Originalmente publicado na revista Legal Education Review, 85, 1989.
Recentemente eu estava em um elevador com um membro de uma
Corte Superior dos Estados Unidos — um homem esclarecido, inteligente, sincero e muito simpático — que me parabenizou pela publicação do meu livro mais recente, Feminismo não modificado [Unmodified Feminism]. Após eu agradecê-lo, ele ponderou, olhando para o chão, pensativo, e disse, “é impressionante o quanto você pode alcançar se você só se focar em uma coisa”. Alguns andares se passaram antes que eu respondesse que, sim, a biblioteca de direito inteira era testemunha disso, e se pode ser capaz de conquistar no mínimo as mesmas coisas focando-se nos : outros 53% da população.
O feminismo não é um mapa monótono, unidimensional,
geograficamente limitado de um setor da sociedade, ainda que de um setor imenso e negligenciado. Não é uma nova parcialidade clamando por universalidade. É uma abordagem multifacetada da sociedade como um todo, uma disciplina comprometida de uma realidade diversa com ambas dimensões empírica e analítica, com aspirações explanatórias assim como descritivas, e ambições tão práticas quanto teóricas. Porque deve considerar não somente a realidade e a lei que já existem, mas a exclusão feminina da vida e da Academia, e porque nada que acontece com uma mulher ou com um homem é presumido exterior [ao feminismo], o feminismo é talvez menos sobre “uma coisa [só]” do que qualquer outra abordagem da doutrina jurídica.
O feminismo é uma abordagem da sociedade do ponto de vista das
mulheres, um ponto de vista definido pela realidade concreta de que todas as mulheres participam em um ou outro grau. Isso não equivale a dizer que todas as mulheres são iguais ou que todas as mulheres em todas as culturas e ao longo da história têm estado em idênticas posições. Pelo contrário; é dizer que a experiência de mulheres é concreta, não abstrata, e define socialmente a mulher como tal e as distingue dos homens através do tempo, do espaço e da cultura. Essa experiência inclui a segregação a formas de trabalho que são mal pagas e menos valorizadas e inclui a desvalorização das contribuições das mulheres. Inclui a aviltação das características sexuais secundárias das mulheres. Inclui a servidão e a violência domésticas. Inclui a maternidade forçada em um contexto de falta de escolha reprodutiva, inclusive a esterilização involuntária e ser forçada a ter crianças que não foram planejadas e pelas quais a mulher não pode se responsabilizar. Inclui o assédio sexual: atenção sexual indesejada da qual não se pode desviar por se estar em : situação hierárquica inferior, em todos os contextos da vida, incluindo a escola, o trabalho, a rua e em casa. Inclui o abuso sexual infantil, que começa logo após o nascimento, e o abuso sexual de adultas: quase metade das mulheres estadunidenses são vítimas de estupro ou de tentativa de estupro pelo menos uma vez em suas vidas. Inclui a objetificação sexual: a redução de uma pessoa a uma coisa para uso e abuso sexuais. Inclui o uso em entretenimento humilhante e em prostituição forçada: ser comprada e vendida, vender o acesso íntimo para poder sobreviver.
As mulheres são transformadas em sexo por meio dessas
experiências que as priva de respeito, de segurança pessoal, de dignidade humana, de acesso a recursos, e de acesso a ter voz e à autoexpressão. Mulheres enquanto gênero são usadas, violadas, rebaixadas, exploradas, excluídas e silenciadas. Para descrever quem estão fazendo o que com quem (e essa é uma tendência inexorável do feminismo), homens estão fazendo isso com mulheres. Homens não têm que fazer isso, mas eles fazem. Provavelmente eles o fazem porque podem, porque querem, para seus próprios benefícios e vantagem. Se homens gostam disso ou não, eles com certeza se beneficiam de não serem aqueles com quem isso é feito, e também de estarem na posição de escolher fazê-lo ou não. Isso é o que significa dizer que homens têm poder — o poder masculino — e que mulheres não têm.
Juntas, essas experiências formam um todo que é sistemático,
difusivo, e inescapável. Mulher nenhuma pode escapar de viver em uma sociedade em que essa experiência define a condição de todas as mulheres em um ou outro nível. Isso não significa que cada mulher vivencia cada uma dessas coisas mesmo que apenas uma vez na vida. Significa que a condição do grupo de que ela faz parte é definida pelo fato de que em qualquer momento de sua vida, por causa de uma condição de nascimento, qualquer uma dessas coisas : pode acontecer com ela. Não pára até que você morra — e depois disso, quem sabe? E nada sério vai ser feito a respeito: nem pela lei, nem pela sociedade, nem de jeito nenhum.
