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VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: A EFICÁCIA DA LEI MARIA DA PENHA E

A VISÃO DO CÓDIGO PENAL

VIOLENCE AGAINST WOMEN: THE EFFECTIVENESS OF THE MARIA DA


PENHA LAW AND THE VIEW OF THE CRIMINAL CODE

Mirelle Eduarda Magalhães Gondim1


UNIRUY

RESUMO: O presente artigo científico objetivo demonstrar a eficácia e os avanços da


Lei 11. 340/ 2006 conhecida como Lei Maria da Penha, abordando também as
Medidas Protetivas pautada em seu art. 22, tendo uma visão geral do Direito Penal. A
violência contra a mulher é histórica desde dos primórdios e está presente nos dias
atuais, pelo menos uma em cada três mulheres em todo o mundo já foi espancada,
coagida ao sexo ou sofreu alguma outra forma de abuso durante a vida sendo o seu
agressor, na maior parte dos casos, um membro de sua própria família. A metodologia
empregada pela pesquisadora neste trabalho será exploratório-descritiva; quanto as
fontes de informações e técnica de coleta de dados, será utilizado o recurso de
pesquisa bibliográfica e levantamento de dados através de leitura de artigos, livros,
legislação e site.

Palavras-chave: Violência contra a mulher; Lei Maria da Penha; Código Penal.

ABSTRACT: This scientific article aims to demonstrate the effectiveness and


advances of Law 11,340/2006, known as the Maria da Penha Law, also addressing
Protective Measures based on its Article 22, providing an overview of Criminal Law.
Violence against women has been around since ancient times and persists in
contemporary society; At least one in three women around the world has been beaten,
coerced into sex or suffered some other form of abuse in her lifetime, with the
perpetrator often being a member of her own family. The methodology used by the
researcher in this study will be exploratory-descriptive; As for the sources of
information and data collection techniques, the research will use bibliographical
research and data collection through reading articles, books, legislation and websites.

Keywords: Violence against women; Maria da Penha Law; Penal Code.

1
Graduanda em Direito do Centro Universitário Ruy Barbosa – UNIRUY. E-mail:
mirelleeduarda93@gmail.com
1 INTRODUÇÃO

A trajetória histórica dos direitos das mulheres representa uma narrativa que
abrange séculos de batalhas e conquistas em prol da igualdade e justiça. A
Constituição Brasileira de 1988 e a Lei Maria da Penha são pontos cruciais nesse
percurso, ao instituir uma abordagem de proteção com o objetivo de eliminar a violência
de gênero e garantir a plena cidadania das mulheres no Brasil. Este texto busca
oferecer uma visão panorâmica da história dos direitos das mulheres no país,
ressaltando as mudanças jurídicas e sociais que culminaram na promulgação desses
instrumentos legais, e analisar a repercussão e eficácia das medidas de proteção e
garantias de direitos presentes na Constituição e na Lei Maria da Penha.
A história das mulheres no contexto legal é caracterizada por séculos de
discriminação, restrições e desigualdades. Por grande parte desse período, as
mulheres foram relegadas a um papel secundário na sociedade, com seus direitos
frequentemente ignorados ou negligenciados. No entanto, ao longo do tempo,
movimentos feministas e ativistas incansáveis lutaram para transformar essa realidade,
promovendo mudanças significativas na legislação e na mentalidade da população.
A Constituição Brasileira de 1988 foi um marco crucial nesse processo,
estabelecendo um conjunto abrangente de direitos e garantias fundamentais com o
intuito de assegurar a igualdade de gênero e a proteção dos direitos das mulheres.
Além de reconhecer a igualdade perante a lei, esse documento serviu como base para
políticas públicas e legislação que abordam especificamente a questão da violência de
gênero, um problema profundamente enraizado na sociedade brasileira.
Nesse cenário, a Lei Maria da Penha, promulgada em 2006, representa um
ponto fundamental na história dos direitos das mulheres no Brasil. Recebendo o nome
de Maria da Penha Maia Fernandes, uma sobrevivente de violência doméstica que se
tornou símbolo da luta contra a impunidade em casos de agressão às mulheres, essa
lei é um esforço significativo para coibir a violência de gênero e proteger as mulheres
em situação de vulnerabilidade. A Lei Maria da Penha introduziu mecanismos legais
mais eficazes para prevenir, punir e erradicar a violência contra as mulheres,
oferecendo um conjunto abrangente de medidas protetivas e instituindo uma mudança
cultural no tratamento desse problema.
Este texto busca, assim, traçar a evolução da história dos direitos das mulheres
no Brasil, desde os primórdios da República até os dias atuais, com especial atenção
à Constituição de 1988 e à Lei Maria da Penha. Além disso, visa examinar como esses
instrumentos legais foram desenvolvidos para promover a igualdade de gênero e a
proteção das mulheres, assim como avaliar os desafios que ainda persistem no
caminho para a plena efetivação desses direitos e garantias. O estudo desses avanços
é essencial para compreender o papel do direito na construção de uma sociedade mais
justa e igualitária, na qual todas as mulheres possam viver sem violência e
discriminação.

