o cego leia,
que o surdo fale e que o deficiente intelectual desenvolva o pensamento. Assim, para a
pessoa com deficiência intelectual, a educação que vise à compensação da sua
deficiência e ao desenvolvimento de suas potencialidades, deve centrar-se na apropriação
do pensamento com o objetivo de alcançar sua forma abstrata. No entanto, fatalmente, a
escola tende a reforçar a deficiência, acomodandose a ela, excluindo do seu programa
tudo o que exige esforço do pensamento abstrato, tudo o que desperta a necessidade de
pensar, fundamentando o ensino no trabalho concreto e visual, e, dessa forma,
dificultando o desenvolvimento da criança.
Vygotsky e Luria (1996) fizeram várias pesquisas nas quais procuraram
desmistificar a ideia de que a pessoa com deficiência intelectual tem uma saúde frágil e

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suas vias compensatórias são igualmente deficientes. Realizaram estudo experimental,


por exemplo, da memória com crianças sem deficiência e com deficiência intelectual, no
qual analisaram a memória natural e a memória cultural. Para avaliar o desenvolvimento
dessa função, os pesquisadores falavam 10 palavras aleatórias que as crianças deveriam
memorizar. No primeiro momento, a criança era convidada a realizar a tarefa sem a
mediação de nenhum instrumento ou signo que auxiliasse a sua memória, avaliando assim
a memória natural; no segundo momento, eram oferecidas à criança figuras para auxiliar
a sua memória, com o objetivo de estudar a capacidade de usar dispositivos apropriados,
ou seja, o desenvolvimento da memória cultural.
Na avaliação da memória natural, houve uma variação entre 4,5 e 5,5 palavras entre
as 10 palavras nos dois grupos, não existindo variação muito significativa entre os sujeitos
sem deficiência e com deficiência intelectual. A diferença foi constatada quando foram
introduzidos, no experimento, dispositivos culturais. Enquanto a criança sem deficiência
utilizava esses recursos para ampliar a sua memória e expandir a sua atividade, a criança
com deficiência intelectual, nesse experimento, tinha dificuldade de utilizá-los, distraindo-
se facilmente. Assim, os autores constataram que a diferença estava na capacidade
desigual de usar recursos mediadores que auxiliavam o processo de memorização.
Perante o exposto, os psicólogos russos consideraram que a diferença básica entre
a criança normal e a com deficiência intelectual é a seguinte: a primeira apresenta
capacidade de usar racionalmente suas funções naturais e quanto mais se desenvolve
mais é capaz de imaginar e criar dispositivos culturais apropriados para auxiliar a memória,
já a criança com deficiência intelectual apresenta dificuldade para usar racionalmente suas
funções naturais e recursos mediadores disponibilizados no ambiente. Desse modo,
Vygostsky e Luria (1996) consideram que a deficiência intelectual se caracteriza não só
de processos naturais, mas também do seu uso cultural. Para se combater isso, exigem-
se as mesmas medidas culturais auxiliares.
Nesse contexto, o uso de dispositivos culturais poderá desenvolver a capacidade
de utilizar a memória como meio de compensação de sua deficiência. É preciso investir
no uso de técnicas racionais que transformem a deficiência em talento cultural.
Acreditamos que a compensação da deficiência biológica, social e cultural deve ser

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promovida pela educação especial ou regular, que vise desenvolver todas as


potencialidades dos sujeitos.
Almejamos que a educação se faça de fato especial para todos os sujeitos, que
saia do plano da ideia e do discurso. Assim, como Vygotsky (1997), acreditamos que é
importante que a educação siga a direção da validez social, considerando-a um ponto real
e determinante e que seja um instrumento de compensação e supercompensação da
deficiência biológica. Entendemos que a educação é ainda mais necessária para a criança
com deficiência intelectual que para a criança normal; uma pessoa com um
comprometimento mais profundo, se submetida a uma educação organizada e racional, é
mais beneficiada que uma criança normal, principalmente nos primeiros anos de vida. A
educação organizada, que possibilita aos deficientes intelectuais oportunidades de
desenvolvimento e compensação cultural da 141 deficiência, transforma a pessoa com
deficiência em um homem, de espécie biológica a sujeito social, conforme veremos no
próximo item.

ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E DOENÇA


MENTAL

Muitos sentem dificuldade para se relacionar com pessoas com deficiência


intelectual por não saber como se referir a elas ou mesmo compreender quais são as
condições que afetam o seu desenvolvimento. Uma das confusões mais comuns é chamar
os indivíduos com necessidades especiais de "doentes mentais". Esta noção está
arraigada no imaginário popular, mas tem sua base na discriminação que estes sofriam
no passado. Os dois problemas, contudo, são completamente diferentes.

A doença mental é, na verdade, um transtorno psiquiátrico que engloba uma série


de alterações que modificam o humor e o comportamento da pessoa, podendo afetar seu
desempenho. Tal distúrbio deve ser tratado com psiquiatras e o uso controlado de
medicamentos.

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Já a deficiência intelectual representa um atraso no desenvolvimento, o que gera


dificuldades de aprendizado e na realização de coisas simples do cotidiano. Neste caso,
há um comprometimento cognitivo, que ocorre antes dos 18 anos de idade.

"Deficiência mental"
Segundo a educadora Ana Beatriz Araújo, da Apae, as deficiências intelectual e
mental são sinônimas. O último termo, porém, foi banido pela Organização das Nações
Unidas (ONU) em 2004. “São dois termos que querem dizer a mesma coisa. Houve uma
mudança de nomenclatura em relação à deficiência intelectual para não confundir com o
transtorno mental”, afirma.
A ONU optou por excluir a expressão "deficiência mental" para evitar a confusão e
a discriminação destas pessoas, que representam 5% da população mundial, de acordo
com a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Características

Segundo descrição da Associação Americana sobre Deficiência Intelectual do


Desenvolvimento (AIDD), pessoas com déficit intelectual possuem o Quociente de
Inteligência (QI) inferior à média. Elas possuem limitações em ao menos dois tipos de
habilidades: comunicação, autocuidado, funções acadêmicas, adaptação social, vida no
lar, segurança e saúde, dentre outras.
De acordo com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), quase
sempre a deficiência intelectual costuma ser resultado de uma alteração no cérebro
causada por condições genéticas. Mas uma pessoa com necessidades especiais também
pode ter sofrido com distúrbios na gestação, problemas no parto e até mesmo após o
nascimento. Dentre os principais tipos de deficiência intelectual estão as síndromes de
Down, X-Frágil, Prader-Willi, Angelman e Williams

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APRENDIZAGEM ESCOLAR E DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Aprendizagem, deficiência intelectual e avaliação escolar. Temas que nos pareciam


incompatíveis e sem possibilidades concretas de convergência. Como pensar em
aprendizagem escolar para aqueles com deficiência intelectual? Como avaliar suas
competências se a deficiência intelectual prejudica o desenvolvimento de várias áreas,
principalmente da cognição e, portanto, da aprendizagem?
Aquilo que nos parecia lógico – a deficiência intelectual como justificativa para a
não-aprendizagem escolar -, na contemporaneidade podemos afirmar, sem risco de errar,
que novas perspectivas se anunciam no âmbito educacional frente à ideia de inclusão
escolar, ou seja, a busca de uma escola única, para todos, sem exceções, onde a
aprendizagem assume outro caráter: o da expectativa, o da possibilidade, o da esperança,
o do desejo de ensinar a todos, diante de suas condições, sem a preocupação de adjetivar
o ato de aprender, ao contrário, colocando-o em paralelo ao ato de ensinar e, aí então,
estamos diante de um desafio secular: investigar, imaginar, criar, procurar novas formas
de ensinar que deve se dar de forma diversa, rica, estimulante, respeitosa diante do outro
e de suas possibilidades.
Claro que ainda estamos no terreno do sonho, da utopia, do desejo. Ainda estamos
a desejar que as diferenças sejam diminuídas, as injustiças superadas e os medos deem
lugar à ousadia de transformar, de ir à procura de caminhos, mesmo que ainda não
saibamos exatamente por quais estradas iremos trilhar, mas a meta está traçada: assumir
o papel insubstituível do professor e da escola, que aliado a outras forças sociais possa
exercer um movimento em direção à humanização.

