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Feminismo na educação jurídica

A importância de mudar a própria forma de


ensinar Direito
Furiosa

Tradução do artigo de Catharine MacKinnon


Originalmente publicado na revista Legal Education Review, 85,
1989.

Recentemente eu estava em um elevador com um membro de uma


Corte Superior dos Estados Unidos — um homem esclarecido,
inteligente, sincero e muito simpático — que me parabenizou pela
publicação do meu livro mais recente, Feminismo não modificado
[Unmodified Feminism]. Após eu agradecê-lo, ele ponderou,
olhando para o chão, pensativo, e disse, “é impressionante o quanto
você pode alcançar se você só se focar em uma coisa”. Alguns
andares se passaram antes que eu respondesse que, sim, a
biblioteca de direito inteira era testemunha disso, e se pode ser
capaz de conquistar no mínimo as mesmas coisas focando-se nos
:
outros 53% da população.

O feminismo não é um mapa monótono, unidimensional,


geograficamente limitado de um setor da sociedade, ainda que de
um setor imenso e negligenciado. Não é uma nova parcialidade
clamando por universalidade. É uma abordagem multifacetada da
sociedade como um todo, uma disciplina comprometida de uma
realidade diversa com ambas dimensões empírica e analítica, com
aspirações explanatórias assim como descritivas, e ambições tão
práticas quanto teóricas. Porque deve considerar não somente a
realidade e a lei que já existem, mas a exclusão feminina da vida e da
Academia, e porque nada que acontece com uma mulher ou com um
homem é presumido exterior [ao feminismo], o feminismo é talvez
menos sobre “uma coisa [só]” do que qualquer outra abordagem da
doutrina jurídica.

O feminismo é uma abordagem da sociedade do ponto de vista das


mulheres, um ponto de vista definido pela realidade concreta de que
todas as mulheres participam em um ou outro grau. Isso não
equivale a dizer que todas as mulheres são iguais ou que todas as
mulheres em todas as culturas e ao longo da história têm estado em
idênticas posições. Pelo contrário; é dizer que a experiência de
mulheres é concreta, não abstrata, e define socialmente a mulher
como tal e as distingue dos homens através do tempo, do espaço e
da cultura. Essa experiência inclui a segregação a formas de trabalho
que são mal pagas e menos valorizadas e inclui a desvalorização das
contribuições das mulheres. Inclui a aviltação das características
sexuais secundárias das mulheres. Inclui a servidão e a violência
domésticas. Inclui a maternidade forçada em um contexto de falta de
escolha reprodutiva, inclusive a esterilização involuntária e ser
forçada a ter crianças que não foram planejadas e pelas quais a
mulher não pode se responsabilizar. Inclui o assédio sexual: atenção
sexual indesejada da qual não se pode desviar por se estar em
:
situação hierárquica inferior, em todos os contextos da vida,
incluindo a escola, o trabalho, a rua e em casa. Inclui o abuso sexual
infantil, que começa logo após o nascimento, e o abuso sexual de
adultas: quase metade das mulheres estadunidenses são vítimas de
estupro ou de tentativa de estupro pelo menos uma vez em suas
vidas. Inclui a objetificação sexual: a redução de uma pessoa a uma
coisa para uso e abuso sexuais. Inclui o uso em entretenimento
humilhante e em prostituição forçada: ser comprada e vendida,
vender o acesso íntimo para poder sobreviver.

As mulheres são transformadas em sexo por meio dessas


experiências que as priva de respeito, de segurança pessoal, de
dignidade humana, de acesso a recursos, e de acesso a ter voz e à
autoexpressão. Mulheres enquanto gênero são usadas, violadas,
rebaixadas, exploradas, excluídas e silenciadas. Para descrever
quem estão fazendo o que com quem (e essa é uma tendência
inexorável do feminismo), homens estão fazendo isso com mulheres.
Homens não têm que fazer isso, mas eles fazem. Provavelmente eles
o fazem porque podem, porque querem, para seus próprios
benefícios e vantagem. Se homens gostam disso ou não, eles com
certeza se beneficiam de não serem aqueles com quem isso é feito,
e também de estarem na posição de escolher fazê-lo ou não. Isso é
o que significa dizer que homens têm poder — o poder masculino —
e que mulheres não têm.