2 TECENDO A HISTÓRIA DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: DA


INVISIBILIDADE À LEI MARIA DA PENHA

A violência contra a mulher sempre foi uma realidade ao longo da história e,


nos últimos anos, ganhou destaque devido à sua maior visibilidade. As mulheres têm
sido alvo de diferentes formas de violência, seja por motivos relacionados ao gênero,
raça/etnia ou sexualidade. Essa violência abrange todos os atos que infringem os
direitos civis (liberdade, privacidade, proteção igualitária), sociais (saúde, educação,
segurança, habitação) e econômicos (emprego e salário) (PARANÁ, 2020, p. 3).
O problema da violência contra a mulher é global, e em alguns países, a
violência doméstica ainda é comum e aceita como "normal" em diversas sociedades
ao redor do mundo. Desde tempos remotos, tanto no âmbito privado quanto no
público, a desigualdade permeia a relação entre homens e mulheres, impondo à
mulher uma posição de submissão, enquanto confere ao homem o papel de líder.
(OLIVEIRA; GOMES, 2021) argumenta que essa submissão é resultado do processo
de colonização do Brasil, fortemente influenciado pela cultura ocidental europeia,
especialmente pela portuguesa, que introduziu a visão patriarcal.
O patriarcalismo brasileiro teve origem na tradição portuguesa durante a
colonização agrária e escravista, tornando a família patriarcal a instituição mais
relevante na ordem social brasileira. A autoridade masculina predominava sobre todas
as formas de organização social (AZEVEDO, 2022). A mulher que se conformava aos
padrões de submissão era considerada honrada, enquanto aquelas que não seguiam
esses padrões eram desonradas e, consequentemente, desvalorizadas e punidas
pela sociedade. Essa cultura machista de submissão das mulheres aos homens está
enraizada na cultura brasileira desde a época do patriarcalismo, onde a mulher era
vista como propriedade, podendo ser disposta da maneira que o homem achasse
conveniente (FERNANDES, 2021, p. 17-18).

Em casos de adultério praticados por mulheres, era comum os maridos as


assassinarem, utilizando a proteção da honra como justificativa, o que não
resultava em punição. Diante dessas questões, nas décadas de 1830,
começaram a surgir mobilizações em todo o mundo. Os movimentos
feministas ganharam força, lutando pela liberdade e igualdade de direitos,
destacando os problemas de violência no ambiente familiar. Nos anos 70, os
movimentos feministas se fortaleceram, e o caso Ângela Diniz, ocorrido em
1976, que chocou a sociedade brasileira, contribuiu para a condenação do
agressor, marcando um avanço na luta das mulheres contra a sociedade
patriarcal (MARIA BERENICE DIAS apud CORREA, 2020, p. 106).

A cultura ao longo da história tem profundas raízes na violência contra as


mulheres. O início da implementação das primeiras políticas públicas voltadas para
mulheres em situação de violência no Brasil ocorreu a partir desses movimentos
feministas.
A Constituição Federal de 1988 promoveu mudanças e equiparou os direitos
entre homens e mulheres, eliminando dispositivos discriminatórios e atribuindo ao
Estado a responsabilidade de criar mecanismos para coibir a violência doméstica
(CORREA, 2020).

Anteriormente, nos casos de agressão no âmbito doméstico, aplicava-se a


Lei nº 9.099/95, que previa penas como pagamento de cestas básicas ou
prestação de serviços comunitários. A falta de uma lei específica para tratar
a violência de forma mais eficiente contribuía para a ideia de impunidade aos
agressores (CORREA, 2020, p. 57).

A violência contra a mulher é um grave problema de saúde pública e uma


violação dos direitos das mulheres, com índices alarmantes. Tornou-se um desafio
enfrentado pela sociedade e é uma das principais causas de morte feminina no país
(GUIMARÃES E PEDROSA, 2015, p. 256-257).

A violência doméstica contra a mulher é um fenômeno complexo que tem


gerado discussões teórico-filosóficas e questionamentos ético-políticos.
Apesar de não ser um fenômeno exclusivamente contemporâneo, a
visibilidade política e social dessa problemática é recente. Nos últimos 50
anos, a gravidade das situações de violência contra as mulheres em relações
afetivas ganhou destaque, especialmente a partir da década de 60, com os
movimentos feministas (GUIMARÃES E PEDROSA, 2015, p. 256-257).

