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Curso online: Literatura Infantojuvenil, gênero e sexualidade na infância: diálogos pertinentes

Tópico 1 - Conversando sobre educação sexual, gênero e sexualidade na infância


por meio da literatura infantojuvenil

Profª Dra. Gabriela Dutra de Carvalho


Profª Dra. Luciana Kornatzki

Neste texto de leitura inicial trazemos uma discussão em torno dos termos que fundamentam o
presente curso: sexo, sexualidade, gênero e literatura infantil. Entrelaçamos esses termos
destacando algumas problematizações sobre as possibilidades pedagógicas da literatura infantil
na construção pela criança de suas percepções de mundo, de vida, de sexualidade, de gênero,
das diferenças que constituem os sujeitos, de cuidado e proteção.

Bons estudos!

Gênero e sexualidade na infância

Vamos começar nosso estudo diferenciando dois termos fundamentais para nossa
discussão: sexo e sexualidade.
O sexo é a nossa marca biológica, hereditária. É a condição orgânica que nos define e
nos diferencia enquanto “machos” e “fêmeas”, seja em seres humanos, plantas ou animais.
Algumas vezes pessoas e animais nascem sem essa marca definida, são os denominados, na
espécie humana de intersexos.
Além disso, é comum usarmos a palavra sexo para nos referirmos aos órgãos
sexuais/genitais, ao ato sexual, ao conjunto de pessoas que pertencem a um mesmo sexo e,
inadequadamente, como sinônimo de sexualidade.
A sexualidade é a nossa marca humana, uma produção histórica e cultural, que nos
acompanha por toda a vida e que envolve os valores relacionados à vivência do sexo, à
identidade, à construção dos gêneros à orientação sexual, ao erotismo, ao prazer, às práticas
sexuais, à intimidade e à reprodução. É vivida e expressa em pensamentos, fantasias, desejos,
crenças, atitudes, comportamentos, práticas, papéis e relações. Conforme Guacira Louro (2000,
p. 5) “podemos entender que a sexualidade envolve rituais, linguagens, fantasias,
representações, símbolos, convenções... Processos profundamente culturais e plurais.” Segundo
a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002), a sexualidade é influenciada pela interação de
fatores biológicos, psicológicos, sociais, econômicos, políticos, culturais, éticos, legais,
históricos, religiosos e espirituais.

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Se a sexualidade pode incluir todas essas dimensões, nem todas elas são experienciadas
ou expressas com tranquilidade e harmonia, uma vez que, em torno dela, se produzem normas,
modelos e padrões que ditam as formas "corretas" de expressão de masculinidade e
feminilidade, de desejo, de conjugalidade e afetividade.
Ela é construída a partir dos discursos que cada cultura elabora sobre a vivência do sexo.
Conforme o historiador Michel Foucault (2015), a sexualidade é uma produção discursiva que
envolve tanto os ditos quanto os não ditos, isto é, o que se produz por palavras, frases,
enunciações, mas também por imagens, comportamentos, posturas e atitudes. A sexualidade
envolve o verbal e o não verbal. Foucault denominou como o dispositivo da sexualidade essa
produção discursiva e não discursiva no âmbito do sexo, que envolve a construção de normas,
padrões e verdades sobre as práticas sexuais. Esses discursos fazem parte do dispositivo da
sexualidade e

são formados por um conjunto heterogêneo de práticas discursivas e não


discursivas que possuem uma função estratégica de dominação. O poder
disciplinar obtém sua eficácia da associação entre os discursos teóricos e as
práticas reguladoras. (FOUCAULT, 2017, p. 244).

A sexualidade, nesse sentido, envolve relações de poder, mas também de saber, que são
voltados ao controle dos sujeitos, para fins específicos de regulação e normalização. Não basta
apenas regular, é preciso colocar os sujeitos nas normas, estabelecer o que seja o normal e o
anormal no âmbito da sexualidade e das práticas sexuais.
Segundo Foucault (2015), a sexualidade enquanto produção de poder e saber, no
mundo ocidental, se dá pelos discursos médico e religioso, tornado objeto de vários campos
disciplinares e de conhecimento, como por exemplo, a sexologia, psiquiatria, psicanálise, e até
mesmo a própria educação. Há todo um dispositivo constituído por práticas discursivas e não-
discursivas que produzem uma concepção do indivíduo como sujeito detentor de uma
sexualidade, ou seja, dotado de saberes e poderes que buscam normalizar, controlar e
estabelecer “verdades” acerca desse sujeito na relação com seu corpo e seus prazeres.
É o que ele denomina de “scientia sexualis” em oposição a denominada “ars erótica”
que está presente na cultura oriental e não possui uma ciência dedicada à sexualidade. A
“scientia sexualis”, entretanto, tem como finalidade produzir conhecimento sobre o prazer e
formas que possam ser adotadas para sua ampliação, ou o saber “de dentro”, momento em que