Juntas, essas experiências formam um todo que é sistemático,


difusivo, e inescapável. Mulher nenhuma pode escapar de viver em
uma sociedade em que essa experiência define a condição de todas
as mulheres em um ou outro nível. Isso não significa que cada
mulher vivencia cada uma dessas coisas mesmo que apenas uma
vez na vida. Significa que a condição do grupo de que ela faz parte é
definida pelo fato de que em qualquer momento de sua vida, por
causa de uma condição de nascimento, qualquer uma dessas coisas
:
pode acontecer com ela. Não pára até que você morra — e depois
disso, quem sabe? E nada sério vai ser feito a respeito: nem pela lei,
nem pela sociedade, nem de jeito nenhum.

Em sociedades caracterizadas por essas dominação masculina e


subordinação feminina, a definição do que é ser humano, os padrões
e expectativas de tratamento, e o ponto de vista a partir do qual o
conhecimento é validado é definido nos termos do lado masculino
dessas experiências. Um ser humano é, portanto, definido como
alguém com quem essas coisas não podem ser feitas, não são feitas,
ou, se elas são feitas e a pessoa o alega, ela será ouvida e acolhida,
e algo é feito a respeito disso. Quando mulheres dizem, “isso
aconteceu comigo”, geralmente não acreditam em nós. Ele nega.
Você não pode provar. Nada aconteceu. As experiências particulares
de mulheres não são informação. Elas não são vistas como base
para conhecimento. Elas não recebem análise.

O feminismo chama a totalidade dessas experiências como mulheres


de ponto de vista das mulheres. Quando você olha o mundo a partir
desse ponto de vista, você vê a desigualdade entre homens e
mulheres. Você vê a exclusão e o silenciamento de mulheres. Você
percebe a ausência de mulheres assim como a presença das
mulheres; o silêncio das mulheres assim como suas vozes. Você não
vê diferenças iguais igualmente refletidas e você não vê
disparidades balanceadas ou levadas em consideração, porque elas
não estão lá. O que você vê é uma cidadania de segunda classe.

Tendo por base esses reconhecimentos, as feministas do Direito


começaram a desenvolver uma crítica das teorias legais existentes e
dos princípios elementares do Direito, assim como reconstruir
ferramentas legais para intervir na realidade prática da situação das
mulheres. Se se aplica uma crítica de poder masculino à doutrina e à
prática jurídicas Anglo-Canadense-Americanas, vê-se que a lei não
:
é escrita do ponto de vista das realidades das experiências de
mulheres, mas do ponto de vista das realidades das experiências
dos homens. [A lei] pressupõe igualdade quanto ao gênero. Os
homens não são todos iguais: por exemplo, raça e classe os dividem
assim como dividem mulheres. Mas homens são iguais e mais do
que iguais quanto ao sexo. A lei pressupõe uma “pessoa” sem
gênero, para cuja proteção e honra as leis são escritas, e para quem
o sistema é designado. O gênero então é invisível à lei porque não é
um fator [de diferença] entre homens.

Em outras palavras, homens têm escrito as leis de seus pontos de


vista baseados em suas experiências, o que não tem incluído as
experiências de mulheres a partir do ponto de vista de mulheres.
Essa é uma observação relativamente óbvia baseada na noção não
terrivelmente controversa de que a experiência tanto influencia
quanto serve de base para a perspectiva. O resultado, no entanto, é
que a lei é escrita como se a igualdade social entre os sexos
pudesse ser presumida existente onde não existe. Também é escrita
como se a desigualdade social entre os sexos que é socialmente
imposta também é fixada biologicamente e deve ser refletida
legalmente para que a lei tenha uma relação legítima com a realidade
social. Para que a lei seja cogente, segundo essa visão, deve refletir
a vida em sociedade. Uma vez que a vida em sociedade inclui atos
reais de poder masculino, a lei deve refletir a experiência masculina
de poder para ser legítima. A hierarquia, inclusive a hierarquia de
gênero, torna-se uma norma legitimante. A dominância na vida se
torna a dominância na lei, tanto em forma quanto em substância.