As desigualdades entre os sexos são uma das maiores dificuldades


enfrentadas pelas mulheres. Apesar dos avanços legislativos no Brasil em relação à
proteção das mulheres contra a violência, a violência doméstica continua sendo uma
preocupação, evidenciando as dificuldades na erradicação desse problema.
O conceito de violência doméstica está definido no artigo 5º da Lei 11.340/06
como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause à mulher morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico, além de danos morais e patrimoniais.
A violência doméstica, geralmente cometida pelo companheiro, ex-
companheiro ou outro membro da família, está ligada à relação afetiva. As mulheres,
muitas vezes, estão emocionalmente envolvidas com o agressor e, em alguns casos,
dependem economicamente dele (SOUZA, 2023, p. 15).
A violência doméstica não faz distinção de cor, classe social ou idade, atingindo
não apenas as mulheres, mas também seus filhos, famílias e até mesmo os
agressores. É uma das piores formas de violação dos direitos humanos das mulheres,
afetando sua dignidade e autoestima (SOUZA, 2007, p. 218).
A motivação fútil geralmente permeia a violência contra a mulher, e os
agressores veem as mulheres como objetos de sua propriedade. Essa violência pode
ser explícita ou velada, causando traumas não apenas para a mulher, mas também
para os filhos que testemunham os episódios de violência (IBDFAM, 2023).
A mulher, na sociedade, é frequentemente fragilizada e culpabilizada, sendo
injustamente responsabilizada pelos abusos que sofre. A ideologia machista sustenta
a crença de que a mulher que sofre abusos deve suportar tudo em silêncio, como seu
dever de esposa. Além disso, há a absurda justificativa de que as mulheres que sofrem
abusos são as culpadas, por terem provocado seus parceiros a agirem dessa maneira
(BALDO, 2015, p. 4).
Reconhecendo a necessidade de proteção às mulheres vítimas de violência
doméstica, a Lei 11.340/06 representou um avanço legislativo ao prevenir e coibir o
ciclo da violência. Segundo Vasconcelos, Resende e Silva (2018, p. 122), " A
legislação conhecida como Lei Maria da Penha marca um progresso normativo em
resposta às informações e estatísticas que sustentam o debate e surgem no âmbito
familiar."
2.1 TODAS AS FACES DA VIOLÊNCIA: UMA ANÁLISE DOS DIVERSOS TIPOS
DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Antes de abordar a análise dos distintos tipos de violência, é essencial definir o


significado do termo. De acordo com (BONAMIGO, 2021, p. 205)"violência" deriva do
latim "violentia", que significa força, vigor, potência ou impulso. Portanto, refere-se à
violência como a ruptura de qualquer forma de integridade da vítima: integridade física,
psíquica, sexual e moral. Qualquer ato violento é considerado uma violação dos
direitos humanos, infringindo a dignidade da pessoa humana.
No contexto dessa discussão, a Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006,
conhecida como Lei Maria da Penha, detalha, em seu artigo 7º, as formas de violência
contra a mulher. São elas: violência física, violência psicológica, violência sexual,
violência patrimonial e violência moral. Essas formas são entendidas como atentados
aos direitos humanos, causando danos à saúde física e psicológica das vítimas, além
de atingir a autodeterminação e a dignidade.
A violência física contra mulheres envolve o uso de força física pelo agressor,
causando diversos tipos de ferimentos à vítima, podendo incluir o uso de armas ou
outros objetos. O artigo 7º da Lei 11.340/06 define a violência física como "qualquer
conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher" (TJDFT, 2022).
A violência psicológica, uma forma mais sutil de violência contra as mulheres,
é descrita no artigo 7º da Lei nº 11.340/2006 como qualquer conduta que cause danos
emocionais, diminuição da autoestima, prejudique o pleno desenvolvimento da mulher
ou busque degradar e controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões
(IMP, 2018).
A violência sexual abrange diversas situações e condições, representando
ações que forçam a mulher a manter contato sexual, físico ou verbal, ou a participar
de outras relações sexuais por meio de força, intimidação, ameaça, chantagem,
suborno, manipulação ou qualquer outro mecanismo que anule ou limite a vontade
pessoal. Trata-se de uma violência contra a integridade física da mulher, podendo
acarretar transtornos psicológicos. Crimes contra a liberdade sexual, conforme
previstos na Lei Maria da Penha, são detalhados no Código Penal, como estupro,
estupro de vulnerável, satisfação de lascívia mediante presença de criança ou
adolescente, favorecimento de prostituição ou exploração sexual de vulnerável, entre
outros do Título VI da Parte Especial do Código Penal, que trata dos Crimes contra a
dignidade sexual (LIMA, 2014, p. 896).
A violência patrimonial se caracteriza pela prática de atos que resultam em
dano, perda, subtração, destruição ou retenção de objetos, documentos pessoais,
bens e valores, incluindo a subtração de propriedade alheia da vítima. De acordo com
Renato Brasileiro de Lima (2014, p. 897), a destruição e subtração de bens materiais
e objetos pessoais têm o propósito de humilhar a companheira ou, em casos de
separação, coagi-la a retornar à convivência marital, sugerindo que a insistência na
separação resultará na perda de valores e bens devidos.
A violência moral compreende ações que desonram a mulher perante a
sociedade, incluindo calúnia, difamação ou injúria, conforme descrito no artigo 7º, V,
da Lei 11.340/06. Os agressores que praticam tais condutas estão sujeitos às
penalidades previstas nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal Brasileiro. Renato
Brasileiro de Lima (2014, p. 898) destaca que, com o avanço das tecnologias de
informação, tem havido um aumento significativo da violência moral contra as
mulheres, muitas vezes manifestada pela exposição na internet de vídeos e
fotografias capturados em momentos íntimos de um casal após o término de um
relacionamento, causando prejuízos à honra objetiva da mulher. Nessas situações,
além da responsabilização criminal do agressor, é possível ajuizar ações civis visando
reparação por danos materiais e morais.
Segundo o Ministério da Saúde, a violência contra a mulher é definida como
qualquer conduta, ação ou omissão que resulte em discriminação, opressão ou
coerção, baseada exclusivamente no gênero feminino, causando danos diversos.
Essa violência pode ocorrer tanto em espaços públicos quanto domésticos.

