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Revista de Políticas Públicas

ISSN: 2178-2865
revistapoliticaspublicas@ufma.com
Universidade Federal do Maranhão
Brasil

Serra Pinto de Alencar, Gabriela; Locatelli, Laís;


Costa Gonçalves de Sousa Aquino, Maria da Glória
MULHERES E DIREITOS HUMANOS: uma perspectiva
normativa acerca do enfrentamento da violência de gênero
Revista de Políticas Públicas, vol. 24, 2020, pp. 474-491
Universidade Federal do Maranhão
Brasil

Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=321165167027

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MULHERES E DIREITOS HUMANOS: uma perspectiva normativa acerca do enfrentamento da
violência de gênero

Gabriela Serra Pinto de Alencar1


Laís Locatelli2
Maria da Glória Costa Gonçalves de Sousa Aquino 3

Resumo
Objetiva discutir a violência de gênero enquanto uma violação dos direitos humanos das mulheres. Considerando a
escassez de estudos que abordem a temática sob o aspecto internacional, propõe-se a traçar um panorama dos
instrumentos normativos de enfrentamento à violência contra as mulheres em âmbito internacional e seus impactos na
adoção de políticas públicas pelo Brasil. Reflete acerca das contradições no processo de efetivação das disposições
normativas e nos desafios a serem rompidos para garantir a integridade da mulher, não só física. Aborda, em específico, a
violência sexual que, à despeito de ser considerada como um problema de saúde global pela Organização Mundial da
Saúde (OMS), ainda apresenta elevados índices de ocorrência e esbarra na fragilidade dos sistemas de justiça. Elenca
sujeitos de políticas públicas diversos que contribuíram para a promulgação dos marcos regulatórios a serem discutidos,
com destaque aos movimentos de mulheres e aos organismos internacionais.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Políticas Públicas. Violência de gênero.

Abstract
It aims to discuss gender violence as a violation of women's human rights. Considering the scarcity of studies that address
the theme from an international perspective, it is proposed to draw an overview of the normative instruments to confront
violence against women at the international level and their impacts on the adoption of public policies by Brazil. It reflects on
the contradictions in the process of implementing the normative provisions and the challenges to be overcome in order to
guarantee the integrity of the woman, not only physical. It specifically addresses sexual violence, which, despite being
considered a global health problem by the World Health Organization (WHO), still has high rates of occurrence and comes
up against the fragility of justice systems. It lists subjects of different public policies that contributed to the promulgation of the
regulatory frameworks to be discussed, with emphasis on women's movements and international organizations.
Keywords: Human rights. Public policy. Gender violence.

Artigo recebido em: 10/11/2019. Aprovado em: 11/02/2020

1 Assessora jurídica no Ministério Público do Estado do Maranhão. Mestra em Políticas Públicas pela Universidade Federal
do Maranhão (UFMA). E-mail: gabrielaserradealencar@hotmail.com.
2 Professora do Pós-Doutorado Interinstitucional e Internacional em Estudos Interdisciplinares sobre políticas públicas e

segurança na Universidade Portucalense/Portugal (UPT). Pós-Doutora e Doutora em Direitos Humanos pela Universidade
de Salamanca/Espanha (USAL). Pós-Doutoranda em Direitos Sociais pela Universidad de Salamanca/Espanha (USAL).
E-mail: laislocatelli@gmail.com.
3 Advogada. Professora Adjunta do Departamento de Direito da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Membro da

Comissão da Mulher do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB nacional). Membro do Instituto Brasileiro de Direito
Processual (IBDP). Investigadora do Centro de Investigação e Justiça e Governação da Escola de Direito do Minho,
Portugal. E-mail: mgcgn@email.iis.com.br
MULHERES E DIREITOS HUMANOS: uma perspectiva normativa acerca do enfrentamento da violência de gênero

1 INTRODUÇÃO

Segundo dados disponibilizados pela Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de
Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU MULHERES), através do Programa de Prevenção e
Acesso aos Serviços Essenciais para erradicar a Violência contra as Mulheres e Meninas, em 2013,
35% das mulheres do mundo já haviam sofrido violência de gênero por parte de seu parceiro íntimo.
Trata-se de problemática que envolve interesses globais e cuja solução é essencial para
garantir a proteção de princípios democráticos e a construção de uma sociedade justa e igualitária. O
alcance à igualdade de gênero é, inclusive, o objetivo nº 05 da Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável, da Organização das Nações Unidas (ONU).
Justifica-se, pois, a pertinência de discussão da violência contra as mulheres a partir de
uma perspectiva internacional. A presente pesquisa, assim, objetivou analisar a violência de gênero –
em especial a sexual – enquanto uma violação de direitos humanos, com ênfase nos padrões de
dominação masculina e da cultura de estupro, corriqueiramente reforçados.
Para tanto, considerou-se os instrumentos normativos internacionais de enfrentamento à
violência de gênero sob o aspecto de sua efetividade prática no ordenamento jurídico interno dos
Estados que os ratificam, com destaque para o Brasil, pontuando aspectos sobre as políticas públicas
em matéria de gênero, bem como os desafios a serem vencidos para garantir real proteção às
mulheres.
A pesquisa em questão desenvolveu-se sob a técnica de coleta de dados, realizada por
meio de pesquisa bibliográfica para fins de revisão da literatura, ressaltando-se a análise
multidisciplinar e internacional do tema, com ênfase não só em noções jurídicas, mas também
econômicas, sociais e políticas. Ademais, considerou-se como fontes os dados empíricos oficiais
disponibilizados pela ONU, pelo Mapa da Violência de 2015 e pelo Anuário Brasileiro de Segurança
Pública, em sua 11ª edição.

