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1. INTRODUÇÃO
A violência foi reconhecida como um dos principais problemas de saúde pública em 1993
pela Organização Panamericana da Saúde – OPAS, quando aprova a Resolução XIX e
convoca os países e seus governos a desenvolverem planos e políticas para o enfrentamento
da violência, com especial cuidado aos grupos mais vulneráveis.
Em 2002 a Organização Mundial da Saúde prepara uma resposta técnica que atende a
Resolução WHA49.25 com a apresentação de seu primeiro Relatório Mundial sobre
Violência e Saúde, com o objetivo de subsidiar países e pesquisadores por intermédio de
conceitos e informações epidemiológicas regionais, esclarecendo sobre as principais causas
de violência praticadas contra os seres humanos e o meio ambiente.
“o uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa,
ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão,
morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”. (OMS, 2002:05)
No Brasil, o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde (2002) permeou contextos de saúde
pública e seus determinantes sociais, favorecendo uma melhor compreensão sobre as
populações vulneráveis às situações de violência, e, superando uma codificação
reducionista onde as causas externas se dividiam em apenas duas possibilidades: acidentais
e intencionais.
No período entre os anos 2001 a 2014, o Sistema Único de Saúde brasileiro avança nos
aspectos da intersetorialidade para o enfrentamento a violência em áreas estratégicas como
a violência contra mulheres, o tráfico de pessoas, a exploração sexual de crianças e
adolescentes, trabalhando em conjunto com outros ministérios e, fortalecendo seus sistemas
de bases de dados com a expansão da vigilância de acidentes e violências em todo o
território nacional.
Em 2013, o Governo Federal estabelece o Programa Mulher, Viver sem violência, a partir
do Decreto nº 8.086, de 2013, com proposição de organizar uma grande estratégia de
serviços à partir das Casas da Mulher Brasileira. Um pouco mais à frente, a Lei do
Feminicídio, Lei nº 13.104 de 2015, que qualifica o crime de homicídio e o inclui na
listagem dos crimes hediondos, o que podemos considerar um enorme avanço no contexto
da justiça.
Em 2016 houve uma interrupção relevante nos avanços, ficando as políticas públicas de
enfrentamento às violências baseadas no gênero em estado de paralização forçada, pela
mudança abrupta na gestão federal e a demissão em massa de cargos de confiança,
ocupados por pessoas advindas dos movimentos sociais e da gestão de estados e
municípios. Técnicos concursados da administração federal, ficaram na retaguarda das
estruturas governamentais, para que não se perdessem os direitos conquistados com muitos
esforços nas esferas de gestão da atenção, da informação e da infraestrutura das redes de
atenção integral para mulheres em situação de violência em todo o país. A legislação
relacionada aos serviços e ações de enfrentamento à violência contra mulheres vem sendo
alterada de forma recorrente pelos governos subsequentes. Os prejuízos são muitos desde
então, com aumentos expressivos de mortes violentas de mulheres, de feminicídios e
diminuição de números de serviços em todas as regiões do país.
O termo “Gênero” segundo Scott (1990), deve ser visto como elemento constitutivo das
relações sociais, baseadas em diferenças percebidas entre os sexos, e como sendo um modo
básico de significar relações de poder, sendo construída e apresentada como forma de
controle do feminino que transcende a história, as questões sociais e a oferta de serviços.
Saffioti (1992, s/n), afirma que “como gênero é relacional, quer enquanto categoria
analítica, quer enquanto processo social, o conceito deve ser capaz de captar a trama das
relações sociais, bem como as transformações historicamente por elas sofridas através dos
mais distintos processos, trama essa na qual as relações de gênero têm lugar”. A violência
de gênero afeta em maior número as pessoas do sexo feminino, sejam elas crianças,
adolescentes, mulheres jovens, adultas ou idosas.
Nos últimos 70 anos, o tema violência vem sendo discutido pelos movimentos de defesa dos
direitos humanos e de mulheres no Brasil e em todo o mundo. Esses direitos estão
explicitados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e nos documentos das
conferências internacionais dos direitos da mulher, podendo ser citados os principais
documentos as Declarações do Cairo (1994), Beijing (1995) e Belém do Pará (1994),
reforçados na Conferência de Cúpula para o Desenvolvimento Social (Copenhague) – 1995
e na Declaração do Panamá (2009), onde o enfrentamento da violência cometida contra
esses grupos populacionais é recomendação constante.
A violência contra a mulher em suas diversas formas expressas, começa a ser referenciada
por autores na década de 1950. Na metade do século XX, é designada como violência
intrafamiliar, vinte anos depois passa a ser referida como violência contra a mulher. Na
década de 1980, é denominada como violência doméstica e nos anos 90, os estudos passam
a tratar as relações de poder entre homens e mulheres na sociedade, onde a mulher em
qualquer faixa etária é submetida e subjugada, como violência de gênero (Brasil, 2006).
A Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (2001) afirma que
desde a década de 1970 no país, os movimentos organizados de mulheres vêm estudando e
apontando situações históricas e transgeracionais de violência contra mulheres, entre estas,
a violência sexual e a violência doméstica.
Numa visão ampliada, sobre o conceito de gênero, Schienbinger (2001), precisou detalhar
os significados para que a sociedade aprendesse a conhecer as diferenças e pudessem apoiar
de maneira mais eficaz as iniciativas para os caminhos da nova agenda.
