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EM RELACIONAMENTOS AFETIVO-SEXUAIS
SEXUALITY IN PANDEMIC TIMES: THE EXPERIENCE OF WOMEN IN AFFECTIVE-SEXUAL
RELATIONSHIPS
Abstract: Considering sexuality as a social product that crosses individuals through historical
and contemporary discourses and conflicts throughout their lives, this qualitative, descriptive
research sought to analyze and describe sexual-related experiences in both emotional and sexual
relationships during the COVID-19 pandemic. The health emergency context is the research
focus, as restriction and isolation measures resulted in the need to reorganize the health system,
and in changes within different relationship dynamics, such as families, work, and sexuality. In
order to comprehend the measures’ consequences, semistructured interviews were conducted
with five women, and the Content Analysis method was used to analyze the answers. The results
point out that the pandemic changed the participants’ routines, including life-quality
improvement due to the home office work model, as well as the increased amount of time that
couples spent together. However, the pandemic also intensified existing challenges, such as
relationship monotony, stress due to new work environment, and the overload of tasks related
to private life (i.e. home and family care). In regards to their sexuality, the interviewees
demonstrated that the bond created with their partners was perceived as the main motivation to
find solutions and new experiences.
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Acadêmica do curso de Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) da rede Ânima
Educação. E-mail: carolinecamassola@gmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão
do curso de Graduação em Psicologia da UNISUL. Ano: 2022 Orientadora: Prof. Luciane Raupp, Dra.
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Doutora em Saúde Pública, professora titular de Psicologia na Unisul.
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1 INTRODUÇÃO
maneira normativa de modo a controlar e marginalizar o que não se enquadra neste ideal
(PORTO, 2017).
Entre os séculos XVI e XIX a sexualidade foi marcada pelo discurso da religião,
majoritariamente da Igreja Católica, que ditava as regras e as punições do que era considerado
correto ou pecaminoso. Uma época marcada por desigualdades nas relações de classe, gênero
e raça. Por exemplo, enquanto homens heterossexuais brancos podiam exercer livremente sua
sexualidade, controlando não apenas os seus, mas também os corpos das mulheres, as mulheres
brancas ocupavam um espaço de submissão e obediência à família, servindo para reprodução e
cuidados da casa, dos filhos e dos homens, sendo o seu dever agradar e servir (BORIS;
CESÍDIO, 2007). Já as mulheres negras tinham os seus corpos escravizados e abusados
sexualmente, destinados a dar prazer aos “seus” senhores (BORIS; CESÍDIO, 2007).
O discurso difundido pela igreja em relação ao sexo era caracterizado pela ausência do
desejo e do prazer, seguido pelas restrições do casamento monogâmico heterossexual, que
delimitavam onde e como deveriam ocorrer as atividades sexuais, que eram aceitas apenas
quando executadas dentro do casamento com o objetivo de reproduzir e desfrutando o mínimo
possível dos seus prazeres. Para as mulheres, o conhecimento sobre a sexualidade antes do
casamento não era permitido, consequentemente, as experiências sexuais eram passivas,
marcadas por pouco ou nenhum controle sobre o acontecimento, gerando medo, dor e
inseguranças (BORIS; CESÍDIO, 2007).
Com o avanço do sistema econômico capitalista, demarcou-se a diferença sexual
biológica entre homens e mulheres, existindo uma definição de gênero baseada no discurso da
existência de dois sexos (masculino dominante e feminino inferior). Mesmo que muitos
médicos já considerassem essa diferença anteriormente, o capitalismo reconfigurou esse olhar
para a anatomia e a elaboração biológica foi influenciada politicamente, pois nesse período
precisava-se do segundo sexo para fazer o trabalho disciplinar e de cuidado: a mulher que se
torna mãe para criar crianças socialmente disciplinadas (LAQUEUR, 2001). Dessa forma, os
homens ocuparam um lugar no mundo público, garantindo reconhecimento e remuneração,
enquanto as mulheres (majoritariamente brancas) estavam na esfera do mundo privado,
procriando e cuidando da casa, do homem e dos filhos. Concomitantemente, as mulheres negras
e de camadas populares já trabalhavam em condições precarizadas, sendo esperado delas uma
servidão voluntária (ZANELLO et al., 2022).
Os movimentos feministas foram fundamentais para iniciar uma ruptura, ainda em
curso, da condição de dominação patriarcal. A crise na família nuclear monogâmica e
heterossexual, a inserção das mulheres nas universidades e no mercado de trabalho, a separação
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papel de cuidado atribuído às mulheres ampliou-se, ainda mais, na pandemia. Dois estudos
internacionais apontam que, comparativamente aos homens, as mulheres sofreram um declínio
no bem-estar psíquico significativamente maior, além de apresentarem maior sofrimento
psíquico e sintomas de depressão, ansiedade e estresse (ETHERIDGE; LISA, 2020 apud
ZANELLO et al., 2022).