2 POLÍTICAS PÚBLICAS EM MATÉRIA DE GÊNERO

As políticas públicas, expressão máxima da atuação do poder executivo, têm uma função
primordial na consolidação da igualdade em seu território, através das suas instituições, normas e
modelos que norteiam suas decisões, elaborações, implementações, avaliações e verificação dos
resultados.
No que diz respeito às políticas de atendimento às demandas femininas, tem-se que a
pressão interna se dá em grande medida pelos movimentos de mulheres que, como afirma Puri (2019),

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têm sido “fundamental para exigir e impulsionar as mudanças em todas essas áreas”. Ainda, os
movimentos “potencializaram a discussão sobre a assimetria de poder entre os dois gêneros nos
espaços público e privado”. (COUTO; GOMES, 2012, p. 2569).

Sem dúvida, a história delas nesses movimentos reflete a sua constituição como sujeito
coletivo e com representação na cidadania, trazendo à cena questões e temas até então
circunscritos ao privado […] é importante assinalar que no campo da relação Estado e
movimentos sociais (especialmente o movimento feminista), sempre esteve presente o
debate em torno da preservação da autonomia e/ou integração dos movimentos sociais na
formulação, implantação e controle das políticas públicas. (COUTO; GOMES, 2012, p. 2569).

Farah (2004, p. 47), sobre a pressão do movimento das mulheres, escreve o seguinte:

Progressivamente, tais organizações passaram também a dialogar com o Estado, propondo


diretrizes de ação para políticas públicas. Mais recentemente, fortaleceu-se a tendência de
formulação de propostas de políticas públicas, passando esse espaço a se constituir em
espaço privilegiado na luta pela superação da desigualdade entre mulheres e homens na
sociedade brasileira. [...] Essa tendência, de um lado, decorreu do próprio processo de
democratização e das oportunidades que tal processo abriu para o desenvolvimento de
políticas mais inclusivas. De outro lado, foi influenciado pelo feminismo internacional, que,
nos últimos anos, tem lutado pela incorporação da perspectiva de gênero pelas políticas
públicas, em encontros e conferências mundiais.

A autora ainda afirma que as propostas de políticas públicas de tais movimentos


“passaram a integrar, como um de seus componentes fundamentais, a ideia da articulação de ações
governamentais e não governamentais para a própria formulação das políticas”. (FARAH, 2004, p. 47).
Ademais, reivindicavam que, além de serem “beneficiárias das políticas”, era essencial que figurassem
“entre os ‘atores’ que participam da formulação, da implementação e do controle das políticas públicas”.
(FARAH, 2004, p. 54). Hoje, a participação configura, entre os princípios norteadores do Plano
Nacional de Políticas para as Mulheres 2013-2015 do Brasil, o último elaborado pelo governo e o que
ainda rege a elaboração das políticas públicas referentes à mulher.
A análise de uma normativa internacional de proteção à mulher pressupõe, de início, a
compreensão acerca das políticas públicas respectivas, tendo em vista que a norma legal integra,
também, o seu processo de formação. Assim sendo, insta salientar que, uma vez que as políticas
públicas são elaboradas em planos, programas, projetos, estratégias de ação, sistemas de dados e de
pesquisas ou de informação, entre outros, passa-se a sua implementação, quando então podem ser
acompanhadas e avaliadas através dos seus resultados, ou seja, se conseguem resolver o problema
para o qual foram criadas – sempre considerando o momento histórico em que atuam, onde os
movimentos sociais e grupos de interesse têm fundamental importância.
De acordo com Godinho e Silveira (2004, p. 7), é recorrente a preocupação com a
fragmentação das políticas públicas: isto significa que existe um investimento em políticas focalizadas
“através de diversas roupagens”, priorizando alguns eixos. Considera-se que tratar de políticas públicas

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que tenham como objetivo consolidar a igualdade demanda uma grande abrangência, que inclua todos
os setores, ou seja, é necessário que tais políticas públicas se destinem a resolver distintos problemas,
através de uma perspectiva igualitária entre os homens e as mulheres para, então, “reduzir os efeitos
do desgaste do tecido social resultante da desigualdade cada vez mais aguda na sociedade brasileira”.
(GOUDINHO; SILVEIRA, 2004, p. 7).
De acordo com as autoras, as políticas públicas de gênero, apesar de terem um largo
caminho para trilhar, apresentam uma continuidade, às vezes mais rápida, outras vezes mais devagar.
Escrevem elas:

Obviamente ainda há muito a se pensar, elaborar e debater sobre as políticas públicas de


gênero. A introdução da perspectiva das mulheres como um sujeito e como categoria de
gênero no âmbito das políticas públicas não tem sido um processo fácil. Há que se
reconhecer que, em larga escala, as experiências ainda são incipientes. O que torna ainda
mais necessário o debate e a avaliação crítica das experiências existentes no sentido de
reforçar a construção de tais políticas. (GOURDINHO; SILVEIRA, 2004, p. 9).

Para o fundamental objetivo da erradicação da violência contra as mulheres, ligada


diretamente à desigualdade entre homens e mulheres, é de máxima importância o trabalho realizado
pela Organização das Nações Unidas, que impulsiona a igualdade como o fundamento das políticas
públicas elaboradas e aplicadas pelo governo.
Lakshmi Puri (2019) escreveu que, “embora as mulheres tenham conquistado verdadeiros
avanços, os fatos nos recordam continuamente que ainda falta muito para que a igualdade entre
homens e mulheres seja uma realidade.” Resta claro que a desigualdade existe e deixa suas marcas e
cicatrizes na pele das mulheres em todo o mundo, em maior ou menor medida: “Não passa um único
dia sem que vejamos nas notícias a violação dos direitos das mulheres [...] a discriminação e a
violência contra as mulheres e meninas são onipresentes” (PURI, 2019).
Um dos objetivos do desenvolvimento da importante Declaração do Milênio de 2000, “um
documento histórico para o novo século” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2000), era de, até
2015, promover a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres, objetivo este, fruto do
reconhecimento pelos Estados que o problema existe e demanda solução. Contudo, faltou descrever
com todas as letras o objetivo de estancar a violência contra as mulheres, que parece estar
subentendido na promoção da igualdade.
Sabe-se que tal objetivo ainda está longe de ser alcançado, o que levantou um diálogo
mundial sobre o que deveria substituí-los (PURI, 2019). É essencial voltar a tentar, persistir,
transnacionalmente, com o comprometimento dos Estados, sem abandonar o barco à deriva, com um
olhar esperançoso, mas consciente que demanda, ainda, muito trabalho, principalmente político: é
através dele que se dá o primeiro passo, com a assinatura e comprometimento dos Estados, e o último,

