INSTITUTO DE PSICOLOGIA CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
SUED DE ARAGÃO SOUZA
PRODUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA
Salvador 2018 1. Introdução
A pauta LGBT no Brasil vem ganhando mais importância e sendo cada
vez mais citada, tanto politicamente no que se refere aos direitos dessa comunidade, quanto pela sociedade civil. A partir do levantamento de inúmeras questões e discussões relacionadas aos paradigmas de identidade sexual que sistematizam a sociedade contemporânea, é demonstrada uma urgência de problematizações contextualizadas sobre as iniquidades sexuais e de gênero. Dessa forma, anuncia-se o quanto essa configuração está em crise e, como reação ao evidenciamento dessas questões relacionadas à diversidade, tem-se o que se compreende como uma aversão a tudo o que possa fugir do padrão instaurado. A LGBTfobia, termo utilizado para se referir ao ódio à população LGBT que engloba homossexuais, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, expressa-se de inúmeras formas e em todos os âmbitos da sociedade, seja a partir de atos de ameaça, humilhação e bullying, o que caracteriza a violência psicológica, quanto a partir da violência física, que inclui desde a lesão corporal até o homicídio. A violência não está apenas nas ruas e não vem exclusivamente de desconhecidos, podendo surgir de quem menos se espera, como o exemplo da família que, por vezes, são os autores das primeiras agressões. A Comunidade LGBT é o grupo de pessoas LGBT, organizações e subculturas, unidos por uma cultura comum e movimentos de direitos civis. É composta por subgrupos representados por cada letra da sigla que possuem suas particularidades referentes à maneira como se expressam em sociedade, como são vistos e, principalmente, como sofrem com o preconceito. Para as mulheres lésbicas, a possibilidade de serem violentadas está intrínseca à sua existência diante das incontáveis formas de discriminação que enfrentam. É recaído a essas mulheres a diferença hierarquizada do feminino em relação ao masculino como padrão hegemônico, de forma que sofrem uma dupla discriminação, tanto quanto relacionado ao gênero, quanto a sua orientação sexual. O machismo e a lesbofobia, termo que expressa aversão às mulheres que têm inclinações sexuais e afetivas por outras mulheres, interagem entre si produzindo e reproduzindo relações de poder que ditam qual o papel da mulher na sociedade. Quando uma mulher desafia esse papel que lhe é imposto, como no caso das lésbicas, ao transgredirem a norma heterossexual, acaba sofrendo uma violência que vem de diversas frentes. O agressor machista e lesbofóbico não se conforma em não ver na lésbica a mulher que será submissa a ele sexual e socialmente. Dessa forma, é inviável abordar a lesbofobia sem o marcador do machismo, pois essa violência visa dominar e readequar essa mulher a uma função exteriormente imposta ameaçando seu psicológico e sua integridade física, como no caso dos estupros corretivos realizados com a intenção de "mudar" sua orientação sexual, espancamentos coletivos por causa de manifestações públicas de afeto e até mesmo de entrega forçada a centros que se oferecem para "convertê-las". Esse papel social o qual a mulher é forçada a assumir é sustentado pela ideia de feminilidade, introjetada ao sexo feminino e impressa em sua subjetividade de forma que é muito difícil desvincular sua existência sem ela. Feminilidade não está relacionada a apenas vestidos, sapatos, gestos e comportamento, mas sim à submissão e domesticação da mulher, cujos estereótipos de gênero são só o nível mais aparente dessa feminilização. A categoria possui um nível tão estrutural que condiciona as mulheres a moldarem suas vidas de acordo com essa imposição, reproduzindo o desejo que os homens querem que elas sintam por eles e até mesmo engravidando compulsoriamente para reafirmar a ideia de fertilidade. A feminilidade, então, não é performance, mas sim uma violência conformadora de mulheres. Não existem mulheres que "performam" e mulheres que "não performam" feminilidade, pois numa sociedade patriarcal todas as mulheres são atingidas pela feminilização em algum nível, mas existem aquelas que a própria existência é vista como um enfrentamento a essa imposição e aquelas que se negam visivelmente a aparentar o que lhe é forçado porque aquele molde não ilustra sua identidade. Foi pensada como objeto de estudo dessa pesquisa a violência contra as mulheres lésbicas que possuem o seu "ser" como um ato de rebelião contra a feminilidade imposta pelo patriarcalismo. O intuito é analisar como a lesbofobia se caracteriza quando relacionada a esse subgrupo que não apresenta visivelmente essa feminilidade e que põe em cheque essa instauração social, não seguindo o padrão heteronormativo que sujeita as mulheres a uma posição inferior e submissa ao homem. Essa análise foi projetada diante da necessidade de se rever alguns processos sociais naturalizados a fim de compreender a maneira em que essas mulheres têm sua existência negada e quais os pormenores que envolvem essa problemática. Com isso, tem-se o objetivo de identificar como a lesbofobia se manifesta e como as mulheres lésbicas a percebem, além de analisar a construção social do lugar da mulher na sociedade e perceber as nuances da lesbofobia entre essas mulheres que estão fora do padrão e as lésbicas que, na aparência, encaixam-se na normativa de feminilidade. 2. Objetivo geral:
Analisar como a lesbofobia se caracteriza quando relacionada às mulheres
lésbicas que não apresentam visivelmente a feminilidade.