-se
-se a maneirismos e comportamentos idealizados
das
Ainda, o estudo de Lima (2014), que discute a organização de redes e serviços de atenção à
violência contra mulheres, traz questões e detalhamentos sobre os aspectos técnicos e
perpectivas de interfaces entre as políticas públicas de forma intersetorial e intrasetorial, de
onde são trazidas questões de interesse, demonstrando que as complexidades em saúde
podem ser estruturadas a partir de normas técnicas, atualização de sistemas de informação,
capacitação profissional, ajustes nas tabelas de procedimentos hospitalares e ambulatoriais e
pelo apontamento para os determinantes sociais que sujeitam as mulheres a contextos
desfavoráveis. Esses tipos de estudos potencializam a compreensão sobre pontos específicos
das políticas públicas e como se fazem necessárias estratégias para uma aproximação real
com problemas de gênero.
Como uma inovação para a área de políticas públicas para as mulheres, é relevante destacar
que um novo olhar deve ser focado no contexto dos determinantes sociais, que deve ser
apreendido e acompanhado, sendo a condição de vida e localização regional das mulheres e
como esses percursos influenciam em suas vulnerabilidades para as violências.
Para ampliar nossa compreensão acerca do debate que gira em torno das violências
baseadas no gênero e como ampliar nossas capacidades, podemos nos apropriar das teorias
de Bordieu (2006) e (2009), que desenvolve o raciocínio da condição de gênero estipulada
para a mulher como uma questão de controle, de arbitrariedade com objetivos que
perpassam a dominação do corpo, atribuindo às mulheres a responsabilidade por própria sua
opressão e de como a sociedade conseguiu de forma simbólica agregar ao comportamento
da mulher a adoção de práticas submissas. Essas condições nos remetem a busca das
capacidades e habilidades para a constituição de dados e potenciais mapeamentos das
formas e expressões da violência cometida contra as mulheres.
Para tanto, é necessário constituir mapas a partir de bases de dados oficiais e elaborar
comparativos com informações levantadas pelos observatórios de violência contra
mulheres, organizados pelas universidades, institutos de pesquisa e movimentos de
mulheres. Assim, torna-se possível compreender o fenômeno das violências baseadas no
gênero, não mais como fenômeno, mas como práticas históricas, com características
regionais, ainda que em algumas situações sejam reconhecidas as formas de violência com
características proximais tais como o feminicídio e o uso de armas brancas e armas de fogo,
esganaduras e as mutilações de corpos, que se caracterizam como crimes de ódio.
Nesse contexto, retornamos as teorias de Bourdieu (1999) que nos explicitam que as
diferenças biológicas entre homens e mulheres são compreendidas como justificativas das
diferenças sociais entre os gêneros, a partir de uma construção social naturalizada e
entendida como definições inatas. Estas definições apontam como características inatas ao
sexo masculino virilidade, força, poder e agressividade.
Para Bourdieu (1999:78) a virilidade negativa, que na atualidade pode ser reconhecida
como uma virilidade tóxica, é “construída diante e para outros homens e contra a
feminilidade”. Assim, culturalmente, as violências cometidas contra as mulheres estão
baseadas em características, em algumas condições relacionais entre pares e fundamentadas
como violências baseadas no gênero e podem ser reconhecidas como uma categoria de
análise, conforme Scoth (1991), para que os estudos e as apreciações possam ser melhor
aproveitados.
Muitos aspectos sociais, tais como a localização espacial, ou os territórios onde vivem as
mulheres no Brasil, sofrem com a constituição de serviços públicos e orientações técnico-
administrativas para o enfrentamento a violência. Para as mulheres que vivem em regiões
urbanas, sendo nas grandes cidades ou em regiões com menores potencialidades, sejam as
que vivem nas regiões agrícolas, nas regiões das águas, as quais chamamos ribeirinhas,
aquelas que vivem nas regiões de florestas e a índias se encontram em potencial
vulnerabilidade para a violência doméstica, sexual, patrimonial, psicológica e outras
violações.
A banalização pela sociedade brasileira, sobre violência cometida contra mulheres, ainda
que um grande volume de informações, campanhas e orientações, não se mostra diminuída.
Percebe-se um aumento do número de denúncias em períodos de campanhas nacionais, mas
em seguida, retoma-se o silêncio social.
CONSIDERAÇÕES
Com o passar dos anos e pela expressividade com que a violência ocupa espaço na vida em
sociedade, seja nos espaços públicos ou privados, o assunto ganha ares de prioridade para
os Governos Federal, Estadual e Municipal ao longo das décadas, seja pelo aumento da
demanda nos serviços de saúde e segurança pública, seja pelo volume de denúncias nos
diversos canais de comunicação desenvolvidos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 9.ed. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2006.
BUSS PM, PELLEGRINI FILHO A. A saúde e seus determinantes sociais. Phisis -Rev
Saúde Coletiva 2007; 17(1):77-93.
LIMA, C.A. Redes de atenção para mulheres em situação de violência sexual: análise do
caso de Campo Grande/Mato Grosso do Sul a partir das representações sociais de
seus gestores. Tese de Doutorado. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca.
Rio de Janeiro. ICICT. Biblioteca de Saúde Pública/Claudia Araújo de Lima – 2014 –
S729.
SCOTT, J.W.. Gênero: Uma categoria útil para análise histórica. Tradução (para o
português) de Christine Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. Recife: SOS Corpo,
1991.