contra a mulher. Afinal de contas, o que é a “violência contra a mulher”?
A violência contra a mulher se constitui em uma das principais
formas de violação aos direitos humanos, podendo atingir seus direitos à vida, à saúde e a sua integridade física. Lembrando que a violência contra a mulher é um conceito para definir diferentes tipos de violência sofridos por mulheres porque simplesmente são mulheres, o que inclui transsexuais, travestis, homossexuais etc. É uma forma de violência de gênero. Muitas vezes as mulheres são submetidas a diversas formas de violência seja física, sexual, psicológica e econômica tanto dentro quanto fora de suas casas. Devemos entender que, a violência de gênero, não só enquanto ato físico, mas simbólico de desvalorização e subjugação social da mulher, é um fenômeno tão antigo quanto a história estudada. Embora ouça falar das sociedades lideradas por mulheres (fictícias, lendárias ou não), a ampla maioria das civilizações foram caracterizadas pelo modelo de liderança e “poder” masculino. Esses fatos caracterizados ao longo da história da humanidade e conforme ela foi avançando, deram aos homens um tipo de estereótipo sobre deveres masculinos e principalmente, para provar a sua masculinidade, que infelizmente acaba por colocar as mulheres em uma posição inferior a eles. História da violência contra a mulher no Brasil: Não é de tanta surpresa para a maioria das pessoas que a violência de gênero ocorre a eras na história da sociedade e na história da humanidade. O caminho entre os direitos das mulheres e as lutas para a igualdade das minorias em geral estiveram sempre entrelaçados. Na época do Brasil Colônia (1500-1822), pouco foi conquistado. Desde as épocas antigas o “poder” e controle fora sempre concebido ao homem e sempre era invalidado nas mãos de uma mulher, esse tipo de pensamento reflete ainda nos dias de hoje. Vivia-se uma cultura enraizada de repressão às minorias, desigualdade e de patriarcado. As mulheres eram propriedade de seus pais, maridos, irmãos ou quaisquer que fossem os chefes da família. Ao analisar na literatura das ciências sociais e mesmo na literatura feminista, esse fenômeno de “dever” da liderança masculina é definido nas inúmeras abordagens do conceito de patriarcado. Que no caso é um sistema social baseado em uma cultura, estruturas e relações que favorecem os homens, em especial o homem branco, cisgênero e heterossexual. Carole Patman (1988) por exemplo, apontou que o patriarcado é um sistema de poder parecido com o escravismo. Isso porque no modelo social patriarcal não existe uma regulação pública sobre a esfera privada, por isso, os desequilíbrios de poder no ambiente doméstico não são passíveis de normatização ou fiscalização pela esfera política. Isso permite que esse modelo seja internamente sujeito à vontade e ao arbítrio de quem possui o poder econômico da esfera familiar, o senhor. Exemplos de práticas do modelo patriarcal são obrigatoriedade de a mulher manter relações sexuais com seu parceiro a despeito de sua própria vontade, a “legitima defesa da honra masculina”, que por um tempo considerável foi legal e socialmente aceita, o que hoje em dia pode e deve ser qualificado como estupro ou assédio. Infelizmente uma coisa muito comum naquela época, e também não ocorria só no Brasil, mas de forma até internacional; era o tráfico de mulheres negras e logo depois tornou as mulheres brancas vítimas disso, tanto mulheres adultas quanto jovens e crianças. Elas eram usadas como moedas de troca em negociações de terreno, como “presente” em alianças territoriais ou também em alianças de famílias, além de serem vendidas como objeto sexual ou como empregada sem sequer terem direito de fala ou livre arbítrio sobre suas escolhas. No Brasil, o patriarcalismo se desenvolveu a partir da colonização. As enormes extensões de terra administradas por um chefe de família a quem se subordinavam todos, escravos e livres, que estivessem nos limites territoriais de seu domínio. O patriarca, o grande proprietário de terras, chefiava uma família estendida, composta de parentes consanguíneos até apadrinhados, e cada clã da época funcionava de maneira autossuficiente independente dos outros. Seguindo esse contexto, as mulheres eram privadas do acesso à educação e à cidadania política. Além disso eram extremamente reprimidas em sua sexualidade, consideras irracionais e incapazes, em resumo, eram controladas em tudo. O processo de urbanização transformou e ressignificou a dominação doméstica:
•Até 1827, mulheres não podiam frequentar escolas básicas;
•Até 1879, mulheres não podiam ingressar no Ensino Superior; •Até 1932, mulheres não podiam votar; •Até 1962, mulheres casadas precisavam de autorização do marido para viajar, abrir conta bancária, ter estabelecimento comercial, trabalhar e receber herança; •até 1983, mulheres eram impedidas de praticar esportes considerados masculinos, como o futebol.