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com a elaboração e aplicação de políticas públicas que possibilitem atingir o gigantesco objetivo da
efetiva igualdade entre homens e mulheres e, como consequência, a eliminação da violência de
gênero.
Neste sentido, Puri (2019) escreve o seguinte:

O objetivo da igualdade de gênero e empoderamento das mulheres fez um seguimento dos


avanços em relação a matrículas escolares, participação das mulheres no trabalho
remunerado e porcentagem de mulheres nos parlamentos, atraindo atenção mundial, além
de estimular a implementação de diversas medidas. Permitiu exigir a rendição de contas aos
governos, mobilizar os recursos necessários, fomentar a promulgação de novas leis e a
execução de políticas e programas de compilação de dados.

A ação prioritária do combate a violência de gênero não foi uma escolha ao acaso, ou
simples reflexo de uma ação global das Nações Unidas, mas é decorrência da preocupação dos
números alarmantes e crescente e, sobretudo, dos esforços feitos pelos movimentos de mulheres em
todo o mundo. A partir de então é que a normativa internacional eleva o patamar de proteção às
mulheres, com o reconhecimento de que a violência de gênero trata-se de uma grave violação de
direitos humanos femininos.

3 A NORMATIVA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO ÀS MULHERES E O RECONHECIMENTO DA


VIOLÊNCIA DE GÊNERO COMO UMA VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, elaborada em 1789 no contexto da


Revolução Francesa, pelos próprios termos utilizados e a menção, com exclusividade, ao gênero
masculino, operou o efeito simbólico de desconsideração das demandas femininas enquanto uma
questão de direitos humanos. Não foi à toa que Olympe de Gourges, em resposta ao mencionado
documento, escreveu, em 1791, a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, questionando a
negativa às mulheres do direito ao voto, de acesso às instituições públicas, liberdade profissional, e,
sobretudo, atentando para a invisibilidade feminina no texto da Declaração de 1789.
A Declaração da Revolução Francesa dos Direitos dos Homens é, assim, segundo Santos
(2014, p. 35), ambivalente ao falar de direitos do homem e do cidadão. “Estas duas palavras não estão
lá por acaso”, diz o autor.

Desde o início, os direitos humanos cultivam a ambiguidade de criar pertença em duas


grandes coletividades. Uma é a coletividade supostamente mais inclusiva à humanidade, daí
os direitos humanos. A outra é uma coletividade muito mais restrita, a coletividade dos
cidadãos de um determinado Estado. Esta tensão tem desde então assombrado os direitos
humanos. […] Os direitos humanos surgem como o patamar mais baixo de inclusão, um
movimento descendente da comunidade mais densa de cidadãos para a comunidade mais
diluída da humanidade. (SANTOS, 2014, p. 35)

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Nota-se, pois, que a Revolução olvidou-se das mulheres em seu projeto de liberdade e
igualdade, circunstância cujos reflexos prolongaram-se aos dias atuais, em que a negativa de direitos
às mulheres, embora não expressa categoricamente em leis, manifesta-se culturalmente, através de
uma desigualdade de gênero historicamente construída.
Válido frisar que o contexto em que a Declaração dos Direitos do Homem foi promulgada
foi caracterizado pelo individualismo burguês. Ademais, a ideia de igualdade perante o direito não
levava em conta que, à época, “indivíduos de várias regiões do mundo não eram iguais perante o
direito por estarem sujeitos a uma dominação coletiva e, sob sujeição coletiva, os direitos individuais
não oferecem nenhuma proteção” (SANTOS, 2014, p. 41).

Isto não foi contemplado pela declaração num momento alto do individualismo burguês, num
tempo em que o sexismo era parte do senso comum, em que a orientação sexual era tabu,
em que a dominação classista era um assunto interno de cada país e em que o colonialismo
ainda tinha força como agente histórico, apesar do profundo abalo sofrido com a
independência da Índia. Com o passar do tempo, também o sexismo, o colonialismo e
outras formas mais cruas de dominação de classe foram sendo reconhecidos como dando
azo a violações dos direitos humanos.

Certo é que, enquanto não assegurada a emancipação feminina, não se pode falar em
direitos humanos com a concepção universal que o termo exige. Como bem reflete Santos (2014, p.
31), é necessário questionar se os direitos humanos, diante do seu caráter hegemônico como
linguagem de dignidade humana, “servem eficazmente à luta dos excluídos, dos explorados e dos
discriminados”. Assim é que as mulheres, sob dominação masculina “coletiva”, historicamente
construída, necessitam da efetiva proteção dos direitos humanos, para além de garantias básicas de
direitos civis e políticos de primeira geração. Isto porque é preciso enfrentar a violência de gênero que
as atingem em sua dignidade enquanto pessoa humana.

Porque os direitos coletivos não entram no cânone originário dos direitos humanos, a tensão
entre direitos individuais e direitos coletivos decorre da luta histórica dos grupos sociais que,
por serem excluídos ou discriminados enquanto grupos, não podiam ser adequadamente
protegidos por direitos humanos individuais. As lutas das mulheres, dos povos indígenas,
dos povos afrodescendentes, dos grupos vitimizados pelo racismo, dos gays e das lésbicas
marcaram os últimos cinquenta anos do processo de reconhecimento dos direitos coletivos,
um reconhecimento sempre muito contestado e sempre em vias de ser revertido. (SANTOS,
2014, p. 41).