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E, aí, ao assumir o papel da humanização, a escola não se prenderá a rótulos e a


busca de justificativas injustificáveis para a aprendizagem que, por ser diversa e particular,
segue caminhos distintos e próprios que não são nem melhores, nem piores uns dos
outros – são apenas diferentes.
Ao considerar as diferenças como parte integrante da condição humana e, portanto,
da aprendizagem escolar, a escola abre o espaço para as mudanças e dá o primeiro passo
em direção ao respeito às deficiências e torna-se “capaz de inaugurar um novo espaço
para aqueles com deficiência intelectual, que ao considerar suas especificidades, atua na
direção de seu desenvolvimento pleno, mesmo que este possa ser, em alguns casos,
substancialmente diferente da maioria dos alunos” (OLIVEIRA, 2010, p. 4617-18).
Sem dúvida que a deficiência intelectual nos desafia no delineamento de uma
gestão escolar e de práticas pedagógicas que considerem suas possibilidades e a
especificidade de sua forma de aprender. Temos que educar nosso olhar na busca de
suas capacidades, até mesmo as curriculares, uma vez que nos acostumamos a acreditar
que suas competências se restringiam aos atos mecânicos e repetitivos de aprendizagem,
as quais estavam restritas, quase que exclusivamente, ao cuidar de si mesmo, ao repetir
palavras, ao copiar ideias e desenhar traços sem significados. Não é mais aí que se instala
o nosso desejo de ensinar e mediar o processo de aprendizagem daqueles com deficiência
intelectual.
Assim, é em um novo contexto que, a deficiência intelectual, sua aprendizagem
escolar e formas de avaliação de seu desempenho, devem ser consideradas. No contexto
da possibilidade...

DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: UM NOVO OLHAR CONCEITUAL

Não é nossa pretensão percorrer o longo caminho histórico da conceituação da


deficiência intelectual que de referências místicas e sobrenaturais, perpassando por
visões exclusivamente médicas, chega a perspectivas sociais, que consideram a condição
da deficiência muito além de fatores meramente clínicos. Obviamente que não estamos
nos referindo simplesmente à forma de denominar a deficiência intelectual, mas também
de conceituá-la, das concepções que sustentaram o pensamento em relação a este

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conceito no decorrer de diferentes épocas. Como menciona Pletsch (2010, p. 101) “o


conceito de deficiência é um constructo que ao longo do tempo, de acordo com as
convenções sociais e/ou científicas, vem recebendo nomenclaturas distintas”.
Não pretendemos nos estender na descrição da história do próprio conceito de
deficiência intelectual, mas é preciso mencionar os avanços significativos ocorridos e
localizar, ainda que brevemente, a perspectiva conceitual da atualidade e suas
implicações na área da educação escolar.
O próprio sistema conceitual de 2002, da Associação Americana de Retardo Mental
(AAMR, 2006), atualmente denominada International Association for the Scientific of
Intellectual Disabilities (IASSID), anuncia uma nova forma de conceber a deficiência
intelectual, considerando-a como decorrente da ação de, no mínimo, quatro fatores:
biomédicos, comportamentais, educacionais, sociais e, ainda considera sua múltipla
dimensionalidade, apontando cinco dimensões de análise:
1) a intelectual,
2) o comportamento adaptativo (composto pelo conjunto de habilidades
práticas, sociais e conceituais),
3) a participação, interação e papéis sociais,
4) os aspectos da saúde e,
5) os contextos - o microssistema, o mesossistema e o macrossistema.
(AAMR, 2006; CARVALHO & MACIEL, 2003; OLIVEIRA, 2009; PLETSCH, 2010).
É importante ressaltar que desde o sistema conceitual de 1992, a AAMR aponta
para fatores diagnósticos que extrapolam os níveis do Quociente de Inteligência (QI) como
definidores da condição de deficiência intelectual, interpondo uma nova visão que, sem
excluir os níveis de QI como referentes para diagnosticar a deficiência intelectual, busca
ampliar o horizonte de análise e compreensão. Como diz Plestch (2010):
[...] o sistema multidimensional almeja superar a ideia de que a deficiência mental
é uma condição estática e permanente, em favor de uma concepção segundo a qual o
desenvolvimento varia conforme os apoios e/ou os suportes recebidos pelo indivíduo.
Portanto, [...] a deficiência mental é compreendida como um fenômeno relacionado com o
desenvolvimento da pessoa e as interações e apoios sociais que recebe, e não somente
com base em parâmetros de coeficiente de inteligência (QI abaixo de 70) e de
classificação dos níveis leve, moderado, severo e profundo (p.111).