2.2 REFLEXÕES SOBRE A IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO ATIVO E PASSIVO


NA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: UMA ANÁLISE SOBRE A LEI MARIA DA
PENHA
O perpetrador envolvido em atos de violência doméstica e familiar contra a mulher
é identificado como o sujeito ativo, de acordo com as disposições da Lei Maria da
Penha. Como mencionado por Stela Valéria Cavalcanti, essa nomenclatura é adotada
pela legislação em sintonia com perspectivas das áreas de sociologia, psicologia e
antropologia, presentes em vários de seus artigos (CAVALCANTI, 2008, p.198). A
definição do sujeito ativo é claramente delineada no artigo 5º da Lei n° 11.360/06,
abarcando ações ou omissões fundamentadas no gênero que resultem em diversos
danos à mulher (BRASIL, 2020).
O mencionado artigo destaca que o sujeito ativo apresenta duas características
distintas: a primeira relacionada ao gênero e a segunda associada à ocorrência de
violência em um contexto doméstico, familiar e afetivo. Contudo, surgem divergências
na interpretação jurídica sobre a aplicabilidade da Lei Maria da Penha nos casos em
que a agressão não é praticada por um homem, conforme observado por Dias (2008,
p.1).
Dessa forma, o perpetrador pode desempenhar diferentes papéis, incluindo
marido, ex-marido, ex-companheiro, namorado, filho, neto, irmão, ou mesmo em
relações homo afetivas, onde uma mulher pode agredir sua companheira,
caracterizando todos esses casos como violência doméstica contra a mulher.
É crucial ressaltar que a Lei Maria da Penha visa proteger a mulher do homem,
considerado presumivelmente mais forte, dominante e ameaçador. Portanto, a
legislação não se aplica quando o sujeito ativo é do sexo feminino. A Lei Maria da
Penha é classificada como uma ação afirmativa que busca atuar como um mecanismo
de proteção e redução das desigualdades, estabelecendo claramente a mulher como
sujeito passivo da violência doméstica.

O entendimento jurisprudencial reforça os princípios da lei, destacando que a


aplicação dessa legislação requer a intenção do perpetrador de atingir a
vítima não apenas por considerá-la mais fraca fisicamente ou
economicamente, mas também por perceber, em virtude do sexo, uma razão
para agredi-la (Acórdão 1291872, 07285379520208070000, Relator:
ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, Câmara Criminal, data de julgamento:
7/10/2020, publicado no PJe: 22/10/2020).

O sujeito passivo, por sua vez, é necessariamente qualquer indivíduo do sexo


feminino, sem considerar idade, etnia ou classe social, conforme enfatizado por
Ortega (2016, p.1). Portanto, a qualificação do sujeito ativo e passivo exige a
observância de todas as exigências estabelecidas pelo legislador no tipo penal,
conforme introduzido no artigo 121, §2° do Código Penal.

2.3 LEI MARIA DA PENHA: PROTEÇÃO E DESAFIOS CONTRA A VIOLÊNCIA

A legislação conhecida como Lei Maria da Penha, oficialmente numerada como


Lei nº 11.340/06 e promulgada em 22 de setembro de 2006, foi criada com o propósito
de salvaguardar as mulheres, garantindo assistência adequada às vítimas de
agressões de acordo com suas necessidades no momento da denúncia. Nessa
normativa, são previstas sanções para crimes de lesão corporal resultantes de
violência doméstica, abarcando não apenas a agressão física, mas também outras
formas como as violências psicológica, moral, sexual e patrimonial. Antes da
promulgação da Lei Maria da Penha, incidentes de violência doméstica eram tratados
nos juizados especiais criminais, resultando em inúmeros arquivamentos e deixando
as vítimas com sentimento de insegurança, devido à ausência de uma punição rápida
e eficaz para os agressores.
A Lei 9.099, datada de 26 de setembro de 1995 e conhecida como Lei dos
Juizados Especiais, que enfatizava princípios como oralidade, informalidade e
celeridade, evidenciou a necessidade de uma legislação mais rigorosa para combater
efetivamente a violência contra a mulher. Após um trágico incidente envolvendo Maria
da Penha Maia Fernandes, a Lei nº 11.340 foi promulgada em 7 de agosto de 2006,
estabelecendo mecanismos para prevenir a violência doméstica e familiar,
regulamentando o artigo 8º do artigo 226 da Constituição Federal. A trajetória de Maria
da Penha, uma biofarmacêutica do Ceará que enfrentou agressões graves, inclusive
tentativas de homicídio, inspirou a nomenclatura da lei.
A Lei Maria da Penha representa uma luta histórica pela defesa dos direitos das
mulheres, buscando criar mecanismos para impedir a violência por elas sofrida e
garantir proteção à integridade física, psicológica, moral e patrimonial. Segundo
Ribeiro (2016), a lei desempenha um papel fundamental na proteção das mulheres,
historicamente em posição de fragilidade social em relação ao sexo oposto,
representando um esforço na implementação de políticas públicas de proteção e
combate à violência de gênero.
A abrangência da Lei Maria da Penha não se restringe à violência física. O
artigo 7º da lei lista diversas formas de violência doméstica e familiar contra a mulher,
incluindo não apenas a violência física, mas também a psicológica, moral, sexual e
patrimonial. Dados indicam que a violência não passa despercebida, com uma
pesquisa revelando que 57% das entrevistadas conhecem alguma mulher que já foi
vítima de algum tipo de violência doméstica.
A Lei Maria da Penha reconhece que a violência no âmbito familiar pode não
se limitar exclusivamente à mulher, englobando ações ou omissões que ameacem a
vida, integridade física ou psicológica, restringindo a liberdade e prejudicando o
desenvolvimento da personalidade da vítima. A lei abrange agressões cometidas por
membros da família ou mesmo por pessoas que ocasionalmente fazem parte do
ambiente doméstico. É crucial destacar que a lei não exclui a relação homo afetiva
entre mulheres, e a violência doméstica se configura independentemente da duração
da relação entre vítima e agressor.
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indicou uma
redução de aproximadamente 10% na taxa de homicídios contra mulheres no
ambiente doméstico após a entrada em vigor da Lei Maria da Penha. No entanto, é
evidente que os índices de violência não diminuíram de maneira uniforme em todo o
país, devido à falta de institucionalização de alguns órgãos de proteção. É crucial
continuar incentivando esforços na prevenção e repressão da violência doméstica,
reconhecendo que a implementação das normas contidas nas leis demanda um
comprometimento conjunto do Poder Público e da sociedade civil, visando à mudança
da cultura machista e ao fim da impunidade dos agressores.