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a verdade do prazer surge do próprio saber. Na Arte Erótica, a verdade é extraída do próprio
prazer, encarado como prática e reconhecida como experiência.
Nesse sentido, a scientia sexualis é uma estratégia de produção de saber e poder para o
controle dos sujeitos e suas sexualidades, estabelecendo as verdades do sexo a partir das quais
postulamos aquilo que é adequado e o que não é adequado, o normal e o anormal, no âmbito
das práticas sexuais.
Na história da sexualidade no mundo ocidental, especialmente a partir da Idade Média,
tudo o que está relacionado com sexo passa a ser alvo de interdição; há uma produção discursiva
sobre a sexualidade que passa a estabelecer proibições, estabelecendo o que seja feio, sujo e
pecaminoso. Como consequência dessa visão repressora do passado (mas que, em muitos
momentos, ainda se mantém atualmente), e da confusão existente entre os conceitos de sexo e
de sexualidade, falar de sexualidade ou realizar a Educação Sexual formal com crianças e jovens
é ainda uma situação muito pouco aceitável e pouco tranquila para muitas pessoas. A criança,
desde o útero materno, é um ser a partir do qual vamos produzindo a sua sexualidade. Podemos
pensar na primeira pergunta que geralmente fazemos a uma mulher grávida: “é menino ou
menina?”. Durante o seu desenvolvimento a criança está sendo educada para uma sexualidade,
na família, na sociedade e na escola. Esse processo pode acontecer por diferentes formas, sejam
elas dialógicas, preconceituosas, ou mesmo pelo ocultamento, pela proibição da conversa.
No entanto, a ideia distorcida, preconceituosa e carregada de negatividade que
permanece ainda hoje acerca do sexo e da sexualidade, aliada à construção de uma história
repressiva da infância, faz com que tenhamos ainda tantas dificuldades para lidar de forma
tranquila com as manifestações da sexualidade infantil e com as dúvidas que as crianças nos
trazem.
Podemos compreender essa dificuldade quando o assunto é sexualidade pela vergonha
de falar sobre este assunto de forma tranquila e positiva com as crianças, levando em
consideração a história da sexualidade. Conhecer a história da sexualidade nos possibilita
compreender as diferentes normas e valores que têm regulado a vivência sexual dos povos ao
longo da história e como a sexualidade foi se modificando através dos tempos.
Quando nos propomos a discutir sobre sexualidade na infância, precisamos considerar
também outro tema que lhe é profundamente ligado: o gênero, ou os gêneros, uma vez que é
de forma indissociável à sexualidade que se produzem as marcas e diferenças de gênero, as
quais construímos a partir da marca biológica do sexo. Uma construção que ocorre até mesmo
antes de um bebê nascer e se estende por toda a vida, quando atribuímos funções, normas,
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padrões e modelos de forma diferenciada para meninos e meninas, homens e mulheres em todas
as faixas etárias.
Assim como a sexualidade, o gênero também é entendido como uma construção social
e cultural, isso porque cada cultura produz as suas normas e modelos de masculinidade e
feminilidade. Tal como afirma Louro (2007, p. 207) “operar com esse conceito implica, pois,
necessariamente, operar numa ótica construcionista. [...] Lidar com o conceito de gênero
significa colocar-se contra a naturalização do feminino e, obviamente, do masculino”.
Considerando as normas de gênero como produção cultural e histórica, podemos
entendê-las na sua possibilidade de mudança e de transformação, conforme as condições sociais
que se colocam a cada tempo histórico. Como professores/as ou educadores/as da infância,
também contribuímos na construção, produção e reprodução desses modelos e padrões de
gênero.
Quando nos referimos a modelos e a padrões de gênero, queremos nos referir às normas
que determinam modos de existência adequados a homens e a mulheres, muitas vezes de forma
hierarquizada, por exemplo prover e ser provido, aos padrões de força x fraqueza/fragilidade,
razão x emoção, e às inúmeras características que vão sendo colocadas como adequadas de
modos diferentes conforme o gênero de cada pessoa.
Com isso, buscamos questionar por exemplo, ideias como “homem não chora”, “lugar
de mulher é na cozinha”, “menino veste azul e menina rosa”, “menino não brinca de boneca”,
“mulheres não servem para serem líderes”, entre outras que circulam na sociedade e configuram
preconceitos que estabelecem lugares sociais determinados e hierarquias entre homens e
mulheres.
Essas discussões sobre as diferenças não estritamente biológicas, mas sociais e culturais
entre homens e mulheres vêm sendo discutidas há algum tempo por diferentes estudiosos/as,
configurando um campo denominado Estudos de Gênero.
Para aprofundarmos um pouco sobre os Estudos de Gênero, trazemos as teorias que
embasam diferentes olhares para essas questões: as teorias essencialistas, as teorias feministas
e os estudos queer.
Para a perspectiva essencialista, a diferença biológica dos sexos determina os rígidos
papéis de gênero e de vivência da sexualidade. Tais perspectivas

foram difundidas desde o século XVI no Ocidente pelo catolicismo e


aprimoradas no século XIX por correntes científicas específicas

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(principalmente pela neurobiologia, neuropsicologia, sociologia genética e


darwinismo social) que delegam aos aspectos biológicos inatos a primazia
pelas definições das características psicológicas e subjetivas dos indivíduos”
(ROUDINESCO 2008, citado por DE TULIO 2008, p.12).