Como pôde ser observado, os períodos de isolamento causaram impactos na rotina e
saúde das mulheres e, mesmo com o fim das medidas de restrição e com o retorno à vida
“normal”, é fundamental que os reflexos e as consequências da pandemia sejam pesquisados e
analisados. Enfrentar o confinamento, o medo da exposição, a privação do ‘corpo a corpo’, as
relações virtuais, os problemas econômicos e as incertezas sobre o futuro fez parte da rotina de
grande parte da população e são condições que influenciam na subjetividade do sujeito e na sua
relação consigo e com o próximo. Enquanto era preciso usar máscaras, evitar o abraço, lavar as
mãos, preparar comida, trabalhar, cuidar dos filhos pequenos, aqueles anseios mais íntimos, o
toque ao próprio corpo e ao corpo do outro, por exemplo, foram relegados a um segundo plano
(ALVES et al., 2020).
Assim, torna-se importante olhar para a saúde da mulher durante a pandemia de maneira
holística e humanizada, sendo necessário um aprofundamento dos estudos relativos à
sexualidade, uma vez que os cuidados sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres em
sua maioria são dirigidos apenas às condições fisiológicas (PONTES et al., 2021). Fleury e
Abdoi (2021) concluem que as consequências da COVID-19 na saúde mental da população
influenciam na saúde sexual e contribuem no desencadeamento ou agravamento de problemas
sexuais. Logo, faz-se fundamental o desenvolvimento de estudos e práticas que diagnostiquem
a situação e sugiram caminhos capazes de cuidar também da sexualidade em seus múltiplos
aspectos.
Considerando o compromisso social da Psicologia em atuar na promoção da saúde e na
qualidade dos coletivos, será relevante compreender a relação de mulheres com a sexualidade
em um contexto de riscos e dificuldades emocionais, que ressalta ainda mais desigualdades
diversas, como de gênero, classes e raças. Além disso, identificar o papel que essas mulheres e
seus parceiros assumem nos relacionamentos da contemporaneidade e como isso afeta sua
saúde física, mental e sexual. Dessa maneira, profissionais da saúde poderão atuar de maneira
mais efetiva nas intervenções que promovem saúde sexual, possibilitando espaços para uma
sexualidade vivida com bem-estar, segurança e distante de violências. Por ser um tema recente
e que ainda está em andamento, entende-se que muitos estudos ainda não foram produzidos ou
publicados e que muitos efeitos desse período ainda são desconhecidos.
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2 PERCURSO METODOLÓGICO
3 ANÁLISE E DISCUSSÕES
Os resultados decorrentes das entrevistas coletadas e analisadas com base nos objetivos
desta pesquisa serão apresentados a seguir, por meio das seguintes categorias: a) significado de
sexualidade; b) consequências da pandemia no cotidiano das mulheres e seus parceiros; c)
percepções sobre os relacionamentos afetivo-sexuais antes e durante a pandemia; d) diferenças
das experiências sexuais das participantes antes e durante a pandemia, as quais serão abordadas
a seguir.
brancas, da classe média, com curso superior completo, que fizeram isolamento social em casa
e atuaram no modelo de trabalho home office, com acesso à internet e equipamentos eletrônicos.
Dessa forma, existe um recorte social que deve ser levado em consideração e que busca
descrever a experiência destas mulheres, em específico.
Para garantir o anonimato das participantes, os nomes utilizados são fictícios, sua
atribuição foi baseada em um aglomerado de estrelas chamado Plêiades, cujas estrelas
principais são muito maiores e mais brilhantes que o nosso Sol, utilizadas por muito tempo
como referência nas grandes navegações e para testes de visão na Grécia antiga. A justificativa
para essa escolha ocorreu porque as principais estrelas da constelação, assim como as cinco
participantes, representam centenas de outras estrelas brilhantes que não puderam ser ouvidas
nesta pesquisa. Além disso, cada uma possui seu brilho e suas particularidades, mas juntas
compõem uma das mais belas constelações do sistema solar (SILVA-OLIVEIRA; SALES;
LAZO, 2020).
Alcyone, mulher branca, 27 anos, bissexual, sem filhos, ensino superior completo, em
um relacionamento de 10 anos e em coabitação com o parceiro desde janeiro de 2020. Afirma
já ter vivido diferentes histórias no seu relacionamento, como términos, traições das duas partes,
reconciliações e diferentes experiências sexuais juntos e envolvendo outras pessoas. Faz
questão de reforçar que se considera uma mulher feminista que inicia a luta por igualdade dentro
da própria casa e da relação.
Maia, mulher negra, 29 anos, heterossexual, sem filhos, ensino superior completo, está
com seu parceiro há mais de 3 anos e em coabitação desde o início da pandemia. Uma mulher
com vontade de viver sua sexualidade de forma ampla, conhecendo e explorando o seu corpo.
Asterope, mulher branca, 36 anos, heterossexual, sem filhos, pós graduação completa,
em um relacionamento de 15 anos e completando uma década de coabitação com seu parceiro.
Compartilha a experiência de um relacionamento de intimidade e companheirismo.