O argumento é de que uma coerência profunda na lei, talvez seu


princípio mais absoluto e sua base tácita presumida fundamental, é a
dominação masculina sobre as mulheres. Isso deve ser absoluto.
Mas para que seja absoluto, deve ser invisível, porque se o gênero é
inserido então há parcialidade, e uma vez que deve ser universal
:
então deve manter o gênero encoberto. Esse imperativo é
fundamental e consistente. Uma vez que a especificidade de seu
gênero é exposta, as lacunas aparecem; por exemplo, o fato de que
mulheres nunca consentiram com esse estado, nem com as regras
de seu Direito. O governo não foi feito por mulheres. Ao invés disso,
foi construído sem se consultar mulheres. No entanto, presume-se
que mulheres consentem com seu governo mesmo que ele não
represente mulheres nem aja de maneira a responder às mazelas de
mulheres, menos ainda às situações, valores, experiências ou
preocupações de mulheres.

Esse argumento é mais concreto do que abstrato: aponta


diretamente a seres humanos com grupos de nomes concretos e
discute o que eles fazem concretamente. Em parte por essa razão, e
em parte porque muitas pessoas com poder não gostam de ter
dedos apontados para sua anatomia, simplesmente não é
considerado uma teoria. É esclarecedor que essas características
que tornam tal análise um exemplo de feminismo na teoria tendem a
torná-la inaceitável pelos padrões masculinos do que é uma teoria.

Com base nessas análises, feministas na educação jurídica têm


criticado muitas das leis existentes. Grande parte dessa crítica
começou com a simples tentativa de fazer com que a lei aplique as
regras já existentes a mulheres em nome da neutralidade de gênero.
Às vezes, considerando as formas como mulheres são definidas e
tratadas, isso ainda parece um grande avanço. Noutras vezes, fica
claro que a “pessoa de gênero neutro” [da lei] é um homem, que
poucas mulheres têm acesso aos pré-requisitos até pra imitar suas
qualidades por conta da desigualdade sexual, e que a neutralidade
de gênero é um padrão profundamente enviesado, cego ao poder.
Em sociedades nas quais o gênero tem consequências hierárquicas,
não há pessoas de gênero neutro. Em tais sociedades, a
neutralidade é uma estratégia de encobrir as realidades do poder
:
masculino.

Em Direito Penal, os conceitos de lesão e de dano estão sendo


redefinidos para tentar abranger algumas lesões específicas em
mulheres. Acidentes — aqueles casos fortuitos que acontecem só
uma vez na vida em um universo Hobbesiano que de repente se abre
a seus pés — são remodelados em uma totalidade mais
contextualizada. Os males causados são sistemáticos, situacionais,
cumulativos e determinados, se não frequentemente, no modo
causal típico do Direito Penal. Similarmente, em Direito Civil, a
doutrina é criticada por abstrair o gênero ao presumir que as partes
estão em relação de igualdade nas transações contratuais.