3. Objetivos específicos:
Identificar como a lesbofobia se manifesta e como essas mulheres
lésbicas a percebem; Analisar a construção social do lugar da mulher na sociedade capitalista; Identificar as nuances da lesbofobia entre essas mulheres que estão fora do padrão e as lésbicas que, aparentemente, encaixam-se no padrão. 4. Fundamentação Teórica
É impossível abordar a lesbofobia sem tecer uma análise a cerca da
discriminação de gênero. Lia Zanotta Machado (2010), utilizando a "antropologia feminista", uma perspectiva feminista de gênero, descreve como as mulheres, "em nome do seu gênero, são percebidas e se percebem colocadas em situação de inferior hierarquia de valor submetidas ao poder e violência física e simbólica" (MACHADO, 2010, p. 88). Essa relação de poder se dá devido a uma construção cultural que ocorre de forma binária e hierárquica e que, por sua vez, é constantemente naturalizada e reproduzida. Ela se expressa através da diferenciação entre os sexos em todos os âmbitos da sociedade, cujo homem assume um papel dominante em relação à mulher. Entende-se, aqui, que "homem" e "mulher" são sujeitos políticos em um campo político, porque essa diferença configura a forma como as relações interpessoais estão instauradas na sociedade, assegura e transmite poder, justifica e aprova o uso da força e da violência no controle, domesticação e utilização dos corpos, do trabalho, da produção realizada pelas mulheres.
Sexo e sexualidade estão vinculados à instituição social de corpos
das mulheres, que faz parte de um imaginário patriarcal. Neste, está naturalizada a apropriação dos corpos femininos, utilitários instrumentos de prazer, de usufruto, de produção, de trabalho. As mulheres são apropriadas pelo simples fato de serem mulheres, humanos “diferentes. (NAVARRO-SWAIN, 2010).
A construção da diferença sexual é, portanto, um processo político que
produz diferença, desigualdade, que cria hierarquia e assimetria, que permite e estimula o uso da violência institucional e social, centradas na valorização e/ou desvalorização de um detalhe biológico - o sexo. Institui-se nos corpos definidos como femininos seu destino, marcas definitivas que limitam suas ações e representações enquanto sujeitos políticos. É a partir desse ponto que se deve abordar a feminilidade e o que ela representa na sociedade. Muito se diz sobre "performance" da feminilidade, como se houvesse uma escolha entre performá-la ou não. Entretanto, a feminilidade é uma violência tão estrutural, impressa na subjetividade do sexo feminino, que a mulher sequer consegue conceber sua existência sem ela. Feminilidade está relacionada à submissão, à profunda domesticação da mulher, cujos estereótipos de gênero aparecem apenas como o nível mais superficial desse processo. O assujeitamento à imagem dessa mulher ocorre a partir da sua educação, das expectativas que são colocadas sobre ela, da repressão, pelas limitações a certos campos, fazendo com que a mulher encontre dificuldades em se apropriar e cultivar espaços de liberdade. Associa- se sua imagem ao sexo procriador, impondo uma heterossexualidade normativa e reprodutiva, cujo formenta seus destinos com a necessidade de seduzir, de sempre parecer com aquilo que o homem espera. Um exemplo disso são as roupas que foi um dos primeiros produtos a denunciar esta acomodação do corpo feminino em padrões definidos por uma estética de feminilidade que Bourdieu (2003) classifica como a arte de "se fazer pequena", pois desde os primórdios até a atual moda de consumo, as roupas faziam com que as mulheres fossem forçadas a se limitarem a gestos curtos e delicados devido ao desconforto que as vestimentas femininas costumavam e ainda costumam causar.