Merope, mulher branca, 28 anos, heterossexual, sem filhos, ensino superior completo,
em um relacionamento de 10 anos e em coabitação por 4 anos com seu marido, faz a entrevista
diretamente de Amsterdam, na Holanda, cidade em que vivem desde 2019. Traz com
transparência as dificuldades que enfrenta há anos com a mudança de país, busca por emprego,
problemas com sua saúde física e o desafio constante que é ser uma pessoa com ansiedade.
Atlas, mulher branca, 40 anos, heterossexual, mãe de duas meninas (de 8 e 3 anos), pós-
graduação completa, em um relacionamento de 4 anos com seu parceiro e morando juntos desde
os princípios da relação. Fala sobre os desafios da maternidade, contando sua experiência como
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mulher que é mãe e precisou enfrentar no período pandêmico o fechamento das instituições
escolares, o puerpério e uma demissão.
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Para mim, é estar confortável em compartilhar, enfim, momentos com outras pessoas,
com o seu parceiro ou parceira, ou até sozinha no caso, enfim, se sentir confortável
com o próprio corpo. (Merope)
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em cima de comportamentos que não devem ser tolerados e que devem ser modificados numa
esfera relacional.
Os sistemas de poder que organizam a sexualidade impõe normas e padrões que
recompensam os indivíduos que os seguem enquanto punem e excluem aqueles que se
expressam de outras maneiras. Todos os corpos são atravessados pelo controle e pela disciplina
dos dispositivos, porém, a depender de quem e para quem se remete, esse controle permite o
exercício das diferentes formas de violência (RUBIN, 1984).
A sociedade ocidental se organiza de forma hierárquica ao avaliar os atos sexuais, onde
no topo da pirâmide encontram-se os maridos heterossexuais, seguido de mulheres
heterossexuais. Ainda, os casais homossexuais estão no limite do aceitável, logo abaixo estão
os homossexuais “promíscuos”, seguidos daqueles mais desprezados nas castas sexuais, como
travestis, transexuais, fetichistas, trabalhadores do sexo, sadomasoquistas e outros com
comportamentos sexuais considerados anormais. Quanto mais abaixo da pirâmide, mais esses
corpos são reconhecidos como doentes, criminais, indignos de acesso a mobilidade, saúde e
suporte institucional. Muitas pessoas não compreendem que existem diferentes formas de
acessar os prazeres do corpo, que aquilo que um repudia sexualmente, pode trazer prazeres
inimagináveis ao outro, logo, preferências sexuais não deveriam ser colocadas como
universalizantes (RUBIN, 1984).
Constata-se nas falas das participantes que existe um saber sobre sexualidade que se
opõe aos discursos tradicionais da Igreja Católica e do Estado, pois elas se apropriam do direito
de viver uma sexualidade mais igualitária e autônoma, superando a lógica da reprodução e
centrada apenas no relacionamento. Esses novos discursos são produtos da modernidade, que
apresenta e divulga a possibilidade de um corpo que pode ser explorado e desfrutado, além da
possibilidade de viver relações afetivas e sexuais com igualdade e respeito.
o dia de realização das entrevistas. Uma delas, Atlas, estava em licença maternidade durante a
pandemia e, ao retornar ao mercado de trabalho, seguiu com o modelo remoto.
Ao serem questionadas sobre a percepção em relação a esse modelo de trabalho, Maia,
Asterope, Merope e Atlas relataram que, antes dele, perdiam muito tempo de deslocamento até
o local de trabalho. Asterope, Merope e Atlas demonstraram satisfação com esse formato:“Bem
no comecinho, assim, sinceramente, eu gostei muito de começar a trabalhar em casa, por causa
dessa distância que eu tinha que percorrer” (Merope).
Para Asterope, além da quarentena, houve uma mudança de local de moradia (de São
Paulo para Florianópolis). Ressalta como essa mudança, juntamente com a de aderir ao modelo
de home office, trouxeram aumento de sua qualidade de vida, pois já não gastava tempo de
deslocamento e conseguia incluir outras atividades no seu dia a dia que antes não era possível:
“Eu estou de home office até hoje, né? Embora vá algumas vezes para o escritório, a minha
rotina é home office. Agora estou super adaptada com isso [...] e até agora eu prefiro assim,
faz muita diferença trabalhar de casa e tudo mais.”
Em relação aos parceiros das participantes, apenas um tinha a opção de trabalho híbrido
(pode escolher entre trabalhar em casa ou no escritório), enquanto os outros também
trabalhavam de maneira presencial. Depois, quatro deles passaram a trabalhar em casa e apenas
o companheiro de Atlas permaneceu com a mesma rotina, pois seu trabalho como autônomo
era inviável de ser realizado em casa.
Quando questionadas sobre quais foram as principais mudanças de rotina durante esse
período, além de começar a trabalhar em casa, todas citaram o fato de não poderem mais sair
para lugares externos, como bares, cafés, festas, etc. Contam também que, para substituir esses
momentos de lazer, passaram a adaptá-los a atividades dentro de casa, sozinhas ou com os
parceiros.