Os gêneros masculino/feminino são decorrentes dos sexos biológicos macho/fêmea e


possuem um importante papel na reprodução da espécie. Sob essa ótica, as relações entre os
gêneros apresentam características binárias (macho/homem; fêmea/mulher) e procuram deixar
claro que comportamentos sociais, psicológicos e subjetivos são resultantes dessas
características biológicas/evolutivas. Os que não se enquadram nessas normas são formas de
comportamentos desviantes, cunhados como violência do corpo, desvio da moral ou como
doenças.
O sociólogo Pierre Bourdieu (1999) questiona essas teorias estabelecendo que o
conceito de gênero é relacional e revela uma estrutura de dominação simbólica. As relações de
gênero são relações de poder em que "o princípio masculino é tomado como medida de todas
as coisas" (BOURDIEU, 1999, p. 23). A biologia e o corpo seriam espaços nos quais as
desigualdades entre os sexos e a dominação masculina são naturalizados.
Portanto, as teorias essencialistas produzem um olhar para as diferenças de gênero como
dados próprios da natureza e imutáveis, naturalizando a dominação masculina, o que contribuiu
para a compreensão da inferioridade das mulheres.
No entanto, a partir da década de 1960, surgem pesquisas acadêmicas sobre a categoria
gênero que estão intimamente ligadas ao movimento feminista da década de 60/70, momento
em que foram reacendidas as manifestações em prol da igualdade de direitos das mulheres
perante os homens.
Na literatura da filosofia do feminismo é comum se encontrar o termo ondas para situar
os momentos históricos, relativos às questões e pautas importantes insurgidas por mulheres e
que dominaram os debates acadêmicos. Cada um desses momentos históricos apresenta suas
especificidades e demandas. Tem-se a primeira onda, no fim do século XIX, como representada
pelo sufrágio universal, pelo direito ao voto das mulheres; a segunda onda expressa-se pela
emergência da luta pela igualdade de direitos entre os sexos, pela não discriminação da mulher,
combatendo a suposta superioridade masculina, nela emerge a categoria gênero como campo
de pesquisa e estudos; e a terceira onda, que emerge a partir da década de 1980, discutindo a
função e o papel da mulher na sociedade, mas também pensando as diferentes identidades

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femininas que existem na sociedade. Como resultado dessa terceira onda, podemos considerar
as recentes leis em defesa da mulher, como a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio.
No campo dos Estudos de Gênero, assim, as lutas feministas representam a busca pela
igualdade de direitos, pelo reconhecimento da mulher como sujeito, pelo combate à
discriminação, pela inferiorização da mulher em relação ao homem e a violência sofrida por
elas nas suas mais diferentes identidades, compreendendo as diferenças étnico-raciais, as
diferenças religiosas, culturais, de idade, econômicas e sociais.
Na atualidade, também se destacam os estudos de gênero da denominada Teoria Queer,
resultantes da confluência de vertentes radicais do feminismo, e dos estudos gays e lésbicos que
propõem uma crítica à hegemonia heterossexual, vista como uma imposição cultural, presente
no discurso e na prática, nos diversos âmbitos da realidade social, cultural e política.
Os Estudos Queer ensejam uma mudança epistemológica, contrária à lógica binária, a
qual hierarquiza, classifica, domina e exclui, revelando que o sexo, o corpo e o próprio gênero
são construções culturais, linguísticas e institucionais, geradas no interior das relações de saber,
poder e prazer, numa determinada sociedade. Não trazem propostas, não dão soluções, mas
questionam o que antes parecia inquestionável. Visam a transformar o olhar que produz
desigualdades sobre os sujeitos acerca de gênero e de sexualidade.
Essa proposição de desconstrução das dicotomias que marcam a superioridade do
primeiro elemento, em se tratando de gênero, significa problematizar tanto a oposição entre eles
quanto a unidade interna de cada um. Isso implicaria

observar que o polo masculino contém o feminino (de modo desviado,


postergado, reprimido) e vice-versa; implicaria também perceber que cada um
desses polos é internamente fragmentado e dividido (afinal não existe a
mulher, mas várias e diferentes mulheres que não são idênticas entre si, que
podem ou não ser solidárias, cúmplices ou opositoras. (LOURO, 1997, pp. 21-
32).

Ao trazermos essas diferentes teorias no âmbito dos estudos de gênero, buscamos


elementos para problematizar nossas atitudes perante as crianças, meninos e meninas, e que
ensinam comportamentos, atitudes, normas e regras para suas formas de ser e agir na sociedade.
Assim, precisamos problematizar nossas ações tendo por base os estereótipos de gênero
construídos sócio-historicamente que se fazem ainda presentes em nossa sociedade elegendo a
figura feminina como mãe, dependente de um casamento e responsável pelo lar, enquanto ao

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homem cabe ainda o papel de provedor viril e corajoso que pode se expor sem
constrangimento nos espaços públicos.
Ao assumirmos a categoria de gênero, tal como defende Joan Scott (1995) enquanto
categoria de análise das relações entre homens e mulheres, temos por interesse produzir um
olhar para os modos como se produzem e reproduzem as figuras masculinas e femininas,
buscando desconstruir esses ideais de superioridade e inferioridade, a busca pelos direitos
iguais, pelo reconhecimento das diferenças, pelo direito de ir e vir, assim como combatendo
qualquer preconceito que oprime meninos e meninas, homens e mulheres.