Em sociedades caracterizadas por essas dominação masculina e
subordinação feminina, a definição do que é ser humano, os padrões e expectativas de tratamento, e o ponto de vista a partir do qual o conhecimento é validado é definido nos termos do lado masculino dessas experiências. Um ser humano é, portanto, definido como alguém com quem essas coisas não podem ser feitas, não são feitas, ou, se elas são feitas e a pessoa o alega, ela será ouvida e acolhida, e algo é feito a respeito disso. Quando mulheres dizem, “isso aconteceu comigo”, geralmente não acreditam em nós. Ele nega. Você não pode provar. Nada aconteceu. As experiências particulares de mulheres não são informação. Elas não são vistas como base para conhecimento. Elas não recebem análise.
O feminismo chama a totalidade dessas experiências como mulheres
de ponto de vista das mulheres. Quando você olha o mundo a partir desse ponto de vista, você vê a desigualdade entre homens e mulheres. Você vê a exclusão e o silenciamento de mulheres. Você percebe a ausência de mulheres assim como a presença das mulheres; o silêncio das mulheres assim como suas vozes. Você não vê diferenças iguais igualmente refletidas e você não vê disparidades balanceadas ou levadas em consideração, porque elas não estão lá. O que você vê é uma cidadania de segunda classe.
Tendo por base esses reconhecimentos, as feministas do Direito
começaram a desenvolver uma crítica das teorias legais existentes e dos princípios elementares do Direito, assim como reconstruir ferramentas legais para intervir na realidade prática da situação das mulheres. Se se aplica uma crítica de poder masculino à doutrina e à prática jurídicas Anglo-Canadense-Americanas, vê-se que a lei não : é escrita do ponto de vista das realidades das experiências de mulheres, mas do ponto de vista das realidades das experiências dos homens. [A lei] pressupõe igualdade quanto ao gênero. Os homens não são todos iguais: por exemplo, raça e classe os dividem assim como dividem mulheres. Mas homens são iguais e mais do que iguais quanto ao sexo. A lei pressupõe uma “pessoa” sem gênero, para cuja proteção e honra as leis são escritas, e para quem o sistema é designado. O gênero então é invisível à lei porque não é um fator [de diferença] entre homens.
Em outras palavras, homens têm escrito as leis de seus pontos de
vista baseados em suas experiências, o que não tem incluído as experiências de mulheres a partir do ponto de vista de mulheres. Essa é uma observação relativamente óbvia baseada na noção não terrivelmente controversa de que a experiência tanto influencia quanto serve de base para a perspectiva. O resultado, no entanto, é que a lei é escrita como se a igualdade social entre os sexos pudesse ser presumida existente onde não existe. Também é escrita como se a desigualdade social entre os sexos que é socialmente imposta também é fixada biologicamente e deve ser refletida legalmente para que a lei tenha uma relação legítima com a realidade social. Para que a lei seja cogente, segundo essa visão, deve refletir a vida em sociedade. Uma vez que a vida em sociedade inclui atos reais de poder masculino, a lei deve refletir a experiência masculina de poder para ser legítima. A hierarquia, inclusive a hierarquia de gênero, torna-se uma norma legitimante. A dominância na vida se torna a dominância na lei, tanto em forma quanto em substância.
O argumento é de que uma coerência profunda na lei, talvez seu
princípio mais absoluto e sua base tácita presumida fundamental, é a dominação masculina sobre as mulheres. Isso deve ser absoluto. Mas para que seja absoluto, deve ser invisível, porque se o gênero é inserido então há parcialidade, e uma vez que deve ser universal : então deve manter o gênero encoberto. Esse imperativo é fundamental e consistente. Uma vez que a especificidade de seu gênero é exposta, as lacunas aparecem; por exemplo, o fato de que mulheres nunca consentiram com esse estado, nem com as regras de seu Direito. O governo não foi feito por mulheres. Ao invés disso, foi construído sem se consultar mulheres. No entanto, presume-se que mulheres consentem com seu governo mesmo que ele não represente mulheres nem aja de maneira a responder às mazelas de mulheres, menos ainda às situações, valores, experiências ou preocupações de mulheres.
Esse argumento é mais concreto do que abstrato: aponta
diretamente a seres humanos com grupos de nomes concretos e discute o que eles fazem concretamente. Em parte por essa razão, e em parte porque muitas pessoas com poder não gostam de ter dedos apontados para sua anatomia, simplesmente não é considerado uma teoria. É esclarecedor que essas características que tornam tal análise um exemplo de feminismo na teoria tendem a torná-la inaceitável pelos padrões masculinos do que é uma teoria.