No Direito Penal, a lei de abuso sexual tem sido modificada de


algumas formas. Por exemplo, a lei do estupro antigamente permitia
que o histórico sexual da vítima com outras pessoas além do réu
fossem introduzidas em processos penais de estupro. Onde a lei
antes presumia que situações em que mulheres queriam fazer sexo
eram relevantes para situações em que as mulheres não queriam
fazer sexo, hoje a lei presume que alegações de sexo consentido são
irrelevantes para alegações de sexo forçado. Buscando essa
abordagem, estatutos foram aprovados no Canadá para manter os
nomes e as identidades de vítimas de abuso sexual fora da mídia
para que sua violência não se tornasse um espetáculo pornográfico.
Em uma recente iniciativa feminista, a quinta vítima conhecida de um
estuprador em série processou o departamento de política de
Toronto por discriminação sexual com base nas novas disposições
de igualdade entre os sexos da Carta de Direitos e Liberdades por
falharem em avisá-la, quando a polícia sabia os horários, a
localização, os métodos e as preferências em vítimas do estuprador
com precisão.

Em alguns estados dos Estados Unidos, a noção de legítima defesa


:
agora permite que a história de discriminação sexual seja parte da
subjetividade de uma mulher quando ela decide se ela deve recorrer
ou não a métodos letais quando se encontra sob ameaça. Aqui,
aparentemente, a história de violenta subjugação de mulheres por
homens significa que mulheres individualmente podem legalmente
matar sob certas circunstância sob as quais homens individualmente
não podem. Feministas também estão desafiando regulamentos de
prescrição em casos envolvendo o abuso sexual de crianças.
Quando uma criança é abusada sexualmente, sua mente tipicamente
apaga a violação. Não é incomum que uma mulher não se lembre de
seu abuso sexual ocorrido na infância até seus trinta ou quarenta
anos — momento em que o direito de queixa já teria prescrito há
muito tempo. Muito trabalho criativo tem sido empenhado na
alegação de que processos por incesto e abuso sexual devem ser
permitidos posteriormente, sendo que o prazo prescricional
começaria com a maioridade ou com a primeira percepção
consciente do abuso já na idade adulta.

Talvez o trabalho sobre o Direito por doutrinadoras feministas mais


extenso tenha sido feito na área de direito constitucional. Feministas
têm criticado a estrutura do Estado negativo: a presunção de que a
lei só pode desfazer o que a lei já fez. Se homens podem, com
sucesso, subordinar mulheres socialmente, a lei positiva não é
necessária. Se a subordinação deve ser alcançada por lei antes que
a lei possa desfazer essa subordinação, as formas mais efetivas de
subordinação — aquelas que são tão socialmente efetivas que a lei é
no máximo cúmplice ao invés de delas constitutivas — irão além da
compensação constitucional. O Direito Privado tem sido ambos
usado e criticado como uma espada disfarçada de escudo. Isto é,
com o pretexto de impedir o governo de invadir a esfera privada, o
Direito Privado tem protegido a esfera em que as mulheres mais são
prejudicadas: o lar. Isso, assim como o estado negativo, que desenha
:
uma linha divisória entre público e privado a nível jurisprudencial,
presume que os sexos são iguais no lar e na sociedade enquanto o
governo não interferir. Isso protege de ação governamental aquelas
relações em que mulheres são distintamente abusadas:
relacionamentos sexuais.

A lei de igualdade tem sido utilizada, mas também tem sido


analisada e transformada pelas mãos de doutrinadoras feministas. A
desigualdade é o dilema social fundamental das mulheres; a
igualdade é ambas uma norma e uma doutrina legais. Em confrontos
feministas com essa tensão entre vida e direito, o mito da simetria
social tem sido exposto, e com isso o mito de que a igualdade em si
se converte em simetria. Essa análise, por sua vez, sugeriu que as
primeiras estratégias de disputa que sustentavam que a forma de se
obter conquistas para mulheres era obtê-las também para os
homens podem ser, no mínimo, incompletas. Feministas têm
compreendido que o problema que encaramos como mulheres é que
mulheres são socialmente diferentes dos homens, não o contrário.
Novas alegações legais também têm sido desenvolvidas na questão
da igualdade para se lidar com os prejuízos específicos de mulheres.
O abuso sexual e a pornografia são exemplos. Essas iniciativas
equilibram uma complicada tensão entre requerer acesso ao poder
como é definido hoje, por um lado, e, por outro, criticar as bases e a
definição desse mesmo poder de forma a mudá-lo. Tanto a
redistribuição quanto a crítica daquilo que está sendo distribuído
avançam juntas. Um equilíbrio difícil, mas feministas o estão
buscando.