Gênero e sexualidade na educação da infância

Para Guacira Louro o dispositivo da sexualidade contém as pedagogias do sexo, ou


seja, os modos pelos quais educamos e somos educados para as práticas sexuais, para nossos
modos de expressão da sexualidade, “tal pedagogia é muitas vezes sutil, discreta, contínua mas,
quase sempre, eficiente e duradoura” (LOURO, 2000, p. 10). Essas pedagogias nos
acompanham nas relações sociais que nos produzem para sermos determinados homens,
mulheres, crianças, adolescentes, idosos ou idosas, para determinadas posturas e formas de ser
e estar na cultura e na sociedade. Compreender que a sexualidade é produzida, aprendida, por
meio de pedagogias do sexo, nos possibilita entender nossa capacidade, como adultos/as/es na
relação com as crianças, de formarmos sujeitos para suas formas de compreensão do corpo, dos
gêneros e das sexualidades.
Compreender que somos parte desse processo de produção da sexualidade, que há
pedagogias do sexo que direcionam os sujeitos para determinados valores e práticas sociais,
para determinadas formas de ser homem e mulher, pode nos permitir um olhar mais atento em
nossas relações com as crianças, a fim de que possamos contribuir para que se construam como
sujeitos que conheçam seu corpo, que compreendam as diferenças não como desigualdades,
que saibam dizer não a atitudes que a violentem, que adquiram a consciência de que o
preconceito e a discriminação devem ser combatidos, enfim que lutem pelo seu direito de uma
cidadania digna.
As discussões promovidas sobre essas temáticas e as relações que estabelecem entre si
visam contribuir para o despertar de uma consciência de que somos todos/as educadores/as
sexuais uns dos outros e como tal devemos nos apropriar de conhecimentos científicos que nos
permitam buscar novas maneiras de educar as crianças e os/as jovens no âmbito das questões
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de gênero e sexualidade. A literatura infantojuvenil pode ser um caminho para que as novas
gerações construam uma percepção mais positiva, prazerosa, afetiva e respeitosa sobre gênero
e sexualidade, bem como sobre as diferenças que comportam o ser humano.
Só assim as novas gerações terão uma percepção mais positiva, prazerosa, afetiva e mais
respeitosa em relação a essa tão fantástica dimensão, exclusiva do ser humano, que é a
sexualidade!

Literatura infantojuvenil como artefato pedagógico na abordagem sobre gênero e


sexualidade com crianças

Iniciamos nosso estudo sobre a literatura infantojuvenil com uma breve abordagem
sobre alguns aspectos históricos que nos possibilitam perceber suas condições de emergência.
Entender suas condições de emergência nos permitem compreender um pouco sobre os
movimentos históricos, culturais e sociais que possibilitaram sua existência, sua finalidade, o
público destinatário dentro de um contexto histórico mais amplo. Pesquisadores/as da literatura
infantil confluem em um ponto de emergência dessas produções: o seu surgimento se dá a partir
de determinadas condições históricas que passaram a reconhecer a criança sob um outro olhar.
Isso porque na Idade Média, conforme aponta Philippe Ariès (1980) não havia infância, tal
como a compreendemos atualmente, assim como era outra noção de família existente nessa
época. A criança era vista como um “adulto em miniatura”, participava da vida adulta e dos
acontecimentos sociais, sem distinção. Com a modernidade, passa a ser produzido sobre as
crianças um olhar específico para as suas necessidades de proteção, cuidado e educação. Há
um sentimento de família e um sentimento de infância que se desenvolvem, o qual vem a
produzir uma noção de maternidade (Marcello, 2003) que coloca sobre a mãe o papel principal
da criação dos filhos. É nesse contexto que passa a nascer a infância, conforme a entendemos
na contemporaneidade.
Também nesse contexto social, uma literatura destinada às crianças emerge para
responder a uma necessidade ligada ao seu processo educativo, no contexto do surgimento da
infância como uma etapa da vida que precisa de cuidados especiais, bem como de necessidades
educacionais específicas acordadas à emergência da sociedade moderna.
Nessa direção, podemos destacar o que colocam as pesquisadoras Regina Zilberman e
Ligia Magalhães (1987, p. 11-12)

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a emergência deste gênero explica-se historicamente, na medida em que


aconteceu estreitamente ligada a um contexto social delimitado pela presença
da família nuclear doméstica e particularização da condição pueril enquanto
faixa etária e estado existencial. Por outro lado, tornou-se um dos instrumentos
através do qual a pedagogia almejou atingir seus objetivos.