Importa, assim, tratar a violência de gênero como uma violação dos direitos humanos das
mulheres. Nesse sentido, Saffioti (2004, p. 75) rejeita o conceito de violência como uma mera ruptura
dos tipos de integridade: física, sexual, emocional, moral. Explica que, sobretudo quando se trata de
violência de gênero, e mais especificamente intrafamiliar e doméstica, são muito tênues os limites entre
quebra de integridade e obrigação de suportar o destino de gênero traçado para as mulheres: sujeição
aos homens, sejam pais ou maridos. É por essa razão que autora prefere entender violência como todo

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agenciamento capaz de violar direitos humanos. Reconhece, contudo, que é ainda muito incipiente a
consideração dos direitos humanos como também femininos (SAFFIOTI, 2004, p. 76).
Nessa linha, Costa (2014, p. 109) aponta que os direitos humanos voltados para a mulher
têm sido objeto de inúmeras cartas das Nações Unidas. Confirma, assim, que a violência contra as
mulheres é uma questão de direitos humanos, e esta violência está relacionada a “[...] um estudo
sociocultural da violência do homem contra a mulher, englobando mecanismos para conseguir a
subordinação da mulher [...]” (COSTA, 2014, p. 109). Diz ainda o autor:

Desta forma, entende-se que o avanço dos direitos humanos e, consequentemente, a sua
compreensão serão fundamentais para implantar uma nova visão dos direitos da mulher em
sociedade e, principalmente, alertar as soberanias a fortalecer este esforço com leis positivas
que visem a promover a igualdade de gêneros em todos os setores da comunidade, quer no
âmbito privado, quer no âmbito público. E isto inevitavelmente deverá passar por um
processo legislativo forte, plasmado no discurso internacional dos direitos humanos, obtido
nas conferências internacionais e nas declarações das Nações Unidas que reconhecem a
mulher dotada de dignidade e que precisa ter seus direitos respeitados, de maneira a ver
erradicada toda forma de discriminação. (COSTA, 2014, p. 132).

Em relação à violência de gênero, Rocha (2007, p. 29) a caracteriza através das relações
de dominação, exploração, hierarquia e assimetria entre os gêneros. Seu alvo principal são as
mulheres, de diferentes faixas etárias, condição social e pertencimento étnico/racial. É, portanto,
constitutiva de uma ordem social androcêntrica.
Costa (2014, p 25) esclarece que a violência de gênero, para além de uma questão local
ou mesmo familiar, afeta todos os cidadãos, quer homens, quer mulheres, e também se encontra
dentro de uma discussão de planificação internacional. Chega então o autor à conclusão de que
“gênero é uma questão de direitos humanos, e assim deve ser tratado” (COSTA, 2014, p. 133).
Collantes (2010, p. 733), ao reforçar que a violência de gênero tem aspecto multicausal e
supera a dimensão privada e familiar, assevera que esta é um ataque à própria democracia e sustenta-
se através de “estruturas de poder e dominação de ordem social e patriarcal” (COLLANTES, 2010, p.
733). Nesse mesmo sentido, Costa (2014, p. 97) pontua, acertadamente, que a problemática de
discriminação da mulher não pode ser restrita a um caráter privado ou intrafamiliar, pois reclama uma
solução muito mais ampla e que “[...] interfere na vida de todos indistintamente, pois abala os pilares da
democracia [...]”.
Nesse contexto, vale citar a compreensão de Habermas, acerca da função da esfera
pública, qual seja, “[...] captar e tematizar os problemas da sociedade como um todo [...]” (HABERMAS,
1997, p. 94), de modo que a esfera pública política só é formada a partir de “[...] contextos
comunicacionais de pessoas virtualmente atingidas [...]” (HABERMAS 1997, p. 97). Nesta esfera
pública, sujeitos diversos lutam por influência, que, segundo Habermas (1997, p. 95) pode interferir no

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“[...] comportamento eleitoral das pessoas e na formação da vontade nas corporações parlamentares,
governos e tribunais [...]”.
A luta por influência na esfera pública, a pressão social exercida por sujeitos diversos,
refletem necessariamente nas políticas públicas que serão implementadas em detrimento de outras.
Ocorre que, no contexto de discussão da violência contra as mulheres em âmbito internacional e, de
forma mais específica, no Brasil, é preciso tratar do que Saffioti (2004, p. 49) chama de “tripé
contraditório”, ou seja, as relações de gênero com primazia masculina, racismo contra o negro e
relações de exploração-dominação de uma classe sobre outra, em detrimento dos menos privilegiados.
Estes são fatores antidemocráticos e, segundo a autora, somente a igualdade social entre
todos merece o título de democracia (SAFFIOTI, 2004). Não é difícil perceber, portanto, que em tempos
atuais de neoliberalismo marcante, conservadorismos e de ideologia patriarcal reatualizada de maneira
cada vez mais cruel, o alcance à igualdade social e a consequente concretização da democracia
parece tornar-se cada vez mais distante.
Diante de tais considerações, é preciso aprofundar, em específico, a temática da proteção
da mulher sob uma perspectiva da normativa internacional. Nesse sentido, insta salientar que, em
setembro de 2015, representantes dos 193 Estados-membros da ONU reuniram-se em Nova York e
adotaram o documento “Transformando o Nosso Mundo: A Agente 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável”. Neste, foram indicados os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e 169 metas,
que buscam “concretizar os direitos humanos de todos e alcançar a igualdade de gênero e o
empoderamento das mulheres e meninas”. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2015, p. 1).
Interessa pontuar que o Objetivo 5 da referida Agenda é o de “Alcançar a igualdade de
gênero e empoderar todas as mulheres e meninas” e uma das metas para tanto é “eliminar todas as
formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o
tráfico e exploração sexual e de outros tipos”. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2015, p. 24).
Trata-se de objetivo que se justifica pela desigualdade de gênero culturalmente construída
e pelo fato de que, a despeito dos documentos normativos internacionais e nacionais de proteção às
mulheres, os dados relativos à violência praticada por motivo de gênero continuam a apresentar
resultados crescentes. No caso específico do Brasil, o Mapa da Violência de 2015 revelou que entre
1980 e 2013 houve aumento do número de homicídios de mulheres no Brasil, de 1353 mulheres em
1980, para 4.762 em 2013. (WAISELFISZ, 2015, p. 11).
O Modelo de Protocolo Latino-Americano de Investigação de Mortes Violentas de
Mulheres por Razões de Gênero, elaborado pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU e
pela ONU Mulheres em 2015, apontou que diversos instrumentos internacionais tratam da problemática
da violência contra a mulher e serviram de base para desenvolver a jurisprudência internacional sobre