A ampliação mais abrangente de direitos das mulheres no Brasil
ocorreu somente com a Constituição de 1988. Reconhecimento, proporção. De fato, a violência contra a mulher se manifesta de várias formas. O próprio conceito que fora definido na Convenção de Belém do Pará em 1994, aponta para essa amplitude definindo assim violência contra as mulheres como “qualquer ação ou conduta baseada em gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado” (Art. 1°). Além das violações contra os direitos das mulheres e os demais danos físicos e psicológicos, a violência impacta também o desenvolvimento social e econômico de um país. Muitos não sabem, mas a violência atinge mulheres e homens de formas distintas (e isso também inclui pessoas trans). Grande parte das violências cometidas contra a mulher são cometidas em lugares privados, enquanto as que atingem homens, em sua maioria ocorrem em locais públicos. No caso da mulher o tipo de violência mais decorrente é dentro de sua residência, sendo cometido muitas vezes por pessoas próximas à sua convivência, como maridos/esposas ou companheiros, sendo também praticadas de diversas formas desde agressões físicas até verbais e psicológicas. Infelizmente onde deveria haver uma relação de respeito, afeto e compreensão, existe uma relação violenta e em sua maioria é abusiva; esses tipos de relação é muitas vezes invisibilizada pelo fato de estarem atrelados a papéis impostos pela cultura e pela sociedade para homens e mulheres. Tal situação torna difícil a denúncia e o relato, pois torna a mulher agredida, por exemplo, mais vulnerável à violência. A violência doméstica passou a ser considerada de maneira mais consistente na esfera pública brasileira por meio de secretarias de governo, centros de defesa e políticas públicas específicas na década de 1980. A primeira Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (DEAM) foi criada em 1985, em São Paulo, e a principal lei para prevenção e punição da violência mais comum, que no caso é a violência doméstica, é ainda mais recente, a Lei Maria da Penha sancionada em 2006. Dito isso devemos tomar ciência que, um dos instrumentos mais importantes para enfrentar a violência contra a mulher, dentro de sua residência é a Lei Maria da Penha – Lei n° 11.340/ 2006. Esta lei, além de definir e tipificar as formas de violência contra as mulheres, também prevê a criação dos serviços especializados, como a Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, que são compostos por instituições de segurança pública, justiça, saúde, e também da assistência social. Felizmente a Lei Maria da Penha teve uma grande e importante vitória em fevereiro de 2012, em decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), quando foi estabelecido que qualquer pessoa poderia registrar formalmente uma denúncia de violência contra a mulher, e não apenas quem está sendo vítima dela. Infelizmente não é apenas no âmbito doméstico que as mulheres são expostas a situações que as coloquem em riscos menos fatais ou de violência. Estas variadas situações podem atingi-las em diferentes espaços e contextos, como a violência institucional, que se dá quando um servidor do Estado a pratica, podendo ser caracterizada desde omissão no atendimento até casos que envolvem maus tratos e preconceitos. Esse tipo de violência também pode revelar outras práticas que atentam contra os direitos das mulheres, como discriminação racial, e essa é só uma das pontas do iceberg. Em 1995 foi destacado que a discriminação e a violência era uma realidade compartilhada pelas mulheres no Brasil e ao redor do mundo, isso as afetavam em seu desenvolvimento e em todas as fases de sua vida, lhes atrapalhando em seu desenvolvimento desde meninas, a vida adulta e o envelhecimento digno de mulheres em todos os tipos de contextos sociais e nacionais. Houve nos últimos 20 anos uma melhoria significativa na coleta de dados quantitativos, assim como na sua utilização pelo Estado Brasileiro para pensar políticas públicas, no caso de organizações feministas. Essa melhoria foi gradual, está em curso e acaba por ser sensível às instabilidades políticas, possuindo pautas não retratadas ou comentadas até os dias de hoje. Dessa forma, a evolução histórica do fenômeno violência é difícil e complexa de ser explicada de maneira completa e estatisticamente confiável. A primeira e mais antiga fonte de dados que