A pesquisadora Marisa Lajolo (2005, p. 22) corrobora que

é essencial, por exemplo, compreender que a literatura infanto-juvenil é um


produto tardio da pedagogia escolar: que ela não existiu desde sempre, que,
ao contrário, só se tornou possível e necessária (e teve, portanto, condições de
emergir como gênero) no momento em que a sociedade (através da escola)
necessitou dela para burilar e fazer cintilar, nas dobras da persuasão retórica e
no cristal das sonoridades poéticas, as lições de moral e bons costumes que,
pelas mãos de Perrault, as crianças do mundo moderno começaram a aprender.
(grifo da autora).

A literatura dessa época possui um cunho estritamente pedagógico, pouco ou


desconsiderando seu caráter lúdico.
Há uma pedagogia que se volta ao ensino das crianças para os valores da modernidade.
Para Mara Elisa Matos Pereira (2009, p. 30)

dentro desse cenário, vemos que a educação ganha um novo sentido e a


pedagogia se constitui como terreno importante para arbitrar a respeito de
como a criança pode ser melhor cuidada e orientada no sentido de vir a se
tornar um sujeito adulto adaptado às demandas sociais do período histórico
em questão.

Tendo em vista esses aspectos sobre a história da literatura infantil como instrumento
da pedagogia escolar, podemos compreender as suas bases voltadas ao ensino de determinadas
normas. Normas essas que se modificam com as transformações culturais e sociais.
No entanto, ainda que a literatura infantil se modifique, conforme veremos adiante, há
aspectos em que nela permanecem enquanto gênero literário. Nos recursos utilizados nos textos
destinados à criança, com o propósito de atender o universo e a linguagem da criança, há a
junção do texto visual e do verbal. E, não raro, sonora e tátil. Assim sendo, conforme Gregorin
Filho (2009, p. 109),

o texto que se nomeia como infantil pressupõe um leitor intersemioticamente


competente. Os recursos verbais e visuais contidos no plano de expressão têm
o propósito de fazer o leitor crer estar em contato com discursos que circulam
no universo infantil e, portanto, tratam de temas infantis.

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Portanto, na literatura infantil há formas utilizadas para falar à criança, a partir da junção
entre texto e imagem, mas também podendo utilizar linguagem tátil e sonora, tendo em vista a
utilização da ludicidade para atingir a compreensão e construção de significados pelas crianças.
Tendo destacado essas características da literatura infantil como gênero literário,
podemos aprofundar as modificações que ela sofreu ao longo dos anos. Essas mudanças estão
presentes, como veremos, para além de outras questões, nos temas que ela aborda.
Podemos entender essas transformações da literatura infantil a partir do que tem se
entendido como os períodos que ela compreende. A literatura infantil no Brasil é vista pelos
estudiosos e estudiosas desse campo a partir de três grandes momentos: os clássicos da literatura
infantil (os contos de fadas) que foram trazidos da Europa para cá, a literatura tradicional, cujo
expoente são as obras de Monteiro Lobato, e a literatura contemporânea, na qual se entende a
emergência de temas até então não encontrados na literatura infantil: preconceito,
discriminação, diferenças sociais, sofrimento, mas também livros que falam sobre a sexualidade
infantil e adulta, sobre as diferentes configurações familiares, sobre diferentes formas de
violência, incluindo a sexual, entre outros temas.
Os livros contemporâneos, em relação aos que lhe antecedem, inovam a literatura
infantil por buscarem a valorização das diferenças identitárias, étnicas, culturais, entre os
sujeitos. Há uma busca pela desconstrução de normas, modelos e padrões, problematizando
verdades, tendo em vista a formação de um sujeito que compreende e respeita seu corpo, sua
identidade e a dos demais, que valoriza sua cultura e o meio ambiente em que vive.
Favorecendo, assim, sujeitos com uma consciência social, política, ambiental, econômica e
cultural.
Se observarmos mais atentamente o teor dessas obras, veremos que elas possuem uma
estrutura profunda com temáticas que contêm valores humanos, pois os valores sobre os quais
as sociedades são construídas não são exclusivamente infantis, adultos ou senis, são fundantes
das relações humanas.
Podemos perceber, no entanto, que um princípio pedagógico ainda é inerente à literatura
infantil, não porque está apenas voltada à educação das crianças para normas sociais ou para a
desconstrução delas, ou porque seus autores e autoras buscam transmitir ensinamentos (em
muitos casos querem apenas divertir as crianças), mas porque as histórias, enquanto portadoras
de sentidos e significados, interpelam as crianças para modos de existência, para diferentes
formas de ser e agir na sociedade.
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É nessa direção que compreendemos a literatura infantil como um artefato cultural que
possui pedagogias culturais que produzem os sujeitos. Artefato cultural é um conceito que tem
sido utilizado, no campo da educação, em associação aos diferentes produtos midiáticos
existentes na sociedade, incluindo o que se tem disponível na world wide web. Tal conceito
corresponde à compreensão das mídias como portadoras de sentidos e significados que
interpelam os sujeitos, por meio da representação de formas de ser, de identidades, homem,
mulher, branco, negro, rico, pobre, heterossexual, homossexual, entre outras identidades
possíveis. Para Constantina Xavier Filha (2014, p. 155)

Os artefatos culturais produzem significados, ensinam determinadas condutas


às meninas e aos meninos e estabelecem a forma “adequada” e “normal” de
viver a sexualidade, a feminilidade ou a masculinidade.