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o tema. O Protocolo ressalta, particularmente, dois desses instrumentos: a) no âmbito universal, a


Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra a Mulher, adotada em 1993 pela Assembleia Geral
das Nações Unidas e; b) no âmbito latino-americano, a Convenção de Belém do Pará, de caráter
vinculante para os Estados que a ratificaram. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2015, p. 23).

Ambos instrumentos condenam todas as formas de VCM, quer aconteçam dentro da família
ou unidade doméstica, na comunidade, em qualquer outra relação interpessoal; quer sejam
cometidas ou toleradas pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorram. Mediante
essa Declaração e essa Convenção, os Estados se comprometem a instaurar e aplicar uma
série de medidas destinadas a prevenir, erradicar, investigar, punir e reparar a violência
contra mulheres, incluindo o feminicídio. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2015, p.
23).

Nesse contexto, é preciso pontuar a evolução substancial pela qual passou o Direito
Internacional dos Direitos Humanos no que diz respeito à proteção das mulheres, reflexo das teorias
feministas e do movimento de mulheres em vários países. É o que discorre Toledo Vásquez (2009, p.
37):

El Derecho Internacional de los Derechos Humanos se ha constituido como una de las


principales herramientas utilizadas por los movimientos de mujeres y feminista en las últimas
décadas para lograr la plena vigencia de los derechos de las mujeres en los diversos países
del mundo. Dentro de esta rama del Derecho Internacional se ha producido una evolución
sustancial desde instrumentos adoptados e interpretados a partir de una mera igualdad
formal entre hombres y mujeres, hacia instrumentos e interpretaciones que reconocen la
desigualdad y discriminación estructural de las mujeres y, en consecuencia, la necesidad de
una completa revisión de la forma en que sus derechos son reconocidos y aplicados
(VÁSQUEZ, 2009, p. 37)

Desde a adoção da Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação


Contra a Mulher (CEDAW), desenvolveu-se uma nova área do Direito Internacional dos Direitos
Humanos, com ênfase nos direitos humanos das mulheres. (VÁSQUEZ, 2009, p. 37). Assim, vários
foram os documentos normativos que, em âmbito internacional, apresentaram como objeto a proteção
da mulher e o enfrentamento da violência.
A ONU Mulheres do Brasil elenca alguns dos instrumentos internacionais que orientam
sua atuação no contexto nacional, quais sejam: a já citada CEDAW; a Declaração e a Plataforma de
Ação de Pequim, adotados pelos governos na Conferência Mundial sobre a Mulher de 1995; A
resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU sobre Mulheres, Paz e Segurança (2000); e a
Declaração do Milênio e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que definiram um conjunto de
metas para promover a igualdade de gênero entre 2000 a 2015 (ONU MULHERES, 2019).
Ademais, as Diretrizes Nacionais de Feminicídio, realizadas pela ONU Mulheres do Brasil,
em 2016, também elencam marcos jurídicos internacionais relacionados aos direitos das mulheres,
quais sejam:

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MULHERES E DIREITOS HUMANOS: uma perspectiva normativa acerca do enfrentamento da violência de gênero

DECLARAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS


FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER. Resolução 2263(XXII), (7/11/1967);
DECLARAÇÃO SOBRE A PROTEÇÃO DA MULHER E DA CRIANÇA EM ESTADOS DE
EMERGÊNCIA OU EM CONFLITO ARMADO. Proclamada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas (14/12/1974). Resolução 3318 (XXIX); DECLARAÇÃO SOBRE A
ELIMINAÇÃO DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. Proclamada pela Assembleia Geral
das Nações Unidas na sua resolução 48/104 (20/12/1993); DECLARAÇÃO DE BEIJING E A
PLATAFORMA DE AÇÃO. (1995); DECLARACIÓN SOBRE LA VIOLENCIA CONTRA LAS
MUJERES, NIÑAS Y ADOLESCENTES Y SUS DERECHOS SEXUALES Y
REPRODUCTIVOS. 18 - 19 de septiembre de 2014. Montevideo. UY; PROTOCOLO
REGIONAL PARA A INVESTIGAÇÃO COM PERSPETIVA DE GÉNERO DOS CRIMES DE
VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES COMETIDOS NO ÂMBITO INTRAFAMILIAR
(COMJIB, AIAMP, EUROSOCIAL, 2014); Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
Resolução 2200A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 16 de Dezembro de
1966; Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Adotado pela
Resolução nº 2.200-A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 16.12.1966;
Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher.
Adotada pela Resolução nº 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidas em 18.12.1979.
(ONU MULHERES, 2016).