3 TRAJETÓRIA JURÍDICA: TENDÊNCIAS NA EVOLUÇÃO DO DIREITO PENAL


A evolução do direito processual penal também é influenciada pelo Direito
Germânico, pelo Direito Canônico e pelo Iluminismo. O Direito Canônico, em
particular, concentrou-se no aspecto subjetivo do crime, combatendo a vingança
privada, humanizando as penas, reprimindo o uso de ordálias e introduzindo as penas
privativas de liberdade em substituição às patrimoniais (LOPES, 2012).
A busca pela recuperação dos criminosos através do arrependimento foi uma
característica desse Direito, resultando na reorganização completa da vida jurídica
europeia. Os canonistas foram responsáveis por formular critérios de racionalização
e formalização do Direito (FABRICIO; 2019).
Dentro do Processo Penal Canônico, surgiram novas penas que não se
limitavam a simples reparações de danos, multas, banimentos ou perda de títulos. O
Iluminismo, movimento político, científico e cultural, caracterizado pela valorização do
homem e de sua racionalidade, trouxe a reforma dos estatutos do ensino jurídico, a
proibição do julgamento por costumes, a aplicação lógico-literal do Direito pelos
tribunais e a possibilidade de incorporação das leis esclarecidas da Europa, a partir
da Lei da Boa Razão de 1769 (ARAUJO; 2003).
A partir do jusnaturalismo iluminista, os doutrinadores buscaram organizar o
direito como legislação. Com a propagação das ideias iluministas no século XVIII,
houve a necessidade de romper com os convencionalismos e tradições vigentes,
marcando o chamado Período Humanitário. Nesse período, almejava-se uma lei penal
simples, clara, precisa e escrita na língua pátria, que fosse severa apenas o
necessário para combater a criminalidade, tornando o processo penal rápido e eficaz
(MATA; 2015).
O processo de globalização, especialmente a partir da década de 1990, é
caracterizado pelo avanço da comunicação, interação e organização mundiais. Esse
desenvolvimento não afeta apenas a globalização econômica, mas também resulta
em uma nova criminalidade global, mudanças no direito penal e uma crescente política
criminal global (MATOPOLI; 2008).
No centro dessas modificações e da análise subsequente está a progressiva
"criminalidade transnacional", que tem causas específicas, levando o direito penal
clássico nacional aos seus limites territoriais e gerando novas questões fundamentais.
A criminalidade transnacional decorre dos crescentes "oportunidades de
ultrapassagem de fronteiras" por pessoas e no intercâmbio internacional de
mercadorias, serviços e dados na sociedade global. Essas possibilidades têm causas
técnicas, econômicas e políticas, com efeitos correspondentes (SIEDER; 2010).

3.1 PAPEL DO DIREITO PENAL

A principal finalidade atribuída ao direito penal é a salvaguarda dos bens mais


essenciais e indispensáveis à sobrevivência da sociedade. Conforme Luiz Regis
Prado (1999, p. 47), "o pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo
imediato e primordial do Direito Penal radica na proteção de bens jurídicos –
essenciais ao indivíduo e à comunidade".
Nesse contexto, o instrumento de coerção empregado pelo direito penal para a
preservação de bens, valores e interesses mais significativos da sociedade é a
imposição, aplicação e execução da pena (WEBER, 2020, p. 17).
O Direito Penal assume a responsabilidade de resguardar os bens que são tão
cruciais para a sociedade que não podem ser efetivamente protegidos por outros
ramos do Direito, como a Vida, a Honra e o Patrimônio, por exemplo. Dessa maneira,
levando em consideração a mutabilidade da sociedade e seus critérios de importância
ao longo do tempo, caso a proteção desses bens deixe de ser primordial e necessária,
o direito penal deve se retirar e permitir que outro ramo jurídico assuma, sem sua
intervenção, a responsabilidade de protegê-los (WEBER, 2020, p. 80).