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Isso nos remete a pensar sobre vários pontos importantes relacionados à


deficiência intelectual: não representa um atributo da pessoa, mas um estado particular
de funcionamento; o que deve ser classificado não é o nível da deficiência, mas o sistema
de apoio; representa uma mudança de paradigma - de um traço expresso somente pelo
indivíduo por uma expressão da interação entre o indivíduo e o ambiente. Oliveira (2009)
comenta:
Além de ampliar o universo de análise conceitual da deficiência intelectual e
considerar a prática social, há ainda, o estabelecimento dos níveis de apoio necessários
para garantir o seu desenvolvimento e atender as suas necessidades. Desta forma há uma
expressiva mudança de foco: do individual para o sistema de apoio, assim, o
funcionamento individual é considerado como resultante da interação dos apoios com as
dimensões conceituais (p.77).
Outro aspecto da maior importância, lembrado por Carvalho e Maciel (2003) é que
a aplicação do diagnóstico deve considerar que as limitações intelectuais e adaptativas
sejam culturalmente significadas e qualificadas como deficitárias, ou seja, deve-se
considerar a prática social do indivíduo, o contexto (ou os contextos) no qual está inserido
e a interpretação que a audiência faz das diferentes condições presentes nos diferentes
sistemas contextuais: micro, meso e macrossistemas. Assim, a deficiência é a expressão
de limitações no funcionamento individual dentro de um contexto social. Portanto, não é
fixada nem dicotomizada. Ela é fluida, contínua e mutável e, além disso, é possível reduzir
a deficiência através de intervenções, serviços ou apoios.
Os apoios podem ser conceituados, conforme a AARM (2006), como recursos e
estratégias que visam a promover o desenvolvimento, a educação, os interesses e o bem-
estar de uma pessoa e que melhoram o seu desenvolvimento devido ao resultado do
funcionamento individual e da interação com as dimensões que compõem o conceito de
deficiência intelectual (habilidades intelectuais, comportamento adaptativo, interação e
papéis sociais, saúde e os contextos). O modelo de apoio pode ser aplicado nas diferentes
áreas do desenvolvimento humano, como ensino e educação, vida doméstica, comunitária
e social, emprego e trabalho, saúde e segurança, comportamento, vida social, proteção e
defesa e seus principais objetivos são proporcionar à pessoa o máximo de independência

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possível, participação na escola e na comunidade e ampliação e qualificação de seus


relacionamentos.
A ideia é que através dos apoios o funcionamento de um indivíduo pode ser
bastante melhorado ao inquirir-se sobre as tarefas que a pessoa pode resolver em
comparação com as tarefas que ela poderia resolver com a ajuda de um membro mais
capaz, são como mediadores entre a pessoa e suas possibilidades, entre aquilo que ela
pode fazer sozinha e a ampliação de suas capacidades quando pode realizar com ajuda,
portanto e consequentemente, o sistema de apoio está plenamente em harmonia com o
conceito de desenvolvimento cunhado por Vygotsky.
Nesta perspectiva, as pessoas podem realizar uma variedade de atividades quando
ajudadas ou orientadas por alguém mais experiente. Assim, do ponto de vista educacional,
é de extrema importância que o ensino “empurre” o desenvolvimento; para Vygotsky, não
tem sentido o ensino que se prenda ao que o aluno já sabe, ou, na sua terminologia, à
zona de desenvolvimento efetivo. A boa educação é aquela que atua exatamente na zona
de desenvolvimento potencial, buscando atuar em ciclos que estão para ser
desenvolvidos. Vale ressaltar que estamos diante de uma análise dialética, que considera
a dinamicidade e antagonismo presentes nas relações concretas entre as pessoas
(OLIVEIRA, 2007, p.23).
Sem dúvida que o conceito de deficiência intelectual expresso no Sistema 2002,
publicado pela AAMR (2006), o qual enfatiza o modelo de apoio e se aproxima do
referencial da THC, traz implicações profundas na forma de conceber a deficiência
intelectual e na postura educacional e pedagógica frente a esses alunos, uma vez que
Vygotsky irá se opor a uma visão biologizante ou determinante da deficiência, afirmando
insistentemente que “esta concepción mecánica es metodológicamente inconsistente”
(Vygotsky, 1997, p.133) e, portanto, se impõe o fundamento das práticas educativas e dos
processos avaliativos que permitam conhecer como essa criança se desenvolve.
Considerando-se os aspectos aqui mencionados, cabe a escola atuar na direção
de conhecer as peculiaridades do processo de aprendizagem destes alunos, além de que
os objetivos educacionais e curriculares deveriam, também na área da deficiência
intelectual, dilatar a possibilidade de emancipação, autonomia e independência de cada
um, respeitando-se os direitos de todos.

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REFERÊNCIAS

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