A postura submissa que se impõe às mulheres [...] revela-se em
alguns imperativos: sorrir, baixar os olhos, aceitar as interrupções etc. [...] as pernas que não devem ser afastadas etc. e tantas outras posturas que estão carregadas de uma significação moral (sentar de pernas abertas é vulgar, ter barriga é prova de falta de vontade etc.). Como se a feminilidade se medisse pela arte de “se fazer pequena” [...], mantendo as mulheres encerradas em uma espécie de cerco invisível, limitando o território deixado aos movimentos e aos deslocamentos de seu corpo, sobretudo em lugares públicos. Essa espécie de confinamento simbólico é praticamente assegurada por suas roupas (o que é algo mais evidente ainda em épocas mais antigas) e tem por efeito não só dissimular o corpo, chamá-lo continuamente à ordem (tendo a saia uma função semelhante à sotaina dos padres) sem precisar de nada para prescrever ou proibir explicitamente [...]: ora com algo que limita de certo modo os movimentos, como os saltos altos ou a bolsa que ocupa permanentemente as mãos, e sobretudo a saia que impede ou desencoraja alguns tipos de atividades (a corrida, algumas formas de se sentar etc.); ora só as permitindo à custa de precauções constantes, como no caso das jovens que puxam seguidamente para baixo uma saia demasiado curta, ou se esforçam por cobrir com o antebraço uma blusa excessivamente decotada, ou têm que fazer verdadeiras acrobacias para apanhar no chão um objeto mantendo as pernas fechadas.. [...] E as poses ou as posturas mais relaxadas, como o fato de se balançarem na cadeira, ou de porem os pés sobre a mesa, que são por vezes vistas nos homens – do mais alto escalão – como forma de demonstração de poder, ou, o que dá no mesmo, de afirmação são, para sermos exatos, impensáveis para uma mulher (BOURDIEU, 2003, p. 39-40).
também atenta para o fato de que, nas sociedades capitalistas ocidentais, desde a infância, a mulher é ensinada a cumprir um papel social de submissão. Tornar-se mulher também dependia de um ato heterossexual, de penetração, de inauguração de uma nova vida, a vida “com homem”, única possível nestas condições imaginárias. Essa heterossexualidade compulsória e normativa se dá a partir da expressão e fundamento identitário, eixo de vida, de valor, de importância, de poder. Binário, assimétrico, hierárquico, é visto como o sexo “natural”, “verdadeiro sexo”, heterossexual. E "qualquer crítica, recusa ou rebeldia das mulheres deve, de alguma forma, ser punida" (NAVARRO-SWAIN, 2010). Esse é o cerne do que sustenta a lesbofobia. A lesbofobia será entendida aqui como uma "homofobia específica", pois as representações de cada um dos sexos, assim como as funções que os acompanham anteriormente já explicadas, merecem uma terminologia própria específica.