Com base nessas análises, feministas na educação jurídica têm
criticado muitas das leis existentes. Grande parte dessa crítica começou com a simples tentativa de fazer com que a lei aplique as regras já existentes a mulheres em nome da neutralidade de gênero. Às vezes, considerando as formas como mulheres são definidas e tratadas, isso ainda parece um grande avanço. Noutras vezes, fica claro que a “pessoa de gênero neutro” [da lei] é um homem, que poucas mulheres têm acesso aos pré-requisitos até pra imitar suas qualidades por conta da desigualdade sexual, e que a neutralidade de gênero é um padrão profundamente enviesado, cego ao poder. Em sociedades nas quais o gênero tem consequências hierárquicas, não há pessoas de gênero neutro. Em tais sociedades, a neutralidade é uma estratégia de encobrir as realidades do poder : masculino.
Em Direito Penal, os conceitos de lesão e de dano estão sendo
redefinidos para tentar abranger algumas lesões específicas em mulheres. Acidentes — aqueles casos fortuitos que acontecem só uma vez na vida em um universo Hobbesiano que de repente se abre a seus pés — são remodelados em uma totalidade mais contextualizada. Os males causados são sistemáticos, situacionais, cumulativos e determinados, se não frequentemente, no modo causal típico do Direito Penal. Similarmente, em Direito Civil, a doutrina é criticada por abstrair o gênero ao presumir que as partes estão em relação de igualdade nas transações contratuais.
No Direito Penal, a lei de abuso sexual tem sido modificada de
algumas formas. Por exemplo, a lei do estupro antigamente permitia que o histórico sexual da vítima com outras pessoas além do réu fossem introduzidas em processos penais de estupro. Onde a lei antes presumia que situações em que mulheres queriam fazer sexo eram relevantes para situações em que as mulheres não queriam fazer sexo, hoje a lei presume que alegações de sexo consentido são irrelevantes para alegações de sexo forçado. Buscando essa abordagem, estatutos foram aprovados no Canadá para manter os nomes e as identidades de vítimas de abuso sexual fora da mídia para que sua violência não se tornasse um espetáculo pornográfico. Em uma recente iniciativa feminista, a quinta vítima conhecida de um estuprador em série processou o departamento de política de Toronto por discriminação sexual com base nas novas disposições de igualdade entre os sexos da Carta de Direitos e Liberdades por falharem em avisá-la, quando a polícia sabia os horários, a localização, os métodos e as preferências em vítimas do estuprador com precisão.
Em alguns estados dos Estados Unidos, a noção de legítima defesa
: agora permite que a história de discriminação sexual seja parte da subjetividade de uma mulher quando ela decide se ela deve recorrer ou não a métodos letais quando se encontra sob ameaça. Aqui, aparentemente, a história de violenta subjugação de mulheres por homens significa que mulheres individualmente podem legalmente matar sob certas circunstância sob as quais homens individualmente não podem. Feministas também estão desafiando regulamentos de prescrição em casos envolvendo o abuso sexual de crianças. Quando uma criança é abusada sexualmente, sua mente tipicamente apaga a violação. Não é incomum que uma mulher não se lembre de seu abuso sexual ocorrido na infância até seus trinta ou quarenta anos — momento em que o direito de queixa já teria prescrito há muito tempo. Muito trabalho criativo tem sido empenhado na alegação de que processos por incesto e abuso sexual devem ser permitidos posteriormente, sendo que o prazo prescricional começaria com a maioridade ou com a primeira percepção consciente do abuso já na idade adulta.
Talvez o trabalho sobre o Direito por doutrinadoras feministas mais
extenso tenha sido feito na área de direito constitucional. Feministas têm criticado a estrutura do Estado negativo: a presunção de que a lei só pode desfazer o que a lei já fez. Se homens podem, com sucesso, subordinar mulheres socialmente, a lei positiva não é necessária. Se a subordinação deve ser alcançada por lei antes que a lei possa desfazer essa subordinação, as formas mais efetivas de subordinação — aquelas que são tão socialmente efetivas que a lei é no máximo cúmplice ao invés de delas constitutivas — irão além da compensação constitucional. O Direito Privado tem sido ambos usado e criticado como uma espada disfarçada de escudo. Isto é, com o pretexto de impedir o governo de invadir a esfera privada, o Direito Privado tem protegido a esfera em que as mulheres mais são prejudicadas: o lar. Isso, assim como o estado negativo, que desenha : uma linha divisória entre público e privado a nível jurisprudencial, presume que os sexos são iguais no lar e na sociedade enquanto o governo não interferir. Isso protege de ação governamental aquelas relações em que mulheres são distintamente abusadas: relacionamentos sexuais.