Como se vê, o Direito Internacional dos Direitos Humanos, pelo menos no que tange à
promulgação de documentos normativos com a especificidade do combate à violência de gênero,
evoluiu substancialmente e passou a reconhecer a organização estrutural da sociedade baseada na
discriminação da mulher. Não se pode mais dizer que os marcos regulatórios internacionais
fundamentam-se na proteção apenas do “homem e do cidadão”, à medida que existe o esforço,
inclusive por força da luta das próprias mulheres, de enquadrá-las nestes instrumentos de proteção.
O grande desafio a ser vencido, contudo, diz respeito ao efetivo cumprimento destes
instrumentos pelos Estados Partes. No caso específico do Brasil, a proteção oferecida pelo direito
interno foi falha no que diz respeito ao caso Maria da Penha, em que, após a vítima sofrer duas
tentativas de homicídio por seu marido, este só foi condenado após 19 (dezenove) anos da prática dos
crimes e passou apenas 02 (dois) anos preso.
A repercussão do caso foi tamanha que foi feita uma denúncia à Comissão Interamericana
de Direitos Humanos (CIDH) 1, órgão da OEA, resultando na condenação do Brasil a pagar a
indenização de 20 (vinte) mil dólares a Maria da Penha 2, além da recomendação de adoção de
medidas para simplificar a tramitação processual.
Na tentativa de cumprir a recomendação da OEA, o Brasil tornou-se signatário do
Protocolo Facultativo à CEDAW, e, em julho de 2003, apresentou relatório a 29º sessão do Comitê
CEDAW em que reconheceu que a inexistência de uma Lei própria e a não tipificação penal da
violência psicológica dificultavam o cumprimento do disposto na Convenção de Belém do Pará.
O Decreto nº 5.030/2004 constituiu o Grupo de Trabalho Interministerial, integrado, dentre
outros, pela Secretaria de Políticas Para Mulheres (SPM) (BRASIL, 2004). Em 2004, esse grupo de

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Gabriela Serra Pinto de Alencar, Laís Locatelli e Maria da Glória Costa Gonçalves de Sousa Aquino

trabalho encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 4.459, que, após alterações, resultou
na Lei nº 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006.
Como se vê, a internacionalização dos Direitos Humanos foi decisiva para elaboração, no
plano interno, da Lei Maria da Penha, medida essencial para enfrentar a violência doméstica e familiar,
enquanto ação afirmativa destinada a combater práticas discriminatórias cultural e socialmente
construídas.
Os tratados internacionais que os Estados ratificam criam obrigações perante a
comunidade internacional, mas geram, também, responsabilidades internas. Inclusive, através do
Decreto nº 4.316/2002, o Brasil promulgou o Protocolo Facultativo à CEDAW, responsável por permitir
que não apenas os Estados Partes, mas qualquer mulher vítima de violação de quaisquer dos direitos
estabelecidos na referida Convenção, possa apresentar comunicação diretamente ao Comitê CEDAW.
A partir de então, as mulheres passaram a contar com uma última instância internacional de decisão,
situação esta que demonstra que os direitos das mulheres estão além de questões privadas e/ou
familiares, dignos de uma dupla cidadania, exercida pelo país de origem e pelo sistema global de
direitos humanos.
Nota-se, pois, que para garantir efetividade à normativa internacional de proteção às
mulheres é preciso articular o Direito Internacional com o direito interno de cada nação. Assim, quando
o direito interno não for suficiente, é possível que se acione as cortes internacionais de justiça, cujo
caráter vinculante de suas decisões pode garantir melhores condições de vida às vítimas,
proporcionando-lhe segurança e bem-estar. (COSTA, 2014, p. 329).
As discriminações contra as mulheres demonstram a necessidade de se promover uma
profunda análise sobre as raízes culturais que manifestam um modelo de dominação simbólica
masculina, o que constitui barreira à consolidação do direito legal previsto, prejudicando a eficácia das
disposições normativas e motivando graves violações de direitos humanos contra as mulheres.
No ano de 2006, foi sancionada no Brasil a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), a qual
prevê, entre as formas de violência, a sexual. Em que pese a pontual previsão normativa, a 11ª Edição
do Anuário Brasileiro de Segurança Pública constatou que ocorre um estupro a cada onze minutos no
país, e que uma mulher é assassinada a cada duas horas. Comparando os anos de 2015 e 2016,
verifica-se um aumento gradativo no número de vítimas de violência decorrente do crime de estupro,
que saltou de 47 mil casos no ano de 2015 para 49 mil casos no ano de 2016.
Sendo assim, justifica-se a pertinência de analisar, sob uma perspectiva internacional, as
expressões da cultura da violência no âmbito da sexualidade, à medida que esta conduz à objetificação
da mulher, como norma socialmente aceita e inquestionável, ao tempo em que se enfatiza que a falha

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MULHERES E DIREITOS HUMANOS: uma perspectiva normativa acerca do enfrentamento da violência de gênero

na proteção à integridade sexual feminina resulta em grave violação dos direitos humanos e atinge as
mulheres em sua dignidade como pessoa humana. É o que discutirá adiante.

4 A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA AS MULHERES NO CONTEXTO INTERNACIONAL: desafios e


perspectivas

Importa reforçar que o reconhecimento dos direitos das mulheres como uma questão de
direitos humanos é fruto da luta feminina em âmbito nacional e internacional. Este foi o contexto de
surgimento da própria Lei Maria da Penha, diploma promulgado a fim de compatibilizar-se com as
determinações do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH), que reforçaram
a necessidade de criação de uma normativa especializada de enfrentamento à violência de gênero.
Em dezembro de 1993, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Resolução
48/104 – Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, que define no artigo 1º a
violência contra a mulher, de modo a enquadrar em tal conceito o dano sexual. Observe-se:

Para os efeitos da presente Declaração, por “violência contra a mulher” se entende todo ato
de violência baseado no pertencimento ao sexo feminino que tenha ou possa ter como
resultado um dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para a mulher, assim como as
ameaças de tais atos, a coação ou a privação arbitrária da liberdade tanto se produza na
vida pública como na vida privada. (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 1993, p.
2).

A Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1994, confirmou como lei esta
Declaração, ao aprovar a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra
a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará, que incluiu a violência sexual no conceito de
violência contra a mulher. No artigo 1º da Convenção compreende-se como violência contra a mulher
qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou
psicológico.
As consequências da violência sexual, para além da violação individual da integridade das
mulheres vítimas, representam, sobretudo, “um problema de saúde pública global e de violação dos
direitos humanos das mulheres”, conforme informativos disponibilizados pela Organização Pan-
Americana de Saúde/ Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), em 2017.
Em relação às consequências para a saúde das mulheres, apontam a OPAS/OMS (2017):

A violência por parte de parceiros e a violência sexual podem levar a gestações indesejadas,
abortos induzidos, problemas ginecológicos e infecções sexualmente transmissíveis,
incluindo o HIV. Uma análise de 2013 descobriu que as mulheres que já foram abusadas
física ou sexualmente eram 1,5 vezes mais propensas a ter uma infecção sexualmente
transmissível e, em algumas regiões, o HIV, em comparação com as mulheres que não
haviam sofrido violência por parte do parceiro. Elas também são duas vezes mais propensas

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Gabriela Serra Pinto de Alencar, Laís Locatelli e Maria da Glória Costa Gonçalves de Sousa Aquino

a sofrerem abortos. (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE/ ORGANIZAÇÃO


MUNDIAL DA SAÚDE, 2017).

A magnitude do problema é tamanha que o Estatuto de Roma do Tribunal Penal


Internacional, aprovado pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo n o 112, de 6 de junho de 2002,
considera que os atos de “agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada,
esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável”
são considerados crimes contra a humanidade.
Em que pese a normativa internacional de proteção à integridade sexual das mulheres, a
cultura baseada na discriminação feminina ainda as objetifica enquanto instrumentos de satisfação
masculina. Ademais, Dias (2019, p. 01) explica que em temas relacionados à sexualidade, os dados
sequer correspondem à realidade, à medida que se trata de uma violência que “ninguém quer ver”.

Não faz parte de nossa cultura prevenir os filhos que não deixem ninguém fazer com eles o
que os namorados fazem. Sequer as inadequadas cenas de sexo explícito que invadem
diariamente a televisão são aproveitadas para fins educacionais. Fica um clima de
constrangimento, um silêncio embaraçoso, e a cena é chancelada como aceitável. Como a
criança não tem capacidade para estabelecer limites, não consegue reconhecer quem são os
atores que podem participar dessas encenações na vida real. (DIAS, 2019, p. 02).

Como já visto, a violência sexual trata-se, sobretudo, de uma manifestação da dominação


simbólica masculina, que a naturaliza. É a cultura patriarcal que reforça que as mulheres são
propriedades dos homens. Nessa linha, imperioso abordar a concepção de Pateman, segundo a qual, o
contrato sexual estabelecido entre homens e mulheres faz parte do pacto original que também abarca o
contrato social:

O contrato original é um pacto sócio-sexual, mas a história do contrato sexual tem sido
reprimida. […] A história do contrato sexual também é sobre a gênese dos direitos políticos,
e explica por que o exercício do direito é legítimo — mas essa história é sobre o direito
político como um direito patriarcal ou sexual, o poder que homens exercem sobre mulheres.
A metade faltante da história consta como uma forma especificamente moderna de
patriarcado foi estabelecida. A nova sociedade civil criada por meio do contrato original é
uma ordem social patriarcal. (PATEMAN, 1993, p. 80).

A naturalização da problemática implica, inclusive, na revitimização da mulher quando


esta, finalmente, aciona os sistemas de justiça para pleitear proteção. A promotora de justiça Daniella
Martins, do Distrito Federal, em entrevista ao informativo Compromisso e Atitude, aponta que a
diferença nos tratamentos das vítimas em crime de gênero ainda permeia a atuação dos sistemas de
justiça no Brasil:

Do balcão das delegacias às salas de audiência, dos boletins de ocorrência aos acórdãos,
percebemos que a credibilidade da palavra da vítima mulher é quase sempre questionada,
como se ela precisasse provar ser uma vítima honesta, crível. O relato da vítima do sexo
feminino, em pleno século XXI, costuma ser atrelado a questionamentos sobre sua conduta
pessoal e comportamento sexual, o que é externado por meio de perguntas que contêm

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MULHERES E DIREITOS HUMANOS: uma perspectiva normativa acerca do enfrentamento da violência de gênero

nítidos juízos de valor, a exemplo de questionamentos sobre uma possível ‘provocação’ por
parte da vítima, uma possível ‘aceitação do resultado’. Não é incomum ouvir nas salas de
audiência a pergunta ‘a senhora provocou o réu de alguma forma?'. (INSTITUTO PATRICIA
GALVÃO, 2014, não paginado).

Nessa linha, pontua-se ainda que o Brasil, diante das fragilidades institucionais de
proteção às mulheres vítimas de violência, foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH), por meio de sentença publicada em 16 de fevereiro de 2017, referente ao caso da
Favela Nova Brasília. Nesta, a CIDH reforçou a necessidade de o Estado brasileiro adotar estratégias
de prevenção integral e de oferecer confiança às vítimas nas instituições estatais:

Com relação aos casos de violência sexual contra as mulheres, o Tribunal dispôs que os
Estados devem adotar medidas integrais para cumprir a devida diligência. Especificamente,
devem dispor de uma adequada estrutura jurídica de proteção, de uma aplicação efetiva
dessa estrutura e de políticas de prevenção e práticas que permitam agir de maneira eficaz
ante as denúncias. A estratégia de prevenção deve ser integral, ou seja, deve prevenir os
fatores de risco e, ao mesmo tempo, fortalecer as instituições para que possam proporcionar
uma resposta efetiva. Os Estados devem também adotar medidas preventivas em casos
específicos em que é evidente que determinadas mulheres e meninas podem ser vítimas de
violência. Tudo isso deve levar em conta que, em casos de violência contra a mulher, os
Estados têm, além das obrigações genéricas estabelecidas nos artigos 8 e 25 da Convenção
Americana, obrigações específicas constantes do tratado interamericano específico, a
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher
(Convenção de Belém do Pará). 244. No artigo 7.b, essa Convenção obriga de maneira
específica os Estados Partes a utilizar a devida diligência para prevenir, punir e erradicar a
violência contra a mulher. Desse modo, ante um ato de violência contra uma mulher, é
particularmente importante que as autoridades a cargo da investigação a levem adiante com
determinação e eficácia, levando em conta o dever da sociedade de rechaçar a violência
contra a mulher e a obrigação do Estado de erradicá-la e de oferecer confiança às vítimas
nas instituições estatais para sua proteção. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS, 2017).

