“Porque é que algumas mulheres aceitam ser oprimidas e alguns
homens aceitam ser opressores?” Dinâmicas de opressão: submissão e dominação A palavra opressão, refere-se ao “domínio, força que reprime ou submete alguém”, então como pode ser conciliável juntar opressão e o termo aceitação no mesmo contexto. Chimamanda Ngozi Adichie, no seu livro, Todos devemos ser feministas, alerta para a ausência de escolhas de quem é oprimido, “a opressão é algo que se pratica sobre as mulheres desde que elas nascem até o dia em que morrem. Homens exercem poder sobre as mulheres de maneiras pequenas e grandes, sutis e violentas." Na minha perceção, todos os seres humanos carecem de ausência de escolhas plenas, totalmente livres e independentes, uma vez que a organização social das sociedades está escrita numa estrutura patriarcal, hierarquizada seguindo os papeis de género, uma organização binária. Esta construção baseia-se nas dinâmicas sociais, históricas, políticas, culturais, entre outros fatores, cada contexto é único e enfrenta múltiplos desafios que por vezes não fazem parte da nossa realidade. Recuando na história, consta-se que os primeiros povos eram matrilineares, não era possível confirmar quem era o progenitor da criança, assim a responsabilidade de assegurar a sua descendência cabia à mãe. Também a história demonstra que a partir do momento em que se começa a acumular riqueza, muda a estrutura das comunidades, de nómadas para sedentários e de matrilineares para patrilineares, começando a figura masculina assumir e a dominar o ser semelhante a ele. Como é dito, em The Creation Of Patriarchy, de Gerda Lerner, “the development of agriculture in the Neolithic period fostered the inter-tribal "exchange of women,” not only as a means of avoiding incessant warfare by the cementing of marriage alliances but also because societies with more women could produce more children”. Neste momento dá-se o passo para deter o controlo do corpo da mulher, (“women always and to this day lived in a relatively greater state of un-freedom than did men. Since their sexuality, an aspect of their body, was controlled by others:”), como é a partir da mulher que se garante as gerações futuras, viram nela um modelo de produção que se podia gerir consoante as necessidades de mão de obra para o sustento das sociedades, tomaram posse da sua liberdade sexual e do direito a escolha, aliado a este mecanismo surge o conceito de família que é o principal aliado da estrutura patriarcal. “In the patriarchal family, responsibilities and obligations are not equally distributed among those to be protected: the male children's subordination to the father's dominance is temporary; it lasts until they themselves become heads of households. The subordination of female children and of wives is lifelong.” Desta forma, o homem vai cimentando o seu estatuto, o poder e a opressão, “ Men-as- agroup had rights in women which women-as-a-group did not have in men. Women themselves became a resource, acquired by men much as the land was acquired by men.”( The Creation Of Patriarchy, Gerda Lerner). As diversas sociedades ao longo dos séculos passaram por estes domínios de submissão e dominação, sendo até aos nossos dias o processo presente. A aceitação é por vezes o lado mais confortável dentro das circunstâncias que existem ao nosso redor. O patriarcado construi-se por homens e mulheres, juntamente com aos papeis de género tradicionais e a condição social de cada um, “The roles and behaviors considered appropriate for the sexes were expressed in values, customs, laws and social roles.” (The Creation Of Patriarchy, Gerda Lerner). Nesta linha de pensamento, é importante refletir sobre o género e o que ele representa nas dinâmicas de opressão. Joan Scott, fala sobre este conceito que é parte da construção social, afirmando que “gender is a primary way of meaning relationships of power. It might be better to say, gender is a primary field within which or by means of which power is articulated. Gender is not the only field, but it seems to have been a persistent and recurrent way of enabling the significance of power” (Gender: A Useful Category of Historical Analysis). É crucial levar em consideração, a construção social do género para cada sexo, (“Sex- related differences between bodies are continually invoked as testimony to social relations and phenomena that have nothing to do with sexuality”- Gender: A Useful Category of Historical Analysis, Joan Scott) que corresponde a modelos que cada um deve seguir rigorosamente, para se poder encaixar nos padrões estabelecidos, constituindo estes uns dos muitos fatores que levam homens a serem opressores, e mulheres a serem oprimidas porque tem de corresponder as condições impostas, para não serem alvo de julgamento moral e exclusão social. Começando pelo modelo de feminilidade imposto para o género da mulher, espera-se que esta, antes de mais, não tenha consciência de que é igual ao homem, mas sim que o completa e que toda a sua essência é em relação ao homem. Ou seja, a mulher nunca é mulher sozinha, mas sim sempre parte de alguém, a filha, a esposa, a irmã (“Daughters can escape it only if they place themselves as wives under the dominance/protection of another man.”, The Creation Of Patriarchy, Gerda Lerner). A forma para conseguir que se sigam determinados ideais é a privação da educação, da inteligência intelectual, da autonomia, do direito ao ser, como aconteceu ao longo da história das mulheres, não tiveram oportunidade de escrever a sua, nem de a delinear, nem de conhecer outros caminhos que não a submissão, “Where there is no precedent, alternatives to existing conditions cannot be imagined. It is this feature of male hegemony that has been most detrimental to women and has ensured their subordinate status for millennia” (The Creation Of Patriarchy, Gerda Lerner). Condicionadas, dependentes financeiramente, detinham como obrigação ser um exemplo perfeito de maternidade, dedicada ao esposo, onde a sua ambição era preparar as melhores refeições, associada aos sentimentos e futilidades Quanto ao modelo de masculinidade do homem, espera-se que ele seja o oposto da mulher. O chefe de família, intelectual, bem-sucedido, “o Homem da Razão” (Genevieve Lloyd). Que tenha capacidades inatas para liderar o mundo, mas que dentro do espaço familiar seja sempre cuidado por outrem. É esperado que carregue o peso de todas as responsabilidades, sem demonstrar um único sentimento. É essencial referir que dentro deste sistema patriarcal, o homem não tem voz, sendo obrigado a corresponder à definição que idealizaram para ele. Não é justo, ter de se viver condicionado, porque não se identifica com um sistema, que não respeita a igualdade, nem a diversidade. O ponto que pretendo destacar é que raramente se tem possibilidade de escolha da nossa conduta na vida social, tanto para homens como para mulheres. Existem condicionantes que nos levam aceitar e a oprimir, ou porque fomos educados assim, ou porque faz parte da tradição, da cultura, da religião, da etnia, ou porque pertenço a determinada classe social, ou porque a minha localização geográfica, ou porque tenho de corresponder ao que faz parte da normatividade, ou porque… Irão sempre existir muitos porquês, respostas muito incertas e diferentes, o essencial é trabalhar na nossa individualidade, lutar de forma interseccional, e ter em mente que quem cria o caminho para um futuro mais igualitário é cada um de nós. “Revolutionary thought has always been based on upgrading the experience of the oppressed.” (The Creation Of Patriarchy, Gerda Lerner).