Tais mudanças positivas relatadas em relação às vantagens do home office, somadas à
percepção de aumento de qualidade de vida, proporcionada pelo trabalho remoto, devem ser
compreendidas levando em consideração o recorte de classe social que perpassa este estudo, o
qual possui privilégios em comparação a outros grupos. A oportunidade de trabalhar em casa,
de ter acesso a um local confortável e espaçoso, com computador e internet é, infelizmente,
algo que ainda não é acessível a todas as pessoas.
Segundo Albuquerque e Ribeiro (2020), a pandemia intensificou um dos fundamentos
do capitalismo, ao socializar os riscos entre a população, mas privatizar as recompensas,
riquezas e oportunidades apenas para alguns. Os autores explicam que os agravos à saúde (não
somente durante a pandemia) estão relacionados às situações de desigualdades impostas aos
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Já Atlas diz que assumiu mais as tarefas durante a quarentena, por estar em casa enquanto o
parceiro saia para trabalhar, ainda assim, quando retornou ao trabalho, voltaram a dividir e ele
se responsabilizou mais pela casa.
Embora as participantes Alcyone e Merope tenham afirmado que os parceiros acabaram
assumindo mais tarefas domésticas do que elas, afirmavam também sentirem uma
responsabilidade em coordenar tais tarefas. Segundo Merope: "Eu sinto que a mulher em geral,
ela tem mais coisas na cabeça. Eu posso não estar fazendo, mas eu vou delegar, então, tipo ‘Tu
fez isso? Fez aquilo? Não fez nada?’. Enquanto que ele, eu acho que não pensa nisso.” Na
mesma direção, Alcyone diz: “Eu brinco que eu sou CEO [Presidente da empresa] aqui em
casa, né, que eu tenho que coordenar ele para ele executar. E faço ele entender que isso é uma
carga mental num relacionamento como um todo.” Tais afirmações corroboram com a pesquisa
de Zanello (et al., 2022) em que 76,7% das mulheres afirmaram serem responsáveis pela gestão
do trabalho doméstico e pela carga mental de planejar, cobrar e supervisionar estas tarefas.
Essa afirmação das participantes revela uma possível mudança na dinâmica das relações
contemporâneas acerca da divisão de tarefas, em que as mulheres já não aceitam ser colocadas
como únicas responsáveis pelos papéis de cuidado do lar. Contudo, como apontado por Picanço,
Araújo e Sussai (2021), o nível de escolaridade e número de filhos são fatores que influenciam
nos dados observados. Quanto maior a escolaridade e menor o número de filhos, mais é
observada uma divisão igualitária. Mesmo que o presente estudo não tenha optado por um
recorte interseccional que destacasse o papel da variável raça nas mulheres estudadas, ainda de
acordo com os autores, as mulheres negras realizam mais afazeres domésticos do que as
mulheres brancas e são elas que declararam maior cansaço referente aos papéis de gênero em
casa (PICANÇO; ARAÚJO; SUSSAI, 2021).
para a união entre pessoas. Nas últimas décadas, a instituição do casamento foi enfraquecendo
e dando lugar ao casal por amor (BOZON, 2003).
Esses arranjos contemporâneos nos relacionamentos afetivo-sexuais podem ser
observados nas relações das participantes: dentre as cinco, apenas Merope é casada, enquanto
Asterope e Atlas reconhecem seu estado civil como união estável, Maia é divorciada e Alcyone
se considera solteira, mesmo coabitando com o parceiro há alguns anos. A decisão por coabitar
com os parceiros ultrapassa as exigências tradicionais de casamento e são consideradas a partir
dos sentimentos e interesses individuais de cada um para contribuir na relação, sem exigir o
acordo matrimonial jurídico (BOZON, 2003).
Alcyone e seu parceiro decidiram morar juntos dois meses antes de iniciar a quarentena.
Já haviam tentado outras vezes, mas desistiram após enfrentarem dificuldades de convivência.
Ela acredita que o isolamento social foi um dos motivos para que continuassem morando juntos,
pois estimulou um amadurecimento das duas partes:
Talvez a gente tivesse de novo falado, não, não rola morar junto, mas aí o isolamento
acho que nos obrigou a levar isso por mais tempo, ser mais paciente um com o outro
e falar que tem que fazer dar certo, porque trancado dentro de casa, inevitavelmente
vai ficar na casa do outro. Então acredito que esse ficar morando junto foi um reflexo
do isolamento [...] Ter que conviver e relevar, ser mais paciente, entender que
relacionamento é isso, vai ter as tretas, vai ficar de cara virada, vai voltar a se falar,
faz parte. Acho que antes do isolamento, como cada um tinha sua casa, era muito
cômodo, né?