A lei de igualdade tem sido utilizada, mas também tem sido
analisada e transformada pelas mãos de doutrinadoras feministas. A desigualdade é o dilema social fundamental das mulheres; a igualdade é ambas uma norma e uma doutrina legais. Em confrontos feministas com essa tensão entre vida e direito, o mito da simetria social tem sido exposto, e com isso o mito de que a igualdade em si se converte em simetria. Essa análise, por sua vez, sugeriu que as primeiras estratégias de disputa que sustentavam que a forma de se obter conquistas para mulheres era obtê-las também para os homens podem ser, no mínimo, incompletas. Feministas têm compreendido que o problema que encaramos como mulheres é que mulheres são socialmente diferentes dos homens, não o contrário. Novas alegações legais também têm sido desenvolvidas na questão da igualdade para se lidar com os prejuízos específicos de mulheres. O abuso sexual e a pornografia são exemplos. Essas iniciativas equilibram uma complicada tensão entre requerer acesso ao poder como é definido hoje, por um lado, e, por outro, criticar as bases e a definição desse mesmo poder de forma a mudá-lo. Tanto a redistribuição quanto a crítica daquilo que está sendo distribuído avançam juntas. Um equilíbrio difícil, mas feministas o estão buscando.
Críticas feministas de teorias jurídicas
O feminismo também critica as atuais abordagens intelectuais de explicação das leis. Feministas têm exposto como a objetividade têm sido usada para mascarar a misoginia. O famoso aforismo do : realismo jurídico — que dá pra saber mais sobre o que o juiz vai decidir com base no que ele comeu no café da manhã do que com base na doutrina jurídica — deixa de fora quem fez esse café da manhã e quem o serviu, ainda mais o que ele fez na noite anterior na cama. Estudos jurídicos críticos, apesar de tomar mais conhecimento das alegações de mulheres, não é desprovido de problemas. Muitas vezes as teorias habitam um mundo jurídico de afrouxamento e de movimento que não existe para as mulheres. O tratamento das mulheres, em outras palavras, é determinado demais. O poder masculino também não é uma determinante no sistema como é visto por muitos dos estudos críticos jurídicos. O poder masculino, ao invés disso, é uma limitação que ocasionalmente se encontra em um sistema que é de outra forma determinado ou está em movimento intelectual aleatório.
O Direito Econômico pode ser criticado de uma perspectiva
feminista por reduzir as relações interpessoais a relações entre coisas. Primeiro, reduz mulheres a coisas. Tome por exemplo a decisão de Frank Easterbrook que decidiu que pornografia prejudica mulheres, e, ainda assim, a protegeu como discurso. O mal que a pornografia faz mostra a importância de protegê-la. O tráfico de mulheres portanto se torna o mercado de ideias — o mercado sendo mais literal que figurativo — primeiro ao reduzir o abuso de mulheres a ideias, e depois ao vendê-las. A dinâmica da pornografia, do Direito Econômico, e da Primeira Emenda convergiram aqui. Devo confessar que suspeito que uma das razões de os Estudos Críticos em Direito não serem mais incisivamente criticados é que nenhum de seus membros, até onde eu sei, é juiz. Poucos misturam sua prática.
Críticas feministas da educação jurídica
O feminismo também tem sido crítico ao processo de educação : jurídica. Por exemplo, a lei é normalmente ensinada como se a norma de respeito aos precedentes fosse neutra. Todos os procedentes, na verdade, foram construídos em um sistema que exclui mulheres e que é baseado no silêncio de mulheres. Sugerir que, ao apontar isso, mulheres estão levantando pela primeira vez a controvérsia de um ponto de vista atravessado por gênero é realmente extraordinário. Mulheres têm sido excluídas da educação jurídica. O fato de haver tão poucas mulheres fazendo isso significa que as mulheres que o estão fazendo são tokens [símbolos]. Elas vivenciam uma combinação peculiar de presença e de ausência, uma atenção exagerada combinada com invisibilidade quase total, significando que quase nunca se é ouvida apesar de se estar sempre no centro do palco.