mede a incidência da violência contra a mulher em geral é o Suplemento de Vitimização da PNAD/IBGE, elaborado em 2009, o qual compõe dados do Retrato de Desigualdades de Gênero e Raça, no que relaciona-se à violência. Existem algumas metodologias distintas, que pode acabar dificultando a análise da evolução da vitimização das mulheres, porém cada pesquisa com validade amostral fornece para o Brasil dados diferenciados e interessantes a serem discutidos e pautados. Houve também o Enfrentamento à Violência contra as Mulheres no Mato Grosso do Sul, o que acaba por destacar o fato que a violência contra as mulheres é um dos problemas públicos de maior visibilidade social e política no país, exigindo dos gestores públicos a elaboração, execução e monitoramento de políticas públicas para prevenção e combate à violência contra as mulheres, assim como de proteção e garantia de direitos às mulheres em situação de violência, conforme normas e instrumentos internacionais de direitos humanos e legislação nacional. O Mato Grosso do Sul é um Estado pioneiro na defesa dos direitos das mulheres, especialmente no que tange às políticas de enfrentamento à violência. Antes mesmo do capítulo XIV ser acrescentado (Emenda Constitucional nº 23, de 22 de outubro de 2003), à Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul, já existiam órgãos de defesa dos direitos da mulher e de atendimento às mulheres em situação de violência, responsáveis pela elaboração e execução das políticas públicas para mulheres. O Conselho Estadual de Direitos da Mulher, é o órgão colegiado de deliberação coletiva, de composição paritária entre o Governo e a sociedade civil organizada, integrante da estrutura da Secretaria de Governo e Gestão Estratégica, com o objetivo de propor e fiscalizar, em âmbito estadual, políticas para a mulher, lhe assegurando o exercício pleno de seus direitos, sua participação e integração no desenvolvimento econômico, social, político e cultural, foi instituído pelo decreto-lei nº 11, de 1º de janeiro de 1979. (Com redação dada pela lei estadual nº 702, de 12 de março de 1987 e reorganizado por meio do decreto nº 13.373, de 14 de fevereiro de 2012). A Delegacia de Atendimento à Mulher de Campo Grande foi implantada no ano de 1986, destacando-se como a segunda do Brasil. E antes mesmo da criação do primeiro organismo nacional de políticas para as mulheres no Governo Federal em 2002, o Estado também já contava com um órgão para gestão das políticas públicas para mulheres (Coordenadoria Especial de Políticas para Mulheres, 1999). O Centro de Atendimento à Mulher (CAM), criado por meio do decreto nº 9.673, de 22 de outubro de 1999, atualmente denominado “Centro Especializado de Atendimento à Mulher - CEAM Cuña M’baretê (foi reestruturado pelo decreto estadual nº 14.270, de 5 de outubro de 2015). Ainda em 1999, foi instituída a Defensoria Pública de Defesa da Mulher, que aliás, foi a primeira no Brasil. A Casa Abrigo para mulheres vítimas de violência em risco de morte foi implantada em 2001, sendo desde então mantida pela pasta da assistência social, do Governo do Estado. Desde 2014 são atuantes os núcleos especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar no âmbito da Defensoria Pública (NUDEM) e do Ministério Público Estadual (NEVID). O ano de 2015 foi muito bom para os avanços no Mato Grosso do Sul em razão da inauguração da primeira unidade da Casa da Mulher Brasileira (equipamento previsto pelo programa “Mulher, Viver sem Violência”, da Secretaria de Políticas para Mulheres do Governo Federal), do Brasil; da implantação do plantão 24h da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher em regime, inclusive em finais de semana e feriados (DEAM instalada na Casa da Mulher Brasileira) e da criação da 3ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, considerada a 1ª Vara Especial de Medidas Protetivas do Estado de Mato Grosso do Sul (e também a primeira do país, na Casa da Mulher Brasileira). Outra forma de conhecer as especificidades das violências cometidas contra mulheres são os dados de denúncias realizadas ao Ligue 180 e ao Disque 100 em todos os casos, que podem, devem e incluem qualquer tipo de violência contra homossexuais, mulheres trans etc. Ambos dão auxílio em variados tipos de situações compreendidas como violentas ou que comprometem a honra e a moral da mulher em seu ambiente de trabalho.
