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[...] é costume [...] nasce dois criança gêmea, ninguém tem dó [...] num gosta [...]
se já nasce uma [...] criança [pausa] tem festa, tudo bem [...] tem festa [...] é
costume nosso, num tem pouco tempo [...] muitos ano que faz isso [...] Ninguém
aceita dois gêmea nem criança com pobrema [...] é um coitado que nasceu [...]
nasceu assim com pobrema [...] a gente sente também [...] coitado [...] ele ta com
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problema [...]
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Kuikuro é uma das dezesseis aldeias do Parque Nacional do Xingu, em Mato Grosso, fundada em 1916. cf.
FERREIRA, Maria Elisa Caputo; GUIMARÃES, Marly. Educação inclusiva. Rio de Janeiro: DP&A, 2003,
p.67.
2
FERREIRA; GUIMARÃES, 2003, p.51
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FERRÉ, Núria Pérez de Lara. Identidade, diferença e diversidade: manter viva a pergunta. In: LARROSA,
Jorge; SKLIAR, Carlos. Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica,
2001, p.198
4
LOPES, Maura Corcini. Inclusão escolar: Diversidade, diferença e processos identitários. In: Anais do V
Simpósio Nacional de Educação: diversidade na educação – diálogos possíveis. Evandro PREUSS, et. al.
Frederico Westphalen: URI, 2006, p.25-29.
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E, muitas vezes são as falas, a forma como nos referimos às pessoas com
deficiência, que evidenciam as nossas reais concepções de sujeito, revelando nossos
pré-conceitos, parâmetros, padrões pelos quais avaliamos e decidimos o valor, a
capacidade e a dignidade das pessoas. Nossas palavras muitas vezes nos traem e
traem nossos discursos “pseudo-inclusivos”. Ou melhor, revelam. Revelam a
necessidade urgente de rever nossa compreensão de inclusão, além da transformação
de nossos conceitos e pré-conceitos, padrões, valores, saberes e vivências.
Ele não aprende a ler e a escrever, mas conversa, brinca com as outras
crianças... (professor de escola, 1ª série, 2000).
A universidade, desde a sua criação, é feita para pessoas normais (professor de
universidade, 2006).
Os professores no geral, não estão preparados para receber pessoas deficientes.
(professora de escola, 2006).
Não consigo imaginar viver uma situação dessas. Imagina ter um cego ou um
surdo na turma. Se continuar assim, até deficiente mental vai entrar na
universidade. (professora universitária, 2006).
Ela se dá bem com todos. Os outros até ajudam ela a copiar, emprestando
material... Ela tira xerox. Ela só não gosta daquele negrinho na frente dela.
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Brigam o tempo todo enquanto estão perto. (professora de escola 1998).
5
LOPES, 2006, p.31,33.
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BRAKEMEIER, Gottfried. O Ser humano em busca de identidade. São Leopoldo: Sinodal, São Paulo:
Paulus, 2002, p.9-48
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ASSMANN, 2003, p.293.
8
STRECK, Danilo. Educação para um novo contrato social. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003, p.134.
6
9
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários á educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília: Unesco,
2005, p.99-104.
10
MORIN, 2005, p.100.
11
ASSMANN, Hugo; MO SUNG, Jung. Competência e sensibilidade solidária. Educar para a esperança.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2003, p.134.
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CONSELHO MUNDIAL DE IGREJA. Uma igreja de todos e para todos. Uma declaração teológica
provisória. São Paulo: Aste. 2005, p.31.
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Qual o nosso papel é uma pergunta inquietadora. Qual o nosso papel diante de
um jovem de 11 anos que já se “con-formou” com a situação vigente e não tem mais
esperança, chegando à conclusão de que nada pode ser mudado, e tudo vai piorar,
porque para o progresso é necessário destruir a natureza. “Deus criou o ser humano,
ele sabia que ia ser assim...” Qual é o nosso papel ou melhor os nossos papéis diante
de uma sociedade que se acostumou à exclusão? Qual é papel enquanto igreja, escola,
cidadão, cristão? Será que temos um? Coerência humana?! Ela existe? Não sei...
conhecemos mais a incoerência... Diz uma música da Legião Urbana: “Vamos celebrar
a estupidez humana...” ou não será estupidez humana, termos que falar em humanizar
o ser humano? Hugo Assmann nos fala que “os seres humanos não são ‘naturalmente’
tão solidários quanto parecem supor nossos sonhos de uma sociedade justa e
fraternal”14. Podemos incluir nesta lista, além da solidariedade, a tolerância, o respeito,
a inclusão, a dignidade humana, o valor da vida e assim por diante. Por que é tão difícil
vivermos esses valores, que todos nós tanto defendemos como necessários e
essenciais para nossa vida em sociedade? Como colocar em prática aquilo que já
sabemos ser necessário fazer?
Talvez nossa busca por respostas deva iniciar pela pergunta sobre nós mesmos.
Ao olharmos nossa própria história, que é plural, relacional, cultural, imperfeita,
incompleta, percebemos que também nossas respostas não podem ser únicas,
estanques, donas da verdade ou das verdades. Não é possível transformarmos o
mundo se não conseguimos transformar nossa maneira de viver e refletir o mundo.
Assim, continuo me perguntando com Freire pela coerência e pelos diversos
papéis das “igrejas”, continuo ouvindo Paulo, o apóstolo, dizendo: “Não vos conformeis
com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente”.(Romanos
13
STRECK, 2003, p.134-135.
14
ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo a sociedade aprendente. Petrópolis, RJ: Vozes p.2001,
p.20.
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12.2). Continuo esperando que nossos sonhos e desejos de um “mundo melhor”, mais
justo, humano, inclusivo, solidário, - os “Reinos de Deus” despertem nossas
inteligências (não as incoerências). Segundo Rubem Alves,15 elas, as inteligências,
obedecem àquilo que o desejo determina, como no caso das pitangas. E a inteligência,
por sua vez, precisa do corpo para transformar o pensamento em realidade.
E outra pergunta vem me incomodar. O que estamos desejando? Afinal, todos
desejamos muitas coisas. Talvez precisamos aprender a desejar... Existe isso? Qual é
o lugar do desejo na educação, nas igrejas?
Talvez a resposta de Rubem Alves à pergunta da tarefa do professor seja uma
pista para refletirmos sobre os nossos papéis como igreja: “A tarefa do professor:
mostrar a frutinha. Comê-la diante dos olhos dos alunos. Provocar a fome. Erotizar os
olhos. Fazê-los babar de desejo. Acordar a inteligência adormecida. Aí a cabeça fica
grávida: engorda com idéias. E quando a cabeça engravida não há nada que segure o
corpo.”16
E para a pastora fica a provocação de Alves: “Cessa o teu canto’ Deixa que a
Beleza, sem palavras ou catecismos, evangelize o mundo. Deus é Beleza.”17 E a fé,
“um pássaro que canta quando ainda é escuro”...
Sandra Kamien Tehzy
sandraktz@hotmail.com
Referências:
15
ALVES, Rubem. Cenas da vida. Campinas, São Paulo: Papirus, 1997. p.125-128.
16
ALVES, 1997, p.127-128.
17
ALVES, 1997, p.75.
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