O silêncio de mulheres estudantes é penetrante na educação
jurídica. O desrespeito pelo que as mulheres têm a dizer é sistematicamente comunicado por táticas de intimidação. Nossas estudantes são assediadas sexualmente por nossos colegas homens. Os abusadores são raramente, se não nunca, responsabilizados, e virtualmente nunca em público. Porque estudantes são individualmente momentâneos apesar de turmas serem permanentes, são garantidos suprimentos frescos aos predadores, e as vítimas têm amnésia coletiva. Feministas também têm criticado o chamado ‘método Socrático’, que na verdade é uma imitação barata de Atena, que rejeitou sua mãe para se voltar ao sistema legal. O método Socrático como praticado não é o método dialógico de Sócrates de saber o que não se sabe, mas um método adversarial de “adivinhe o que estou pensando”. Sua premissa é a humilhação e sua dinâmica é o medo. Ele educa em hierarquia e ensina respeito pela autoridade. Estudantes aprendem o oposto de respeito por seus próprios pensamentos, ou seja, sua habilidade de pensar. Feministas têm criticado o modo de conflito e : confrontamento mais amplamente, como um meio peculiarmente ejaculatório tanto de ensino quanto de resolução de conflitos.
Por que há tão pouco feminismo na educação jurídica? A existência
de poucas mulheres na educação jurídica é extremamente precária. O Direito é uma profissão de elite; mulheres não são da elite. Além disso, os padrões de mérito escolar aplicados aos trabalhos de mulheres são, perdoe a analogia, como os padrões de homens para os seios de mulheres. Nenhuma mulher os alcança sem cirurgia. Seios devem ser grandes, mas também devem ter o formato “certo”: apertados, empinados, rígidos e firmes. Se seus seios forem muito grandes, eles caem e não tem como terem o formato certo. Mas se eles tiverem a forma certa, não tem como serem grandes. A escolaridade das mulheres também deve ser grande: distinta, audaciosa, extensa e com visão. Mas também deve ter o formato certo: estreita, técnica, rigorosa, bem definida. Se é rigorosa suficiente para ter o formato certo, não é grande o suficiente, não é visionária o suficiente, não é teórica o suficiente, não é audaciosa o suficiente e não é distinta o suficiente para ser grande. Mas se é grande o suficiente, é rasa demais, crua demais, e política demais para ter o formato certo. É ameaçadora.
Isso produz autocensura e mulheres da academia jurídica, o que
funciona mais ou menos como o terrorismo funciona sob ditaduras latinoamericanas nas quais a real oposição está quieta ou morta. A autocensura não é um processo consciente, mas uma resposta de sobrevivência à necessidade. Mulheres na academia jurídica são, antes de tudo, como mulheres em todos os lugares — tentando sobreviver. A tragédia é — e isso é verdade para todos os povos oprimidos — suas estratégias de sobrevivência muitas vezes tornam inoportunas as mudanças que possibilitariam a sobrevivência.
Eu tenho uma lista. Eu saberei que o feminismo existe na educação
: jurídica quando estas coisas ocorrerem. Quando conhecimento sobre gênero for um requisito de maneira geral. Quando mulheres e seus pontos de vista forem representados e respeitados em textos e em sala. Quando for ensinado a estudantes responsabilidade pela inevitabilidade de seus compromissos sociais — que tudo que você faz está de um lado ou de outro de uma divisão social real — ao invés de se ensinar o conservadorismo sob o pretexto de simplesmente representar os interesses de seu cliente. Quando mulheres estudantes (e suas capacidades) não forem assediadas sexualmente por nossos colegas. Quando houver tantos secretários quanto secretárias e tantas professoras universitárias e reitoras quanto professores e reitores. Quando professores de direito penal pararem de serem obcecados com estupro e começarem a pensar sobre ele; quando pararem de colocar hipóteses grotescas de estupro como a matéria de 100% das provas finais, e quando começarem suas aulas sobre estupro percebendo não só que mulheres da classe podem ter sido estupradas como também que homens ali podem ter estuprado. Quando mulheres estudantes falarem com facilidade e com a certeza de poderem ocupar aquele lugar comparáveis aos homens estudantes em sala de aula. E quando as integridades pessoal e intelectual, quando as contribuições de vida e de pensamento de alguém não forem algo que se deve escolher pelo preço de sua capacidade de ganhar a vida. Em outras palavras, quando não for mais necessária coragem pra se ser feminista na Academia jurídica.
MACKINNON, Catharine . Feminism in Legal Education. Legal
Education Review, vol. 7, 1989.
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As lutas das mulheres contra a discriminação e violência para a construção de uma nova identidade, empoderamento e suas influências nas composições familiares