Para Maia, a decisão de morar com o parceiro decorreu da quarentena, pois, como
passavam grande parte do tempo juntos, decidiram que seria melhor estarem na mesma casa
nesse período. Ela reforça que a convivência diária trouxe mais intimidade:
Foi um tipo de convivência diferente para a gente. Foi uma novidade. Acho que foi
quando a gente começou a se conhecer mais nos defeitinhos assim, sabe, tipo o jeito
de cada um, coisas que a gente faz diferente. É, acho que intimidade mesmo. E aí é
engraçado que agora não tem mais quarentena, mas a gente continua vivendo o dia
inteiro juntos. Então nada mudou.
trabalho [...] tinha o período de trabalho e tinha um período meu, e aí o período de tempo livre
eu queria focar em mim e queria ficar quieta no meu canto”. E complementa: “Eu percebo que
para mim, eu precisava de mais interação social, tipo, ‘às vezes eu só preciso falar com alguém
que não seja que você’ [o parceiro]”
Atlas diz não perceber impactos da quarentena na convivência com seu marido, porém,
reforça ter sido um período que trouxe maiores consequências para ela: “Ele saia cedo, daí
vinha para almoçar, daí voltava só no final da tarde. Então, tipo, a gente não ficava o dia
inteiro juntos. E agora quem está em casa sou eu, não é? Daí eu fico meio estressada porque
eu fico muito em casa”.
As participantes Alcyone, Maia e Asterope ressaltaram como o período de quarentena
influenciou positivamente nos seus relacionamentos. Para Alcyone, a convivência diária
auxiliou na resolução dos conflitos que aconteciam dentro de casa, pois sem a opção de se
afastar do mesmo ambiente, precisaram adaptar a maneira como lidavam com os problemas e
encontrar soluções. Maia também destacou que a coabitação trouxe a necessidade de encarar
os defeitos alheios, e que isto foi benéfico para os dois, que através do conhecimento e respeito
diante do outro, puderam se fortalecer como casal. Asterope, mesmo dizendo que não percebe
influência direta da quarentena no relacionamento, reforça como foi importante poderem passar
mais tempo juntos.
Já para Merope e Atlas, mesmo passando por situações de estresse individual, os
relacionamentos não foram apontados como propulsores da situação, mas como algo que era
afetado por outros estressores. No caso de Merope, não interagir com terceiros e estar em uma
situação difícil no trabalho influenciavam diretamente na forma como se relacionava: “Com
certeza o meu estado emocional por causa do trabalho afetava muito as coisas que a gente
fazia junto, porque eu não queria fazer nada." Já para Atlas, os estressores estavam
relacionados à sobrecarga de tarefas em casa e à impossibilidade de sair. Essas situações
corroboram com um estudo realizado por Relvas (et al, 2020) com famílias de Portugal, que
encontrou um nível significativo no aumento de estresse durante os períodos de isolamento,
principalmente para as pessoas que viviam com parceiros(as). Para os autores, a impossibilidade
dos casais manterem seus hábitos individuais com outras pessoas e a convivência inevitável são
questões que causaram instabilidade na díade, principalmente quando somada à maior
responsabilidade com os filhos, o auxílio da educação escolar, a falta de rede de apoio familiar
e momentos de lazer escassos.
Contudo, como colocado por Almeida (2020), ainda que na quarentena tenham sido
explicitadas as relações desprazerosas, também foi possível observar o sucesso de
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ou botar uma roupa lavar ou porque está começando a chover e eu tenho que ir lá
tirar a roupa. Ou tem que parar às vezes durante a manhã para dar mamar para B.
ou as duas estão brigando e eu tenho que ir lá resolver o BO [...]
A situação vivida por Atlas pode ser observada em uma pesquisa realizada por Zanello
(et al.,2022) com outras mulheres com filhos, em que 79.7% concordaram estar mais cansadas
do que o normal no momento da pandemia, e que mesmo estando em casa, 77,1% delas
disseram não ter tempo para si e para fazer as coisas que gostavam.
A experiência das participantes e dos seus relacionamentos afetivo-sexuais são
subjetivas e variam de acordo com os aspectos que compõe essas famílias, como o arranjo
familiar, fatores econômicos, temporalidade, imprevistos, e o período pandêmico foi um evento
que trouxe novos estressores e necessidade de adaptação. No caso das relações aqui observadas,
o vínculo estabelecido entre as pessoas possibilitou o encontro de novas dinâmicas e
alternativas para suportar as mudanças, o que não significa que tenha sido fácil ou sem
dificuldades, mas revela a importância de uma relação de companheirismo para enfrentar as
adversidades.
Esta categoria tem como objetivo relacionar as experiências sexuais das participantes
antes e durante a pandemia, identificando as possíveis implicações desse período na sexualidade
dessas mulheres – o qual era o principal foco deste estudo.