Principais causas da violência
contra a mulher:
A violência contra a mulher tem como base a construção
desigual de lugar das mulheres e dos homens nas mais diversas sociedades. Entretanto, a desigualdade de gênero é o fundamento de onde todas as formas de violência e privação contra mulheres se estruturam, se perpetuam e se legitimam. Desse modo a desigualdade de gênero é uma relação de assimetria de poder em que os papeis sociais, comportamentos, liberdade sexual, possibilidades e direito de escolha de vida, escolha profissional são restringidas para o gênero feminino quando comparado ao masculino. É de forma evidente para os que se aprofundam no assunto que as causas desse comportamento social são estruturais, históricas, político-institucionais e culturais. O papel da mulher foi muitas vezes limitado ao ambiente doméstico, que acabou por se tornar uma propriedade de domínio particular que não estava sujeita à mesma legislação de ambientes públicos. Sendo assim, a própria mulher passou a ser vista como um objeto particular, sem direito a cidadania forjada nos espaços públicos ou à vontade própria, não é atoa o que o voto feminino e os direitos civis para as mulheres são conquistados recentemente em muitos países e ainda não completamente efetivados em algum países no mundo. As situações individuais e cotidianas, como sofrer assédio na rua, ter o comportamento vigiado e controlado, não poder usar certas roupas por motivos fúteis e infantis vindo do machismo, reprimir sua sexualidade, ser alvo de ciúme destrutivo, são sintomas, e não causas de violações mais drásticas, como estupro ou feminicídio. A violência doméstica não é exclusivamente fruto de um infortúnio pessoal, de uma má escolha ou azar. Ela tem bases socioculturais mais profundas, inclusive as mulheres que rompem a barreira do silêncio e decidem denunciar, procurar ajuda e justiça sentem com muito mais força a reação da estrutura de desigualdade de gênero no desencorajamento, na suspeita lançada sobre a vítima ao invés do agressor. A causa estruturante nisso, que é a desigualdade de gênero, é agravada por outros fatores que também potencializam a vulnerabilidade à violência, tais como a pobreza, a xenofobia e o racismo. Embora a violência de gênero atinja todas as mulheres, ela se combina com outros fatores e é sentida de maneira mais dura por mulheres que apresentam essas condições que as colocam numa vulnerabilidade mais evidente. O enfrentamento às múltiplas formas de violência contra as mulheres é uma importante demanda no que diz respeito a condições mais dignas e justas para as mulheres. A mulher deve possuir o direito de não sofrer agressões no espaço público ou privado, a ser respeitada em suas especificidades e a ter garantia de acesso aos serviços da rede de enfrentamento à violência contra a mulher, quando passar por situação em que sofreu algum tipo de agressão, seja ela física, moral, psicológica ou verbal. É dever do Estado e uma demanda da sociedade enfrentar todas as formas de violência contra as mulheres. Coibir, punir e erradicar todas as formas de violência devem ser preceitos fundamentais de um país que preze por uma sociedade justa e igualitária entre mulheres e homens.
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