Assim sendo, os artefatos culturais, como os livros de literatura infantil, possuem


pedagogias culturais, entendendo pedagogia cultural em associação à capacidade e
potencialidade de analisar a educação como processo que ocorre nos mais diferentes contextos
e situações sociais, para além do espaço escolar. As pedagogias culturais presentes nos livros
de literatura infantil estão presentes nos valores e modelos sociais que articula, o que nos chama
a atenção para problematizar os textos e ilustrações que estão presentes em uma obra e os
sentidos e significados que entretece.
Portanto, é preciso considerar, numa perspectiva ampla de educação, que os livros para
a infância, como artefatos pedagógicos, por meio de uma linguagem lúdica, do universo mágico
e encantatório, sempre realizam um processo de educação junto às crianças, de forma que a
literatura infantil é sempre pedagógica, na medida em que possui pedagogias culturais.
Como afirma Lajolo (2005), nesses livros, por meio de seus textos e ilustrações,
circulam saberes sobre corpo e imagens sobre ser criança ou jovem. Nesses saberes estão
imersos conceitos sobre sexualidade, sobre gênero, sobre sentimentos, afetos, emoções e
relações humanas. Por meio das suas imagens e enunciações, a literatura infantil interpela a
criança para a percepção da vida, das diferenças, das dificuldades, produzindo ensinamentos
que formam a criança, suas formas de entender-se a si e aos outros. É preciso, pois, entender
que há cultura sendo ensinada nesses livros, que há padrões, comportamentos, valores,
mensagens, há uma educação do sujeito para um determinado tipo de sociedade.
Quando a criança ouve ou lê uma história e é capaz de comentar, indagar, duvidar ou
discutir sobre ela, realiza uma interação verbal, há o confrontamento de ideias, de pensamentos

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em relação aos textos. Nesse contexto de caráter coletivo e social a criança vai se deparar com
as mais variadas temáticas necessárias ao seu processo de construção de valores.
Assim, como professores/as ou educadores/as da infância, nos cabe perguntar: o que
esses livros ensinam? Que pedagogias há neles presentes? Quando escolhemos um livro para
ser lido para uma criança, precisamos ter claro quais as potencialidades pedagógicas do livro,
visibilizando o que ele possibilita ensinar, no entanto, não deixar que o aspecto do ensino seja
ressaltado sobre o prazer da leitura/escuta da obra.

Sobre a importância de ouvir histórias na infância...

Para finalizarmos esse tópico de discussão, trazemos algumas reflexões sobre a


importância da contação de histórias para a formação da criança.
Podemos lembrar que contar histórias é uma antiga forma de transmitir conhecimentos,
valores, fantasias e memórias. É uma prática que atravessa a história da humanidade.
Toda criança poderá ter contato com histórias desde que nasce ou até mesmo quando
está no útero materno, no momento em que sua mãe lhes conta alguma historinha, quando
bebês, muitas vezes, escutam pequenas narrativas presentes nas tradicionais músicas de
acalanto, cantadas por sua mãe, seu pai, avós, tias/tios, responsáveis ou amigos/as. E, ao
proporcionar essas historietas às crianças, o adulto inicia um processo de estímulo à imaginação
e criatividade o que, certamente vai despertar sentimentos e emoções, assim como estimula o
próprio desenvolvimento da linguagem, da construção de sentidos e significados. E, no
processo de desenvolvimento infantil, até mesmo na fase adulta, as histórias vão provocar o
despertar dos mais diversos sentimentos: alegria, tristeza, revolta, prazer, raiva, medo,
compaixão, curiosidade, incerteza, paz, bem-estar e outros mais. A criança, ao escutar uma
história, cria seu mundo imaginário.
Segundo Gilka Girardello (2007), o hábito de contar histórias é um recurso que estimula
a imaginação e a leitura, oportunizando que a criança aumente seu repertório cultural e crie
referenciais importantes ao desenvolvimento subjetivo.
Todos/as nós, em geral, gostamos de ouvir e contar histórias. Tanto histórias reais de
nossas vidas, como histórias literárias. Afinal quem não lembra dos momentos de sua infância
em que alguém, mãe/pai, avós, tios/as ou outras pessoas contavam histórias permeadas de dores
e amores, com finais felizes e também tristes. Histórias de aventuras, de lobisomem, botos, sacis

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pererês, fantasmas, princesas e seus príncipes encantados, dentre outras. Esse fato faz parte de
nossas vidas.
O encantamento de contar histórias faz parte do mundo infantil e adulto. Ao chegar à
escola, a criança, tanto da educação infantil, como dos anos iniciais e até mesmo dos anos finais
serão privilegiadas se tiverem professores e professoras que lhes oportunizem esses momentos
lúdicos e de conhecimento que deverá acontecer de forma planejada, mas sem cobranças
avaliativas, que seja um momento de despertar interesse da criança e do jovem para o universo
literário. E, nesse contexto, é importante salientar que