3.2 DESAFIOS E PERSPECTIVAS NA EFETIVIDADE DAS POLÍTICAS CONTRA A


VIOLÊNCIA DE GÊNERO

A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres tem como


objetivos estabelecer conceitos, princípios e diretrizes para o combate à violência
contra as mulheres, em conformidade com a legislação nacional e os Direitos
Humanos. Inicialmente, é necessário realizar um levantamento, planejamento e
avaliação das informações sobre a violência contra as mulheres, dando destaque aos
profissionais que atendem essas mulheres e priorizando uma estrutura organizada
para otimizar o encaminhamento das mulheres em situação de violência.
A violência contra a mulher é reafirmada diariamente, levando à necessidade
de adesão à Carta Internacional de Direitos Humanos, que considera a igualdade de
gênero uma questão transversal e indissociável da luta pela justiça social e cidadania
plena. As conferências contra a violência contra as mulheres, respaldadas pela
Constituição Federal, destacam a exigência de um comprometimento prático do
governo com essa questão.
O governo assumiu o compromisso de combater a violência, começando no
Estado de São Paulo em resposta à persistência do movimento feminista. Em 1985,
foi criada a primeira Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher e Casa Abrigo para
vítimas de violência doméstica. Foram também estabelecidos 11 Conselhos Estaduais
e Municipais, além do Conselho Nacional de Direitos das Mulheres (CNDM), e a
criação de quatro Secretarias, incluindo o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
e a principal delas, a Secretaria de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres
(SEV), em funcionamento desde agosto de 2007. O programa 180, que é a Central de
Atendimento à Mulher operando 24 horas por dia, é uma das muitas ações
estratégicas para combater a violência contra as mulheres.
Apesar da implementação de políticas públicas e das ações do Estado
direcionadas para o enfrentamento e prevenção da violência contra as mulheres,
observa-se um cenário em que as ações estatais ainda não conseguiram gerar uma
sensação de credibilidade e confiança na população. Os agressores, na maioria das
vezes, não são punidos de acordo com a lei, a Justiça não cumpre seu papel, e a
violência persiste. Apesar das políticas públicas em vigor, a eficácia e a proteção são
insuficientes, deixando as mulheres ainda inseguras.
A complexidade da violência de gênero, presente em todas as estruturas
sociais, torna desafiadora sua erradicação. É crucial reconsiderar as formas de
implementação e execução das políticas públicas existentes, aumentando a
capacitação dos profissionais que atendem as mulheres e investindo adequadamente
na infraestrutura dos locais de atendimento para garantir que as mulheres se sintam
seguras ao denunciar.
A efetividade das medidas protetivas está ausente, exigindo mecanismos
urgentes para a concretização dessas medidas. Faltam instrumentos que possibilitem
o acompanhamento efetivo da vítima, evitando instabilidade e insegurança. É
imperativo assegurar a efetividade das políticas públicas no enfrentamento da
violência contra as mulheres.

4 DESEMPENHO EFETIVO DA LEGISLAÇÃO MARIA DA PENHA

Os benefícios trazidos pela Lei nº 11.340/06 não se apresentam como medidas


plenamente efetivas, apesar de serem comumente utilizadas como recursos
emergenciais, especialmente quando as mulheres enfrentam violência contínua. Em
diversas situações, a aplicação da legislação deixa a desejar.
O propósito da Lei nº 11.340/06 é estabelecer uma punibilidade legislativa
devido ao tratamento inadequado recebido pelas mulheres ao procurarem auxílio nas
delegacias. No entanto, como apontado por Dias (2007, p.1), "o propósito almejado
pela Lei dos Juizados Especiais, que trata dos crimes de menor potencial ofensivo,
acabou por ser totalmente frustrado."
A ação da autoridade policial, que envolve a lavratura do termo circunstanciado
e o encaminhamento para o juízo, seguido pela audiência preliminar, frequentemente
resulta em um prazo de espera considerável, levando as vítimas a se sentirem
pressionadas a aceitar acordos ou desistir de representar. Isso, por vezes, as leva a
retornar aos agressores, temendo por suas vidas ou pelas vidas de seus filhos. A
declaração de extinção da punibilidade, nessas circunstâncias, permite que o agressor
não apresente antecedentes criminais, podendo ser proposto o pagamento de cestas
básicas ou a imposição de multa pecuniária. Essa realidade evidencia a necessidade
de uma legislação mais eficaz no combate à violência contra a mulher.