No caso das participantes Alcyone, Maia e Merope, as três apontaram que sofreram uma
diminuição na frequência de relações e no desejo sexual nesse período e refletem sobre suas
possíveis causas:
Primeiro que a convivência diária na mesma casa o dia inteiro, eu acho que afeta,
porque perde aquele fator surpresa, né? Tipo, hoje eu vou ver a pessoa, eu tenho
certeza que isso é um fator que faz, que ocasiona a redução da libido. O estresse que
eu tenho no trabalho, principalmente o trabalho, que é o que ocupa mais na minha
vida, também influencia muito, com certeza, até de forma química inclusive no meu
corpo. (Alcyone)
[...] foi no momento que eu comecei a ficar com ansiedade, é, eu tenho bastante
ansiedade [...] geralmente me tira o foco de muita coisa. E na época que eu tava
quase com burnout no trabalho, tipo, eu tava muito focada nisso.[...] E um terceiro
fator, eu tenho uma doença crônica e ela vai piorando [...] Então quando a gente
chegou aqui, ela ainda estava ok. E durante a pandemia, fiquei muito tempo parada,
muito tempo em casa, eu percebi que eu acho que isso com certeza teve um impacto
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[...] e aí isso impacta muito a vida sexual tipo, muito. A gente costuma fazer muito
mais coisas, é muito mais flexível, tipo com o local, posição e tal, e agora é assim
[limitado]. (Merope)
Para Alcyone, o fato de não conviver com outras pessoas durante a quarentena
intensificou essa diminuição do desejo sexual mas, segundo ela, era um movimento que já
estava acontecendo em seu relacionamento, com o passar dos anos: “Acho que o fato da gente
muito antes do isolamento, estar em lugares com outras pessoas [...] instigava mais essa vida
sexual mais ativa, essa libido. E tipo, é o mesmo T. e a mesma Alcyone, só que o fato da gente
estar entre outras pessoas instigava mais”. Complementa que agora: “Apesar de termos
voltado a conviver com outras pessoas, não voltamos ao normal. Talvez seja esse o novo
normal”.
Merope compartilha que há alguns anos percebe essa mudança na sua relação com a
própria sexualidade: “Eu sempre fui uma pessoa muito sexualmente ativa. É, até nos primeiros
anos, assim no meu relacionamento com o L. nunca tive pudor nem nada, mas de uns anos para
cá, tipo o ritmo diminuiu. Eu faço menos coisas, tipo pra eu mesma também”.
Já Atlas diz que a pandemia não influenciou sua sexualidade e experiências sexuais com
o parceiro, mas que o nascimento da segunda filha foi o fator principal na diminuição da
frequência das relações sexuais. Para ela, o fato de ter uma rotina com muitas tarefas de cuidado
da casa e das filhas teve maior impacto nessa vivência, pois os dois estão sempre cansados: “É
uma rotina pesada, bem puxada, pesada e chega fim de semana, toma uma cervejinha, o corpo
já relaxa, já ploft”. Quando questionada se isso influencia de alguma maneira no
relacionamento, diz: “Eu acho que não, porque não é só isso que faz um casal, né? Não é o
sexo. É companheirismo, é carinho, é ajuda e apoio. É pensar junto, é crescer junto e pessoas,
não é só isso, né? Não é só sexo.”
Como pode ser observado, a pandemia não foi considerada pelas participantes como
causa principal na maneira como experienciaram a sexualidade nesse período. Porém, nota-se
que o isolamento, a falta de contato com outras pessoas, a saúde física, o trabalho e o
fechamento das escolas foram diretamente influenciados e intensificaram os conflitos já
existentes.
Em suma, as participantes Alcyone, Maia e Merope reconhecem que houve uma
diminuição na frequência e no desejo sexual pelo parceiro nessa época. Atlas diz que a
frequência também diminuiu e apesar de não reconhecer a pandemia como causa, e sim a
sobrecarga que estava enfrentando, compreende-se que há uma influência pelo contexto ao qual
ela estava inserida, sem uma rede de apoio de creches, escolas ou terceiros e sendo a única
responsável pelo cuidado da casa e da família no cotidiano, uma vez que o parceiro passava o
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dia trabalhando. Essas afirmações vão ao encontro dos achados de uma pesquisa realizada por
Fleury e Abdoi (2021) que apontou que a maioria dos casais pesquisados diminuiu a atividade
sexual durante a pandemia, principalmente pela falta de privacidade. Concluíram também que
as mulheres foram as mais afetadas, apresentando maior diminuição na frequência de atos
sexuais e um aumento nos níveis de estresse e ansiedade. Em uma pesquisa mais recente no
Brasil, Zanello (et al., 2022) identificou que 66,1% das mulheres também apontaram queda da
libido nesse período, além de mais de 80% dizerem sentir a falta de ter contato físico com outras
pessoas.
Na opinião da Asterope, a pandemia não teve nenhuma influência na sexualidade dela
e nas experiências sexuais com o parceiro, principalmente porque moraram em cidades
separadas durante os meses que antecederam a quarentena e encontraram nesse momento a
oportunidade de estar mais próximos:
Eu não vejo nenhum impacto na sexualidade em si, o que eu acho que acabou
influenciando é que, de certa forma, com a pandemia a gente ficou ainda mais
próximo do ponto de vista de rotina [...] Eu acho que isso a gente se aproximou mais,
mas na sexualidade em si [...] eu acho que não teve tanto impacto. Acho que o impacto
anterior desse distanciamento acabou sendo maior, né? Da saudade de ficar
separado e tal.