Às mulheres lésbicas recai a diferença hierarquizada do feminino
(sempre em relação ao masculino como padrão hegemônico) e, soma-se a isso, a desigualdade relativa à homossexualidade. Duplamente desviantes, porque não homem e não heterossexual, as mulheres lésbicas sofrem, na maior parte do tempo, dupla discriminação, específicas desigualdades e muita invisibilidade no que se refere aos aspectos que definem sua identidade sexual e de gênero. (AUDI e LAHNI, 2013, p. 157) A própria existência da mulher lésbica já é percebida socialmente como um posicionamento político que vai de encontro a essa padronização sexista e heterossexual imposta e, por conta disso, acaba sofrendo uma violência que vem tanto da frente sexista quanto homofóbica. O homem, machista e lesbofóbico, não se conforma em ver que a mulher lésbica não o deseja e não será sua submissa sexual e social. Com isso, ele a violenta visando dominar e readequar essa mulher à sua função social, ou até mesmo destruí-la psicológica ou fisicamente, levando-a muitas vezes à morte. Essa violência pode ser expressa de inúmeras maneiras, seja através de agressões, estupros, assédio, linchamento, injúria, discriminação, ameaças e até mesmo assassinatos. Isso ocorre com mais frequência do que se é visto, porque outro processo violento que permite a continuidade dessas atrocidades é a invisibilização dessas mulheres, o que também conta como uma violência. A lesbofobia, como toda forma de exclusão, "não se limita a constatar uma diferença: ele a interpreta e tira conclusões materiais" (BORRILO, 2001, p. 18.) Historicamente, as lésbicas foram menos perseguidas que os homens gays, mas isso não pode ser interpretado como indicativo de maior tolerância, ao contrário, tal indiferença sinaliza uma depreciação ainda mais forte e um sinal do que muito ocorre e ninguém aborda: a hiperssexualização e fetichização das lésbicas no cotidiano e, principalmente, nas mídias. Entretanto, essa fetichização não ocorre com todas as mulheres lésbicas, mas com aquelas que, visivelmente, ainda seguem o padrão heteronormativo na forma como se apresenta na sociedade, seja com o cabelo comprido, unhas pintas ou vestidos. Nasce então os estereótipos de lésbicas femininas e lésbicas não- femininas, aquelas que são popularmente chamadas de "sapatão" e "caminhoneira". Sua identidade e a forma como ela se apresenta na sociedade vai de encontro com toda a padronização feminina, seja por meio de um cabelo curto ou de roupas ditas e enquadradas como masculinas. Sabe-se que não há aceitação por parte da sociedade, existe ataque, assédio, agressão e invisibildade. Entretanto, o foco dessa pesquisa é justamente analisar se existe diferença na maneira como a lesbofobia se manifesta entre esses dois grupos de mulheres lésbicas, a fim de trazer essa pauta para um centro de discussão e dar visibilidade a essa problemática. Se não existem dados sobre a violência e a condição social das lésbicas, é inviável que se consiga criar justificativas para a implementação de políticas públicas ou qualquer tipo de ação direcionada para essa comunidade. Com isso, as lésbicas continuam vendo sua sexualidade sendo fetichizada e banalizada, pois a sociedade patriarcal só aceita e acredita no modelo heteronormativo de relação e afeto. É esse padrão que legitima todo a expressão de violência que coloca em risco a vida dessas mulheres. É preciso implodir a lógica heteronormativa instituída. "É preciso, sobretudo, lesbianizar a ciência, isto é, trazer para o cerne do debate acadêmico/político a perspectiva lésbica sem perder de vista a sua pluralidade (SILVA, ARAÚJO, 2013, p. 254). 5. Metodologia
A pesquisa possuirá uma finalidade aplicada devido à preocupação com os
resultados o que esses dados significarão, além da pretensão de utilizar a informação obtida para traçar um possível padrão que possa ser trabalhado e discutido posteriormente. Será utilizado o método com objetivo descritivo, visando descrever e analisar as nuances do fenômeno da lesbofobia e se há diferença na maneira como ela se manifesta em relação às mulheres lésbicas que visivelmente não aparentam seguir o padrão heteronormativo, partindo de uma revisão bibliográfica composta por escritores, filósofos e intelectuais que puseram em pauta o debate sobre a lesbofobia, feminilidade e discriminação de gênero. Por isso, a pesquisa será baseada em artigos e estudos de autores como Simone de Beauvoir, Lia Zanotta Machado, Tania Navarro Swain, Pierre Bordieu, Daniela Auad, Cláudia Regina Lahni e Daniel Borrilo. O estudo terá natureza essencialmente qualitativa, com ênfase na observação, revisão bibliográfica e levantamento de dados, através de uma entrevista estruturada com um conjunto de perguntas previamente formuladas para o próprio objeto empírico, as mulheres lésbicas fora do padrão heteronormativo. Esse método de pesquisa escolhido permitirá analisar e interpretar os dados coletados de forma que seja retratada a realidade e, a partir disso, desenvolver uma conclusão a fim de chegar à resposta da problemática.