O Art. 10 da Lei nº 11.340/06 destaca a iminência ou prática de violência


doméstica e familiar contra a mulher, conferindo à autoridade policial a
responsabilidade de adotar, de imediato, as providências legais cabíveis,
inclusive no descumprimento de medidas protetivas de urgência.
O Art. 11 da mesma lei estabelece providências a serem tomadas no
atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar,
garantindo proteção policial quando necessário, encaminhamento a serviços
de saúde, fornecimento de transporte para abrigo seguro, acompanhamento
para recolher pertences e informação sobre direitos e serviços disponíveis.
O Art. 28 assegura à mulher o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou
assistência judiciária gratuita, garantindo atendimento específico e
humanizado, mesmo desacompanhada de advogado.
O Art. 12 destaca procedimentos a serem adotados pela autoridade policial
em casos de violência doméstica e familiar, incluindo a tomada de
representação da vítima, colheita de provas, encaminhamento ao juiz para
concessão de medidas protetivas, exame de corpo de delito, ouvir agressor
e testemunhas, identificação do agressor e remessa dos autos ao juiz e
Ministério Público.

A possibilidade de retratação em juízo, após a representação, é mencionada,


permitindo à vítima desencadear a ação penal ou, se desejar, retratar-se, com a
autoridade policial acolhendo o pedido e declarando extinta a punibilidade.
Seria relevante uma medida externa para coibir o descumprimento das medidas
protetivas, evitando que o agressor as viole. Isso representaria um avanço significativo
na proteção das mulheres, proporcionando-lhes uma maneira mais segura de
denunciar sem retirar a queixa.
Como destaca Cavalcanti (2008, p.51), a violência praticada por pessoas
próximas tende a ser recorrente e pode resultar em agressões mais graves, incluindo
homicídios. Portanto, é essencial que as mulheres encontrem apoio ao denunciar seus
agressores, garantindo alguma segurança, especialmente quando o agressor é o
provedor da família.
Assim, é fundamental reavaliar as previsões de gastos destinados ao combate
e erradicação da violência contra a mulher, tornando a legislação mais rigorosa. O
Estado deve garantir a implementação de todas as medidas protetivas em prol das
mulheres.

4.1 MEDIDAS DE PROTEÇÃO E RESGUARDO

As medidas de proteção de emergência são categorizadas em compromissos


direcionados ao agressor e à vítima, podendo abranger aspectos pessoais,
patrimoniais ou relacionados ao emprego. Essas medidas estão estipuladas nos
artigos 22, 23 e 24 da Lei nº 11.340/2006:

Art. 22. Ao constatar a prática de violência doméstica e familiar contra a


mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá, de imediato, aplicar ao agressor,
de forma conjunta ou separada, as seguintes medidas protetivas de urgência,
entre outras:
I - Suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao
órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, incluindo:
a) aproximação da ofendida, seus familiares e testemunhas, estabelecendo
o limite mínimo de distância entre eles e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio
de comunicação;
c) frequência a determinados lugares para preservar a integridade física e
psicológica da ofendida;
IV - Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, mediante
consulta à equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - Prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
§ 1º Essas medidas não excluem a aplicação de outras previstas na
legislação vigente, sempre que necessário para a segurança da ofendida ou
em circunstâncias que demandem, devendo a providência ser comunicada
ao Ministério Público.
§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, caso o agressor se enquadre nas
condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22
de dezembro de 2003, o juiz notificará o órgão, corporação ou instituição
competente sobre as medidas protetivas de urgência concedidas e ordenará
a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor
responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incidir
nos crimes de prevaricação ou desobediência, conforme o caso. § 3º Para
assegurar a eficácia das medidas protetivas de urgência, o juiz poderá
solicitar, a qualquer momento, a assistência da força policial.
§ 4º Aplica-se, no que couber, às situações previstas neste artigo, o disposto
no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973
(Código de Processo Civil).
(...)
Art. 23. O juiz poderá, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - Encaminhar a ofendida e seus dependentes a programas oficiais ou
comunitários de proteção ou atendimento;
II - Determinar a recondução da ofendida e de seus dependentes ao
respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

A Lei Maria da Penha garante a proteção das mulheres ao proibir que a vítima
entregue a intimação ou notificação ao agressor, ao tornar obrigatória a assistência
jurídica à vítima e ao prever a possibilidade de prisão em flagrante e preventiva do
agressor.

Art. 24. Para proteger o patrimônio da sociedade conjugal ou os bens


particulares da mulher, o juiz poderá, de forma liminar, determinar as
seguintes medidas, entre outras:
I - Restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - Proibição temporária de celebrar atos e contratos de compra, venda e
locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - Prestação de caução provisória, por meio de depósito judicial, por perdas
e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar
contra a ofendida. Parágrafo único. O juiz deverá oficiar ao cartório
competente para os fins estabelecidos nos incisos II e III deste artigo.