Além dos pontos acima, Maia diz que a pandemia trouxe para ela uma visão de
sexualidade como um campo aberto de possibilidades. Se antes era apenas voltada para o sexo,
hoje ela explora a relação com o próprio corpo e acredita que isso influencia diretamente na
maneira como o parceiro a percebe:
Eu tenho tido esse anseio de talvez trazer coisa nova para a relação, sabe, tipo isso
de ficar comprando lingerie, fazendo coisas diferentes e tal. Então acho que depois
que passou a pandemia, eu tive muito esse movimento comigo mesma, sabe? De
explorar, de me divertir na real, [...] depois da pandemia, me deu um gás assim, de
energia para, sei lá, quero viver e viver loucamente.
Então eu fico me perguntando, como manter essa excitação dentro da rotina, como
que equilibra a rotina que é gostosa mas com o tesão do início do relacionamento?
(Maia)
Uma coisa que eu sinto falta também, que não estou muito satisfeita é que antes era
um pouco mais espontânea. Hoje em dia a gente brinca até assim, tipo, a gente
trabalhando um do lado do outro na mesa e às vezes ele fala assim "7 horas, hoje?"
eu falo "beleza". Tipo, é piada, mas é meio que assim, sabe, tipo, está com vontade
hoje? "Há talvez" e me pergunta que horas. (Merope)
De acordo com Garcia (2007), estar em um relacionamento pode fazer com que o desejo
seja difícil de ser sustentando, pois a rotina e intimidade fazem com que ocorra a diminuição
do desejo e da noção de indivíduo dentro da relação: “a rotina, a falta de mistério, brigas e a
obrigação da atividade sexual, afetam o desejo e a atração sexual; o sexo está diretamente
relacionado com a afetividade” (p.157).
As mesmas participantes também mencionaram a monogamia como um dos fatores que
influenciam no sentimento de monotonia. Alcyone e Merope dizem que já consideraram abrir
o relacionamento algumas vezes, mas que não sabem se isso resolveria a diminuição do desejo.
Para Pilão (2015) existe um discurso poliamoroso que coloca a monogamia como algo a ser
combatido e o poliamor como solução, porém, o problema não está na monogamia enquanto
expressão da afetividade, sexualidade ou formato das relações, mas como obrigatoriedade
social. Portanto, o poliamor desafia a monogamia na medida em que pode colocar os sujeitos e
seus desejos à frente do que é considerado natural (relações cisgêneras monogâmicas
heterossexuais), desafiando os discursos normativos (PILÃO, 2015).
Outro fator comum citado por todas as participantes foi o impacto do trabalho sobre a
sexualidade, tanto delas quanto dos parceiros, principalmente em momentos de estresse,
sobrecarga e cansaço:
Porque parece que isso (sexualidade) se tornou um pedacinho muito pequeno da vida
toda, né? Acho que o trabalho tomou um espaço muito grande na minha vida e é isso
gera consequências, estresse, tudo mais, né? (Alcyone)
Ele [o sexo] começou a entrar numa categoria tipo desperdício de tempo. Nunca foi
para mim, antes de começar a trabalhar. Tipo, a partir do momento que eu tinha
aquele bloco de horas bloqueada, o sexo virou um extra que se pá, eu consigo colocar
no meu dia, é, então realmente deixou de ser prioridade. (Merope)
sexualidade para que seja economicamente reprodutiva (FOUCAULT, 1988). Segundo Schild
(2017), as aspirações das mulheres que anteriormente assumiram uma função emancipadora,
adquiriram na era neoliberal um significado ambíguo. As práticas de empoderamento feminino,
apesar de estabelecerem novos espaços para as mulheres, também as prenderam em novas
relações de opressão e, muitas vezes, de exploração. A autonomia proporcionada por esse
modelo mascara uma realidade de trabalhos de cuidados não remunerados, majoritariamente
assumidos pelas mulheres. Respaldando tal afirmação, uma pesquisa realizada com mulheres
polonesas entre 18 e 40 anos, antes e durante a quarentena, identificou que aquelas
profissionalmente ativas tiveram uma diminuição dos escores totais das funções sexuais
(desejo, excitação, lubrificação, orgasmo, satisfação e dor) quando comparadas àquelas que não
trabalhavam (FLEURY; ABDOI, 2021).
Quanto a outras insatisfações com a sexualidade, Atlas e Alcyone também falam sobre
a relação com o próprio corpo: “[...] Eu me sinto meio flácida, meio feia. Barriga está meio
estranha por causa do pós parto. Me dói até se eu fico muito tempo sentada e levanto, me dói
minhas costas, me dói. Então, com meu corpo, eu não estou satisfeita” (Atlas). “A gente é
mulher num mundo horrível para ser mulher e eu tenho muitas questões, insatisfação com o
meu corpo, por exemplo. Menos do que no geral, as mulheres ao meu redor, mas tem[...]”
(Alcyone).
Conforme exposto por Louro (2000), os corpos são investidos de acordo com as diversas
imposições culturais que colocam critérios estéticos, higiênicos e morais, impondo que corpos
saudáveis são jovens, magros e fortes, que fazem exercícios físicos, usam determinadas roupas
e aromas e usufruem de processos estéticos. Logo, aprende-se a classificar os sujeitos e a si
mesmos a partir desses aspectos, que quando não são cumpridos trazem o sofrimento decorrente
de não estar dentro na "normalidade''.