Críticas feministas de teorias jurídicas


O feminismo também critica as atuais abordagens intelectuais de
explicação das leis. Feministas têm exposto como a objetividade têm
sido usada para mascarar a misoginia. O famoso aforismo do
:
realismo jurídico — que dá pra saber mais sobre o que o juiz vai
decidir com base no que ele comeu no café da manhã do que com
base na doutrina jurídica — deixa de fora quem fez esse café da
manhã e quem o serviu, ainda mais o que ele fez na noite anterior na
cama. Estudos jurídicos críticos, apesar de tomar mais
conhecimento das alegações de mulheres, não é desprovido de
problemas. Muitas vezes as teorias habitam um mundo jurídico de
afrouxamento e de movimento que não existe para as mulheres. O
tratamento das mulheres, em outras palavras, é determinado
demais. O poder masculino também não é uma determinante no
sistema como é visto por muitos dos estudos críticos jurídicos. O
poder masculino, ao invés disso, é uma limitação que
ocasionalmente se encontra em um sistema que é de outra forma
determinado ou está em movimento intelectual aleatório.

O Direito Econômico pode ser criticado de uma perspectiva


feminista por reduzir as relações interpessoais a relações entre
coisas. Primeiro, reduz mulheres a coisas. Tome por exemplo a
decisão de Frank Easterbrook que decidiu que pornografia prejudica
mulheres, e, ainda assim, a protegeu como discurso. O mal que a
pornografia faz mostra a importância de protegê-la. O tráfico de
mulheres portanto se torna o mercado de ideias — o mercado sendo
mais literal que figurativo — primeiro ao reduzir o abuso de mulheres
a ideias, e depois ao vendê-las. A dinâmica da pornografia, do
Direito Econômico, e da Primeira Emenda convergiram aqui. Devo
confessar que suspeito que uma das razões de os Estudos Críticos
em Direito não serem mais incisivamente criticados é que nenhum
de seus membros, até onde eu sei, é juiz. Poucos misturam sua
prática.

Críticas feministas da educação jurídica


O feminismo também tem sido crítico ao processo de educação
:
jurídica. Por exemplo, a lei é normalmente ensinada como se a norma
de respeito aos precedentes fosse neutra. Todos os procedentes, na
verdade, foram construídos em um sistema que exclui mulheres e
que é baseado no silêncio de mulheres. Sugerir que, ao apontar isso,
mulheres estão levantando pela primeira vez a controvérsia de um
ponto de vista atravessado por gênero é realmente extraordinário.
Mulheres têm sido excluídas da educação jurídica. O fato de haver
tão poucas mulheres fazendo isso significa que as mulheres que o
estão fazendo são tokens [símbolos]. Elas vivenciam uma
combinação peculiar de presença e de ausência, uma atenção
exagerada combinada com invisibilidade quase total, significando
que quase nunca se é ouvida apesar de se estar sempre no centro
do palco.

O silêncio de mulheres estudantes é penetrante na educação


jurídica. O desrespeito pelo que as mulheres têm a dizer é
sistematicamente comunicado por táticas de intimidação. Nossas
estudantes são assediadas sexualmente por nossos colegas
homens. Os abusadores são raramente, se não nunca,
responsabilizados, e virtualmente nunca em público. Porque
estudantes são individualmente momentâneos apesar de turmas
serem permanentes, são garantidos suprimentos frescos aos
predadores, e as vítimas têm amnésia coletiva. Feministas também
têm criticado o chamado ‘método Socrático’, que na verdade é uma
imitação barata de Atena, que rejeitou sua mãe para se voltar ao
sistema legal. O método Socrático como praticado não é o método
dialógico de Sócrates de saber o que não se sabe, mas um método
adversarial de “adivinhe o que estou pensando”. Sua premissa é a
humilhação e sua dinâmica é o medo. Ele educa em hierarquia e
ensina respeito pela autoridade. Estudantes aprendem o oposto de
respeito por seus próprios pensamentos, ou seja, sua habilidade de
pensar. Feministas têm criticado o modo de conflito e
:
confrontamento mais amplamente, como um meio peculiarmente
ejaculatório tanto de ensino quanto de resolução de conflitos.