O legislador também considerou a ampla liberdade concedida ao marido para


celebrar contratos de bens, estipulando a necessidade de autorização do cônjuge nos
casos em que o contrato jurídico tiver prazo superior a 10 anos, conforme o artigo 3º
da Lei nº 8.245/91.
As medidas protetivas destinadas a resguardar o patrimônio, conforme o artigo
24, incluem a suspensão de procuração, sendo importante destacar que a Lei Maria
da Penha menciona a suspensão e não a revogação; para este último, deve-se
intentar uma ação específica na vara cível. Dessa forma, todas as medidas
patrimoniais têm natureza extrapenal, podendo ser solicitadas no momento do registro
da ocorrência perante a autoridade policial, dando início ao procedimento.
Outro ponto relevante é a alteração promovida pela Lei nº 10.455/2002 no artigo
69, § único, da Lei nº 9.099/95, abordando o afastamento do agressor do lar nos casos
de violência doméstica. Se essa medida preventiva de afastamento do agressor já era
aplicada por alguns juízes com base no poder geral de cautela e na própria Lei nº
9.099/95, agora há um embasamento explícito, eliminando margens para debates
sobre sua legitimidade.
Conforme observa Bianchini (2013, p.166): Pode-se afirmar que a medida de
retirada do agressor do domicílio não só contribui para o combate e a prevenção da
violência doméstica, uma vez que reduz o risco de novas agressões após a denúncia,
proporcionando maior tranquilidade ao lar e refletindo, inclusive, nos filhos e
familiares, estreitando o vínculo entre a vítima e a justiça.
Outra medida que pode ser adotada é a restrição ou suspensão das visitas aos
filhos, caso o agressor represente uma ameaça à segurança deles, conforme
estabelece o artigo 22, inciso IV, da referida Lei.

Art. 22. Ao constatar a prática de violência doméstica e familiar contra a


mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor,
de forma conjunta ou separada, as seguintes medidas protetivas de urgência,
entre outras:
IV - Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, mediante
consulta à equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar.
Para isso, é recomendada a orientação e audiência da parte, juntamente com
a equipe multidisciplinar, visando preservar o vínculo entre os filhos e o genitor.
Cabe ressaltar que a decretação da prisão preventiva e a adoção de medidas
cautelares, conforme estabelecido na Lei nº 12.403/2011, somente podem ser
aplicadas nos casos de violência contra a mulher quando forem necessárias e
proporcionais.

CONCLUSÃO

A trajetória histórica dos direitos das mulheres no Brasil, desde os primeiros


momentos até os dias atuais, é marcada por superação de desafios e conquistas
significativas. A Constituição de 1988 e a Lei Maria da Penha desempenharam papéis
cruciais na promoção da igualdade de gênero e na proteção das mulheres contra a
violência doméstica. Essa legislação inovadora não apenas introduziu medidas de
proteção e tribunais especializados, mas também sensibilizou a sociedade sobre a
gravidade da violência doméstica e as consequências dessa realidade para as
vítimas. A Lei Maria da Penha desafiou os estereótipos de gênero enraizados na
sociedade brasileira, questionando a impunidade dos agressores e fortalecendo a
rede de apoio às mulheres vítimas de violência.
A Lei Maria da Penha representa um avanço significativo na legislação
brasileira ao reconhecer a complexidade da violência doméstica e oferecer uma
abordagem abrangente para sua prevenção e combate.
Contudo, apesar dos esforços legislativos, a efetividade da Lei Maria da Penha
ainda enfrenta desafios consideráveis. A cultura patriarcal enraizada na sociedade
brasileira, aliada a lacunas na implementação e execução das políticas públicas,
contribui para a persistência da violência contra a mulher. A subnotificação, a
impunidade e a falta de uma abordagem integrada entre os diferentes setores do
Estado são obstáculos a serem superados.
A trajetória histórica da violência contra a mulher, desde os tempos coloniais
até os movimentos feministas contemporâneos, destaca a complexidade do problema.
A Lei Maria da Penha, embora represente um marco legal importante, deve ser
complementada por ações educativas, campanhas de conscientização e
investimentos em serviços de apoio às vítimas. É fundamental promover uma
mudança cultural que rejeite a normalização da violência de gênero e promova a
igualdade entre homens e mulheres.
A análise dos diferentes tipos de violência, desde a física até a patrimonial,
revela a amplitude do problema e a necessidade de abordagens específicas para cada
situação. A identificação do sujeito ativo e passivo na violência doméstica, conforme
estabelecido pela Lei Maria da Penha, destaca a importância de considerar as
relações de poder e a necessidade de proteção às vítimas.
No entanto, a efetividade da legislação depende não apenas de sua existência,
mas também de sua implementação eficaz. A análise das medidas de proteção e
resguardo mostra a importância de uma abordagem integrada, envolvendo não
apenas o sistema judicial, mas também serviços sociais, de saúde e educacionais.
Diante dos desafios e perspectivas na efetividade das políticas contra a
violência de gênero, é crucial um esforço conjunto da sociedade, do governo e das
instituições para superar as barreiras existentes. A conscientização, a educação e o
empoderamento das mulheres são passos essenciais para romper com a cultura de
violência e construir uma sociedade mais justa e igualitária.
Em síntese, a Lei Maria da Penha representa um avanço significativo na
proteção dos direitos das mulheres, mas sua efetividade depende de um compromisso
contínuo com a promoção da igualdade de gênero e o combate à violência. A busca
por soluções deve ser coletiva, envolvendo todos os setores da sociedade na
construção de um futuro onde a violência contra a mulher seja uma página virada na
história.
Nesse contexto, destaca-se a importância de estabelecer novas redes de apoio
à mulher, implementando medidas de proteção que assegurem maior segurança, bem
como a divulgação de informações de maneira clara e abrangente para todas as
classes sociais.

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