A obra infantil tem sua dimensão artística assegurada quando rompe


com o pedagógico, enfim, com o ponto de vista do adulto e, através de
um exercício de qualidade com a linguagem, leva o leitor a uma
abrangente compreensão da existência. (ZILBERMAN,1981)

O/a educador/a, em seu planejamento, deverá escolher um local e hora apropriados para
a contação de histórias que poderá ser feita com as crianças em círculo na sala de aula, na
biblioteca, no pátio de recreio, no jardim da escola ou em outro espaço aconchegante. Antes de
iniciar,

é bom pedir que se aproximem, que formem uma roda, para viverem
algo especial. Que cada um encontre um jeito gostoso de ficar: sentado,
deitado, enroladinho, não importa como... cada um a seu gosto... E,
depois, quando todos estiverem acomodados, aí começar “Era uma
vez...” (ABRAMOVICH, 1997, p. 22).

Na narrativa feita pelo educador, é importante que os elementos do texto sejam bem
captados, revelando o ambiente e situação em que se passa o enredo da história que poderá ser
lida ou contada. O contador ou contadora transformam-se em intérpretes, passam a interpretar
as personagens, aumentando ou diminuindo a voz, sussurrando ou mudando de expressão de
acordo com as características dessas personagens e do conteúdo da narrativa. As respostas das
crianças serão diversas, pois cada criança é única e tem suas predileções, indiferenças e medos
em relação aos enredos das histórias escolhidas. Assim, quando ler ou contar uma história, não
tenha medo de interpretar de deixar fluir as emoções junto com a história!
Tanto as histórias contadas com apoio do livro, quanto as sem esse apoio, são
importantes para a construção da criança, cada qual oferecendo suas contribuições. Assim, cabe
ao professor/a utilizar essas diferentes estratégias com apoio da literatura infantil, isto é, leitura

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ou contação, em diferentes momentos pedagógicos, podendo utilizar, quando não apoiado no


livro, de dedoches, de bonecos, de fantoches, entre outros recursos que possibilitem a
construção de significados e sentidos para a história, para além da voz, de entonação e dos
gestos corporais e expressões faciais.
Destaca também Girardello (2011, pág. 82) que “as histórias permitem um exercício
constante da imaginação em seu aspecto mais visual. Isso ocorre tanto em relação aos contos
literários quanto aos casos contados no meio das conversas, tão apreciados pelas crianças.”.
Nesse sentido, Girardello (2007) destaca aspectos importantes e essenciais do contar
histórias sem o uso de livros, tanto a partir de textos literários como de experiências vividas ou
imaginadas. Ela declara que a leitura de história é mais valorizada e reconhecida no campo
literário o que não acontece com a história contada sem o apoio do livro, que é vista muitas
vezes como um simples passatempo. Essa autora, avaliando as falas e os questionamentos
levantados por professoras de educação infantil de diferentes cidades brasileiras com quem
realizou cursos e oficinas sobre o tema da narração de histórias, em diálogo com vários/as
teóricos/as, destaca alguns aspectos de ordem técnica no intuito de valorizar o trabalho de narrar
histórias nas creches e pré-escolas.

1. A compreensão narrativa - destaca a importância de saber de que formas a narrativa


chega à vida das crianças e qual a intensidade desse contato de acordo com seu grau de
fragilidade social e psicológica do contexto e de suas diferenças. As narrativas fazem
uma ponte entre os valores e crenças abstratas e a materialidade do contexto
experimentado pelas crianças.

2. Narração como “Conspiração” - revela o caráter dialógico das narrativas orais. Nelas há
sempre troca que

não ocorre apenas no plano da linguagem, mas também através do ar: pelo
sopro compartilhado em que vibra a voz de quem fala no ouvido de quem
escuta, pelo calor físico gerado pelos gestos de que monta e de quem reage,
pela vibração motriz involuntária – arrepios, suspiros, sustos – causada pelas
emoções que a história desencadeia. (pág. 3).

Neste item destaca três aspectos: a voz, a presença e a imaginação. Faz reflexões sobre
as peculiaridades sutis que distinguem a leitura da história e a narração sem o apoio do
livro, sobre a atitude física do contador de histórias e o que ela representa na interação
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com a criança e destaca que a troca narrativa com crianças pequenas possui muitas
dimensões, além do estímulo à leitura, e provavelmente todas elas – ao enriquecerem a
linguagem e a imaginação - acabam também favorecendo o amor aos livros.

3. A produção narrativa da criança - A competência narrativa, cuja aquisição envolve


enorme complexidade, é desenvolvida através da relação com os adultos, e na interação
social de modo geral. Os relatos de experiência pessoal são considerados um importante
espaço de construção social do eu.