Por todo o exposto, nota-se que a normativa internacional reconhece as consequências


desta forma de violência, à medida que é considerada, além de um problema de saúde pública global e
de violação dos direitos humanos das mulheres, crime contra a humanidade. No entanto, garantir real e
efetiva proteção às mulheres vítimas de violência de gênero, em especial quando esta atinge sua
integridade sexual, é tarefa especialmente difícil quando se considera os padrões culturais impostos de
dominação masculina.

5 CONCLUSÃO

A violência de gênero, reflexo de uma dominação masculina social e culturalmente


construída, que opera, sobretudo, o efeito simbólico de naturalização do problema enquanto uma
questão social digna de um tratamento político e público, para ser efetivamente enfrentada, precisa ser
reconhecida como uma violação de direitos humanos.

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Gabriela Serra Pinto de Alencar, Laís Locatelli e Maria da Glória Costa Gonçalves de Sousa Aquino

Assim é que, a partir das convenções internacionais que cada Estado Parte ratifica, as
mulheres passam a ter, necessariamente, dupla nacionalidade, o que significa dizer que a solução de
suas demandas pode ocorrer tanto no plano interno como no internacional. Segundo Costa (2014, p.
342), a mudança de paradigmas sociais é necessária, acompanhada de um processo legislativo forte,
representado por ações interventivas enérgicas que visem a promover a igualdade de gênero e formar
uma sociedade mais justa e igualitária.
O avanço dos direitos humanos, de forma a abandonar o seu direcionamento, com
exclusividade, ao público masculino, e de reconhecer discriminações estruturais, foi medida essencial
para promulgação de instrumentos normativos voltados ao combate à violência. Contudo, é preciso ir
além, à medida que, reconhecendo a origem histórica da desigualdade de gênero, nota-se que a mera
evolução normativa, mesmo em plano internacional, não é suficiente para garantir efetiva proteção às
mulheres vítimas, sobretudo no que diz respeito à violência sexual, reforçada, continuamente, pela
cultura de estupro socialmente construída.
Como se vê, o processo de internacionalização não está pronto e acabado, de modo que
é sempre necessário atentar para as necessidades de cada nação em planificar os direitos humanos
(COSTA, 2014, p. 168). Os instrumentos internacionais já citados foram regulados em contexto de luta
dos movimentos feministas e, consequentemente, em seus textos legais há grandes evidências de
sensibilidade às reais demandas enunciadas por estes sujeitos. Ocorre que, no contexto de países –
como o Brasil –, que tendem a não dar continuidade às políticas sociais, a mera positivação legal de
demandas não é suficiente para combater o problema. As políticas públicas pressupõem movimentos
articulados entre si, que não se esgotam na produção legislativa. Do contrário, esta é apenas um passo
inicial que demanda políticas sociais futuras que realizem na prática o que prevê a letra das leis.
Dotar a sociedade do senso crítico necessário para desfazer formas de pensamento
enraizadas e fazer com que as mulheres se percebam enquanto sujeitos que devem ter seus direitos
igualitariamente respeitados é, pois, o grande desafio a ser enfrentado. Para além de uma previsão
normativa, a efetividade das leis e de políticas públicas de enfrentamento da violência perpassa,
necessariamente, pela desconstrução de valores patriarcais em detrimento da equidade entre os
gêneros.

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Notas
1 É importante traçar a diferença entre a CIDH, órgão da OEA e não jurisdicional, e a Corte Interamericana de Direitos
Humanos, órgão autônomo e jurisdicional. Qualquer pessoa ou grupo tem legitimidade para acionar a Comissão, ao passo
que apenas os Estados Partes e a própria Comissão podem acionar a Corte, ou seja, o indivíduo não tem legitimidade ativa
ou passiva perante à Corte. Ademais, a Corte somente pode atuar após a apreciação da situação perante a própria
Comissão. Em relação à Comissão, o exame do caso gera um relatório, a partir do qual são emitidas recomendações, não
vinculantes, em uma espécie de solução amistosa. Porém, a própria Comissão pode decidir por, no lugar de expedir
recomendações, encaminhar o caso à Corte. A Corte, sim, promulga sentença obrigatória, vinculante e inapelável. No que
diz respeito ao Caso Maria da Penha, por maioria absoluta dos votos da Comissão, o caso não foi submetido à Corte,
resultando na emissão do mencionado Relatório nº 54/01. (VICENTIM, 2011, p. 223).

2 Importante refletir que, diante da reconhecida falha do Estado brasileiro em garantir efetiva proteção às mulheres vítimas
de violência doméstica e familiar, o que, no caso de Maria da Penha, gerou prejuízos irreparáveis, pela gravidade das
lesões sofridas e lenta espera pela condenação do agressor, a indenização de 20 (vinte) mil dólares não pode ser
considerada suficiente para reparação dos danos sofridos. Além das sequelas físicas, que dificultam sua aptidão para o
trabalho, as feridas psicológicas, os danos na alma, não são reparáveis pelo valor irrisório concedido à farmacêutica.

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