Por que há tão pouco feminismo na educação jurídica? A existência


de poucas mulheres na educação jurídica é extremamente precária.
O Direito é uma profissão de elite; mulheres não são da elite. Além
disso, os padrões de mérito escolar aplicados aos trabalhos de
mulheres são, perdoe a analogia, como os padrões de homens para
os seios de mulheres. Nenhuma mulher os alcança sem cirurgia.
Seios devem ser grandes, mas também devem ter o formato “certo”:
apertados, empinados, rígidos e firmes. Se seus seios forem muito
grandes, eles caem e não tem como terem o formato certo. Mas se
eles tiverem a forma certa, não tem como serem grandes. A
escolaridade das mulheres também deve ser grande: distinta,
audaciosa, extensa e com visão. Mas também deve ter o formato
certo: estreita, técnica, rigorosa, bem definida. Se é rigorosa
suficiente para ter o formato certo, não é grande o suficiente, não é
visionária o suficiente, não é teórica o suficiente, não é audaciosa o
suficiente e não é distinta o suficiente para ser grande. Mas se é
grande o suficiente, é rasa demais, crua demais, e política demais
para ter o formato certo. É ameaçadora.

Isso produz autocensura e mulheres da academia jurídica, o que


funciona mais ou menos como o terrorismo funciona sob ditaduras
latinoamericanas nas quais a real oposição está quieta ou morta. A
autocensura não é um processo consciente, mas uma resposta de
sobrevivência à necessidade. Mulheres na academia jurídica são,
antes de tudo, como mulheres em todos os lugares — tentando
sobreviver. A tragédia é — e isso é verdade para todos os povos
oprimidos — suas estratégias de sobrevivência muitas vezes tornam
inoportunas as mudanças que possibilitariam a sobrevivência.

Eu tenho uma lista. Eu saberei que o feminismo existe na educação


:
jurídica quando estas coisas ocorrerem. Quando conhecimento
sobre gênero for um requisito de maneira geral. Quando mulheres e
seus pontos de vista forem representados e respeitados em textos e
em sala. Quando for ensinado a estudantes responsabilidade pela
inevitabilidade de seus compromissos sociais — que tudo que você
faz está de um lado ou de outro de uma divisão social real — ao invés
de se ensinar o conservadorismo sob o pretexto de simplesmente
representar os interesses de seu cliente. Quando mulheres
estudantes (e suas capacidades) não forem assediadas sexualmente
por nossos colegas. Quando houver tantos secretários quanto
secretárias e tantas professoras universitárias e reitoras quanto
professores e reitores. Quando professores de direito penal pararem
de serem obcecados com estupro e começarem a pensar sobre ele;
quando pararem de colocar hipóteses grotescas de estupro como a
matéria de 100% das provas finais, e quando começarem suas aulas
sobre estupro percebendo não só que mulheres da classe podem ter
sido estupradas como também que homens ali podem ter estuprado.
Quando mulheres estudantes falarem com facilidade e com a
certeza de poderem ocupar aquele lugar comparáveis aos homens
estudantes em sala de aula. E quando as integridades pessoal e
intelectual, quando as contribuições de vida e de pensamento de
alguém não forem algo que se deve escolher pelo preço de sua
capacidade de ganhar a vida. Em outras palavras, quando não for
mais necessária coragem pra se ser feminista na Academia jurídica.

MACKINNON, Catharine . Feminism in Legal Education. Legal


Education Review, vol. 7, 1989.

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