Tendo-se a ciência de o ato de ler e ouvir história são imprescindíveis no processo de


formação de um sujeito crítico reflexivo não é mais possível adiar o trabalho com práticas
literárias nas instituições de ensino. As crianças, muitas vezes, não têm oportunidade de
convívio com leituras em suas residências, logo, cabe à escola e seu corpo docente a o
compromisso de formar leitores/as admiradores/as e produtores/as de histórias. É compromisso
da escola, do/a professor/a. Assim sendo, urge que o educador/a seja um leitor apaixonado.

Propondo estratégias de trabalho com a Literatura infantil na educação sexual…

Neste curso, cada tópico irá propor a leitura de obras de literatura infantil de acordo com
a temática em discussão. Ao final de cada texto de leitura obrigatória, iremos trazer algumas
estratégias possíveis que podem basear um processo de educação sexual apoiado na literatura
infantil. Essas estratégias não significam receitas, mas ideias a partir das quais cada professor/a
ou educador/a pode se fundamentar, fazendo as adaptações necessárias conforme o contexto e
as crianças com as quais convive, tendo em vista proporcionar às crianças conhecimentos que
as permitam compreender as diferenças familiares, de gênero, étnico-raciais, assim como
compreender seu corpo, ter acesso à informação que esclareça suas dúvidas e saiba reconhecer
uma situação de violência e a quem pode recorrer.
Assim, no presente tópico, sugerimos a leitura do livro “O príncipe Cinderelo”.
Deixamos, então, algumas possibilidades e reflexões sobre a obra:
Este livro é uma versão divertida do clássico infantil Cinderela. O príncipe Cinderelo
não correspondia ao estereótipo de príncipe, era baixinho, magricela e também sofria com os
abusos de seus três irmãos. Nessa história também há uma fada madrinha, mas é muito

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desastrada e transforma o príncipe em um macaco grande e peludo (era o sonho do Cinderelo


ser grande e peludo). Por ser muito grande, não consegue entrar na discoteca e ao voltar para
casa, encontra a princesa Belarrica, e o final você já pode imaginar…
A partir da leitura da obra com as crianças, destacamos como possibilidades, então:

1. Essa história permite que a criança perceba outras formas de masculinidade; é


potente para questionar a violência que o príncipe sofria pelos irmãos por não
corresponder ao modelo de masculinidade instituído; pode possibilitar também pensar
o modelo de princesa, e de mulher, que é a quem pede o príncipe em casamento.
2. A partir da leitura desse livro, você pode convidar as crianças a continuarem a
história e a representar em forma de desenho essa continuidade.
3. É possível discutir com as crianças sobre preconceito e modelos de
masculinidade e feminilidade, construindo uma produção textual (um poema, um verso,
uma carta direcionada aos irmão do príncipe, etc.) a partir desse debate.

Atenção!
No fórum de debates deste tópico 1, você pode deixar seus comentários sobre a obra e apontar
outras estratégias possíveis de realização com as crianças no âmbito da educação sexual.
Vamos lá?

Referências:

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: Gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1997.

BOURDIEU, Pierre. Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand, 1999.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. São Paulo: Paz e Terra,
2015.

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FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. . Rio de Janeiro (5a ed.):
Paz e Terra, 2017.

GIRARDELLO, Gilka. Voz, Presença e Imaginação: a narração de histórias e as crianças


pequenas. In: Fritzen C, Cabral GS. Infância: Imaginação e Educação em debate. Santa
Catarina. 1ª ed. Papirus; 2007, p.39-57.

GIRARDELLO. Gilka. Imaginação: arte e ciência na infância. Pro-Posições, Campinas, v. 22,


n. 2 (65), p. 75-92, maio/ago. 2011. Disponível em:
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GREGORIN FILHO. José Nicolau. Concepção de infância e literatura infantil. Revista USP
Linha D’Água, São Paulo, n. 22, 2009. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/linhadagua/article/view/37329>. Acesso em: 25 fev. 2019.

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. 6. Ed. São Paulo: Ática, 2005.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: das afinidades políticas às tensões
teórico-metodológicas. Educação em Revista, n. 46. p. 201-218. dez. 2007. Disponível em:
<https://www.scielo.br/pdf/edur/n46/a08n46> Acesso em 15 março 2020.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista.


Petrópolis: Vozes, 1997.

LOURO, Guacira Lopes. Pedagogias da sexualidade. LOURO, Guacira. (org.) O corpo


educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 7-34.

Organização Mundial de Saúde – OMS. OMS retira transsexualidade da lista de doenças


mentais, Países têm até janeiro de 2022 para se adaptar. (201).Disponível em:
http://portalcultura.com.br/node/49907

PEREIRA, Mara Elisa Matos. Origem e problemáticas da literatura infanto-juvenil. ULBRA


(org). Literatura infanto-juvenil. Curitiba: Editora Ibpex, 2009. p. 25-38.

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XAVIER FILHA, Constantina. Gênero, corpo e sexualidade nos livros para a infância. Educar
em Revista, edição especial, n. 1, 2014, p. 153-169. Disponível em:
<https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-
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ZILBERMAN, Regina. MAGALHÃES, Ligia Cademartori. (org). Literatura Infantil:


autoritarismo e emancipação. 2. ed. São Paulo: Ática, 1987.

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