Quando questionadas se existe comunicação com o parceiro no campo da sexualidade,
percebe-se que são poucos ou inexistentes os diálogos sobre o tema e que quando ocorrem, as
mulheres são as responsáveis por iniciar essas conversas: “Eu busco muito estabelecer esse
diálogo, falar T., eu ando com a libido muito baixa até para ele não pensar que sei lá o
problema é ele ou qualquer coisa [...] Ele nunca puxa o assunto. Não sei se tem vergonha ou
receio. É um diálogo mais da minha parte.” (Alcyone) “[...] 15 anos com uma pessoa você já
tem uma percepção de como ela está naquele dia ou não [...] Eu acho que o diálogo sempre é
importante, mas eu acho que nesse momento a gente não tem isso como pauta de assunto
efetivamente.” (Asterope). “[...] a gente não, a gente não para para conversar, porque não dá
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tempo, acho. Para a gente é sempre em função das meninas das meninas, da casa, das meninas,
das meninas, da casa” (Atlas).
Por fim, as participantes falaram sobre as suas satisfações no âmbito da sexualidade.
Todas elas se mostraram satisfeitas com a relação estabelecida com os parceiros, citando
intimidade, companheirismo e conexão: “Me sinto muito satisfeita, porque ele entende que eu
tenho que me posicionar. Ele entende que eu tenho que trabalhar questões comigo, como a
tolerância, por exemplo, paciência [...]” (Alcyone). “Eu acho que a gente tem uma
cumplicidade de maneira geral, uma parceria e isso contribui para uma satisfação” (Asterope).
“Eu me sinto muito confortável assim com o L., ainda mais que quase 10 anos juntos.”
(Merope). “Mas com o V., quando a gente se encontra, é sempre bom na verdade, eu e ele. O
problema é a gente se encontrar” (Atlas)
Alcyone também traz uma segurança relacionada à cobrança existente sobre
performance sexual: “Então eu sempre fui muito segura assim, no sentido de se for legal, foi
legal, se não foi, paciência, nem sempre vai ser, e vida que segue”. Para Maia, ter vivido
diferentes experiências sexuais e permitido explorar o próprio corpo “[...] permite ter essa
liberdade na hora do sexo, assim de me sentir, de fica à vontade”. Merope acredita que a
intimidade e a boa relação com o parceiro torna a vivência da sexualidade do casal mais leve:
“Por exemplo, a gente tem uma coleção de brinquedos, e eu falo ah, ninguém precisa ficar
sofrendo, traz, pode trazer. Vamos, enfim, vamos deixar isso mais fácil. Eu acho que a gente
nossa relação é bem confortável assim nesse sentido."
De forma resumida, acerca da experiência com a sexualidade nesse período, as
participantes apresentaram dificuldades para associar as suas questões apenas com a pandemia,
uma vez que os dilemas vividos por elas desenrolam-se a partir de outros aspectos da vida e do
relacionamento. Contudo, é possível relacionar que as experiências sexuais antes e durante a
pandemia intensificaram questões que já estavam em evidência nos relacionamentos, como
diminuição da frequência, desejo e falta de novidades. Além disso, nota-se que as relações com
o trabalho, incluindo aqui os cuidados com casa e filhos, tomam um espaço considerável na
vida das mulheres, sendo motivadores de estresses e ansiedades. Ainda assim, as participantes
acreditam encontrar com seus parceiros formas de lidar com essas demandas, encontrando nos
relacionamentos espaços seguros para criarem novas vias e práticas de prazer.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
entanto, entende-se que os conflitos já vividos nessa área se intensificaram durante o período
de isolamento, principalmente pelos estressores decorrentes das mudanças estabelecidas pelas
estratégias de contenção do vírus. Percebe-se, também, que fatores como trabalho, presença de
filhos, falta de interação social e convivência diária com os parceiros são aspectos que
influenciaram diretamente na vivência da sexualidade.
Em síntese, embora essa pesquisa tenha buscado investigar a correlação da sexualidade
com a pandemia, o que mais se evidenciou foi que a rotina, a sobrecarga de tarefas, a
maternidade, a relação com o corpo e o trabalho acabam tendo maior impacto nas relações
afetivo-sexuais e sexualidade dessas mulheres. Além disso, nota-se uma diferença significativa
nos discursos da participante que é mãe quando comparada às outras, uma vez que a participante
demonstra maiores níveis de cansaço e insatisfações.
No que se refere às limitações deste estudo, destaca-se o recorte sócio econômico, assim
como o número de participantes. Além disso, o foco em mulheres cisgênero em
relacionamentos monogâmicos heterossexuais que aderiram ao trabalho remoto também
apresentam uma realidade de privilégios diante de outras formas de viver a sexualidade que
sofrem constante opressão e marginalização. Diante desse cenário, faz-se importante estudos
que contemplem a pluralidade de sujeitos e suas sexualidades, focando em outros gêneros,
orientação sexual, estruturas familiares, raças e classes a fim de compreender como a pandemia
afetou a sexualidade de pessoas que não se encontram em âmbitos mais privilegiados.
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